ANAIS DO
EDFUMA
São Luís/MA
2014
Seminário Internacional Carajás 30 anos
resistências e mobilizações frente a projetos de desenvolvimento na
Amazônia oriental.
Território D. Tomás Balduíno
Coordenação Geral
Pe. Dario Bossi – JnT
Horácio Antunes de Sant´Ana Júnior –GEDMMA/UFMA
José Jonas Borges da Silva – MST
Marluze do Socorro Pastor Sãntos– Fórum Carajás
Ricarte Almeida Santos – Caritas Brasileira Regional Maranhão
Promoção
Associação de Professores da Universidade Federal do Maranhão (APRUMA, Seção Sindical do ANDES-SN)
Caritas Brasileira Regional Maranhão
Central Sindical e Popular (CSP-CONLUTAS)
Centro de Educação Pesquisa e Assessoria Sindical e Popular (CEPASP/Marabá)
Comissão Pastoral da Terra (CPT/Marabá)
Comissão Pastoral da Terra (CPT/Maranhão)
Comissão Pastoral da Terra (CPT/Pará)
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE)
Fórum Carajás
Grupo de Estudos em Desenvolvimento, Política e Trabalho (GEDEPT-UEMA)
Grupo de Estudos, Pesquisa e Debates em Serviço Social e Movimento Social (GESERMS-UFMA)
Grupo de Estudos: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA-UFMA)
Grupo de Pesquisa em Mídia e Jornalismo (Gmídia-UFMA Imperatriz)
Instituto Amazônia Solidária e Sustentável (IAMAS)
Jornal Vias de Fato
Missionários Combonianos – Brasil Nordeste
Movimento Debate e Ação – Marabá
Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)
Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural (NCADR/UFPA)
Observatório de Políticas Públicas e Lutas Sociais (UFMA)
Observatório Socioambiental do Sudeste Paraense (UFPA)
Programa de Pós Graduação em Serviço Social (PPGSS/UFPA)
Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas (PPGAA/UFPA)
Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais (PPGCSoc/UFMA)
Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Socioespacial (PPDSR/UEMA)
Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas (PPGPP/UFMA)
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA/UFPA)
Rede Justiça nos Trilhos (JnT)
Sindicato dos Bancários do Maranhão (SEEB-MA)
Sociedade de Defesa dos Direitos Sexuais na Amazônia (Sodireitos)
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos (SMDH)
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SPDDH)
Parceria
Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
Fundação Rosa Luxemburg
Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE)
Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul (PACS)
Justiça Global (JG)
Movimento pelas Serras e Águas de Minas (MovSam)
Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA)
Apoio
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
Fundação de Amparo à Pesquisa e Desenvolvimento Científico do Maranhão (FAPEMA)
Fundação Ford
Fundação Rosa Luxemburg
Fundo Humanitário dos Trabalhadores do Aço (FHTA)
Fundo Nacional de Solidariedade (FNS/CNBB)
Instituo Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE)
Instituto Federal de Educação Científica e Tecnológica do Maranhão (IFMA)
Justiça Global (JG)
Universidade Estadual do Maranhão (UEMA)
Universidade Federal do Maranhão (UFMA)
Comissão Científica
Isaac Giribet I Bernart (UEMA)
Josefa Batista Lopes (UFMA)
Mariana Braz (UFMA)
Marina Maciel Abreu (UFMA)
Ricarte Almeida (Caritas/MA)
Zaira Sabry Azar (UFMA)
Arte da Capa
Raquel Noronha
Organização deste volume
Desni Lopes Almeida
Erinaldo Nunes da Silva
Horácio Antunes de Sant´Ana Júnior
Leda Maria Silva e Silva
Luciana Bernardi Nunes
Seminário Internacional Carajás 30 anos (1.:2014: São Luís, MA)
Anais do Seminário Internacional Carajás 30 anos: resistências e
mobilizações frente a projetos de desenvolvimento na Amazônia
oriental./ Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior, Dario Bossi, José Jonas
Borges da Silva, Marluze do Socorro Pastor Sãntos, Ricarte Almeida Santos.
São Luís: EDUFMA, 2014.
- p.
ISBN: 978-85-7862-357-9
Sumário – (Clique no item e irá para página desejada)
1.
APRESENTAÇÃO .......................................................................................................... 15
2.
CARTA DE SÃO LUÍS ................................................................................................... 18
3.
CARTA DE BELÉM ....................................................................................................... 21
4.
Seminário Preparatório de Imperatriz: 16 a 18 de Outubro de 2013 ............................... 23
4.1. Relatoria das mesas redondas ocorridas de 16 a 18 de outubro de 2013, das 8h às
12h30. ................................................................................................................................... 24
4.2.
Relatoria dos minicursos e oficinas, 16 a 18 de outubro, das 14h às 16h. ................ 32
Minicurso: Cartografias temática e social na representação de conflitos socioambientais. . 32
4.3 TRABALHO ESCRAVO NO MARANHÃO: Relato de Visita ao Centro de Defesa da
Vida e dos Direitos Humanos e à Cooperativa para a Dignidade do Maranhão - Leandro
Araújo da Silva; Eva Ferreira de Sousa; Carlos Wennison Pereira Lucena ......................... 36
5.
Seminário Preparatório de Santa Inês: 20 a 22 de Março de 2014 .................................. 39
5.1 Relatório das atividades realizadas ................................................................................ 40
5.2 RESISTÊNCIAS E MOBILIZAÇÕES POPULARES NOS VALES DO PINDARÉ
E DO TURIAÇU - István van Deursen Varga ..................................................................... 45
6.
Seminário Preparatório de Marabá: 21 a 23 de Março de 2014 ....................................... 83
6.1
Relatório das atividades realizadas ............................................................................ 84
7.
Seminário Preparatório de Belém: 09 a 11 de Abril de 2014........................................... 86
8.
Seminário Internacional São Luís: 05 a 09 de maio de 2014 ......................................... 132
8.1
PROGRAMAÇÃO GERAL .................................................................................... 133
8.2
Relatório Síntese das Mesas Redondas e Grupos de Trabalho ................................ 134
8.3
Mesas Redondas no Seminário Internacional em São Luís ..................................... 173
8.3.1 Mesa Redonda: Resistências e Mobilizações frente aos Projetos de
desenvolvimento na Amazônia Brasileira ...................................................................... 173
8.3.2 Mesa Redonda: Os atingidos pela mineração no mundo: relatos de impactos e
experiências de resistência ............................................................................................. 175
8.3.2.1 Poluição ambiental e direito à saúde: o caso Taranto-Ilva - Beatrice Ruscio
(PeaceLink, Italia) .......................................................................................................... 184
8.3.3 Mesa redonda: Mercado internacional do minério: estratégias e incidência a partir
das vítimas ...................................................................................................................... 193
8.3.4 Mesa redonda: A mineração, os Estados nacionais e o direito internacional ....... 199
8.3.5 Mesa Redonda: Grande Carajás, Estado e desenvolvimento ................................ 202
8.3.6 Mesa Redonda: Grande Carajás: 30 anos de mineração ....................................... 206
8.3.6.1 Carajás 30 anos: Valeu a pena? - José Guilherme Carvalho Zagallo (advogado)
........................................................................................................................................ 210
8.3.7
Mesa Redonda: Relações de trabalho no Grande Carajás ................................ 229
8.3.7.1 Trabalho, sindicato e desenvolvimento - José Ricardo Ramalho....................... 232
8.3.8
Mesa Redonda: Violações de direitos humanos no Grande Carajás ................ 235
8.3.9
Mesa Redonda: Responsabilidade Social e Ambiental de empreendimentos .. 241
8.3.9.1 A responsabilidade socioambiental, o mito do desenvolvimento e as lutas sociais
- Ana Laíde Barbosa (Movimento Xingu Vivo) ............................................................ 243
8.3.10 Mesa Redonda: Matrizes tecnológicas: modelo tecnológico hegemônico e as
alternativas tecnológicas populares ................................................................................ 246
8.3.11 Mesa Redonda: Povos indígenas ...................................................................... 254
8.3.11.1 Nas fronteiras do Estado-Nação: invasão madeireira e ameaça de genocídio ao
povo Awá-Guajá - Eliane Cantarino O‟Dwyer (Doutora em Antropologia UFF/Vicepresidência ALA) ........................................................................................................... 256
8.3.12 Mesa Redonda: Marcos legais, poder judiciário e instituições jurisdicionais.. 280
8.3.12.1 Neoextrativismo no Brasil? Atualizando a análise da proposta do novo marco
legal da mineração - Rodrigo Salles Pereira dos Santos (Universidade Federal
Fluminense - UFF); Bruno Milanez (Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF) ... 282
8.3.13 Mesa Redonda: Violência e criminalização de movimentos sociais ................... 321
8.3.14 Mesa Redonda: Projetos e processos educacionais em disputa: políticas
governamentais, empresariais e alternativas populares .................................................. 323
8.3.14.1 Educação Escolar Indígena: luta por direitos frente aos projetos
desenvolvimentistas na Amazônia - Rosani de Fátima Fernandes (UFPA) ................... 329
8.3.15 Mesa Redonda: Comunicação, cultura e arte ................................................... 349
8.3.16 Mesa Redonda: Grande Carajás: consequências socioambientais da
infraestrutura .................................................................................................................. 356
8.3.17
Mesa Redonda: Grandes projetos e relações de gênero e geração ................... 360
8.3.18 Mesa Redonda: Grande Carajás e impactos no campo e na cidade ................. 365
8.3.19 Mesa Redonda: Grandes empreendimentos e impactos na saúde .................... 370
8.3.19.1 Os cidadãos perante o impacto das grandes indústrias sobre a saúde - Daniela
Patrucco (Peacelink, Italy - traducción Beatrice Ruscio) ............................................... 380
8.3.20 Mesa Redonda: Ambiente, modos de vida e conflitos socioambientais ............. 392
8.3.20.1 MAPEANDO DESIGUALDADES AMBIENTAIS: MINERAÇÃO E
DESREGULAÇÃO AMBIENTAL* - ANDRÉA ZHOURI ......................................... 397
8.3.20.2 Breve resumo, fruto da observacão de vivência prática como tem se dado o
“desenvolvimento” para os povos e comunidades tradicionais - Alberto Cantanhede .. 423
8.3.21 Mesa Redonda: 30 anos do Programa Grande Carajás: balanços e perspectivas 426
8.3.21.1 Nos trilhos de uma história diferente: Primeiras impressões sobre o legado do
Seminário “Carajás 30 anos” - padre Dário Bossi (missionário comboniano e membro da
rede Justiça nos Trilhos) ................................................................................................. 428
8.3.22 Plenária Final....................................................................................................... 438
9.
GRUPOS DE TRABALHO ........................................................................................... 441
9.1.
GT 1 – Programa Grande Carajás, meios de comunicação, cultura e política ........ 442
9.1.1. Postura da imprensa açailandense frente às manifestações por reassentamento da
comunidade Piquiá de Baixo - (Açailândia-MA) - Francisca Daniela dos Santos Souza;
Idayane da Silva Ferreira; Lanna Luiza Silva Bezer ...................................................... 446
9.1.2. O Discurso da Responsabilidade Social da Vale e o Desenvolvimento (In)
Sustentável - Neuziane Sousa dos Santos ...................................................................... 458
9.1.3. Música Popular Maranhense e a Questão da Identidade Cultural Regional Ricarte Almeida Santos .................................................................................................. 458
9.1.4. Maranhão Novo” ao “Novo Tempo”: O programa Grande Carajas (PGC) e o
percurso ideológico - Stela Maria Araujo Gomes .......................................................... 459
9.1.5. Roseana Sarney e Campanha Política no Ano De 1998: um estudo sobre os
processos ideológicos a partir do jornal o estado do Maranhão - Talita de Fátima
Conceição Setúbal; Ilse Gomes Silva............................................................................. 459
9.1.6.
PGC ONTEM E HOJE - Thiago Martins da Cruz ........................................... 461
9.1.7. “A Piroca dos Metais”: o Projeto Carajás nos versos satìricos de César Teixeira
- Wagner Cabral da Costa .............................................................................................. 474
9.2.
GT 2 Ambiete, Poluição e Saúde............................................................................. 475
9.2.1. Degradação Ambiental e Desenvolvimento Urbano: agressão aos parques
ambientais e áreas de proteção ambiental de São Luís - Adelaide Nunes de Sousa*;
Arleane Debora dos Santos Gonçalves*; Darlene de Jesus Silva de Deus* .................. 483
9.2.2. A Contaminação por Dioxina na Cadeia Alimentar em Taranto - Beatrice
Ruscio; Daniela Patrucco ............................................................................................... 490
9.2.3. Avaliação dos Sistemas de Produção de Pesca Artesanal nas Comunidades de
Tauá-Mirim e Taim, São Luís, Maranhão - Clarissa Lobato da Costa; Adalberto
Cantanhede Lopes; Zafira da Silva Almeia; Danielle Serqueira Garcez; Horácio Antunes
de Sat‟Ana Júnior ........................................................................................................... 490
9.2.4. Uma Abordagem Sociológica Sobre os Resíduos Sólidos em Paço do Lumiar –
MA - Dayanne da Silva Santos; Danielle Cares dos Santos; Joseane Souza de Moraes 490
9.2.5. Percepção Ambiental Sobre os Recursos Hidricos em uma Comunidade
Tradicional Pertencente ao Municipio De Morros-MA - Raymara Fernanda Dutra
Martins; Luisa Carolina Ramalho Martins; Georgiana Eurides de Carvalho Marques . 492
9.2.6. As Consequências da Importação da Noção de Desenvolvimento para Guiné
Bissau - Siaca Dabó........................................................................................................ 506
9.2.7. Os Impactos do Projeto Grande Carajás no Ambiente Natural dos Municípios de
Parauapebas e Marabá: uma análise sobre a atual situação da saúde da população local Gisley Ribeiro Pimentel; Wilson de Carvalho Rosa Filho; Julio Rafael Leite Pereira .. 506
9.3.
GT 3 – Relações de trabalho.................................................................................... 507
9.3.1. A Funcionalidade do Trabalho Análogo ao Escravo à Acumulação Capitalista:
Açailândia no âmbito da divisão internacional do trabalho - Ana Patrícia de Carvalho
Rodrigues ....................................................................................................................... 512
9.3.2. Relações de Trabalho, Discurso e a Influencia do Consórcio de Alumínio do
Maranhão na Vida dos Trabalhadores e da Sociedade Maranhense - Érica Marília Sousa
Chagas 512
9.3.3. Escravizados Contemporâneos: memórias e identidades de trabalhadores em
Açailândia no tempo presente - Fagno da Silva Soares ................................................. 512
9.3.4. Precariedade e Degradação do Trabalho nos Novos Territórios da Produção de
Celulose - Guilherme Marini Perpetua; Antonio Thomaz Junior .................................. 512
9.3.5. Produção Familiar e Indústria Leiteira: a inserção dos produtores de leite do
Assentamento São Jorge no APL da pecuária de leite da MRH de Imperatriz -Jonatha
Farias Carneiro ............................................................................................................... 513
9.3.6. Grande Projeto de Construções e os Acidentes de Trabalho no Brasil - José
Augusto Borges Vaz....................................................................................................... 513
9.3.7. A Siderurgia a Carvão Vegetal do Polo Siderurgico de Carajás Pós Crise 2008 Karla Suzy Andrade Pitombeira ..................................................................................... 513
9.3.8. Terceirização na Produção Industrial Mínero-Metalúrgica do Maranhão:
estratégia de redução de custos e a conseqüente precarização do trabalho e emprego Lucianna Cristina Teixeira Soares ................................................................................. 513
9.3.9.
9.4.
Impacto Laboral da Mineração - Michelle Cristina Farias .............................. 514
GT 4 - Conflitos ambientais .................................................................................... 515
9.4.1. Análise dos conflitos socioambientais no Maranhão a partir de dados midiáticos
e inquéritos do Ministério Público Federal - Ana Kely de Lima Nobre; Sarah Marianne
Martins Resplandes ........................................................................................................ 525
9.4.2. Não é só terra, é meu lar! - Daniel Campos Jorge Santos; Maria Ecy Lopes de
Castro 525
9.4.3. Barcarena e os Processos de Desestruturação da Vale: deslocamentos, impactos
socioambientais e insustentabilidade - Eunápio Dutra do Carmo .................................. 525
9.4.4. Unidades de Conservação e Gestão Participativa: uma alternativa para a
efetivação do Plano de Manejo da Reserva Extrativista Marinha de Cururupu-MA Francisco Wendell Dias Costa ....................................................................................... 525
9.4.5. Conflitos Socioambientais na Amazônia: projetos de infraestrutura e
agroindustriais e ações coletivas de povos e comunidades tradicionais - Helciane de
Fátima Abreu Araujo; Jurandir Santos de Novaes ......................................................... 526
9.4.6. Celulose na rota de Carajás: Conflitos Socioambientais na Amazônia
maranhense - Jessé Gonçalves Cutrim ........................................................................... 539
9.4.7. Resex de Tauá-Mirim: uma etnografia dos conflitos socioambientais - Maiâna
Roque da Silva Maia; Tayanná Santos Conceição de Jesus; Darlan Rodrigo Sbrana ... 540
9.4.8. O Plantio Homogêneo de Eucalipto e suas Consequências na Amazônia
Maranhense - Mariana Leal Conceição Nóbrega ........................................................... 550
9.4.9. A Matança de Búfalos na Região dos Campos Alagados no Maranhão: os casos
de Santa Rita e Anajatuba - Mateus Tainor Batista Everton .......................................... 550
9.4.10.
Programa Grande Carajás: o ativismo judicial na implementação de políticas
ambientais no Estado do Maranhão - Priscilla Ribeiro Moraes Rêgo De Souza ........... 550
9.4.11.
Nos Trilhos da Modernização e da Sustentabilidade? O processo de
arrefecimento das externalidades da produção guseira em Açaiândia (MA) - Roberto
Martins Mancini ............................................................................................................. 551
9.4.12.
Diferentes formas de dizer não! Experiências internacionais de resistência,
restrição e proibição à mineração - Rodrigo Santos; Bruno Milanez Gabriela Scotto;
Maíra Sertã; Julianna Malerba ....................................................................................... 567
9.4.13.
Breve Análise dos Conflitos Socioambientais na Região do Pólo Industrial de
São Luís – MA - Ronyere Sarges Rêgo ......................................................................... 567
9.4.14.
Efeitos Socioambientais da Instalação e Funcionamento da UHE de Estreito
no Município De Carolina-MA - Stéfanie Sorrá Viana Pereira; Jailson Macedo Sousa 568
9.4.15.
Memórias da Resistência: algumas observações sobre o conflito pela terra em
Rio dos Cachorros, São Luís – MA - Tayanná Santos Conceição de Jesus; Darlan
Rodrigo Sbrana ............................................................................................................... 569
9.5.
GT 5 - Questão agrária ............................................................................................ 585
9.5.1. Código Florestal Brasileiro: agentes e tomadas de posição em torno do processo
de votação e aprovação da Lei nº 12.651/2012 - Ana Caroline Pires Miranda .............. 589
9.5.2. O Projeto de Desenvolvimento Sustentável Frente ao Poder do Latifúndio Em
Anapu-PA: Vida, Arte e Resistência - Cláudia Silva Lima ........................................... 589
9.5.3. Onde Estão as Terras Férteis? O Agronegócio e a expropriação camponesa no
Tocantins - Débora Assumpção e Lima ......................................................................... 590
9.5.4. Efeitos dos Projetos de Colonização na Amazônia Maranhense: uma análise a
partir do projeto de colonização do Alto Turi – PCAT (1970-1980) - Jailson de Macedo
Sousa; Beatriz Ribeiro Soares ........................................................................................ 598
9.5.5.
9.6.
Modernização Agrícola no Brasil e Colonialidades - Rafaela Silva Dornelas 621
GT 6- Questão urbana.............................................................................................. 622
9.6.1. A Questão Urbana na Cidade de São Luís: o processo de expansão urbana em
direção ao Itaqui-bacanga - Graciane Pereira Santos ..................................................... 636
9.6.2.
Paris, modelo urbano - Karlos Daniel de Sousa Cunha ................................... 647
9.6.3. O direito à moradia no espaço urbano brasileiro: análise do modelo excludente
de cidade vigente - Mariana Rodrigues Viana ............................................................... 648
9.6.4. A EXPANSÃO URBANA E OS SEUS IMPACTOS PARA A MOBILIDADE
URBANA - Luanna Carvalho M. Teixeira; Priscilla Pereira da Costa .......................... 659
9.6.5. PORTOS E CIDADES NAS TRANSFORMAÇÕESCONTEMPORÂNEAS
NO MARANHÃO: sobre a disjunção entre vida urbana e atividade portuária em São
Luís - Raimunda Nonata do Nascimento Santana* ........................................................ 675
9.6.6.
Palafitas serão apartamentos? - Silvio Sergio Ferreira Pinheiro ...................... 690
9.6.7. A Dinâmica Urbana e Regional da Amazônia oriental: uma análise a partir das
implicações socioespaciais da atividade siderúrgica na cidade de Açailândia-MA Walison Silva REIS ........................................................................................................ 691
9.7.
GT 7 – Gênero, Diversidade e Geração ................................................................... 709
9.7.1. Gênero e Políticas para as Mulheres: a secretaria para as mulheres em
Imperatriz-Ma no contexto da reforma neoliberal - Mariana Veras França .................. 716
9.7.2. Concepção de estudantes do ensino médio, da rede pública de São Luís –MA,
sobre a importância da escola para a sua formação - Natália Rocha de Jesus ............... 732
9.7.3. Construindo e Negociando a Participação Política no Cotidiano: a organização
de mulheres trabalhadoras rurais frente à expansão da monocultura da soja no município
de Brejo/MA - Nilma Angélica dos Santos .................................................................... 740
9.7.4. Mulheres de Pimental frente à Usina Hidrelétrica de São Luiz do Tapajós (PA) Thais Iervolino dos Santos ............................................................................................. 740
9.8.
GT 8 - Povos e comunidades tradicionais ............................................................... 741
9.8.1. As Manifestações Religiosas e os Processos de Ocupação da Pré-Amazônia
Maranhense - Aldy Mary Ilário da Silva ........................................................................ 751
9.8.2.
Luta por reconhecimento em Rio Grande –MA - Daisy Damasceno Araújo .. 751
9.8.3. Alcântara, a quem interessa o desenvolvimento econômico e o progresso
tecnológico? - Danilo da Conceição Serejo Lopes ......................................................... 751
9.8.4. Ameaça ao Território: uma analise dos conflitos causados pela intrusão de
territórios quilombolas dos municípios de Viana e Pedro do Rosário por linha de
transmissão - Davi Pereira Junior; Gardenia Mota Ayres .............................................. 752
9.8.5. Entre formas de controle empresarial e „contra-condutas‟. Mineração e
comunidades tradicionais em Juruti, Pará - Edwin Muñoz Gaviria ............................... 753
9.8.6. Como o Progresso Desenvolvimentista Brasileiro Determinou a Degradação do
Meio Ambiente - Isabel Araújo Lima ............................................................................ 768
9.8.7. Sertanejo da Região da Chapada das Mesas em suas Dimensões Sócio-Culturais
e Ambientais - Ana Rosa Marques; Hector Hoffman Souza Belo; Jean Carlos Louzeiro
dos Santos ....................................................................................................................... 769
9.8.8. Estudo Sobre as Comunidades Sertanejas da Chapada dsa Mesas em suas
Características Sócio-Culturais e Ambientais -Jean Carlos Louzeiro dos Santos; Ana
Rosa Marques; Hector Hoffman Souza Belo ................................................................. 783
9.8.9. “NÓS COMIA SIMPLINHO”: recursos naturais e pobreza de farinha em
Ariquipá – MA - Josiane Cristina Cardoso da Silva ...................................................... 784
9.8.10.
Desafios e Perspectivas da Gestão Compartilhada no Processo de
Consolidação da Resex Marinha De Cururupu - Madian de Jesus Frazão Pereira;
Ronyere Sarges Rêgo ..................................................................................................... 798
9.8.11.
Os rastros do trem em Queluz - Marluze Pastor Sãntos ............................... 808
9.8.12.
Populações Tradicionais e Modernização na Amazônia: o modo como as
quebradeiras de coco babaçu percebem seus territórios no município de são domingos do
Araguaia-Pa -Valtey Martins de Souza; Andréa Hentz de Mello .................................. 809
9.8.13.
Condições Estruturais dos Conflitos Ambientais, Repertórios e Estratégias de
Ação Coletiva do Movimento Social Pela Resex Renascer – Pará - Viviane Vazzi Pedro
809
9.9.
GT 9 - Povos indígenas ........................................................................................... 810
9.9.1. Projeto e Programa Carajás: Desenvolvimento, Mudanças Socioambientais e
povos indígenas no centro-sul do Maranhão - Adalberto Luiz Rizzo de Oliveira - UFMA
822
9.9.2. Intrusão da Terra: conflitos, ameaças e processos territoriais, o caso dos
Yanomami - Cintia dos Santos Pereira da Silva ............................................................ 836
9.9.3. De Carajás a Belo Monte: povos indígenas e grandes obras na Amazônia Clarice Cohn ................................................................................................................... 850
9.9.4. A luta dos Tenetehara pela Manutenção da sua Territorialidade na Terra
Indígena Pindaré - Cliciane Costa França ...................................................................... 850
9.9.5. A Economia em Terra Indígena Krikati, no Olhar do Próprio Indígena que lá
reside - Edilson Krikati; Gilderlan Rodrigues ................................................................ 850
9.9.6.
Os Awá nas Trilhas de Carajás - Elizabeth Maria Beserra Coelho .................. 850
9.9.7.
Lutas Sociais e Rituais na Terra Indígena Pindaré - Elson Gomes da Silva .... 850
9.9.8. “Nos tempos da CVRD... eu vi ìndio carregando saco de dinheiro”. Memórias
Tentehar sobre o Projeto Grande Carajás e relações interétnicas atuais - Emerson Rubens
Mesquita Almeida .......................................................................................................... 851
9.9.9. Os Krenyê e a luta pelo seu reconhecimento étnico e territorial - João
Damasceno Gonçalves Figueiredo Júnior ...................................................................... 862
9.9.10.
Ka‟apor ta henda a Kome‟ẽ ywy – Do lugar Ka‟apor à Terra Indìgena. A
Ciência Etnoecológica Ka‟apor e as formas de (dês) territorialização Ka‟apor no
Maranhão, Brasil - José Maria Mendes de Andrade ...................................................... 862
9.9.11.
Dois Mapas e Um Território: um esboço dos conflitos sociais sob a ótica da
Aldeia Januária - Luciana Railza Cunha Alves .............................................................. 862
9.9.12.
Território e cosmologia: notas sobre os Awá-Guajá (Amazônia Oriental-MA)
- Maycon Melo ............................................................................................................... 862
9.9.13.
Projeto Carajas: impactos e violações para os Awa Guajá - Rosana de Jesus
Diniz Santos; Maria Madalena B. Pinheiro; Conselho Indigenista Missionário – CIMI
863
9.9.14.
Resistência cultural indígena frente à degradação ambiental e social na terra
indígena Araribóia, provocada pela implantação do Programa Grande Carajás - Silvio
Santanta da Silva ............................................................................................................ 877
9.10.
GT 10 - Estado e projetos de “desenvolvimento” ................................................ 878
9.10.1.
da Silva
Amazônia sob os Estados Autoritário e Democrático - Andréa Ferreira Lima
891
9.10.2.
O Processo de Implantação da Refinaria Premium no Município de Bacabeira:
impactos socioeconômicos - Bianca Sampaio Correa.................................................... 892
9.10.3.
“Tabuleiros de São Bernardo: os de dentro e os de fora”- Cristiane Viana
Moraes Melo .................................................................................................................. 902
9.10.4.
IDH no Maranhão e a Dinâmica Sócio Espacial na Baixada Maranhense: o
caso de Vitória do Mearim - Geysa Fernandes Ribeiro ................................................. 902
9.10.5.
O Agronegócio e o Foco na Pobreza: as duas faces da estratégia de
desenvolvimento e controle social do estado brasileiro - Graziela Martins Nunes ....... 902
9.10.6.
(Des)Envolvimento e Dinâmica Territorial: A UHE-Estreito e a
Caracterização Socioespacial do Município de Carolina-MA - Jaciene Pereira; Monica
Piccolo Almeida ............................................................................................................. 903
9.10.7.
Ação Estatal e a Evolução do Grupo Suzano - José Arnaldo dos Santos
Ribeiro Junior ................................................................................................................. 916
9.10.8.
De Parauapebas a São Luís: o índice de desenvolvimento humano em
municípios selecionados do Corredor Carajás - José de Ribamar Sá Silva ................... 916
9.10.9.
SUBDESENVOLVIMENTO E A ILUSÃO DE EVOLUÇÃO
ECONÔMICA: estudos preliminares sobre o pensamento crítico de Celso Furtado Rarielle Rodrigues Lima ................................................................................................ 917
9.10.10.
Paiva
(Des) Envolvimento em Questão: entre discursos e práticas - Ravena Araujo
924
9.10.11. O Desenvolvimento no Maranhão e Seus Desdobramentos Econômicos e
Sociais: uma crítica ao desenvolvimentismo - Ricardo Rodrigues Cutrim; Marliane
Lisboa Soares ................................................................................................................. 924
9.10.12.
Sousa
Indicadores Socioeconômicos do município de Açailândia - Roseane Moura
924
9.10.13. Neodesenvolvimentismo e Expansão da Fronteira Hidrelétrica na Amazônia:
uma análise a partir das lutas e resistências do Movimento Xingu Vivo Para Sempre Sérgio Roberto Moraes Corrêa; Roberto Veras de Oliveira .......................................... 925
9.10.14. A Ilusão Neodesenvolvimentista: desindustrialização e neoextrativismo no
Brasil - Tádzio Peters Coelho......................................................................................... 925
9.10.15. A Natureza e o Papel do Estado: a experiência brasileira na eletrificação rural
do séc.XXI - Valmiene Florindo Farias Sousa ............................................................... 925
9.10.16. Macrozoneamento Ecológico-Econômico da Amazônia e as Novas Formas de
Produção Capitalista De Espaço - Welbson do Vale Madeira ....................................... 925
9.10.17. A Dialética do “Desenvolvimento” na Amazônia Paraense: aspectos
históricos e conjunturais da Usina Hidrelétrica de Belo Monte - Kátia Maria dos Santos
Melo
926
9.10.18. A atuação do Estado na instalação dos empreendimentos Siderúrgicos no
Distrito Industrial de Marabá - Marcelo Melo dos Santos ............................................. 927
9.10.19. Os Proveitos do Capitalismo e as Suas Implicações na Exploração do
Território Da Amazônia- Marcio Marcelo de Souza Trindade; Murilo dos Santos Bayma
Amorim 943
9.10.20.
Berger
A Quem Serve o Desenvolvimento Sustentável? - Mariana Cavalcanti Braz
944
9.10.21. Cultura Política, Voto e Eleição no Maranhão: um análise do pleito de 2010 Marivania Melo Moura .................................................................................................. 953
9.10.22. Desenvolvimento Regional no PGC Atual: commodities, desindustrialização
e repercussões socioambientais - Raifran Abidimar de CASTRO ................................. 954
9.10.23. Reestruturação Socioespacial no Município de Bacabeira: impactos sociais e
demográficos - Raisa dos Santos Silva .......................................................................... 966
9.10.24. Uso do Território e Impactos Socioeconômicos da Atividade MíneroMetalúrgica na cidade de Canaã dos Carajás - Raíssa Costa Reis; João Márcio Palheta
966
9.11.
GT 11 - Formas e estratégias de resistência e organização popular .................... 967
9.11.1.
Mobilização Popular Comunitária: um estudo de identidades a partir da
experiência no Loteamento Todos os Santos - Amanda Cristina de C. S. de Pierrelevée
971
9.11.2.
Sociabilidade da Resistência: um estudo sobre as relações e reações à
mineração na Amazônia Oriental - Ana Luisa Queiroz Freitas ..................................... 985
9.11.3.
A política dos afetados e as lutas por uma América Latina pós-extrativista Cristiana Losekann ......................................................................................................... 985
9.11.4.
Repertórios e argumentos da mobilização política: a experiência de resistência
do Reage São Luis -Elio de Jesus Pantoja Alves ........................................................... 985
9.11.5.
O Confronto entre Compromissos na Universidade Federal do Maranhão
(UFMA) em relação ao "Projeto Carajás" - Franci Gomes Cardoso; Josefa Batista Lopes;
Marina Maciel Abreu ..................................................................................................... 985
9.11.6.
Lutas Sociais em Área de Mineração: os sujeitos em conflito com a Vale S.A.
- Gustavo Schiavinatto Vitti ........................................................................................... 985
9.11.7.
A CSP CONLUTAS - Central Sindical e Popular e a Questão da Autonomia
na Organização da Luta Popular e da Classe Trabalhadora - Jéssica Bezerra Ribeiro .. 986
9.11.8.
Ostensiva do Capital e resistências locais: desenvolvimento para quem? Joana A Coutinho ........................................................................................................... 986
9.11.9.
Gênero e Lutas Sociais: um estudo sobre a Marcha das Margaridas no
Maranhão - Keith Fernanda Brito de Asevedo............................................................... 987
9.11.10. Açailândia sob a Mira do Capital: configuração socioespacial e lutas sociais Leila Andrea Fernandes de Sena .................................................................................... 987
9.11.11. Nas Entranhas do Bumba Meu Boi: Políticas e Estratégias para Botar o Boi de
Leonardo na Rua - Marla de Ribamar Silva Silveira* ................................................... 988
9.11.12. Cooperativismo nos Processo de Organização Política e Econômica dos
Trabalhadores No MA: a referência empírica da experiência empreendida pelo MST Marlene Corrêa Torreão; Marina Maciel Abreu .......................................................... 1002
9.11.13. Mobilizando Propriedades, Agindo em Defesa: análise das estratégias para
legitimação das lutas nos territórios - Jadeylson Ferreira Moreira ............................. 1003
9.11.14. Sítio Ecológico, o espaço da Felicidade Interna Bruta - Moises Matias
Ferreira de Sousa .......................................................................................................... 1016
9.11.15.
"Não temos medo da Vale" - Quilombo Santa Rosa dos Pretos................. 1016
9.11.16. Serviço Social e Movimento Social: a inserção de assistentes sociais no
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) - Rayssa Santos Lima; Aylana
Cristina Rabelo Silva; Luciana Azevedo de Sousa; Thais Ribeiro Fernandes; Rayssa
Santos Lima .................................................................................................................. 1016
9.11.17. A Anglo American e a Rede Global de Produção - Rodrigo Araújo Grillo;
Bruno Milanez; Sabrina de Oliveira Castro ................................................................. 1016
9.11.18. Intervenção Jurídica em Conflitos Socioambientais: estratégias e posturas Sandy Rodrigues Faidherb ........................................................................................... 1016
9.11.19. Mobilização Coletiva e o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria
Metalúrgica De Açailândia - Wendson Veras Asevedo ............................................... 1016
9.12.
GT 12 – Violência e Repressão ......................................................................... 1018
9.12.1.
A Pistolagem e Suas Transformações Sócio Históricas na Cidade de
Imperatriz-MA - Natalia Mendes ................................................................................. 1021
9.12.2.
Memórias de um Tempo Presente: narrativas de violência por quebradeiras de
coco do Maranhão - Viviane de Oliveira Barbosa; Aldina da Silva Melo .................. 1021
9.13.
GT 13 – Educação .......................................................................................... 1022
9.13.1.
Educação Profissional e Trabalho: ressonâncias no Pronera-Ifma - Francilene
Corrêa Silva .................................................................................................................. 1022
9.13.2.
Políticas Educacionais no Projeto Neoliberal: uma discussão do processo de
elaboração das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo José Paulino Sousa Santos............................................................................................ 1023
9.13.3.
A Pedagogia do Capital na Rota Carajás: a formação dos trabalhadores para
integração subalterna - Lícia Cristina Araújo da Hora ................................................. 1023
10.
PÔSTERES ............................................................................................................... 1024
.......................................................................................................................................... 1024
10.1
Projeto de Extensão APL - Tur Mojó - Agda Matias da Costa; Tamires de Souza
Moura; Manoel Vera Cruz Ribeiro .................................................................................. 1025
10.2
A funcionalidade do trabalho análogo ao escravo à acumulação capitalista:
Açailândia no âmbito da divisão internacional do trabalho - Ana Patrícia de Carvalho
Rodrigues; Luciana Azevedo Souza Ferreira ................................................................... 1025
10.3
Impactos Sociais: Reflexos da urbanização - Danilo de Jesus Gomes Costa;
Josiane Reis Barbosa; Elisabeth M. F. Nina .................................................................... 1030
10.4
Trajetórias e Percursos nas Lutas Sociais de Comunidades Tradicionais da PréAmazônia Maranhense - Déborah Arruda Serra .............................................................. 1035
10.5
Desafios e Oportunidades para o Desenvolvimento de Projetos Socioambientais
pelos Hotéis da Orla Marítima de São Luís - Delízia Belfort .......................................... 1039
10.6
A Luta Pela Terra e a Tomada de Consciência Territorial: uma leitura do
cercamento dos babaçuais no assentamento Aparecida - Edson Sousa da Silva ............. 1039
10.7
Grandes Projetos Econômicos, Violência e Repressão Sobre Grupos Camponeses
e Povos e Comunidades Tradicionais na Amazônia Maranhense - Emanuelle do Espírito
Santo Alves do Nascimento; Helciane de Fátima Abreu de Araújo ............................... 1039
10.8
As Políticas Habitacionais do Brasil: da Fundação Casa Popular ao Programa
Minha Casa Minha Vida - Emmanuelle Patricia Feitosa Nascimento ............................. 1039
10.9
RECICLAGEM: uma prática educativa do lixo que se transforma em luxo Geovania Machado Aires - [email protected]; Ildinete Maria Abreu Moreira –
[email protected] .............................................................................................. 1041
10.10 Intolerância Religiosa: uma abordagem contemporânea acerca das religiões
afrodescendentes - Glaucia Maria Maranhão Pinto Lima; Brenda Wash Ferraz Braga .. 1047
10.11 Modelo de Desenvolvimento e Estado: implicações socioambientais decorrentes
da implantação da refinaria Premium I no município de Bacabeira-MA- Hellen Mayse
Paiva Silva ........................................................................................................................ 1047
10.12 Discursos de Professores/as e Alunos/as do Ensino Médio da Cidade De São Luís
- Ma Sobre a Homossexualidade - Irlla Correia Lima Licá; Jackson Ronie Sá-Silva ..... 1047
10.13 Movimentos Sociais de Mulheres e Desenvolvimento Territorial Sustentável Ivanilde da Conceição Silva; Vívian Aranha Sabóia ....................................................... 1047
10.14 Mobilizando Propriedades, Agindo em Defesa: análise das estratégias para
legitimação das lutas nos territórios - Jadeylson Ferreira Moreira .................................. 1047
10.15 Entre a Política do Atraso e o Fetiche Pelo "Moderno": o problema da mobilidade
urbana em São Luis - Jonadabe Gondim Silva . ............................................................ 1047
10.16 Organização Social, Política e Econômica de Porto Grande:um lugar chamado
"Encantado" - Josemiro Ferreira de Oliveira ................................................................... 1048
10.17 “Estratégias Empresarias e do Estado e Seus Efeitos Sobre o Modo de Vida de
Povos e Comunidades Tradicionais na Região de Imperatriz - Julyana Ketlen Silva
Machado ........................................................................................................................... 1048
10.18 Organização em Movimentos Sociais e a Proteção Jurídica dos Conhecimentos
Tradicionais Associados a Patrimônio Genético: a experiência das quebradeiras de coco
babaçu - Julyanne Cristine Barbosa de Macedo dos Santos; Aianny Naiara Gomes
Monteiro ........................................................................................................................... 1049
10.19 Educação do Campo e Práticas Agroecológicas no Projeto de Assentamento Cigra,
Município de Lagoa Grande-Maranhão - Kátia Gomes de Sousa Di Teodoro ................ 1055
10.20 Modos de Vida, Relações com a Natureza e Conhecimento Local: a pesca
artesanal na Região da Baixada Maranhense - Lenir Moraes Muniz ............................... 1055
10.21 Educação Ambiental e Cidadania na Zona Rural II de São Luís – MA - Maria Ecy
Lopes de Castro; Tamires Rosy Mota Santos .................................................................. 1056
10.22 Território e Territorialidades na Chapada das Mesas: por uma caracterização
Sócioespacial - Marlene de Jesus Gomes Costa............................................................... 1064
10.23 Conflitos Socioambientais: percepção dos jovens da Zona Rural II de São Luís Samara Rocha da Silva Reis............................................................................................. 1064
10.24 Mineração em Terra Indígena: as implicações do Projeto de Lei n. 1610-A sobre o
usufruto exclusivo das comunidades indígenas - Valéria de Oliveira Guedes; Nilson
Oliveira Santa Brígida ...................................................................................................... 1070
11.
Fóruns, Reuniões e Articulações ............................................................................... 1076
12 Imagens ........................................................................................................................... 1079
12.1 Imagem do Seminário de Imperatriz ........................................................................ 1080
12.2 Imagem do Seminário de Santa Inês ........................................................................ 1081
12.3 Imagem do Seminário de Marabá ............................................................................ 1082
12.4
Imagem do Seminário de Belém ........................................................................ 1083
12.5
Imagem do Seminário de São Luis .................................................................... 1084
12.6
Imagens da caminhada em São Luis .................................................................. 1085
12.7
Imagens da manifestação em frente à Vale........................................................ 1086
13 As comunidades ao longo do corredor de Carajás reivindicam seus direitos! Exigências
urgentes à empresa Vale. ...................................................................................................... 1091
1. APRESENTAÇÃO
O MAIOR TREM DO MUNDO
Carlos Drummond de Andrade
O maior trem do mundo
Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão
O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano
Lá vai o trem maior do mundo
Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais.
Após 30 anos de mineração, siderurgia e projetos de “desenvolvimento regional”,
implementados a partir do Programa Grande Carajás, o Seminário Internacional Carajás 30
Anos: resistências e mobilizações frente a projetos de desenvolvimento na Amazônia oriental
buscou realizar uma avaliação crítica dos processos sociais, ambientais, econômicos e
culturais desencadeados por esse grande investimento, dando continuidade e reavaliando os
resultados obtidos no “Seminário Consulta Carajás”, que foi realizado por movimentos sociais
e pesquisadores universitários na região entre 1992 e 1995.
Apesar de ter sido oficialmente extinto em 1991, o Programa Grande Carajás alterou
profundamente a história, a geografia, a política e a cultura da Amazônia oriental e suas
consequências continuam presentes na vida cotidiana de cidades, povoados rurais, povos
indígenas, quilombolas, ribeirinhos, grupos sociais tradicionais, além de ter provocado
intensas alterações nos biomas e paisagens.
O Seminário foi concebido numa parceria que envolveu movimentos sociais e
comunitários, sindicatos, pastorais, programas de pós-graduação e grupos de pesquisa
universitários. Buscou oferecer um testemunho concreto e inegável das contradições do ciclo
de mineração e siderurgia e, para tanto, contou com uma significativa participação dos
atingidos por mineração em outras regiões do Brasil e do mundo. Constituiu-se em um
processo que culminou num evento com duração de cinco dias, na Universidade Federal do
Maranhão, entre 05 e 09 maio de 2014, e contou com a participação de pesquisadores, agentes
estatais, lideranças comunitárias e de movimentos socioambientais. Desde 2013, foi precedido
15
de Seminários Preparatórios Locais, que envolveram regiões e territórios e foram realizados
em Imperatriz – MA (16 a 18 de outubro de 2013); Santa Inês – MA (20 a 22 de março de
2014); Marabá – PA (21 a 23 de março de 2014) e Belém– PA (09 a 11 de abril de 2014). Os
Seminários Preparatórios Locais levantaram perguntas e temas que foram debatidos no
Seminário Internacional, visando motivar a participação dos movimentos sociais e das
comunidades e viabilizar a interação com a pesquisa acadêmica.
Outro instrumento preparatório do seminário Carajás 30 anos foi a realização do um
vídeo-documentário “A peleja do povo contra o dragão de ferro” que trata das consequências
e desdobramentos da implantação do Programa Grande Carajás desde meados dos anos 1980,
e é composto por entrevistas com pesquisadores, moradores, lideranças de comunidades e
integrantes dos movimentos sociais.
A coordenação do evento foi composta por 05 entidades, acadêmicas e populares.
Além das 05 entidades coordenadoras, o evento contou com 28 entidades promotoras,
advindas do Maranhão e do Pará; com 08 entidades parceiras, nacionais e internacionais; e 09
organizações de apoio financeiro e institucional.
O Seminário Internacional aconteceu como um processo de mobilização de sujeitos de
grupos sociais, militantes de movimentos sociais e sindicais, pesquisadores, professores,
estudantes, trabalhadores. Para tanto, foi realizado um amplo trabalho de base nas
comunidades, escolas, universidades, sindicatos, visando envolver ampla participação na
organização e realização de seminários preparatórios locais, que aconteceram desde 2013.
O evento em São Luís foi composto por: 1) exposição de 24 painéis com trabalhos
resultantes de pesquisa de experiências sociais, organizações não-governamentais, estudantes,
professores, pesquisadores; 2) 13 Grupos de Trabalhos, distribuídos em 22 seções, em dois
dias, com a apresentação de 132 trabalhos, envolvendo participantes de movimentos sociais e
ONGs, membros de órgãos estatais, estudantes, pesquisadores, professores; 3) 10 atividades
de articulação de grupos envolvidos, incluindo 08 fóruns de debates, 01 reunião temática e 01
ato político; 4) feiras e exposições de experiências com o fim de expor e/ou comercializar
produtos e experiências realizadas por grupos sociais; 5) Sessões de vídeos com apresentação
de documentários e filmes relacionados à temática do evento; 6) exposição de fotografias e
artes plásticas relacionadas à temática do evento; 7) atividades artístico-culturais com o show
Nos Trilhos da Resistência, ocorrido na praça Nauro Machado, no bairro da Praia Grande;
apresentações musicias; apresentação do espetáculo teatral Panfleto, um buraco profundo, do
Grupo Cordão de Teatro; apresentação de grupos de cultura popular; 8) 21 Mesas Redondas
compostas por estudiosos, lideranças de movimentos sociais, agentes estatais; 9) Plenária
reunindo os participantes com o fim de sistematizar os debates realizados e apresentar
documentos representativos do evento.
No processo de organização dos eventos foram compostas:
- uma coordenação geral;
- 11 comissões de trabalho, com suas respectivas coordenações;
- 04 coordenações locais, que organizaram (em conjunto com a coordenação geral) os
seminários preparatórios;
- comissões de trabalho locais, com suas respectivas coordenações.
O seminário Carajás 30 anos teve como público principal: pesquisadores, professores,
técnicos, militantes de movimentos sindicais e sociais, alunos vinculados a cursos de
graduação, programas de pós-graduação, institutos de pesquisa, lideranças de comunidades
atingidas, movimentos sociais, organizações não-governamentais, empresas públicas e
privadas, órgãos estatais, que realizam estudos, pesquisas ou ações voltados para a temática
dos impactos de grandes projetos de desenvolvimento.
Participaram do evento cerca de 1250 pessoas, sendo 586 inscritos diretamente na
página do evento; 381 inscritos por movimentos sociais e comunidades, dentre os quais 72
16
indígenas, originários de 11 povos (Guajajara/Tentehar, Gavião/Pukobyê, Krikati, Awa
Guajá, Ka'apor, Suruí, Atikum, Xikrim, Akrãtikatêjê, Guarani Mbyá, Kaingang); 120
monitores; 31 relatores; 73 Palestrantes, advindos de 11 países diferentes (Alemanha,
Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, França, Itália, Moçambique, Peru, Uruguai) e de
três povos indígenas (Gavião/Pukobyê, Suruí, Kaingang); 17 coordenadores de GTs; 20
coordenadores de mesas redondas; além de aproximadamente 40 pessoas da organização e das
comissões de trabalho.
Na abertura do Seminário Internacional os participantes prestaram uma homenagem a
D. Tomás Balduíno, bispo hemérito da Cidade de Goiás. Recentemente falecido, esse grande
lutador das causas dos trabalhores rurais, dos povos indígenas e de todos os oprimidos do
Brasil, da Améria Latina e do mundo teve seu nome escolhido para designar o Centro de
Convenções e demais dependências da UFMA em que estavam sendo realizadas as atividades
do evento, que passaram a ser reconhecidas pelos participantes do Seminário como Território
D. Tomás Balduíno.
17
2. CARTA DE SÃO LUÍS
O Seminário Internacional Carajás 30 Anos: resistências e mobilizações frente a
projetos de desenvolvimento na Amazônia Oriental, realizado na cidade de São Luís, de 5
a 9 de maio de 2014, no Centro de Convenções da Universidade Federal do Maranhão,
constituiu-se Território D. Tomás Balduíno.
Após todos os debates, reflexões, articulações e mobilizações que fizemos ao longo do
processo, incluindo os Seminários Preparatórios realizados em Imperatriz (18 a 20 de outubro
de 2013), Santa Inês (20 a 22 de março de 2014), Marabá (21 a 23 de março de 2014) e Belém
(09 a 11 de abril de 2014), afirmamos que:
- O extinto Programa Grande Carajás, cujas continuidades, hoje, são comandas pela Vale e
seus parceiros, impôs um modelo de desenvolvimento que trouxe enormes prejuízos sociais,
econômicos, políticos, culturais, artísticos, ambientais à Amazônia oriental. Mineração,
exploração ilegal de madeira, indústrias poluidoras, pesca predatória, monocultivos, pecuária
extensiva, especulação imobiliária no campo e na cidade, obras de infraestrutura provocam
profundas alterações nas paisagens e nos modos de vida.
- Vivemos sob uma economia de enclaves, controlada por grandes corporações de alcance
internacional e, assim como em várias partes do mundo, somos submetidos a: descomunal
concentração de terras (a maior do país); poluição; destruição dos ecossistemas; concentração
de renda; violência e assassinatos no campo e na cidade; trágicos conflitos fundiários;
precarização do trabalho; trabalho escravo e infantil; desmonte da legislação trabalhista,
ambiental e territorial; processos compulsórios de migração; aumento da miséria; genocídios
de povos e comunidades tradicionais; desigualdade de gênero; marginalização da juventude e
velhos.
- A voracidade da extração de minério de ferro da região Carajás determina o projeto de
abertura de uma nova e enorme mina na Serra Sul da Floresta Nacional Carajás (S11D), a
duplicação da Estrada de Ferro, considerada ilegal pela Justiça Federal, e construção de novas
ferrovias, assim como a expansão do complexo portuário da região, resultando na
intensificação das agressões aos povos, comunidades e à natureza.
- O agronegócio é inimigo da sociedade, com suas práticas destrutivas da natureza e dos
modos de vida da agricultura familiar camponesa e dos povos das florestas, das águas e das
18
cidades. Trata-se de um modelo de produção que impõe uma alimentação envenenada com
seus agrotóxicos. Esse “desenvolvimento” constitui um crime de crime de lesa humanidade.
- Neste ambiente, denunciamos o Estado como agente promotor e sustentador deste modelo
econômico que oprime e explora. Salvo honrosas exceções, o Executivo, o Judiciário e o
Legislativo, em todos os seus níveis, atendem aos interesses dos empreendimentos opressores.
A relação é de cumplicidade e submissão, havendo um cordão umbilical entre o grande capital
internacional, a estrutura oligárquica e os poderes locais.
- Uma das principais ações dessa dinâmica é a violenta e histórica criminalização dos
movimentos, organizações e lideranças sociais. O capital e o Estado não querem a
manifestação pública! A pseudo-democracia serve, principalmente e quase que
exclusivamente, ao poder econômico e à estrutura oligárquica.
- Esse processo de espionagem, criminalização e violência é uma manifestação da ditadura do
capital que se expressa, dentre outra formas, através da censura e manipulação da grande
imprensa. A ausência de notícias na grande mídia sobre esse Seminário é um exemplo claro
da incorporação da censura pelos órgãos de comunicação, operada através do poder
econômico.
- Porém, existem resistências a este desenvolvimento, em várias escalas e níveis, que
envolvem a persistência de muitos que dizem não a este modelo: comunidades tradicionais,
povos indígenas e quilombolas; movimentos de mulheres, gênero e geração; organizações e
movimentos sociais; organizações religiosas; intelectuais; trabalhadores e sindicatos do
campo e da cidade; mídia alternativa. São muitos coletivos e sujeitos que acreditam e lutam a
partir de outras referências, de outros paradigmas.
- Reafirmamos o Seminário Internacional Carajás 30 Anos como um processo regional,
nacional e internacional de articulação, reflexão e mobilização das resistências e diferentes
formas de produção de saberes e cultura para a construção de um mundo mais justo e
solidário.
Diante do exposto, chamamos a sociedade da Amazônia, do Brasil e internacional a refletir e
resistir contra o desenvolvimento imposto pelo capital e a lutar por:
- soberania dos povos;
- democracia popular;
- reforma agrária;
19
- demarcação de territórios indígenas, quilombolas e de populações tradicionais
- direito à moradia;
- soberania alimentar;
- conservação do ambiente;
- respeito às culturas e tradições;
Enfim, lutar pela vida. Afinal, diante da realidade deste modelo predatório e excludente, é
necessário “perder a inocência”.
“Enquanto houver fome haverá luta!”
Manuel da Conceição
São Luís, Amazônia, Brasil, 09 de maio de 2014
20
3. CARTA DE BELÉM
Nós, integrantes dos Movimentos Sociais, da Academia, de Instituições públicas e
representantes de grupos sociais atingidos por projetos de desenvolvimento, reunidos de 09 a
11 de Abril de 2014, durante a Etapa Belém do Seminário Internacional Carajás 30 anos;
resistências e mobilizações frente a projetos de desenvolvimento na Amazônia Oriental,
refletimos sobre essa temática e constatamos que:
1. A história da Amazônia tem sido marcada pelo saque e pela rapina de suas riquezas, pelo
genocídio físico e cultural dos seus povos e pela exploração dos sobreviventes;
2. Essa realidade é marcada, historicamente, pela degradação ambiental, social e cultural, por
conflitos territoriais, pelo assassinato seletivo das lideranças populares, pela criminalização
dos movimentos sociais e sindicais, pelo uso protelatório da judicialização dos conflitos, pelo
avanço do grande capital sobre o território amazônico, pela utilização de trabalho escravo e
pela agudização da miséria, sob a égide de um Estado autoritário, pseudo-democrático e
violento;
3. Que as exigências postas pela etapa de acumulação de capital têm subordinado as ações dos
estados nacionais no sentido de promover um crescimento econômico que agride os direitos
fundamentais de grupos sociais e povos subjulgados;
4. Que a postura neocolonialista assumida pelo Brasil incita o conflito entre as nações,
subjulgando e violando direitos dos povos;
5. Que cada vez mais se agudiza a contradição capital x trabalho em regiões/nações ricas em
recursos naturais e/ou força de trabalho subvalorizado;
6. Que a extraordinária riqueza produzida socialmente é apropriada, numa pequena parte pela
elite local e em sua maior parte pelo grande capital.
Ao mesmo tempo, constatamos também:
1.Que os povos indígenas, ribeirinhos, quilombolas e outros grupos sociais tradicionais
resistem e enfrentam o avanço capitalista na região, afirmando suas identidades,
territorialidades e propondo outros paradigmas, como o do “bem viver”;
2. Que os trabalhadores resistem por meio de greves e manifestações à super exploração do
trabalho, às condições de trabalho escravo, à precarização e imobilização da força de trabalho;
21
3. Que segmentos, ainda que minoritários, da Academia continuam firmes na produção de
conhecimentos críticos, coletivos em profícuo diálogo com os saberes populares;
4. Que segmentos, ainda que minoritários, das instituições do Estado têm atuado no sentido de
preservar as conquistas democráticas.
A partir dessas constatações o Seminário Carajás 30 anos, Etapa Belém, reforça a importância
de:
1. Resistir às tentativas de desmonte das conquistas democráticas obtidas pelos movimentos
populares;
2. Resistir aos projetos que se traduzem em expropriação dos povos indígenas e grupos
sociais tradicionais, que expoliam a classe trabalhadora, que violam leis e direitos e degradam
a vida;
3. Articular todas as formas de lutas e resistências em prol de um projeto emancipatório;
4. Incentivar a produção de conhecimento crítico e sua articulação com as lutas sociais na
perspectiva do diálogo de saberes;
5. Reconhecer a importância das epistemologias não ocidentais na construção do
conhecimento.
“Todo dia se faz luta na Amazônia” (Ulisses Manaças).
Belém (Pa), 11 de Abril de 2014.
22
4. Seminário Preparatório de Imperatriz: 16 a 18 de Outubro de
2013
23
4.1. Relatoria das mesas redondas ocorridas de 16 a 18 de outubro de 2013,
das 8h às 12h30.
Equipe Executora:
Prof. Drª. Vanda Maria Leite Pantoja
Pe. Dario Bossi / Justiça nos Trilhos
Pro. Msc. Roseane Arcanjo Pinheiro
Larissa Pereira Santos
Antonio Marcelino Cruz de Sousa
Resumo: O presente relatório faz a descrição das atividades desenvolvidas durante o
“Seminário Carajás 30 anos: um olhar para os grandes projetos da região Tocantina”,
realizado de 16 a 18 de outubro de 2013 na cidade de Imperatriz – MA. O evento foi a
realização da primeira etapa preparatória do Seminário Internacional Carajás 30 anos.
