ERA UMA VEZ UM ELFO
Era uma vez um elfo (que é uma fada macho) que estava apaixonado por uma
princesa que não existia. Nunca, nunca um elfo se deve apaixonar por menos que
uma princesa, mas, coitadas, há tantos elfos que nem todas elas podem existir.
Ora estar apaixonado por uma princesa que não existe, ou mesmo por qualquer
senhora do mesmo país, é uma coisa muito incómoda. As pessoas que não existem
não têm conversa, nem convívio, nem mesmo coisa nenhuma. Não são bons pais
nem boas mães, porque não são pais nem mães, o que enfim sempre é uma
desculpa, mas, como todas as desculpas, não adianta nada.
Ora este elfo queria alcançar a princesa que não existia, por quem estava
apaixonado. E pôs-se a ler livros de fadas, e a ver como é que se conseguia obter o
amor e o casamento de uma princesa. Mas, infelizmente, os livros de fadas não
falam de elfos que se apaixonassem, nem de princesas exactamente como aquela,
porque as outras estavam todas a existir em qualquer parte, mesmo que fosse só
na última página do conto.
Por isso o elfo não aprendeu nada dos livros de fadas, e a mesma coisa sucede a
muita gente em muitos livros, apesar de muito anunciados, como costumam ser os
livros de fadas e outros livros para meninos e meninas.
Então o elfo pôs-se a pensar. Para isso sentou-se num degrau de uma porta,
encostou os cotovelos nos joelhos alçados e meteu na boca o polegar da mão
direita, que era a que estava por cima das duas mãos que estavam cruzadas.
Começou a roer a unha do polegar, mas isto não deve ser feito por meninos ou
meninas, mas só por elfos e ninguém pode ser elfo assim ao acaso ou porque quer.
Pensou, pensou, pensou, e não chegou a nada, que é o que costuma acontecer a
todos os homens do mundo quando pensam; só os homens não dão por isso e o
elfo conseguiu dar.
Como viu que ler não serve de nada (para os elfos), e que pensar não serve para
nada também (para os elfos), decidiu fazer um embrulho da sua roupa, e com ele e
com um cajado seguir caminho para parte nenhuma para ver se encontrava
qualquer coisa que não sabia o que era, para ver se lhe dizia como havia de matar
o dragão, que só agora se lembrava que existia mas preferia não encontrar, e fugir
aos ladrões, e encontrar num palácio a princesa que não existia, e casar com ela e
receber grandes presentes dos reis seus sogros, que, por sinal, se tinha esquecido
de fazer até não existir.
Foi andando, foi andando, e por fim chegou a uma caverna (quem anda muito
chega sempre a uma caverna), e viu à porta um velho muito velho de barbas
brancas muito brancas e via-se na cara dele que parecia de quem quer dormir que
estava a pensar muito muitos pensamentos.
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O elfo chegou ao pé do velho e puxou-lhe um braço, o que é uma grande má
criação. Depois, como o velho não desse acordo de si, nem desacordo, deu-lhe um
pontapé naquela parte do cu que estava saída para fora da pedra em que estava
sentado. Isto é também uma grande má criação e nem mesmo com mendigos se
deve fazer. O velho, coitado, acordou de pensar e disse «Irra!» É o que qualquer
pessoa diria, pouco mais ou menos.
Depois o velho acordou completamente e perguntou, «O que é que quer?», o que é
natural, porque uma pessoa que nos acorda deve querer dizer-nos qualquer coisa,
pois se quisesse bater-nos era mais fácil bater-nos estando nós a dormir. É claro
que o pontapé que o elfo pregou no velho foi só para lhe chamar a atenção e foi
numa parte mole.
Texto inacabado de Fernando Pessoa
in NOGUEIRA, Manuela, O melhor do mundo são as crianças: antologia de poemas e textos de
Fernando Pessoa para a infância, Lisboa, Assírio & Alvim, 1998.
SUGESTÃO:
A história que acabaste de ler foi escrita por
Fernando Pessoa, e não está concluída…
Imagina que também és um grande escritor
e inventa o final da história. Depois desenha as personagens do texto e
pinta-as como desejares.
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