CONSIDERAÇÕES SOBRE A ESCRITA EM HISTÓRIA DA
EDUCAÇÃO NA ATUALIDADE, EM PAUTA: NOVOS OBJETOS,
FONTES E NOVOS PROBLEMAS
Daniele Hungaro da Silva1
Universidade Federal de Santa Catarina
Resumo
O objetivo deste artigo é transcorrer sinteticamente a discussão que perdurou durante o semestre
da disciplina de História da Educação do Brasil a respeito das metodologias de estudo
direcionadas à linha de pesquisa de História e Historiografia da Educação. Considerando que
para se fundamentar um estudo teórico em história da educação é necessário pesquisar de
acordo com o que já foi escrito ou registrado, o artigo contempla autores que, interessados pelo
movimento da revista Escola dos Annales, produziram marco de (re) significação das novas
ideias e novas práticas de pesquisa dentro deste campo, tais como Vidal (2010), Elaine
Rodrigues (2012), Marta Maria de Carvalho (2005), Clarice Nunes (2005), Le Goff (1990),
Lopes (1986), Maria Stephanou & Maria Helena Camara Bastos (2004). O artigo investiga as
principais contribuições que estes trouxeram, e que ainda trazem na investigação das
perspectivas teórico-metodológicas de pesquisa historiográfica. No Brasil, o século XX
significou um século heterogêneo ao que tange às disputas de referenciais teóricometodológicos no campo de pesquisa em história da educação. Neste sentido, o artigo
contempla uma visão do que se tem de discussão sobre as representações nas pesquisas
historiográficas no recorte temporal que compreende o século XX no Brasil. A diversidade de
temas, problemas e abordagens teóricas dentro do campo de pesquisa em história e historia da
educação evidenciam a complexidade dos estudos acerca da construção do objeto investigativo
e contextualizado. O artigo acompanha a discussão de autores que revelam em tempo e
memória, a configuração do que se manteve (e ainda se mantém) de aporte teórico entre os
pesquisadores deste campo. Por ter sido durante muito tempo desconsiderada a definição sobre
a fundamentação teórica nas práticas de pesquisa em história da educação, este artigo objetiva
transcorrer acerca do debate, o qual processa, mais especificamente, a necessidade que o
historiador tem de desmitificar o que já se conhece por práticas de pesquisa.
Introdução
Este artigo, baseado em reflexões realizadas nas aulas de mestrado em educação,
discute alguns aspectos daquilo que pode ser chamado de reinvenção da escrita da
história da educação. Para tanto, faz-se necessário apresentar algumas considerações
acerca dos três grandes campos metodológicos que têm embasado pesquisas neste
1
Atualmente está matriculada como aluna do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e História da
Educação da Universidade Federal de Santa Catarina. Possui Graduação em Pedagogia pela Universidade
Estadual de Maringá, UEM (2012). Email para contato [email protected].
1
campo: o Positivismo, o Marxismo, e a História Cultural2. Acredita-se que, tão
importante quanto as produções historiográficas referentes às temáticas individuais de
cada tema de pesquisa, são as reflexões acerca dos procedimentos adotados em tais
produções historiográficas, visto que tal clareza é exigida no estudo de qualquer
temática e/ou filiação teórico-metodológica.
O entendimento é que o historiador da educação deve ter uma formação que o
possibilite conhecimentos acerca de teoria e metodologia da História, portanto, recorrese aqui a discussões de alguns autores estudados ao longo do curso, tais como Vidal
(2010) Rodrigues (2012), Carvalho (2005), Nunes (2005), Stephanou & Bastos (2004)3,
os quais, além de ressaltar a importância de tal formação para o educador, fornecem
elementos para pensar a escrita historiográfica. Outros autores analisados no estudo
podem ser situados na chamada perspectiva da nova história, tais como Jacques Le
Goff, Roger Chatier, Michel de Certeau, Marc Bloch, Michael Foucault. Estes ajudam a
(re) pensar a escrita e a pesquisa em história da educação na atualidade, ou seja, ajuda a
pensar estas reflexões feitas dentro do campus universitário.
Ao retomar o debate realizado ao longo do século XX sobre a produção
historiográfica, toda a disputa entre as diferentes perspectivas que se desenhou na
educação até 1960, com o marxismo e, a partir de 1990 com a nova história, tratar-se-á
de discutir sobre as disputas por espaços teóricos na pesquisa em história da educação.