Utilizamos o relato descritivo de toda a programação, enfatizando a voz dos participantes no
intuito de relatar os sentimentos, indignações, conhecimentos e vivências das comunidades,
movimentos, entidades e pessoas que fizeram parte do evento.
16 DE OUTUBRO
O evento se iniciou com a mística realizada pelos povos indígenas Gavião e KriKati. Foi feita
a composição da mesa de abertura pelos representantes de segmentos distintos da sociedade: a
Igreja Católica foi representada pelo Pe. Valdecir, a Universidade Estadual do Maranhão de
Imperatriz foi representada pelo diretor da instituição, Expedito Barroso. Ele destacou a
importância do engajamento das universidades junto aos movimentos sociais. A professora
Drª Vanda Pantoja representou a Universidade Federal do Maranhão, e destacou que com a
participação no seminário a universidade cumpre o seu papel e sua função social. Finalizando
a composição da mesa Danilo Chammas representou a Rede Justiça nos Trilhos. Pra finalizar
a mesa de abertura ele leu o poema O Maior Trem do Mundo de Carlos Drummond de
Andrade. Os índios Krikati foram representados no evento pelo membro da Tribo Edilson
Krikati. Edilson abriu sua fala no primeiro dia de seminário lamentando a morte de 13 índios
Kraôs em Araguatins – TO, e seguiu relatando sobre a articulação das aldeias com os índios
timbiras para uma produção sustentável. Ele questiona o modelo de desenvolvimento da
região grande Carajás apontando que o estado do Maranhão aparece sempre em último lugar
em todas as estatísticas.
Algumas perguntas: Onde e como eu estava há 30 anos? O que aconteceu comigo e ao meu
redor durante esse tempo? O que eu posso fazer no momento? O que vai acontecer quando o
minério de ferro acabar?
24
Composição da Mesa redonda – Trabalho, Migração e Movimentos Sociais: Maria Divina
Lopes, militante de MST. Brígida, representante do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos
Humanos de Açailândia. Wilson Siqueira da Sousa, representando o Ministério Público.
Professor Alfredo Wagner, representando a academia. Mediador da mesa: Professor Salvador
Tavares.
O mediador fez uma breve exposição explicando o porquê da escolha da temática e das
pessoas que compuseram a mesa.
Maria Divina Lopes pontuou a importância do evento e dos debates, fazendo uma reflexão
sobre a participação acadêmica na discussão a respeito dos movimentos sociais.
Posteriormente utilizando de citação de Engels discutiu sobre o trabalho submetido à lógica
de exploração capitalista que traz riqueza e miséria. Fazendo um paralelo entre as relações de
trabalho no Maranhão e as marcas deixadas pelo período colonial: Super exploração do
homem e das riquezas naturais, Concentração de riqueza e miséria. Tratando das migrações
maranhenses ela questiona: Por que as pessoas migram do Maranhão? Para onde?
Os maranhenses migram em busca de melhor condição de vida, e vão para atividades ligadas
ao agronegócio e monocultura de cana de açúcar; construção civil, garimpos e para serem
escravizados em outros estados. Enquanto isso em nosso estado há a „Trilha do
desenvolvimento‟, e essa perspectiva trazida pelos grandes empreendimentos.
Dentro dessa realidade quais os desafios dos movimentos sociais? Evidenciar as contradições
desses grandes empreendimentos ligados à lógica de exploração do capitalismo. Os
movimentos populares precisam de autonomia, para resistir, baseando-se numa educação
popular, construindo assim um poder para por obter a meta que é superação o modo de
produção do capitalismo. Para finalizar foi lido o poema de Brecht: elogio ao aprendizado.
Posteriormente, tratando ainda sobre a questão do trabalho, no âmbito das migrações e
grandes projetos, Brígida Rocha, representando o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos
Humanos de Açailândia-MA, relacionou com a escravidão ou situações análogas: jornadas
exaustivas, condições degradantes de trabalhos e falta de regularização. “Situações de
exploração de trabalho escravo no nosso estado são recorrentes, ocupamos o quarto lugar no
ranque, por conta da ganância e da falta de punição dos culpados”. Por fim pontuou as ações
do Centro de Defesa no enfrentamento ao trabalho escravo, destacando a morosidade da
justiça, para ilustrar sua fala mostrou fotos de trabalhadores encontrados em situação de
trabalho escravo em municípios maranhenses.
Wilson Siqueira de Sousa tratou sobre as táticas empregadas pelos grandes empreendimentos,
chamando a todos para reflexão sobre os grandes projetos implantados em nosso município:
25
As plantações de eucalipto, a fábrica de celulose, pela Suzano. A compensação dada pela
empresa não está sendo destinada para os fins devidos, é de suma importância unirmos forças
para intervirmos.
O mediador da mesa fez uma breve introdução sobre o professor Alfredo Wagner, que trouxe
reflexões sobre os movimentos sociais nos séculos XX e XXI: A superposição de
movimentos; o fim das utopias; o modelo de democracia representativa e suas barreiras; a
supervalorização do empreendedorismo privado; imprecisão do futuro; inversão da ideia de
cultura (antes ligada às comunidades populares; hoje, às empresas privadas); ideologia da
pacificação; precariedade do trabalho; protestos de junho e suas reverberações (as instituições
politicas e econômicas não representam mais a sociedade); transformações geográficas;
mudanças do eixo de financiamentos (da Europa para a China); devastação da natureza.
Após a exposição do professor, foi aberto espaço para a participação do público:
Comentário 1: mensagem de coorporativo de denúncia. Comentário 2 : Onde a reserva é
domínio que o governo encontrou para cercar os povos indígenas. E atualmente os indígenas
vivem pedindo para o governo por uma vida digna, mas não tem. Índio tem muita terra? Na
verdade não tem.
Comentário 3 - Na formação do povo brasileiro uma pessoa queria que um fazendeiro fosse
padrinho do filho para ter participação dos bens políticos e partidário.
Comentário 4 – Indígena - “Reconheça a realidade porque somos o conhecimento do Brasil.
Pedi que todos estudem a realidade porque são os donos do Brasil. Lazaro - há 4 anos atrás
teve que procurar um promotor para apoiar os movimentos sociais. Então, de que forma você
e os movimentos sociais podem combater esses modelos de empreendimentos”?
Comentário 5- De que forma nós podemos nos organizar para encarar os grandes
empreendimentos da Região?
Comentário 6 - povo Gavião- “1800 ìndios, com 200 aldeias, 10 anos atrás era bom, agora o
prefeito manda policiais entrar na aldeia e pegar os ìndios”.
Colaborações finais e possíveis respostas aos questionamentos levantados
“O maior fator para todas essas desigualdades é a falta de polìticas públicas. Muitos jovens,
também estão envolvidos nesse processo de alienação, pois querem e desejam trabalhar na
empresa Vale. O importante é conhecer melhor em que espaço estamos envolvidos, pois há,
por exemplo, muitas empresas que se mantem por trabalho escravo: Marisa, Café Maratá,
entre outros. É preciso conhecer melhor esse universo para começar a mudar o modelo desses
empreendimentos. Nós, estudantes temos muito que contribuir com a liberdade e melhores
26
condições de vida para podemos trabalhar sem opressão. E ai termos de verdade
desenvolvimento, onde todos são beneficiados” (Brìgida Rocha).
“Nesse tempo de incerteza com muita dificuldade para enxergar o futuro é preciso reconstruir
a utopia, temos que continuar conhecendo a história e prosseguir para a construção dessa
utopia, não isoladamente, mas em conjunto. O modelo de desenvolvimento, não nos ajuda e
não colabora. Reconstrução a nossa prática” (Divina Lopes).
- 17 DE OUTUBRO
A abertura do 2º dia ocorreu com a mìstica do grupo „Jovens unidos pela paz‟, de Açailândia,
com participação de estudantes da UEMA e integrantes de movimentos sociais.
Composição da mesa: Sociedade, economia e meio ambiente: violações de direitos
decorrentes do programa grande Carajás - Cristiane Faustino, representando a relatoria do
direito humano ao meio ambiente da Plataforma Dhesca Brasil; Francisco Martins,
representando o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Açailândia,
Bartolomeu Mendonça, representando a academia (UFMA); Padre Dário Bossi, representando
a Rede Justiça nos Trilhos. Mediador da mesa: Professor Alexandre Peixoto.
CristianeFaustino tratou sobre as violações de direitos encontradas ao longo da Estrada de
Ferro Carajás (EFC), e sobre o relatório elaborado após 15 dias percorrendo as comunidades
cortadas pela EFC, conversando com os moradores e também com a empresa Vale. Baseado
em dados do relatório, Cristiane fez algumas reflexões: Com o Projeto Ferro Carajás S11D,
que é um grande projeto da Vale para aumentar em mais de 100% a exploração do ferro, as
violações dos direitos e os impactos ambientais serão intensificados nas comunidades. A
demanda por terras para a exploração de minério incide sobre o direito a territorialidade das
comunidades que habitam esses espaços. Do ponto de vista formal houve muitas conquistas
dos direitos humanos, um deles no sentido de reparação das situações históricas de exploração
e submissão do índio, negro, mulher. Outra ideia é que ser diferente, mas todo mundo é igual
(todos os movimentos tem em comum um problema histórico a ser superado). O estado deve
garantir os direitos: Secretaria de estadual de meio ambiente, Política de direitos humanos
descolada, Adequação e sucateamento dos órgãos responsáveis por um exemplo, a Funai...
Uma das coisas percebidas ao contrario de enfrentar o racismo, machismo, entre outros. O
modelo de desenvolvimento existente só é possível porque que existe as situações de
vulnerabilidade a que são postas, precarização da vida. Violência institucional.
E tudo isso se dá num contexto de desigualdade social e econômica. A empresa Vale tem um
grande poder de negociação com o poder publico, passando por cima das comunidades que
27
serão diretamente atingidas. Economicamente porque os lucros da empresa se superpõe ao
que a empresa reverte para a comunidade. Explicitar as dores das pessoas que são atingidas, a
fala e a organização das mulheres. A atividade de exploração aumenta todas as formas de
violação e de violência. Fortalecer a organização dos jovens, organização de múltiplos
sujeitos e falas. O problema da violação causado pela Vale não pode ser resolvido com
pequenos projetos pontuais.
Francisco Martins, contando sobre a realidade vivida pela agricultura familiar de Açailândia,
anterior a implantação das siderúrgicas. São 14 assentamentos, a situação do campo melhorou
no sentido de ter a terra, no entanto falta ainda a assistência básicas (como melhoria da
educação, de ...) a esses assentamentos, na região de Novo Oriente, com seis comunidades,
por exemplo. A empresa Vale se implantou na região e a exemplo do Governo investe o
mínimo possível. Segundo dados do IBGE, a população rural aumentou. O desafio é melhorar
a qualidade de vida nas comunidades como um todo e benfeitorias. Sindicato de 2011 fizeram
uma grande reunião e muita coisa não avançou. A Vale tenta se antecipar as ações da
comunidade... Em 20 anos de implantação das siderúrgicas na região não existem mais
reservas florestais. “Tudo tá virando eucalipto”. Para piorar os agricultores têm sido
incentivados a plantarem eucaliptos dentro dos assentamentos. “ é o fim das agricultura
familiar” . A intenção da empresa é dominar através dos seus projetos perversos de que não
trazem desenvolvimento. As terras de pastos estão sendo substituídas pela. Para se livrar disso
é preciso resistir, e para resistir é preciso ser feito o que precisa ser feito.
O Prof. Bartolomeu Mendonça, da Universidade Federal do Maranhão diz que não há futuro
na mineração, pois esta não está sendo pensada como beneficio para a sociedade, mas para a
permanência do lucro. E isso está presente no grupo GEDMA tentando dialogar diretamente
com as comunidades que são atingidas. O capitalismo do Estado é de investimento e se
aprimora no governo do PT, pois os impactos se desdobram no programa grande Carajás - no
investimento em infraestrutura. A duplicação trás mais impactos - o território está sendo
expandido tendo menos lugar para as comunidades; a Vale aumenta as cargas de extração
mineral; a soja no sul e também no baixo Parnaíba, projeto da expansão do turismo - impacto
na economia; a construção de grandes avenidas. Esse modelo de extração mineral prega o
aumento do PIB do Estado e que trabalhar nesse é modelo é sinal de “mudança de vida”. O
professor fez um breve relato dos dados do IBGE, PNAD-Maranhão- partindo da década de
70 até os dias atuais sobre o analfabetismo no meio rural para refletir se há mudança no
avanço do Estado. Levantou os questionamentos: o que informaram os dados? Quais os seus
limites? Como interpreta-los? Qual margem ideológica? Pobreza, periferia, renda. As vidas
28
são e estão acima e além desses dados, que ora apontam. O seminário começou no início do
programa grande Carajás e estamos no meio do seminário, pois estamos discutindo e depois
continuará quando voltarmos para casa.
Padre Dário Bossi falou sobre o trabalho de justiça nos trilhos na região do Carajás no Brasil
e no exterior. Apresentou o histórico da Rede Justiça nos Trilhos que nasce a partir do apelo
de 100 comunidades presentes no Pará e Maranhão. Mostrando assim, a cadeia de produção e
de impactos em Carajás; trabalho com as comunidades através de informação; mobilizações e
ações de protestos; peças teatrais; investigações, pesquisas e publicações demonstrando que
não são denúncias superficiais; atividades jurídicas; Articulações nacionais e internacionais,
que possibilitam entender as ações de enfrentamento a situações de violação. Levar em
sessões oficiais das assembleias com acionistas os gritos, as denúncias, as propostas
alternativas, os relatórios. Propostas e experiências em alternativa ao modelo econômico
predominante, cursos de agroecologias, mostrando que as comunidades podem, alternativas
econômicas como se pode repartir de forma mais justa os lucros da mineração. Pistas de ação
local, um símbolo de como a comunidade é explorada e maltratada, enfim acordou e disse não
a todas as violações. “O primeiro convite é continuar a obter êxito na luta, o segundo convite
é não abandonar. Urgências nacionais: votação do novo código de mineração no Brasil, sem
qualquer participação da sociedade civil organizada. De forma concreta, proponho um abaixo
assinado exigindo..., o site da Justiça nos Trilhos é um espaço para propostas e reflexões.
Aberta as inscrições para participação do publico:
Comentário 1: “Na cabeça dos habitantes o dinheiro repassado ao municìpio pela vale é
muito, um grande benefício destinado a construção de estradas, ou de outros benfeitorias, mas
na verdade o que se ver é o aumento da miséria e da pobreza”.
Comentário 2: “Globalizamos a luta, globalizamos a esperança. É isso aì companheiros a luta
é em todo o mundo. Como morador do assentamento Califórnia, onde o eucalipto é como de
fosse água, nos lá em Açailândia, nos sentimos em uma ilha. A nossa situação de saúde é
grave, aumentou os casos de câncer, temos tentado fazer a nossa parte, a nossa luta continua”.
Comentário 3: “A Vale não vale, a nossa vida vale mais. Terra, trabalho! Luta, resistência”!
Comentário 4: “achei interessante os dados trazidos pelo professor sobre o IDH, a qualidade
de vida é maquiada pelos dados e pelo governo, na verdade percebemos como essa qualidade
não existe, basta percebemos como há pessoas atingidas pela mineração”.
Comentário 5: “Eu fico decepcionado com algumas instituições, não com a sociedade civil
organizada, com outras instituições que não fazem o seu papel. Onde estão as instituições? Na
falta de atuação de órgãos competentes e responsável por garantir nossos direitos, é de
29
responsabilidade dos movimentos sociais enfrentar essas violações dessas grandes empresas?
Estamos na luta, nós negros, nós quilombolas estamos na luta, a luta é nossa”!
- 18 DE OUTUBRO
Abertura com mística do MST.
Composição da mesa: Cultura, Identidade e Economia - Edilson Krikati (COAPIMA),
professora Edna Castro (UFPA), Eunice da Conceição (Quebradeiras de Coco) e Ana Paula
(FETAEMA) foram convidadas, mas por questões de saúde não puderam comparecer.
Mediador da mesa: Leandro Diniz (MST).
O mediador iniciou as falas da mesa com um poema de Thiago de Mello. Posteriormente
Edilson Krikati, pontuou sobre a condição dos indígenas quanto à luta pelos seus direitos. “É
importante aprender a diferenciar quem é do governo, de quem é das comunidades
tradicionais. Por um motivo simples: um indígena a serviço do governo apenas facilita
negociação dos direitos. E os direitos não se negociam, direitos foram conquistados com
sangue e luta”. Ele questiona: Quem é o maior ladrão? Somos nós ou é o governo que vende o
nosso país para capital estrangeiro? O Brasil continua sendo fornecedor de matéria prima para
o estrangeiro e legalizando o arredamento das terras indígenas. O brasileiro perde poder...
Poder de questionar... Poder de participar. Esse governo passou tanto tempo se camuflando,
privatizando e sucateando os seus próprios órgãos federais, e quem ganha com isso são os
próprios políticos que são donos de empresas. Afinal: Quem aprova orçamento? Não são os
próprios políticos? O governo faz com nos endividamos, para ficar melhor nos controlar. Não
podemos ficar reféns desse sistema, precisamos lutar. Nós estamos lutando é contra o sistema
que aí está: o agronegócio e quem estar por trás? O governo inventa a desculpa de que está
sem dinheiro para investir nos órgãos federais, na reforma agrária... Mas eles têm dinheiro
para emprestar para os empresários. Estamos aqui para defender a nossa causa: “o homem
branco pisou duro não só na terra, mas na alma do meu povo, transformando em mar salgado,
pelas lágrimas do meu povo”.
Antes da fala de Edna Castro, Padre Dário convidou mais uma vez a todos para participarem
do abaixo assinado sobre o Código de Mineração.
Edna Castro, pensando no programa Carajás 30 anos antes e agora, 30 anos depois. “Antes
nem tudo era colocado claramente. Discurso do Grande Carajás: emprego, trabalho e
desenvolvimento, a intenção do vídeo é contrapor o discurso com as falas dos trabalhadores.
Outros processos chegam, novos acontecimentos vão sepultando os antigos movimentos.
Fragilidade do movimento camponês. Vivemos um momento perigosíssimo. (...) Reposicionar
30
o sentido de desenvolvimento. (...) A lógica do desenvolvimento nos anos 70. Todos os
indígenas que fizerem os movimentos sociais têm sido deslegitimados. Todos nós estamos
nesse processo, mas com projetos diferentes. É importante entendermos essas empresas para
podermos intervir. A um conjunto de empresas. Desvendar esse discurso de desenvolvimento,
relações coloniais.
O programa Carajás representa a pressão de empresas transnacionais e organismos
multilaterais sobre o estado. Os projetos de PAC 1 e 2: Marcando a interação das
comunidades definitivamente. Todos os grandes projetos são excludentes, deslocam as
comunidades. Impactos dessa política de transporte, que é um eixo importante, portos,
ferrovias, hidrovias... Resistência: A lógica dos movimentos sociais é que estão na margem do
governo, onde o governo não chega. O Estado trabalha com a ideia de que há segmentos
dentro da sociedade que podem ser descartados. O movimento social constrói um modelo de
desenvolvimento e construirá um outro Brasil”.
Canto indígena
Aberto para debate:
Comentário 1: “Temos que estar atentos aos mega eventos esportivos”...
Comentário 2: “Fazendo alguns destaques sobre a fala do Edilson de que nada mudou. Em
certos aspectos nada mudou de fato (...). É possível outro modelo de desenvolvimento, que
não esse de individualismo e consumismo”.
Comentário 3: “O que o governo quer de nós e que permaneçamos como estamos. Atender
as empresas esportivas e televisivas. Então nos comunidades tradicionais somos excluídos
desse mega eventos esportivos. Onde é que temos apoio? Onde é que se vê o apoio da
Petrobrás em esportes indígenas? Não vê, não existe. Os verdadeiros brasileiros estão sendo
excluìdos até mesmo do esporte”.
Comentário 4:” Gostaria de parabenizar a organização do seminário, porque atendeu as
expectativas” (...)
Comentário 5: “Também concordando com o companheiro, o seminário nos trouxe muitas
questões importantes. Mas de um modo geral não conseguimos entender onde vai parar tudo
isso... Hoje temos um processo de desregularização e de criminalização dos movimentos
sociais. Eu gostaria de perguntar para o Edilson como os movimentos indígenas tem se
mobilizado para o enfrentamento? E para Edna eu gostaria de perguntar sobre a dinâmica dos
movimentos pelo Belo Monte”?
Comentário6: “Nós somos povos da terra, tem a terra preta, terra amarela e terra branca.
Assim como nós: pretos, amarelos e brancos. Nós estamos nessa luta para defender a nossa
31
vivência. Eu sou presidente da associação de moradores, da minha aldeia. (...) eu quero não
quero sair da minha aldeia para estudar em Goiânia, quero ficar perto da minha família. Vocês
têm direito de ter a faculdade de vocês, mas nós não temos uma faculdade só para os
indígenas, queremos estudar e para colocar alguma coisa na cabeça. (...) Sobre o governo, ele
tem vendido a nossa riqueza para o estrangeiro, mas antes os nossos médicos eram as plantas
nativas, mas hoje em dia de nossa terra tudo é explorado. A comunidade tem que lembrar a
nossa vida, e é isso que nós estamos preparando”.
Comentário 7- Caetana, moradora de assentamento lembrou alguns momentos dentre eles, o
de novembro de 2009 na comunidade de São João, discutia-se sobre as comunidades atingidas
- os impactos ocasionados nas comunidades. Nisso foi planejado uma organização para
mobilização com as comunidades; funcionou essa mobilização. Sugeriu que para frente, a
partir desse seminário, quanto mais a gente juntar força é melhor, pois o governo cria diversos
segmentos para a implantação desses empreendimentos e é nesse sentido que está a nossa
ação.
Considerações: Edna Castro – “Esse perìodo de grandes empreendimentos contrasta com a
questão do futebol. Grandes empreendimentos para os jogos e a maioria da população não terá
acesso. Colocou a questão de Belo Monte ressaltando que a construção de Belo Monte é uma
forma de militarização. Sugestão: os movimentos sociais devem redefinir o seu processo de
organização”.
4.2. Relatoria dos minicursos e oficinas, 16 a 18 de outubro, das 14h às 16h.
Minicurso: Cartografias temática e social na representação de conflitos
socioambientais.
Conteúdo: Métodos de representação na cartografia temática; Teoria sobre conflitos
socioambientais e territórios; princípios e metodologia da cartografia social; e aplicações a
partir da vivência dos participantes.
Houve uma boa participação, pois tivemos mais de 25 participantes em cada um dos dois dias
em que o minicurso foi ministrado. Observou-se que para muitos dos participantes a temática
da cartografia social ainda era uma novidade, mesmo sabendo que esta tem tido grande
destaques nos estudos sobre conflitos, principalmente na área da Amazônia. Considera-se que
a realização deste minicurso foi bastante positiva pois colaborou-se para que diversas
lideranças de movimentos sociais entendessem melhor a aplicabilidade desta metodologia de
32
estudo de conflitos. Além da contribuição para que estudantes do ensino médio, superior
(participaram estudantes dos cursos de história, geografia, ciências sociais, e serviço social),
fazendo com que estes tenham maior habilidade na execução de projetos que envolvam este
tipo de estudo.
OFICINA: experiências/estratégias de lutas frente a grandes empreendimentos: como
podemos nos organizar?
A oficina teve como objetivo refletir com os participantes sobre a construção de estratégias de
enfrentamento coletivo que possam fortalecer as lutas locais frente a grandes
empreendimentos. Utilizamos a metodologia de apresentação de casos que consideramos
positivo de resistência para estimular o debate com o grupo. Utilizamos um caso internacional
e um caso nacional/local de resistência a projetos de desenvolvimento ligados a mineração.
No primeiro dia a partir da “dinâmica do repolho”1 iniciamos a discussão sobre os objetivos
da oficina e em seguida apresentamos a programação para os três dias. Dando prosseguimento
a oficina, apresentamos o caso de resistência ao projeto de mineração Conga, no Peru, e
provocado por ele, os participantes discutiram sobre os projetos de desenvolvimento que
conhecem. Os jovens focaram principalmente na questão da empregabilidade. Os indígenas
no primeiro dia ainda estavam um pouco tímidos. Procuramos conduzir a discussão para três
questões: as estratégias utilizadas pelas empresas para se instalarem, as estratégias de
resistência das comunidades e os atores sociais a quem podemos recorrer.
No segundo dia começamos a oficina com uma mística onde cada participante recebia um
balão de ar. Cada participante deveria encher o seu balão e segura-lo. Explicamos que cada
balão representava a sua vida e que cada um deveria cuidar das mesmas sem as deixar cair no
chão enquanto a jogássemos para o alto. O nosso objetivo foi estimular que em grupo todos
acabassem por cuidar não somente da sua própria “vida”, mas que há uma solidariedade em
viver em grupo. Em seguida trabalhamos o caso da tentativa de instalação de um polo
siderúrgico na ilha de São Luís de 2001 a 2005 e suas resistências. Expusemos o caso
levantando as estratégias da empresa para legitimar o projeto e as lutas das comunidades para
impedir que a instalação se concretizasse. Evidenciamos que o empreendimento não foi
instalado em São Luís, mas deslocou-se para a cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Santa
Uma bola de papel com várias imagens de impactos de grandes empreendimentos circula ao som de uma
música “Xote das meninas” Luís Gonzaga, que é interrompida repentinamente. Onde a bola para a pessoa
abre o repolho, observa a imagem que é uma das “folhas” do repolho e fala o que compreende sobre o que
está vendo.
1
33
Cruz e as comunidades locais vêm hoje sofrendo as consequências socioambientais do
empreendimento. A partir das questões levantadas pelo caso abrimos a discussão para que
todos contribuíssem com as reflexões.
No terceiro dia, dividimos os participantes em 3 grupos e pedimos para os mesmos discutirem
os casos apresentados nos dois dias anteriores e tentarem relacionar com as suas realidades.
Orientamos que ao final da discussão o grupo sistematizasse a discussão em 4 categorias:
conflito, atores, estratégia da empresa e estratégias de resistências das comunidades. Após a
discussão, pedimos aos grupos para apresentarem a sua sistematização a todos. Na discussão
em grupo os indígenas se colocaram de forma efetiva. Acreditamos que a divisão em grupo
facilitou a participação do grupo indígena que estava mais retraído.
Ao final do terceiro e último dia realizamos uma rodada de avaliação da oficina, pedindo a
todos os participantes que contribuíssem com críticas e sugestões. Após a rodada de avaliação
entregamos a todos os participantes um documento sistematizado a partir das discussões
travadas nos três dias de oficina, evidenciando as estratégias de atuação das empresas, as
estratégias de resistência das comunidades e outros atores e possíveis parceiros de luta.
A oficina contou com uma média de 25 a 30 pessoas entre quilombolas, indígenas, estudantes
de ensino médio e professores universitários, o que garantiu diversidade de pontos de vistas
nas discussões.
Minicurso: projeto perfis: vidas que ensinam
Conceitos de perfis e vivências; exemplos de perfis e vivências na imprensa; o “olhar” para o
outro no conceito jornalístico e em outras áreas de humanidades; O perfil como forma de
resgate das vozes silenciadas; técnicas de entrevista e aproximação dos personagens; técnicas
de transformação das entrevistas em textos de perfil; propostas interdisciplinares de aplicação.
Minicurso: Comunicação e Movimentos Sociais
O minicurso fez uma retrospectiva da abordagem midiática sobre temáticas relativas aos
Movimentos Sociais, bem como trazer dados atuais sobre o monopólio das concessões dos
Meios de Comunicação. Os participantes poderão analisar o que é dito pela grande Mídia e
conhecer, ainda, veículos e meios alternativos de comunicar-se com o público. “Comunicação
e Movimentos Sociais” contextualizou sobre o comportamento dos Movimentos mediante as
novas tecnologias e a ascensão da internet e das redes sociais.
Minicurso: O Estado brasileiro e a Vale
34
O minicurso teve como objetivo criar um espaço público de discussão acerca da relação
político-econômica do Estado brasileiro e a Vale a partir de uma leitura crítica do Novo
Marco Regulatório da Mineração, da Expansão da Estrada de Ferro Carajás (EFC) e da
criação e atuação do Consórcio dos Municípios da Estrada de Ferro Carajás (COMEFC),
apresentando reflexões e abordagens sobre os referidos temas e suas implicações para as
dimensões sociais e ambientais.
Oficina: Clown
Uma oficina para se trabalhar gestos corporais e expressivos, estimulando o corpo na busca do
palhaço interior. A oficina traz a arte do palhaço voltada para trabalhar questões sociais,
contribuindo para que comunidades e estudantes tenham em mão uma nova ferramenta de
expressão popular.
Oficina: Estêncil
A oficina é do ramo de agitação e propaganda, levando ao público a arte do estêncil, que se
resume em criação de chapas para pinturas em muros, camisas entre outros objetos. É uma
ferramenta utilizada atualmente por juventudes de todo país para expressar de forma artística
e críticas os problemas sociais vigentes no seu local.
Na noite do terceiro dia, o seminário encerrou com um ato público que percorreu as ruas do
centro da cidade de Imperatriz, com parada na Praça de Fátima, praça central da cidade.
Ainda como encerramento foi lançado o espetáculo “Buraco: um panfleto profundo”, do
grupo Cordão de Teatro, de Açailândia. Um show acústico finalizou as apresentações
culturais do seminário.
35
4.3 TRABALHO ESCRAVO NO MARANHÃO: Relato de Visita ao Centro de
Defesa da Vida e dos Direitos Humanos e à Cooperativa para a Dignidade do
Maranhão2 - Leandro Araújo da Silva3; Eva Ferreira de Sousa4; Carlos
Wennison Pereira Lucena5
Palavras chave: Trabalho Escravo. CDVDH. CODIGMA. Açailândia. Maranhão. Brasil.
No presente trabalho relatamos sobre a atividade de campo realizada em Açailândia, Estado do
Maranhão, Macrorregião Nordeste do Brasil, em abril de 2012, na qual visitamos os núcleos do Centro
de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos (CDVDH) e os núcleos da Cooperativa para a Dignidade
do Maranhão (CODIGMA), entidades sem fins lucrativos que atuam na prevenção e combate ao
trabalho escravo na região. A visita de campo fez parte das atividades desenvolvidas na disciplina do
Curso de Licenciatura em Ciências Humanas (Universidade Federal do Maranhão / CCSST / Campus
Imperatriz) “Terra e Trabalho no Maranhão”.
Pretendemos enfatizar, de forma geral, algumas questões características sobre as condições de
realização do trabalho escravo no Maranhão, pontuar algumas formas de atuação do CDVDH e da
CODIGMA frente ao trabalho escravo e sua prevenção, e mencionar dificuldades, impasses e desafios
que se colocavam às entidades supracitadas quanto à sua atuação. Os apontamentos que se pretende
fazer no presente trabalho tomam como base o trabalho de campo realizado em Açailândia em abril de
2012 e também retomam leituras realizadas na referida disciplina, como por exemplo, trechos e temas
do “Atlas Polìtico-Jurìdico do Trabalho Escravo Contemporâneo no Maranhão” (2011).
O CDVDH foi fundado em 1996 por três missionários combonianos e algumas pessoas da
comunidade, moradores de Açailândia. Um desses missionários foi a irmã Carmem Bascarán, a qual
foi homenageada pelo trabalho desenvolvido na comunidade. O CDVDH recebeu o seu nome,
passando a se chamar CDVDH Carmen Bascarán.
Desde 1996 o CDVDH/CB vem trabalhando para contribuir com a erradicação do trabalho escravo a
partir da demanda dos trabalhadores evadidos das fazendas e carvoarias do interior do Maranhão.
Desenvolvendo trabalhos nas áreas de prevenção do trabalho escravo, de conscientização da
sociedade, de defesa da dignidade das pessoas, principalmente dos trabalhadores encontrados em
situação análoga à de trabalho escravo.
Segundo o Atlas Político Jurídico do Trabalho Escravo Contemporâneo (2011) as Condições de
Trabalho em Carvoarias e Fazendas são: falta de Equipamentos de Proteção; condições precárias de
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5
Texto completo enviado pelos autores.
Graduando LCH / UFMA / CCSST [email protected]
Graduanda LCH / UFMA / CCSST [email protected]
Graduando LCH / UFMA / CCSST [email protected]
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alojamento (falta de higienização), alimentação precária, falta de assistência médica em casos de
acidente, trabalhadores sujeitos à violência (física, sexual e psicológica, simbólica), fazendas
localizadas em áreas isoladas, vigilância nos locais de trabalho (abuso de autoridade), dívida contraída
com o “empregador”, preços de produtos superfaturados (na cantina da fazenda), dentre outras (Atlas,
2011).
Durante a incursão a campo ouvimos relatos de um representante da Comissão Pastoral da Terra, que
na ocasião realizava em uma chácara, em parceria com o CDVDH, um evento da campanha
denominada “De Olho Aberto para não Virar Escravo”, em seguida ouvimos o depoimento de um
trabalhador que, na ocasião, tinha sido resgatado do trabalho escravo, o qual falou de sua experiência
em uma fazenda, e das condições de trabalho que encontrou na mesma. Ouvimos ainda, na sede do
CDVDH, representantes do mesmo, que ressaltaram os trabalhos desenvolvidos e os desafios e
apresentaram as dependências físicas do Centro.
Visitamos os três núcleos nos quais funciona a Cooperativa para a Dignidade do Maranhão. É uma
cooperativa de produção de artefatos de origem vegetal, mineral e recicláveis, que objetiva gerar
trabalho e renda para pessoas oriundas do trabalho escravo ou que se encontram vulneráveis ao
aliciamento para tal prática. A cooperativa trabalha na perspectiva de contribuir para a garantia dos
direitos humanos, com base nos princípios da autogestão, preservação ambiental e desenvolvimento
sustentável.
Trata-se de uma cooperativa que produz artigos/artefatos a partir de materiais reciclados, vegetais e
minerais, e que proporciona trabalho para pessoas resgatadas em situação análoga à de trabalho
escravo, e também para aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social. Os três
núcleos visitados foram: o Núcleo de Produção de Artefatos de Madeira, o Núcleo de Produção de
Carvão Ecológico Reciclado e o Núcleo de Produção de Artefatos de Papel Reciclado.
O Núcleo de Produção de Artefatos de Madeira busca resgatar valores humanos transformando
pedaços de madeira e derivados em peças decorativas para diversos ambientes: quartos infantis,
cômodas, guarda-roupas, mini camas, baús, prateleiras dentre outros. No Núcleo de Produção de
Artefatos de Papel Reciclado o papel é transformado através de arte em produtos como: cartões,
agendas, pastas, cadernos, sacolas, caixas, dentre outros artigos.
Visitamos também o Centro Comunitário do CDVDH da Vila Capelosa, bairro de Açailândia onde
havia cursos de bonecas para mães e crianças, atendimento jurídico à comunidade e cursos
profissionalizantes. Visitamos ainda o Núcleo do CDVDH na Vila Ildemar, bairro onde eram
oferecidas aulas de capoeira, teatro e dança para crianças da comunidade.
Apesar das denúncias e resgates de trabalhadores e dos demais trabalhos desenvolvidos pelo CDVDH
e CODIGMA, percebemos durante a visita e os diálogos que a entidade funcionava ainda muito
precariamente, os recursos muito escassos para o atendimento aos trabalhadores resgatados, para as
ações de fiscalização em fazendas, para manter os núcleos da cooperativa em funcionamento, para o
37
pagamento de funcionários, para aquisição de material a ser utilizado nos projetos desenvolvidos nas
comunidades, etc.
Observamos a ausência de apoio do Estado (e pudemos refletir sobre a ineficiência das administrações
públicas) que se omite diante das injustiças sociais nas quais vive grande parcela da população,
ausência de apoio por parte do poder judiciário, que em sua estrutura de
funcionamento permite que a situação de impunidade de escravistas se perpetue (impunidade dos
escravocratas).
Em relação ao caso do trabalhador resgatado pelo CDVDH em situação análoga à de trabalho escravo,
referido acima, uma representante do CDVDH mencionou que este entrou com uma ação trabalhista,
mas como não houve fiscalização na fazenda não houve como comprovar que, no caso, se tratava de
trabalho escravo, pois quando da fiscalização existe um relatório que caracteriza a situação dos
trabalhadores encontrados e no caso citado não houve relatório.
Observamos ainda reclamações de falta de segurança para os agentes envolvidos no trabalho de
fiscalização e denúncias do trabalho escravo, assim como para os próprios trabalhadores que
denunciam os escravistas, tendo em vista que se trata de uma tarefa perigosa, principalmente porque
atinge pessoas que detêm poder econômico e político e prezam por manter uma imagem de “homens
de bem”, mesmo que seja à custa do trabalho escravo, ou mesmo à custa da eliminação daqueles que
“entram no seu caminho”.
Referências
Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bascarán. Atlas Político-Jurídico do
Trabalho Escravo Contemporâneo no Maranhão. Imperatriz, MA: Ética, 2011, 249 p.
Cooperativa para a Dignidade do Maranhão. (Panfleto de Divulgação). Açailândia, MA.
Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos Carmen Bscarán. Centro de Referência em Direitos
Humanos da Amazônia Maranhense. (Panfleto de Divulgação).
Mestre em Ambiente e Desenvolvimento. Professor do Instituto Federal do Maranhão – IFMA
[email protected]
Doutora em Economia. Docente do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento –
UNIVATES/RS [email protected]
Doutora em Ciências da Comunicação. Docente do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e
Desenvolvimento – UNIVATES/RS [email protected]
38
5. Seminário Preparatório de Santa Inês: 20 a 22 de Março de
2014
39
5.1 Relatório das atividades realizadas
O Seminário Preparatório Regional em Santa Inês ocorreu nos dias 20 e 22 de março deste
ano, em dois espaços distintos, ambos na sede do municipio: o Sítio dos Padres, espaço para
encontros da Igreja Católica e, na Escola Estadual José Sarney. Contou com um público total
de cerca de 200 participantes, representando de 16 municipios, a saber: Alto Alegre,
Anajatuba, Arari, Buriticupu, Centro Novo, Godofredo Viana, Igarapé do Meio, Itapecuru,
Miranda, Monção, Pindaré Mirim, Santa Inês, Santa Rita, Viana, Vitória do Mearim, Zé
Doca.
As atividades preparatórias ocorreram em número de 10, desde abril de 2013, sendo reuniões,
visitas a instituições e lideranças, mesa de debates. Esta última, realizada dia 17 de setembro,
no auditório do IFMA Campus Santa Inês, tendo como debatedores, Horácio Antunes de
Sant'Anna Junior - Prof. Dr. do Departamento de Graduação e Pós Graduação em Ciências
Sociais e Políticas Públicas da Universidade Federal do Maranhão, coordenador do grupo de
estudos GEDMMA - Grupo de Estudos Desenvolvimento, Modernidade, Meio Ambiente,
coordenador do Seminário Carajás 30 anos; Helciane de Fátima Abreu Araújo - Profa Dra de
Sociologia do Centro de Ciências Sociais e Aplicadas da Universidade Estadual do Maranhão,
pesquisadora do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia - PNCSA e do Grupo de
Estudos Socioeconômicos da Amazônia – GESEA; Antônio da Conceição da Silva Coordenador da FETAEMA - Regional Pindaré e, Noé Maciel – Coordenador Regional do
MST no Maranhão.
As instituições e pessoas envolvidas diretamente e permanentemente na organização e
realização do Seminário foram: Igreja Católica - Dioceses de Viana e de Coroatá, Pastorais
Sociais das Dioceses: Bispo da Diocese de Viana Dom Sebastião, Ir. Maria Cristina, Leigos
Marcio do Nascimento Pereira, Maria das Neves Costa Nunes “Mariazinha”, Erauldina Vieira
- CPT Coroatá, Pe. Angelo Figueira, Alaíde Abreu da Silva – Fórum de Políticas Públicas de
Buriticupu e Rede Justiça nos Trilhos; Instituto Federal do Maranhão-Campus Santa Inês:
Alexsandra Maura Bernal; Movimento dos Trabalhadores sem Terra: Noé Maciel e Jane
Cavalcante; membros da Rede Justiça nos Trilhos: Maju, Sislene Costa da Silva e Bruno
Fernandes; GEDMMA – Horácio Antunes, Sislene Costa da Silva; alunos do Grupo de
Pesquisa GESEA da UEMA-Campus Santa Inês: Elson Gomes Silva, Aldy Silva; CIMI
(Conselho Indigenista Missionário): Rosimeire Diniz; CPT: Sandra Santos.
Considerou-se como inicio do Seminário, a chegada, no dia 20, a partir das 18 horas, das
comunidades vindas dos 16 municipios citados anteriormente, incluindo representantes das
40
etnias indígenas Awá e Guajajara e, do Movimento Quilombola do Maranhão – Moquibom,
do Cabo, Monge Belo. Esses grupos fizeram o credenciamento, alojaram-se, jantaram e
assistiram aos documentários “Maranhão, seu contexto, seus conflitos” e “ Fronteira Carajás”.
Outros documentários exibidos no Seminário, no espaço dos Grupos Temáticos foram
“Enquanto o trem não passa”, “Juventude atingida pela Mineração” e o filme sobre a
expansão do complexo logístico Norte da Vale, produzido pela Agência de Investigação
Pública, em 2011.
Dia 21, a abertura oficial foi um ato público, na entrada da principal rua da cidade, bairro da
Laranjeiras, espaço movimentado e de grande visibilidade. Após falas de representantes de
diversos movimentos, o grupo saiu em caminhada pela rua principal, com faixas, cartazes,
entoando cânticos, divulgando o seminário e convidando todos à participação.
Ainda durante a manhã do primeiro dia, no Sítio dos Padres, ocorreu a primeira mesa redonda
– 30 anos do Projeto Carajás: balanços e perspectivas, composta por - Guilherme Zagallo
(JnT), Flaubert Guajajara (COAPIMA – Terra Indígena Pindaré) e Marluze Pastor (Fórum
Carajás). Após as apresentações, a plenária fez intervenções diversas e encerrou-se a manhã
do primeiro dia.
À tarde ocorreram os Grupos Temáticos (GTs), em número de 05, a saber: Ambiente,
poluição, saúde e conflitos ambientais; Questão agrária, mineração e questão urbana; Criança,
juventude, geração, gênero e diversidade sexual; Comunidades tradicionais e povos indígenas:
formas e estratégias de resistência e organização popular, violência e repressão;
Responsabilidade Social e Ambiental de empreendimentos e estratégias de cooptação de
organizações sociais.
Dia 22, após o café da manhã, ocorreu a plenária de socialização dos GTs e 02 minicursos
cujos temas foram “Mineração e o Alto Turi” e, “Estado brasileiro e a Vale”, 01 Roda de
Conversa sobre cercamento dos campos e lagos na Baixada Maranhense,
01 oficina:
Juventude e resistências frente à mineração.
No período da tarde, aconteceu a segunda e última mesa redonda do Seminário intitulada
“Resistências e Mobilizações frente aos Projetos de Desenvolvimento no Vale do Pindaré e no
Alto Turi”, cujos palestrantes foram Helciane Araújo (Prof. UEMA), István Vargas (Prof.
UFMA), Noé Maciel (MST) e Luiz Soares Filho Vilanova (Buriticupu). Como encerramento,
uma rápida avaliação do evento, agradecimentos aos vários envolvidos na realização do
Seminário e o jantar.
Houve ainda a apresentação da peça teatral intitulada “Buraco, um panfleto profundo”, em um
espaço público da cidade de Santa Inês.
41
Nos GTs, diversas informações foram socializadas e discutidas, gerando críticas e
posicionamentos como:
1 – Atuação da VALE nas cidades de Rosário, Arari e Buriticupu através de
propagandas que trabalham a boa imagem da empresa de sustentável, responsável social,
incentivadora do desenvolvimento local; de custeios à formação pedagógica e, passeios a
professores, alunos e grupos de jovens; programas de complementação nutricional, de
alfabetização (VALE Alfabetizar), de consultas oftalmológicas e doação de óculos (Projeto
“vê”); relatos de participantes que estagiaram e/ou trabalharam na empresa sobre a construção
da imagem de sustentável, responsável social; do isolamento dos funcionários da VALE que
não mantêm contato com os moradores da cidade e as promessas de desenvolvimento das
cidades que não se concretizaram; a parceria da mineradora com o PRONATEC objetivando
formar mão de obra para trabalhar nas obras da duplicação da Estrada de Ferro Carajás,
compreendida a dinâmica de recrutamento do empreendimento ao ser ouvida a mesa de
abertura do Seminário Local.
2 – Pessoas e comunidades observaram e compartilharam as características/belezas
naturais dos seus lugares, os conflitos e disputas por esses ambientes, ligando as imagens
conflituosas das cidades às causas nos níveis macro, como a mineração, a siderurgia, etc. Em
diálogo observaram conexões com a disputa pelos recursos do ambiente, tanto naturais, como
culturais, por parte de grupos distintos, como governos e empresas. Para resolver os
problemas, o envolvimento, a ajuda mútua entre as pessoas e também a atuação de entidades
como sindicatos, sempre colocando que a saída é a reivindicação popular e sua manifestação
constante.
3 – Que as empresas de mineração são os segundos maiores doadores em campanhas
eleitorais e, por isso, manipulam/influenciam nos projetos e leis apresentados e votados nas
Câmaras de Vereadores, nas Assembleias Legislativas, no Congresso Nacional, como o novo
estatuto do índio, por exemplo; são responsáveis pela transposição de aquíferos para a
utilização nos procedimentos de mineração. Segundo investigações do Ministério Público, a
Vale utiliza materiais como o carvão, que advêm de empresas que utilizam o trabalho escravo
como forma de exploração. Faz-se necessário informar mais as comunidades sobre as leis,
PECs, empoderá-las, para que se articulem. Observaram que, no inicio, quando a VALE era
pública, era obrigada a reverter parte de seus recursos para auxilio às comunidades indígenas
e outras do entorno, o que, no entanto, deixou de existir.
42
4 – A contradição no discurso da sustentabilidade diante dos resíduos de minério
espalhados sobre solo e rios contaminando-os, do inchaço populacional das cidades próximas
à linha, como exemplo Parauapebas, aumentando a violência e a prostituição, com propostas
de empregos que não se concretizam. Observações sobre as diferenças das crianças e dos
jovens atualmente para os de anos atrás, destacando o desenvolvimento tecnológico na
geração de pessoas mais individualistas, desprezando, por exemplo, brincadeiras coletivas,
assim como a ausência dos pais, “substituìdos” pelos meios de comunicação. As
criminalizações principais mais sofridas pelas crianças são o trabalho infantil e a prostituição.
Observações também sobre o fato de que, para as crianças, tudo é uma brincadeira –
atravessar sobre o trem parado, atravessar a linha, viajar para outras cidades escondidas nos
vagões (neste caso também como uma fuga de famílias desestruturadas). Há um quadro de
desesperança diante do não engajamento de pessoas e grupos e da falta de maior apoio a
instituições que militam nessa área. O ponto crucial é a questão do consumismo: prazer
momentâneo, lucro, aceitação pela sociedade, não aceitação dos diferentes – das diferenças.
5 – Foram apontadas as relações entre a mineração e as questões agrárias e urbanas:
os royalties pagos para os municípios de onde é extraído o minério, mas que não são
repassados para as pessoas mais impactadas pelos empreendimentos; conflitos pela posse e
ocupação da terra nas comunidades, com posseiros e fazendeiros – grilagem, ameaças,
constrangimento, cooptação, infiltração de pessoas, pistolagem, criminalização de
manifestantes, sendo como alvos principais os lideres das associações e cooperativas;
cercamento de áreas – inclusive campos (áreas inundáveis); não titulação pelo INCRA ou pela
prefeitura e ainda pelo ITERMA, como posse do Estado, o que impede a participação em
programas do Governo Federal. Quando há reação das comunidades - cortando cercas,
registrando ocorrências – estas são punidas. O novo Código da Mineração também fez parte
das discussões, assim com a proposta da “lei antiterrorismo”, que pode ser usada para
criminalizar os movimentos sociais, a PEC 1610 e a portaria 215 que tratam, respectivamente,
de mineração em terra indígena e regularização dos territórios tradicionais, e o Consórcio
COMEFEC (aparentemente, interessado em fazer projetos que não necessariamente terão
relação direta com os locais impactados pela Vale e outros empreendimentos): audiências
públicas em São Luís, tentativa de aprovar o código sem passar pela discussão com as
comunidades, os movimentos sociais e a sociedade civil organizada; estratégia governamental
em passar o código em regime de urgência; liberação de mais terras para a mineração (nas
terras em processo de demarcação não podem ser implantadas). Outra atitude do Estado foi
suspender as desapropriações pelo INCRA, só podendo ser efetivadas com um aval do
43
Governo Federal. Observaram como prática comum as compensações ambientais serem
executadas longe dos locais impactados. O fato do governo dialogar com vereadores e
prefeitos e não com as comunidades. Outra prática comum das empresas é realizarem projetos
com recursos do Governo Federal que os municípios deveriam adquirir como forma de
compensação ambiental. A Vale tem essa prática. Empreendimentos como: mineração de
ouro, ferro, produção de soja e eucalipto etc., têm apoio do Estado nas três esferas e tentam
passar por cima de toda resistência contra eles.
Quais as lições, erros, desafios? São perguntas válidas para pensarmos o momento atual.
Temos que buscar aprender com nossas experiências. Já foram percebidas estratégias como
visitas das empresas casa em casa, gerando relatórios favoráveis aos empreendimentos.
Solução: comunidades realizarem reuniões com todos os moradores para que a entrevista seja
feita em grupo, como uma forma de tentar impedir distorções de informações.
Foi destacado que projetos de instalação de novos empreendimentos surgem muitas vezes em
períodos de eleição, onde candidatos alegam a criação de inúmeros empregos e o
desenvolvimento do Estado como forma de prover candidaturas e ganhar eleições; que
argumentos comuns utilizados por políticos e empresas são de que os movimentos sociais
estão impedindo que o desenvolvimento venha para o Maranhão. Políticos afirmam que a
pobreza é consequência da falta de empreendimentos e que essas empresas são a solução para
os nossos problemas. Existem casos em que a condição do trabalhador rural, quilombola,
pescador é aproveitada por alguns políticos para garantir eleições, tornando esses grupos
“curral eleitoral”.
A Vale têm projetos de mineração, mas também de energia (é acionista de Belo Monte, da
hidroelétrica de estreito, além de projetos de extração de outros minérios). Mas ultimamente
tem se concentrado no projeto S11D, deixando, inclusive, os outros projetos congelados.
A preocupação expressa nos debates dos GTs foi no sentido de buscar formas de mobilização
para resistir às investidas dos empreendimentos que vêm para o Maranhão e que estão sendo
apoiados pelos nossos governantes (por exemplo, o senador Edson Lobão, ministro de Minas
e Energia), para que esse modelo de desenvolvimento que concentra renda e aumenta cada
vez mais a pobreza no nosso Estado não se perpetue. Levando em conta que estamos em ano
eleitoral, ano de copa de mundo e ainda temos um novo código de mineração, é necessário
criarmos uma ação forte e direta, para tentarmos lutar com força igualitária contra esses
empreendimentos. Pressionar nossos deputados para votarem com responsabilidade e respeito
é uma das estratégias que deve ser adotada pelas comunidades e movimentos.
44
5.2 RESISTÊNCIAS E MOBILIZAÇÕES POPULARES NOS VALES DO
PINDARÉ E DO TURIAÇU6 - István van Deursen Varga7
INTRODUÇÃO
Discutimos, neste trabalho, as trajetórias das frentes de expansão, e as ações e
movimentos de resistência a elas, empreendidas por alguns segmentos populares (indígenas,
quilombolas e camponeses), na região entre as bacias dos rios Gurupi e Pindaré, na Amazônia
maranhense, do início da colonização portuguesa (1615) até o final da década de 1920,
quando o Serviço de Proteção aos Índios declarou a “pacificação” dos Ka’apor – o último
povo indígena da região a sê-lo.
Esta região inclui uma faixa de terra a Noroeste do Maranhão, à fronteira com o atual
estado do Pará – o interflúvio entre os rios Gurupi e Turiaçu – cuja administração esteve a
cargo da então Capitania e depois Estado do Grão-Pará, de 1772 a 1852 (cuja fronteira com o
Estado do Maranhão definia-se, na época, pela calha do rio Turiaçu), quando passou à
administração da a partir de então denominada Província do Maranhão, e se estabeleceu a
fronteira (que até hoje vigora) com a Província do Grão Pará na calha do rio Gurupi.
Dialogando com os trabalhos dos autores que, a partir da década de 1970, tomam o
Maranhão e o Pará como referência empírica (cf. Figueiredo, 2000), também foi adotado,
aqui, o conceito “frente de expansão”8, por sua operacionalidade para a discussão dos
impactos dos empreendimentos de capital sobre as relações entre índios, quilombolas e
trabalhadores rurais – os segmentos sociais mais vulneráveis e submetidos às piores condições
de vida na região.
Este trabalho resulta, em vista das demandas e dos objetivos do Seminário
Internacional “Carajás 30 anos: resistências e mobilizações frente a projetos de
desenvolvimento na Amazônia Oriental”, de uma compilação de resultados de nossa
pesquisa de doutorado (Varga, 2002), de artigos publicados (Varga, 2006, 2008), e de
pesquisas de campo na região, já realizadas (projetos “Indicadores de qualidade de vida de
6
Texto completo enviado pelo autor
Federal do Maranhão. Departamento de Sociologia e Antropologia. Programa de Pós-Graduação
em Saúde e Ambiente/Núcleo de extensão e pesquisa com populações e comunidades Rurais, Negras
quilombolas e Indígenas email: [email protected]
8
sobre o conceito de frente de expansão, cf.: Cardoso de Oliveira R, 1964, 1966, 1967 e1968; Laraia RB e Matta
RA, 1967; Velho OG,2009; Martins JS, 2009.
7Universidade
45
comunidades rurais, quilombolas e indígenas, na Pré-Amazônia”9, e “Coletivos educadores:
alternativa sustentável e solidária aos povos do cerrado e da Pré-Amazônia maranhense”10) e
em andamento (projeto “Comunidades quilombolas e indìgenas entre as bacias dos rios
Turiaçu e Gurupi: construindo agendas comuns, pela qualidade de vida”11), em que
recolhemos depoimentos de trabalhadores rurais, de indígenas e de quilombolas.
Pretendemos, aqui, provocar e oferecer subsídios tanto para uma releitura crítica da
própria historiografia oficial do Maranhão, quanto para a elaboração de “nova(s)” história(s)
da região, na(s) perspectiva(s) desses segmentos populares, para instrumentalizar suas
próprias identidades, suas memórias, suas lutas, seus territórios e seus interesses.
Constituindo-se em fontes às quais as pesquisas em Etnografia indígena por vezes não
recorrem, as memórias e depoimentos de trabalhadores rurais (não-indígenas) aportam
indícios e informações que podem enriquecer os conhecimentos já disponíveis acerca das
relações entre grupos indígenas, chegando a ser elucidativos a seu respeito, sobretudo quando
estas estão marcadas por tensões, conflitos abertos – ou mesmo alianças, como se verá neste
trabalho.
Recorremos, em grande medida, às informações levantadas e à perspectiva adotada
por Flávio Pereira Gomes (Gomes, FP, 1997), em sua extensiva pesquisa realizada sobre
algumas das relações que se estabeleceram entre comunidades quilombolas e indígenas na
região.
Complementamos e aprofundamos, em alguns detalhes, os resultados desta pesquisa
de Gomes FP (1997), e demos continuidade a sua perspectiva de discussão para o período
imediatamente subsequente ao por ela abordado (séculos XVII-XIX).
MARANHÃO:
FRENTES
DE
EXPANSÃO,
RESISTÊNCIAS
E
MOBILIZAÇÕES POPULARES NO PERÍODO COLONIAL
A importância geopolítica da região hoje denominada Maranhão, para as então
potências européias, devia-se, no período colonial, às conveniências que sua costa oferecia ao
9
financiamento pela Coordenação de Aperfeiçoamento o Pessoal de Ensino Superior (CAPES)/PRODOC do
Ministério da Educação (MEC), e Universidade Federal do Maranhão (UFMA)/Mestrado em Saúde e Ambiente
(MSA).
10
projeto do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (CENTRU), com financiamento a ser
articulado pelo Ministário do Meio Ambiente.
11
financiamento pela Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão
(EDITAL FAPEMA Nº 022/2013 - AEXT), e Universidade Federal do Maranhão (UFMA)/Programa de Pós-Graduação em
Saúde e Ambiente em Saúde e Ambiente (PPGSA).
46
acesso das embarcações provenientes do Atlântico Norte. Essa importância mede-se pelas
intenções do projeto francês de, já no século XVII, ali fundar a “França Equinocial”. Os
franceses permaneceram no Maranhão de 1612 a 1615, quando foram expulsos pelos
portugueses.
Os Tenetehara formavam uma etnia relativamente homogênea, que habitava todo o
vale do rio Pindaré (cf. Wagley e Galvão, 1961; Gomes M.P., 2002; Zannoni,1999). São
ainda do tempo da tentativa francesa de colonização do Maranhão os primeiros relatos de
contato com os Tenetehara. Logo após a fundação de São Luís (1612), uma pequena
expedição foi enviada ao Pindaré, de onde retornou com notícias de uma numerosa nação
indìgena a que denominaram de “Pinariens”.