Logo, o exercício fornece elementos para compreender o campo nos qual estamos
inseridos, além de suscitar reflexões sobre nosso próprio objeto de pesquisa.
A escrita da história na perspectiva positivista caracterizava-se pela necessidade
de se criar heróis (grandes homens), construindo uma narrativa de sentido linear (sem
rupturas), tendendo a história a apresentar caráter utilitário ao incluir autores cujos
escritos enfatizavam o ideal de formação da nacionalidade, noção pátria e cidadania. Já
a predominância teórico-metodológica do materialismo histórico (ou marxismo),
constituía a escrita da história pela crença de transformação social e do trabalho, trata-se
de uma a história que parte da compreensão das lutas de classes.
De acordo com o que aborda autores referenciados por este artigo, tal perspectiva teórica tem a história
narrativa como marco de suas vertentes.
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Há diversidade de opinião entre os autores que compartilham perspectivas de investigação direcionadas
ao sentido teórico-metodológico da escola dos Annales. Em virtude da proposta feita para elaboração do
artigo, enfatiza-se a restrição do texto quanto a descrição de todos os autores discutidos na disciplina bem
como a definição de elementos particulares que diferem a fundamentação teórica dos autores
supracitados.
2
2
A proposta de fazer história do que não é conhecido, das lutas e relações
humanas, uma história problematizadora do social, preocupada com as massas
anônimas, emerge da perspectiva da nova história cultural. O surgimento da Revista dos
Annales no Brasil (1990) significou um importante marco de representação ao procurar
dissociar o que se tinha de escrita em história e história da educação da tendência
positivista ou marxista. Tal perspectiva não faz opção de trabalhar somente com o que
determina o contexto econômico na totalidade, este aspecto se torna apenas um dos
determinantes.
Neste sentido, a ênfase dada por esta abordagem teórica passa a ser a escrita das
representações, e daquilo que significa “a escrita do real”. Convém recorrer ao conceito
de representação apresentado por Chartier (1990), mais especificamente na advertência
que faz de que ela “[...] supõe uma distinção radical entre aquilo que representa e aquilo
que realmente é representado” (CHARTIER, 1990, p. 20). Em outras palavras, a
pesquisa em história não deve tomar as representações dos acontecimentos históricos
como expressão do real, como o que de fato ocorreu com os homens ao longo do tempo.
Estudar história com a perspectiva da nova história cultural significa estudar as
questões que se circunscrevem no microssomo social (relações sociais) para que assim
se possa conhecer sobre a totalidade humana, as lutas, os sentimentos, os prazeres, os
modos de sentir, de viver, de pensar. Ao pesquisar história da educação na perspectiva
da nova história, faz-se necessária a distinção do que seja o recorte do objeto de cultura,
objeto econômico e objeto político. Trabalhar com o objeto cultural, e também com o
objeto de cultura direcionado à educação, significa trabalhar com outras áreas. Assim, a
nova história não toma o contexto histórico a priori, mas seleciona o objeto. Neste
contexto, todas as fontes são significativas para conhecer o objeto de investigação, para
construir e selecionar o contexto em que o objeto vai ser trabalhado com as demais
disciplinas do saber.
Isso posto, inicia-se a reflexão proposta. Inicialmente, há é apresentada uma
discussão de cunho teórico-metodológico, em seguida, algumas questões consideradas
pertinentes sobre as fontes para pesquisas em histórica da educação e, finalmente, é
realizada uma abordagem mais específica sobre o campo, sempre tendo como base os
conteúdos trabalhados na disciplina.
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Algumas considerações teórico-metodológicas
Pesquisas que se constituem de características metodológicas demarcadas pela
construção do objeto, recorte de pesquisa e recorte dos procedimentos metodológicos,
caminham pelo prisma dos Annales. A nova roupagem de pesquisa apresenta um forte
embate com as pesquisas das filosofias do materialismo e do positivismo. Esta, que
aborda a história como produção de verdade, dos heróis, e dos fatos importantes como
caminho para pesquisa a utilização de fontes e documentos de legislação
governamental, sinaliza em seus discursos escritos critérios de verdade a fim de tornar a
escrita histórica historicizante, linear, acontecendo o desencadeamento dos fatos sem
rupturas.
A nova abordagem trabalha com vários campos dentro da história, e não apenas
uma história única e de sentido linear. Nenhum método é definido antes da definição do
objeto. História dos Annales parte de uma concepção de rupturas, diferentemente do que
se havia trabalhado em outras perspectivas teóricas nas pesquisas de cunho científico até
então. Desta forma, a escrita da nova história trabalha com objetos setorizados, e o
método (fundamentação teórica) se constitui somente junto com a construção da
pesquisa. A pesquisa em história cultural permite investigar sobre as diferentes
perspectivas da história, como história das mentalidades, história das mulheres entre
outras.
A história oscilou entre os limites temporais que definiam as formas
particulares do trabalho, da vida e da linguagem do homem e sua
positividade histórica. A história fragmentou-se em várias direções: a
educação foi uma delas (NUNES; CARVALHO, 2005, p.23).
Nesta perspectiva, é possível investigar o diálogo da história com outras
ciências. Um dos entendimentos mais importantes possibilitados ao longo da disciplina
e que vale a pena mencionar é o entendimento de que a história não deve estar isolada,
mas trabalhada de maneira interdisciplinar. Ou seja, a história conversa com outras
histórias de outros campos do conhecimento. A história é uma interpretação do presente
sobre o passado. Assim sendo, a história é uma representação, é trazer para nossa
presença, aquilo que está ausente (passado), é construir um sentido de representar uma
interpretação.
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A compreensão de que passado é uma construção constante e feita no presente
revela o sentido que recorre ao passado motivado por questões contexto atual, o que
permite afirmar que a história não está dada a priori, e que é possível de ser buscada no
passado. Para este feito, o sujeito deve cristalizar o presente para interpretar o passado.
O ser historiador é o ser representativo do presente, assim, deve ter em mente a história
como o recorte singular (fragmento, só se conhece o que foi escrito e interpretado sobre
algo do passado), a redação que se propõe a escrever história e a história do presente
daquela época em que foi escrita.
A demarcação de desdobramentos filosóficos que buscam explicitar as
características do cotidiano da vida humana histórica e socialmente se constitui nos
campos do saber a pesquisa em história cultural. Redefinir focos de interesse do
pesquisador significa em tal postura, o abandono dos grandes recortes temáticos e a
opção por análises pontuais, delimitadas e tão exaustivas (descritivas) quanto possível,
da particularidade das práticas e dos produtos culturais investigados. Este impacto se faz
refletir como problematização a construção do sujeito no campo social e suas práticas,
implicando a incorporação de referenciais teóricos atentos aos processos históricos de
constituição dos objetos investigados.
Com a preconização do objeto e marco das fontes e das práticas culturais, a
perspectiva da nova história cultural criada pelo grupo dos Annales (1990) no campo da
história, permite fazer a investigação os objetos setorizados. Neste sentido, objeto
investigativo passa a ser representado como produto de uma prática cultural, das
estruturas humanas de longa ou de curta duração, que se define como: história das
mentalidades, história de longa duração (estruturantes do pensamento humano)
preocupa-se com as estruturas e crenças do comportamento humano que de certa forma,
mudam muito lentamente, tendendo por vezes a inércia e á estagnação. Tal concepção é
importante para se compreender a história cultural e a ideia que embutida ali representa
multiplicidades de padrões culturais.
Em uma de suas discussões a respeito do assunto, Rodrigues (2012) apresenta a
definição de história cultural como sendo a relação de memória, história das
mentalidades com a história da educação brasileira. De acordo com a mesma autora, a
história social seria a história que privilegia as relações econômicas para definir as
formas de viver, sentir, pensar do sujeito ehistória total a abertura de novos campos do
conhecimento.