Expulsos os franceses em 1615, Bento Maciel Parente comandou a primeira expedição
portuguesa ao Pindaré, em fevereiro de 1616. Já com uma atitude francamente belicosa, sua
expedição em busca de ouro desencadeou um longo período de massacres, escravização e
guerra aberta com os Tenetehara, que perduraria até meados do século XVIII.
O Maranhão desempenhou, desde o início da colonização portuguesa, o papel de
“porta de entrada” de várias frentes de expansão dessa sociedade em formação sobre a
Amazônia. Importante ressaltar que, como veremos adiante, até 1750, Portugal possuía duas
colônias distintas na América do Sul: o Estado do Brasil, com capital em Salvador, e o Estado
do Maranhão-Grão Pará, com capital em São Luís – cidade que se tornou, por mais de um
século, a base política e logística, portanto, de todo o planejamento das conquistas
portuguesas de territórios a Oeste, pela Amazônia afora.
Durante todo o período colonial o povoamento da Amazônia (inclusive de sua porção
maranhense) deu-se ao longo das faixas e corredores formados pelas principais vias de
transporte: o mar e os rios.
A estratégia de conquista e consolidação de territórios adotada pelos portugueses,
durante o século XVII, foi a do povoamento numa faixa acessível por mar, ao longo do
litoral: assim deram-se as sucessivas fundações de São Luís (1612) e Alcântara (1648).
Os vários grupos indígenas com que os colonizadores portugueses se depararam, em
curto espaço de tempo se apercebiam de suas intenções de conquistar a terra, dominá-los e
utilizar sua força de trabalho, e buscaram fugir, afastando-se dos núcleos de colonização,
frequentemente optando, para isso, por subir o curso dos rios, em direção a suas nascentes.
47
Passou, assim, a denominar-se “descimento” ao procedimento, a cargo das missões religiosas,
de trazê-los de retorno à foz desses rios, no litoral, para a proximidade dos núcleos
coloniais12, onde eram assentados nos chamados “aldeamentos”, para servir-lhes de mão-deobra (os chamados “ìndios públicos”).
A foz do rio Itapecuru configurava-se como o foco de introdução da lavoura
canavieira no Maranhão, sendo os primeiros engenhos estabelecidos por Antônio Muniz
Barreiros, às margens do rio (MARQUES 1970, p. 63). A importância política do
empreendimento mede-se pelo fato de Antônio Muniz Barreiros vir a ser nomeado capitãomor do Maranhão (para o período 1622 a 1626).
O período também foi marcado pela formação de vários aldeamentos jesuíticos,
que forneceram a mão-de-obra indígena para o foco açucareiro, nesta fase inicial de sua
implantação.
A data de 1621 é um marco na historiografia de um projeto de colonização dirigida, de
grande envergadura, da Coroa holandesa: a fundação da West Indische Companhie
(Companhia das Índias Ocidentais), em Amsterdam. No contexto da Guerra dos Trinta Anos
(1618-48), um dos objetivos da empresa era a conquista militar dos focos e portos açucareiros
e de tráfico de escravos africanos sob domínio português.
Em 1641, o foco açucareiro do Itapecuru já era suficientemente expressivo para
figurar entre os alvos da West Indiche Company que, numa investida massiva, derrotou os
portugueses em Malaca, nos portos de Luanda, Benguela, São Tomé e Ano Bom, e no
Maranhão (com apoio do forte no Mucuripe, tomado dos cearenses). Uma vez assumido o
controle militar da região, os holandeses deram seqüência à expansão do foco açucareiro do
Itapecuru, construindo mais 6 novos engenhos no vale.
Paralelamente ao desenvolvimento do projeto açucareiro no Itapecuru, o projeto
jesuítico de missionização e colonização também já se encontrava solidamente implantado, e
crescia sua hegemonia na região: a expulsão dos holandeses, em 1642, só foi possível graças
ao apoio dos índios levantados por dois jesuítas (Padre Lopo do Couto e Padre Benedito
12
sem dúvida, o argumento mais importante apresentado no mencionado “procedimento” utilizado pelos
missionários, para que esses grupos indígenas lhesseguissem pacificamente, era bastante simples e convincente:
prometer-lhes proteção das incursões de matança e preia de índios, empreendidas por vários dignitários da
história do Maranhão, como Bento Maciel Parente.
48
Amodei). Estes sacerdotes justificaram sua ação armada por se tratarem os holandeses de
hereges, que poriam fim à fé católica (BEOZZO 1983, p. 34).
A frente portuguesa de (expansão e) “colonização”, então atrelada e liderada pelos
aldeamentos jesuíticos, atingiria o rio Pindaré nos anos 1650.
Dentre os grupos indígenas que atualmente habitam o Maranhão, os Tenetehara
também foram os primeiros a ser contactados e atraídos pelos jesuítas, já em meados do
século XVII. Inaugurava-se assim, em 1653, com a chegada do Padre Antônio Vieira
(Superior dos jesuítas) ao Maranhão, conforme proposto por Gomes, MP (2002), a fase da
“servidão” dos Tenetehara aos jesuítas, que perduraria até 1759, quando de sua expulsão do
Brasil.
Segundo BEOZZO (1983), “A Lei de 9 de abril de 1655 sobre os índios do Maranhão
(quase toda redigida pelo Padre Vieira), reconhecia a legitimidade do uso, em serviço „régio‟,
de ìndios cativos que, para não causar incômodos aos „da terra‟, seriam obtidos de
aldeamentos organizados pelas missões (os chamados „ìndios públicos‟); o salário diário dos
índios passou a ser fixado no valor correspondente ao dobro do valor da comida que
consumiam durante o dia.”(BEOZZO 1983, p. 39).
Tomando o curso do rio adentro, a Vila Aldeias de Maracu (hoje Viana) foi fundada às
margens de um afluente do Pindaré, em 1655, na esteira do missionismo e da frente canavieira
jesuítica em expansão.
Em 1680 eram implantados, pelos jesuítas, os primeiros aldeamentos Tenetehara do
então Estado do Maranhão-Grão Pará, às margens do lago de Viana, na chamada Missão
Maracu.
Organizando grandes fazendas, tocadas com a abundante mão de obra indígena (em
grande parte, Tenetehara), cujo uso monopolizavam, ao final do século XVII os jesuítas já
eram os principais empresários da cultura açucareira no Maranhão. Em 1684, a sucricultura
atingia o vale do Pindaré e a região das Reentrâncias Maranhenses (a Baixada Ocidental
Maranhense, em Guimarães), em terras dos jesuítas:
As Ordens Religiosas acabaram detendo um virtual monopólio da mão-de-obra na
região, pois esta era composta, praticamente, de índios. A introdução de escravos
negros, prevista no Regimento das Missões de 1680, foi escassa em relação às
necessidades; não alterou substancialmente as condições do mercado de mão-deobra. Os moradores dependiam de portarias, tanto para suas roças como para
despachar canoas pelo sertão na coleta das drogas. Essas portarias lhes permitiam
49
requerer remeiros e trabalhadores nas aldeias dos padres, por um tempo estipulado,
findo o qual o índio devia ser devolvido a sua aldeia de origem. (....) Isentas de
impostos, não tendo dificuldades no recrutamento da mão-de-obra, disponível nas
aldeias por elas administradas, tornaram-se as Ordens Religiosas as principais
organizações econômicas do Maranhão e Grão-Pará. (BEOZZO 1983, pp. 47-48).
Em 1661, André Vidal de Negreiros assumia o governo do Maranhão-Grão Pará. Em
fevereiro do mesmo ano, a Câmara de Belém escrevia a Vieira acusando os jesuítas de
possuírem quase todos os escravos resgatados nos descimentos, e lembrando-lhe da promessa
que haviam feito “de que não haviam de tirar lucro dos ìndios forros, nem com êles fabricar
fazenda, nem canaviais, e sim só tratariam da doutrina espiritual” (MARQUES 1970, p. 309).
Diante da insatisfação geral dos proprietários de engenho com o monopólio dos
jesuítas sobre o recurso à mão-de-obra indígena, Vidal de Negreiros determinava, no mesmo
ano, sua expulsão do Maranhão. De carta de Pe. Vieira, de viagem do Maranhão para o Pará,
ao Rei D. Afonso IV:
Senhor - Ficam os Padres da Companhia de Jesus do Maranhão, missionários de
Vossa Majestade, expulsados das Aldeias dos Índios, e lançados fora do Colégio e
presos em uma casa secular, com outras afrontas e violências indígenas de que as
cometessem católicos e vassalos de Vossa Majestade.
Os executores desta ação foi o chamado povo, mas os que o moveram e
traçaram e deram ânimo ao povo para o que fez, são os que já tenho por muitas
vezes feito aviso a Vossa Majestade, isto é, os que mais deviam defender a causa da
fé, aumento da cristandade e observância da lei de Vossa Majestade.” (cf. BEOZZO
1983, p. 39).
Em decorrência, os senhores de engenho do Maranhão puderam recorrer novamente,
por breve período, à mão-de-obra indígena, e a cachaça passou a ser um dos artigos mais
exportados para Angola.
Em julho de 1661 o Colégio dos jesuítas em Belém também era assaltado, e Vieira e
os outros padres presos em casas particulares, assim como outros missionários atuando nas
capitanias do Gurupá e do Gurupi. Os jesuítas foram, assim, expulsos de todo o MaranhãoGrão Pará.
Vieira, exilado em Lisboa, desencadearia intensa campanha, junto à Coroa, para o
reforço do projeto colonial jesuítico. No Natal deste ano pregaria, diante da Rainha e da
Corte, o famoso Sermão da Epifania (em que os índios são assimilados aos reis Magos).
Neste meio tempo, em decorrência das aglomerações e da sedentarização nos
aldeamentos jesuíticos, e da intensificação do convívio com os portugueses, epidemias de
“bexigas” (categoria de nosológica usada, nos escritos da época, para designar várias viroses
50
de rápida disseminação, entre as quais a varíola, o sarampo e a varicela), como as de 1662 e
1665, dizimaram essa população indígena mais precocemente contactada (FERNANDES F
1989, p. 49).
A grande mortandade causada por estes surtos nos aldeamentos jesuíticos, associados
à vitória, em 1665, das tropas de André Vidal de Negreiros no Bacongo (disputa das minas
com o reino do Congo, e combate ao movimento anti-escravista na região), marcariam uma
importante inflexão na política colonial portuguesa, inclusive para o Maranhão-Grão Pará, em
que ganharia importância a importação de mão-de-obra africana, e endureceriam o controle e
as restrições dos jesuítas à mobilização da mão-de-obra indígena (dilapidada pelas epidemias
nos aldeamentos) para empreendimentos de colonização alheios aos seus próprios: a Câmara
de São Luís apressou-se em solicitar escravos “de Angola e Guiné para a cultura de suas
fazendas e engenhos” (ALENCASTRO 2000, p. 141).
A projeção política, no entanto, que o projeto de colonização jesuítico conquistara
junto à Coroa portuguesa ao longo da década de 1660, pode ser medido pelo teor da
justificativa da Provisão régia de 1672, que dava aos moradores do Maranhão um desconto de
dois terços nos direitos de entrada dos escravos angolanos importados: assim, se diminuiria
“...a ambição daqueles moradores no cativeiro dos ìndios”.
Em 1679 era fundada, em Portugal, a Companhia de Estanco do Maranhão,
expressão da vertente não-indígena do projeto jesuítico de colonização para a região.
Concebida pelo próprio Padre Antônio Vieira, a Companhia de Estanco do Maranhão deveria
promover (e monopolizar) a exportação dos produtos do Maranhão-Grão Pará
(ALENCASTRO 2000, p. 142).
Em 1680, “arruinadas e desertas” as “aldeias dos Capitães”, os jesuìtas retornam ao
Maranhão-Grão Pará, por intervenção de Lisboa, que reforçou a proibição de escravizar
índios através de nova Lei, acrescida de medidas complementares:
Que todos os anos se metam no Estado do Maranhão quinhentos ou seiscentos
negros, para suprirem os escravos que se faziam no sertão; os quais negros se
venderão aos moradores por preços muito moderados e a largo tempo. E Sua Alteza
os pagará aqui aos mercadores, com quem se fez este contrato, para o qual lhes tem
já consignado os efeitos de que se hão de embolsar.
Que as Missões ao sertão as façam só os religiosos da Companhia de Jesus (LEITE
1938-50, tomo IV, pp. 64, 65, citado porBEOZZO 1983, p. 42).
A partir de meados do século XVII, grandes carregamentos de escravos africanos passaram a
ser rotineiramente desembarcados nos portos de São Luís e Belém, para serem distribuídos pelo então
51
denominado Estado do Maranhão-Grão Pará. A Companhia de Comércio do Estado do MaranhãoGrão Pará propunha-se, em 1682, a introduzir no Estado dez mil escravos no prazo de vinte anos.
Em 1682, frente ao fracasso da Companhia de Estanco do Maranhão em cumprir com a
contrapartida de enviar 10.000 escravos africanos à região (cf. ALENCASTRO 2000, p. 142), era
criada a primeira Companhia de Comércio do Estado do Maranhão-Grão Pará, com o objetivo, de um
lado, de promover o tráfico negreiro para toda a Amazônia (500 escravos/ano, por 20 anos) e, de
outro, intensificar a exportação de seus produtos, através do monopólio “...de tôdas as drogas e
fazendas vindas do reino, de todos os gêneros do paìs ...”:
Por meio de um contrato celebrado entre o ministério português e vários
negociantes, a cuja frente se achava Pedro Alves Caldas, foi nesta cidade em 1682
estabelecida a primeira companhia de comércio pelo governador do Estado
Francisco de Sá de Menezes. (cf. MARQUES 1970, pp. 212-213).
...a qual por espaço de 20 anos negociou, sem concorrência, com tôdas as drogas e
fazendas vindas do reino, com todos os gêneros do país, e negros da costa da África,
sendo permitida aos sócios desta Companhia a navegação para aquisição dêstes
gêneros. (MARQUES 1970, p. 491).
Em 1684, enquanto prosperava a sucricultura em terras dos jesuítas (assentada sobre a
mão-de-obra indígena servil), que já atingia o vale do Pindaré e a região das Reentrâncias
Maranhenses (a Baixada Ocidental Maranhense, em Guimarães), configurava-se uma grave
crise da agricultura de empreendedores não-religiosos (assentada sobre a mão-de-obra
africana), tanto na açucareira quanto na do algodão (que transformara-se na moeda corrente
do comércio interno da época), dada a forte concorrência no mercado, e os altos custos da
produção no Maranhão-Grão Pará, com os constantes ataques dos índios aos engenhos e
fazendas.
À época, a economia maranhense debilitada passou a depender cada vez mais do
mercado consumidor interno, o que incrementou as lavouras de subsistência, a pecuária e a
pesca; a coleta das “drogas do sertão” (cacau, cravo, salsaparrilha, segundo SANTOS MJV
1983) não se configurava como alternativa econômica para o Maranhão: como se assentasse
sobre a mão-de-obra indígena, só pôde prosperar no Grão Pará, onde predominou a
missionização pelos capuchinhos e carmelitas. No Maranhão, em que predominou a dos
jesuítas, a proibição do recurso à mão-de-obra indígena inviabilizou o desenvolvimento do
extrativismo, em escala que possibilitasse uma exportação expressiva.
A crise das culturas açucareira e algodoeira escravistas, frente à prosperidade e a
hegemonia política da sucricultura dos jesuìtas, configurou o cenário da chamada “Revolta de
Bequimão”, em 1684.
52
Liderada por Manuel Beckman, um dos mais ricos colonos da região (proprietário de
engenho de açúcar no Mearim), a rebelião também envolveu franciscanos, carmelitas,
mercedários e clérigos diocesanos13 contra o monopólio comercial da Companhia de
Comércio do Estado do Maranhão-Grão Pará (que, além de escravos, envolvia também alguns
bens de consumo interno) e da Companhia de Jesus no estado (SANTOS MJV 1983).
Vitoriosa, num primeiro momento, a revolta resultou em nova expulsão e degredo dos
jesuítas, apesar de várias propostas, por parte destes, de abrir mão da administração temporal
dos índios (o que terminaria estreitando ainda mais os laços políticos entre a Companhia de
Jesus e a Coroa portuguesa).
Em 1685, em função desta segunda crise, o Superior dos jesuítas, Jodoco Peres,
propunha o abandono puro e simples das missões no Maranhão e no Pará (BEOZZO 1983, p.
43).
A Coroa portuguesa, por sua vez, extinguia a Companhia de Comércio do Estado do
Maranhão-Grão Pará, pelo não cumprimento das metas de tráfico negreiro, e nomeava Gomes
Freire de Andrada governador do Estado do Maranhão-Grão Pará. Frente à uma armada,
Gomes Freire desembarcou em São Luís e tomou posse do cargo, sem resistências,
aprisionando os líderes dos revoltosos e executando Beckman (os demais condenados foram
perdoados).
O ano de 1685 é considerado, portanto, o marco do fim do 1 surto político-econômico
(1650-1685) no Maranhão-Grão Pará, em que se estabelecem e entram em crise a sucricultura
e a cotonicultura escravistas (DI PAOLO 1985).
Enquanto isso, no Estado do Brasil, com a reativação do tráfico negreiro ao longo da
segunda metade do século XVII, a mão de obra indígena passou a ser preterida pela africana,
e os bandeirantes do sul começam a ser convocados ao norte (pelos governos da Bahia,
Pernambuco e Piauí), para prestar serviços de bugreiros, para a busca do caminho terrestre o
Estado do Maranhão-Grão Pará, na expansão da frente pecuarista, e para a guerra com os
povos indígenas que lhe bloqueavam o avanço (ALENCASTRO 2000, pp. 245, 337).
Com o incremento da economia açucareira na Bahia e em Pernambuco, também
iniciava-se o processo de expansão da frente pecuarista (para abastecimento dos centros da
produção açucareira - as fazendas, engenhos e cidades do litoral da Bahia e de Pernambuco).
13
desde o século XVI, várias ordens religiosas disputavam acirradamente, entre si, o monopólio da catequese e
do cativeiro dos povos indígenas das Américas.
53
Essa frente moveu-se, inicialmente, rumo ao sertão da Bahia e, atingindo o rio São Francisco,
tomaria duas direções: uma, rumo ao alto São Francisco (ao sul, em direção às minas
“Geraes”, e viria a experimentar grande expansão com a mineração), e a outra ao norte, em
direção aos sertões do Piauí, de onde novamente se ramificaria, em uma frente que se moveu
para nordeste, em direção ao Ceará, e outra que se moveu em direção a noroeste, em direção
ao rio Parnaíba e ao vales úmidos do Maranhão.
Já em 1677, no contexto da reorganização das dioceses de ultramar, e diante do grande
aumento da população nas frentes pecuaristas em expansão, o Papa Inocêncio XI determinava
a criação do bispado do Maranhão, com sede em São Luís, sufrageado ao arcebispado de
Lisboa, pelas dificuldades de transporte e comunicação com Salvador (ALENCASTRO 2000,
p. 341).
Em 1690, as viagens e os deslocamentos desta população pelos chamados “sertões de
dentro”14 da Bahia, que incluía os vales do sudeste do Maranhão, não eram mais tão temidas
(no caso do Maranhão, os Timbira, incluìdos na denominação regional genérica de “tapuias”,
já haviam sofrido graves baixas, nos primeiros confrontos com os bugreiros):
A penetração agro-pecuária no nordeste não tem o ímpeto da penetração bandeirante
(....). Constituem-se aí os clans pastoris, que se dedicam à defesa da propriedade dos
campos e fazendas de criação. Como os tupís em relação à bandeira, os tapuias
formam o séquito desses clans.” (RICARDO 1942, p. 53).
Domingos Afonso Sertão e seus homens, mantendo a guerra aos Timbira (que se
deslocaram para o sudoeste), expandiam continuamente as terras disponíveis à frente
pecuarista, fundando, às margens do rio Parnaíba, os povoados de Pastos Bons (1751) e de
São Bento das Balsas (1764), que viria a ser a sede do próspero “Distrito de Pastos Bons”.
Em 1693, oficializava-se a hegemonia conquistada pelos jesuítas junto à Coroa
portuguesa, na repartição dos rios da Amazônia entre as várias missões:
Grosso modo, os jesuítas ficam com toda a margem direita do Rio Amazonas,
partindo da foz até o mais alto sertão15, os franciscanos de Santo Antônio com a
parte norte do Rio Amazonas e o Sertão do chamado Cabo Norte (Amapá), aos
religiosos da Piedade entregou-se o Gurupá, com as terras e distritos junto à
fortaleza e demais terras, a partir da aldeia de Urubuquara, compreendendo os rios
Trombetas e Guerebi; no Rio Urubu ficam os padres das Mercês e finalmente no
Negro e alto Solimões, destinados inicialmente aos jesuítas, se fixaram
posteriormente os carmelitas. (cf. BEOZZO 1983, p. 44).
14
15
enquanto os de Pernambuco compunham os chamados “sertões de fora” (cf. ABREU 2000, p. 155).
o que incluia o Maranhão.
54
Alguns primeiros relatos conhecidos sobre a formação e/ou presença de quilombos no
então Estado do Maranhão-Grão Pará referiam-se com destaque à região das matas entre as
bacias dos rios Gurupi e Turiaçu, e datam do início do século XVIII, fazendo alusão a
comunidades ali estabelecidas já de longa data, o que sugere que tenham se formado nas
últimas décadas do século XVII16.
Nesta época intensificava-se a formação de redutos e comunidades quilombolas de
escravos fugidos das fazendas e engenhos de cana-de-açúcar do litoral de Santa Helena, para
as matas das cabeceiras e do alto curso do rio Turiaçu.
Ao longo da última década do século XVII, enquanto a colonização açucareira e
algodoeira expandia-se na foz do Itapecuru (onde foi fundada Rosário, em 1716) e
interiorizava-se tomando o curso do rio acima (onde, em 1730, era fundada Caxias),
proliferariam as revoltas, fugas e reagrupamento de escravos africanos em torno dos
quilombos, por todo o Brasil e pelo Maranhão-Grão Pará.
Em 1691, na discussão sobre um possível armistício com o Quilombo dos Palmares,
temeroso que esse processo pudesse assumir proporções que levassem à crise do escravismo
africano (e a nova desestabilização do projeto jesuítico de colonização), Pe. Vieira – que,
sempre lembrado e celebrado como o grande “protetor dos ìndios” no perìodo, foi também o
maior e mais influente propagandista do tráfico negreiro para o Brasil e o Maranhão-Grão
Pará (o que é freqüentemente omitido nas disciplinas de História de nossos cursos médios) –
posicionou-se eloqüentemente contra qualquer acordo que envolvesse o respeito à liberdade
dos quilombolas:
“Porém, esta mesma liberdade assim considerada seria a total destruição do Brasil,
porque, conhecendo os demais negros que por este meio tinham conseguido o ficar
livres, cada cidade, cada vila, cada lugar, cada engenho, seriam logo outros tantos
Palmares, fugindo e passando-se aos matos com todo o seu cabedal, que não é outro
mais que o próprio corpo.” (ALENCASTRO 2000, p. 344).
No contexto da intensificação da repressão às rebeliões de escravos, a Ordem Régia de
1699 isentava de punição legal àqueles que matassem quilombolas; tornava-se, assim, cada
vez mais perigoso, para negros livres, habitar em regiões ermas, pois poderiam ser
confundidos com quilombolas.
16
Gomes, FP, 1997.
55
No Maranhão registrava-se, em 1700, a presença de vários quilombos nas matas de
Codó, nos vales do Turiaçu e no alto Mearim.
Face às notícias de descoberta de ouro pelos quilombolas, ao longo do leito do rio
Maracaçumé, a Carta Régia de 31 de maio de 1730 determinava que “„os povos desta
Capitania não se entendessem com minas, e se aplicassem à agricultura, que é o que mais lhes
convinha.‟” (MARQUES 1970, p. 498).
Os aldeamentos jesuíticos continuaram a prosperar nesse período, por todo MaranhãoGrão Pará. Em 1701, Andreoni (que adotou o pseudônimo de Antonil, autor do clássico
“Cultura e Opulência do Brasil pelas suas drogas e suas minas”, de 1711) conseguia a
mudança da orientação da Companhia de Jesus no que se referia à relação com os índios,
passando a readmitir-se o uso do trabalho indígena, mediante salário (cf. BEOZZO 1983, p.
49).
Enquanto isso, o aumento do afluxo de escravos, tanto para o Brasil como para o
Maranhão-Grão Pará, imprimia mudanças profundas na composição racial da população de
ambas Províncias (ALENCASTRO, 2000, pp.253-54).
Face à contínua recrudescência das fugas e rebeliões de escravos, o Alvará de
3/3/1741 ordenava que os quilombolas recapturados fossem marcados a ferro em brasa com a
letra “F” no ombro, antes de serem presos, e que lhes fosse cortada a orelha na reincidência.
Em 1750, Sebastião de José Carvalho e Melo, Marquês de Pombal, assumia o cargo de
Secretário dos Negócios Estrangeiros e da Guerra (no qual permaneceria até 1777), e a Coroa
portuguesa subscrevia o Tratado de Madrid, determinando as novas fronteiras com as terras
reservadas à colonização espanhola (cuja aplicação levaria ao processo de unificação
administrativa entre o Estado do Brasil e o do Maranhão-Grão Pará). Assim, em 1751
Francisco Xavier de Mendonça Furtado, irmão de Pombal, foi nomeado Governador e
capitão-general do Estado do Maranhão-Grão Pará (cargo em que permaneceria até 1759), e
determinou a mudança da capital do Maranhão-Grão Pará para Belém.
Dando início a uma série de medidas que mudariam radicalmente a política do estado
para com os povos indígenas, Pombal solapou o monopólio das missões religiosas sobre a
exploração de sua mão-de-obra, o que traria grande repercussão sobre seus empreendimentos
de capital17: o Alvará de 1755 incentivou o casamento interracial e equiparou os índios aos
17
“...os religiosos tinham umas 55 grandes fazendas de gado com cerca de 500.000 cabeças. Possuíam quatro
engenhos de açúcar, além de muitas outras posses. Se compararmos isso com o que poderia ter a pequena
população de colonos, não podemos deixar de reconhecer que o fator econômico vai influenciar na mudança das
estruturas missionárias do Estado do Maranhão. Pois, em suma, o poder econômico e administrativo dos
religiosos constituía por assim dizer, UM ESTADO DENTRO DO ESTADO” (cf. Frei Hugo FRAGOSO: Os
56
colonos; o Decreto Régio de 6 de junho estabeleceu a emancipação compulsória dos índios,
suprimido o trabalho missionário a eles voltado18 (inicialmente no Pará e no Maranhão,
posteriormente para todo o Brasil), e determinando que o trato com os índios passava a ser
atribuição dos Diretórios, então criados. Em conseqüência, os aldeamentos foram
transformados em povoados ou vilas, chefiadas por “diretores” (em geral ex-colonos ou exsoldados, com amplos poderes coercitivos sobre os índios, podendo obrigá-los a trabalhos
forçados), em que foram instituídas Câmaras Municipais com vereadores de origem indígena.
O uso do Nheengatu (língua geral, criada pelos jesuítas, com base no Tupi) foi proibido, e o
português foi decretado língua oficial.
Iniciava-se, assim, o 2 surto político-econômico, no Maranhão-Grão Pará, que
vigoraria entre os anos 1750 e 1780 – em que predominariam a coleta (e depois o cultivo) e a
exportação do cacau, e em que Belém despontaria como centro intermediário entre a
Metrópole e Amazônia. Durante este segundo surto é que se consolidou a “subsociedade
cabocla”, sobretudo no Grão-Pará (DI PAOLO 1985).
No Maranhão, quando Mendonça Furtado assumiu o governo do Estado, era flagrante
o contraste entre a pobreza dos colonos e a prosperidade dos religiosos: “Tinham estes uns 80
aldeamentos em face de 2 cidadezinhas e 7 vilas de administração civil. Além disso, esses
centros de população civil estavam longe de poder competir com a capacidade administrativa
e organizadora dos religiosos com suas missões. Os colonos eram, em grande parte, labregos
trabalhando sem espírito de organização, enquanto os missionários religiosos eram uma força
organizadora e trabalhavam comunitariamente” (cf. Fragoso, Frei Hugo. Os aldeamentos
franciscanos no Grão-Pará in Das Reduções latino-americanas às lutas indígenas atuais, p.
156, citado porBEOZZO 1983, p. 52).
Face a esta situação, uma série de medidas de grande impacto viriam a marcar as
mudanças da política colonial portuguesa para a região, no período pombalino. As Provisões
Régias de 8 e 23 de novembro de 1752 determinavam o desmembramento da capitania do
aldeamentos franciscanos no Grão-Pará In Das Reduções latino-americanas às lutas indígenas atuais, p. 156,
citado por BEOZZO 1983, p. 52 - destaques do autor).
18
o que acarretou várias reações dos jesuìtas, como a descrita no seguinte relato: “Quando foi publicada a Lei de
6 de junho de 1755 proclamando a liberdade dos índios, tinham os jesuítas sôbre uma península, 18 léguas ao S.
O. da capital, a aldeia Maracu. Apenas se viram os jesuítas privados da jurisdição temporal de suas aldeias,
trataram de destruir tudo o que nelas havia. Nessa aldeia arrazaram o curral e casas que aí tinham, porém pelo
governador de então foram obrigados a reedificar o que destruíram e a restituir todo o gado que haviam
desencaminhado, como consta da Portaria de 2 de dezembro de 1758, dirigida ao Padre Bernardo de Aguilar,
reitor do Colégio de Nossa Senhora da Luz.” (cf. MARQUES 1970, p. 628).
57
Maranhão-Grão Pará (e sua integração ao Estado do Brasil) e concediam “aos povos desta
Capitania o comércio livre de suas produções” (MARQUES 1970, p. 207).
O Alvará de 7/6 de 1755 fundava a Companhia de Comércio do Grão Pará e Maranhão
(1755-78), tendo como carro-chefe a produção algodoeira, especialmente do Maranhão.
Mendonça Furtado importou, através desta Companhia, um total de 12.587 escravos
africanos. Ao mesmo tempo, Belém, que contava, na época, com cerca de 8.000 habitantes,
que experimentava grande expansão econômica às custas, sobretudo, das exportações de
cacau e café (introduzido no Grão Pará, nesta época, por Francisco de Melo Palheta, que o
trouxera de Caiena – ABREU 2000, p. 147).
Este segundo surto político-econômico no Maranhão e no Grão Pará atrairia novas
levas de emigrantes portugueses para a região.
Em 1759, coroando a política colonial pombalina (que rechaçara definitivamente a
política e os projetos jesuíticos), era decretada a prisão e a expulsão dos jesuítas de Portugal
(responsabilizados, por Pombal, por vários movimentos revolucionários, e por um atentado ao
Rei) e do Brasil, onde várias de suas fazendas são transformadas em freguesias.
Os Guajajara passaram, assim, a ser alvo de uma política de miscigenação intensiva,
executada pelos “Diretórios” nos aldeamentos ao longo dos rios Pindaré, Mearim e Grajaú
(Conselho Indigenista Missionário-Regional Maranhão, 1988), que substituiu o sistema de
servidão aos jesuìtas pelo da “patronagem” ou “clientelismo” com os fazendeiros e
comerciantes locais, fundado no estabelecimento e no aprofundamento da dependência do
“cliente” para com seu “patrão”. Para Gomes, M.P. (2002), este sistema viria a caracterizar as
relações dos Tenetehara com a sociedade envolvente, durante todos os séculos XIX e XX, até
nossos dias.
O período 1760-1771 assistia, assim, a uma reativação das exportações do Maranhão,
tendo o gengibre como segunda mercadoria de exportação.
Já na segunda metade do século XVIII, como vimos, grandes levas de vaqueiros
cearenses e baianos foram atraídos ao Maranhão/Grão-Pará. O processo de migração
nordestina à região passa a ser incentivado pelas políticas de governo, a fim de forçar a
integração da Província ao modelo nordestino de produção, baseado no latifúndio, na pecuária
extensiva e na monocultura (da cana-de-açúcar e do algodão).
Em 1770, João Paulo Diniz, negociante da Vila de São João da Barra do Parnaíba,
descobria caminho para escoamento da produção de carne seca do “alto sertão” maranhense
para Pernambuco, criando, assim, outra alternativa para o tradicional comércio dos
58
pecuaristas do Maranhão com a Bahia, o Pará e o Rio de Janeiro (SANTOS MJV 1983, p.
13).
Em 1772, diante das grandes diferenças que já marcavam suas respectivas economias,
Pombal oficializava a separação dos Estados do Grão Pará e do Maranhão, ficando o Piauí
sujeito a este último (MARQUES 1970, p. 439).
Em 1773 dava-se a extinção da Companhia de Jesus, pelo Papa Clemente XIV, através
da bula “Dominus ac Redemptor” (sob ameaça de cisma pelas monarquias católicas)19. No
mesmo ano, Pombal extinguia o Estado do Maranhão, reunificando os dois Estados no Grão
Pará-Maranhão, já com vistas a privilegiar o modelo extrativista praticado no Grão Pará.
A guerra da independência dos EUA em 1776, no entanto, imprimiria mais uma
inflexão ao projeto político-econômico reservado pela Coroa portuguesa para o Grão ParáMaranhão, desencadeando o primeiro grande surto algodoeiro no Maranhão, em função da
interrupção da exportação dos EUA para o mercado da poderosa indústria textil britânica
(BEOZZO 1983, p. 64).
Em Portugal, com a coroação de D. Maria I, Pombal era demitido no ano de 1777 e,
conseqüentemente, em 1778 era extinta a Companhia de Comércio do Grão Pará-Maranhão.
A Carta Régia de 1798 aboliu a legislação indigenista pombalina, mas manteve os
fundamentos da política indigenista clientelista, instaurada pelos Diretórios: proibia a política
dos descimentos e as guerras ofensivas contra os índios, mas permitia livre comércio e
trânsito dos regionais nas suas terras, estimulando o casamento entre índios e regionais.
Às duas últimas décadas do século XVIII, o Maranhão apresentava, portanto, duas
bases sócio-econômicas: a pecuária extensiva e a agricultura exportadora (em “decadência”).
Dada as dificuldades de transporte e comunicação para São Luís, no entanto, a vida
econômica do sudoeste pecuarista gravitava predominantemente em torno da Bahia: a
produção da região de Pastos Bons quase era toda drenada para os mercados da Bahia (e de lá
para o Rio de Janeiro) e Pará (cf. SANTOS MJV 1983, p. 13).
A chamada região do Alto Turiaçu, que se estende a oeste do rio Pindaré até o
Gurupi, vinha sendo ocupada desde tempos imemoriais por vários grupos indígenas, e
permaneceu excluída dos mapas da colonização portuguesa até o início do século XIX.
Ao final da primeira década do século XIX (1810), no entanto, grupos de escravos
africanos passaram a fugir das colônias no litoral para as matas do Turiaçu, ali formando
19
os jesuítas foram dispersos e secularizados, mas vários refugiaram-se na Prússia (protestante) e na Rússia
(ortodoxa), onde a Companhia continuou a existir (cf. ALENCASTRO 2000)
59
vários quilombos (que, por sua vez, deram origem a localidades que até hoje existem:
Itamauari, Camiranga, Chega-Tudo, Jibóia, Limão, Cipoeiro, etc....). Ali esses quilombolas
realizaram, às margens do rio Maracaçumé, as primeiras descobertas de ouro de que se tem
notícia na região; esse ouro era utilizado em trocas por alguns artigos indispensáveis aos
quilombos (entre os quais a pólvora), juntos às vilas e comerciantes regionais (CLEARY,
trad. MALM, 1992).
Também em meados do século XIX, outros grupos indígenas para lá migraram a
partir do leste, da região dos rios Pindaré e Caru (Tenetehara), e do oeste, da região do baixo
Tocantins (Awa, Ka’apor).
Há indícios históricos de que esses índios e quilombolas cultivaram relações
amistosas; por muitas décadas, a aliança entre eles manteve afastadas daquelas matas as
expedições de desbravamento e retaliação organizadas pela sociedade envolvente (CLEARY,
trad. MALM, 1992).
Essa proximidade cultural entre os quilombolas, os Tembé e os Ka’apor pode ser
identificada nas flechas Ka’apor, na época, confeccionadas com pontas de metal (tecnologia
quilombola).
Após a mudança da família real para o Brasil, em 1808, o status político da colônia
sofria profundas alterações. De imediato, com a abertura dos portos, a economia açucareira
recebe um grande impulso, inclusive no foco maranhense do Itapecuru.
A frente pecuarista nordestina, por sua vez, prosseguiria avançando, a partir do rio
Itapecuru, segundo duas ramificações: uma ainda em direção noroeste, rumo ao rio Grajaú (a
fundação da vila de Grajaú data de 1811); outra rumo sudoeste, em direção aos rios das Balsas
e Tocantins (em cujas margens a vila de Carolina foi fundada, em 1810).
Ao início do século XIX, uma das vertentes da frente pecuarista em expansão, a partir
do Distrito de Pastos Bons, seguiria rumo ao oeste, chegando às margens do rio Tocantins em
1806, e resultaria na fundação, entre tantos outros, dos povoados de Riachão (1808), São
Pedro de Alcântara (1820), que passou a denominar-se Carolina (1825), Santa Tereza de
Imperatriz (1852) e Porto Franco (1854).
A outra vertente seguiria, entretanto, rumo ao norte, de encontro à primeira frente
colonizadora, rumo aos mercados consumidores da região do Itapecuru e de São Luís,
seguindo os leitos dos rios Grajaú e Buriticupu (posteriormente deixando de seguir as
margens do Buriticupu para deslocar-se para as margens do Zutiwa, mais propícias ao trânsito
de grandes rebanhos) formando, em meados do século XIX, a então chamada “Estrada da
Boiada” ou “Estrada do Sertão”.
60
Em 1815 era abolido o sistema administrativo das “capitanias”, com a instituição
do sistema das “provìncias”, o que também se aplicaria às do Maranhão e do Pará. Neste
mesmo ano, Frei Luís Zagalo, vindo de Caiena, chegava a Belém, divulgando o ideário da
revolução francesa, inclusive entre os escravos (dando início a um processo de efervescência
política que culminaria na revolta da Cabanagem, em 1835 – cf. DI PAOLO 1985).
MARANHÃO:
FRENTES
DE
EXPANSÃO,
RESISTÊNCIAS
E
MOBILIZAÇÕES
POPULARES NO IMPÉRIO
Em 1822 era proclamada oficialmente a independência do Brasil, dando sequência,
entre 1822 e 1823, às chamadas “guerras de independência” nas provìncias Cisplatina, Bahia,
Piauí, Ceará, Maranhão e Pará. Para debelar os distúrbios no Maranhão e no Pará, e assegurar
suas adesões à independência, Dom Pedro I contratou Lord Cochrane. Cochrane ancorou sua
armada no Maranhão e impôs obediência às medidas tomadas na Corte, não encontrando
maiores resistências, enquanto John Pascoe Grenfell, sob suas ordens, seguiria para o Pará, de
modo que, em agosto de 1823, ambas as províncias já estavam pacificadas.
Seguiram-se várias revoltas populares, contra a hegemonia dos fazendeiros e
comerciantes portugueses e a ordem escravocrata, oportunizadas pela desorganização e pelo
vácuo político instaurados com a independência: a Confederação do Equador (Pernambuco,
1824), a Revolta dos Malês (Bahia, 1831), a Sabinada (Bahia, 1837), a Farroupilha (Rio
Grande do Sul, 1835-39), a Cabanagem (Pará, 1835-40) e a Balaiada (Maranhão, 1838-41).
Com a abolição do regime das sesmarias, em 1822, verifica-se, até 1850, um vácuo da
legislação sobre o uso das terras no país. Para vários autores, foi nesse período que se
configurou a base, predominantemente latifundiária, da ocupação da terra no Brasil (cf. DE
SOUSA 1995, p. 13).
Em 1838 iniciava-se no Maranhão, portanto, a Balaiada. A rebelião se desencadeou no
vale do Itapecuru (em que, à época, cerca de 80% da população era de escravos africanos – cf.
SANTOS MJV 1983), tendo como principais líderes Manuel Francisco dos Anjos Ferreira (o
“Balaio”), o vaqueiro Raimundo Vieira Gomes Jutaì e o negro liberto Cosme Bento das
Chagas (que se intitulou “Imperador e Tutor das Liberdades Bem-te-vis”), que comandaram a
ocupação a cidade de Caxias, onde estabeleceram um governo provisório (exigindo a
revogação da lei que organizara a Guarda Nacional, processo regular para os presos políticos,
anistia para os rebeldes, e expulsão dos portugueses natos). O processo rapidamente se
61
expandiu para o Piauí e o Ceará e, para sufocá-lo, foi enviado ao Maranhão o então Coronel
Luís Alves de Lima.
O Cel. Luís Alves de Lima e Silva recorreu a diversas táticas, no bojo de uma
estratégia que visava, basicamente, dividir e isolar as forças rebeladas: acenar com a
perspectiva de anistia aos fazendeiros e políticos envolvidos, promover o isolamento dos
quilombolas liderados por Cosme Bento das Chagas (utilizando-se do temor que despertavam
junto aos próprios fazendeiros rebelados – cf. SANTOS MJV 1983), e o aliciamento dos
Guajajara do Pindaré, através da instalação da Colônia São Pedro do Pindaré, para evitar que
se somassem ao movimento e para configurar um território de segurança no vale deste rio. O
movimento foi definitivamente sufocado em 1841, com a retomada da cidade de Caxias, o
que valeu ao Cel. Luís Alves de Lima e Silva o título de Barão de Caxias.
O ano de 1840 representou um marco na retomada, já no contexto imperial, do
incremento da política clientelística para com os Guajajara. Neste ano, o Tenente-Coronel do
Imperial Corpo de Engenheiros, Fernando Luis Ferreira, foi enviado ao baixo Pindaré, pelo
Coronel Luís Alves de Lima e Silva (futuro Barão e Duque de Caxias, então no comando das
tropas que combatiam a Balaiada), para elaborar e colocar em execução um “plano de
civilização” para os Guajajara, visando assegurar a defesa da região contra incursões dos
rebelados, e que os índios não viessem a aderir a eles. Este plano resultou na criação da
Colônia São Pedro do Pindaré (Marques 1970, p. 206). Várias outras “colônias” viriam a ser
criadas nos anos seguintes, abrangendo outros grupos Guajajara: Colônia Januária (1854),
Aratauhy Grande, Palmeira Torta e Dous Braços (entre 1870 e 1873).
No Pará, a rebelião foi mais precoce, iniciando-se em 1835 e alastrando-se mais rapida
e profundamente pelo território da provìncia, ao longo da rede de rios e “furos” amazônicos,
assumindo grandes proporções e chegando a tomar o poder nas maiores vilas e povoados,
inclusive na capital, Belém. A maioria dos grupos cabanos rebelados rendia-se em 1840, e
suas principais lideranças também foram anistiadas, mas foram obrigadas a cumprir degredos
de vários anos em outras cidades. Dadas as diferenças já então marcantes entre os tecidos das
relações sociais desenvolvidas no Maranhão e no Pará, a Cabanagem teve desdobramentos
muito diferentes dos da Balaiada: no Pará, o missionismo capuchinho e a economia
extrativista propiciaram a consolidação de um convívio mais intenso, menos desigual e mais
pacífico entre índios e regionais, de modo que as alianças entre os diversos grupos rebelados
adquiriu uma capilaridade muito maior, ao longo dos rios, permitindo a grande e rápida
difusão do movimento e aumento de seus contingentes, com massiva participação dos índios.
62
A Cabanagem constituiu-se, assim, num movimento de envergadura muito maior que
a Balaiada, e os cabanos, à diferença do que ocorreu no Maranhão, chegaram a tomar o poder
na capital e da Província. Há várias estimativas quanto ao número de mortos na Balaiada. O
próprio Cel. Luís Alves de Lima e Silva registrou suas estimativas, em seu relatório de
passagem do comando das armas e da presidência da Província, em 13 de maio de 1841 (num
discurso que expressava as representações da elite local de fazendeiros, reafirmada em sua
hegemonia pela vitória da “Divisão Pacificadora do Norte”, sob seu comando):
Se calcularmos em mil os seus mortos pela guerra, fome e peste, sendo o número
dos capturados e apresentados durante o meu governo de quatro mil, e para mais de
três mil os que reduzidos a fome e cercados foram obrigados a depor as armas
depois da publicação do decreto da anistia, temos pelo menos oito mil rebeldes; se a
estes adicionarmos três mil negros aquilombados sob a direção do infame Cosme os
quais só de rapina viviam, assolando e despovoando as fazendas, temos onze mil
bandidos, que com as nossas tropas lutaram, e dos quais houvemos completa vitória.
Este cálculo é para menos e não para mais: toda esta província o sabe. (citado por
ALMEIDA 1983, pp. 94-95)
Há consenso quanto ao fato do número de vítimas e do impacto econômico e político
da Balaiada terem sido muito menores que os da Cabanagem. DI PAOLO (1985, p. 352),
estima em mais de 30.000 o número de mortos na revolução Cabana, quando a população de
toda a Amazônia estava estimada, na época, em cerca de 100.000 pessoas (e a de Belém, em
cerca de 15.000 pessoas).
Neste período, grandes grupamentos de índios Ka’apor e vários grupos menores de
Awa, provenientes da margem direita da bacia do Amazonas, no movimento de fuga dos
conflitos da Cabanagem, atravessaram o rio Gurupi e vieram instalar-se também nas matas
das cabeceiras e alto curso do Turiaçu.
Os chamados “Urubu-Ka’apor” (autodenominados “Ka’apor”, “habitantes da mata”),
assim como os chamados “Guajá” (auto-denominados Awa, “gente verdadeira”) são grupos
que se supõe descenderem do que teria sido, até o início do século XVI, um complexo mais
homogêneo de vários grupos do tronco linguístico Tupi, habitantes da região do baixo
Amazonas. Os sucessivos massacres e as epidemias, que marcam a história das campanhas
portuguesas e brasileiras de conquista da Amazônia, teriam causado sua grande redução
populacional, com muitos casos de extinção de grupos inteiros e a dispersão dos
sobreviventes, ao longo dos séculos seguintes20.
20
Gomes, MP, 1989.
63
De acordo com o que pesquisas etno-históricas puderam apurar até o momento, os
Awa e os Ka’apor habitavam a região do baixo Tocantins e médio Moju (atual Estado do
Pará) quando, em meados do século XIX, buscando terras mais tranqüilas e a salvo dos
conflitos ligados, à época, à Cabanagem, iniciaram um longo período de migração para o
Leste21.
Os Ka’apor teriam ocupado os afluentes da margem direita do Gurupi, e seu
interflúvio com a bacia do rio Turiaçu (Maranhão), durante a segunda metade do século XIX,
instalando-se no topo dos montes e nas cabeceiras dos igarapés.
Os Tenetehara (sempre fugindo, inicialmente dos portugueses caçadores de escravos,
depois dos fazendeiros e senhores de engenho, do servilismo e do controle praticado pelos
jesuítas em seus aldeamentos), em meados do século XIX, diante da frente pecuarista, que
tendo já tomado todo o sul do Maranhão passava a se expandir rumo ao norte, decidem por
uma grande cisão histórica: parte dos Tenetehara migraram para as matas do oeste, enquanto
os demais permaneceram ocupando os vales e o interflúvio entre os rios Mearim e Grajaú
(Guajajara), expondo-se, assim, às conseqüências de um convívio mais precoce com a frente
pecuarista e as demais sucessivas frentes de expansão da sociedade envolvente.
Os Tenetehara (Tembé), vindos do médio e alto curso do rio Pindaré, afastando-se da
frente pecuarista em expansão pelo sul, ocuparam as margens dos rios Turiaçu e Gurupi, mais
propícias à lavoura, tornando-se, assim, vizinhos dos Ka’apor, dos Awá e das comunidades
quilombolas espalhadas pelas matas da região. Tendo optado por terras de mais fácil manejo
para a agricultura, os Tembé tornaram-se mais suscetíveis à sedentarização e ao contato
permanente com a sociedade envolvente, enquanto os Awa e Ka’apor prosseguiram nômades
(“arredios”, segundo o órgão indigenista oficial de então).
Em 24 de julho de 1845 era promulgado o Decreto 426, estabelecendo as normas
imperiais da administração das populações indígenas brasileiras: os índios passaram a ser
vistos como trabalhadores braçais, e suas terras como propriedade do Estado, ou de
particulares que as comprassem. Seu Regimento estabelecia a figura do Diretor Geral dos
Índios (um para cada Provìncia), que centralizaria toda sua “administração”, inclusive a
religiosa, mantendo a figura de Diretor da Aldeia (do Diretório Pombalino), ao qual
associava, no entanto, a do missionário “a quem fica afeta a „catequese e civilização‟ do
21
Sales, NP., 1993.
64
ìndio”, sua alfabetização e instrução básica em aritmética, bem como a coleta e manutenção
de dados atualizados detalhando nome, residência, sexo, idade, nascimentos, mortes e
profissões dos índios de sua jurisdição.
Objetivava-se, assim, o fim das hostilidades nas frentes de expansão, com a
sedentarização dos índios e sua atração e concentração em terras definidas pelo Diretor, que
também deveria arrendar ou retirar da posse dos índios as terras não cultivadas, com vistas a
um reordenamento dos sertões e a liberação (pacífica e formalizada) de grande parte dos
territórios indígenas para as frentes de expansão (cf. BEOZZO 1983, p. 79).
A Lei de Terras de 1850 (Lei 601, de 18 de setembro) definiria o arcabouço legal das
novas diretrizes que o Império impunha à agricultura e à ocupação e o uso das terras,
restringindo-as a empreendimentos de envergadura comercial (expressando os interesses das
aristocracias hegemônicas). Dispunha sobre as terras devolutas do Império, sobre sua
medição, demarcação e venda, e sobre o estabelecimento de colônias nacionais e estrangeiros:
foram proibidas a ocupação e a coivara em terras devolutas – bases da agricultura praticada
pelos pequenos lavradores sem-terra (foram prescritas multas e punições, de dois a seis meses
de prisão, para a derrubada e queima de suas matas), como foi proibida sua aquisição por
outro meio que não sua compra ao próprio governo e (cf. ALMEIDA 1983, pp. 130-131).
Em relação aos ìndios, os aldeamentos passariam a ser considerados “colônias
agrìcolas”, e os missionários que neles trabalhassem passariam a subordinar-se ao Ministério
da Agricultura.
A Lei de Terras de 1850 também já expressava o crescente interesse destas
aristocracias na importação de colonos europeus. Entre 1847 e 1857 o Senador Nicolau de
Campos Vergueiro introduziria 117 famílias de imigrantes europeus em sua fazenda de café,
no vale do Paraíba, para trabalhar em regime de parceria.
Tendo realizado a primeira experiência comercialmente expressiva e bem sucedida
neste sentido, Vergueiro foi seguido por cerca de 70 fazendas, mas o mau tratamento dos
colonos desencadearia denúncias e manifestações, especialmente na Alemanha e Portugal,
acarretando grande diminuição da imigração européia, no período 1851-70 (cf. GAGLIARDI
1985, pp. 47-48).
Durante segunda metade do século XIX formou-se uma nova oligarquia cafeeira no
oeste paulista que, através de novas e bem sucedidas técnicas de produção, e do trabalho
65
assalariado (ao contrário dos cafeicultores do vale do Paraíba, e da oligarquia açucareira
nordestina, que ainda utilizavam mão-de-obra escrava), passava a ter papel preponderante na
economia nacional, embora não fosse expressiva politicamente. O trabalho assalariado e os
imigrantes europeus terminaram por configurar um mercado consumidor interno incipiente,
enquanto as estradas de ferro construídas em função da cafeicultura, e o capital por esta
acumulado, propiciavam a expansão das demais atividades comerciais e de pequenas
indústrias na região.
Entre 1850 e 1885, no contexto da aplicação da “Lei de Terras” e do ciclo da borracha
(1850-1912)22, configurava-se o 3 surto político-econômico no Maranhão e no Pará, ao longo
do qual a administração imperial, no Maranhão, buscou reafirmar a vocação agrícola da
província, reorganizando e incrementando sua produção, enquanto, no Pará, os investimentos
deram-se na expansão do extrativismo amazônico, em grande escala (re-impulsionado pelo
primeiro ciclo da borracha), e na consolidação de Belém como centro comercial intermediário
da Amazônia com o capital internacional.
Em meados do século XIX, talvez buscando se afastar das batalhas e escaramuças
promovidas pelas campanhas militares contra as comunidades quilombolas na região, os
Tembé atravessavam o rio Gurupi, passando a habitar terras do estado do Pará (cf. Sales,
1993).
Em 1853 consumava-se a destruição dos quilombos nas matas do Turiaçu e na
comarca do Alto Mearim e, ao longo de toda a segunda metade do século XIX,
recrudesceram, no Maranhão, a repressão e os ataques aos quilombos, enquanto aprofundavase o sentimento elitista e racista (sobretudo anti-africano) também na sociedade maranhense,
hegemonizada pelos fazendeiros: este sentimento expressa-se, por exemplo, nas descrições
dos grupos indígenas arredios e populações livres dos sertões (caboclos e quilombolas),
freqüentemente caracterizados como “fascinorosos” a viver na “ociosidade” e na
“indolência”, nos documentos e nas várias “memórias” sobre a provìncia, produzidas por
diversos autores, ao longo do século XIX (ALMEIDA 1983, pp. 36, 170)23.
22
Em 1839 Charles Goodyear desenvolvera o processo de vulcanização, e o aumento da demanda por borracha
no mercado internacional já fazia-se sentir no Para e no Maranhão; o pico da demanda ocorreria, no entanto, a
partir de 1888, com a expansão da indústria automobilística e a invenção do pneu de borracha (COELHO MCN
1991, p. 84).
23
o auto do bumba-meu-boi do Maranhão também reproduz fielmente esse sentimento, a estrutura, e as
correlações entre os estamentos da sociedade agrária maranhense, no bojo do sistema de “patronagem” ou
66
Enquanto as políticas de desenvolvimento praticadas pelos sucessivos governos
brasileiros, desde o I Império, continuavam a atrair ao Maranhão levas de lavradores
nordestinos, nos rastros da boiada, a aplicação da Lei de Terras de 1850 e a consolidação e
expansão do modelo agrário praticado no Nordeste – latifundiário, das monoculturas
destinadas à exportação (cana de açúcar e algodão, sucessivamente) e da pecuária extensiva –
gerou um quadro social alarmante, com o desalojamento e expulsão de milhares de lavradores
sem-terra da região.
A partir de 1860, a desorganização na produção e exportação dos algodoais do sul dos
Estados Unidos, em conseqüência da Guerra de Secessão (1860-65), alavancava um novo e
curto surto algodoeiro no Maranhão, que entrava em recesso logo da reorganização da
cotonicultura americana, já em 1872 (ALMEIDA 1983, p. 159). O novo surto algodoeiro no
Maranhão seria acompanhado, ao longo da década, por vários levantes indígenas e pelo
recrudescimento da guerra com os quilombola.
Em 1860, os trabalhos de abertura da “Estrada da Boiada” também chamada de
“Estrada do Sertão” (partia de Carolina, passando por Grajaú, margeando inicialmente o rio
Buriticupu; na década seguinte, seria desviada para margear o rio Zutiwa, em terreno menos
alagadiço), ligando as frentes pecuaristas do sul ao mercado consumidor da capital, mobilizou
muitas famílias Guajajara da região de Grajaú que, a partir de seu funcionamento, em 1863
(Marques 1970, p. 180), passaram a trabalhar como guias de rebanho ou em lavouras dos
fazendeiros da região, instalando suas aldeias ao longo da Estrada. Deste modo, as relações
interétnicas e de troca dos Guajajara desta região (designada por Gomes, M. P. 2002, de
“Grajaú-Barra do Corda”) com a sociedade envolvente consolidaram-se, a partir das últimas
décadas do século XIX, no universo sócio-econômico da pecuária e da agricultura regionais
(sobretudo de algodão, arroz e mandioca).
Já os Guajajara da região do baixo vale do Pindaré, assim como os Tembé do Gurupi,
desenvolveram suas relações com a sociedade envolvente no contexto da economia
extrativista, mediada pelos regatões (baseados inicialmente na Colônia São Pedro, e depois na
“clientelismo” que a vem caracterizando desde meados do século XVIII (época em que, segundo consta, surgia o
folguedo): o preto Chico, ladino, para atender aos caprichos de sua mulher grávida, Catirina (que desejou comer
língua de boi), mata o melhor boi do patrão. O fazendeiro envia os vaqueiros e batalhões de índios a seu serviço
no encalço de Chico. Os índios e os vaqueiros prendem e espancam Chico que, depois de apanhar bastante,
termina sendo poupado e perdoado pelo sempre bom e belo patrão.
67
Colônia Pimentel, até a década de 1950), cuja produção mais significativa era o óleo de
copaíba.
Às levas de pequenos lavradores sem-terra que já perambulavam pelas matas de terras
devolutas do sudeste maranhense, mais distantes dos focos da cotonicultura, à busca de um
pedaço livre de chão para cultivar, foram somando-se, a partir do final da década de 1870,
grandes contingentes de flagelados nordestinos e, sobretudo, cearenses, a partir da grande seca
de 1877, configurando um massivo e contínuo fluxo migratório para as matas da Amazônia
maranhense, muito intensificado com o ciclo da borracha.