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As leituras realizadas ao longo da disciplina possibilitaram a compreensão das
especificidades da investigação em história, a qual trabalha com formas de raciocínio
próprias e, portanto, possui seus limites e exigências. O trato com as fontes é
fundamental para o campo e é foco da discussão de Nunes e Carvalho (2005, p. 29) que
questionam: “Por que centrar a discussão em torno das fontes?”. Após as obras tomadas
para este estudo das autoras Rodrigues (2012), Vidal (2010), Carvalho (2005), Nunes
(2005), considera-se importante historiador, fazer o levantamento bibliográfico e
construir um mapeamento das fontes. Estar atento em localizar no discursode cada
leitura, a distinção dos elementos inerentes a forma de se problematizar. Desta forma, se
atentar ao diálogo do fenômeno investigativo e fazer perguntas a fonte: Qual meu objeto
investigado? Qual a perspectiva teórico-metodológica adotada? Como foi conduzido o
processo de garimpagem das fontes? Qual problematização da pesquisa?
Sobre esta ideia, a ciência da história de conjunto com a ciência da antropologia,
conforme se explica no tópico seguinte, explicita como o objeto pesquisado se comporta
dentro do campo da pesquisa historiográfica; como limpar o terreno tendo em vista o
objeto em evidência, a problematização e as perguntas a fonte. Ao se refletir sobre as
leituras dos autores que contribuem para a nova construção da prática de pesquisa
historiográfica, nota-se novas práticas de produção do historiador.
O cuidado com as fontes: a ida aos arquivos como problema do pesquisador
A ida aos arquivos tem um significado próprio dentro da prática da pesquisa em
história. As novas abordagens evidenciam a importância que tem o historiador de fazer
o levantamento bibliográfico do que considera em boa parte relevante para a pesquisa.
As discussões que ocorreram à disciplina possibilitaram o deslocamento do sentido que
até então se tinha de memória4 para as perspectivas sobre o critério de verdade em
produção de pesquisa científica. Desta forma, o critério de verdade criado pelo
historiador e de onde ele está partindo (método), faz construir a relação que ele cria com
o objeto de pesquisa (problematização), e a maneira como ele interpreta a história, a
partir das fontes que ele possui, do limite de temporalidade, dos limites geopolíticos
4
É importante que se mencione a impossibilidade de trazer de maneira explanaria esta discussão em
virtude do recorte aqui feito. Com certeza possibilidades variadas de problematizações poderiam ter sido
pensadas, até porque reporta a relações de poder, base teórica bastante complexa fundamentada nos
estudos de Foucault (2000). Além dessa possibilidade de pensar a escrita da história, Foucault (2000)
oferece elementos para pensar a instituição escolar que, tal como outras instituições, trabalha com
modelos, com padrões. Acredita-se em outros momentos novas e importantes reflexões serão
estabelecidas.
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encontrados por ele próprio. Por isso, o pesquisador deve se atentar ao poder do doador
das fontes, do organizador dos acervos e do usuário que os manipulam.
Há, portanto, um diálogo constante entre referência e sentido, já que o sistema
de referência pode colocar o sistema de sentido em risco. Em outras palavras, no fazer
historiográfico a importância que se tem é de considerar nas fontes a significação ou
representação do “real” encontrado. “O sentido é, este caso, não apenas o ponto de
chegada, mas principalmente o ponto de partida. Parte-se não apenas dele, mas com
ele.” (NUNES; CARVALHO, 2005, p.36).
Desta maneira, é necessário que o leitor se localize no discurso, que esteja atento
tanto ao que ele pretende construir quanto ao que ele tem de fonte para pesquisar.
Mapear fonte é, portanto, “[...] preparar o terreno para uma crítica empírica vigorosa
que constitua novos problemas, novos objetos e novas abordagens” (NUNES;
CARVALHO, 2005, p.35).
De acordo com Rodrigues (2012), Nunes (2005) e Carvalho (2005) a ida aos
arquivos está vinculada ao interesse do pesquisador, uma vez que não se pode perder de
vista o interesse do doador das fontes e a forma de como este acervo está organizado.
Confirmando esta ideia, Nunes e Carvalho (2005) discutem a atitude típica do
historiador em ir aos arquivos, esta que é acompanhada de dois tipos de dificuldades: as
de ordem mais geral, que afetam a existência das instituições-memória da sociedade e as
de ordem específica, que têm a ver com a lógica das instituições que os guardam. De
acordo com o que manifestam as autoras, as dificuldades de ordem mais geral se
encontram a sistemática destruição de fontes históricas e dos suportes da memória
coletiva, visto que muitas fontes já se perderam ounão existem mais.
Neste sentido, a relação dado empírico com identidade pessoal vêm sendo em
muitos trabalhos desconsiderado pelo historiador. “É evidente que tais representações
não são apenas criações do espírito, mas produtos da mentalidade de uma certa época,
certas categorias sociais e de determinados grupos.” (NUNES; CARVALHO, 2005,
p.37). A riqueza do dialogo das fontes com as teorias é, portanto, a possibilidade de,
além de problematizar ambas, alterar as representações que temos não só delas, mas
também da própria pesquisa histórica.
Desdobrando a relação de fontes com o fazer historiográfico, observa-se a noção
de temporalidade. Adotar uma concepção restritiva do documento significa deixar de
lado justamente sua historicidade. Bloch e Le Goff criticam a ilusão que leva o
historiador a imaginar que para cada problema histórico há um tipo de documento
7
correspondente. De acordo com o autor, “Seria uma grande ilusão imaginar que a cada
problema histórico corresponde um tipo único de documentos, especializado para esse
uso [...]” (BLOCH, AP. LE GOFF, 1990, p.98).
Em um determinado e mesmo tempo, várias representações. Neste sentido, a
história sofre rupturas com o tempo, dando vida a uma visão pluralista. O tempo então é
recortado sem nenhuma linearidade construindo-se a dialética do tempo histórico. A
partir desta ideia, Nunes (2005) esclarece que “[...] as interrogações que compõe um
objeto de estudo podem exigir que o historiadortrabalhe com diferentes temporalidades,
por exemplo” (NUNES, AP. NUNES, 2005, p.73).
É daí que emerge a concepção de que no campo historiográfico fatos históricos
são representações dos marcos de acontecimentos em evidência, como, por exemplo, o
descobrimento do Brasil em 1500 e a proclamação da República 1889. No entanto, ao
que tange a produção dos trabalhos de pesquisa em nova história, estes fatos podem se
tornar marco consagrado ou não. Esta perspectiva defende a maneira que o historiador
adota dados documentais que a historiografia apontou como vestígios para que se
chegue a uma representação.
Partindo deste pressuposto, o que se coloca em questão são as reflexões do
grupo dos Annales para as práticas de pesquisas, portanto, não são apenas as teorias em
si, mas as representações que temos delas. Confirmando esta ideia,
Teorizar a fonte usada é desnaturalizá-la. É compreendê-la como
monumento, no sentido que Le Goff (1984) apresenta. É ultrapassar a
barreira simbólica que ela se constitui para a compreensão do próprio
pesquisador. É findar com a ilusão positivista de que se reportando a
elas, estamos nos reportando aos fatos como elas aconteceram, ilusão
que persiste apesar dos nossos arsenais teóricos. Tenho lido vários
trabalhos para pareceres em comitês editoriais, comitês científicos e
bancas de dissertações e teses e observo como o pesquisador se deixa
levar e aprisionar pela lógica interna de certas fontes a partir do
fascínio que elas exercerem, o que empobrece e reduz a análise. O
feitiço vira contra o feiticeiro! O argumentador fica confinado ao
ponto de vista dos nativos, como diriam os antropólogos (NUNES,
2005, p. 73).
Em linhas gerais, o cuidado com as fontes que traz a perspectiva da nova história
nos dá noções de representações, ou seja, dá noções de que os documentos são
constituídos por relações sociais, daquilo que foi construído materialmente e
culturalmente pelos homens. Neste discurso, são estabelecidas relações de poder e de
interesse próprios, que por nós são imperceptíveis nos trabalhos de pesquisa. Desta
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forma, um documento em si não constitui todas as discussões, mas se permeia as
possibilidades de um documento se descobre as gamas múltiplas de relações sociais.
A partir dos estudos, neste tópico foi possível vislumbrar que mapear fontes é,
portanto, preparar o terreno para uma crítica empírica vigorosa que constitua novos
problemas, novos objetos e novas abordagens. Afinal, as fontes da história da educação
definem, em boa parte, os limites e as possibilidades das reconstituições que fazemos
com a ajuda da documentação disponível.
Considerações sobre as especificidades da história da educação
Para a reflexão do que significou o processo de ressignificação do estudo em
história cultural e história da educação, faz-se necessário, agora, considerar a escola
como cultura própria e constitucional da história social. No entanto, o estudo da história
da cultura escolar procura estabelecer a dinâmica interna do funcionamento escolar. A
escola é produtora de uma cultura original da cultura social.