A política adotada pelo governo da Província face essas levas de cearenses e
nordestinos inseriu-se num projeto de colonização que não se pautou em princípios e
interesses econômicos, mas em interesses de ordem política e militar. Esses cearenses e
nordestinos foram assentados em colônias criadas nas matas do Alto Turiaçu, justamente nas
áreas dos quilombos destruídos (como a colônia Prado, instalada sobre as ruínas do quilombo
do Limoeiro, cuja direção foi entregue ao militar que comandara as forças que o debelaram),
com vistas a dificultar sua retomada pelos quilombolas, e dar início ao desbravamento da
região, então habitada, como vimos, além dos quilombolas, pelos Tenetehara24, pelos Guajá e
pelos Ka’apor, contra os quais desencadeariam uma guerra que se estenderia até o final da
terceira década do século XX.
Nesta época reiniciava-se a imigração de europeus, especialmente italianos,
subvencionados pelo Governo brasileiro. No oeste paulista estes imigrantes trabalhariam
como assalariados das fazendas de café (não mais em parceria, como no vale do Paraíba) e,
nos estados do sul (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), contando com facilidades
para aquisição de pequenas propriedades, num contexto de políticas econômicas estaduais
voltadas para o abastecimento do mercado interno (ao contrário da cafeicultura paulista, e da
sucricultura nordestina), sobretudo para a produção de alimentos. A partir de então, a média
anual de imigrantes europeus vindos ao Brasil seria de 100.000/ano, até o final do século.
Em 1870 era fundado o Partido Republicano, e o movimento abolicionista ganhava
força em todo o Brasil. Uma série de medidas legais viriam a expressar o resultado de das
pressões dos movimentos republicano e abolicionista (bem como dos interesses britânicos)
sobre a administração imperial, a partir da década de 1880. Assim, em 1884 as províncias do
24
estes, terminariam atravessando o rio Gurupi e se fixando na margem esquerda deste, numa região cujas terras
remanescentes compõem, hoje, a Terra Indígena Alto Guamá, no vizinho estado do Pará.
68
Ceará e do Amazonas decretavam a abolição da escravidão; em 1885 declaravam-se libertos
os escravos com mais de 65 anos e, em 13 de maio de 1888, a Lei Áurea abolia
completamente a escravidão no Brasil (que foi o último estado moderno a fazê-lo).
Durante as duas últimas décadas do século XIX, os investimentos de capital na
agricultura do Maranhão experimentavam um processo de dispersão, findo o segundo surto
algodoeiro, voltando-se, sobretudo, ao mercado consumidor interno. Ao lado da pecuária
sertaneja, começava a ganhar impulso e importância a rizicultura e o extrativismo do
babaçu25.
Com a invenção do pneu de borracha, em 1888, dava-se o “boom” da demanda por
este produto no mercado internacional, vinculada à grande expansão da indústria
automobilística (COELHO MCN 1991, p. 84), levando ao auge do ciclo da borracha e a uma
reintensificação da migração de nordestinos à Amazônia.
O sistema de Diretorias Parciais e das Colônias, vigente no Império, decaiu e
esvaziou-se progressivamente, de modo que a proclamação da República trouxe um novo
período de vácuo da atuação do Estado junto aos povos indígenas do país (cf. GAGLIARDI
1985).
MARANHÃO:
FRENTES
DE
EXPANSÃO,
RESISTÊNCIAS
E
MOBILIZAÇÕES
POPULARES NA REPÚBLICA
Um golpe militar proclamou a República em 1889, dando início a uma sequência de
governos militares, de forte influência positivista.
Neste contexto político-ideológico fortemente marcado pelo positivismo, o Decreto n°
7, de 1890, estabelecia que a “catequese e civilização dos ìndios” passava a ser atribuição dos
governadores dos Estados.
A partir da última década do século XX várias linhas de telégrafo seriam abertas
por todo o país (notadamente no Centro-Oeste e no Norte) em função, basicamente, de uma
estratégia de defesa do território nacional, cuja maior fragilidade, na perspectiva dos militares
(que fizeram a Guerra do Paraguai e proclamaram a República), era justamente sua imensidão
e a falta de comunicações – que possibilitaram a grande mobilidade dos destacamentos
paraguaios que nele penetraram.
25
Na perspectiva de revitalizar o capital estagnado com a desaceleração dos investimentos na cotonicultura
instalava-se, ao final do século XIX, um grande parque têxtil em São Luìs, localmente chamado de “Manchester
brasileira”. A indústria têxtil no Maranhão, no entanto, também não conseguiria competir, no mercado nacional,
com a que vinha se formando no Sudeste (Gonçalves, 2000, p. 127; Varga, 2002, p. 78).
69
Ainda em 1890 era criada a “Comissão Construtora da Linha Telegráfica de Cuiabá
ao Araguaia”, da qual fazia parte o então alferes-aluno Cândido Mariano da Silva Rondon, em
pleno território Bororo, que propiciaria a Rondon suas primeiras experiências na
“pacificação” de ìndios.
Em 1893, os Bororo do rio das Garças passaram a ser oficialmente considerados
“pacificados”.
Nos sertões nordestinos prosseguia o quadro de miséria, que mobilizara o enorme
contingente de trabalhadores rurais que, seguindo Antonio Conselheiro, se assentaram em
Canudos, contra a qual prosseguiam as expedições militares, até sua total destruição, em
1897.
Neste mesmo ano, os capuchinhos (franciscanos) da Lombardia fundavam a Missão de
São José da Providência do Alto Alegre, num sítio localizado nas proximidades de várias
aldeias Guajajara, iniciando uma tentativa de catequização e colonização dos índios da região
de Barra do Corda (em que predominavam, numericamente, os Guajajara). As estratégias
adotadas pela Missão de Alto Alegre consistiam na atração dos índios a instalarem suas
aldeias mais para perto da missão, de modo a envolvê-las nos trabalhos de suas lavouras de
algodão e cana-de-açúcar (que assegurariam sua viabilidade econômica), e na promoção de
uma miscigenação cultural, orientada pela catequese capuchinha, que se concentraria junto a
meninas com menos de 14 anos, procedentes tanto de povoados regionais quanto de aldeias
indígenas, que seriam envolvidas num convívio diuturno, incorporadas à missão em regime de
internato.
No que se refere aos índios, tratava-se de, literalmente “desmembrar as aldeias
indígenas e reduzi-las a grupos familiares”, de modo a organizar uma próspera “cidade de
ìndios” – conforme consta no livro de correspondência da própria Missão (citado por Gomes,
M. P. 2002, pp. 266, 267) – integrada à economia da região.
Do ponto de vista econômico, o povoado de Alto Alegre prosperou rapidamente, de
fato, destacando-se, na região, por sua produtividade.
Na Missão de São José da Providência do Alto Alegre, após um surto de varíola e um
de tétano que, em janeiro de 1900 vitimaram 28 das 82 meninas índias internas, e alguns
episódios de punições mais severas ou mesmo violentas aplicadas pelos missionários aos
índios (os quais puniam severamente, por exemplo, os casos de poligamia, e internavam as
crianças na missão, retirando-as forçosamente do convívio com os pais – cf. Gomes, M. P.,
2002, p. 269), sua insatisfação foi crescendo rapidamente, até que em 13 de abril de 1901
eclodia uma rebelião de grandes proporções que culminou no massacre dos religiosos,
70
conhecida como “rebelião de Alto Alegre”, que resultou em centenas de vìtimas, entre ìndios
e regionais.
Derrotados e massacrados, após renhida resistência, pelas várias expedições militares
contra eles enviadas a partir de Barra do Corda e Grajaú, mesmo após a tortura e morte de
Kawiré Imàn (conhecido pelos missionários e pelos regionais como João Caboré, e por eles
considerado o líder da revolta), os Guajajara continuaram sendo, por longo tempo,
perseguidos e sistematicamente agredidos pela população regional, como conseqüência desta
rebelião.
Para Gomes, M. P. (2002), a Rebelião de Alto Alegre “constitui o diferencial entre os
Tenetehara da região de Barra do Corda-Grajaú e aqueles do Pindaré-Gurupi”, uma vez que,
para este autor, as aldeias que participaram da rebelião (das TIs Canabrava-Guajajara, UrucuJuruá e Bacurizinho) “constituem hoje o centro propulsor da afirmação étnica e da
participação política dos Tenetehara” (p. 280).
O reputado sucesso da primeira experiência de “pacificação” dos Bororo, sob
comando de Rondon motivaram sua designação para a chefia da Comissão Construtora de
Linhas Telegráficas de Mato Grosso, cujos trabalhos se iniciariam em 1900.
Nesta época iniciava-se, também, a abertura das primeiras picadas da linha de
telégrafo São Luís-Belém (a capital da borracha), cortando as matas do Alto Turiaçu ao norte,
o que desencadeou violentas batalhas com os Ka’apor, que evoluiram para uma guerra aberta
do governo e das elites regionais contra eles (cf. SALES, 1993).
Para os Ka’apor, as duas primeiras décadas do século XX foram, portanto, marcadas
pela intensificação da guerra com invasores nordestinos, em trânsito pela região, atraídas pelo
ciclo da borracha, e com os trabalhadores da linha de telégrafo São Luís-Belém.
Em 1910 era criado o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores
Nacionais (SPILTN), e já em 1911 iniciavam-se os trabalhos de “pacificação” dos Ka’apor
pelo órgão. Nas palavras de Darcy Ribeiro:
“A pacificação dos ìndios Urubu-Kaapor teve início em 1911 e se prolongou até
1928, quando os primeiros membros da tribo confraternizaram com os servidores do
S.P.I., no Posto de Atração da ilha de Canindéua-assu, no alto Gurupi, entre o Pará e
o Maranhão.
A primeira tentativa de aproximação foi feita em 1911 pelo tenente Pedro Ribeiro
Dantas que, àfrente de uma pequena turma de trabalhadores, se internou na mata
para tentar um contato comos índios. Fracassada a tentativa por falta de
continuidade, com a retirada do comandante,recrudesceram as lutas entre os Kaapor
e a população local, formada de garimpeiros, madeireirose trabalhadores da linha
telegráfica, espalhada pelo imenso território dominado pelos índios,entre os rios
Turiaçu, o Gurupi e o Pindaré.
71
Os Urubu-Kaapor atacavam sempre em represália a ofensas sofridas, e nos
primeiros anos quese seguiram à tentativa do Tenente Dantas, as pequenas turmas de
pacificação, quecontinuamente se revezavam na colocação de brindes em pontos
percorridos pelos índios, nãoeram hostilizadas.
Os extratores de drogas da mata e o pessoal da linha telegráfica viviam, contudo, em
contínuo conflito com os índios; sempre que sofriam baixas, os Kaapor revidavam
com vigorosos ataques, deixando de retirar os brindes que os servidores do S.P.I.
colocavam em tapiris, nas trilhas, e chegando muitas vezes a destruí-los.
Ao tomar conhecimento de um assalto por parte dos índios, os funcionários do S.P.I.
procuravam aproximar-se dos atacantes, que retrocediam à mata sem poder ser
abordados. Alternadamente, pois, renovavam-se as hostilidades e as manifestações
pacíficas dos índios, com a retirada dos brindes e a colocação, em seu lugar, de
imitações de tesouras ou terçados feitos de madeira, para indicar o que desejavam
receber.” (Ribeiro 1962, p. 1).
Em 1912, com o grande aumento de sua produção nas plantations da Malásia, a
produção amazônica de borracha (baseada na coleta extensiva) deixava de ser competitiva no
mercado internacional e, assim, findava o “primeiro ciclo da borracha” no Brasil.
À franja do carro-chefe da economia agrária brasileira, o sertões da pecuária
nordestina (inclusive os do Maranhão, assim como seus canaviais e algodoais) foram
relegados a um segundo plano pela política de desenvolvimento da Primeira República. O
governo federal privilegiaria investimentos no pólo mais lucrativo da cafeicultura (sobretudo
na então mais modernizada, do oeste paulista), e privilegiaria a interlocução política com os
seus representantes (Eid, 1979).
As secas passam a estabelecer diferenças intra-regionais, na medida em que
determinadas áreas, mais imunes às secas e mais aptas às produções alternativas, tornam-se
concentradoras de mão-de-obra, como o vale do Cariri (em que Padre Cícero incentivou a
cultura da maniçoba), o médio São Francisco (com a produção de ceras vegetais), Lavras
Diamantina (na Bahia) e os vales úmidos do Maranhão.
Estes fluxos foram estimulados, tanto pelos governos dos estados de origem dos
emigrantes (como válvula de escape para seus conflitos sociais internos) quanto pelos de
assentamentos imigrantes (como contingentes para o “desbravamento” dos sertões e das matas
– caso do Maranhão); nestas regiões estabeleceram-se relações de trabalho distintas das dos
latifúndios canavieiro e algodoeiro (Eid, 1979).
É deste perìodo a profecia das “bandeiras verdes”, referência presente em vários
depoimentos de posseiros vindos do Piauí para o Maranhão e para a região do Bico-doPapagaio (norte do atual estado de Tocantins), entrevistados por Sader (1986): Padre Cícero
teria dito, no Cariri, que “quando a situação piorasse, os fiéis deveriam partir, atravessar o
grande rio e buscar as Bandeiras Verdes” (pp. 106-107).
72
O Maranhão atravessava, à época, intenso afluxo de imigrantes nordestinos. Já em
1912, com o fim do primeiro ciclo da borracha, levas de nordestinos a caminho da Amazônia
detiveram sua marcha e assentaram-se a meio-caminho, em terras maranhenses (Droulers &
Maury, 1981).
Em 1918, o SPILTN teve suas atribuições repartidas entre dois outros órgãos, sendo
que a política indigenista passou a ser atribuição do Serviço de Proteção aos Índios (SPI).
Neste mesmo ano era criado o posto de vigilância do SPI no Turiaçu, para impedir os
conflitos entreíndios e os trabalhadores da linha telegráfica São Luis-Belém. Segundo Darcy
Ribeiro:
Estes se haviam especializado nas chacinas aos Urubu-Kaapor. Um certo João
Grande, agente da linha, perseguia atrozmente os índios, organizando expedições
contra suas aldeias e espetando as cabeças das vítimas, homens, mulheres e crianças,
nos postes telegráficos, como advertência para que os índios não cortassem mais a
linha. Os relatórios do S.P.I. da época, mencionam ataques atribuídos ora a índios
Urubu-Kaapor, ora a Timbira que, provindos do rio Caru, também se infiltraram na
área, sem que pudessem ser precisamente identificados uns e outros.
No mesmo ano, os Urubu-Kaapor atacaram o Posto Indígena Gonçalves Dias, do rio
Pindaré, que assiste aos índios Guajajara. (Ribeiro 1962, p. 1)
Prosseguiam também os ataques dos Ka’apor aos estabelecimentos de comerciantes de
produtos de extrativismo das matas, garimpeiros, madeireiros, batelões e canoas em trânsito
pelo rio Gurupi, e a povoados locais. Darcy Ribeiro (1962) comenta que os Ka’apor eram
ferozes e extremamente eficientes nesses ataques, e que este fato, assim como seu uso de
flechas com pontas de metal, teria levado a população local a crer que seriam dirigidos por
“criminosos evadidos dos presìdios do Maranhão, do Pará e mesmo de Caiena e por negros
remanescentes de antigos quilombos” – visivelmente, Darcy Ribeiro não valorizou estas
informações, que qualificou de “boatos”, e prossegue com mais alguns detalhes:
“Era voz corrente, também, que aventureiros de toda ordem, atraìdos pelas ricas
minas de ouro do Gurupi, incitavam os índios ao saque e eram os maiores
interessados em mantê-los aguerridos, para servir aos seus propósitos de traficância
clandestina do ouro. A explicação servia, principalmente, para justificar as chacinas
empreendidas ou tentadas contra os índios.
Versões deste gênero chegaram a ser veiculadas pela imprensa, como a que atribuia
a um lendário Jorge Amir a chefia dos guerreiros Kaapor. Este indivíduo, que nunca
chegou a ser identificado, teria negócios com o comerciante sueco Guilherme Linde,
grande proprietário do Gurupi, que ali investira vultosos capitais na exploração do
ouro de Montes Áureos. Outra lenda, corrente na época, descrevia os Urubu-Kaapor
como mestiços de Timbira e negros quilombolas.” (Ribeiro 1962, p. 2)
73
Em 1920 a frente pioneira nordestina posicionava-se a oeste de Codó, na cidade de
Pedreiras26. Acirravam-se as tensões e a violência dos conflitos entre os grandes latifundiários
(e os vaqueiros jagunços a seu serviço), grupos indígenas e trabalhadores rurais.
A partir do povoado de Mata do Nascimento (atualmente município de Dom Pedro),
pela região que hoje abrangeria os municípios de Dom Pedro, Presidente Dutra, Santo
Antonio dos Lopes, Governador Archer, Governador Eugênio Barros e Gonçalves Dias, um
imigrante cearense, Manoel Bernardino de Oliveira, foi um dos principais organizadores e
protagonistas da luta dos trabalhadores rurais contra o domínio imposto pelos fazendeiroscoronéis de Codó.
Cognominado pela imprensa da época de “Lênin do Maranhão”, por sua simpatia pelo
socialismo e pelos revolucionários russos, Manoel Bernardino também se opunha
ostensivamente ao então governador do Maranhão, Urbano Santos, e foi por ele combatido:
em 1921 enviou para a Mata do Nascimento um contingente de 600 homens, chefiados pelo
tenente Antonio Henrique Dias. Chegaram à Mata em 5 de agosto de 1921, e como não
encontraram Manoel Bernardino (que viajara a Codó em busca de apoio político e militar),
fizeram dezenas de prisioneiros e, “para dar o exemplo”, fuzilaram quatro lavradores: Adão,
Francisco, Maurício e Avelino (Jornal Pequeno, 2010).
Enquanto isso, no território dos Ka’apor, prosseguia e intensificava-se sua guerra às
frentes de expansão no interflúvio Gurupi-Pindaré, a ponto dos governos do Maranhão e do
Pará decretarem estado de sítio em toda a região.Foram realizadas várias expedições punitivas
contra os índios, como a de 1922, custeada por um deputado estadual e pelo Prefeito de
Penalva, composta de 56 homens fortemente armados. Na descrição de Darcy Ribeiro:
“Dirigiram-se ao Alto Turi; e após 6 dias de marcha, assaltaram uma aldeia Kaapor
e mataram no trajeto dois homens, o que alertou os demais, possibilitando a fuga. Na
madrugada seguinte, reforçados por índios de outra aldeia, os fugitivos cercaram os
expedicionários, despejando sobre estes saraivadas de flechas. Provocando nova
fuga dos índios quando já tinham esgotado quase toda a munição, os invasores
queimaram a aldeia e destruìram as roças, antes de regressar.” (Ribeiro, D. 1962)
Em 1925, Manoel Bernardino e seus seguidores (cerca de duzentos homens) juntaramse à Coluna Prestes, para combater a Velha República, exigir o voto secreto, defender o
ensino público e a obrigatoriedade do ensino primário para toda população (idem).27
26
Araújo, H. F. A. 2000, p. 147.
74
Em 1927 reiniciavam-se os trabalhos de “pacificação” dos índios Ka’apor, com a
instalação do Posto Pedro Dantas na ilha de Canindé-Açu28, nas proximidades do local onde
os índios faziam a travessia do Gurupi, e em 1928, portanto, declaravam-se “pacificados” os
Ka’apor.
Relatos de trabalhadores rurais sobre o período revelam, no entanto, episódios
surpreendentes sobre seu contato e mesmo alianças com índios (até o momento, nossas
pesquisas não puderam precisar de que etnias eram os indígenas envolvidos nestas alianças), e
sobre seus conflitos com os fazendeiros, dos quais não encontramos qualquer registro na
literatura etnográfica sobre os grupos indígenas na região:
“(....) aqueles velhos mais antigos – lá cinqüenta anos é considerado já velho, não
do ponto de vista da idade, mas do ponto de vista do físico: o cara está acabado –
diziam assim:
- Me lembro muito bem de uma luta que se deu aqui. Eu penso que foi antes de
1930. Na época, os índios estavam sendo expulsos das matas encostadas no
Pindaré-Mirim por esses donos que estão aí hoje. Diziam que eles faziam mal, eram
bichos selvagens.” (Conceição, 1980, pp. 96-97).
“E... e a razão era o que: era porque, lá... o nome de Pindaré, antigamente, se
chamava Engenho Central. Lá no Engenho Central, que foi o primeiro engenho que
fez açúcar branco no Maranhão, esse açúcar branco, né, era feito lá. Tá
entendendo? E os índios... dizem eles lá, que eram pego, porque pegavam cana, lá,
lá do Engenho, do plantio né, e aí, tiravam o caldo, e chupavam o caldo, e tomavam
o caldo e... fazia quizila na lucração deles, né, não é isso?... E botavam eles pra...
pra perseguir os índios... E aí os índios se revoltavam... [...] Por causa da questão
da... da cana, que eles não queriam que os índios mexessem. Que os índios já viam
como terra deles... Que o Pindaré era terra indígena, de muitos anos. Era terra
indígena, antigamente. Aí os índios... Né?... Podiam aproveitar, pelo menos... o que
tava lá na... na produção [risos]... eles eram meio revoltados, né...” (entrevista com
Manoel da Conceição, 25/5/2005).
Destes relatos, reproduzidos por Manoel Conceição Santos29, mais conhecido como
Manoel da Conceição, emerge (o ainda muito pouco conhecido e pesquisado) Antônio
Bastos:
“Então aparece esse senhor Antônio Bastos. Nunca ninguém soube de onde é que
ele era. Só sabe que ele era língua: falava português e a língua dos índios também.
Foi o grande amigo dos índios. Começou a dizer que essa expulsão era injusta, que
ia viver com os índios e foi mesmo pros matos” (Conceição, 1980, pp. 96-97).
MANOEL DA CONCEIÇÃO – “Pois é, meu companheiro... Essa história,
quando eu era rapaz, jovem, já ouvia falar nela, pelos meus bisavós, que isso
27
Após abandonar a Coluna Prestes, em 1926 (por divergências táticas: achava que deveria permanecer no
Maranhão), Manoel Bernardino viveu algum tempo no Ceará, retornando a Mata do Nascimento, no Maranhão,
em 1929, onde faleceu, em 1942.
28
transferido da ilha para a margem maranhense, em 1929.
29
lavrador e ferreiro, fundador do Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural (CENTRU) do Maranhão,
foi a mais importante, expressiva e conhecida liderança dos movimentos dos trabalhadores rurais do vale do
Pindaré, ao longo dos anos 1960 e 1970.
75
aconteceu oito ou dez vezes... E... eles contavam, que esse Antônio Bastos, era um
companheiro muito sabido... sabia ler muito bem... e escrever ... era um doutor!
Assim... Que na época não sei se era doutor mesmo, que eles chama né, diz que ele
era conhecido como doutor... Antônio Bastos.”
E. – “E diz que ele escrevia, né?”
MANOEL DA CONCEIÇÃO – “Ele escrevia muito! Diz que era um cara bom de
caneta, bom de caneta! Diz que tinha contato com... com São Luís, e etcétara.”
E. – “Mas ele era jornalista?”
MANOEL DA CONCEIÇÃO – “Não, não sei. Só que era Antônio Bastos o nome
dele. Antônio Bastos. Agora eu não sei se era jornalista, agora eu não sei...”
(entrevista com Manoel da Conceição, 25/5/2005)
Personagem muito pouco conhecido e estudado, sobre o qual a única referência
bibliográfica que pudemos localizar, até o momento (além de nosso próprio trabalho a
respeito30), é Conceição (1980)31, Antônio Bastos liderou, neste mesmo período, entre
as décadas de 1920 e 1930, uma aliança entre comunidades Guajajara e de
trabalhadores rurais da região do vale do rio Pindaré (envolvendo também grupos
Ka’apor, segundo indicam levantamentos preliminares que já realizamos nas edições
do Diário de São Luiz, jornal da época que noticiou estes eventos), contra os interesses
e as ações dos latifundiários sucricultores, no período produtivo do chamado Engenho
Central, localizado na cidade de Pindaré-Mirim.
Segue a descrição das ações dos índios e trabalhadores rurais, sob coordenação
de Antônio Bastos (note-se que não se trata de simples assaltos, ou de ações
simplesmente violentas ou depredatórias):
Quando os índios estavam bem sabendo quem eram os inimigos, começaram a
invadir Pindaré-Mirim. O estardalhaço que eles faziam era coisa de admirar.
Primeira medida: prendiam o prefeito com toda a policinha local. Raspavam a
cabeça, tocavam na cadeia. Nesse tempo, Pindaré-Mirim só tinha o rio como
comunicação para São Luís. Vinha lancha com muita dificuldade, enfrentando
coivaras de pau: passava quase meses pra chegar. Depois que eles prendiam as
autoridades municipais, os índios invadiam os armazéns que tinham roupa, tecidos,
ferramentas de trabalho, espingarda de caça e comida. Distribuíam não para os
índios, mas para a população pobre. Isso era uma confusão desgraçada. E a massa
começou a se candidatar também. Junto com os índios, pra ficar ao lado de Antônio
Bastos. O fato é que eles fizeram isso umas oito vezes, segundo os antigos, no
período entre 1920 e 1930. (Conceição, 1980, p. 96-97).
30
Varga, IVD., 2006.
31
Conceição, M, 1980.
76
Finalmente, o assassinato de Antônio Bastos, com requintes de crueldade:
Agora, sabe o que aconteceu com Antônio Bastos? Um dia, ele adoeceu nas matas e
não teve jeito pra se tratar por lá. Veio escondido se tratar no município que chama
Vitorino Freire, porque tinha um hospitalzinho. Mas souberam que ele estava lá e
mandaram buscar o homem. Chegaram aqui na encruzilhada entre Cajueiro Grande
e Santa Inês, e nós escutamos os tiros de bacamarte. Trouxeram o homem até a terra
dele, pro povo ver que ele tinha sido morto. Enfiaram três grandes estacas no chão.
Tudo de ponta fina. Meteram nas palmas da mão dele. Espicharam assim, bem no
centro do caminhozinho e enfiaram outra estaca aqui debaixo do queixo. Deixaram
ele lá de braço aberto, espetado na ponta de três estacas e depois arrancaram a
língua, pra ele deixar de ser falador. Diziam que a língua dele ninguém podia vencer,
porque ele fazia tudo com a língua. E as mãos espetadas era porque aquele homem
escrevia bem.” (Conceição, 1980, pp. 96-97)
Morto Antônio Bastos, a crueldade da dominação dos “coronéis” do Engenho
Central, já decadente, continuaria a deixar várias marcas lúgubres na memória dos
trabalhadores rurais da região:
MANOEL DA CONCEIÇÃO – “O Engenho Central se acabou... mas ficou lá a
tocha do tonelzão lá, de cana, alto! De tijolo... E dizem mais uma coisa, que
contavam na época né [...] depois que o Engenho faliu... que ficou só... porque o
Engenho tinha um... um sangrador pro rio... porque o pessoal... toda a parte
chamada braseiro do engenho, essa coisa toda, ia cair tudo no rio, né. E lá na
frente do rio, lá tinha uma grade de ferro que... era feita assim... de ferro roliço né,
é... um... uma grade, que não passava uma pessoa não. Então disseram lá, contavam
lá também, que muitas pessoas que os homens lá odiavam, prendiam, ia pra lá pra
fornalha do Engenho Central, metia o cara no buraco, que ia sair no rio, mas não
podia sair lá porque tinha grade de ferro, né, aí tampava a boca, e o cara morria
dentro, trancado lá. E diz que até isso aí até com os índios, também, índios. Quando
pegavam os índios faziam isso também lá. E pegava eles índios mesmo e morria e
jogava lá dentro. Em vez de matarem... botavam cá no buraco e tampava, pronto:
ninguém sabia. O cabra morria de fome, no buraco lá... de sede... e dos maus tratos
né. Então, nesse tempo havia muito isso. E, me diziam que lá tinha uma família,
chamada família Maluf, tá entendendo?... Que era um dos mais ricos da região, que
era um dos que praticavam esse tipo de ação. Agora o nome dele, é Maluf, mas é
Tufi Maluf. O nome do homem lá. Esse que fazia isso, né.”
E. – “Daí que vem Tufilândia, né?”
MANOEL DA CONCEIÇÃO – “É, Tufilândia, esse lá tudo fica povoado de
Tufilândia. Essa Tufilândia, essa lândia, vem desse desgraçado lá Maluf. Aí, por
aqui todo canto tem lândia, mas ninguém não sabe. Se você perguntar a qualquer
pessoa aqui, de onde é que vem a lândia, ninguém não sabe. Agora tem essa
Tufilândia lá [risos], desse Tufi Maluf lá [...] que era o mandachuva de toda a
região aqui, era ele, né, que era o dono das estrepolias. Ele não era nem brasileiro,
assim, nato, de origem brasileira. Ele era de origem internacional.Chamavam
também de carcamano, né... [...] Eu sei que ele era o mandachuva de lá, né. E ele
fazia isso. Então, dizem que ele liderava essas coisas.”
[...]
E. – Então, você imagina que tenha sido ele o mandatário, né, da morte do Antonio
Bastos.
MANOEL DA CONCEIÇÃO – Não, eu... acho que não foi nem ele. Acho que foi os
descendentes [querendo dizer os antepassados] dele, quer dizer... ele é originado
77
pelaí... Deve ter sido os pais dele, os avós dele... eu sei lá quem diabo foi... acho que
foi... acho que não foi ainda do tempo do... do Maluf... o Maluf era um cara ainda
novo... Agora, o Maluf era filho desses, dessa família né, que mandavam no
Pindaré, e que depois ficou mandando. Mas quando eles mandavam, o Engenho já
tinha... já tava, já tinha falido lá. Já... já tava mais manso, na época do Maluf. Mas
mesmo assim ainda fazia isso: pegava gente e metia lá no buraco do... do Engenho
Central. Mas o Engenho Central já tinha se acabado, a muito tempo. Mas, eu creio,
que como é uma... uma... coisa histórica, se você for lá, ainda deve ter a torre lá...”
(entrevista com Manoel da Conceição, 25/5/2005)
INTERFLÚVIO
GURUPI-PINDARÉ,
“CAMPO
POPULAR”:
TERRITÓRIO
DE
RESISTÊNCIAS E ALIANÇAS HISTÓRICAS ENTRE QUILOMBOLAS, INDÍGENAS E
CAMPONESES
Sempre citado como um dos maiores focos de escravatura brasileiros, um grande
contingente de escravos também foi introduzido no Maranhão pelo sudeste, ao longo do
século XVIII, no avanço da frente pecuarista proveniente da Bahia em direção à Vila de
Aldeias Altas de Caxias, contingente este não quantificado nas estatísticas publicadas por
diversos autores32; outro grande contingente não quantificado de escravos foi introduzido no
Maranhão e no Pará pelo(s) porto(s) de Turiaçu, um dos mais importantes pontos do tráfico
clandestino de escravos, que perdurou muito ativo mesmo após a Lei Euzébio de Queirós, de
1850, que proibiu seu tráfico transatlântico. Para Gomes FP (1997), cujo objeto central de
pesquisa foram as comunidades quilombolas, estas foram as grandes articuladoras das
alianças e movimentos populares contra as sucessivas frentes de expansão na região, na
constituição do que descreveu como “campo negro”.
Como indicam vários autores (GOMES, FP, 1997; CLEARY, trad. MALM, 1992,
entre outros), e mesmo nossas pesquisas de campo na região, além de escaramuças, há
indícios históricos de convívio amistoso e mesmo de alianças econômicas, militares e
familiares entre grupos Tenetehara, Ka’apor e comunidades quilombolas da região, que
necessitam de pesquisa mais aprofundada e sistemática.
Além de redes de comércio, foram registradas vários ataques conjuntos entre
quilombolas e Ka’apor às fazendas de Santa Helena e de Turiaçu, em meados do século XIX,
e várias dezenas de expedições militares foram mobilizadas, como vimos, para combatê-los, e
destruir suas aldeias e povoados (e re-escravizá-los, no caso dos quilombolas)33.
32
33
Centro de Cultura Negra do Maranhão, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, 2002.
cf. Gomes, FP, op. cit, e Cleary, D, 1992.
78
Com efeito, como demonstra GOMES, FP (1997), há relações e descrições de dezenas
de “mocambos de ìndios fugidos” (dos aldeamentos), assim como de dezenas de “mocambos
de negros e ìndios juntos”, pela Amazônia, a partir do século XVIII.
Reafirmando, portanto, uma das mais importantes conclusões de Gomes, FP (1997),
alguns resultados preliminares de nossas próprias pesquisas indicam que, além dos muitos
quilombos que se tornaram espaços e territórios multiraciais e multiétnicos de resistência às
frentes de expansão na região, o mesmo (ou processo bastante semelhante) se passou com
várias aldeias e grupos indígenas, como também com povoados e grupos de camponeses, de
modo que consideramos que a região toda foi – como continua sendo, em nossos dias – palco
e território de históricos encontros e articulações de campos de luta de quilombolas, indígenas
e trabalhadores rurais.
REFERÊNCIAS
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São Paulo: Publifolha.

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Almeida, A. W. B. 1983. A ideologia da decadência: leitura antropológica a uma
história da agricultura do Maranhão. São Luís: IPES.

Araújo, H.F.A. 2000. Memória, mediação e campesinato – estudo das representações
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6. Seminário Preparatório de Marabá: 21 a 23 de Março de 2014
83
6.1
Relatório das atividades realizadas
Durante os dias 21 a 23 realizamos em Marabá um seminário que teve o caráter de
preparatório para o SEMINÁRIO INTERNACIONAL CARAJÁS 30 ANOS a ser realizado
em São Luis – MA durante os dias de 05 a 09 de maio. O tema geral foi um
questionamento: DESENVOLVIMENTO OU SAQUE E DESTRUIÇÃO? Promoção:
CPT, Cepasp, PNCSA, MST, MAB, MdA, MAM, MTM, JnT, CIMI, ICH e
IEDAR/UNIFESSPA, STTR de Canaã dos Carajás, Sindicato dos Urbanitários,
Observatório Socioambiental do Sudeste Paraense.
Participaram do seminário em torno de 180 pessoas entre não indígenas e indígenas, de
movimentos sociais e estudantes e professores das universidades, UNIFESSPA –
Universidade Federal do Sul e sudeste do Pará, UFPA – Universidade Federal do Pará,
UEPA – Universidade do Estado do Pará, do IFPA – Instituto Federal do Pará, de escolas
de ensino médio de Marabá e o Juiz do Trabalho Jonatas Andrade. As pessoas vieram de
São Luis, Açailândia (Maranhão), Belém, Rondon do Pará, Palestina, São Domingos, São
João do Araguaia, Tucuruí, São Félix do Xingu, Ourilândia do Norte, Xinguara, Canaã dos
Carajás, Parauapebas, Curionópolis, Eldorado do Carajás, Marabá (Pará) e de São Paulo
(SP).
A abertura, no dia 21, foi feita com palestra proferida pelo professor Aluizio Leal, com o
tema “A atual dinâmica do Capital na Amazônia e suas contradições”; durante o dia 22, nos
períodos pela manhã e à tarde foram feitas discussões em grupos de trabalhos, sobre:
Questão do Trabalho, Agrária, Ambiental, Urbana, indígena, As resistências e lutas
populares, Infra-estrutura e logística, Siderurgia e Carvoejamento, Gênero e Geração, e
Juventude. Todos os temas voltados para a região de Carajás nos últimos 30 anos, á noite
ocorreu a palestra proferida pela professora Edna Castro(UFPa/NAEA) com o tema
“Expansão da fronteira e mega- projetos de infra-estrutura”; no dia até ao meio dia foi
apresentado as sínteses dos trabalhos de grupos, encaminhamentos para as propostas e
encerramento.
Na noite do dia 22 foram feitas homenagens a seis pessoas da região consideradas
importantes pelos seus trabalhos desempenhados junto aos movimentos sociais: ao
Raimundinho, do CEPASP, Emanuel Wamberque, do antigo CAT, Almir Ferreira Barros,
ex-presidente do STR de São João do Araguaia, Paiaré (índio Gavião) representado pela
sua filha Kátia, estudante do curso de Ciências Sociais (UNIFESSPA), Alice Margarida,
hoje na EMATER, e Cledineusa (MIQCB), em São Domingos.
84
Foi observado que a força do capital na região só se intensifica a cada dia, e de forma
brutal, com um índice de destruição e violência alarmante, tanto através do latifúndio como
das iniciativas para geração de energia e exploração mineral. Na exploração mineral os
problemas sociais e ambientais gerados vão desde a extração e transformação e a
implantação e operação da logística de transporte do minério e transmissão de energia. E
que o modelo não contribui para o desenvolvimento e melhoria de vida na região, continua
um grande enclave, que ameaça e atinge de forma negativa a todos, do campo e das
cidades. Se não bastasse a espionagem feita pelos órgãos de Estado sobre aqueles que se
manifestam contrários à lógica imposta, a Vale também se acha no direito de desenvolver
esta prática, para solicitar junto aos órgãos públicos a criminalização de pessoas e dos
movimentos.
Entre os encaminhamentos, sinalizamos: 1. Que todas as propostas saídas dos trabalhos de
grupos sirvam como orientação para as lutas nos locais, contra o avanço do capital e sua
feroz destruição da vida; 2. Desenvolver trabalhos locais para organização dos povos para
resistências e enfrentamento ao capital representado pelas empresas e o Estado; 3.
Organizar uma apresentação pública das propostas do seminário; e 4. Preparação para o
seminário em São Luis, nos dias 05 a 09 de maio de 2014.
Marabá, 24 de março de 2014.
CPT, Cepasp, PNCSA, MST, MAB, MdA, MAM, MTM, JnT, CIMI, ICH e
IEDAR/UNIFESSPA, STTR de Canaã dos Carajás, Sindicato dos Urbanitários,
Observatório Socioambiental do Sudeste Paraense.
85
7. Seminário Preparatório de Belém: 09 a 11 de Abril de 2014
86
RELATÓRIO DE SISTEMATIZAÇÃO DO
SEMINÁRIO REGIONAL CARAJÁS 30 ANOS- BELÉM
COORDENAÇÃO:
Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural - NCADR/UFPA
Programa de Pós Graduação em Serviço Social - PPGSS/UFPA
Programa de Pós-Graduação em Agriculturas Amazônicas – PPGAA/UFPA
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia – PPGSA/UFPA
FASE – Solidariedade e Educação
Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST
Comissão Pastoral da Terra - CPT
Instituto Amazônia Solidária e Sustentável – IAMAS
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos - SDDH
Sodireitos – Direitos humanos em todo lugar
APOIO
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social – ABEPSS/Regional Norte
87
FOTOGRAFIAS
Mídia Ninja
Que trem é esse
Que chega buzinando em meu ouvido
dissimula toda forma de perigo
vem trazendo para a terra grandes males
que trem é esse
que chega buzinando em meu ouvido
dissimula toda forma de perigo
desse jeito, desse jeito assim não vale
O rio que estava aqui
Natural desse lugar
Perecendo hoje está
Suspirando a penar
A linha de ferro vem
Atravessou o meu quintal
Voraz gigante o ferro vai
Alimenta o capital
A noite e o dia vão
Nas beiradas desse trem
O sossego falta aqui
A bonança vai pra quem?
Não vale a pena acumular
Grande riqueza nesse trem
Se a vida sofre é bom lembrar
Gente sofrida vai além
Índios nativos quilombolas
Vilas, cidades pequiá
Atormentados em suas casas
Isso não vale, pausa lá
Agente junto pode mais
Pode enfrentar esse dragão
Anunciando um novo dia
Construindo em multirão.
Por Paulo Maciel, Imperatriz, maio de 2013.
88
Apresentação
O Programa Grande Carajás tem provocado grandes impactos sociais e ambientais, desde sua
criação até os dias de hoje. Transformou a realidade de vários municípios no Pará e no
Maranhão e tem mobilizado milhares de pessoas na resistência e contestação da sua lógica.
Uma ampla rede de movimentos sociais e comunitários, sindicatos e pastorais do Maranhão e
Pará, além de programas de pós-graduação e grupos de pesquisa de universidades desses dois
estados em colaboração com várias entidades de outras regiões do país e do mundo,
organizaram em 2014 o Seminário Internacional “Carajás 30 anos: resistências e
mobilizações frente a projetos de desenvolvimento na Amazônia Oriental”
O Seminário “Carajás 30 anos” foi um processo amplo, que teve seminários preparatórios em
Imperatriz (16 a 18 de outubro, 2013), Marabá (14,15 e 16 de março de 2014), Santa Inês
(21 e 22 de março de 2014) e Belém (5 a 8 de abril de 2014) e que culminou em um evento
internacional com duração de quatro dias, que foi realizado na Universidade Federal do
Maranhão, em São Luís, em maio de 2014. O evento contou com a participação de assessores
e especialistas no setor, bem como do testemunho de lideranças comunitárias e dos
movimentos socioambientais do Brasil, de outros países da América Latina e da África.
O objetivo do seminário foi avaliar criticamente os 30 anos do Programa Grande Carajás e, a
partir do tema central do „desenvolvimento‟, discutir suas consequências sociais, ambientais,
econômicas e culturais.
Esse relatório sistematiza as apresentações e os debates ocorridos nas mesas redondas do
Seminário Carajás 30 anos, no período de 09 e 11.04.2014. Todas as mesas foram realizadas
no auditório do Instituto de Ciências Jurídicas-ICJ-UFPA, em Belém-Pará.
89
Mesa 01: A Amazônia no contexto da acumulação do capital.
Convidados:
Prof. Dr. Aluísio Leal-UFPA
Sr. Ulisses Manaças-MST
Sr. Luis Fernando Heredia- Centro de Investigación y Promoción del Campesinado – CIPCA
Bolívia.
Moderador: Pof. Dr. William Santos de Assis-NCADR/UFPA,
Relatoria: Elen Pessôa-IAMAS
1- Exposição de Aluisio Leal – UFPA
No que toca a Amazônia brasileira, durante os séculos XVII e XIX, a sua realidade à época
não se caracterizava somente pela questão econômica, outras questões estavam relacionadas.
Durante esses séculos, a Amazônia brasileira tinha um vetor de entrada estratégico – os rios, e
através deles, iniciaram-se os primeiros processos de exploração e de formação de fronteiras,
as quais posteriormente ficaram determinadas como fronteiras da Amazônia brasileira.
De acordo com Aluísio, o primeiro contato da região ainda no período português se deu
quando a Amazônia começava a ser reclamada como espaço de contribuição direta para as
necessidades da acumulação, momento esse verificado quando da revolução industrial na
Europa. A partir do final do século XIX, surgiram as primeiras explorações cientificas com o
objetivo de alcançar com maior força os recursos naturais nela existentes. O expositor
considera que essa talvez tenha sido a fase das primeiras manifestações do capitalismo na
Amazônia, tornando-se o século de explorações científicas, e que todo o levantamento
realizado pelos pesquisadores à época, serviria para futuros projetos de ocupação econômica
através do sistema capitalista.
O século XIX se estabeleceu como contato concreto com os objetivos do capital. A entrada no
território, e as técnicas ainda insuficientes por conta da dificuldade de acesso à região devido
a sua geografia, dificultavam o acesso às margens de rios ou igarapés. A partir da atividade
de exploração da borracha como atividade extrativa, considerando que naquele período a
forma de exploração levava a uma baixa produtividade e não correspondia aos interesses e
90
expectativas da indústria que tinha como base de acumulação a exploração da borracha na
região.
Houve, como relatou Aluisio, um contrabando da semente da seringueira pelos ingleses, e
holandeses para a Ásia, estabelecendo grandes áreas plantadas, desarticulando a economia
amazônica baseada no extrativismo, deixando os Estados amazônicos em situação de crise e
endividamento, num período que vai desde 1910 até o começo da 2ª Guerra Mundial. Com
isso, entram no cenário os Estados Unidos os quais fazem com que o Brasil abandone o
acordo com a Alemanha e passem a atuar de acordo com os seus interesses.
Com o fim da 2ª Guerra Mundial, ocorreram divisões internas nos estados, a exemplo do
estado do Amazonas que foi dividido em 06 zonas minerais as quais foram entregues a grupos
econômicos norte-americanos, estabelecendo novas ocupações territoriais, e esses países
fizeram entre os anos de 1920, um mapeamento da região, até Roraima. Após a
industrialização tardia e a 2ª Guerra Mundial, tem-se uma modernização conservadora sobre
as forças produtivas sem alterar as relações de produção, mantendo intactas as relações de
poder.
A partir do período da ditadura militar que mantinha uma modernização conservadora, são
estabelecidas novas condições pelas quais iriam ser explorados os recursos naturais da região.
Durante a ditadura, a região passou a ser ligada com o centro-sul do país através das rodovias,
sendo criada a Belém-Brasília. As entradas por rodovias fortaleceram e intensificaram
atividades como pecuária, o que, por conseguinte provocou os desmatamentos, portanto tudo
mais uma vez sendo colocado aos interesses da acumulação do capital. As explorações
minerais se intensificam e diversos minérios passam a ser explorados como exemplo: bauxitaTrombetas, ferro-Carajás. Toda essa dinâmica se acompanha no processo incontrolado de
ocupação de território pelo grande capital. Aluisio chamou a atenção para o fato de que a
ditadura ocupa a região alegando que iriam combater as tentativas de entrega do país aos
interesses estrangeiros, porém a história mostra o contrário.
Após a ditadura militar, conforme relatou Aluísio, com os governos de direita, num estado
democrático que passou desde o governo Sarney até governo de Luis Inácio da Silva, a
Amazônia submete-se mais fortemente ao capital internacional, submetendo-se a condenação
de contribuir para o país continuar como primário exportador, produzindo minério de ferro, de
alumínio, manganês, energia, necessários para fabricar alumínio a um custo baixíssimo,
tornando-se, portanto, exportador de energia, minérios, soja e continuando a contribuir para o
aumento do desmatamento. Aluísio encerrou dizendo que não temos projeto nacional, e que
isso só ocorrerá quando resolvermos mudar as relações de produção e que as mudanças
apenas nas forças produtivas não são suficientes para modificar esse cenário.
2- Ulisses Manaças-MST
Manaças fez uma abordagem contextualizando historicamente o processo de ocupação da
Amazônia e relacionando as ações e atuações do Movimento dos Trabalhadores Sem TerraMST no Brasil e na Amazônia.
91
Fez observações sobre a falta de espaços para reflexões e debates coletivos, ressaltando que os
espaços têm se fechado para a participação da sociedade, o motivo dessa falta de espaços é
estabelecido pela lógica do capital. Para o expositor, a academia reflete essa lógica do capital,
e vários dos espaços passam a ser privatizados. Porém, fez um adendo para o Seminário
Carajás considerando como uma iniciativa interessante de dialogar com a sociedade e os
movimentos sociais, tratando-a como uma iniciativa positiva.
Ulisses, a partir de um resgate da história do MST, destacou que o MST-Pará iniciou esse
debate no ano de 1968. A partir de então, a intervenção do Movimento na Amazônia tomou
mais força a partir de 1990 e passou a compreender melhor a região e sua diversidade a partir
de 1998, o que permitiu ao Movimento pensar as estratégias de atuação na região.
Considerando os diferentes ciclos de desenvolvimento econômico pelos quais passou a
Amazônia, ciclos esses de exploração, deixaram para a região uma espécie de “sangria” da
exploração dos seus recursos e que a geografia da região se desenha a partir dos interesses do
grande capital. Ulisses avaliou que a economia brasileira passa por um processo de
reprimalização, em que volta a depender da exploração de recursos primários, e essa
reprimalização surgiu a partir dos anos 90 com o neoliberalismo, que define o capital em
escala global e provoca um processo de regressão econômica, onde o país volta a ser
dependente. Ressaltou ainda que o país investe muito pouco em tecnologias, mantendo um
aumento em exploração de recursos primários, como consequência, fortalece outros mercados
entre eles o agronegócio. Logo, esse grande capital recebe a Amazônia como uma região com
grande estoque de recursos naturais.
Sua leitura é de que o país vive em um período histórico de fragmentação do território, em
que o capital define geograficamente qual região vai abastecer o mercado em determinados
produtos, estabelecendo uma lógica que disputa o controle desses territórios, subordinando o
poder político, econômico, fragmentando os territórios.
Citou o exemplo da iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-AmericanaIIRSA que surge como uma das principais políticas dos países americanos para integração da
região, cujo problema central dessa integração parte única e exclusivamente da motivação
econômica, não se debatendo por exemplo o fortalecimento das relações culturais dos países
sul-americanos. Esse processo não permite se discutir as iniciativas progressivas dos países,
citando Bolívia, Equador, Peru e outros. Para o MST isso não basta.
Para Ulisses, subordinar populações camponesas, indígenas, quilombolas, pescadores ao
projeto do grande capital, é uma afronta, e deve ser combatido, e essa lógica da integração não
é uma iniciativa de governos populares. Avalia esse processo conectado apenas à lógica da
globalização, negando um caráter de integração; entende como subordinação do território a
lógica do capitalismo central; esse é o grande debate. Chamou a atenção para a lógica do
capital que se utiliza de elementos como a urbanização, as hidrelétricas como componentes da
civilização, e indagou: e os povos que vivem há milênios nessa terras, alguém os questionou
sobre o que é desenvolvimento? Esse tipo de questionamento não acontece devido a lógica
desses povos serem contrárias à lógica do capital, são tidas como atrasadas.
Ressaltou um ponto negativo, avalia que os movimentos têm sido derrotados, devido não
haver mobilização em massa da sociedade brasileira para se contrapor à lógica do capital. A
Amazônia tem sido desenhada para poder fazer essa disputa dentro desse projeto de
dominação do capital. Desta forma, citando o caso da mineração, essa surge como o carro
chefe do processo de fortalecimento do capitalismo na Amazônica, que inclusive são
acompanhados de projetos como os das hidrelétricas, portanto, são projetos que destroem um
92
conjunto de direitos na Amazônia. Os indicadores sociais de destruição de direitos na região
são muito elevados. Os trabalhadores não têm acesso a políticas, sofrem de violência, e
passam por um processo de regressão de direitos, e essa violação de direitos, colabora para o
aumento dos indicadores de violência. Citou exemplos de cidades como Parauapebas e Canaã
dos Carajás, que se encontram com indicadores de violência altos, além de falta de políticas
públicas para essas cidades. Citou também os problemas de violência identificados nas
cidades da região do Xingu em decorrência do projeto hidrelétrico de Belo Monte.
Ao final de sua exposição, Ulisses destacou alguns desafios que o MST tem debatido, são
eles:
a)- Para lutar contra o capital, é preciso fazer disputa ideológica diante disso.
b)- Construir e fortalecer as identidades da Amazônia, pois é uma região diversa, com várias
identidades. Essa diversidade deve ser respeitada e não pode ser entendida como algo
prejudicial, bem como, não pode ser considerada como região e povos atrasados. O
Movimento não concorda com o marco de desenvolvimento em que o capital apresenta como
salvação para o problema.
c)- Realizar o intercâmbio das experiências organizativas, formas de lutas e resistências contra
o capital. As periferias urbanas precisam resistir. É preciso lutar por direitos. Essas lutas não
podem ser isoladas, precisam ser conectadas e fazer surgir uma frente contra o capital.
d)- É papel tanto do MST como da academia, debater o desenvolvimento na Amazônia, junto
às comunidades, e outros movimentos. Debater a democratização da técnica, da ciência.
e)- Construir projetos políticos comuns para unificar essas grandes lutas contra os inimigos
centrais, permitindo que as pessoas se organizem e ampliem sua participação.
Encerrou sua exposição orientando que todas as lutas se tornem lutas contra o
desenvolvimento econômico atual, contra o capital. Essa é a grande tarefa dos movimentos
sociais.
3- Luis Fernando Heredia - Centro de Investigación y Promoción del CampesinatoCIPCA Bolívia.
Fernando iniciou sua apresentação relatando sobre a CIPCA, organização que coordena um
fórum andino amazônico, empenhado em fortalecer espaços democráticos juntamente com a
academia e movimentos sociais para debater. Isso é um avanço importante para confrontar as
ideias e propiciar formação de propostas aos problemas. Apresentou alguns elementos sobre a
Amazônia, além de compartilhar uma alternativa que os movimentos indígenas da Bolívia
vêm encontrando para o enfrentamento do capital – o Bem Viver.
Sua apresentação se fez através de slides cujo tema foi: “A Amazônia no Contexto da
Globalização. O extrativismo e o Bem Viver”. Relatou sobre a diversidade da região, sua
posição nas ações de estratégica geopolítica, considerando sua riqueza mineral, silvícola,
agroindustrial e hídrica. Para Fernado Heredia, a Amazônia passa por relações de tensão com
subvenção econômica, cultural, política e precisa encontrar alternativas para solucionar
problemas como pobreza, diferenças socioculturais, ações contrárias ao modelo do capital
internacional.
93
Tratou sobre o extrativismo na Pan-Amazônia, no que pese a pressão por satisfazer a
demanda, o que impõe à região o papel tradicional de provedor de matéria prima e com ele o
financiamento de modelos produtivos extrativistas que não são uma alternativa real para
superar os níveis de extrema pobreza e a iniquidade social existentes. O modelo de
desenvolvimento atual estimula e proporciona o financiamento do capital internacional,
havendo a presença de atividades minerais, turísticas, de biocombustível, o incremento e
intercâmbio com o mercado asiático, o que estabelece um grau de dependência dos países
com o capital internacional. Citou o problema de desmatamento de mais de 240.000 km² de
mata que atinge toda a Pan-Amazônia, a construção de estradas que atravessam áreas
protegidas e territórios indígenas, além da construção de inúmeras hidrelétricas em territórios
indígenas e outros espaços.
Na avaliação de Fernando, se esse processo de exploração e ocupação continuar nessa
velocidade, futuramente parte da Amazônia desaparecerá, e a forma como as políticas
públicas implementadas são semelhantes nos países amazônicos. Informou que as áreas
afetadas da Bolívia pelos grandes projetos são bastante significativas, há um aumento da
fronteira agrícola para promoção de modelos agroexportadores, onde a soja nos últimos 20
anos teve sua produção aumentada de 200 mil ha para 1,1 milhões de ha nesse cultivo. Tratase de um modelo de desenvolvimento que não considera a vida como elemento de
importância.
Em sua apresentação, ao descrever sobre a situação da Bolívia, destacou que aquele Estado
desde 2007 até 2014 vem expandindo a fronteira de hidrocarboneto, são projetos que afetarão
11 áreas protegidas, atrelado a isso, o governo boliviano para alcançar as metas da Agenda
2025 (bicentenário) pretende expandir a fronteira agrícola com uma área de 3,8 a 13 milhões
de hectares, ou seja, mais de 200%. Avalia que é necessária uma articulação internacional
para verificar os efeitos dos grandes projetos hidrelétricos na vida da Amazônia e de suas
populações. O agronegócio promove desmatamentos com consequências diretas sobre os
modos de vida das famílias rurais, e nos territórios indígenas. Essas populações afetadas têm a
terra como um elemento sagrado, e reproduzem seus modos de vida com todos seus recursos
naturais, além de lutarem pelo reconhecimento de seus direitos sobre suas terras.
O expositor citou os problemas de criminalização social por que passam as populações
tradicionais tanto na Bolívia como no Brasil, com suas lideranças sendo perseguidas e
assassinadas em decorrência de problemas relacionados à terra. Os povos indígenas acreditam
na Amazônia como região fortemente importante seja no campo alimentar, cultural,
econômico e suas lutas precisam ser reconhecidas, precisam ter seus direitos reconhecidos.
Hoje propomos reafirmar a esperança na Região, podemos debater com base na pergunta: é
viável a implementação de novos paradigmas de novos desenvolvimentos na Amazônia?
Os povos indígenas seja na Bolívia, seja no Equador, estão construindo um modelo
alternativo, o Bem Viver. O Bem Viver se constitui em um tema que vem se implementando
em espaços de debate. Tanto no Equador como na Bolívia esse modo de vida está
estabelecido na sua constituição, estabelecido como um novo padrão de desenvolvimento e
um principio ético moral.
O Bem Viver, se assenta em sistema de valores éticos e humanos e tem a mãe terra e os
territórios como os provedores de recursos; a natureza enquanto construção social deve ser
interpretada como processo integrador entre os povos. Se constitui em um novo paradigma
civilizatório, e constrói um processo de transformação social, de justiça ambiental, um novo
94
modo de vida, uma oportunidade para enfrentar a crise civilizatória que compromete o futuro
da vida. Está ancorado em uma base filosófica que sustenta o respeito e o equilibrio na relação
entre as pessoas, relacionando-as com a natureza. O Bem Viver possui o fator sociológico que
explica a dimensão religiosa e espiritual na relação homem e natureza.
Fernado concluiu sua apresentação, descrevendo que: o Bem Viver surge como um paradigma
de vida que surge desde a epistemología a praxis de vida dos povos indígenas, e se constitui
em uma oportunidade e alternativa para superar a crise civilizatória do modelo de
desenvolvimento atual que compromete a humanidade e o futuro de uma das fontes de vida
da sociedade - ou seja, a Amazônia.
4- Principais destaques durante e ao final do debate:
No momento do debate foram abertas as inscrições para as perguntas, as quais eram
apresentadas ao coordenador da mesa na forma de perguntas escritas. Várias foram as
perguntas direcionadas aos expositores tais como:
- Como inverter o ciclo de exploração na Amazônia?