No sentido do que se tem escrito de história educacional relacionada à história
da cultura, faz-se necessário investigar sobre a disciplina de história da educação
estabelecendo conexões quanto a sua “originalidade”. Neste sentido, as indicações do
aporte bibliográfico historiográfico sugerem por hora como marco fundador da história
da educação, a disciplina escolar, tendo o positivismo a preocupação em transformar a
esta história em ciência. Emergida das universidades e escolas normais europeias no
final do século XIX, e forjada pela defesa da necessidade de um ensino sistemático da
pedagogia, se iniciou justamente com sua própria história e arte de ensinar.
No Brasil, o surgimento da história da educação não se dissocia da história desta
disciplina na Escola Normal. “Enquanto especialização da história, a história da
educação é visualizada no bojo de um movimento de reação do positivismo contra a
metafísica, na ânsia de alcançar o estatuto científico para as ciências sociais” (LOPES,
1986, p.18). Assim,
Não se trata de recuar indefinidamente na busca de origens, mas marcar
um momento específico e as influencias que tem repercussões sérias
sobre a constituição da disciplina. Ainda, na relação da história da
educação com a história, a explicação recorrente do movimento
fundador esconde os efeitos de uma configuração epistemológica que
criou uma forma própria de ver a pedagogia e lidar com ela.A
simplificação corre por conta de uma ligação, por vezes mecânica, que
estabelece entre história da educação e a matriz positivista do
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pensamento educacional ocidental no século XIX (CARVALHO;
NUNES, 2005, p. 21).
A partir disso, a história da educação nasce como disciplina escolar dos cursos
de magistério como base prática de como se ensinar história para alunos de primeira a
quarta série. Na década de 1970 começa a se discutir como essa disciplina se constitui
como saber e como este campo se consolida. Confirmando sobre a construção histórica
da pesquisa em história da educação,
A história da educação nas Escolas Normais surgiu dentro de uma
análise que recortou, no tecido da história, o “assunto” relativo ao
lugar da qual era observada.[...] Nesse sentido, a disciplina de história
da educação, fruto da modernidade, funcionou como freio à
implantação dos seus próprios valores, reforçando pertencimentos
tradicionais ainda presentes na vida das cidades. Através dela, a
educação, mais do que um instrumento de aperfeiçoamento, como
liberais e socialistas haviam imaginado aparecia como a reiteração de
uma “perfeição passada”. Sua abordagem no plano de uma história
das ideias pode ser vista também como uma reação á própria
fragmentação disciplinar. Ela buscou compreender o pensamento
pedagógico na unidade e remetendo-o a uma origem sempre
indefinida (NUNES; CARVALHO, 2005, p.24).
Neste sentido, aduzem-se argumentos de que o campo da história da educação
surgiu como resposta dos educadores e que por este motivo, “[...] a história da educação
como especialização da história não é uma refutação da pedagogia. É um deslocamento
que cria um novo ângulo de apreensão das questões pedagógicas saturadas de
historicidade” (NUNES; CARVALHO, 2005, p.32).
Confirmando isto, as autoras explicitam sobre a separação entre ensino e
pesquisa no campo da história da educação, esta que serve de entendimento sobre
disciplina formadorae disciplina esclarecedora da construção das relações humanas.
Posterior ao seu surgimento paulatino a história em educação foi renegada pelos
historiadores. No entanto, a educação pela perspectiva teórica dos Annales possibilitou
vislumbrar sobre as intervenções científicas de outros campos em seus estudos, tais
como a filosofia, sociologia, psicologia. A partir do prisma dos Annales é possível
identificar a escrita em educação internalizadapor múltiplos diálogos, cuja escrita da
educação dialoga com outras disciplinas. Desta forma, compreende-se que o historiador,
ao escrever a história da educação, escreve sobre o diálogo duplo (história social
relacionada à história da cultura escolar) do saber interdisciplinar.
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Considerações finais
A partir da justificativa de que o historiador da educação deve ter uma formação
ampla, que lhe possibilite conhecimentos acerca de teoria e metodologia da História, o
presente texto visou apresentar determinadas categorias que são próprias do oficio do
historiador para a constituição de conhecimentos na história da educação. Assim, foi
considerado o fato de estarmos vivendo o impacto de uma revolução documental e de
uma enorme ampliação da memória histórica.
Buscou-se compreender sobre as características metodológicas para realização
da escrita histórica, ou seja, ao tratamento das fontes. O estudo teórico-metodológico da
nova história cultural trabalha com o estudo da massa documental, possibilitando as
fontes até então consideradas como excluídas, importantes para ampliar a projeção do
objeto. Desta forma, as fontes são diversas, e possuem importância unânime. O método
passa a ser considerado radical pluralismo, expandindo a gama de possibilidades das
análises. Tudo é relevante para o levantamento das fontes, tudo passa a ser estudado,
tudo é documento: relatos de professores, vídeos, trabalho dos alunos. Documentos para
educação devem ser tomados, portanto, na sua mais ampla acepção: escritos, ilustrados,
transmitidos pelas imagens, pelo som ou de qualquer outra maneira.
Discutir a escrita histórica envolve ainda reflexões sobre a apropriação das
ideias, a constituição de sentido, as representações, enfim, compreensões que muito
enriquecem o fazer historiográfico no campo da educação. Porém, apesar de se observar
uma nova apropriação de ideias na revolução da escrita historiográfica, o mesmo
movimento que orientou as mudanças de direção na historiografia da educação para os
novos objetos, novas fontes, apresentou também, novos problemas dentro dos trabalhos
de pesquisa.
Chamou-se a atenção para a necessidade de cuidados em trabalhos no campo da
História da Educação. É preciso enfrentar a superficialidade e até a ingenuidade nas
pesquisas, o que envolve a observação de tendências gerais da historiografia para o trato
com as fontes, as analises e as interpretações.
A perspectiva da nova história cultural estabelecida pelas reflexões do presente
texto demonstra que os objetos de pesquisa não são exclusivos. Desta forma, o esforço
realizado neste trabalho sobre aspectos referentes à escrita da história propõe-se a
discutir o fato de pesquisas em história da educação não estarem conceituadas. Há,
11
portanto, uma séria carência de análise sobre o que vem sendo produzido dentro do
campo de pesquisa em história da educação. Há necessidade de se investigar o que vem
sendo valorizado e feito por pesquisadores da área de pesquisa.
Atualmente, historiadores dos Grupos de Trabalhos (GT´s), dentre estes
Associação Nacional de Pós- Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), História
Sociedade e Educação no Brasil (HISTEDBR), Sociedade Brasileira História Educação
(SBHE) têm possibilitado o campo para a história da educação, visto que se tornou
admissível que a história da educação possui caráter único: educacional-cultural. Além
disso, a historiografia estrangeira reconhece a educação como tema e objeto de
investigação, evidenciando a relevância para a compreensão da formação cultural de
uma sociedade.
Em suma, com a elaboração deste artigo espera-se ter destacado a importância
que a temática assume nas discussões no campo da pesquisa em história da educação.
Como disciplina especializada da história, esta ciência autônoma se constitui dentro do
campo educacional como importante ferramenta para compreensão da construção dos
espaços de formação humana social. Com certeza as contribuições da disciplina deverão
ser percebidas nas dissertações que serão elaboradas pelos alunos que participaram das
discussões, além de compartilhadas em situações profissionais (docência) e eventos
científicos.
REFERÊNCIAS
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Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.
FOUCAULT, Michael. O que é um autor? Trad. Antonio Fernando Caiscais e
Eduardo Cordeiro. Veha, 2000.
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LOPES, Eliane M. T. Perspectivas históricas da educação. São Paulo: Ática, 1986
NUNES, Clarice. Ensino e Historiografia da Educação. Revista Brasileira de
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NUNES, Clarice & CARVALHO, Marta de. Historiografia da educação e
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12
NUNES, Clarice. Interrogando a avaliação dos trabalhos de história da educação: o
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RODRIGUES, Elaine. A(Re) Invenção da Educação no Paraná: apropriações do
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STEPHANOU, Maria& BASTOS, Maria Helena Camara. História, Memória e História
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VIDAL, Diana. Pensadores e a educação: Michel de Certeau. NTSC,Volume:1.
2010.
13
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