- A teoria do desenvolvimento sustentável, ou pós-desenvolvimento ganha espaço no Brasil
no eixo central em algumas universidades. Porém na Amazônia não temos nenhum incentivo
das universidades para pesquisa sobre o decrescimento. A única forma de combater a falácia
do desenvolvimento seja ele, sustentável, social, humano, todos utilizados pelo capitalismo
para enganar a sociedade. Por que nas nossas universidades têm tanta dificuldade de ingressar
nesse debate?
- Poderia se falar em neocolonialismo na Amazônia?
- Explicar melhor o Bem Viver, e quais as contradições entre a constituição boliviana baseada
no Bem Viver e as iniciativas do governo Evo Morales.
- Existe algum interesse em utilizar a mídia como ferramenta de mobilização contra a
exploração da Amazônia?
- Por que a disciplina Educação Moral e Cívica não faz mais parte da grade curricular nas
escolas, isso seria um modo de manipulação ideológica?
- Vemos que historicamente as ações diretas se mostraram como ferramentas efetivas para
fazer valer direitos. O MST vislumbra ações diretas como ocupações de órgãos públicos e
privados para combater o avanço de grandes capitais e fazer valer direitos. Como articular e
mobilizar outros setores neste sentido?
A fim de responder essas questões destacadas, bem como outras apresentadas, os expositores
fizeram as seguintes considerações:
- Posicionamento de Ulisses Manaças: O expositor não teria uma fórmula ou método para se
debater política com uma base teórica necessária para resgate de política. Falou sobre as
95
experiências que o MST adquiriu e atuou a partir de seu método de educação. Avalia a
política como elemento nobre que constrói o ser humano. Acredita que é preciso incentivar a
participação política das pessoas, considerando fundamental discutir Filosofia, Sociologia,
com noções básicas de participação política das pessoas. No Brasil não existe nada que
incentive a participação política de forma autônoma e independente por parte dos seres
humanos, o que se vê é a cultura da politicagem, a política deformada. E o problema é que
isso não é aleatório, é uma orientação dos setores dominantes.
- Posicionamento de Sr. Fernando: Fez uma relação entre o Bem Viver e o governo Evo
Morales, respondendo que o Bem Viver está como um conceito teórico em construção, e pode
concluir que Bem Viver é explicado em três elementos:
1- Tem a ver com uma reivindicação de direitos à felicidade das pessoas, uma felicidade
que se explica não única e exclusivamente em satisfazer as necessidades materiais,
mas, sobretudo a partir da satisfação das necessidades sócio-espirituais.
2- Essas necessidades se referem a satisfazer a necessidade que tem a pessoa para
desenvolver sua condição e sua qualidade de ser humano. Essa satisfação não é
alcançada unicamente quando a pessoa satisfaz essa necessidade sócio-espiritual como
pessoa unicamente, mas se alcança em outra dimensão, a dimensão coletiva. Essa
felicidade tem uma referência quando o coletivo, a comunidade alcança esse mesmo
grau de felicidade.
3- O equilíbrio e a harmonia devem desenvolver a pessoa com a natureza. O Bem Viver
pensa em uma relação de sujeito a sujeito, e o respeito ao direito da natureza, portanto
uma felicidade pessoal, coletiva, numa relação de equilíbrio sujeito a sujeito, homem
com a natureza, ou seja, uma relação contrária à relação do capital.
Concluiu comparando o Bem Viver como forma de felicidade, como um paradigma que no
fundo ultrapassa a lógica que sustenta o sistema capitalista, ultrapassa a dimensão humana,
coletiva e ambiental. Orienta que o ser humano se reconstrua primeiro a um cenário comum e
ambiental. Acredita que estão em caminho ao seu fortalecimento como um paradigma que se
constitui em uma alternativa à crise do sistema capitalista.
Para Fernando, uma coisa é a ideia, o paradigma e os conceitos escritos em uma lei, outra é a
aplicação das leis. E que se desenvolvam em outras agendas, e no caso boliviano apostam
nesse processo revolucionário que vive a Bolívia mesmo com grandes contradições, como o
caso dos TIPNIS-movimento indígena cujo território vem sofrendo com a ameaça de invasão
para construção de estradas. Esse é um exemplo de contradição no Estado. Logo, o desafio
aos movimentos sociais é de estar vigilante e ativo e articulado para defender seus direitos e
colocá-los em prática.
Novamente Ulisses Manaças:
- As disciplinas OSPB e Educação Moral e Cívica foram criadas pela ditadura militar para
ensinar os valores patrióticos, a civilidade da nação, uma lógica positivista construída no
cenário brasileiro. O caso da disciplina OSPB foi uma matéria que tinha espaço para
politização, sendo retirada dos currículos escolares após a ditadura.
96
Chamou a atenção para os espaços onde ocorrem os debates sobre política, eles não se dão na
educação básica e nível médio, e quando acontecem são em alguns cursos muito restritos da
academia, como Antropologia, Sociologia, Filosofia por exemplo.
Em relação à ação organizada da massa, informou que o MST tem construído esses processos.
Lembrou que o MST nasceu de uma necessidade vital da sociedade brasileira, de um setor de
massas sobrantes na sociedade brasileira, a exemplo do problema agrário no Brasil que criou
uma massa de deserdados que não tinham acesso e direitos à terra, surgindo a necessidade de
se criar as ações espontâneas do campesinato para disputar a terra, o território, como forma de
reprodução da sua própria existência. O MST atua com ações diretas, mas necessitam de
mobilização da sociedade brasileira, pois acredita que os movimentos sociais só ganham força
se fizerem ações diretas, fugindo da influência do Estado.
- Exposição do Prof. Aluísio Leal:
Aluísio lembrou sua participação junto à CPT contra o projeto da ALCOA em Juruti-PA.
Destacou a ação e os acordos que enfraqueceram o movimento de resistência naquele
município, citando a 1ª audiência pública ocorrida, e fez um paralelo com a contra reforma
capitalista. Para Aluísio, quanto mais desenvolvidas as forças produtivas, maior é a
velocidade que elas imprimem às transformações históricas.
A sociedade capitalista convive com as contradições a partir de seu nascimento. Há uma
tentativa de negação da divisão da sociedade em classes, tendo a constituição das minorias
assumindo um conceito que afasta a percepção da sociedade dividida em classes. A
construção do conceito de desenvolvimento pelos países desenvolvidos, faz com que os países
subdesenvolvidos ou em desenvolvimento passem a explorar seus recursos naturais e acreditar
que poderão tornar-se desenvolvidos, o que segundo Aluísio, não ocorre.
Apresentou elementos conceituais do meio ambiente e o conceito de desenvolvimento
sustentável, formatado para permitir que os países subdesenvolvidos tenham que se submeter
aos países desenvolvidos. Citou ainda a criação da terminologia de cidadania universal
fazendo um recorte para organizações não governamentais-ONGs. Além do conceito de
desenvolvimento sustentável e meio ambiente, um outro elemento - os direitos humanos,
completa o resumo como tripé das minorias. As instituições se adaptam a essa lógica,
inclusive a adaptação da justiça.
Se reportou novamente a audiência pública de Juruti citando Comissão Mundial de Barragens
do Banco Mundial cujas propostas aparentam pacificidade porém há outros interesses por trás,
essas audiências públicas vem com o discurso de conceder um espaço de manifestação da
população sobre os projetos a serem instalados. Citou além das audiências os Termos de
Ajustes de Conduta-TACs, o que o faz observar a estrutura funcional das instituições, que
funcionam como espaços de reprodução dos interesses do capital.
Para Aluisio, é preciso renegar essa lógica capitalista. O expositor não acredita no
desenvolvimento sustentável, o considera como uma verdade instalada em todos os espaços a
97
respeito da preservação da natureza, é um avanço econômico que se reflete a um atraso social.
Finalizou suas considerações com a citação de Lev Davidovch Bronstein:
“Os países atrasados assimilam as conquistas materiais e ideológicas dos países
desenvolvidos, sem que tenham a necessidade de cumprir as etapas necessárias a esse
processo e pelas quais já passaram aqueles países. Na contingência do reboque a que é
atrelado, o país atrasado é obrigado a passar por cima delas. No entanto, a capacidade
dessa superação não absoluta é limitada pelas condições econômicas e culturais do país
atrasado, que frequentemente rebaixa os avanços que tomam por empréstimo, transformando
esse processo todo num panorama geral extremamente confuso e contraditório. A
desigualdade de ritmo que é a lei essencial dos processos históricos se reflete com muito mais
propriedade no destino dos países atrasados, que por força da sua condição, são obrigados a
avançar aos saltos. Decorre dessa desigualdade universal, uma lei chamada lei do
desenvolvimento combinado, que subentende a aproximação das etapas diversas, a
combinação das fases diferenciadas e a amalgama do que há de mais moderno com o que há
de mais arcaico. Sem ela, tomada no seu sentido material, seria impossível compreender a
razão da inserção de todos os países chamados a se integrarem ao processo histórico do
desenvolvimento capitalista, em todos os seus níveis. E é ela também que permite, por
exemplo, que se compreenda a razão da adaptação das mais desenvolvidas conquistas da
técnica as atrasadas indústrias nacionais dos países retardatários, do que esticarça a veia
equivoca dos falsos intelectuais que correm viçorosos a enxergar o progresso, onde na
realidade predomina o atraso.”
Em seguida houve a apresentação do Grupo de teatro de Santa Inês, com a Peça: “Buraco: um
panfleto profundo”, sob a direção de Chico Cruz.
98
Mesa redonda 2: “Ação do Estado na gestão territorial”
Convidados:
Profª. Célia Congilio (UNIFESSPA)
Sr. Guilherme Carvalho (FASE)
Moderador: Edenilson Monteiro – MST
Relatoria: Sônia Magalhães
Professora Célia Congilio:
O Estado é uma coisa abstrata, que precisa uma definição. Qual a materialidade do Estado?
Qual é a definição?
1ª concepção:
A ideologia nos faz acreditar que tem como função garantir a ordem social, de frear tudo o
que possa atrapalhar o progresso, de garantir o bem comum. Logo, se opõe à greve e
paralisação, pois são desordens. Está acima de todos, inclusive das classes.
2ª concepção:
Devemos partir de 4 considerações:
1- A riqueza é socialmente produzida pelos trabalhadores;
2- A apropriação e concentração de riquezas nas mãos de poucos – cerca de 6 à 10 %
detêm 80% de toda riqueza do mundo;
3- Os ricos tiram dos que trabalham o controle dos meios produtivos. O Estado legaliza a
apropriação;
4- Somos constituìdos pela desigualdade fundante do capitalismo
a. Classe dominante – define o que, como, para que produzir.
b. Classe dominada – produz, mas não define para que, para
quem.
Essa definição vê o Estado como uma instituição que organiza os interesses particulares da
classe dominante para que a classe dominada continue a produzir riqueza.
O Estado defende a produção
99
- O que é Carajás? Como tem sido ... e destruído tudo ao seu redor? VALE. As origens dos
grandes empreendimentos da VALE são:
- expropriação e violência da ditadura militar até os dias de hoje
- concluídas por o Estado+oligarquias locais+empresários nacionais e internacionais
- violência – assassinatos 2010 – 2011 aumento de 20%; integração de posse, desafetação,
processos que têm sido pactuados com o INCRA.
O Estado concede a infraestrutura para as empresas - A Vale, as mineradoras, as siderúrgicas
– incentivos fiscais, infraestrutura e marcos regulatórios.
A exportação é vista como modernização.
O governo investe 35 bilhões em agronegócio e apenas 7 bi na agricultura familiar e 1 bi para
a reforma agrária.
 As ações do Estado seguem 3 Eixos.
1. Com incentivos fiscais, créditos financeiros e construção de infraestruturas. Recursos
financeiros para o lugar de exportação de commodities (if + créditos). Na divisão
internacional do trabalho
2. Na difusão do arcabouço ideológico para justificar as polìticas de desenvolvimento
como algo bom para todos. A ideia é ajustar a economia nacional às necessidades do
mercado mundial, do progresso, do desenvolvimento e da modernidade.
3. Prática desrespeitosa institucionalizada e banalizadora da violência, da criminalidade e
da morte, a morte da noção de “humanidade”, aço, trabalho escravo, carvoaria,
precarização. Os Estados nacionais garantem o desenvolvimento do capitalismo. O
objetivo é garantir o desenvolvimento do capitalismo mundial. Os Estados capitalistas
avançados ditam as regras de desenvolvimento para os Estados capitalistas
dependentes.
4. Processo de "morte". Os problemas comuns aos municìpios onde passa o trem da
morte. Tem-se: urbanização descontrolada; extermìnio de jovens; reforma agrária
inacabada; extermìnio de jovens; reformas agrárias inacabadas; assassinatos no
campo; desterritorialização de camponeses, das comunidades indìgenas e ribeirinhas;
proletarização com violações totais dos direitos trabalhistas.
Questões teóricas:
1. Como pensar as polìticas recentes do Estado? – para o desenvolvimento do capital –
recuperar a sociedade de classes. Fenômeno das polìticas do Estado na recuperação do
pensar a sociedade como um bem comum.
2. Desdobramentos nas relações sociais ou produção – Questões da sociologia do
trabalho exemplo: trabalho escravo, precarização, promessas... o que elas significam.
100
3. Condições e dinâmicas da luta de classes – criminalização e articulação do Estado com
os movimentos sociais.
Para perguntar-nos:
Quem é a base do governo federal, e municípios em geral? Quais são as alianças?
Base ruralista.
Defensores do grande capital de forma generalizada (com redução dos movimentos
sociais e ampla repressão). Base extremamente conservadora.
Temos pouca participação dos trabalhadores na gestão do território ou mesmo da
união. O espaço para os movimentos sociais é muito reduzido.
Desafios:
1. No plano das lutas imediatas, atividades como estas, que envolvam universidades,
governos, entidades, movimentos sociais, sindicatos e populações locais em
perspectivas mais abertas e efetivas de estudos e ações referentes ao processo de
tomada de decisões relativas ao meio ambiente, ao desenvolvimento, polìticas públicas
de cunho universal (escolas de qualidade, saúde), polìticas públicas excludentes (bolsa
famìlia); buscar mais espaços para reivindicar pelo menos um melhor acesso às
riquezas que os trabalhadores produzem.
2. No campo da luta de classes, deve ter como perspectiva a criação de novos marcos
civilizatórios. Esse progresso que traz morte não é civilização. Não é essa a sociedade
que nós queremos. Socialismo ou barbárie?
Guilherme Carvalho – FASE
A minha reflexão a partir de 3 lugares:
1 - Na academia fiz um trabalho acerca das hidrelétricas do rio Madeira, analisando como as
hidrelétricas pervertem o tempo dos indígenas.
2 - Faz parte da FASE.
3 - Rede Brasil sobre instituições financeiras multilaterais.
Dialogar com as questões que foram levantadas na mesa de ontem. Divergências que tem com
o professor Aluísio Leal. A fala dele simplifica o que está acontecendo atualmente em nossa
região. Não nos ajuda a traçar uma estratégia adequada de enfrentamento a essas questões.
Em primeiro lugar, se pegarmos o mapa da Panamazônia, a delimitação do que é a
Panamazônia. A Amazônia, em todos os países, é periferia; não há nenhuma capital de
qualquer estado nacional que fique na Amazônia. E em todos esses países, como no Brasil, a
Amazônia é um espaço de atendimento de interesses de poderosos de fora da região. As
“Amazônias” estão a serviço de interesses hegemônicos em cada um dos países. Ao mesmo
101
tempo há um interessa em conectar as Amazônias ao fluxo global de mercadorias, etc. Esse
fato de identificar que as Amazônias são periferia em todos os países, isso nos dá elementos
históricos para compreender determinados processos atuais. Nesse resgate histórico, o Aluísio
Leal foi muito feliz.
Em segundo lugar, um dos elementos centrais para entender as dinâmicas sociais em nossa
região, é a disputa territorial. A Panamazônia passa por um profundo processo de disputa
territorial por grupos que controlam os Estados nacionais, articulados a uma série de outros
atores sociais (ONGs, movimentos, bancos, empresas...), um conjunto de setores que
conformam uma aliança em torno da disputa territorial pra abocanhar uma parcela
significativa da Panamazônia. Por outro lado, você tem um conjunto de outros atores sociais,
que historicamente têm uma relação diferenciada com a natureza, não estão submetidos à
ordem social hegemônica, por conta disso, se contrapõem de uma maneira radical a esse
processo de apropriação territorial que vem se dando na nossa região.
Então, a disputa territorial é um elemento central pra gente entender o que hoje acontece na
nossa região.
E, em terceiro lugar, por conta disso, o conflito está disseminado, ou seja, na Panamazônia
não existe um pedaço de terra que não seja alvo de conflito. A leitura do arco do
desmatamento na Transamazônica foi superada – o conflito é espalhado, embora não apareça
com a mesma força em todos os lugares.
Uma conjugação de forças políticas e econômicas que controlam os estados nacionais: O
professor Alfredo Wagner trabalha com a ideia da agro estratégia (é para além do
agronegócio: é um conjunto de estratégias que articulam diversos atores sociais em torno da
apropriação territorial) – agronegócio, mineração, setor energético, madeireira, etc. No Brasil,
todos esses setores trabalham de forma articulada.
O papel do governo federal nesse processo: Diferentemente do passado, onde uma parcela da
esquerda sempre esteve a reboque de projetos das classes dominantes, hoje essa parcela que
está no comando do Estado nacional, ela se constitui de um grupo que faz parte
organicamente dos setores que hegemonizam o estado, que hegemonizam.
Quem financia esses projetos? Os fundos de pensão, os trabalhadores.
As representações sindicais não ocupam o conselho do BNDES. Não se colocam a favor das
populações indígenas e dos camponeses...
Questões: o crescimento econômico é a utopia desta esquerda. Nas eleições próximas a
questão é quem vai melhor promover o crescimento econômico do país?
-A lógica é o crescimento econômico do país. Tem um debate político para saber qual partido
vai levar mais crescimento econômico no país.
Armas que a agroestratégia utiliza:
1 Judicialização dos conflitos;
102
2 – Criminalização dos movimentos sociais;
3 – A desconstrução da democracia – esvaziamento dos conselhos setoriais; a força nacional é
a força privada da Norte Energia.
-Esses setores tentam controlar as lutas sociais, as resistências. Criminalização dos
movimentos sociais que recebem processos para não desenvolver a luta, impedir as críticas ao
governo. É uma desconstrução da democracia, das instituições democráticas. Vigilância
permanente do Estado com a Força Nacional como guarda privada da Norte Energia para
suprimir os direitos de reunião. Aparato repressivo para reprimir as resistências.
4 - Flexibilização das legislações ambientais – toda desconstruída. Enfraquecimento do
IBAMA.
5 - Financeirização da natureza: a discussão da COP 19 – todas as representações da
sociedade civil saíram da reunião. A COP 20 será neste fim do ano no Peru. Elementos
intangíveis – ganham preço. (K. Polany) Ex.: bolsa verde (ganhar dinheiro com a
“preservação da natureza”). Os monocultivos não têm licença ambiental. dá-se preço a todos
os elementos da natureza. As grandes corporações têm um controle sobre as negociações
internacionais sobre o preço do carbono, da madeira... Transformação dos elementos
intangíveis da natureza em mercadorias.
-Papel do Estado Brasileiro na construção das multinacionais brasileiras (Petrobras).
Política do Estado de construir as multinacionais brasileiras. Mais de 200 empresas nas
economias dos países vizinhos. O BNDES constitui essas empresas: emprestam dinheiro para
os governos, aumentando a dívida externa desses países, que contratam as empresas e os
serviços brasileiros. Conjunto de empresários brasileiros que controlam a economia dos países
vizinhos: Bolívia, Chile, Peru, Argentina. O Estado brasileiro tem um papel na apropriação do
território dos países vizinhos.
Mas, na disputa entre os capitais: 1) China; 2) EEUU; 3) Brasil.
A China controla boa parte do comércio com a Panamazônia; Noruega no alumínio.
Pontos de divergência com Aluísio.
- Divergências com as análises da primeira mesa. O prof. Aluísio analisa com base na
ortodoxia marxista fundada na luta de classes. Mas, hoje, na Panamazônia, os críticos são os
indígenas, os quilombolas, extrativistas. Eles estão questionando o modelo civilizatório. São
índios, ribeirinhos, outros setores que a nova cartografia tem mapeado em toda a Amazônia. A
civilização indígena não pode ser vista com uma leitura Marxista das classes sociais. Eles não
são operários, são índios, ribeirinhos, camponeses, comunidades Quilombolas. A realidade
desmente a teoria Marxista da luta de classes. Aqui a questão relevante é a questão da Terra,
da natureza, a questão ambiental.
O que se observa hoje é que os principais inimigos deste bloco de poder são os indígenas,
ribeirinhos, quilombolas.
103
Dizer que a questão ambiental não é relevante... quando há financeirização da natureza, etc.
isto é um absurdo, e não nos ajuda a entender as dinâmicas na Amazônia.
Perguntas:
- Quais as perspectivas para a Amazônia?
- sobre o conflito entre luta de classe e luta social – na fala da Bolívia (Ulisses, Mesa 01) –
qual é o projeto? O protagonismo está nos ìndios e ribeirinhos; ONG‟s, não está nos escritos
de Marx.
- Povos indígenas – não conseguiu mobilizar os indìgenas e os movimentos sociais. “Como
descentralizar?”. Quais seriam as experiências significativas de agrupar os indígenas?
- Qual é a estratégia mais eficaz para resistir e garantir o controle de seu território?
- Se os trabalhadores não têm questionado, como explicar a mobilização dos trabalhadores nas
barragens, por exemplo?
- Que estratégia para assimilarmos/ juntar o conhecimento político dessas populações?
- A Conlutas pensa que o protagonismo não é só do operário?
OBS.: A questão é como interpretar o significado destas lutas, cujo protagonismo não é do
operariado, para a transformação da sociedade?
Respostas:
Profa. Célia
Marx escreveu no século XIX. Hoje, nos referimos ao enfrentamento do capital, com todas
especificidades.
São lutas de acumulação de forças, na proposição de uma nova civilização. Do ponto de vista
teórico, não há distância entre luta de classes e movimentos sociais.
Em Marabá, o que temos assistido é uma proletarização, inclusive dos indígenas.
Desafios a médio e longo prazo – Movimento Nacional dos Atingidos pela Mineração – ou
seja, unificar as lutas. Bandeiras gerais que unam nossas lutas.
- a academia: a teoria só tem sentido se for capaz de explicar a realidade.
- não são lutas menores, são momentos de acumulação de forças.
(Guilherme)
Agamben – o que é ser contemporâneo? Aquele que não vive totalmente o seu tempo. Perde a
perspectiva de futuro. Nós precisamos de utopias. Le Goff – nós nos prendemos no agora.
Podemos nos projetar para vários lugares. No geral, as ciências naturais não são exatas. Ilya
Prigogine – a história é um livro aberto e o capitalismo tenta mostrar que não há alternativa.
104
A luta social é a materialização da luta de classe. Braudel – 1) o capitalismo fez uma ruptura
com o passado: a ideia de progresso e, posteriormente, desenvolvimento. 2) O papel da
ciência para consolidar estes instrumentos de dominação. 3) A separação homem-natureza.
Perspectivas para a Amazônia
Qual é o papel social da ciência ou da academia?
Hoje, luta-se pela aplicação da Convenção 169. E o governo quer regulamentar para ter o
controle. No entanto, na Colômbia, é onde mais se avança com a Convenção 169. Como
explicar que governos progressistas e/ou de esquerda não o façam?
Desafios, para Guilherme:
Academia:
1 - romper com as amarras das disciplinas – ver Boaventura, Morin. Romper e construir
novos paradigmas. Aproximar as disciplinas. Trazer a incerteza, o acaso, para a ciência.
Diálogos entre as disciplinas.
Movimentos sociais:
1 – ação em rede. Ter pautas, ações, estratégias, inclusive com a academia.
2 – ação multiescalar – do local ao internacional para resistência.
3 – comunicação com a sociedade – isto também vale para a Academia.
MESA REDONDA 3: Trabalho, Migração e Movimentos Sociais
Convidados:
Sr. Jonatas Andrade – Juiz do Trabalho de Marabá
Profa. Sônia Magalhães – UFPa - NCADR
Sr. Antônio Francisco de Jesus Lopes (Zé Gotinha) – Sindicato da Construção Civil
Moderador: Profa. Nádia Fialho
Relatoria: Marcel Hazeu
Resumo Geral
Os grandes projetos de mineração e infraestrura foram debatidos na sua insustentabilidade e
contradições. Argumentou que “desenvolvimento” não existe como concepção viável, pois
carrega por natureza a contradição do chamado “progresso” e o discurso que justifica o
avanço do capital sobre a Amazônia. A expropriação, exploração e violência que integram a
lógica dos grandes projetos aprofundam-se no seu contexto. O sofrimento social provocado
poderia se tornar intolerável, pois o intangível pode ser transformado em intolerável.
105
Mesmo dentro de uma concepção “conservadora, pois legalista” o enfrentamento dos grandes
projetos deve e pode ser travado. Fazer valer a Constituição, como mostram “pequenos”
exemplos, mas o que poucos operadores da Justiça fazem. Em geral eles se fazem ausentes,
inoperantes ou comprometidos.
As condições análogo ao escravo nas quais os trabalhadores recrutados e contratados para a
construção vivem, a repressão e perseguição com apoio direto do Estado (Força Nacional e
Rotam) dos trabalhadores e seus movimentos de luta, são um lado cruel dos grandes projetos.
SONIA MAGALHÃES
Sonia Magalhães dividiu sua fala em três blocos:
No primeiro ela prestou uma homenagem ao Indio gavião Pajaré e reconstruiu a trajetória de
luta do seu povo Akrãnkykatejê, conhecido como Gavião da Montanha, que foram expulsos
do seu território devido à construção da barragem de Tucuruí, mas que nunca aceitaram este
deslocamento compulsório e sempre resistiram. No novo território onde vivem, perto de
Marabá, sofrem com a estrada de ferro de Carajás (e sua proposta duplicação) e com a ameaça
de perder o território por causa da construção da barragem de Marabá, prevista.
Na segunda parte ela elaborou uma crìtica aos grandes projetos, que provocam “expropriação,
exploração e violência”, na disputa pelo território e nas relações de trabalho na construção e
mineração, no contexto da acumulação do capital
Expropriação de populações nas diversas disputas de territórios; exploração e imobilização da
força do trabalho, precarização e superexploração; violência como violação dos direitos.
Na terceira parte ela apresentou um novo olhar sobre os impactos e a “intolerabilidade” dos
deslocamentos forçados. Na “Maratona dos megawatts”, inúmeras barragens estão sendo
planejadas, acompanhando o avanço da mineração e do agronegócio. Neste momento pelo
menos 30 novos povos indígenas estão sendo ameaçados pelas hidrelétricas previstas. A
construção das hidrelétricas, sob o discurso e promessa de progresso, provoca milhares de
deslocamentos forçados.
Os deslocamentos forçados têm imensos impactos, de um deslocamento físico e em sitio
(mesmo ficando mas com seu contexto transformado que não configura mais a realidade
original)
A Comigrar (Conferência nacional sobre Migrações) desenvolve um processo sobre as
migrações no Brasil, em princípio sobre todas as formas de migrações, mas não há um debate
referente as migrações forçadas, não existe. Se discute uma nova legislação na qual as
migrações internas não são consideradas.
O debate sobre as migrações internas se pauta em duas correntes de análise:
1. Banco Mundial: Migração forçada substituída por reassentamentos involuntários
2. Academia: Refugiados de desenvolvimento, situação social específica que demanda
que a sociedade proteja as pessoas que são obrigadas a se deslocar pelo
106
desenvolvimento ou catástrofes chamadas naturais. Em consonância com a dos
refugiados.
Nenhuma fala do sofrimento social provocado por estes processos, a condição coletiva que se
constrói como uma história de perdas, de lamento. Como se fosse igual e repetitivo. Não é
individual, é coletivamente e socialmente criado e percebido.
O sofrimento social se encontra na noção de tempo, em sociedades que tem outra
temporalidade (antes e depois de...) se instaura uma temporalidade fora de seu controle, sem
saber quando começa e quando termina. As regras no espaço público não permitem que este
sofrimento vem à tona, pois é banalizada no que pode ser contabilizada (pés de cacão, arroz)
O deslocamento é intolerável. Pressupõem descompasso epistemológico entre o intangível e
reparável, entre o tolerável e a justiça. O impacto ambiental e mitigação são incompatíveis,
não há ciência ou política para resolver. Só há abrir mão de direitos.
Como estratégia de enfrentamento, sugere pensar na perspectiva de que o intangível pode ser
transformado em intolerável. O que era aceitável (racismo p.e.) pode se tornar intolerável e
portanto inegociável. Os deslocamentos podem se tornar intoleráveis.
JUIZ JONATAS
O Juiz Jonatas disse que sua apresentação e atuação são “conservadoras”, nada
revolucionárias. Ele não procura derrubar a ordem estabelecida mas positivar o direito, a
legislação existente e seus instrumentos legais.
De ponto de vista jurídico, o que significa uma pressão da fronteira econômica sobre a
Amazônia, a agropecuária e mineração? Há uma ligação clara entre a forma mais precária da
situação humana, o trabalho escravo no campo e a mineração, produzindo carvão para a
mineração do programa Carajás.
O enfrentamento ao trabalho escravo tem ser feito no varejo, mas ainda isoladamente, pois há
um sistema de proteção ao trabalho e pelo outro lado o MPF pode atingir o outro ponto da
cadeia de produção, atingindo as empresas (“Carvão Legal”). Atualmente se vão atrás de
denúncia e no caminho encontram inúmeras situações onde não podem intervir por não ter
estrutura e condições, assim focando só nos casos denunciados.
Em relação ao poder e a situação da Vale relata que só teve na sua história duas greves e
pergunta o que ocorre que a Vale consegue em mais de 70 anos de existência conter a luta de
classes, a insatisfação?
Conta que a Justiça do trabalho lutou durante 3 anos pelo pagamento do itinerante dos
mineiros (tempo de ir e voltar de sua casa até o local de trabalho). Até então era considerado
de local de fácil acesso e com ônibus garantido. Sindicatos reconheciam a existência deste
transporte pública e abriram mão de ajuda transporte. Calculado esta renúncia somava 2000
107
reais por trabalhador. A justiça obrigava Vale a pagar. Foi uma luta desleal. Ameaças, perdas
de função.
E as outras lutas? E as condições de trabalho?
Na Vale há trabalho 24 horas, mas Vale consegue se livrar das lutas e reivindicações pela
terceirização do trabalho, e a ausência seletiva do Estado. A terceirização deixa a empresa
fora do foco do conflito, aguarda de braços cruzados sentenças que ajustam os direitos dos
trabalhadores, termos de ajustes. Não existe MPT, fiscalização, INSS, PF etc. numa área de
trabalho, migração e transformações tão intensas.
Os juízes moravam na Vila da Vale subsidiada pela Vale ou não moram na jurisdição, não
conhecem a realidade e não estão presentes. A grande maioria dos juízes mora em Belém,
mesmo a legislação obrigando residência na sua jurisdição. Nunca houve nenhuma
reivindicação para forçar juízes morar no lugar designado. Neste sentido, ele quer ver a
legislação comprida.
Em 2004 criou se Vara Itinerante para forçar os fazendeiros pagarem o que tinha sido
sentenciado.
Quando há indenização por danos morais coletivos esta normalmente é depositada no fundo
de amparo ao trabalhador e não volto para as pessoas que foram atingidas. A coletividade tem
que apresentar projetos (para justiça e promotoria) para que estes recursos sejam aplicados na
sociedade. É dinheiro nosso que não está sendo aplicado na região.
ANTÔNIO FRANCISCO DE JESUS LOPES (Zé Gotinha)
Antônio contou da sua visita como líder sindical a um canteiro de obras do Belo Monte,
durante uma greve em andamento. Ele ficou lá, no meio dos trabalhadores, cercado e
protegido por eles, por três dias e descreve o lugar como “inferno”.
Quando chegou em Altamira um companheiro já estava preso e ele foi estimulado a ir para se
encontrar com os trabalhadores. Para chegar tinha que passar por um cordão de policiais.
Ficou impressionado com os quartos com ar condicionado, refeitório lindo. Na hora foi
mobilizando os trabalhadores (6000 mil) e foi ouvi-los.
Tinha sede do sindicato dentro do canteiro, mas quem iria lá para denunciar era demitido.
Trabalhadores que moravam dentro do canteiro não recebiam o que os trabalhadores recebiam
que moravam fora do canteiro. Para voltar ao seu lugar de origem tinha que esperar 6 meses.
Ficavam 6 meses direto na obra, trabalhando de dia e trabalhando de noite, somente com um
dia de folga por semana. Quem é contratado para certa função é destinado a qualquer serviço,
sem respeitar a formação e a contratação. Os trabalhadores são levados enganados com
promessas sobre as condições e funções de trabalho.
Os trabalhadores ganham R$ 1100,00, e a empresa “esquece” liberar uma grande parte dos
trabalhadores para fazer sua visita à sua família. Na folga só pode ir com ônibus da empresa
108
que define horário de ir e voltar. Só há um prostíbulo lá perto. Não há nenhuma valorização
do trabalhador, nenhuma segurança para os trabalhadores.
É um “campo de concentração de trabalhadores”
O trabalho se configura como trabalho escravo, oficializado, com a presença do Estado, a
polícia e força nacional, lá dentro. A força nacional controla e reprime os trabalhadores,
invadindo e batendo, sem possibilidade de reclamar ou denunciar. É uma escravidão
legalizada com o Estado organizando a repressão.
A greve era para reivindicar baixada de 3 meses; reparação dos salários e trocar o sindicato,
mas a empresa não aparecia para negociar, a polícia chegava para intimidar e controlar. Ela
chegava à noite, cortava a luz e acendia um farol da polícia em cima de todos e fazem um
barulho de chegada da polícia. Os trabalhadores ameaçaram explodir tudo.
Não se passa a realidade que os trabalhadores estão vivendo e o que está acontecendo. Mesmo
com o Estado e sindicato presente!
Na última greve mataram 5 trabalhadores. Recentemente morreram 2 trabalhadores: 1 foi para
o mato e não voltou; 1 sofreu acidente, morreu e foi enterrado no local.
Quando as reivindicações e denúncias sobre as condições de trabalham caem na mão de um
juiz... os trabalhadores são vistos e tratados como criminosos. Por quê?
O caminho é unindo as forças e fazer grandes manifestações.
DEBATE
Reinaldo Maiseno: Associação vitimados do Carajás, que reconhece a ação do Juiz e que
apoiou a associação.
Para Zé Gotinha (“Oceano”) – atendeu quase 1000 pessoas intoxicadas e vitimizadas. Juízes
sem moral que se posicionam contra o trabalhador, que se baseiam em laudos manipulados
pela empresa.
Que forma a associação poderia ter acesso ao fundo para poder garantir laudos justos e
independentes?
Há 30 anos a mesma situação: trabalhadores mortos, mutilados e excluídos, desamparados.
Para os estudantes: vamos ver a dignidade humana, precisa de uma ação para a garantia dos
direitos dos trabalhadores.
Marcelo (Marabá):Em Marabá a filha (Katia) do Pararé foi para o seminário em Marabá.
Ficaram muito emocionados. Pararé queria mais que as pessoas continuassem esta luta. 30
anos de Carajás, com uma continuidade destes projetos, que mudou quase nada.Na aldeia Rio
Maria
está
sofrendo
um
novo
processo
de
desapropriação
devido
à duplicação da ferrovia e à construção da barragem. Grandes projetos trazem tanto os
impactos para as comunidades quanto a super exploração do trabalho Que estratégias
109
estudantes na universidade podem fazer para enfrentar esta dura realidade... Pensar como a
gente vai se organizar e como podemos nos mobilizar para resistir a este modelo.
Ricard (Caritas maranhão)
Entender esta relação do Estado com o complexo Belo Monte
O Estado se alia ao capital e alguns juízes críticos não trazem alegria, pois são alguns e não é
a regra o Estado assumir este papel. Estas exceções também sofrem repressões
Enfrentaram o Estado de Maranhão ouvindo a vitimização da população pelo judiciário.
Parece proibido criticar o judiciário.
Além de enfrentar o modelo econômico, é necessário se mobilizar para incidir sobre a
estrutura do Estado, ainda arcaico, autoritário.
Rodolfo (Caps, ufpa)
Pesquisa trabalhadores com problemas psicológicos em função das condições de trabalho.
De gota em gota se transforma.
Há na mesa: o Trabalho, o Estado e a Academia
O estado é comitê executivo da classe burguesa, mas há contradições e crise
O capital está numa crise estrutural.
Tem que se construir um outro Estado que não é burguês.
Sobre professor Aluísio: não ouviu ele falar que as outras lutas (particulares) são nada, mas
ele entende que precisam se articular na luta de classe.
Convite: dia 15 – centralidade do Marx no século XXI
Luiz Salvador (associação de vítimas da cadeia do alumínio)
Como diz Aluísio que estamos isolados em nossas lutas.
Lendo constituição parece lendo Marx, garantindo direitos, mas não tem efetividade.
Como reverter: apitar, buzinar... conseguiram derrubar parlamento, judiciário
Movimento de massa fazer uma revolução.
Buscar solução de problemas, solidariedade e busca de transformação social.
Juiz, como se enxerga a escravidão legalizada?
Retorno da Mesa
NADIA
110
Gramsci: Pessimistas da razão mas otimistas da vontade
SÔNIA
Há como pensar a marca de desenvolvimento com a construção de um outro mundo? Parece
que não.
Emprego. Criação de emprego... Que emprego é este?
Índice sociais das regiões onde se implantam os grandes projetos são os piores
“Mediadores” – quando se começou a falar em Belo Monte, nos anos 90, acreditou que era
possível impedir a construção da Belo Monte, agora não acredita mais. O que se vê são os
mediadores que negociam a “compensação” e articulam.
Não acredita que a Academia tem resposta a dar, é a sociedade, somos nós.
ZE GOTINHA
Não existe Chapinho Colorado. É nós. É só nossa unidade e dar passos. O pensadores pensam
coisas loucas, fechar o rio, não sabem como gerar emprego. A fila no INSS cresce, cheia de
trabalhadores com todo tipo de doença.
JONATAS
Legalização do trabalho escravo é um erro de interpretação. Como os acordos do trabalho que
reconheciam por transporte público a isenção de pagamento de ajuda transporte para os
trabalhadores.
Minha tentativa é a correção de rumos. O Judiciário é inspirado numa inspiração liberal,
individual. Juiz de direito que manda prender Zé Gotinha se pauta na justiça inspirada no
direito individual.
Justiça de trabalho se inspira na justiça social, por isto é marginalizada e quando mexe com
grandes empresas descem autoridades de Brasília.
Precisamos acionar a Justiça do Trabalho em vez da Justiça Comum.
111
Encerramento da mesa com a poesia:
O maior trem do mundo
(Carlos Drummond de Andrade)
O maior trem do mundo
Leva minha terra
Para a Alemanha
Leva minha terra
Para o Canadá
Leva minha terra
Para o Japão
O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano
Lá vai o trem maior do mundo
Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais.
112
Mesa redonda 4: Violação dos direitos humanos: impactos sociais e resistências
Convidados:
Profa. Edna Castro- Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA)
Sra. Helena Palmquist- Ministério Público Federal (MPF)
Sr. Charles Trocate- Movimento dos Atingidos pela Mineração (MAM).
Moderador: Antonio Alberto Pimentel (SDDH).
Relatores: Matheus Benassuly; Charlotte Valadier.
Charles Trocate - MAM
Os últimos três anos de militância do Movimento Sem Terra foram engajados na construção
de um movimento popular frente a mineração, um movimento nacional de reivindicação de
soberania na mineração. Nessa perspectiva é necessário estarmos inventivos, criativos para ir
além da resistência e passar ao campo das iniciativas e das reivindicações. Precisamos
construir as alternativas para reivindicarmos um futuro.
O aniversário dos 30 anos do Programa Grande Carajás (PGC) representa 30 anos de saque,
de espoliação do grande patrimônio natural da Amazônia. Em 30 anos, as notas não são a
favor dos movimentos, mas dos poderosos. Em 30 anos, o movimento foi derrotado, seja na
batalha das ideias ou no campo prático.
O Programa Grande Carajás (PGC) é a síntese, o resultado de três elementos. Primeiro, o
PGC converteu e prolongou no imaginário social o binômio "desenvolvimento e progresso".
O ideário da sociedade hoje em dia é essa gana para o desenvolvimento e o progresso. O
segundo aspecto é que esse projeto ideologizou os modos de vida. A mineração não é mais
um conceito geológico, mas é um conceito econômico. Efetivou-se a ideia de que os fins
justificam os meios e que nós devemos suportar as agruras desse modelo de desenvolvimento.
O terceiro aspecto é que a economia colonizou a política. Há um sequestro jurídico de todas
as contradições. O aparecimento na sociedade brasileira da lei Kandir foi uma justificação
econômica legal para o saque e a exploração na Amazônia.
No campo popular, nós não fomos vitoriosos, nem na pauta da reivindicação, nem na
superação da mineração. Não há experiências de superação da mineração para os
trabalhadores, nem no campo simbólico, nem no campo prático. Mas estamos fazendo uma
grande reflexão teórica sobre o PGC na combinação do compromisso fecundo dos intelectuais
113
das universidades com os movimentos sociais. O compromisso é demarcar o ano 2014 com
lutas, invocando todas as oportunidades de articulação, em todos os espaços e com todos os
atores possíveis. Uma data possível: outubro.
“Carajás começa de novo. Só o Pará não vê”.
É importante analisar a violação dos direitos humanos na sociedade brasileira na conjuntura e
no tempo histórico. Como dizia Câmara Cascudo, "O homem é o resultado de outros
homens", e de outras épocas históricas.
Na perspectiva de Raymundo Faoro, existem três elementos que constroem a violação dos
direitos humanos. O primeiro elemento é a existência de uma classe congelada na sociedade
brasileira, que é a Burguesia. O segundo elemento é que se operou para o Brasil um
capitalismo orientado, enquanto espaço de acumulação primitiva e comercial, que foi a
empresa do Rei de Portugal. Por fim, o terceiro elemento se refere ao conceito weberiano de
"estamento burocrático", ou seja, o Estado onipresente, que está em todos os níveis da
sociedade. Esse Estado fundamenta permanentemente as revoluções conservadoras, que são
impeditivas das liberdades e dos direitos humanos. Assim, a principal característica do Estado
Brasileiro é produzir exclusão social.
Florestan Fernandes, no livro "A revolução burguesa no Brasil" tenta entender a transição do
trabalho escravo para o trabalho livre. Ao contrário da Burguesia, a formação da classe
operária brasileira é muito recente, só tem 100 anos. Para ele, a formação da sociedade
brasileira é a história da formação de uma única classe social: a Burguesia. Ela é ao mesmo
tempo antissocial, antipopular e antidemocrática. Assim, cada vez que o povo tentou entrar na
política, o Estado brasileiro exerceu o seu poder de monopólio permanente da violência, na
eliminação física e na repressão.
Para Vicente Sales, no livro "Memorial da cabanagem", o que ocorreu entre 1933 e 1938 não
foi nada mais que um ato de impedimento das liberdades e direitos humanos e a criação de um
país "das Amazônias". Com a eliminação de mais de 40 000 pessoas e o massacre dos
dirigentes do movimento da Cabanagem se emplacou um modelo de comportamento político
na sociedade brasileira, o qual até hoje nos vivenciamos no Pará.
Desde 1960, foram assassinados no Pará aproximadamente 1200 camponeses, em menos de
100 casos foram abertos inquéritos, destes, menos de 20 foram concluídos, 12 foram a
julgamento. Ninguém foi condenado. Em 1996 aconteceu no Pará o massacre de Eldorado dos
Carajás com a morte de dezenove sem-terra pela Polícia Militar. O Estado delimitou
permanentemente as liberdades, aniquilando a possibilidade dos Direitos Humanos nessa
sociedade, e usa o monopólio da violência para rebaixar a sociedade e desmantelar a
civilização Carajás, a causa Amazônica. A burguesia agrária escravocrata que exterminou a
civilização Carajás é a mesma que quer a criação do Estado de Carajás. Esse padrão de
violação dos direitos humanos permanece, no Brasil e na sociedade amazônica paraense.
114
Edna Castro: NAEA/UFPA
Os temas são recorrentes, a forma de violação dos direitos e os conflitos reaparecem agora
porque o presente está sempre relacionado ao passado. A ideia é construir assim um balanço,
perguntando o significado dos processos que atravessam as décadas. A discussão do tempo,
das décadas, dos processos e das trajetórias também representa décadas de pesquisa.
A construção de nossa pesquisa é uma imersão e um diálogo com os atores socais, com os
sujeitos sociais, que fizeram há 30 anos atrás e que fazem hoje a história do Brasil. Parte dessa
pesquisa é alheia a essa realidade, passa por fora, assume os discursos das empresas, do
governo, do partido. No balanço, temos de um lado uma produção de conhecimentos como
determinadas metodologias e integradas com a realidade social e, de outro, uma pesquisa
desperdiçada.
Observamos uma continuidade na violação dos direitos humanos, há uma recorrência. Os
discursos se repetem, os problemas reaparecem porque não mudou o modelo de
desenvolvimento. Ainda é a mesma matriz que constrói as contradições de classe, o mesmo
movimento de concentração e de acumulação do capital. A tarefa é tentar entender essa
recorrência da violação dos direitos humanos.
Outro ponto importante é a questão da memória como uma construção de trajetórias. São
todas as trajetórias dos trabalhadores, das mobilizações, das mobilidades, dos conflitos, das
lutas, das resistências, dos movimentos sociais, dos conceitos, mas também das contradições
entre sujeitos e das contradições entre projetos. Isso é o que temos que estudar. Tudo isso
forma um bloco para compreender melhor esses 30 anos, para construir um sentido da
História que se está atualizando na Amazônia.
Tentou fazer um levantamento sobre eventos de violência nos anos 80, 90, para produzir uma
nova leitura de compreensão dos atores e da sociedade de hoje. O projeto Carajás representa
um modelo de intervenção massiva que contribuiu na transformação da Amazônia em uma
grande fronteira de conflitos e de violência. A Vale do Rio Doce no Pará e no Maranhão usou
o poder para se apropriar de terras, para planejar o território dos outros. Esse uso de poder se
concretiza no destacamento da polícia, na vigilância dos pesquisadores e dos movimentos
sociais e na produção de discursos que levassem a legitimidade da Vale enquanto empresa (o
discurso ambiental, por exemplo).
Os estudos mostram sempre a relação privilegiada do Estado com as empresas. A Vale do Rio
Doce se integra perfeitamente a esse sistema. Nas práticas, nós percebemos a pressão das
empresas multinacionais e dos organismos multilaterais, a mudança nas regulamentações e
acordos de mercados que levam a desregulamentação dos direitos sociais na região.
115
Os grandes projetos na Amazônia representam também a persistência do colonial.
Permaneceu ao longo dos anos essa relação colonial de arrogância e autoritarismo nas áreas
de ação dos projetos de mineração e hidroelétricas. Ao longo dos anos das pesquisas, se listou
4000 informações sobre violências das empresas em relação à questão da terra. O Estado, com
planejamento e ordenamento territorial, define as melhores terras para serem exploradas pelas
empresas.
O Estado desorganiza os espaços de resistência, usando do poder de controle sobre as pessoas,
de espionagem dos pesquisadores, dos movimentos sociais, dos jornalistas, a presença cada
vez maior de militares, mas também do poder discursivo de desvalorização dos movimentos
sociais para diminuir o valor e deslegitimar as lutas sociais.
Análise do colonial como direção. Movimentos sociais. Em 1985 foram 22 mortos em
chacina de posseiros. A violência se repetiu com os presidentes de sindicatos; por meio do
trabalho escravo; e pela violência contra os povos indígenas. O processo é semelhante ao do
governo militar, com a diferença que hoje temos a figura do licenciamento ambiental.
Persistem as ilegalidades. Nas audiências públicas, a Força Nacional foi usada contra os
movimentos sociais fortemente.
Existem falhas nos estudos, nos processos de licenciamento, erros institucionais. Se o EIARIMA mostrasse os custos sociais e ambientais esses projetos seriam inviabilizados
economicamente. Existem falhas nos cálculos desses custos. O setor elétrico sempre nos
levou a crises. A dependência de fontes hidrelétricas no país hoje é de 70%, antes era de 90%.
Passaremos novamente por períodos de racionamento. Como se pode exigir a redução do
consumo sem uma política energética de diversificação dessas fontes? Projeta-se aqui a
existência futura de um “movimento dos arrependidos da barragem”.
Esse seminário tem que dar lições de que há possibilidades de dar novas estratégias, novas
alternativas de luta, de produzir outros tipos de pesquisa, de incluir novos atores sociais,
construir discursos, conceitos e outros tipos de divulgação. A História se está construindo e os
erros também fazem a história. Esses 30 anos significam repensar essa história.
Helena Palmquist: jornalista e representante do procurador do Ministério Público
Federal Felício Pontes.
Precisamos insistir sobre a ideia de continuidade na violação dos direitos humanos e nos
processos judiciários que buscam a reparação dos atos cometidos contra as populações
indígenas desde a ditadura militar. O Ministério Público Federal se esforça em buscar os
agentes responsáveis por torturas e desaparecimentos durante a ditadura e a dar reparação das
violências cometidas contra as populações tradicionais indìgenas. Existem GT‟s do MPF
trabalhando sobre a questão indígena. 5000 indivíduos indígenas foram dizimados na
Amazônia. O Relatório Figueiredo dá uma dimensão dessa violência.
116
O processo é idêntico ao da ditadura militar. A legislação é diferente, mas o processo é
idêntico. O caso do índio Paiaré é emblemático: teve sentença favorável em 2007. Em 2014
ele morre sem ver sua sentença sendo cumprida. Na BR-163, no início de sua construção,
existiam 3000 indivíduos, depois da construção apenas 300. Hoje, 50 anos depois, estima-se
que são cerca de 400 – 700.
A propaganda do governo brasileiro sobre Belo Monte é desmentida. O que ocorreu na
ditadura está se repetindo na existência do licenciamento ambiental. São violações cometidas
por pesquisadores contratados por empresas para fazer estudos de impacto ambiental. O
projeto é muito similar ao projeto do governo militar: o pensamento geopolítico,
geoestratégico e a implantação são idênticos. No caso de Belo Monte, são 22 ações judiciais
que o MPF tem apontado, sobre todo tipo de ilegalidades. As falhas nos estudos não são
acidentais, não são erros, são erros intencionais.
Nós dependíamos quase 90% das fontes hídricas. O excesso de dependência para uma única
fonte de energia faz que não tenhamos nenhuma outra alternativa. O que falta é o governo
fazer política de eficiência energética, política de diversificação. A solução encontrada foi
construir mais reservatórios na Amazônia. Temos duas imensas barragens que estão paradas
(Santo Antônio e Jirau) porque fizeram cálculos hidrológicos incorretos. Todas os alertas
dados foram ignorados, porque eles precisavam construir a usina. Esse processo foi
extremamente violento com as populações por causa da pressa, da aceleração. Mas essa
aceleração tira a razão de ser, o processo é inútil dentro da mesma lógica do sistema elétrico.
Construir mais usinas, não é a solução. O mesmo problema pode acontecer com Belo Monte
com o problema de vazão muito baixa. Esse processo muito acelerado não serve àquilo que
supostamente soluciona o problema energético nacional. É um processo extremamente
violento, violador da legislação e dos direitos humanos.
A Norte Energia não cumpre as normas ambientais; pratica o genocídio; deu R$ 30 mil em
compras para cada aldeia indígena do médio Xingu. Os Caiabi foram extremamente afetados.
Muitos pesquisadores são pagos pelas empreiteiras. Os índios recebem aulas de educação
ambiental (logo os índios), lidam com a burocracia estatal. Estão sendo construídas casas de
alvenaria nas aldeias. Existe o Plano Básico Ambiental (PBA) indígena.
2014 é um ano de eleição, é um ano em que os governantes, os parlamentares vão ter que
pagar as dívidas com que financiaram a campanha eleitoral, essas dívidas vão ser pagas aqui
na Amazônia, onde estão as maiores obras civis do mundo em curso e projetadas.
Perguntas:
- Como que a gente pode mudar essa realidade? Como cada indivíduo pode tentar atuar em
reduzir esses impactos negativos que hoje os grandes projetos causam nas cidades como
Altamira?
117
- Do ponto de vista da resistência, Belo Monte é um fato consumado?
Como a gente pode olhar, potencializar o fato consumado emblemático de Belo Monte?
- O que muda entre o plano emergencial e o PBA, junto aos Índios do médio Xingu? Quem
está fazendo? Que profissionais?
Charles Trocate:
Quando iniciou o Projeto Grande Carajás, a população paraense era menor do que hoje, ou
seja, tínhamos aproximadamente 4 milhões de habitantes. Hoje somos 8 milhões. Essa
sociedade nunca foi chamada para debater esse modelo adotado pelo Estado de
"desenvolvimento e progresso". Nós, da Amazônia, perdemos a esperança de ser "outra coisa"
que não essa. Falta uma visão utópica do que pode ser a Amazônia.
O primeiro desafio é nos dar a tarefa apenas de fazer a formulação crítica do que representa o
Carajás 30 anos e as suas consequências. As alternativas são diversas, elas nunca vão ser
homogêneas, mas elas precisam ser hegemônicas na diversidade, elas precisam ter uma
referência de ser uma contra cultura no modelo econômico. Só de estarmos juntos é uma
grande vitória. A inteligência potencial que nós temos é que deflagramos milhares de
processos de resistências em toda Amazônia.
Os primeiros sujeitos dessa luta são aqueles que sofrem das contradições do capitalismo. O
Estado brasileiro nasceu sem os índios e contra dos Índios. Não podemos fazer outra síntese.
Um problema concreto para nós é que desmantelamos o bloco histórico anterior. O bloco
histórico é quando há uma combinação efetiva na sociedade brasileira para cumprir
determinados objetivos. Precisamos recompor um bloco histórico de luta na Amazônia, de
afirmação do que é necessário fazer. E recompor um bloco histórico, popular, indígena
necessita de muito trabalho, muito encorajamento. Os Índios não vão ser vitoriosos se a
sociedade paraense não for. Precisamos construir outra perspectiva histórica na Amazônia, no
Pará.
As cidades estão conformadas em uma ideologia, que é a da cidade-empresa, a da cidadenegócio, cidade-modelo, etc. A cidade tem a ideologia do modelo de produção e tem
ideologia da empresa. Muitas das lutas sociais estão deslocadas para a cidade. A cidade é
também imperialista, antidemocrática, antissocial. Existem 46 milhões de pessoas nômades
no país, homens e mulheres que vão atrás das fronteiras econômicas. Os dados nos dizem que
3 milhões deles chegaram às fronteiras da Amazônia. Essas pessoas vêm para ganhar dinheiro
e não para formar cidade, não para formar comunidade. Em última instância, moram nos
bairros pobres de nossas cidades.
O capital nunca vai fomentar o desenvolvimento da situação social na Amazônia. O operário é
um operário simplificado. A luta pelo trabalho, pelo salário deve indicar também uma
confrontação com o modelo de sociedade. A classe operária dos grandes projetos tem uma
formação muito recente, não tem consciência política, ela, em certa medida, é ingênua.
118
O momento não é de vitorias, mas mesmo nesse período, algumas iniciativas precisam ser
recuperadas e estar em movimento. Os paraenses podem abrir mão da a tarefa de ajudar a
construir um movimento que nasce aqui para se tornar nacional.
Edna Castro
É preciso voltar à questão da continuidade da violência e do caráter autoritário do Estado.
Fazendo um balanço de período, a implantação dos grandes projetos como Belo Monte hoje,
mostra esse caráter autoritário. Tão autoritário como ao período da ditadura militar. Não é
uma repetição, mas é um processo de continuidade. Quando o Estado chega, não é com
direitos, é com violência. A presença indireta do Estado está com os projetos, está nas
estratégias de alteração do território. Foi uma ocupação de Belo Monte, de Altamira, de
Belém com a Força Nacional. O Estado não chega à margem da sociedade com direitos, mas
com violência. O Estado chega com violência porque há uma concepção que ali existem
corpos assassináveis, que não valem como corpos, que valem em outros lugares ou espaços da
sociedade. São valores diferentes, importâncias diferentes. Então são corpos que se podem
descartar. Essa é a relação colonial presente na relação do Estado com a sociedade. Isso é tão
forte como no período da ditadura. São valores e estruturas presentes desde o Brasil colonial
que não foram banidas. O Estado permanece autoritário.
Mas hoje o Estado tem uma plasticidade porque ele aparece como um Estado
desenvolvimentista, ele tem um discurso muito forte de redução da pobreza, de redução das
desigualdades sociais, que contrasta com a realidade. A forma e as estratégias das empresas,
de como conseguir implementar esses projetos é muito mais sofisticado do que era em 1985.
Há uma sofisticação na dimensão simbólica da dominação, e no discurso ambiental, no
discurso da participação e das políticas sociais. Essa forma de dominação sofisticada gera
efeitos perversos.
Helena Palmquist
Para responder a questão de como diminuir impactos, não dá para pensar em termos de
impactos de usina, ficando na mesma lógica, porque serve para a causa das empresas de
calcular os custos. Essa coisa de quantificar é muito contra nossa causa. Temos que esquecer a
ideia de pesar os impactos, as repercussões ou fazer o balanceamento.
No judiciário nunca vamos ser vitoriosos porque tem mecanismos de "exceção", utilizados
pelo Estado brasileiro, que existem desde a ditadura militar. “Suspensão de segurança” - as
decisões judiciais são suspensas por esses mecanismos, que se baseiam na necessidade
econômica. Existe este estado de exceção para as usinas, como no caso do licenciamento. O
que o IBAMA está fazendo é um estado de exceção. Tudo é justificável pela necessidade de
obra, pela necessidade econômica. Isso se aplica para os operários nos canteiros, para os
indígenas afetados, para a população de Altamira. Assim como na ditadura, o que importa é a
propaganda para o projeto econômico.
119
MESA 05: Disputa pelo território: movimentos sociais e resistências
Convidados:
Pe. Dário Bossi-Justiça nos Trilhos
Sra. Ana Alaíde-Xingu Vivo
Sr. Jorge Neri–MAM
Sr. Raimundo Moraes-Promotor de Justiça(MPE-PA),
Sr. Gilson Rego-CPT Juruti-PA.
Moderadora: Profa. Dra. Maria Elvira Rocha de Sá-IÁGUA/UFPA
Relatoria: Elen Pessôa-IAMAS e Profa. Dra. Nádia Fialho-PPGSS/UFPA
1- Ana Alaíde- Movimento Xingu Vivo
A expositora, considerou importantes alguns dos elementos apresentados durante a exposição
de Padre Dário para a organização das comunidades tradicionais a fim de se realizar a
resistência aos grandes projetos implementados em seus territórios, projetos esses que levam
as comunidades a disputar forças com o Estado e as grandes empresas envolvidas. Sua
abordagem se deu com ênfase na situação enfrentada pela região do Xingu, especialmente
Altamira, em decorrência do projeto hidrelétrico de Belo Monte.
Ana Alaíde entende que ao se implementar grandes projetos na Amazônia, os território
passam a ser disputado entre empresas, Estado e comunidades tradicionais, os indígenas, os
pescadores. Considera que essas disputas de força são desleais e desiguais, considerando que
o Estado utiliza da força militar, a exemplo da força nacional, bem como da reformulação de
normas e legislação para tender aos interesses do grande capital, forças essas que vão de
contra aos interesses do camponês, do ribeirinho, do indígena.
Outro elemento apontado pela expositora foi o caráter da invisibilidade que se dá aos
movimentos de resistência existentes. Como exemplo citou o caso de uma comunidade do Km
27 de Altamira que está resistindo ao projeto Belo Monte, e por essa luta ser local não ganha
repercussão principalmente na grande mídia, o que a faz questionar como dar visibilidade a
isso. Enfatizou que mesmo essa tentativa por parte do Estado de invisibilidade, a população
atingida está resistindo. Para Alaíde esse é o desafio, e aos movimentos sociais caberia
reorganizar, reformular essa luta adequando-se a novas frentes de luta contra a desapropriação
do território pelo Estado, pelo governo, avalia a necessidade de movimentos sociais de maior
interferência, ou seja, de massa, em aglutinarem-se com mais força às lutas que estão
acontecendo no caso de Belo Monte.
Conforme relatou Ana Alaíde, houve um período da história em que houve uma forte
resistência popular e política contra o regime ditatorial, onde as massas foram para as ruas e
120
através desse processo de organização conseguiram com muitos sacrifícios, perseguições e
mortes, conseguiram derrubar esse regime. E nessa fase foram muitas as conquistas, como a
própria mudança de regime, as eleições diretas, e o retorno da democracia.
Porém, com a abertura democrática, alguns efeitos atualmente se refletiram sobre as
organizações populares. Ana avalia que o povo foi transformado em massa de manobra, antes
havia um poder de organização, de articulação, porém percebe-se que algumas dessas
organizações e movimentos se tornaram empresas terceirizadas do governo, somado a outro
elemento, o governo tem conseguido cooptar lideranças desarticulando e desqualificando
muitos movimentos e organizações. Ana acredita que é preciso aglutinar novamente a luta
enquanto movimentos sociais.
A partir dos anos 90, surgem novas frentes de luta com ações de resistência socioambiental,
valorizando práticas que valorizem e mantenham a identidade dos povos, das comunidades.
Nesse sentido, as ameaças ambientais e sociais que os grandes provocam, conduzem as
comunidades ameaçadas a resistirem nos seus territórios, construindo formas de resistência
para a luta popular. Nesse contexto, Ana citou o exemplo de um pescador da região de
Altamira, que participou de 10 reuniões coordenadas pela Norte energia, Ana indagou porque
o pescador participava de tantas reuniões, e ele respondeu que participa dessas reuniões para
saber se os representantes das empresas estão mentindo, além de saber informações sobre o
que eles estão dizendo. Isso caracteriza o saber da comunidade, do pescador, do indígena. São
buscas por informações a fim de saber em quem acreditar. Para Ana, naquela região há
pesquisadores que não apresentam confiança.
Outras formas de resistência e denúncias realizadas pelos movimentos sociais são os vídeos e
as ocupações rodovias, órgãos, canteiros de obras, outros.
Ana avalia que é preciso a volta do uso da metodologia freireana nas formações e discussões
nas comunidades. Que nos territórios fosse possível a volta dos espaços de vida, de lazer, de
reprodução social, econômica, em que os moradores pudessem manter seu lugar de
subsistência, conservando a água, a floresta, a pesca, o extrativismo, a farinha, todos os
elementos que se complementam, esse formato seria de uma economia que não está no
programa governamental, não se resumindo apenas a trabalhos assalariados. Se a dinâmica e a
lógica de produção e reprodução dos povos amazônicos não forem compreendidas, não é
possível entender essa resistência do povo amazônida.
Ana Alaíde concluiu sua exposição com alguns elementos entre eles a seguinte frase: “A
gente só tem força pra se organizar se a gente realmente tiver ainda cheio de espírito da
nossa mística com as nossas lideranças espirituais que hoje estão sendo substituídas. (...)
Esses projetos destroem a nossa identidade. Somos muito fruto da religiosidade da água, da
natureza. (...) perder a espiritualidade é como se nós durante esses três anos em Altamira a
gente perguntou tem cobra grande aqui? Houve um grande silêncio, quem mais acredita na
cobra grande, que se chama Regina? E disseram a Regina já não existe mais. Há a morte do
121
espírito da organização. Antes só tinha organização se o povo tivesse o que comer. O
governo Lula deu comida pro povo, deu Bolsa Família; mas não é só a falta de comida para
organizar o povo é também a espiritualidade dele. Tem que se juntar essas duas coisas pra
avançar na organização A luta se dá, a resistência se dá no dia a dia, precisamos nos
organizar. Vários são os elementos para que essa luta se dê realmente na Amazônia”.
06- Raimundo Moraes - Promotor de Justiça (MPE-PA)
Iniciou sua fala situando historicamente a Amazônia. Avalia que a Amazônia nega a sua
história, a sua origem, e que o povo amazônida tem grandes contradições dentro as quais
refletem contradições das organizações locais que não são homogêneas. As grandes
organizações são heterogêneas. Para Raimundo Moraes, isso é pluralismo, está na
Constituição não só em uma maneira de interpretar a sociedade, mas numa forma normativa
de como a sociedade deve se posicionar. Leitura do plural para que o plural se mantenhaPluralismo.
Para o Promotor, violência e conflito são da essência humana, não precisam ser negados, mas
superados. Busca-se construir no futuro uma sociedade menos violenta e mais íntegra. O
Procurador fez essa observação porque acredita que há muito maniqueísmo como se a
população, os movimentos não fizessem parte dessa estrutura toda. Acredita que é preciso
avaliar quais são as verdadeiras alianças de base, o que move para a luta além da base
material, e a base espiritual é um elemento que o instiga e o deixa inquieto, não satisfeito. Em
seguida fez a seguinte indagação: Quais são nossas verdadeiras alianças com o que é velho e
o que é novo?
Raimundo Moraes acredita que o direito é dos oprimidos, mas de um oprimido que está numa
dinâmica permanente, e que às vezes o opressor pode ser um oprimido também. Divergiu de
Padre Dário, e afirmou que a sociedade está construindo possibilidades de acordos e
perspectivas. Citou o caso da região de Juruti e indagou se alguém conhece pessoas que
tenham sido indenizadas pelos projetos de mineração. Se existe uma disputa por um bem,
existe conflito, no entanto o procedimento é a jurisdição, onde a justiça autoriza o perito a
fazer o cálculo indenizatório, trata-se de um processo autoritário que não reconhece o direito.
Os conflitos deveriam ser reconhecidos, as partes envolvidas teriam que ser chamadas, e os
cálculos deveriam ser feitos de acordo com os bens que seriam perdidos.
Toda a explicação sobre o caso de Juruti foi feita sob a lógica do direito. No caso de Juruti a
estratégia adotada trouxe como um dos convidados para o debate o INCRA, para tratar sobre
o licenciamento ambiental, pois as comunidades daquele município queriam o
reconhecimento de seu direito ao território, por conseguinte, o INCRA através da
Superintendência de Santarém fez um Termo de Ajustamento de Conduta-TAC com a
finalidade de criar o projeto agroextrativista Juruti Velho, isso permitiria legitimar as
comunidades. Segundo Raimundo Moraes, essa ação automaticamente fez um
122
reconhecimento oficial de que o território daquela comunidade fosse invadido pela ALCOA, e
aquela empresa como invasora deveria ser extirpada do território, toda essa situação ocorreu
em 2005, e até o ano de 2007 não se havia conseguido realizar a mesa de debate.
Os moradores de Juruti foram reprimidos pela policia, fecharam a rodovia, tiveram apoio da
prefeitura, todas essas estratégias forçaram a ALCOA a abrir uma mesa de debate, teriam que
construir um termo de referência científico mercadológico para calcular a indenização.
Segundo o referido Procurador, esse processo foi demorado e foi indicada uma cooperativa e
construído outro termo de referência que garantiria o cálculo de perdas e danos muito maior
que o previsto no código de mineração, para indenizar a comunidade pelo uso de seus
territórios pela ALCOA. Essa ação não se finalizou e se estende neste ano de 2014, e precisa
ser finalizada a entrega do produto para que as comunidades atingidas recebam seu
pagamento.
Raimundo Moraes, dando continuidade a sua explanação informou que a comunidade de
Juruti queria que a ALCOA a reconhecesse como comunidade tradicional. Esse
reconhecimento rompe uma série de ações do direito, e isso resultaria em indenização que
poderá cobrir o tempo de exploração do minério que levará pelo menos 70 anos.
O expositor finalizou sua apresentação falando que existe possibilidade de se explorar as
contradições, explorar os conflitos e buscar saídas dignas para todos. O direito à exploração
mineral não esconde o direito fundiário ao morador. Sua fala foi no limite do direito, e que
ainda segundo o Procurador, as comunidades tradicionais tem o direito de não concordar com
os projetos e deveriam ter o direito de veto e de serem consultadas, e isso é o correto, e se elas
não forem convencidas sem violência, elas tem o direito a resistir, além de seu direito a negar
as possibilidades de ser feita tanto a exploração mineral e hidrelétrica, mas há o direito de elas
serem convencidas a aceitarem essas ações.
Debate: Questões apresentadas pelo público presente:
- É preciso aprofundar o debate para barrar o avanço do capitalismo: realizar a consulta prévia
aos povos com direito a veto.
- Considerando o histórico do governo do PT, que historicamente tem uma relação profunda
com os movimentos sociais, até que ponto essas relações podem ser um empecilho para essa
necessária unidade do conjunto dos movimentos para barrar o capitalismo na Amazônia?
- Uma questão para se discutir: o que é uma luta social? Nos estávamos nos tornando reféns
de terminologia da intervenção, da sociedade dividida em classes para uma sociedade
fragmentada em minorias. As instituições absorvem muito bem as invenções ideológicas que
mandam de fora e são incorporadas ao nosso cotidiano. Juruti é emblemático, onde os acordos
pareciam já ser preparados para serem adotados como foram. Avalia-se que o projeto de Juruti
vai durar menos de 70 anos. Por que sucumbir as propostas que nos remetem algo em torno
do capital? Houve acordo de remuneração das consciências. Recentemente a ALCOA
transferiu 18 milhões para a Acojuvi. É preciso recusar ou assinar qualquer tipo de acordo.
- Juruti é emblemático e serve de referência para todos os processos que estão ocorrendo.
123
- A partir deste evento é sentida a esperança para as lutas realizadas. Os movimentos gritam
no momento, mas não continua. O revolucionário não vai parar.
- De que maneira o Estado descumpre a convenção 169?
- Não se pode desqualificar a Convenção 169. Hoje na Colômbia, em um governo de extrema
direita, movimentos indígenas e campesinos têm conseguido varias ações através da
convenção 169. Isso mostra que um instrumento pode ser utilizado em lutas de resistência, e
em lutas por controle territorial contra os interesses de capital por desapropriação. O governo
brasileiro quer regulamentar a 169 porque não quer dar o poder de veto à participação popular
em decisão. O governo trabalha com a codificação, é uma necessidade da direita de se fazer
valer seus interesses, e essa regulamentação é mais uma tentativa de avançar o processo de
apropriação do território. Muitas organizações indígenas e quilombolas defendem a
regulamentação, mas há um problema, por exemplo, o Procurador da República Felício
Pontes diz que não precisa regulamentar, isso torna-se um problema politico, e só vai se
resolver na luta politica. Um instrumento como esse é muito importante, a Convenção 169
poderia ser usada no Acará por conta do projeto do dendê, esse é o entendimento de Felício
Pontes. Esse debate precisa ser feito. A Convenção 169 é considerada um instrumento
importante que pode ser tornar limitado ou de extrema importância a favor das lutas sociais.
As respostas/posicionamentos dos expositores da mesa 05:
- Padre Dário:
Sua resposta se deu a partir do exemplo do consórcio dos municípios ao longo da estrada de
ferro Carajás, há duas situações: de um lado há o risco da sedução do capital junto às
comunidades; do outro, o risco de divisão das comunidades por conta da entrada de recursos.
Outro fator se dá por se assistir nesses 30 anos, a situação de pobreza e miséria em que vivem
as comunidades ao longo dessa estrada. E indagou como essa contradição permanente nunca
foi resolvida?
As comunidades fizeram e fazem uma forte campanha contra a Vale. De acordo com os
relatos de Padre Dário, a Vale criminalizou alguns dos prefeitos e depois pensou em cooptálos, através da distribuição de fundos junto as prefeituras, isso fez com que parassem os
diálogos com as comunidades. Padre Dário avalia que somente ouvindo e consultando as
comunidades é possível dar algum direcionamento, um trabalho de base sério com as
comunidades.
- Ana Alaíde: A organização das comunidades que enfrentam os grandes projetos nos traz
muitos desafios. Em Belo Monte há dois projetos fortes – Belo Monte e Belo Son, essas
empresas se apropriam dos territórios disputando-os. Citou a situação das comunidades da
região da Ressaca os quais serão retirados de suas áreas; o garimpo Galo que está com uma
situação delicada, cuja área será ocupada pelo projeto de Belo Son, e as famílias ali
estabelecidas também terão que se retirar, bem como a Ilha da Fazenda que também será
atingida pelo projeto de mineração Belo Son, além de outras comunidades indígenas também
afetadas por esse projeto. Esses moradores buscam seus direitos, inclusive as indenizações.
124
Todas essas ações na justiça são lentas, e isso torna-se como um elemento estratégico para
enfraquecer as lutas e resistências, e apresentam riscos inclusive de cooptação.
Citou o caso da ocupação do canteiro de obras de Belo Monte pelos Mundurukus e suas
formas de registros e visibilidade como as várias cartas que foram escritas onde os seus
direitos deles não se negociavam, e levaram para negociação uma lista de reivindicações.
- Procurador Raimundo Moraes:
A contradição existe em todos os âmbitos inclusive no governo, e as organizações quanto
maiores, maior a contradição. O procurador não acredita na existência da unidade na luta.
Entende que sua posição é de defesa enquanto como MPE, da liberdade dos movimentos para
se manifestar. Para o Procurador, o governo quer evitar a Convenção 169, para evitar a
consulta prévia. Não concorda com a posição de que não se deve receber nada. Defende que
os recursos recebidos por representações sociais em Juruti devem ser tratados como recursos
não disponíveis individualmente, deveria ser criado um fundo para ser gerenciado para uma
geração futura. Para Raimundo Moraes, a contradição não está em receber o dinheiro e sim na
posição da luta em receber esse dinheiro, instrumentos como dinheiro, Estado são
instrumentos que podem ser utilizados por quem tem mais poder ou por quem tem mais
capacidade de utilizá-los. O poder do convencimento, de reunir pessoas, fazer confronto de
fazer a luta dessa maneira não pode resistir. Finalizou informando que essa posição não é do
Ministério Público, e que não é homogêneo.
- Gilson: Declarou que enquanto agente de pastoral, lida com pessoas, comunidades e essas
pessoas têm muitos problemas desde a relação com as famílias até a burocracia do Estado. Os
conflitos decorrentes de diversos projetos, seja – soja, madeira, mineração, são frutos de um
desafio maior, um desafio que precisa ser enfrentado sem ignorar os problemas que surgem
nos processos de luta.
Ao final do seminário, a moderadora da mesa 05, Profa. Maria Elvira, falou que essa mesa de
debate veio como um grande painel com diversas formas e experiências de como se fazer a
luta. E ressaltou o quanto é importante manter-se o sentimento de indignação. Esse foi um
momento de fortalecimento, de troca, que instiga e estimula a todos a própria resistência.
ANEXO I
FOTOS DA MESA 01
125
Professores Aluisio Leal e William Assis.
Ulisses Manaças-MST
Sr. Fernando Heredia-Bolívia
126
Imagem panorâmica debate Mesa 01
Composição da Mesa 01
Apresentação da Peça “Buraco: um panfleto profundo”- direção Chico Cruz
127
ANEXO II
FOTOS DA MESA 05
Padre Dário-Justiça nos Trilhos
Sra. Ana Alaíde-Mov. Xingu Vivo
128
Sr. Jorge Nery-MAM
Procurador MPR- Sr. Raimundo Moraes
Sr. Gilson Rego-CPT
129
Visão Panorâmica – Mesa 05
130
Imagem do auditório durante debate mesa 05.
131
8. Seminário Internacional São Luís: 05 a 09 de maio de 2014
132
8.1
PROGRAMAÇÃO GERAL
Dia 05/05/2014
Horário
8h30 às 18h
8h30 às 9h30
9h30 às 11h30
11h30 às 12h30
14h às 18h
18h30 às 21h
Atividade
Credenciamento
Solenidade de abertura
Mesa Redonda
Documentário
Mesa Redonda
Lançamento de Livros
Local
Centro de Convenções
Centro de Convenções
Centro de Convenções
Centro de Convenções
Centro de Convenções
Centro de Convenções
Dia 06/05/2014
Horário
8h30 às 12h30
13h40 às 14h40
Atividade
Mesas Redondas Simultâneas
Atividade Cultural
14h40 às 17h30
8 Mesas redondas temáticas
simultâneas
Fóruns e Reuniões
Especiais
19h às 21h
Local
Centro de Convenções
Centro de Convenções e/ou
Centro Pedag. Paulo Freire
Centro de Convenções e
Centro Pedag. Paulo Freire
Centro Pedagógico Paulo
Freire
Dia 07/05/2014
Horário
8h30 às 12h
Atividade
Grupos de Trabalhos / Pôsteres
13h40 às 14h40
Atividade Cultural
14h40 às 17h30
8 Mesas redondas
simultâneas
Ato MST 30 anos
19h às 21h
temáticas
Fóruns e Reuniões Especiais
Local
Centro de Convenções e
Centro Pedag. Paulo Freire
Centro de Convenções e/ou
Centro Pedag. Paulo Freire
Centro de Convenções e
Centro Pedag. Paulo Freire
Centro de Convenções e
Centro Pedag. Paulo Freire
Dia 08/05/2014
Horário
8h30 às 12h
Atividade
Grupos de Trabalhos / Pôsteres
Local
Centro de Convenções e Centro
Pedag. Paulo Freire
14h às 15h
15h às 18h
Manifestação
Passeata
18h30 às 22h
Show: Trilhos da Resistência
Porta da Vale
Do Centro de Convenções ao
Palácio dos Leões
Praça Nauro Machado – Rua da
Estrela – Praia Grande
Dia 09/05/2014
Horário
8h30 às 9h
9h às 12h30
14h20 às 17h
17h às 18h
Atividade
Atividade Cultural
Mesa Redonda
Plenária Geral
Sessão de Encerramento
Local
Centro de Convenções
Centro de Convenções
Centro de Convenções
Centro de Convenções
Todos os dias das 8h30 às 21h - Feiras Painéis, Exposições no Centro de Convenções.
133
8.2
Relatório Síntese das Mesas Redondas e Grupos de Trabalho
Sistematizado pela Coordenação da Comissão de Relatoria
Marina Maciel Abreu
Ilse Gomes Silva
Franci Gomes Cardoso
Mariana Cavalcanti Braz Berger
Relatores:
Alfredo Bragança
Andressa Brito
Anne Nava
Camila Castro
Claudio Mendonça
Claudio Pinheiro
Cristiana Lima
Denise Albuquerque
Francilene Corrêa
Francisco Dias
Graziela Nunes
Hellen Paiva
Jaciene Pereira
Karênina Fonseca
Leila de Sena
Lucianna Soares
Maria Garcia
Marlene Costa
Maxuel Pinto
Mayara Fortes
Nilma dos Santos
Polliana Borba
Rafaella Delgado
Ruan Didier
Silvana Araújo
Silvia Nava
Stela Gomes
134
INTRODUÇÃO
Esta síntese é fruto do trabalho coletivo desenvolvido pela equipe de relatoria, para o
registro dos conteúdos das 22 mesas redondas e 22 sessões de grupos de trabalho. A proposta
da relatoria se inscreve no conjunto de esforços para o alcance dos objetivos do evento,
sintetizados em seu objetivo geral: “avaliar criticamente os 30 anos do Programa Grande
Carajás e, a partir do tema central o „desenvolvimento‟, discutir suas consequências sociais,
ambientais, econômicas, culturais na Amazônia oriental, envolvendo movimentos sociais,
pastorais e grupos sociais e povos afetados, em diálogo permanente com grupos de estudos e
pesquisadores acadêmicos” (PROJETO SEMINÁRIO CARAJÁS, 2014).
Neste relatório síntese estão condensados os conteúdos abordados nas mesas redondas
e sessões de grupos de trabalho, organizados em 13 eixos temáticos, tendo o entendimento de
que as resistências e mobilizações – dimensões centrais da temática do evento – são
transversais a todos esses conteúdos, daí a preocupação de identificá-las em todas as
atividades. São os seguintes os eixos temáticos: 1- Lutas sociais e resistências, 2- Mineração,
3-Estado, Desenvolvimento e Questão Agrária, 4- Relações de trabalho, 5- Direitos humanos,
6-Responsabilidade social e ambiental, 7- Matrizes tecnológicas, 8- Povos indígenas, 9Educação, 10- Comunicação, Cultura e Arte, 11- Questões socioambientais, 12- Relações de
Gênero e Geração, 13- Questão urbana.
Com base nos relatórios específicos das atividades, a sistematização dos conteúdos
referentes aos 13 eixos atentou para três desdobramentos: questões abordadas, formas de
enfrentamento a essas questões, e propostas e recomendações.
A elaboração da sìntese é norteada pelo conteúdo apresentado na primeira mesa
redonda
“RESISTÊNCIAS
E
MOBILIZAÇÕES
FRENTE AOS
PROJETOS
DE
DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA BRASILEIRA” que apresenta a proposta do
evento. Essa mesa demonstrou o fio da história do movimento de organização da luta e da
resistência em torno dos “Grandes Projetos de Desenvolvimento” na Amazônia Oriental: da
implantação ao atual momento em que o projeto desencadeado no final da década de 1970 se
constituiu uma das grandes expressões da expansão do capital na região. “O Seminário
Carajás 30 anos: resistências e mobilizações frente a projetos de desenvolvimento na
Amazônia oriental” faz uma sìntese dessa história, identificando e articulando os sujeitos que
em suas experiências de vida se confrontam com a opressão, a expropriação e produzem saber
sobre essa realidade; demonstra o que o avanço sem limites da exploração da riqueza da
135
região, em particular pela Vale, representa para os trabalhadores, as populações nativas,
indìgenas e quilombolas. A apresentação dos resultados dos Seminários Temáticos, realizados
em Imperatriz, Santa Inês, Marabá e Belém antecedendo o seminário de São Luìs são
expressivos sobre as mobilizações e o movimento de organização da resistência.
SÍNTESE DO CONTEÚDO DAS MESAS REDONDAS E GRUPOS DE TRABALHO
POR EIXOS TEMÁTICOS
Eixo 1- Lutas sociais e Resistências e mobilizações
Nesse eixo condensam-se os conteúdos referentes às três sessões do GT -11 “Formas e
estratégias de resistência e organização popular”. Embora as resistências e mobilizações –
dimensões centrais da temática do evento – sejam transversais a todas as atividades que
compõem a programação do evento, como mencionado na introdução, constituíram o
conteúdo específico do GT - 11, abordado em três sessões.
As principais questões, evidenciadas:
- questionamento ao conjunto de ações denominado como resistência e a correlação de forças
entre os sujeitos que a constroem dentre os quais comunidades, agentes financiadores dos
movimentos, parceiros, entidades religiosas e outros frente aos representantes do capital,
apoiados pelo Estado, especialmente a empresa VALE quando se trata do enfrentamento às
contradições criadas pela mineração como parte de um projeto de desenvolvimento na Região
Amazônica.
- a questão da identidade enquanto fator de convergência e divergência. A nossa sociedade
apresenta o problema do medo do desconhecido. Tal medo contribui para a atitude de repelir
o que se apresenta de diferente a nós e, da mesma forma, a união dos grupos sociais se dá a
partir de suas semelhanças.
- a questão da transformação ecológica, na forma de viver em relação à natureza, perpassa
uma ação radical que deve ser primariamente local e revolucionária. Projetos alternativos
ecológicos são importantes, mas como transformamos esse modo de viver sustentável em
política de massa, proporcionando à população esse tipo de vida?
- as modalidades de ocupação no poder de decisão dentro dos movimentos no campo, com
destaque para a questão de gênero considerando as desigualdades entre homens e mulheres no
campo. Apesar de avanços e conquistas no processo de participação de trabalhadores rurais:
136
“grito da terra no Maranhão”, a participação das trabalhadoras rurais nos movimentos ainda é,
em sua maioria, mediante cargos de menor relevância.
- Associação de alguns movimentos locais com a mineradora (VALE) perdendo dessa forma a
sua essência, sua resistência, a luta e o enfrentamento. Neste caso, não existe um processo de
mobilização verdadeira no espaço, mas sim a adequação a esse novo modelo de
“desenvolvimento”.
- O dinheiro da Vale que repassado aos municípios não é empregado nas ações para atender a
população, ou seja, o dinheiro que tira as vidas da comunidade não volta para esta;
- O Bumba meu Boi não pode ser considerado apenas como uma brincadeira porque ele
também tem significados religiosos, de identidade e faz parte da cultura. Botar o Boi na rua é
garantir a manutenção da cultura, não só na época de suas apresentações, mas sempre.
- A questão da relação espaço-trabalho, na particularidade do município de Açailândia. No
mesmo território onde há uma organização estrutural tecnológica de ponta, há arcaicas
estruturas de trabalhadores rurais que vivem em péssimas condições de vida. O papel do
capitalismo, dessa forma é de homogeneização de comportamentos, modos de vida. O capital
é padronizador e não está preocupado com as pluralidades, as diversidades.
- A questão do capital e a quem ele se destina. A fase do capitalismo atual ainda é do
imperialismo porque há uma ofensiva do capital num processo de recolonização. Neste
modelo imperial há formação dos monopólios de grandes empresas que compartilham o
território entre si. Segundo a mesma hoje não é mais necessário uma posse do território, há
um desapossamento do território, há pequenos espaços.
- A disseminação da ideologia da Vale, na formação da juventude, no intuito de valorizar o
emprego na Vale. Todos os cursos do PRONATEC são voltados para as necessidades da
VALE. A contradição entre a necessidade de uma formação crítica da juventude quanto à
atuação destrutiva da Vale na região e a expectativa das famílias em relação à possibilidade de
emprego para seu filho na Vale.
- A pedagogia do MST para a formação crítica da juventude, como é exemplo o Levante
Popular e outras estratégias de formação, confronta a pedagogia da VALE.
Estratégias de resistência e organização popular
- Estratégias principais utilizadas na sociabilidade da resistência: a educação popular, redes
de luta, suporte jurídico e formação sociopolítica, articulação nacional e internacional.
Destaque para a importância da intervenção da Rede Justiça nos Trilhos que surgiu entre
137
meados de 2007 e 2008 a partir da necessidade de unificar as lutas que já eram
desempenhadas, com impactos tais como: o embargo da duplicação da estrada de ferro, a
premiação da VALE como pior empresa do mundo por determinadas organizações de direitos
humanos.
- A experiência de assessoria jurídica popular, realizada na comunidade de Todos os Santos
mostrou aos integrantes do NAJUP as barreiras que existem ocasionadas pelo medo enquanto
fator de divergência e como o saber popular e o saber acadêmico ainda se encontram em polos
distantes. Tal realidade presenciada demonstrou ainda que para realizar um trabalho com as
comunidades é preciso demandar muito tempo e paciência no processo.
- Discussão sobre um projeto de transformação ecológica que influa sobre a forma de pensar e
agir, valorizando o conhecimento popular, incentivando a ativação de economias solidárias.
- A proposta do Sítio de Inteligência Alternativa ou Universidade Livre Panakuí, enquanto
proporcionador de capacitação ecológica, promoção de saúde e valorização do conhecimento
tradicional. Todos estes fatores estão em conexão com um impulso para as economias locais e
assim construir uma alternativa para o momento de caos ou colapso ambiental.
Polêmicas
- Em relação à questão do sítio sustentável enquanto alternativa revolucionária ao atual
modelo de vida gerou-se uma polêmica que se centrou no fato de que a discussão não se
esgota no alternativo. Não há como haver uma dissociação entre relação natureza e cultura?
Dessa forma, em termo de políticas públicas seria um desafio muito grande, não está claro
como fazer saídas urbanas sobre isso.
- Foi polemizado que o debate sobre a revolução local, global e regional não pode ser pensado
isoladamente, mas sim sob a nova conjuntura. Aldeia global e aldeia local são apenas
metáforas, pois não se separam. Não há mais como pensar apenas o local sem identificar as
conexões imediatas com o global.
Propostas Recomendações
- Desconstruir os polos do saber acadêmico e o saber popular. Realizar articulações entre os
dois polos no sentido de garantir e fomentar a resistência necessária às comunidades, povos,
populações em relação ao modelo de desenvolvimento que está posto. Problematizar a
questão entre natureza e cultura. Uma resistência que seja combinada entre o local e o global
138
que estruturalmente se encontram imbricados. É fundamental disseminar as estratégias
vitoriosas das comunidades no sentido de fortalecer as lutas para além das fronteiras.
- Em relação aos trabalhos com comunidades e o medo enquanto dificuldade de interação, foi
proposta uma reflexão sobre o uso social do medo, o medo fabricado.
- Há a necessidade de unir, juntar as forças dos movimentos sociais na luta, na resistência, na
mobilização. Precisa-se sintonizar os interesses porque enquanto os movimentos atuarem de
forma fragmentada não terão grandes resultados.
Eixo 2 - Mineração
Nesse eixo reúne-se o conteúdo referente a quatro mesas redondas: 1) “Mercado
Internacional do Minério: a cadeia de exploração do minério de ferro”, 2) “Os atingidos pela
mineração no mundo: relatos de impactos e experiências de resistências”, 3) “Grande Carajás:
30 anos de Mineração”, 4) “A Mineração, os Estados Nacionais e o Direito Internacional”.
O tema da mineração abordado em suas dimensões nacional e internacional, como o
mais extenso no evento trouxe profundas questões vivenciadas na Amazônia brasileira e em
outros países, com destaque para análises acadêmicas e de segmentos atingidos, em países
como Brasil, Moçambique, Colômbia, Peru, Argentina, Uruguai, Itália, Canadá, tendo a ação
da VALE a centralidade do debate. A internacionalização dos processos da mineração pela
Vale apresenta-se altamente destrutiva da natureza e do homem frente a qual as mobilizações
e resistências dos povos atingidos também encaminham-se e devem ser fortalecidas numa
dimensão internacionalista.
Na particularidade da Amazônia brasileira, os 30 anos de mineração, de ocupação do
espaço pela empresa VALE e outras terceirizadas constituem uma trajetória marcada pela
mediação do Estado. A parceria Vale e Estado permitiu à empresa uma série de prerrogativas
em torno de incentivos fiscais, territórios, o que viabiliza alta produtividade e lucratividade. É
fortemente financiada pelo BNDES, desde 2005 mediante empréstimos e financiamentos. Na
contramão, a população perde qualidade de vida (qualidade do ar, terra, etc), as florestas são
destruídas, territórios indígenas e quilombolas são expropriados. Nas regiões como
Imperatriz/MA, Açailândia/MA e Marabá/PA, as florestas foram destruídas para exploração
de eucalipto (monocultura). A VALE e os compradores de seus minérios são responsáveis
pela irrelevância em ações saneadoras para minimizar a deterioração ambiental e proporcionar
melhorias à população atingida pelo Projeto Carajás e sua ferrovia.
139
A Vale é a 3ª maior mineradora do mundo. Líder global de ferro e a segunda em
níquel. Atualmente, emprega 200 mil pessoas, 58% dos empregados são terceirizados. Está
presente em aproximadamente 40 países, com vários produtos incluindo o carvão.
A logística da Vale tem sido um modelo de intervenção e influencia o planejamento do
Estado brasileiro, instituições e programas de desenvolvimento, como são exemplares o Plano
de Aceleração do Crescimento (PAC 1 e 2).
A composição oligopolizada do mercado global de minério de ferro, bem como a
composição da cadeia de produção utilizada pelas multinacionais automotivas, principais
consumidoras do minério de ferro, dificultam o estabelecimento de uma rede de pressão da
sociedade civil diretamente afetada pelas atividades mineradoras no enfrentamento às
empresas multinacionais.
Foram destacadas expressões da mineração em diferentes países, tais como:
a) Em Moçambique a exploração de carvão mineral de Moatize pela Vale é responsável
pela violação dos direitos humanos das famílias de camponeses e camponesas e
oleiros que foram reassentadas pela empresa e pelo Governo no ano de 2009. A
Comunidade de Cateme foi vítima de violação dos seguintes direitos: Limitação ilegal
e violenta do exercício do direito à manifestação através da polícia contra as famílias
reassentadas; Violação do direito fundamental à habitação digna; Violação do direito
de uso e aproveitamento da terra; Não pagamento integral das indenizações
prometidas no ato do reassentamento; Os oleiros perderam os seus empregos e
oficinas onde produziam os seus tijolos e fonte de rendimento familiar.
b) Na Colômbia a mineração de carvão, pela Vale, realiza-se numa área de 5 milhões de
hectares com previsão de 40 milhões de quilômetros a serem explorados, não
representa crescimento econômico e não reveste para a indústria local. A exploração
do minério pode dizimar 32 povos indígenas, pois se encontra nas áreas de reservas e
tem provocado o abandono do território por camponeses que cultivavam há vinte anos,
e que tiveram suas terras substituídas por minas de carvão, como exemplo a
comunidade El Hatillo. Essas famílias sofrem com falta de água e infra-estrutura e
buscam formas de resistir. A resistência é reprimida pela polícia;
c) Na Serra da Bacia do Rio Piracicaba/Minas Gerais/Brasil, os impactos da mineração
se expressam na devastação e poluentes. Na década de 1990 houve o enquadramento
das águas superficiais da bacia do Rio Piracicaba pelo Governo do Estado, no entanto,
as mineradoras vem tentando desenquadrar para facilitar o seu processo de exploração;
140
d) Na Argentina o processo de mineração gerou divisas que foram ao extremo,
entretanto, destruiu o sistema ferroviário (que teve de ser readaptado para a
mineração), aumentou a incidência de erosão do solo, trouxe perdas da fauna e da
flora local e do habitat de forma prolongada. São perdas irreversíveis. Este modelo
extrativista gera impactos que a própria empresa reconhece, como o consumo de 100
milhões de litros de água por dia, alto consumo de sódio, além do uso de explosivos;
e) No Peru, o Projeto Conga - de extração de ouro e cobre em Celedin, Cajamarca - com
projeção de 19 anos de exploração, destrói 92.000 toneladas de rocha e despeja 85.000
dessas toneladas nos rios da região, ocasionando problemas na captação natural de
água. Atinge brutalmente as comunidades que se alimentam, criam gados e plantam
nesse território, podendo destruir suas formas de sobrevivência. Cajamarca atualmente
é a região mais pobre do Peru. O governo militarizou Cajamarca e recentemente foram
assinados cinco lutadores, dentre outros inúmeros feridos e presos. Criminalizam os
protestos sociais com detenções arbitrárias, processos judiciais, ataques nas mídias,
tortura de dirigentes e outras formas de repressão;
f) A Itália possui localização estratégica para a exploração do minério, seja pela mão de
obra, pelos portos e as estradas para escoar a mercadoria. As promessas de
desenvolvimento trazem impactos como: risco de desemprego, contaminação do ar, da
cadeia alimentar, problemas cardiovasculares, aumento de câncer. A liberação de
dioxinas no solo eleva a incidência de câncer na região. Como exemplo foi destacado
que a cada dezoito habitantes, um tem câncer. Registra-se ainda que os poluentes,
como o chumbo, trazem problemas neurológicos para a população, além da
diminuição da perspectiva de vida. Registram-se situações de demência, doenças
respiratórias, de pele e de formação congênita, afetando diretamente a saúde da
população local de Taranto de maneira degenerativa. O porto de Taranto possui 800
estaleiros, 1/3 da produção fica para a cidade, através dos empregos. No bairro
Cambure as crianças estão sendo privadas de brincar nas ruas devido ao risco de
contaminação dos solos e água através do mercúrio;
g) No Canadá, a rede Canadense de Responsabilidade Corporativa (Canadian Network
on Corporate Accountability/CNCA) aponta a necessidade de desafiar o poder das
empresas de mineração frente à grande quantidade de recursos e poder, pois contam na
maioria das vezes com a adesão do poder do governo;
h) A realidade vivida no Chile, criada a partir da forte expansão das mineradoras e dos
projetos de usinas de energias, em particular, de matriz termoelétrica, evidencia que a
141
situação de conflito social tem se agravado, no norte do país, na proporção em que
aumenta o preço do cobre no mercado global, isto por que a concorrência exige a
expansão em curto prazo da matriz termoelétrica (mais rentável em termos de custobenefício na extração do cobre). Esta fonte de energia representa uma ameaça
seríssima ao meio ambiente em termos de contaminação de bacias hidrográficas, de
poluição do ar e destruição das florestas. A confluência dessas forças resulta em uma
situação precária das condições de vida das populações satélites a tais
empreendimentos, que ficam sujeitas a: desabastecimento e contaminação de água (a
atividade mineradora necessita de uma quantidade aquífera muito grande), doenças
cardiorrespiratórias oriundas da poluição do ar, desabastecimento de energia elétrica (a
maior parte da energia elétrica é para suprir as necessidades de tais empreendimentos);
i) Na análise do representante do Greenpaece são ressaltadas as dificuldades criadas
pelas empresas extratoras de ferro gusa, dado o desequilíbrio entre as relações de
poder entre as partes, além do fato de as instituições reguladoras, fiscalizadoras e
repressoras do Estado favorecerem ao ideário do capital (propriedade privada,
maximização de lucros, etc.), propiciando e perpetuando o desequilíbrio, além de
inibir, coibir e retardar seguimentos de resolução de longo prazo aos problemas.
Formas de resistência
Frente a essas questões nos diferentes países são desenvolvidas formas de
enfrentamento, dentre as quais destacamos as seguintes:
- ação popular contra o Estado em defesa dos direitos humanos a partir das organizações
vinculadas às populações atingidas;
- a ação desempenhada pelo Greenpeace - organização não governamental em defesa do meio
ambiente – e as estratégias utilizadas por essa organização, em particular, na luta contra a
destruição de vastas áreas de floresta para a produção de carvão vegetal e na luta contra os
desequilíbrios ecológicos causados nas áreas limítrofes às regiões de extração de ferro gusa;
- realização de protestos contra as grandes empresas;
- a comunicação através de impressos, mapas, fotos, internet, produção de vídeos e relação
com a mídia, a fim de socializar as informações, divulgação das ações, estudos, dados e
argumentos da mineração e respectiva cadeia produtiva;
- mobilizações no campo e na cidade através da Campanha pela água, vigília sobre lagoas, e
enfrentamento direto com a polícia que está a serviço das empresas de mineração e não dos
cidadãos;
142
- passeata de denúncia dos problemas causados pelas mineradoras, buscando o respeito aos
direitos violados;
- criação de medidas legais para que as empresas mineradoras sejam responsabilizadas
legalmente pelos danos que geram nos países em que se instalam.
Propostas e Recomendações:
- Resistência e táticas de confrontação bem organizadas em prol da defesa do meio ambiente;
avanço da organização tanto internamente entre aqueles diretamente afetados quanto na
articulação com outras organizações de âmbitos nacional e internacional;
- Criação de uma rede interconectada de pressão, envolvendo não somente as populações
diretamente atingidas, mas também grupos internacionais e organismos supranacionais para
forçarem as mineradoras a reverem e se responsabilizarem pelos transtornos causados;
- Organização da população local, uma vez que é necessária uma vigilância intensa e
constante tanto para o não agravamento da situação quanto para garantir a reversão das
consequências;
- Interrelação entre as comunidades locais e organismos supranacionais, que possuem maior
poder de barganha além de uma maior abrangência de discurso;
- O reassentamento de famílias da comunidade de El Hatillo/Colômbia que estão vivenciando
em seu território os impactos da mineração e através da organização das famílias com
representação paritária entre homens e mulheres, buscando rearticulações e diálogos com as
empresas para discutir o futuro das novas gerações;
- Acompanhamento e participação nas instâncias colegiadas das políticas públicas (codemas,
conselhos estaduais e federais de políticas de meio ambiente e recursos hídricos);
- Construção de caminhos alternativos de desenvolvimento (geração de renda e
ocupação/emprego de médio e longo prazo);
- Pressão e criação de alianças políticas, identificação e denúncia dos agentes políticos
adversários (a fim de evitar a generalização e também buscar a superação do apolitismo
comum em algumas organizações ambientais);
- A desconstrução dos mitos da mineração e daqueles que a defendem, o conhecimento do
sistema de produção e da lógica da mineração e a proposição de um novo modelo de
desenvolvimento.
143
Questões Polêmicas
A polêmica criada em torno da temática da mineração diz respeito à amplitude e à
própria natureza das lutas. O cerne da questão se desdobra sobre a eficácia dos resultados a
longo prazo, ou seja, da perspectiva das conquistas pelos movimentos sociais, em particular,
dos movimentos em defesa ao meio ambiente.
A eficácia das propostas defendidas, por exemplo, não desmatamento de florestas,
descontaminação de rios, etc. Podem ser realmente considerado uma vitória ou seria apenas
adiar o inevitável? Uma vez que a própria lógica do capital não foi superada, o problema por
mais que tenha sido evitado em determinada localidade, pode ser transposto e se apresentar
em uma outra localidade, onde a presença de grupos organizados ou em rede não operem.
Eixo 3 – Estado, Desenvolvimento e Questão Agrária
Este eixo reúne o conteúdo abordado nas mesas redondas “Grande Carajás: Estado e
„Desenvolvimento‟”, “Marcos legais, poder judiciário e instituições jurisdicionais”; e nas
seções do GT “Estado e projetos de „desenvolvimento”‟.
Principais questões:
- a dimensão ideológica do desenvolvimento relacionado à modernidade e à possibilidade de
melhores condições de vida com aumento da produção associada à tecnologia. Com a noção
de desenvolvimento cria-se também a noção de subdesenvolvimento, constituindo-se como
algo a ser superado. No Brasil, essa noção apresenta-se inicialmente através do governo
Juscelino, inclusive com o slogan “50 anos em 5”, depois no perìodo da ditadura civil-militar
e todos os seus planos de integração que ocasionaram problemas para a Amazônia Oriental,
constituindo-se através da junção Estado e Iniciativa Privada. Noção de desenvolvimento
internacional cria corpo no Brasil, e principalmente na Amazônia Oriental através do
Programa Grande Carajás, que é antecedido pelo projeto Ferro Carajás. O Estado tem papel
fundamental na criação da infraestrutura construída para esses empreendimentos como:
aeroportos, estradas, portos, hidrelétricas. O desenvolvimento desconsidera as populações
locais, essas são invisibilizadas e o conceito de “vazio demográfico” fica entendido também
como “vazio cultural”, o que serve para legitimar esses processos.
Os termos
desenvolvimento humano, sustentável, eco, são instrumentos ideológicos do sistema
capitalista. E não dá para colocar em xeque a questão de desenvolvimento, sem colocar em
xeque sua própria origem, o capitalismo;
144
- a questão do desenvolvimento e subdesenvolvimento com base no pensamento de Celso
Furtado, no livro Raízes do Subdesenvolvimento, em que o autor a partir do método
estruturalista-histórico faz a incorporação da questão regional como eixo central de análise.
Para esse pensador a acumulação do capital é mais limitante que peça fundamental do
desenvolvimento, contrapõe à ideia de subdesenvolvimento como fase do desenvolvimento e
apresenta o subdesenvolvimento como uma vertente concomitante do crescimento econômico
desenfreado do capitalismo. Celso Furtado tem a preocupação em desvendar o lado obscuro
do processo de desenvolvimento dando destaque à interação entre as relações econômicas e
sociais.
A questão do desenvolvimento no Maranhão, destacando:
a) contradições entre discursos e práticas, com base na implementação da termoelétrica no
município de Santo Antônio dos Lopes, região do Médio Mearim Maranhense - região que
possui um grande número de conflitos agrários, onde os assentamentos existentes são frutos
do processo de luta e resistência das comunidades locais. Crítica à legitimidade do discurso do
desenvolvimento e às consequências desse desenvolvimento para as comunidades locais e
povos tradicionais;
b) crítica ao discurso desenvolvimentista e à noção de desenvolvimento propagada pelo
governo do Estado, de que o Maranhão vem crescendo economicamente. A dimensão
econômica tem se sobreposto à social no tocante ao modelo de desenvolvimento
empreendido. Os aspectos negativos dos grandes projetos implementados têm tido uma
dimensão superior aos aspectos positivos. Destacam-se como aspectos negativos: conflitos
socioambientais, degradação do solo e mananciais; destruição da vegetação e espécies
nativas; marginalização das comunidades locais e povos tradicionais; conflitos agrários e
fundiários, dentre outros. Nas cidades onde estão os grandes empreendimentos há um
aumento na circulação do capital, no entanto, não chega à maioria das populações locais;
c) impactos socioeconômicos do processo de implantação da Refinaria Premium na
comunidade deSanta Quitéria, município de Bacabeira.
Destaque para a realidade
contraditória vivenciada no Maranhão: apesar dos grandes empreendimentos que existem no
estado, este ainda apresenta um baixíssimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH);
A questão do desenvolvimento na Amazônia com os seguintes desdobramentos:
a) a questão da identidade da Amazônia, a partir da análise conceitual de Gonçalves (2012) no
livro Amazônia, Amazônias. Discussão sobre as imagens construídas em torno da Amazônia.
Estas são “imagens sobre a Amazônia”, imagens de fora, em que a região é vista de forma
singular, homogênea, enquanto para os povos que lá residem ela é plural. Nesse caso não
145
existe uma região, mas várias regiões. A Cabanagem é apontada como um processo onde se
constrói uma identidade amazônica, a partir da luta dos povos. Paralelo entre os projetos de
desenvolvimento no Estado autoritário e no Estado democrático de direito, com uso da força
do Estado para garantir a implementação dos projetos de desenvolvimento na Amazônia,
b) o Macrozoneamento ecológico-econômico da Amazônia e as novas formas de produção
capitalista de espaço. Discussão sobre os modelos de desenvolvimento na Amazônia em três
momentos. O primeiro momento refere-se ao modelo amazônico de desenvolvimento baseado
numa proposta de criação de polos. O segundo momento diz respeito ao modelo de inserção
competitiva proposto no governo FHC centrado nos eixos nacionais de integração e
desenvolvimento que deveriam se articular com a iniciativa para investimento em
infraestrutura na América do Sul. O terceiro momento refere-se ao chamado modelo de
desenvolvimento sustentável centrado no zoneamento ecológico-econômico.
A ideia de
desenvolvimento sustentável aponta a perspectiva de um desenvolvimento que deve respeitar
as gerações futuras e garantir o lucro das grandes empresas (na ótica dos governos e das
empresas), em contraposição está o ponto de vista de que essa ideia de desenvolvimento
sustentável é apenas uma forma a mais de abrir espaço para o capital.
- A ilusão neodesenvolvimentista: desindustrialização e neoextrativismo no Brasil como
questão. Discute o retorno do desenvolvimento enquanto paradigma e aponta que o atual
processo de desenvolvimento vivenciado no Brasil não pode ser classificado como
neodesenvolvimentista.
- A natureza e papel do estado nos processos de desenvolvimento desigual, com destaque:
a) a experiência de eletrificação rural do século XXI. Ressalta que as politicas públicas no
setor elétrico sempre apresentaram entraves. Os governos Collor e FHC deixaram muito
aquém o atendimento das metas de universalização do acesso à energia elétrica e mais
recentemente o governo Lula com o Programa Luz para Todos, herda as mazelas das
privatizações,
deu
continuidade
ao
modelo
neoliberal,
atuando
como
mediador
(regula/fiscaliza). Tratando da generalização do desenvolvimento desigual, questiona as metas
atingidas pelo “Programa Luz para Todos”, em que a legislação é clara quanto aos direitos do
cidadão e das coletividades, mas a energia não melhorou as condições/qualidade de vida da
população rural, foco do programa. A energia não resolve a problemática, é preciso atingir as
outras esferas da vida dessas comunidades;
b) o Projeto Perímetro Irrigado Tabuleiros de São Bernardo localizado no município de
Magalhães de Almeida, no Baixo Parnaíba Maranhense. O projeto é executado pelo
Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (DNOCS), desde 1985, atendendo ao Plano
146
Nacional de Desenvolvimento. A política desenvolvimentista é totalmente alheia à realidade
local e há entraves associados à corrupção, desvios/desperdícios de verba e abandono/descaso
com o andamento das obras de instalação, inviabilizando o projeto. Vem à tona as
contradições desses programas de enfrentamento da seca e consequentemente da fome e
combate a pobreza rural pela SUDENE desde a década de 1960, que favorecem uma dinâmica
social desigual e provocam uma crise de identidade e logo uma crise do território. O
agricultor aparece como um “outsider” dentro do seu próprio lugar, pois com o projeto se
transformou em irrigante, depois em pobre no campo, ou seja, coisa nenhuma. Ressalta-se que
esses programas fazem parte de políticas públicas que surgem de fora para dentro do
território, partindo equivocadamente do pressuposto de que o território é atrasado e precisa se
“desenvolver”;
c) A questão do (Des)Envolvimento e Dinâmica Territorial, considerando a UHE-Estreito e a
Caracterização Socioespacial do Município de Carolina-MA. A Política de Integração
Nacional (PIN) baseada na construção de grandes rodovias a partir de 1960, como a BR010
(Belém-Brasília), promoveu a apropriação e inserção do interior do Brasil pelo capital
internacional com a implantação do mega-projeto intitulado Projeto Grande Carajás (a partir
de 1980-atual). Reordenou o território em função de uma nova infraestrutura e logística de
exportação de commodities: com mineração, estradas de ferro, porto, usinas hidrelétricas,
hidrovias, metalúrgicas de ferro-gusa, carvoarias, o agronegócio de grãos no cerrado e de
eucalipto. É nesse contexto de conflitos territoriais e dos grandes projetos de desenvolvimento
e ordenamento territorial que se inserem o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a
implantação da UHE Estreito no município de Carolina. O Estado impõe a sua lógica e os
seus objetivos estratégicos através da intervenção direta sobre o território e sobre o processo
de produção do espaço, reorganizando as relações sociais e gerando conflitos;
d) O Agronegócio e o Foco na Pobreza: as duas faces da estratégia de desenvolvimento e
controle social do estado brasileiro. Discussão sobre as políticas públicas de enfrentamento da
pobreza no campo não atendem a demanda histórica por reforma agrária e de suporte ao
desenvolvimento do trabalho e agricultura camponesa, uma vez que o modelo de
desenvolvimento adotado pelo Estado é altamente excludente, destruidor da natureza e
prioriza o agronegócio de commodities em detrimento das populações rurais. Os interesses do
capital em expansão no campo têm demandado do Estado a articulação de uma estrutura de
controle que acomode os conflitos sociais, garantindo as condições necessárias à sua
reprodução. A adequação das políticas públicas visa ajustá-las à necessidade de controle das
consequências deste modelo de desenvolvimento – indisponibilizando a articulação das lutas
147
sociais, e contribuindo para o aprofundamento da pobreza rural. Desta forma, ganham
centralidade programas de transferência de renda como o Bolsa Família e demais, associados
a noções de “pobreza”, administrando por esses mecanismos essa pobreza, mas não a
enfrentando efetivamente. A pobreza é enfrentada de forma generalista e precária no Brasil
sem as diferenciações pertinentes. Como exemplo neste sentido tem-se que a situação de risco
rural é diferente da situação de risco urbano, mas os programas abordam a pobreza a partir de
suas manifestações e não de suas causas, impossibilitando a efetividade dos mesmos,
reproduzindo e mantendo os ciclos de pobreza, transformando o camponês original em pobre
no campo;
- crítica ao modelo de desenvolvimento implementado no Brasil, em que o discurso do
desenvolvimento centrado no crescimento econômico é colocado pelo capital e pelo Estado
brasileiro como sinônimo de progresso e modernização. Subserviência dos governos federal e
estaduais aos interesses do capital, em detrimento das necessidades das comunidades locais e
populações tradicionais, sobretudo na região amazônica;
- o Estado como articulador dos projetos e suas respectivas dinâmicas socioterritoriais
apresenta uma relação estreita com o capital, que por meio das grandes empresas
transnacionais é o agente idealizador e executor desses projetos de “desenvolvimento”,
submetendo as populações a condições de pobres e cativos, estranhos ao próprio território;
- contradições dos processos de luta frente ao Estado e contra o capital, com avanços no
âmbito Legislativo e derrotas históricas no âmbito do Judiciário, enquanto face conservadora
e elitista do Estado, sem transformações estruturais desde o século XIX. Tendência de
judicialização das lutas sociais e sua federalização, escamoteando o caráter político e
conservador dessa prática aparentemente técnico-judicial. A proteção das mineradoras e a
desproteção das comunidades pela legislação existente.
Propostas e recomendações
- Urgente articulação e conexões de diálogos das diversidades dos povos, ou seja,
camponeses, quilombolas, indígenas, ribeirinhos, pescadores e demais na unificação da luta
contra o massacre imposto pelo Estado e os projetos de “desenvolvimento”. Estabelece ainda
políticas que contemplem demandas legítimas de populações que não estão organizadas;
- Denúncia da parceria do Estado com as empresas para realização dos interesses do capital e
suas estratégias de ação conjunta contra os interesses das populações;
148
- Denúncia da extrema violência do Estado através dos seus aparelhos repressores e
ideológicos contra os movimentos sociais e suas lideranças que são obrigadas a responderem
a processos, estão sujeitas a prisões, torturas e mortes;
- Adoção de um marco de organização das lutas sociais nas esferas global, regional e local
para constituição de redes de resistência e mobilização contra o modelo de desenvolvimento
do capital;
- Concessão aos brasileiros do mesmo direito que muitos países já concedem aos seus
cidadãos, o direito de conhecer os valores dos impostos recebidos das empresas mineradoras e
extrativas, em geral, e aprovação de legislação obrigando as empresas a declararem
detalhadamente os valores de impostos que pagam a todos os governos, e relatar
detalhadamente, por comunidade, os impactos ambientais e sociais da atividade extrativa;
- Garantia de mais assistência técnica e de subsídios para a produção de alimentos saudáveis
pelos pequenos agricultores;
- Democratização do Judiciário enquanto bandeira de luta estratégica, visto que o
conservadorismo e o autoritarismo que o hegemonizam têm favorecido derrotas em várias
frentes de luta, como a reforma agrária;
- Mobilização dos processos de luta em torno do Código da Mineração: garantias da consulta
prévia das comunidades a serem atingidas, da participação e controle social, de um
planejamento público nacional e participativo sobre o ritmo de mineração e definições de
áreas a serem preservadas da mineração, de destino sobre minas abandonadas, direitos dos
trabalhadores da mineração, de não mineração em terras indígenas;
- Mobilização da classe trabalhadora da mineração junto aos processos de resistência ao
projeto capitalista de mineração, visto à dinâmica de fragmentação e desarticulação dos
sindicatos;
- Publicidade à ação protocolada no Conselho de Ética da Câmara em função da proibição de
estabelecimento de relatorias por deputados que tenham tido suas campanhas financiadas por
setor interessado na matéria, que é a atual situação do relator do Projeto do Código da
Mineração.
Eixo 4 - Relações de trabalho
Nesse eixo, condensam-se os conteúdos abordados na mesa redonda “Relações de
Trabalho no Grande Carajás” e nas seções do GT “Relações de trabalho”.
149
Principais questões:
- a incidência do processo de globalização nas relações de trabalho, considerando a crise do
fordismo, o surgimento de um padrão flexível de organização do trabalho que aumenta a
precarização do trabalho. Na contemporaneidade há uma nova forma de trabalho escravo, mas
os personagens são os mesmos (negros e pobres) que são trabalhadores de carvoarias, do
latifúndio e dos grandes projetos. A ganância (acumulação do capital), miséria (população
sem trabalho) e a impunidade (não punição dos escravocratas) mantém o trabalho escravo
contemporâneo. Um mapa dos principais focos do trabalho escravo mostra que o Pará,
Maranhão, Tocantins e Mato Grosso são os estados que apresentam maiores índices de
trabalho escravo, que coincide com o chamado arco do desmatamento. O Maranhão é o
Estado que mais fornece mão-de-obra para o trabalho escravo;
- a postura anti-sindical da VALE, como uma grande empresa transnacional com impactos
em vários países, por exemplo, Canadá, Moçambique e Brasil, países com culturas sindicais
distintas. Em todos esses países a VALE adota uma postura anti-sindical. Essa empresa ataca
os sindicalizados minimizando as forças das leis trabalhistas. Existe uma mineração
globalizada que não faz parte de uma geografia local e sim mundial;
- a utilização de número significativo de mão de obra local para a realização de trabalhos
braçais na fase de implementação da empresa no Maranhão, provocando intenso êxodo rural e
dispensando tais trabalhadores posteriormente, os quais vão ingressar no trabalho informal e
precarizado. O recrutamento de mão de obra especializada de outros estados brasileiros,
considerando a identificação de tais trabalhadores com a empresa contratante e com a
ideologia por ela difundida e o indicativo de que não se vinculariam com a organização local
dos trabalhadores;
- o descaso governamental em relação às condições de trabalho na Vale e com as riquezas do
país. Nesse sentido, o Seminário Internacional Carajás mostra que o atual modelo de
desenvolvimento não é sustentável e que o Brasil reedita a sua condição de fornecedor de
matérias primas para países capitalistas avançados e de compradores de produtos
industrializados;
- a questão da terceirização na produção industrial mínero-metalúrgica do Maranhão como
uma estratégia de redução de custos e aprofundamento da precarização do trabalho e
emprego, destacando a experiência da VALE no Maranhão. A terceirização é considerada
estratégia central do processo de flexibilização do trabalho, tendo como principais
consequências: desregulamentação das relações trabalhistas, rotatividade do emprego,
rebaixamento dos salários, prolongamento da jornada de trabalho, intensificação a exploração
150
e a precarização das relações de trabalho. Aumento do número de terceirizados anualmente na
VALE: 128 empresas contratadas com 7.883 trabalhadores. Terceirização de atividades fim,
assim como quarteirização (39 empresas contratadas pela Vale que subcontratam outras 104,
empregando 2.335 trabalhadores) – ações judiciais impetradas pelo sindicato.
As relações de trabalho na Empresa Alumar, com destaque para as seguintes questões:
a) Os processos de demissão em massa como prática recorrente da ALUMAR são mascarados
pelo termo de “Desligamento Voluntário”. Tais processos visam reduzir os custos da empresa
com a mão de obra e aumento do lucro e são mediados pelo Sindicato dos Metalúrgicos e
Ministério Público do Trabalho;
b) As políticas sociais empresariais (sistema de benefícios), apesar da crescente redução no
âmbito das empresas, cumprem um importante papel no processo de identificação do
trabalhador com quem o contrata, sendo responsáveis ainda pelo fato do trabalhador não se
sentir explorado, mas sim, elitizado. Isso quer dizer que, no contexto da Alumar, os
trabalhadores se identificam com a empresa e com sua ideologia e se maravilham com a sua
grandeza, passando a se entenderem como trabalhadores privilegiados em relação ao conjunto
dos trabalhadores. Tal mentalidade é intensificada tendo em vista que a sociedade reproduz
esse entendimento;
c) A questão da responsabilidade social empresarial no contexto neoliberal de desmonte das
funções e gastos do Estado para a área social, fortalece o discurso de que a empresa está se
responsabilizando em áreas nas quais o Estado não consegue atuar. No âmbito da Alumar, o
tìtulo de “Empresa Cidadã” obriga os trabalhadores a realizarem trabalho voluntário no tempo
livre em troca de bônus financeiro para complementação do salário recebido, este insuficiente
para sua reprodução e de sua família, mas considerado um bom salário pelos trabalhadores;
d) Postura anti-sindical da Alumar. Por um lado, é uma das maiores produtoras de alumínio,
e, por outro lado, ao seguir os ditames do modo de produção capitalista, contribui para o
desmonte de qualquer embrião de organização sindical, como parte de sua estratégia política e
ideológica para a acumulação;
e) A empresa Alumar investe na cultura local como forma de mascarar os impactos negativos
no meio ambiente e a exploração da força de trabalho;
f) Os trabalhadores da Alumar recorrem a cursos de capacitação/especialização objetivando a
manutenção do emprego, a progressão na carreira e o aumento de salários (empregabilidade),
evidenciando uma preocupação individual em detrimento da coletividade.
A relação entre grandes projetos e acidentes de trabalho no Brasil. Trata-se de uma
questão relacionada à saúde pública. Onde há presença de grandes projetos há acidentes fatais,
151
“Todo dia há acidentes fatais”. As empresas fazem marketing, mas não cumprem a legislação.
As empresas tendem a esconder ao máximo os acidentes devido à exploração da jornada de
trabalho. Não há política de controle e prevenção de acidente de trabalho. Dados estatísticos
apontam para um crescimento do número de acidentes de trabalho e no Maranhão, o número
aumentou com as grandes obras.
Formas de resistência
- A aproximação dos sindicatos com outras formas de contestações sociais;
- Frente de movimentos sociais contra a postura da VALE no sentido de mudar as leis para
proteger os trabalhadores;
- Processos e denúncias no Ministério Público do Trabalho contra a VALE e ALUMAR, no
tocante a violação de direitos do trabalho (acidentes de trabalho) e crimes contra meio
ambiente (mineração).
Propostas e recomendações
- Definição de estratégias polìticas para quebrar a “máfia” relativa aos acidentes de trabalho Construção de novas alianças;
- Busca de provas para melhor caracterizar as doenças acometidas pelo trabalho;
- Campanhas educativas para maior conhecimento dos direitos dos trabalhadores – aumentar a
visibilidade das denúncias;
- Fortalecimento de associações como as dos vitimados do trabalho do Pará;
- Ampliação de pesquisas para fundamentar cientificamente as denúncias e melhorar a
divulgação destas;
- Busca de dados mais atuais sobre acidentes de trabalho – banco de dados;
- Unificação das lutas que ultrapassem a esfera do local e alcance os movimentos
socioterritoriais (que permitem o surgimento de espaços públicos e menos burocráticos). Um
exemplo dessa unidade entre movimento social e sindical foi a greve dos metalúrgicos e os
moradores de Pequiá de Baixo em Açailândia que tentaram unificar duas frentes de lutas.
Eixo 5- Direitos Humanos
O conteúdo desse eixo refere-se ao debate desenvolvido na mesa redonda “Violação
de Direitos Humanos no Grande Carajás”.
152
O projeto de desenvolvimento, sintetizado no Programa Grande Carajás, é
ambientalmente insustentável, aprofunda as desigualdades e viola os direitos humanos.
Enquanto os grupos ambientais não se mobilizarem, os grupos econômicos continuam
influenciando as políticas. O discurso dominante de desenvolvimento propaga que as grandes
empresas reduzem a pobreza, impregnando o senso comum.
Principais questões:
- os impactos socioculturais decorrentes do Programa Grande Carajás, principalmente do
projeto S11D, da empresa Vale, modificam as relações sociais e a cultura existente nas
comunidades afetadas, bem como simplificam as necessidades e desejos da população;
- as políticas compensatórias adotadas são vistas como soluções para problemas complexos.
Tais projetos de compensação e de responsabilidade social da empresa levam a uma noção
que a mineração traz benefícios, promovendo educação e saúde, mas resulta sim no
aprofundamento das desigualdades. Ademais, existe uma influência no comportamento da
juventude local, caracterizando uma modificação dos desejos e das necessidades da
população;
- o caráter multifacetário dos direitos humanos, em que os tratados e convenções
internacionais constituem instrumentos importantes para a tutela das comunidades afetadas
pelos empreendimentos da Vale. Destaque do relatório feito por Faustino a respeito do Projeto
S11D da Vale, que apresenta todos os aspectos da violação de direitos ao longo da Estrada de
Ferro Carajás. Para cada violação existe um violador e uma vítima, resultando em um conflito
de interesses, que no contexto de Carajás, são inconciliáveis;
- exemplos fáticos de violação dos direitos humanos: a) a duplicação da Estrada de Ferro
Carajás, que é objeto de disputa judicial, que possibilitará o aumento da exportação dos
minérios, cuja extração aumentou devido à descoberta de uma nova mina. Os principais
problemas: ruídos, acidentes, mortes, problemas de terra, não-reconhecimento de terras e
territórios indígenas e quilombolas, modificação da realidade social das áreas atingidas
(aumento da prostituição, da insegurança, do consumo de drogas etc). Em relação ao
licenciamento ambiental, a duplicação estava sendo licenciada de forma simplificada. Quanto
aos instrumentos legais, cita-se a Convenção 169 da OIT, tendo em vista o conflito com
indígenas e quilombolas, pois não tiveram a consulta prévia; casos de acidentes de trem, em
que as medidas de segurança necessárias e indicadas à empresa não são tomadas o que
poderia evitar tais acidentes e a vítima é tratada como culpada dos acidentes. Judicialmente, a
responsabilização da empresa é dificultada justamente pela culpa atribuída à vítima;
153
- a violação dos direitos das comunidades indígenas, como é o caso do povo indígena
Gavião/Pukobyê, que teve suas formas de vida e o ambiente local modificados pela
intervenção da VALE no território desse povo, influenciando também na intervenção de
madeireiros, de fazendeiros e de posseiros.
Formas de resistência:
- A temática dos direitos humanos ganha relevância a partir do Século XX, com o pós-guerra.
Tem como marco principal a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), mas
posteriormente surgem vários acordos, abrangendo direitos civis e políticos, econômicos,
sociais e culturais; proteção à mulher, às crianças, aos povos indígenas e tribais (Convenção
169 da OIT); instrumentos contra a tortura etc. A existência de taistratados possibilitam, no
contexto do Programa Grande Carajás, o peticionamento de violações a direitos junto a cortes
internacionais;
- Atualmente existe no Poder Judiciário ação processual que versa sobre o licenciamento da
obra, resultado de esforço conjunto entre a SMDH, o CIMI, o CCN e a JnT. Não obstante, o
TRF-1 suspendeu a liminar que determinava a paralização da obra.
Propostas e recomendações:
- Incentivo à mobilização dos grupos sociais atingidos pela mineração;
- Compreensão da responsabilidade para além da reparação monetária;
- Troca de experiências e formas de resistência dos movimentos de países diferentes.
- Combate à Vale em todo território nacional – não apenas nas principais regiões afetadas
- Preservação das aldeias para as gerações futuras, da mesma forma que os ancestrais fizeram
com as gerações presentes;
- Maior destaque ao massacre do El Dourado dos Carajás enquanto situação de violação de
direitos humanos, com o fim de responsabilizar os envolvidos.
Eixo 6: Responsabilidade Social e Ambiental
Sìntese das exposições feitas na mesa redonda: “Responsabilidade Social e Ambiental
de Empreendimentos”. Destacam-se abordagens sobre as formas de incorporação do discurso
ambiental e trabalhista por empreendimentos e práticas de modernização ecológica e análise
de projetos de responsabilidade social e ambiental implementados por empresas e governos.
154
Principais questões:
- A questão da modernização ecológica da atividade pecuária na Amazônia: o caso do Projeto
Municipal Verde, bem como a crítica socioambiental e as novas estratégias empresariais na
Amazônia - o caso Paragominas/ PA (atividade de Pecuária);
- A insustentabilidade da responsabilidade social e ambiental da Vale no “Corredor Carajás” e
suas comunidades e crítica sobre o discurso da VALE no que diz respeito à questão do
desenvolvimento sustentável;
- A atuação e mobilização de representantes das comunidades camponesas em relação aos
impactos advindos dos projetos de empreendimentos econômicos na Amazônia, a partir de
suas práticas sociais no sentido de buscar efetividade na consecução da responsabilidade
social.
Questões polêmicas:
- Lançamento do Fundo Vale para o Desenvolvimento Sustentável;
- Pacto pela erradicação do Trabalho escravo e ICC;
- Na atividade madeireira: certificação florestal;
- Na atividade de Pecuária: Programa Município Verde.
A questão da Lista Suja do
Desmatamento e a Crise Econômica no caso Paragominas/PA; a Segunda Operação Arco de
Fogo, incêndio do prédio do IBAMA e sequestro dos servidores; Programa Vale Florestar e o
conflito entre os produtores de soja e os pecuaristas. Como explicar o processo de conversão
da elite pecuarista? A questão problemática da mudança do Código Florestal e o conflito de
interesse com os pecuaristas. A luta pela terra e a vitória do latifúndio. (Esse foi ponto focal
da discussão, sendo as três primeiras polêmicas listadas acima citadas, porém, não
desenvolvidas).
- O caso da empresa Vale e suas estratégias empreendedoras acerca do desenvolvimento
sustentável como instrumento de gestão de risco, em que coloca a necessidade da análise do
discurso;
- Os efeitos nocivos dos Projetos implementados pela empresa Vale: divulgação de boa
imagem da empresa, dominação ideológica, neutralização de potenciais conflitos, alienação e
a falsa ideia da preservação do ambiente natural;
- Sustentabilidade esvaziada quando não coincide com o interesse da empresa;
155
- O caso Belo Monte considerando os impactos sociais para as comunidades locais e a
ausência de responsabilidade social.
Propostas e recomendações:
- Viabilização de meios para diminuir as injustiças sociais resultantes dos impactos relativos
as atividades dos empreendimentos;
- Consolidação da ideia de “desenvolvimento”, uma vez que o modelo predominante de
desenvolvimento na lógica dos empreendimentos apresenta limitações à implementação de
um modelo mais efetivo baseado no desenvolvimento sustentável;
- O respeito às práticas culturais das comunidades e aos seus valores;
- Investimentos em estratégias de mobilização;
- Cumprimento das legislações vigentes e o resgate da vertente ética, uma vez que a má
condução de políticas de sustentabilidade que visam à inclusão social acaba gerando cada vez
mais a exclusão de comunidades de agricultores, ribeirinhos pescadores, indígenas e
quilombolas;
- Avalição do custo/benefício da responsabilidade social levando em consideração as isenções
fiscais e o quanto se gasta em responsabilidade social;
- Responsabilização social e ambiental efetiva, indicando as preocupações com o meio
ambiente vinculando-as com as preocupações de cunho social que implicam profundas
transformações, principalmente no âmbito local;
- O fortalecimento da presença das organizações ambientalistas;
- A mediação institucional e a articulação com o MPF, bem como com a elite
pecuária/madeireira local;
- O cumprimento da legislação ambiental mais exequível para os grandes/médios proprietários
rurais do município;
- Construção dos projetos também para os pequenos produtores;
- Denúncias de práticas de corrupção.
Eixo 7- Matrizes tecnológicas
O conteúdo deste eixo refere-se às exposições feitas na mesa redonda “Matrizes
tecnológicas: modelo tecnológico hegemônico e as alternativas tecnológicas populares”.
156
A diversidade de situações e problemáticas nas diferentes regiões e grupos que fazem
parte do campo brasileiro refletem diferentes visões a respeito do conceito de
desenvolvimento e de matriz tecnológica adotados nos últimos tempos. Predominam ainda
modelos que se sustentam em uma base técnico-científica (hegemônica nas escolas, empresas
e universidades) que priorizam um modelo de desenvolvimento voltado para o agronegócio e
o grande capital agrícola, e interferem na dinâmica do meio rural como um modelo que tende
a homogeneizar os espaços através dos grandes projetos com base no desenvolvimento
industrial, a exemplo da siderurgia, da pecuária extensiva em processos de intensificação,
madeireiros (principalmente o eucalipto que se relaciona com a siderurgia), dos
biocombustíveis e grãos. No entanto, há atores que desenvolvem estratégias diferentes de
desenvolvimento e matrizes tecnológicas a partir de uma visão de que tal matriz técnicocientífica não representa a única estratégia de desenvolvimento viável para o campo. Ambas
as estratégias de desenvolvimento correspondem a modelos antagônicos que estão em disputa
e que transcendem o ambiente imediato das comunidades, municípios, estados e países,
estendendo-se para as fronteiras internacionais – o que é claramente perceptível na região de
Carajás.
Principais questões:
- No Pará, a pecuária extensiva vem gradativamente saindo de um modelo extensivo para um
modelo de alto investimento em engenharia genética para a produção de um melhor padrão de
animal; além disso, a indústria da mineração necessita do carvão vegetal para movimentar-se,
para tanto a produção de eucalipto vem aumentando ao longo da última década. O
monocultivo de grãos tem sido feito utilizando-se do arrendamento de propriedades que antes
sob o controle da pecuária tradicional sofria com violentos conflitos entre proprietários e
agricultores familiares e que hoje sob uma nova estratégia de cooptação e amenização destes
conflitos, têm sido arrendadas. O uso de fertilizantes, de agrotóxicos e de sementes
melhoradas por tais empreendimentos, é intenso e representa o caráter tardio da revolução
verde na Amazônia. Há ainda no Pará, um quadro de substituição de pastagem por áreas de
plantio de grãos e uma flagrante concorrência por terras e financiamentos entre o agronegócio
da soja e do eucalipto;
- A produção de biocombustíveis no Pará é realizada principalmente através do cultivo do
dendê, baseada no modelo genético-químico-mecânico e processo mecanizado, e inclui,
ainda, o arrendamento das propriedades por 10 anos, compra de terras. Essa problemática
157
surte efeito também na zona urbana por conta do êxodo rural, atração de grande número de
pessoas pela promessa de emprego, e falta de políticas públicas que deem conta deste quadro;
- No modelo de desenvolvimento que valoriza a agricultura familiar e sua forma de produzir,
o espaço é pensado para ser diverso, com base na fruticultura, lavoura branca, hortaliças,
pecuária de leite e corte, criação de pequenos animais, extrativismo diversificado de produtos
não madeireiros (embora haja também a possibilidade de extração de madeira a partir de um
manejo sustentável sendo útil inclusive para a fabricação de artesanato), plantas medicinais,
criação de peixes (para a comercialização e alimentação). Há a possibilidade de diversificação
do sistema produtivo, (respeitando-se as especificidades de cada região);
- A falta de apoio do Estado na implementação de alternativas tecnológicas populares, que
assim têm um ciclo curto e médio por falta de incentivo e financiamento, contrastando com o
agronegócio. A ATER disponibilizada é baseada no modelo do capital que não leva em conta
as especificidades e os conhecimentos da agricultura familiar, o que muitas vezes leva ao
fracasso de projetos e iniciativas;
- Na Universidade também há uma disputa de projetos de desenvolvimento que se manifestam
no ensino, com a priorização da formação voltada para a monocultura. Qual a relação entre as
alternativas tecnológicas populares com a Universidade?
- A relação agroecologia e saúde para além da saúde em uma perspectiva assistencialista é
ampliada sob uma nova articulação entre saúde coletiva e agroecologia;
- A tensão permanente na condição de movimento social que não abre mão da autonomia e do
constante diálogo com a academia e parceiros que fortaleçam sua perspectiva.
Formas de resistência:
- A Rede Mandioca é uma articulação estadual de organizações formais e informais de
agricultores e agricultoras familiares que atuam diretamente no cultivo, manejo,
beneficiamento e comercialização da mandioca e seus derivados. Está presente em 20
municípios atualmente (Barra do Corda, São Bernardo, São Mateus, Balsas, Magalhães de
Almeida, Vargem Grande, Trizidela do Vale, Pedreiras, São Raimundo das Mangabeiras,
Araioses, Viana, Penalva, Monção, Cajapió, Codó, Bom Jesus das Selvas Lago da Pedra,
Imperatriz, Lôreto), envolvendo 105 grupos organizados em associações, cooperativas e
grupos informais. Fazem parte da Rede um total de 3.000 famílias diretamente e 10.000
pessoas indiretamente; as principais atividades desenvolvidas são agricultura, criação de
pequenos animais, extrativismo e artesanato. Tem como objetivos: estimular a articulação e
158
fortalecimento da organização dos/as agricultores e agricultoras através da rede, garantindo
maior visibilidade da cultura da mandioca no âmbito da agricultura familiar; implantar
campos de mandioca em consórcio com espécies anuais e perenes; capacitar as
comunidades/grupos em práticas agroecológicas para condução dos campos; desencadear um
processo de comercialização dos subprodutos da mandioca e demais produtos da agricultura
familiar; criar espaços de referência comercial e política para os produtos da agricultura
familiar. A motivação para a criação da Rede Mandioca foi combater o aliciamento de
trabalhadores rurais para o trabalho escravo e fortalecer a economia popular solidária a partir
de uma experiência em rede produtiva. A Rede caracteriza-se por ser uma experiência local de
ampla abrangência no estado, dialogando com a discussão de um novo modelo de
desenvolvimento em contraponto aos grandes projetos e com a perspectiva das políticas
públicas, tentando ser uma alternativa de geração de trabalho e renda. Promove ainda o
resgate dos valores culturais, dando visibilidade a uma cultura marginalizada e que tem
grande potencial de contribuição para a segurança alimentar e nutricional. Garante ainda um
maior reconhecimento institucional perante a sociedade civil e o Estado da dimensão
mobilizadora em rede;
- As experiências que estão em torno do IALA, inserida numa rede dentro da Via Campesina,
junto a escolas ou institutos de agroecologia criado no âmbito da ALBA (Alternativa
Bolivariana Para as Américas) com forte contribuição dos movimentos camponeses. Estão
ligados ao ELAA, IALA Paulo Freire (Venezuela), IALA Guarani (Paraguai) e o IALA
Amazônico. Esta rede representa uma leitura realizada pelas organizações e movimentos de
inserção do camponês na estrutura de hegemonia de produção do capital e como este tem
produzido sua existência no campo. A IALA busca se apropriar de uma visão de acirramento
da disputa de classes no campo representada por modelos antagônicos de desenvolvimento, na
qual um modelo se apropria das condições de reprodução do outro. Não há, para a IALA, a
perspectiva de coexistência harmônica entre estas duas classes e estes dois projetos, sendo
marcada pela violência. São muitos os atores que se articulam de forma extremamente
eficiente para expropriar a agricultura familiar internacionalmente;
- A experiência no Pará e a tentativa de mudar o ensino de ciências agrárias. Trata-se da
experiência de interiorização do ensino em que desenvolveu um ensino diferente do
tradicional, com uma abordagem sistêmica, envolvendo a dimensão ambiental de base
agroecológica. Intercala sala de aula e campo a cada 6 meses para entender a família, o meio
biofísico, o lote e por fim a comunidade como um todo. Baseada na educação popular e em
159
princípios teórico-metodológicos que possibilitam esta formação. É necessário que haja
docentes dispostos a este tipo de trabalho;
-Desenvolvimento de um cursinho popular para a juventude atingida pelos grandes projetos
com cerca de 150 a 200 jovens (nos municípios de Marabá, Altamira e Parauapebas), com a
participação de movimentos sociais como o MST fazendo um debate sobre temas de interesse
da juventude. Pensa a preparação para o vestibular de forma diferenciada, adaptado à
realidade do campo.
Propostas e Recomendações:
- Utilização dos programas PRONATEC, PRONACAMPO, financiados pelo Estado, voltados
não para a outra perspectiva de formação, isto é, não só voltados para a técnica, mas também
para a formação social dos indivíduos. Isto por que o Governo e as empresas têm focalizado a
formação não mais na Universidade, e sim na capacitação para o campo industrial nas cidades
em que as empresas se instalam, oferecendo cursos de baixa qualificação a exemplo de
garçom, pedreiro, eletricista;
- Elaboração de uma proposta metodológica diferenciada de formação dos professores.
8 - Povos Indígenas
O conteúdo desse eixo foi elaborado considerando principalmente as exposições da
mesa redonda e do GT “Povos Indìgenas”.
A relação dos grandes empreendimentos do Programa Grande Carajás com os povos
indígenas tem sido de exploração dos seus recursos naturais e destruição do seu ambiente e da
sua cultura. Provoca conflitos entre os próprios povos indígenas e desarticula seus
mecanismos de autonomia de sua subsistência. Os índios viviam de suas roças, de seu próprio
trabalho. A partir da década de 1980, com a implantação do Projeto Carajás, grande parte
dessas aldeias passa a ser dependente dos grandes projetos, o que leva a perda de sua
autonomia e provoca impactos em suas formas de vida. O importante é destacar que os povos
indígenas estão voltando a se posicionar e a retomar sua autonomia, e reconhecem que os
projetos e convênios implantados pela Vale são danosos para a sua cultura e sobrevivência.
A presença da Vale na área indígena modifica ambiente e consequentemente afeta o
modo de vida da comunidade. Através da Vale as relações sociais capitalistas transformam a
160
terra e sua produção em mercadoria e entram em confronto com o modo de vida indígena que
pensa a terra como parte da comunidade e a produção agrícola está voltada para o consumo
interno da aldeia e não para o mercado. Através da Vale, o grande capital atrai novos
empreendimentos como a extração de madeira, mercado de terras, agronegócios e gera
conflitos pela invasão das terras indígenas.
Os povos indígenas repudiam o modelo de desenvolvimento baseado em grandes
empreendimentos e reafirmam a sua luta pela preservação das terras e da cultura e da
autonomia dos territórios indígenas como única forma de garanti-las para as gerações futuras.
Propostas e Recomendações:
- Respeito ao Direito dos povos indígenas aos seus territórios;
- Manutenção da resistência e mobilização dos povos indígenas e fortalecimento dos vínculos
com outros setores também atingidos, como os quilombolas e ribeirinhos, pelos grandes
projetos implantados na região;
- Articulação de todos os povos atingidos pelo PGC num grande evento/manifesto/documento
para que com o fim do seminário não se finalize a discussão e nem a possibilidade de um
enfrentamento ao massacre. A causa indígena tem que ser a causa de todos, fortalecendo e
unificando as forças dos indígenas, quilombolas, atingidos por barragens, ribeirinho,
pescadores, pois a mobilização conjunta faz a diferença.
9. Educação
O conteúdo desse eixo foi elaborado a partir das exposições de variados GTs e mesas
redondas, com destaque para o GT “Povos Indìgenas”, GT “Educação” e mesa redonda
“Projetos e Processos Educacionais em disputas: polìticas governamentais”.
Principais questões:
- No Brasil, a educação tem sido negada às classes populares e aos povos indígenas e os
conteúdos programáticos estão vinculados aos interesses econômicos e ideológicos da classe
dominante;
- No campo, o Estado não se preocupa em adequar os conteúdos e os processos educacionais
às particularidades da vida do produtor rural. A ação das empresas do grande capital contribui
161
para precarizar a educação no campo, ao interferir nos conteúdos programáticos e direcionálos para os interesses de formação de mão-de-obra voltada ao mercado;
- Na educação indígena, a situação se agrava. As escolas não têm respeitado os direitos
conquistados por estes, na Constituição de 1988, que é o de manter os costumes desses povos
e ensinar a sua língua junto com outras matérias. O conteúdo programático da maioria dessas
escolas não é diferenciado e não inclui o ensino da língua materna, nem disciplinas que
respondam a demandas, necessidades e interesses dos povos indígenas;
- No que se refere ao ensino superior, as discussões apontaram para a necessidade de uma
aproximação entre o saber acadêmico e o saber popular. Há um reconhecimento de que há um
distanciamento da universidade em relação aos processos que afetam as classes populares e
povos indígenas e que provocam exclusão e privação de direitos políticos e sociais. A
universidade ocupa um local de destaque por ser um espaço de produção do conhecimento e
tem como desafio democratizar e transformar essa produção em um instrumento de denúncia
dos processos geradores de exploração e desigualdade social;
- O saber popular e a educação popular têm se constituído em importante estratégia de
informação,
organização
e
resistência
das
populações
atingidas
pelos
grandes
empreendimentos. Através da educação popular é possível o debate sobre os diferentes
modelos de desenvolvimento, questionar o modelo baseado em grandes empreendimentos e
construir novas estratégias de resistências.
Propostas e Recomendações:
- Organização e mobilização das populações do campo para fazer pressão frente ao Estado
para rever os conteúdos programáticos ministrados em escolas no campo;
- Luta por mais universidades e cursos de ensino superior que reflitam um novo conteúdo
programático adequado à realidade do campo;
- Readequação do material de ensino utilizado pelas escolas no campo, de modo a adaptá-los
à realidade dos campesinos;
- Adoção de um novo formato de ensino no campo, que envolva mais as famílias dos alunos,
e trazê-las para ensinar nas escolas, de modo a estreitar os vínculos entre os moradores e
incentivá-los à mobilização na luta de seus direitos e fazer frente aos valores transpostos das
cidades ao campo;
- Luta por melhoria nas condições materiais da escola, e pela implementação de uma
quantidade maior de universidades no campo, pressionando sempre para criar uma educação
para a classe trabalhadora, de maneira coletiva e democrática;
162
- Organização e mobilização de povos indígenas – nacionais e internacionais - para pressionar
e efetivar o ideal de escola construída pelos povos indígenas para os povos indígenas;
- Compromisso político da universidade brasileira de apoio às lutas das populações atingidas
por esse modelo de desenvolvimento e disponibilização da sua estrutura para os movimentos
sociais;
- Socialização da ciência e do conhecimento;
- Respeito e valorização das informações das comunidades pela Universidade.
10. Comunicação, cultura e arte
Essa temática teve como principal fonte as exposições da mesa redonda
“Comunicação, Cultura e Arte” e do GT “Programa Grande Carajás, meios de comunicação,
cultura e polìtica”.
Principais questões:
- Os meios de comunicação no Maranhão estão concentrados no domínio da família Sarney e
têm uma estreita relação com o poder público. No âmbito nacional o governo contribui para a
expansão dos meios de comunicação privados e monopolizadores da informação. Em
contrapartida, as rádios comunitárias perdem força uma vez que são criminalizadas pelas
grandes emissoras e coagidas pelo Estado por ser um instrumento de denúncia e organização
política e manifestação cultural da população;
- A estreita relação dos grandes grupos de comunicação privados e as empresas impedem a
divulgação de denúncias sobre os danos ambientais, os conflitos, os assassinatos e os
acidentes de trabalho que ocorrem diariamente nessas empresas. Além disso, a mídia ao
editorializar as materias, criminaliza os movimentos;
- Reconhece-se a importância das mídias sociais, como o Facebook e Twiter por contribuírem
com a divulgação das notícias sem a necessidade dos chamados “atravessadores”, que no caso
são as emissoras. Porém, é preciso qualificar esses trabalhos, uma vez que há muita coisa
escrita;
- O investimento em cultura no Maranhão nos últimos vinte e cinco anos tem sido pequeno e
não acompanhou o aumento do número de municípios, que passaram de 136 para 217;
- Para as empresas, o investimento em cultura assume uma posição de destaque em seu
projeto de atrair a simpatia das comunidades, conquistar legitimidade e novos recursos do
Estado. O marketing cultural utilizado pela Vale, Petrobrás e Suzanno se beneficia do talento
163
de jovens das comunidades onde estas empresas estão instaladas ao contratarem grupos para
realizarem atividades em suas instalações e em outras comunidades.
Propostas e Recomendações
- Criação de espaços como fóruns e debates para contribuírem com a luta social, ampliarem a
informação e ultrapassarem o domínio centralizador das empresas de comunicação.
11. Questões Sócio-ambientais
Esse eixo foi construído com as contribuições de três mesas redondas: 1) “Grande
Carajás: consequências sócio-ambientais e de infraestrutura”; 2) “Ambiente, Modos de Vida e
Conflitos Sócio-ambientais”; 3) “Os atingidos pela mineração no mundo: relatos de impactos
e experiências de resistências”. E de dois GTs: 1) “Ambiente, Poluição e Saúde”; 2)
“Conflitos Ambientais”.
Principais questões:
- Os grandes empreendimentos em todos os países, nomeadamente os ligados ao setor de
mineração, provocam profundos impactos socioambientais que afetam negativamente a saúde,
o meio ambiente, a agricultura, a pesca, enfim, o desenvolvimento humano das comunidades.
Esses empreendimentos embora estejam em países diferentes possuem a mesma marca: são
profundamente poluidores e estão economicamente conectados;
- Na Itália, a cidade de Taranto possui o maior empreendimento siderúrgico europeu, cuja
siderurgia recebe minérios da Serra dos Carajás, comercializado pela Vale. As comunidades
de Tamburi (Taranto, Itália) e Pequiá de Baixo (Açailândia,Brasil) estão ligadas
pela
poluição, pelas doenças e pelas mortes provocadas pelos grandes empreendimentos;
- As mesmas nuvens que se levantam em Tamburi e Pequiá são fruto da poluição da
siderurgia. São 800 navios de minerais de ferro a cada ano em Taranto, que são armazenados
em grandes áreas formando montanhas de ferro, equivalente a 90 campos de futebol. Esse
minério de ferro é utilizado para produzir coque de maneira arcaica e altamente poluente;
- Em Taranto, em 2005, foi feito estudo sobre exposição dos trabalhadores na indústria de
coque, que aponta que este tipo de indústria pode causar câncer aos trabalhadores e aos
moradores de áreas próximas a siderurgia. Dentre os efeitos mais percebidos, pode-se destacar
164
a má formação do feto, aumento de doenças respiratórias e cardíacas, fruto da intensa
poluição do solo, do mar e do ar;
- Em Moçambique a ação da Vale na extração do carvão mineral e do gás tem provocado
violência, degradação dos rios e terras, poluição e expulsão dos camponeses de suas terras. O
poder e o controle da Vale sobre os territórios em que têm empreendimentos afeta inclusive a
soberania do Estado-nação de Moçambique. As leis do Petróleo e da Mineração, em
desacordo com a Lei de Terras, priorizam os interesses de exploração do subsolo onde é
prospectado o carvão mineral e o gás, em detrimento dos interesses das famílias que habitam
estas áreas;
- Além dos impactos socioambientais dos grandes projetos de mineração, no Brasil se
destacam também os impactos provocados pelo agronegócio e pela construção de
hidrelétricas. O agronegócio utiliza uma grande quantidade de agrotóxico e o Brasil é o maior
consumidor do mundo. O mercado brasileiro aumentou 190% na última década,
movimentando 8,5 bilhões de dólares, sendo 10 empresas controlando 75% do mercado. Toda
a população da região é atingida pelo uso abusivo de agrotóxico devido à poluição da água, do
ar e do solo;
- A construção de hidroelétricas no Brasil interessa principalmente às empresas produtoras de
turbinas de origem francesa, austríaca e alemã. Está prevista a construção de 48 grandes
barragens até 2020. Destas, 30 estão na região amazônica. Essas barragens geram
deslocamento compulsório de comunidades indígenas, ribeirinhos e superexploração da força
de trabalho. São 30 etnias afetadas diretamente com a construção dessas UHE na Amazônia;
13.351 km² de áreas serão inundadas e 65.000 km² serão disponibilizados para gerar energia e
está previsto o deslocamento de cerca de 1 milhão e 500 mil pessoas das áreas afetadas pelas
barragens;
- A imprevisibilidade técnica, social e econômica dos riscos e da execução marca esses
empreendimentos energéticos. O projeto anunciado no EIA-RIMA não é igual ao projeto
implantado. A Avaliação Ambiental Integrada não está respaldada em pressupostos
cientificamente fundamentados que garantam o conhecimento e controle dos processos
sociais;
- O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), no Brasil, denuncia a falta de
informações confiáveis sobre os projetos de construção de barragens. O modelo concebido
pelo governo gera energia barata e garante grandes lucros para as empresas envolvidas nos
projetos na mesma proporção que destrói o meio ambiente e desrespeita os direitos das
165
comunidades indígenas e ribeirinhas. A ANEL como estrutura de controle e regulação do
governo brasileiro não vem impedindo a ação predatória destas empresas;
- O MAB foi criado para enfrentar as grandes empresas de capital internacional e nacional que
atuam na construção das barragens e a ação do governo federal. O MAB indaga: “energia para
quê e para quem?” e mais, “quem vai pagar a conta dos riscos causados pelos
empreendimentos elétricos?”, já que estes são financiados com dinheiro público, via BNDES;
- Nesses grandes empreendimentos quanto maior o lucro, maior a devastação ambiental e para
garantir legitimidade, chantageiam com a questão dos postos de trabalho que geram. Neste
debate dos grandes empreendimentos é importante salientar que mesmo que usassem
tecnologias de redução da poluição, ela jamais poderia pagar o custo socioambiental;
- No que diz respeito especialmente à saúde, Marcelo Firpo (Fiocruz – Brasil) contrapõe a
relação de saúde com rentabilidade com a concepção da medicina social latinoamericana que
parte da determinação social dos processos saúde-doença. Essa visão tem sido construída nos
últimos 20 anos e sofreu a influência das comunidades indígenas da América Latina que
concebem saúde como dignidade e bem viver. Considera que os grandes empreendimentos e o
Estado produzem um biocídio das populações posto que mercantilizam a vida humana e a
natureza; aniquilam direitos das comunidades ao território e aos bens naturais; desprezam
valores comunitários, culturais, a sacralidade da vida e da natureza; poluem a natureza e
provocam doenças; assassinam lideranças das lutas socioambientais;
- No processo de biocídio, o Estado age como coadjuvante ao garantir financiamento e
infraestrutura para a implantação desses empreendimentos sem cobrar contrapartidas de
respeito ao meio ambiente e às populações.
Propostas e recomendações:
- Denúncia dos crimes e violações dos direitos e do meio ambiente, cometidos pelas
empresas;
- Equiparação dos crimes ambientais ao roubo e ao homicídio;
- Responsabilização do poluidor pelos danos ao meio ambiente;
- Publicidade dos conhecimentos sobre conflitos ambientais;
- Criação de Comitês locais para acompanhamento das ações das empresas;
- Combate ao biocídio dos empreendimentos (projetos de morte);
- Enfrentamento à violência: direitos humanos e justiça;
- Valorização da Saúde como dignidade e como direito;
166
- Enfrentamento do modelo de ciência e economia hegemônicos;
- Campanha contra os agrotóxicos e pela vida;
- Elaboração de Video-documentário;
- Elaboração de Dossiê Abrasco – uma alerta sobre os agrotóxicos;
- Desenvolvimento da Agroecologia (Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica,
Plano Nacional e Programa Nacional de Redução de Uso de agrotóxicos);
- Socialização dos dados, informações;
- Exigência de perícias alternativas;
- Exigência de comprometimento da justiça do trabalho;
- Destaque da importância da presença de entidades ambientalista nas lutas sociais das
populações envolvidas como forma de confronto com o discurso acadêmico e técnico das
grandes empresas de defesa do meio ambiente e de redução da pobreza. As grandes empresas
utilizam o saber científico e técnico como poder para qualificar as informações e se
legitimarem como elemento civilizador e desqualificador do saber popular e das populações
tradicionais como atrasadas.
12. Relações de Gênero e Geração
O conteúdo que subsidiou essa sìntese foi extraìdo da mesa redonda “Grandes projetos
e relações de gênero e geração” e do GT “Gênero, Diversidade e Geração”.
No modelo de desenvolvimento baseado nos grandes empreendimentos de mineração,
hidrelétricas e do agronegócio, as mulheres são os sujeitos mais afetados, por sofrerem um
processo de invisibilização do caráter produtivo de seu trabalho e do seu papel enquanto
sujeito social.
No âmbito desta problemática, assim como os impactos desta prática estão presentes
tanto no rural quanto no urbano, sendo muitas vezes tratados como espaços dicotômicos,
também afetam a discussão de gênero, bastante dicotomizada e relegada a um segundo plano,
sem uma interrelação com as demais questões. Esta dicotomia dificulta a percepção do
trabalho reprodutivo apropriado das mulheres e reforça a visão de seu trabalho como “ajuda”.
Daí que as mulheres não são vistas e incluídas, sendo assim percebidas por uma perspectiva
de não-trabalho. Não há como dissociar as mulheres dessa situação, tanto como reprodutoras
da resistência e de seus modos de vida e como vítimas deste processo, que é transnacional e
muito complexo.
167
É importante reconhecer que houve avanços nas condições da participação feminina,
mas o acesso a políticas públicas sociais ainda é precário assim como a falta de atenção
específica para este segmento da população. O analfabetismo é um dos dificultadores do
avanço da luta das mulheres.
Principais questões:
- As principais consequências do processo de expropriação realizado pelo agronegócio sobre
as mulheres do campo são: a) precoce inserção no mundo do trabalho, devido à busca por
renda longe de seus territórios, uma vez que estes lhes foram usurpados e perderam condições
de propiciar a reprodução de sua existência e de sua família. Esta inserção se dá acompanhada
de pouco ou nenhum reconhecimento dos direitos trabalhistas; b) falta de acesso e/ou
abandono à escola, embora muito comum no campo mas atinge principalmente a população
feminina; c) falta de atendimento integral e de qualidade à saúde, inclusive com
acompanhamento ao pré-natal e ao parto; d) total vulnerabilidade aos agrotóxicos que causam
interferência na saúde feminina através de males como o câncer, má formação de crianças e
infertilidade; e) conivência e negligência do Estado com as estruturas do agronegócio e, por
fim a criminalização dos movimentos sociais;
- Esses grandes empreendimentos, em geral, apresentam os mesmos impactos na vida das
mulheres: provocam problemas na saúde e acidentes de trabalho; submetem as mulheres a
tarefas degradantes e sobrecarga de trabalho devido a longas jornadas; promovem o
deslocamento compulsório de sua comunidade o que causa o rompimento do elo de
parentesco e de solidariedade tradicionalmente construído e mantido pelas mulheres. Essas
mulheres ao serem expulsas de suas terras são obrigadas a ir para as periferias e seus filhos
estão sujeitos a serem atraídos para a criminalidade e uso de drogas;
- Importa ressaltar que dois aspectos têm sido relegados, no debate sobre a mineração: a saúde
– especialmente focando a juventude e a mulher – e a artificialização dos modos de vida da
juventude, num processo de submissão cada vez mais intenso dos jovens aos ditames do
capital, quanto ao consumo, cultura e comportamento, em grande parte por conta da
influência da mídia burguesa;
- A falta de perspectiva de trabalho e a vulnerabilidade são as principais causas do quadro de
prostituição sexual e do trabalho infantil. A prostituição nas áreas de exploração da mineração
representa mais do que a exploração da sexualidade das crianças e jovens vitimizados, são
168
sentimentos que são roubados e que atingem de forma irreversível a construção da identidade
e sociabilidade destes sujeitos;
- Outra consequência perversa dos grandes projetos para a infância e a juventude é o registro
de trabalho de crianças e jovens nas etapas mais primárias da siderurgia. Essa condição
degradante de trabalho ameaça as novas gerações e exige um debate;
- Na perspectiva de identificar o que fazer para mudar a mentalidade do jovem no sentido de
estimular sua capacidade crítica e fortalecer sua autonomia, elencam-se três espaços centrais e
possíveis de discussão para alterar a situação vigente: a escola, o trabalho e a mídia burguesa.
Propostas e recomendações:
- Indicação de três espaços centrais e possíveis de discussão para alterar a situação vigente
com vista mudança da mentalidade do jovem no sentido de estimular sua capacidade crítica e
fortalecer sua autonomia: a escola, o trabalho e a mídia burguesa;
- Criação de condições de combate ao projeto de desenvolvimento baseado na exploração,
expropriação e exclusão;
-Combate a todas as formas de violência cometidas contra as mulheres – por empresas,
fazendeiros;
- Cobrança ao Estado da efetivação de políticas públicas universais para mulheres do campo e
da cidade e o acesso a essas políticas;
- Criação de espaços de participação política de poder e decisão;
- Oferta de espaços para as crianças enquanto as mães trabalham ou estudam para garantir sua
participação no espaço público;
- Implementação de políticas e lutas de enfrentamento do agronegócio patriarcal;
- Reforço à luta pela reforma agrária acompanhada de um novo projeto de desenvolvimento
para o campo, baseado, por exemplo, na agroecologia;
- Implementação de programa de erradicação do analfabetismo para mulheres e jovens no
campo e na cidade;
- Reapropriação dos bens da natureza para garantir a produção de novas relações de gênero
onde o ser humano seja verdadeiramente livre;
- Unificação dos movimentos sociais, pois existe uma separação entre as pautas. O
movimento contra a mineração representa uma possibilidade de unificar a luta dos
trabalhadores, haja vista que a transversalidade precisa ser uma realidade e precisa ser
169
trabalhada na perspectiva de integrar os vários fios que unem a realidade em seus muitos
aspectos;
- Estratégias de luta pela emancipação da juventude: 1 – Organização social: luta coletiva e
principalmente articulada em uma esfera maior; 2 – Luta social: ação concreta para fortalecer
sua organização e emancipação e transformar sua mente e sua sociedade; 3 – História:
localizar o jovem em sua própria história e não como é mostrada pelo capital. Enxergar o
futuro a partir do passado resgatando a história dos povos e culturas que formaram a
Amazônia antes dos grandes projetos; 4 – Cultura: transformar o cotidiano aprofundando a
vivência das relações sociais. A arte neste sentido é um instrumento fundamental para
fortalecer a perspectiva da emancipação; 5 – Trabalho: garantir um trabalho não alienado, que
não dependa das formas de exploração feitas pela mineração, e que tenha como centro uma
pedagogia transformadora; um trabalho que seja apropriado pelo trabalhador e não pelo setor
empresarial e financeiro.
Questões polêmicas:
Faz-se necessário tomar cuidado com os rótulos que usamos para definir a mulher na
sociedade e quais os limites do uso do corpo para a autoexpressão e para a exploração por
parte do capital. Na medida em que a mulher, enquanto um sujeito que tem sua identidade
fruto do meio em que vive, está sujeita aos rótulos e preconceitos. Cabe fortalecer o olhar
feminino na formação da mulher, numa perspectiva de autoestima e autonomia, e de
desconstrução de conceitos que denigrem e empobrecem a sua figura.
Questiona-se como combater a exploração sexual de crianças e adolescentes nas áreas
de mineração e demais projetos relacionados ao agronegócio e como a Justiça pode contribuir
na direção de um melhor tratamento à questão dos “meninos do trem” – que saem de suas
cidades em direção à Marabá, Parauapebas, São Luís, dentre outras, fugindo das condições
precárias de existência.
13. Questão urbana
Essa sìntese foi elaborada considerando as exposições da mesa redonda “Grande
Carajás e impactos no campo e na cidade” e do GT “Questão Urbana”.
170
Na sociedade capitalista o modelo de cidade construído é determinado pelos interesses
do capital e se expressa na segregação espacial da população e dos serviços públicos,
aprofundando os problemas sociais, a periferização e a higienização social.
Atualmente, o Estado atendendo os interesses do capital imobiliário, implementando
um processo de reorganização do espaço urbano através do remanejamento de populações
(principalmente de palafitas) para novas áreas de povoamento, geralmente, sem infraestrutura,
sem condições adequadas de moradia e de mobilidade urbana.
Principais questões:
Com relação às consequências da exclusão territorial, têm-se:
- depredação ambiental pela ausência de moradia, as pessoas ocupam a beira de córregos e
rios, onde o risco de acidentes é grande;
- escalada da violência, devido ao mínimo reconhecimento dos direitos humanos e a
problemática do trabalho, educação e transporte;
- ausência de participação popular ativa e autônoma nos espaços de discussão do plano diretor
das cidades;
- comercialização dos imóveis do PAC pela população.
Propostas e Recomendações:
- Reafirmação da importância da participação política das classes populares para garantir que
a atual política de planejamento e habitação atenda às necessidades da maioria da população.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conteúdo das exposições das mesas redondas e GTs nos permitiu ter uma dimensão
ampla e concreta dos desafios colocados para o movimento social no enfrentamento das
consequências e impactos do atual modelo de desenvolvido adotado mundialmente. Um
modelo que provoca a degradação do meio ambiente, polui o solo, a água e o ar, condena
milhares de pessoas à pobreza, à exposição a doenças decorrentes da poluição, à violência
gerada pelos conflitos de terra e desrespeito aos direitos humanos, desencadeia problemas
como a prostituição, tráfico de drogas, acidentes e mortes em sua área de influência.
171
O “Seminário Carajás 30 anos: resistências e mobilizações frente a projetos de
desenvolvimento na Amazônia oriental” foi mais um passo para a unificação e organização
das resistências de homens e mulheres que sofrem com a ação predatória das empresas de
mineração. Para alertar as diversas entidades, sindicatos, comunidades tradicionais e
indígenas que o enfrentamento ao atual modelo de desenvolvimento requer uma unidade e
uma intervenção nacional e internacional contra os governos e as empresas.
Este seminário construiu propostas concretas para orientar a luta contra as empresas de
mineração e os governos que garantem a realização de seus interesses. Dentre as propostas
destacamos aprovação da “Carta de São Luis”.
172
8.3
Mesas Redondas no Seminário Internacional em São Luís
8.3.1 Mesa Redonda: Resistências e Mobilizações frente aos Projetos de
desenvolvimento na Amazônia Brasileira
Ementa: Recuperação do processo histórico de construção do debate acerca do Programa
Grande Carajás e apresentação dos Seminários Preparatórios e da metodologia do Seminário
Internacional Carajás 30 Anos.
Participantes da mesa:
Marluze Pastor (Forum Carajás)
Um representante de cada Seminário Preparatório
Jonas Borges (MST)
Coordenação: Josefa Batista Lopes (GESERMS-UFMA)
Relatoria:Denise de Jesus Albuquerque
A presente mesa fez um resgate histórico do processo de construção do Seminário
Internacional Carajás 30 Anos, destacando-se o processo de organização do Fórum Carajás,
assim como os seminários temáticos que antecederam a etapa final do Seminário
Internacional Carajás 30 anos, em São Luís.
Enfatizou-se que esse é um processo coletivo que se dá desde a década de 90, englobando a
região da Amazônia Oriental (PA, MA, TO, AP) e que conta com a participação de diversos
atores sociais que representam a diversidade de saberes presentes nesse processo:
Movimentos Sociais, Universidades (através de grupos de estudo e pesquisa), membros de
comunidades atingidas pelo Programa Grande Carajás, ONGs, Pastorais Sociais, Igreja
Católica.
No tocante ao processo de organização do Fórum Carajás, foi destacado que este se deu a
partir da constituição de núcleos, uma coordenação e da realização de encontros. Esse
processo foi antecedido de atividades de formação e produção de materiais, debates e oficinas
sobre a conjuntura, levantamento de dados, estudos, pesquisas, audiências, debates,
entrevistas e eventos nacionais e internacionais com representantes do Estado, empresas e
bancos. O evento que se configura como marco inicial desse processo ocorreu na cidade de
Marabá-PA no ano de 1992. Outros eventos de destaque foram a Mesa Redonda
Internacional ocorrida em São Luís em 1995 e o Seminário Carajás: Mineração e
Desemprego, na cidade de Paraupebas no ano 2000.
Apresentou-se como parte dos resultados e conquistas desse processo o fato de que o Estado
brasileiro passou então a considerar o problema do carvão como de responsabilidade das
empresas de gusa, além de um maior controle por parte do Ministério Público Federal e do
Ibama. Este último, através de estudo, considerou a inviabilidade da produção de gusa no Polo
Carajás. Outras conquistas destacadas: criação de organizações da sociedade civil na região;
173
conhecimento dos projetos e políticas para a região pelos trabalhadores rurais, metalúrgicos,
estudantes, pesquisadores e ONGs; criação do Fórum Carajás Alemão; eleição de pessoas
envolvidas com esta luta em Paraupebas (um prefeito) e em Marabá (um vereador).
No que se refere aos seminários temáticos, estes tiveram início em outubro de 2013 na cidade
de Imperatriz-MA e aconteceram também nas cidades de Marabá-PA e Santa Inês em março
de 2014 e em Belém-PA em abril de 2014. Essas etapas contaram ao todo com a presença de
cerca de 980 pessoas dentre acadêmicos, pesquisadores, membros de movimentos sociais,
ONGs, pastorais sociais e comunidades atingidas pelo Programa Carajás.
Nos debates ocorridos nos Seminários Temáticos chegou-se à conclusão de que a força do
capital tem se intensificado de forma violenta na região Amazônica no presente, como
ocorrido há 30 anos atrás. Nesse momento, impactos sociais e ambientais se intensificam. O
modelo capitalista da região não contribui para o desenvolvimento das comunidades locais.
Os movimentos sociais têm se colocado contra esse modelo de desenvolvimento do capital.
Discutiu-se, ainda, que a Amazônia sempre esteve na mira do capital internacional e o Estado
sempre foi estimulador da inserção da Amazônia brasileira nessa dinâmica capitalista, mas
esquece que a Amazônia tem gente, tem cultura, tem história, desrespeitando, assim, os
interesses das comunidades locais.
Nesse sentido, percebeu-se que há um conluiu entre o Estado, as oligarquias locais, o capital
nacional e internacional. Isso tem trazido impactos fortes como a precarização do trabalho, o
trabalho escravo em fazendas e plantios de eucalipto, dentre outros. O Estado gere o
desenvolvimento do capital e não se preocupa com as populações dessas comunidades. Nesse
sentido, há um descompasso entre pactos e direitos, entre o tolerável e a justiça. Nenhum dano
de comunidade tem sido reparável nesses 30 anos.
Outra questão levantada nos seminários é que apesar dos impactos, também há bastante
resistência. O processo de articulação das comunidades demonstra isso.
No tocante aos encaminhamentos definidos nos seminários, os palestrantes apresentaram a
necessidade de construção de um plano de lutas imediato, a rearticulação da luta no Corredor
Carajás e que o Seminário Internacional Carajás deve ser propositivo, fazer crítica a esse
modelo de desenvolvimento e contribuir com a criação de estratégias de luta para inverter a
lógica atual de subserviência do Estado brasileiro a esse modelo. No Seminário Internacional
será construída a Carta de São Luís, como síntese desses debates e encaminhamentos de luta.
174
8.3.2 Mesa Redonda: Os atingidos pela mineração no mundo: relatos de
impactos e experiências de resistência
Ementa:Para melhor compreender conexões, influências e afinidades para com o contexto do
corredor de Carajás, o Seminário abre-se à escuta do cenário internacional, trazendo
depoimentos de atingidos pela mineração em diversas partes do mundo: Moçambique,
Colômbia, Peru, Itália, Canadá, Argentina e Minas Gerais (Brasil). Além do contexto de luta
de suas regiões, os convidados evidenciarão impactos e resistências específicas,
especialmente sobre os temas de deslocamentos forçados, direito à água, a um meio ambiente
saudável e à saúde, consulta prévia aos povos indígenas.
Participantes da mesa:
Maria Alice Mabota (Liga Moçambicana de Direitos Humanos - Moçambique)
Rafael Figueroa (Pensamiento y Acción Social – PAS - Colômbia)
Beatrice Ruscio (Peacelink - Itália)
Doug Olthuis (Canadian Network on Corporate Accountability/CNCA - Canadá)
Gustavo Tostes Gazzinelli (Movimento pelas Serras e Águas de Minas - Brasil)
Santiago Hernán Machado Aráoz (Bienaventurados los Pobres - Argentina)
Milton Sanchés (Frente de Defensa Ambiental de Celendín, Cajamarca - Peru)
Coordenação: Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale
Relatoria:Karenina Fonseca Silva e Mayara Pinheiro Fortes
Maria Alice Mabota da Liga Moçambicana inicia sua apresentação com um desabafo sobre as
conseqüências do período da escravatura, que se refletem até os dias de hoje na pobreza do
moçambicano.
A apresentação segue no sentido de um relato da experiência do Estado Moçambicano com a
empresa Vale. O discurso da empresa foi sempre de trazer desenvolvimento para o país,
entretanto, esse tal desenvolvimento não se reflete no povo, que vive em sua maioria da caça e
da pesca, sem acesso a educação, maltratado pela polícia que criminaliza as minorias e os
movimentos sociais.
O relato de experiência em Moçambique revela o contrato estabelecido entre a Vale e o
Governo, sendo celebrado em 26 de junho de 2007 um contrato de mineração sobre o projeto
de exploração de carvão mineral do Distrito de Moatize na Província de Tete, apoiando-se no
fundamento de que o porte do investimento traria “qualidade de vida aos cidadãos e a
promoção do desenvolvimento sócio-econômico ao Paìs”. Assim o contrato preconizava
atividades e compromissos no reassentamento da população atingida pelo projeto e lhe dariam
condições iguais ou melhores no que diz respeito ao acesso a habitação, água potável, terra
propicia para a agricultura, acesso a educação, saúde, vias de acessos adequadas, energia e
emprego. No entanto, nunca atingiu o que foi previamente acordado. As famílias reassentadas
tinham seus modos próprios de cultura e tradições, a prática de pesca, artesanato, agricultura
de subsistência e comercialização nos mercados informais e essas formas foram impactadas
pelo empreendimento.
175
Registra-se que por conta do projeto de exploração de carvão mineral de Moatize pela Vale,
mais de mil trezentos e quinze famílias compostas de camponeses e camponesas e oleiros
foram reassentadas pela empresa e pelo Governo no ano de 2009. Setecentos e cinqüenta
famílias foram reassentadas na localidade de Cateme, a 40 Km da Vila de Moatize. No
processo de reassentamento a Vale e o Governo de Moçambique tiraram como base uma casa
modelo, apresentada na entrada da comunidade para que as famílias pudessem aprovar e
prometerem dois hectares de terra para a produção agrícola, além de indenizações e outros
tipos de compensações que lhes fossem justas.
Entretanto, essas famílias foram reassentadas em áreas precárias, sem condições dignas de
habitabilidade e com dificuldades de acesso a terra para a agricultura, água potável,
alimentação adequada e energia. As casas construídas para cada família são de má qualidade,
não obedecem as regras de construção de habitação segura e não representam a “casa modelo”
apresentada anteriormente. Após dois anos apresentaram rachaduras, infiltrações, estão sem
alicerces e coberturas resistentes ás chuvas e ao intenso calor. Além disso, as famílias
receberem ao invés de dois hectares de terra, apenas um, não sendo adequada para a prática da
agricultura de subsistência, apresentando também terras pedregosas e pouco fértil e produtiva.
Nesses termos, a Comunidade de Cateme foi vítima de violação dos seguintes direitos:





Limitação ilegal e violenta do exercício do direito à manifestação através da polícia
contra as famílias reassentadas;
Violação do direito fundamental à habitação digna;
Violação do direito de uso e aproveitamento da terra;
Não pagamento integral das indenizações prometidas no ato do reassentamento;
Os oleiros perderam os seus empregos e oficinas onde produziam os seus tijolos e
fonte de rendimento familiar.
Debate e Propostas:
Como proposta de resistência, a palestrante refere-se em defesa da Comunidade Reassentada
de Cateme, a partir da Liga Moçambicana dos Direitos Humanos. Move uma ação
jurisdicional contra o Estado Moçambicano na forma de ação popular sobre Processo nº
79/2012-1º Tribunal Administrativo, considerando a não atuação do governo e participação
pública no processo de implantação do mega projeto multinacional Vale Moçambique com o
objetivo de garantir os direitos dos moçambicanos que foram violados.
Outra forma de resistência são as provas produzidas pela ação popular em favor da
comunidade de Cateme: vídeos, fotos, denúncias e ações de violações aos direitos da
Comunidade. Veiculam as informações através da imprensa, jornal, e testemunhos das
famílias reassentadas da localidade. E inúmeras manifestações da comunidade de Cateme,
dentre essas:10 de janeiro de 2012, depois de várias tentativas de diálogo com o Governo e a
Vale não tendo respostas sobre as condições em que as famílias forma submetidas e a
176
violação de seus direitos. O governo de Moçambique enviou força policial para conter os
manifestantes (torturas, cacetetes, pontapés e manipulação de armas). Quatorze pessoas foram
presas, nove foram detidos, um ficou deficiente físico e um deficiente visual.As manifestações
dos oleiros no Bairro 25 de setembro no Distrito de Moatize, devido a perda de suas formas
de rendimento e modos de vida, sem compensações ou indenizações do governo.
Reação das Organizações da sociedade civil, a Liga Moçambicana dos Direitos Humanos
testemunhou as precárias condições de vida das famílias reassentadas, denunciando as
violações por meios judiciais e extrajudiciais, marchas, manifestações pacíficas, debate
público, imprensa. Moveu uma Ação Popular contra o Estado Moçambicano, representado
pelo Ministério Público.
1) Conferencista(s)/expositor(es): Rafael Figueroa (Pensamento y Acción Social –
PAS – Colômbia)
Conteúdo das exposições:
O conferencista Rafael Figueroa é um advogado colombiano que trabalha com conflitos de
terra e reforma agrária.Sua apresentação com o tema “Gran Minerìa y Reasentamientos em
Colombia: Entre la impotência y la imaginción” versou sobre três eixos: o panorama da
mineração na Colômbia; reassentamentos involuntários por contaminação e as Rotas de Ação
Comunitária. O expositor começou sua apresentação com uma breve descrição sobre a
Colômbia, a partir de alguns dados:
A Colômbia está na esquina da América do Sul, com 5 milhões de hectares de terra
explorados pela mineração. Registra a entrada de grandes empresas de Mineração, inclusive
brasileira, a citar a MPX. A previsão é de 40 milhões de quilômetros de terras a serem
exploradas. E o país não ganha com a exploração da mineração, a cada US$50 que as
empresas pagam de imposto, a Colômbia devolve US$64, ou seja, o país esta dando dinheiro
de volta as empresas.
Segundo um estudo do Estado colombiano o índice da população que tem acesso a
necessidades básicas são piores nos lugares onde a mineração está presente (65%), que nos
lugares onde se tem o plantio de coca.Na Colômbia registra-se conflito armado,tráfico e
narcotráfico nas populações onde existe exploração de minério e onde está a exploração do
minério estão os mais pobres do país, segundo dados registrados no período de 2013-2014.
No setor agrícola observa-se que 3,6 milhões de empregos estão ameaçados de acabar. As
organizações das comunidades são chamadas de “terroristas” e não têm credibilidade.
A exploração de mineração não representa crescimento econômico e não reveste para a
indústria local. “A locomotiva da Mineração” traz a repressão e destruição de vidas. Registrase a escola que a Vale nunca terminou de construir como compensação ambiental. São 800
177
mil hectares de zonas de reserva florestal, Parques Naturais e áreas protegidas. Trinta e dois
povos indígenas podem ser dizimados. Vinte deles em risco de mineração, pois a mineração
está em cima de áreas de reservas. Importante salientar que quando criaram o Parque de
Conservação, tiraram os camponeses dessas áreas na década de 90 pelo Estado e cinco anos
depois a empresa BHP Billiton toma posse dessa área para a construção e exploração de
minério.
Na Colômbia eclodem protestos de camponeses contra as grandes empresas, aparecem várias
minas ilegais e a população fica com os restos que as máquinas deixam, as empresas de
Segurança privada são pagas pelos impostos dos colombianos para guardar as minas e
torturam e matam estes mesmos cidadãos que pagam os impostos e são perseguidos por
denunciarem tais violações. Seis milhões de pessoas em 1986 foram retiradas, 25% retiradas
forçosamente de suas terras. As guerrilhas(FARC e ELN) controlam 70% do ouro que vai
para a Europa e tiram renda ilegais das minas.
A Vale operoutrês minas de carvão de 2009 a 2012, deixando dívidas passivas, contaminações
altíssimas, danos ambientais e obras sem concluir. As compensações com casas para as
famílias reassentadas são assustadoras e não habitáveis, o que leva o abandono do território.
Eram camponeses que cultivavam há vinte anos, e que tiveram suas terras substituídas por
minas de carvão. Estas famílias sofrem com falta de água e infra-estrutura e buscam formas
de resistir.
Debates e propostas:
O debate levantado pelo palestrante foi não somente no sentido de trazer dados e colocar em
ênfase a realidade dos atingidos pela mineração na Colômbia, mas também compartilhar
esperança, pois temos sofrimentos demais, e é importante nesses encontros nos abraçarmos
frente a desafios que partilhamos.
A proposta de ação veicula o reassentamento de famílias da comunidade de El Hatillo que
estão vivenciando em seu território os impactos da mineração e através da organização das
famílias com representação paritária entre homens e mulheres, buscando rearticulações e
diálogos com as empresas para discutir o futuro das novas gerações.
A proposta da mesa
2) Conferencista(s)/expositor(es): Beatrice Ruscio (Peacelink – Itália)
Conteúdo das exposições:
178
A Itália possui localização estratégica para a exploração do minério, seja pela mão de obra,
pelos os portos e as estradas para escoar mercadoria. As promessas de desenvolvimento
trazem impactos como: risco de desemprego, contaminação do ar, da cadeia alimentar,
problemas cardiovascular, aumento de câncer.
O porto de Taranto possui 800 estaleiros, 1/3 da produção fica para a cidade, através dos
empregos. No bairro Cambure as crianças estão sendo privadas de brincarem nas ruas devido
ao risco de contaminação dos solos, através de mercúrio, ar e água.
Registra-se situações de demência, doenças respiratórias, de pele e de formação congênita,
afetando diretamente a saúde da população local de Torento de maneira degenerativa. A
exemplo é de que a cada dezoito habitantes, um tem câncer. Registra-se ainda que os
poluentes, como o chumbo, traz problemas neurológicos para a população, além da
diminuição da perspectiva de vida.
Debates e propostas:
A proposta da palestrante, assim como de outros componentes da mesa, sugere uma luta
coletiva em nível global considerando a similitude histórica e da realidade vivenciada por
estas comunidades atingidas pela mineração no mundo. A luta não deve ser solitária mas
coletiva. Propõe ainda, a partir do Grupo de Trabalho e Pesquisa em Saúde a
responsabilização da Itália sobre os problemas ocorridos na saúde do trabalhador, movendo
uma ação em 26 de setembro de 2013 além de resistências e passeatas buscando o respeito ao
meio ambiente, saúde e vida, cuja lema é: “Taranto resiste!”.
3) Conferencista(s)/expositor(es): Doug Olthuis (Canadian Network on Corporate
Accountability/CNCA – Canadá)
Conteúdo das exposições:
O canadense Doug Olthuis é líder do sindicato dos metalúrgicos, membro do Conselho da
Rede Canadense, trabalha há trinta anos no sindicato representando um contingente de 20 mil
minerados que trabalham em minas de níquel, ouro, e outros metais.
O conteúdo da palestra não versou sobre relatos de conflitos, de comunidades indígenas, de
trabalhadores, ou sindicatos no Canadá. O tema foi a „Rede Canadense de Responsabilidade
Corporativa‟; o que é essa Rede, quem a compõe, quais são seus objetivos.
179
A primeira questão lançada pelo palestrante foi de “Como podemos desafiar os poderes dessas
corporações frente a uma desigualdade muito grande de recursos e de poder, pois as empresas
têm, na maioria das vezes, o poder do governo ao seu lado”. (SIC)
Pensando em uma forma de agir para proteger os atingidos por essas empresas de mineração
no mundo todo, a Rede Canadense está buscando criar medidas legais para que essas
empresas sejam responsabilizadas legalmente pelos danos que geram em outros países, pois o
Canadá é a base de muitas empresas de mineração.
Sabe-se que essas empresas existem para lucrar e gerar dinheiro, portanto a Rede está
interessada no que o governo pode fazer em relação aos danos que elas geram.
A Rede de Responsabilidade é uma Organização da sociedade civil com base no Canadá,
criada em 2005, e apoiada por Igrejas, Anistia Internacional, grupos de solidariedades,
sindicatos, comércio, direitos humanos, grupos ambientais, entre outros.
A meta da Rede de Responsabilidade Corporativa é lutar pela definição de regras e leis. A
Rede acredita que o governo tem que agir pautado nos direitos humanos e as corporações têm
que respeitar, e serem responsabilizadas. Um dos objetivos da Rede é de limitar o poder das
empresas que operam fora do Canadá.
Debates e propostas:
A Rede tem atualmente uma campanha com duas principais metas: a Criação de um cargo que
seria um OFICIAL a serviço do povo, para ouvir as reclamações dos trabalhadores que se
sintam prejudicados pelas empresas e facilitar aos cidadãos de outros países, no que se refere
a tomar uma medida legal contra essas empresas de mineração no Canadá.
É importante salientar que essas mudanças legais ajudam apenas depois que já houve o dano,
se a Rede for bem sucedida é uma mudança limitada, pois ocorre apenas depois que o dano já
foi ocasionado, entretanto atualmente essas empresas estão saindo totalmente impunes, pois
estão “respeitando” as leis dos paìses. Assim, a Rede não desafia diretamente as empresas,
nem o modelo de extração “mas esse é o método que está ao alcance, pois não fere
diretamente a mineração, queremos ser razoáveis”. (SIC).
4) Conferencista(s)/expositor(es): Gustavo Torres Gazzinelli (Movimento pelas
Serras e Águas de Minas – Brasil)
Conteúdo das exposições:
180
O palestrante inicia sua fala sobre o histórico da mineração, que desde o século XVIII no
Brasil teve seu ciclo econômico em Minas Gerais, inclusive no Brasil Colônia e Império.
Desde esse período registra violência com a destruição de nossas paisagens. Segundo Augusto
Trajano de Azevedo Antunes (1961), lança a política nacional de minérios e de condições
jurídicas favoráveis ao aproveitamento e exploração da região coincidindo com a período do
golpe militar. A Vale inicia seus trabalhos de exploração através da licença e logo após sua
ampliação ocasionando sérios problemas de impactos como é o caso da Serra da Bacia do Rio
Piracicaba, pois a mina da empresa Vale traz o seu curso para este rio, devastando e
desembocando poluentes.
Na década de 90 houve o enquadramento das águas superficiais da bacia do Rio Piracicaba
pelo Governo do Estado, no entanto as mineradoras vem tentando desenquadrar para facilitar
o seu processo de exploração.
Debates e propostas:
A proposta de ação do palestrante é alterar o enquadramento do Alto Rio Piracicaba da classe
1 para classe 2, e o enquadramento do Alto e Médio Rio Santa Bárbarada classe especial para
classe 1 em vista da atividade minerária, como forma de evitar maiores impactos ambientais
sobre a bacia desses rios, haja vista que as mineradoras vem tentando desenquadrar as águas
superficiais da referida bacia.
Como forma de resistência da sociedade civil organizada utilizam comunicação como:
impressos, mapas, fotos, internet, produção de vídeos e relação com a mídia, afim de
socializar as informações, buscam conhecer as ações, estudos, dados e argumentos do
empreendedor e do segmento da mineração e respectiva cadeia produtiva.
Compreender o fluxo de comunicação dos fatos e das representações no Ministério Público
(com identificação dos agentes e apresentação de evidências e provas).
Acompanhamento e participação nas instâncias colegiadas das políticas públicas (codemas,
conselhos estaduais e federais de políticas de meio ambiente e recursos hídricos)
Construção de caminhos alternativos de desenvolvimento (geração de renda e
ocupação/emprego no médio e longo prazo)
Pressão e criação de alianças políticas e denúncia dos agentes políticos adversários, assim
como a identificação e denúncia dos adversários políticos (a fim de evitar a generalização e
também buscar a superação do apolitismo comum em algumas organizações ambientais).
Ascensão de uma cidadania política e investigativa, com base nos princípios fundamentais da
Constituição, como por exemplo: a utilização correta dos tempos verbais nas denúncias e
também na abordagem das pretensões adversárias, a desconstrução dos mitos da mineração e
181
daqueles que a defendem, o conhecimento do sistema de produção e da lógica da atuação
mineraria e a proposição de um novo modelo de desenvolvimento.
5) Conferencista(s)/expositor(es):
Santiago
(Bienaventurados los Pobres – Argentina)
Hernán
Machado
Aráoz
Conteúdo das exposições:
O palestrante começa relatando o processo de mineração na Argentina e questionando esse
modelo extrativista e neocolonialista. Tal modelo nasce muito parecido com outros países da
America latina, a partir dos anos 90 e com o apoio do Banco Mundial.
Todo esse processo gerou divisas que foram ao extremo, destruiu o sistema ferroviário (que
teve de ser readaptado para a mineração), aumentou a incidência de erosão do solo, trouxe
perda da fauna e da flora local, perda do habitat de forma prolongada, perdas estas
irreversíveis.
Enfatiza que “somos região de sacrifìcio, somos território que perdemos mulheres e crianças.
Os camponeses sentem no Brasil com a Vale e é a mesma da Argentina”. (SIC)
Denuncia que o Governo lança pacotes de leis a partir de 1990, reformulando o código de leis
em favor da exploração de minérios, como: evitam que paguem impostos e abrem o mercado
e o nosso território para as empresas transnacionais. É esse Estado que apóia e marginaliza as
comunidades que se apõem a esse modelo.
Como se sentir perante um modelo que amputa nossos filhos, um modelo que contamina
nossos solos, nossa terra, mexe com as nossas almas, mentes e apóia esse modelo voraz de
consumismo?
Não é apenas uma responsabilidade social ou empresarial, a esperança é de que é possível
mudar esse modelo.
Este modelo extrativista gera impactos que a própria empresa reconhece, como o consumo de
100 milhões de litros de água por dia, o consumo de 5.500 de sódio, além do uso de
explosivos.
O movimento buscou parceria com a Universidade no sentido de legitimar a inviabilidade do
projeto através do Estudo dos Impactos Ambientais e dos Relatórios dos Impactos
Ambientais, no entanto, “a Universidade deu uma bofetada na gente” (SIC). Assim, o
movimento buscou outras formas de resistências.
Debates e propostas:
182
A luta na Argentina se organiza a partir de uma Assembléia Cidadã (construção coletiva),
contra as mineradoras e contra o monocultivo da soja. Elaboraram três cartas abertas pela
poluição e destruição, sonegação e contrabando, com o objetivo de mobilizar a sociedade e
fortalecer o movimento.
6) Conferencista(s)/expositor(es): Milton Sanchés (Frente de Defensa Ambiental de
Celendín, Cajamarca – Peru)
Conteúdo das exposições:
A palestra tem a ver com o extrativismo e o aprofundamento do modelo neoliberal nos anos
90. A instalação do Projeto Conga visa a extração do ouro e cobre e a projeção são de
dezenove anos de exploração, sendo noventa e duas mil toneladas de rocha destruídas e o
despejo de oitenta e cinco mil dessas toneladas em seus rios, poluindo e ocasionando
problemas na captação natural de água que atingirá brutalmente as comunidades que se
alimentam, criam gados, e plantam nesse território, podendo destruir suas formas de
sobrevivência nessa região.
O Projeto Conga, como todos os outros relatos ouvidos hoje, não trouxe desenvolvimento
para a região, sendo Cajamarca atualmente a região mais pobre do Peru.
O governo militarizou Cajamarca, e recentemente mataram cinco companheiros, dentre outros
inúmeros feridos e presos.Criminalizam os protestos sociais com detenções arbitrárias,
processos judiciais, ataques nas mídias, tortura de dirigentes e etc.
Debates e propostas:
Como forma de resistência há mobilizações no campo e na cidade através da Campanha pela
água, vigília sobre as lagoas, e enfrentamento direto com a polícia que estão a serviço das
empresas de mineração e não dos cidadãos.
183
8.3.2.1 Poluição ambiental e direito à saúde: o caso Taranto-Ilva 34 Beatrice Ruscio (PeaceLink, Italia)
Taranto, antiga capital da Magna Grécia, é uma cidade no sul da Itália, com um
riquisimo patrimônio histórico e cultural que exala das suas igrejas, becos, arcos, varandas e
escadas da “cidade velha”. A "cidade dos dois mares", é banhada pelo Mar Grande e o Mar
Piccolo, cercada por praias e águas cristalinas, com um clima ameno, belas paisagens naturais
e um rico patrimônio gastronômico. Tem uma posição estratégica graças aos seus portos que
hospedam os navios militares e comerciais. Um passado glorioso e um desenvolvimento
humano afetados pelo impacto das grandes indústrias poluidoras presentes na área: o
que tem levado à contaminação por dioxinas, aumento dramático do câncer e, finalmente, o
declínio industrial.
Piquìa de Baixo e Tamburi, Ilva e Vale: uma relação estreita
As cidades de Taranto e Açailândia, e seus respectivos distritos Tamburi e Piquiá de Baixo,
são unidos por uma relação muito próxima, feita de promessas de bem-estar
e
desenvolvimento que deram lugar à poluição, doença e morte.
Nuvens de fumaça vermelha são comuns no céu do bairro Tamburi e no de Piquiá de Baixo: é
o minério de ferro extraído das minas no Brasil, transportado ao longo da Estrada de Ferro
Carajás, que chega de navio para Taranto para ser usado nas usinas siderúrgicas da Ilva.
Ilva é a maior siderúrgica europeia e a Vale a segunda maior mineradora do mundo:
unidas pela corrida incansável para o máximo lucro, a custo de devastação social e ambiental,
que na Itália em 2012 levou à abertura de um inquérito judicial contra Ilva para infrações
ambientais.
Um impacto devastador, tanto em termos sociais (aumento de câncer, doenças cardiorespiratórias, malformações congênitas, e agora o risco de desemprego) e ambiental
(contaminação do ar, do mar, do solo e da cadeia alimentar por dioxinas, furanos e PCB).
O que se segue é a história da Ilva e de como a população está aprendendo a resistir, a lutar
para defender o direito à vida e à saúde, construindo ao mesmo tempo uma cultura da
cidadania que põe em ação grupos de cidadãos e associações ambientalistas.
34
Texto completo enviado pela autora.
184
O Grupo ILVA
O grupo Ilva35 é a realidade primária da indústria siderúrgica italiana. Ativo há mais de 100
anos na produção e processamento de aço, tem 38 unidades de produção, dos quais 20 estão
na Itália, onde é produzido mais de 63% do aço da empresa e onde ela faz 70% do seu volume
de negócios. As outras plantas estão localizadas na Alemanha, Espanha, França, Bélgica,
Grécia, Tunìsia e Canadá.
Fundada em 01 de fevereiro de 1905, em Gênova, por iniciativa de alguns empresários do
norte da Itália, em 1934 Ilva passa sob controle público, através do desenvolvimento e
fortalecimento das suas atividades. Em 1961 tornou-se uma das maiores empresas europeias
do setor e em 1965 inaugurou a fábrica em Taranto, que se torna o quarto centro siderúrgico
italiano - com cinco alto-fornos - altos mais de 40 metros e com um diâmetro entre 10 e 15
metros. Nas obras de construção trabalham quase quinze mil pessoas.Taranto é escolhida
como o local da planta, devido às suas áreas de baixa altitude e perto do mar, uma posição que
facilita o transporte e embarque de material, bem como a disponibilidade de mão de obra
qualificada e de calcário.No inìcio dos anos 70, a capacidade de produção da usina era de 11,5
milhões de toneladas de aço por ano.
Em '95 o governo italiano decidiu privatizá-la e vendê-la à Riva por 1,649 bilhões de
liras.Com um volume de negócios de nove mil milhões de liras e 1,2 mil milhões de lucro por
ano, o retorno sobre o seu investimento leva pouco mais de dois anos e os fortes ganhos
continuam nos anos seguintes.Lucros muito altos, provavelmente conseguidos à custa da
segurança, proteção dos direitos e da saúde dos trabalhadores, do meio ambiente e de toda a
população de Taranto.
Depois de anos de inação e fraqueza polìtica dos organismos encarregados de fiscalização
ambiental e de saúde, finalmente as perìcias epidemiológicas ordenadas pelo Público
Ministério de Taranto - e arquivadas em março de 2012 - revelam a dramática situação da
saúde.Segue-se a apreensão das plantas de Taranto, o que lança uma sombra sobre a própria
sobrevivência da planta inteira.De 03 de junho de 2013, com o Decreto Legislativo 61/2013,
Ilva SpA está sujeita a interventor judicial.
A atividade de produção
35
www.grupoilva.com
185
A de Taranto é uma das principais plantas do grupo ILVA e a única siderúrgica
integrada na Itália. A capacidade de produção da planta também chegou a 15 milhões de
toneladas de aço bruto por ano, de acordo com uma declaração da mesma Ilva em 201136.
No porto de Taranto atracam a cada ano 800 navios destinados a Ilva.O minério de ferro é
recolhido por correias transportadoras de cerca de dez quilômetros de extensão e armazenado
em grandes áreas, chamados parques minerais. Verdadeiras montanhas de pó de ferro ao ar
livre, tão alto quanto 20 metros, ocupando uma área de dez hectares, o equivalente a cerca de
noventa campos de futebol.
O minério de ferro é misturado com coque, substância obtida através da queima do
carvão com outros combustìveis. A produção do coque é o passo mais poluente de toda a
cadeia de produção, por isso em quase todos os lugares as instalações foram renovadas e estão
localizadas longe das cidades. Os fornos de coque utilizados pela Ilva de Taranto são
obsoletos e exigem uma modernização urgente e despoluição. Em vez disso, é muito mais
barato continuar a produzir seu próprio coke que certamente custa menos do que se fosse
comprado externamente.
O tamanho da planta
Com os seus 15 milhões de metros quadrados de superfìcie a planta é mais de duas vezes a
cidade de Taranto, a maior da Europa e uma das maiores do mundo, e é capaz de transformar
mais de 20 milhões de toneladas de matérias-primas. Desenvolve 190 quilômetros de correias
transportadoras, 50 de estradas e 200 de ferrovia; tem uma frota para transportar as
mercadorias - 8 barcaças e 4 rebocadores - e 6 cais para atracação de navios; tem 8 parques
minerais, 2 pedreiras, 10 baterias para produzir coque que é utilizado para alimentar os altosfornos; 5 altofornos, 2 siderúrgicas com conversores LD e 5 de lingotamento contìnuo, dois
trens de laminação a quente para tira, um tren de laminação a quente para folhas, um
laminador a frio, 3 linhas de galvanização e 3 usinas de tubos37. As chaminés industriais são
215, dentre os quais encontra-se a mais alta, E312, de 220 metros.
O impacto econômico e ambiental
36
A capacidade de produção da planta chegou também a 15 milhões de toneladas, bloqueada a 8 por
ano para cumplir os requisitos AIA 10/2012
37
Rapporto Ambiente e Sicurezza 2011 (Stabilimento Ilva di Taranto), p. 19.
186
Em Taranto, Ilva é atualmente a principal realidade econômica que, como afirmou,
distribui aos empregados cerca de um terço da riqueza produzida na forma de salários,
contribuições para a segurança social, a um custo de cerca de 476 milhões de euros por ano.87
por cento dos trabalhadores residem na província de Taranto, 35% na mesma cidade.
Mas na provìncia de Taranto permanece também a poluição.Os parques minerais estão a
170 metros de uma área residencial, os fornos de coque a 730 metros e o muro da fábrica é de
135 metros da casa mais próxima do bairro Tamburi, que tem cerca de 18.000
habitantes.Mesmo na ausência de vento a simple manipulação do minério na planta levanta
grandes nuvens de pó.
Para superar o problema da dispersão do material ao longo do tempo, Ilva fez uso de um
sistema de supressão de poeira usando canhões de água e canhões de névoa (Fog cannon) e
foram instaladas barreiras quebraventos capazes, de acordo com a empresa, de reter 50-70%
de emissões.Ambas as soluções têm-se revelado pouco eficazes e nada resolutivas.Em
particular, os canhões causaram um aumento na poluição sonora no bairro Tamburi e as
barreiras quebraventos retêm apenas a poeira pesada mas deixam passar aquelas
sutis.Precisamente estas últimas – o PM (Material Particulado) - envolvem os maiores riscos
para a saúde, pois insinuam-se para dentro do corpo mais facilmente.
Poluição, trabalho e saúde: dentro e fora da fábrica e no tribunal
Além dos muros da fábrica, parques, casas, escolas, varandas, varais, os pés das crianças,
são cobertos com uma pátina de poeira.Uma portaria municipal proíbe que crianças brinquem
em áreas verdes do bairro Tamburi, porque o solo está contaminado com berílio, mercúrio,
níquel e cádmio.A mesma contaminação afeta o cemitério, localizado no sopé das chaminés
de Ilva, onde, há algum tempo, não é possível escavar e enterrar os mortos por causa das
condições do solo altamente tóxicas.Contaminadas por poeira da Ilva encontram-se também
capelas, túmulos, estátuas, cruzes.
Emissões ambientais
De acordo com uma perícia química recentemente encomendada pelo Ministério Público
de Taranto38, a partir da planta ILVA espalham-se substâncias perigosas para a saúde dos
trabalhadores e da população da cidade.Se pode ler que "Ilva em 2010 emitiu pela suas
38
R.G.N.R. N.938/10-4868/10 G.I.P. N.5488/10-5821/10 Sanna, Monguzzi, Santilli, Felici
187
chaminés mais de 4 mil toneladas de poeira, 11 mil toneladas de dióxido de azoto e 11.300
toneladas de dióxido de enxofre (além de: 7 toneladas de ácido clorídrico; 1 tonelada e 300
quilos
de
benzeno,
substância
altamente
cancerígena);
338,5
quilos
de
HPAs
(Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos) que contêm agentes cancerígenos; 52,5 gramas de
benzo (a) pireno, 14,9 gramas de compostos orgânicos de benzo-p-dioxinas e
policlorodibenzofuranos (PCDD/ F)".
A chaminé E312 é considerada a principal responsável pela liberação da maioria dos
poluentes para a atmosfera, mas das diferentes instalações da planta ILVA escapam emissões
fugitivas, não canalizadas através de chaminés e, portanto, não estão sujeitas a qualquer filtro.
Embora a exposição ocupacional e dos moradores de áreas adjacentes ocorra principalmente
por via respiratória, afastando-se da área da fábrica a ingestão de HPAs pode ocorrer através
de alimentos contaminados. De acordo com os dados da mesma Ilva, são 8.800 quilos/ ano de
HPA; 15,4 toneladas de benzeno, 130 de sulfeto de hidrogênio, 64 de dióxido de enxofre,
467,7 compostos orgânicos voláteis e 2148 de pós.
Um quarto da poeira emitida é causada pelo fenômeno do slooping - o vazamento de gás e
nuvens avermelhadas das partes mais baixas da planta - devido ao mau funcionamento dos
processos de produção. No total são 210 quilos de poluentes por ano por habitante de
Taranto.De acordo com o que surgiu a partir da perícia do Tribunal de Taranto, toda essa
poluição foi causada pelo fato de que a Ilva não adotou as melhores tecnologias disponíveis
(BAT) exigidas pelas regulamentações ambientais.
Além de serem cancerígenas, algumas substâncias também são mutagénicas (a exposição
humana as mesmas pode levar ao aparecimento de alterações genéticas hereditárias), é o caso
do benzo (a) pireno e dioxinas.
Um estudo de 200539 sobre a exposição ocupacional dos trabalhadores na planta de
coqueificação de Taranto mostra que o forno de coque tem um risco carcinogênico
significativo para os trabalhadores;este risco se estende para a população em geral, devido à
proximidade entre a planta e a área residencial e as medidas insuficientes para limitar as
emissões.
39
Valutazione dell’esposizione professionale a IPA in lavoratori della cokeria dello stabilimento
siderugico di Taranto mediante monitoraggio biologico. (Lucia Bisceglia, Gigliola de Nichilo, Giuseppe Elia,
Nunzia Schiavulli, Aldo Minerba, Luciano Greco, Giorgio Assennato) Epidemiol Prev 2005; 29 Suppl (5-6) pag 3741
188
O Instituto de Proteção e Pesquisa Ambiental em 2012, classifica a cidade italiana de
Taranto como a mais poluída pela concentração de benzo(a)pireno como resultante dessas
fontes industriais a partir do qual, é claro que a maior contribuição para a produção de HPAs é
dada pela Ilva (99,74%).
Desde a década de Noventa, em parte como resultado de diversos estudos realizados pela
OMS, o município de Taranto e de outros estados vizinhos são classificados como "área de
alto risco ambiental".
O aumento das doenças
Os dados de saúde de 2009, atualizados só em 2012, mostram somente na área de Taranto
"uma mortalidade para os homens em excesso por todas as causas, todos os tipos de câncer
(incluindo câncer de pulmão e pleura), demência, doenças do aparelho circulatório , doenças
do aparelho respiratório e digestivo. Foram registradas taxas de mortalidade acima da média
regional para quase todos os casos discutidos, em ambos os sexos; por longos períodos, as
taxas são ainda maiores do que a média nacional. A mortalidade masculina é sempre maior do
que na região Puglia e da italiana para importantes doenças, como câncer de pulmão e
189
doenças do sistema respiratório, também crônicas.Entre as mulheres são observados, por
exemplo, até o final da década de noventa o aumento do câncer de pulmão e doença
isquêmica do coração. Embora a mortalidade infantil tem valores mais elevados em Taranto
que na Puglia e Itália”.
O estudo afirma que "os resultados indicam claramente que a saúde da população de
Taranto está comprometida […] em particular os residentes nas áreas mais próximas da
planta: Tamburi, Paulo VI e Statte, especialmente para doenças causadas pela exposição
ambiental”40.
O Tribunal de Taranto finalmente encomendou um estudo epidemiológico, que mostrou
que esses excessos afetam os bairros mais próximos à área industrial, identificando na ILVA e
partìculas emitidas por ela, a principal fonte de risco.Os peritos concluìram que a exposição
contìnua a poluentes lançados na atmosfera pelas plantas Ilva causou - e continuam a ser uma
causa de“fenômenos degenerativos na população que resultam em eventos de doença e
morte”41.De acordo com dados publicados pela PeaceLink nos bairros mais próximos à área
industrial, haveria um paciente com câncer a cada 18 habitantes.
40
http://www.epiprev.it/articolo_scientifico/ambiente-e-salute-taranto-studi-epidemiologici-eindicazioni-di-sanit%C3%A0-pubblica
41
Mataloni F, Stafoggia M, Alessandrini E, Triassi M, Biggeri A, Forastiere F. Studio di coorte sulla
mortalità e morbosita nell‟area di Taranto. EpidemPrev 2012 http://www.epiprev.it/materiali/2012/EP52012/EP5_237_art1.pdf
190
O chefe do departamento de pediatria do hospital tem repetidamente salientado que, em
Taranto, há crianças que nascem doentes, com tipos de tumor normalmente encontrados em
adultos que fumaram durante anos.Os cientistas concordam que são mutações que ocorrem
bem antes do nascimento.
As análises encomendadas e financiadas pela PeaceLink e o Fondo Antidiossina
documentaram a presença de chumbo no sangue de crianças com graves riscos para a saúde e
efeitos sobre o nível cognitivo.De facto, descobriu-se que o chumbo no sangue tem efeitos
sobre o sistema nervoso central e o cérebro: mesmo uma pequena quantidade pode causar
danos irreversíveis.Taranto é a única cidade na Itália, onde a expectativa de vida da população
diminui em vez de crescer.
Direito ao trabalho e direito à saúde: atividades dos movimentos e cidadãos
O trabalho incessante de Peacelink é mais focado em encontrar evidências que podem
lançar luz sobre o nível real da poluição e do estado de saúde dos cidadãos. Ao longo dos
anos, as análises foram realizadas em animais, alimentos, leite materno e no sangue que
revelou a grave contaminação por dioxinas na cadeia alimentar e a presença de chumbo no
sangue das crianças. Esta atividade está sujeita a uma nossa intervenção específica no grupo
de trabalho “Ambiente, poluição e saúde”.As associações PeaceLink e o Fondo Antidiossina
Onlus têm feito, juntas, um trabalho longo e importante de pesquisa, análise e comunicação de
infrações ambientais da Ilva, o que levou, finalmente, à atenção do Parlamento Europeu a
dramática situação de Taranto.Graças ao empenho deles, em 26 de setembro de 2013 a União
Europeia lançou um processo de infracção contra a Itália por não cumprimento das directivas
em matéria de responsabilidade ambiental.
Na frente de trabalho, em Taranto desempenham um papel importante os "Cidadãos e
Trabalhadores Livres e Pensantes", um grande grupo de trabalhadores da Ilva que, embora
coloquem em jogo seu local de trabalho consideram que a produção de aço não é mais
compatível com a cidade de Taranto.É um primeiro passo, importante e longe de ser óbvio,
que não aconteceu na outra fábrica Ilva em Gênova-Cornigliano – no Norte da Italia - onde as
áreas quentes foram fechadas por mais de dez anos atrás (2005) e mudadas para Taranto. Em
Gênova, os trabalhadores continuam a procurar o compromisso de Ilva em manter os níveis de
produção e emprego, ignorando o preço que seus colegas de Taranto estão pagando por isso.
No 1 º de maio deste ano, na festa dos trabalhadores os CTLP organizaram um grande dia de
191
mobilização: debates e música com a participação dos cidadãos, dos comitês e artistas de toda
a Itália que apoiam e sustentam a sua luta.
Os cidadãos de Taranto não vão desistir e continuam a sua batalha, mesmo através de eventos
como o organizado em 5 e 6 de Abril, que contou com a apresentação de uma conferência
científica sobre a relação entre saúde e poluição e uma marcha que dos distritos poluidos de
Statte chegou aos portões da Ilva, juntando-se em uma corrida de quase cinco quilômetros
associações, ambientalistas, médicos, mães e crianças, para clamar por alternativas
econômicas às indústrias poluidoras. Participaram quase 7000 pessoas. O slogan era "Se você
pode sonha-lo, pode faze-lo”.
Determinados a não mais aceitar a presença da planta em Taranto - tendo em conta de que a
produção de aço é insustentável, se considerarmos toda a cadeia de abastecimento - o
pensamento e ação dos trabalhadores e dos comitês de Taranto é capaz de se conectar às
reivindicações das populações do Carajás? Nós pensamos que sim, e esta é a mensagem que
queremos trazer aqui no Brasil, para que as nossas lutas individuais se tornem um grande
movimento global pelo respeito do meio ambiente, da saúde e da vida humana.
Queremos agradecer aos organizadores do seminário e a rede Justiça nos Trilhos por nos
convidar para participar deste importante evento internacional,permitindo-nos trazer a voz e o
testemunho dos cidadãos de Taranto. Acreditamos que iniciativas como a que foi organizada
aqui em São Luís, são importantes porque dão lugar a cada um para ver as questões em um
contexto mais amplo.Porque por trás das toneladas de minério de ferro da Vale e aço da Ilva,
além de milhões de dólares em lucros há dramas humanos, páginas escuras da história do
nosso tempo, que devem ser ditos, propagados, para que possamos realmente criar uma rede
de solidariedade global que une todas as pessoas obrigadas a suportar o poder avassalador dos
gigantes da indústria.
Só através do conhecimento, da realidade, do que está acontecendo, é possível organizar
uma rede eficaz de solidariedade e resistência. Para um ambiente saudável e um futuro
melhor, para todos.
192
8.3.3 Mesa redonda: Mercado internacional do minério: estratégias e
incidência a partir das vítimas
Ementa:Aprofundamento da discussão sobre a cadeia de exploração do minério de ferro:
extração, exportação, transformação emaço e comercialização nos mercados internacionais.
As experiências de organizações e movimentos de diversas partes do mundo permitirão
evidenciar e fortalecer estratégias de denúncia dos impactos socioambientais e suas
incidências nas relações comerciais, econômicas e financeiras do setor mineral.
Participantes da mesa:
Susanne Schultz (Fundação Rosa Luxemburg - Alemanha)
Paulo Adário (Greenpeace)
Lúcio Cuenca (Observatorio Latinoamericano de Conflictos Ambientales – OLCA Chile)
Dirceu Travesso (CSP-CONLUTAS - Brasil)
Coordenação: Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale
Relatoria:Claudio Urbano Bittencourt Pinheiro Filho
1) Primeira Expositor – Susanne Schultz
A expositora ressalta a dificuldade de se estabelecer uma rede direta de pressão da
sociedade civil diretamente afetada pelas atividades mineradoras para com as empresas
multinacionais que as causam.
Entre os motivos para a consolidação de tais dificuldades a expositora ressaltou a
composição oligopolizada do mercado global de minério de ferro, bem como na
composição da cadeia de produção utilizada pelas multinacionais automotivas, principal
consumidora do minério de ferro.
O fato de uma parcela muito diminuta de compradores de minério – 05 grandes
empresas, Vale, Rio Tinto, BHP Billiton, Fortescue Metal group, Arcelor Mittal –
controlar cerca de 64% do consumo de minério de ferro mundial, reforça a posição
privilegiada de tais corporações frente a demanda de parcelas esparsas de afetados pela
atividade. Aliado a este fato, acrescenta-se a forma fortemente verticalizada da cadeia
produtiva, em especial de automóveis (a indústria automotiva como principal consumidora
193
de minério de ferro), controlada também por uma pequena quantidade de empresas – 15
multinacionais localizadas em 9 países – a quantidade demandada de minério de ferro
(principal insumo na produção de automóveis) pode ser facilmente manipulada, alterando
não somente o preço final do insumo mas a funcionalidade de toda cadeia de produção na
base da pirâmide produtiva, forçando e reforçando a estrutura de produção dos países
produtores na lógica da divisão internacional do trabalho. (Países periféricos acabam por
reprimarizar suas economias e se “prenderem” em tal situação).
- Propostas e Recomendações
Aliar e conciliar os interesses das populações diretamente atingidas pleiteando com o
Estado, melhores condições, reformulações, reformas por parte das multinacionais. Criar uma rede interconectada de pressão, envolvendo não somente as populações
diretamente atingidas, mas também com grupos internacionais e organismos supranacionais
para forçarem tais corporações a reverem e se responsabilizarem pelos transtornos causados.
2) Segundo Expositor – Lúcio Cuenca
O expositor ressaltou a realidade vivida no Chile, criado a partir da forte expansão das
mineradoras e dos projetos de usinas de energias, em particular, de matriz termoelétrica.
A situação de conflito social, em especial, do norte do Chile, tem se agravado, ao passo
que o preço do cobre no mercado global aumenta (o Chile possui reservas de cerca de 40% da
quantidade total de cobre do mundo). Esse forte aumento de seu preço incentiva a
disseminação e intensificação da mineração do cobre, sendo, que tal aumento na atividade
mineradora, requer uma expansão de curto prazo da matriz energética, em particular a
termoelétrica (tornando a mais rentável em termos de custo-benefício da extração do cobre).
Os problemas consistem no fato de, primeiro, a atividade mineradora resultar em uma
baixíssimo constituição de empregos diretos e indiretos, segundo, o avanço de projetos de
construção de usinas termoelétricas, representa uma ameaça seríssima ao meio ambiente em
194
termos de contaminação de bacias hidrográficas, de poluição do ar, e de destruição de
florestas
A confluência dessas forças resulta em uma situação precária das condições de vida
das populações satélites a tais empreendimentos, que ficam sujeitas à desabastecimento e
contaminação de água (a atividade mineradora necessita de uma quantidade aquífera muito
grande), doenças cárdio-respiratórias oriundas da poluição do ar, e de desabastecimento de
energia elétrica (a maior parte da energia elétrica criada é para suprir as necessidades de tais
empreendimentos)
- Propostas e Recomendações
O expositor ressalta a importância da organização da população local, uma vez que, é
necessária uma vigilância intensa e constante tanto para o não agravamento da situação
quanto para garantir a subversão das consequências.
É destacado também pelo expositor a necessidade de uma interrelação entre as
comunidades locais e organismos supranacionais, que tem possuem per si uma maior poder
de barganha além de uma maior abrangência de discurso.
3) Terceiro Expositor - Paulo Adário
O expositor destaca o papel desempenhado pelo Greenpeace - organização não
governamental em defesa ao meio ambiente – e as estratégias utilizadas por esta
organização, em particular, na luta contra a destruição de vastas áreas de floresta para a
produção de carvão vegetal e na luta contra os desequilíbrios ecológicos causados nas
áreas limítrofes às regiões de extração de ferro gusa.
Paulo Adário ressalta as dificuldades criadas pelas empresas extratoras de ferro gusa,
dado o desbalanço entre as relações de poder entre as partes, além do fato de as
instituições reguladores, fiscalizadoras e repressoras do Estado favorecerem ao ideário do
capital (propriedade privada, maximização de lucros, etc.), propiciando e perpetuando o
195
desbalanço, além de inibir, coibir e retardar seguimentos de resolução de longo prazo aos
problemas.
Dado tais problemas o expositor ressalta a necessidade de mobilização e de
organização dos diretamente afetados, para com entidades e grupos de maior alcance para
“realinhar” a balança de poder.
- Propostas e Recomendações
O expositor destacou a importância da resistência e de táticas de confrontação bem
organizadas, em prol da defesa do meio ambiente. Por isso é necessário a maior
organização tanto internamente entre aqueles diretamente afetados quantos na
coordenação destes para com as demais organizações.
A união entre destes grupos resultaria em uma maior amplitude e abrangência às
exigências e a real situação vivenciada por aqueles diretamente afetados, criando assim,
uma maior ressonância às reinvindicações, aumentando a probabilidade de êxito da causa,
ainda que de curto prazo, mas servindo de alicerce a luta.
4) Quarto Expositor – Dirceu Travesso
O expositor ampliou o escopo do até então trabalhado pelos demais palestrantes,
aumentando a amplitude da análise não apenas para as regiões afetadas por desequilíbrios
econômicos, sociais e ambientais gerados por empresas multinacionais, mas as insere
concomitantemente ao avanço do movimento do capital a nível global, em sua incessante
busca pela valorização.
Dirceu destaca a interrelação entre a degeneração das condições materiais de trabalho
e da progressiva degradação socioambiental com o avanço do movimento do capital, na
busca de maiores lucros possíveis, com destaque para o avanço do capital financeiro em
escala mundial,
196
O expositor argumenta que dada a necessidade constante do capital de se valorizar,
cria-se uma espiral cíclica sistêmica entre maiores lucros, de degeneração da condições
materiais de trabalho (menores salários, intensificação e ampliação da jornada de trabalho,
etc.) e degradação ambiental (dada a busca por empreendimentos de maior valor
agregado, independente de sua localização ou ecossistemas).
Os maiores empreendimentos, para o expositor, que se traduzem em maiores lucro,
são equivalentes à maior expoliação e poluição das riquezas naturais bem como na maior
exploração dos trabalhadores.
- Propostas e Recomendações
O expositor reconhece que organização e pressão popular pode resolver casos
específicos, constrangendo pontualmente o avanço de empreendimentos e de seus
subsequentes malefícios. No entanto, cabe mais do que apenas se organizar para
reivindicar limitadas melhorias, é preciso repensar as formas de organização (como
sindicatos por exemplos), e mais ainda, repensar o modo de produção inteiro, de modo a
acomodar o avanço das forças produtivas às necessidades das sociedades, e não o
contrário.
5) Questões Polêmicas
A polêmica criada em torno da temática trabalhada pela mesa redonda diz respeito à
amplitude e a própria natureza das lutas. O cerne da questão se desdobra sobre a eficácia
em termos gerais, dos resultados, no longo prazo, daquilo a ser conquistados por
movimentos sociais, em particular, dos movimentos em defesa ao meio ambiente.
A eficácia daquilo a ser defendido (não desmatamento de florestas, descontaminação
de rios, etc.) pode ser realmente considerado uma vitória ou seria apenas adiar o
inevitável? Uma vez que a própria lógica do capital não foi superado, o problema por mais
que tenha sido evitado em determinada localidade, pode ser trasposto e se apresentar em
197
uma outra localidade, uma onde a presença de grupos organizados ou em rede não
operem.
Dessa forma, os grupos em defesa do meio ambiente apenas deslocam o problema, e
de fato não o resolvem, pois, as consequências socioambientais a qual estes defenderam
para sua desarticulação acabam por ser revertidas a outras localidades, criando uma
infindável rede de perseguição, de um lado os empreendimentos buscando sempre aos
melhores oportunidades para a valorização do capital, e de outro, movimentos sociais
buscando defender seus interesses. A vitória seria, nesse sentido, apenas parcial e
particular.
198
8.3.4 Mesa redonda: A mineração, os Estados nacionais e o direito
internacional
Ementa: Debate sobre as relações público-privadas nos grandes projetos de mineração, o
papel dos Estados na garantia dos direitos e na definição das prioridades socioeconômicas de
cada país, bem como mecanismos internacionais de responsabilização de Estados e empresas
por violações dos Direitos Humanos provocadas por atividades da cadeia mineral.
Participantes da mesa:
Geneviève Paul (Federação Internacional dos Direitos Humanos – FIDH - França)
Ofélia Vargas (Grupo de Formación e Intervención para el Desarrollo Sostenible –
GRUFIDES - Peru)
Paula Ferreira (Asamblea Popular por el Agua - Argentina)
Raúl Zibechi (Pesquisador e ativista social - Uruguai)
Lupo Canterac Troya (Red Agua, Democracia y Desarrollo, REDAD - Peru)
Coordenação: Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale
Relatoria: Alfredo Bragança
1.
Há relação simbiótica, às vezes parasitária, entre Estado e empresas;
2.
O Estado deveria estar garantindo direitos ambientais e dos povos atingidos pelas
mineradoras, entretanto age como omisso ou cúmplice direto das empresas em violações
ambientais e e/ou a grupos sociais.
3.
A Vale e os compradores de seus minérios são responsáveis pela irrelevância em ações
saneadoras para minimizar a deterioração ambiental e proporcionar melhorias à população
atingida pelo Projeto Carajás e sua ferrovia.
4.
As armas utilizadas por grandes grupos como Vale e Belo Monte são cada vez mais
sofisticadas, como escutas ilegais e aliciamento de apoios via corrupção, com intuito de
garantir aprovação de leis que lhes sejam favoráveis.
5.
A nova situação do Brasil, que antigamente era passivo diante da agressão de
empresas europeias e norte americanas, agora apresenta um novo cenário em companhias
brasileiras são acusadas de abusos aqui e no exterior. Foi mencionado que o Estado brasileiro
é acionista da Vale e participa de ações dentro e fora do país, além de levar caravanas de
empresários brasileiros para implantar projetos de colonização no exterior.
6.
Países latino americanos rico em minérios, por isso vem sendo explorado a séculos e
continuam como exportador de matéria prima. Ricos em minérios com populações pobres.
7.
A maior parte dos conflitos socioambientais na América Latina ocorrem no peru, na
Argentina e na Bolívia, e que dos 211 registrados 94 referem-se a mineração.
9.
Os governos abusam da força, recorrendo ao exército e à redução dos direitos civis,
como Estado de Emergência.
10. Líderes são obrigados a defenderem-se de vários processos, instaurados só para tomarlhes tempo, além de sofrerem campanhas midiáticas difamatórias.
199
11. A legislação tem sido alterada para agilizar e facilitar projetos mineradores, em detrimento
de qualidade destes.
12. A defesa da água e da vida é a principal luta.
13. Vitórias populares em vários países, via legislação, consequência de audiências públicas,
e/ou votações tem fortalecido os movimentos
14. Os projetos de mineração em sua implantação divulgam grandes benefícios, mas
apresentam poucos empregos e poucas melhorias para povos atingidos
15. o século XXI voltou a ampliar o abismo entre ricos e pobres, que sofreu ligeira redução
durante o século XX.
16. As ações de mediações de conflitos ocorrem principalmente nos grandes centros,
enquanto os conflitos dão-se nos interiores, e os responsáveis não entendem a realidade local.
17. A Colômbia corre risco extra, pois programas sociais e esportivos são implantados pelo
exército que com isso obtém ganhos de popularidade.
18. O judiciário é extremamente lento em julgar violadores do ambiente e sociais, e muito
raramente punem os responsáveis.
QUESTÕES
1.
Qual as modalidades atuais de mobilização?
2.
Importante incluir no rol de violações ambientais e sociais os projetos de mineração
não metálica, como fertilizantes.
3.
As sociedades latino-americanas padecem de falta de água e energia, enquanto grandes
projetos esgotam esses recursos em volumes expressivos..
4.
A grande mineração é o novo modelo de colonialismo, e representa o novo padrão de
assimetria econômica e geopolítica.
5.
Direito sem poder não é nada, sem capacidade de implementação e governos fracos
não adianta legislação avançada.
6.
Tem-se que analisar o situação dos gás de xisto, visto a Brasil ser apresentado como
grande reserva e ser conhecido o seu potencial destrutivo.
7.
Debate-se atualmente com dados de áreas dos Títulos de mineração, quando o certo
seria focar na área requerida para pesquisa, que é muito mais extensa e já está incorporada aos
projetos mineradores.
POLÊMICAS
1.
Os Governos de esquerda, vitoriosos na América Latina neste século significaram
avanços sociais? A maioria concluiu que não
2.
O uso de armas na defesa de interesses populares é importante para demonstrar força e
romper o imobilismo social? A maior parte manifestou-se contra por colocar que se tem
menos recursos e armas, ainda que possa ser utilizado em casos extremos.
200
3.
Devemos isolar as questões de direitos humanos, mas fácil de recorrer das questões
ambientais, ou são indissolúveis?
4.
Os grandes projetos de mineração são enclaves, invioláveis como fortalezas
medievais, mesmo por forças estatais, ou pelo fato de elegerem governadores e vereadores
não podem ser considerados enclaves.
5.
Vale a pena lutar por conquistas polìticas ou isso significa a manutenção dos “campos
de concentração modernos” que são as grandes áreas de mineração.
6.
Vale a pena negociar com mineradoras ou deve-se simplesmente lutar pela sua
extinção.
7.
Qual a atitude do estado diante dos grandes empreendimentos mineradores?
RECOMENDAÇÕES
1. É importante a ação de grupos como Justiça nos Trilhos e Justiça Global.
2. Apesar das limitações, o estado ainda é a maior possibilidade de ação para buscar
responsabilidade social e ambiental das empresas.
3. É importante dividir experiências por povos que padeçam de males similares, pois os
projetos mineradores são executados pelas mesmas empresas com mesmo
metodologia.
4. Os Estados e as empresas transnacionais estão articulados, precisamos mostrar que
ações e estratégias do mesmo nível. Foi citado o exemplo de fronteiras ignorados por
projetos fronteiriços, com o aval dos estados, que abrem mão de sua soberania.
5. Tem-se que envolver equipes multidisciplinares com economistas, advogados,
engenheiros, agentes sociais para dar suporte ao confronto.
6. A cultura impregnada na população do crescimento decorrente dos grandes projetos
mineradores deve ser combatido para que os ganhos sociais sejam ampliados
201
8.3.5 Mesa Redonda: Grande Carajás, Estado e desenvolvimento
Ementa: Discussão sobre a ação estatal com vista a promover processos ditos de
desenvolvimento. Partindo de uma perspectiva histórica, mas objetivando
conhecer melhor os processos contemporâneos, terá como temas os
planejamentos estatais para o crescimento econômico, incentivos fiscais e
financeiros, investimentos em infraestrutura, atuação junto a grupos sociais
locais atingidos, legislação e políticas públicas pertinentes. A reflexão se
estenderá para elucidação da construção e usos de categorias como
desenvolvimentismo, neodesenvolvimentismo, desenvolvimento sustentável,
desenvolvimento étnico.
Participantes da mesa:
Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior (UFMA - Brasil)
Coordenação: Zaira Sabry Azar (MST/UFMA - Brasil)
Relatoria:Andressa Brito Vieira
A mesa redonda intitulada Grande Carajás, Estado e desenvolvimento
iniciou-se as 15:10, com uma fala da coordenadora recitando trechos do texto
Dificuldade de governar do dramaturgo Bertold Brecht, em seguida apresentou os
objetivos dessa mesa e realizou uma breve apresentação do professor Horácio
Antunes, pontuando sua formação acadêmica. Os outros dois componentes que
comporiam a mesa não puderam comparecer, sendo que um deles mandou um
substituto, mas este não foi localizado no evento.
O expositor Horácio Antunes saudou a plateia e começou sua fala
historicizando a noção de desenvolvimento, e como esta se tornou uma dimensão de
verdade muito forte e difícil de ser contestada, e para comprovar cita um exemplo de
que quando os representantes das comunidades estão nas audiências públicas afirmam
“Não somos contra o desenvolvimento, mas...”. Romper com essa noção não é apenas
um desafio teórico, mas prático, afirma que é necessário fazer essa luta simbólica,
sendo importante fazer, então,
uma discussão histórica dessa
noção de
desenvolvimento.
Esta é anterior a Segunda Guerra, mas a partir desse momento ganha
mrelevância, principalmente através dos organismos internacionais como: ONU,Banco
Mundial, FMI. A difusão do conceito de desenvolvimento que surge na Biologia para
tratar das questões referentes aos seres vivos e é deslocada para pensar os fenômenos
202
sociais. Pontua o discurso da posse de Truman (EUA), ressaltando que este serve para
entender como essa noção vai sendo construindo. O expositor, então, lê uma parte
desse discurso, e pontua que podem ser feitas associações em relação a esse discurso,
como por exemplo a construção do discurso da possibilidade de uma vida melhor com
aumento da produção associada a tecnologia (advinda do mundo moderno). Com a
noção de desenvolvimento cria-se também a noção de subdesenvolvimento, se
constituindo como algo a ser superado, e toda diversidade, significaria miséria e
formas econômicas primitivas.
No Brasil, essa noção apresenta-se incialmente através do governo Juscelino,
inclusive com o slogan “50 anos em 5”, depois no perìodo da ditadura civil-militar e
todos os seus planos de integração que ocasionaram problemas para a Amazônia
Oriental, constituindo-se através da junção Estado e Iniciativa Privada. Noção de
desenvolvimento internacional cria corpo no Brasil, e principalmente na Amazônia
Oriental através do Programa Grande Carajás, que é antecedido pelo projeto Ferro
Carajás. Associada a mineração observam-se as guseiras, sendo estas espalhadas pelo
território Marabá – São Luís, tendo uma grande concentração no município de
Açailândia. Pontua as implicações ocasionadas pela Lei de Terras no ano de 1966 pelo
governo Sarney, como a problemática fundiária agravada. Pontua sobre a pecuária
bubalina, e um momento de resistência intitulado Guerra dos Búfalos.
Evidencia que existem varias circunstancias que mudam a paisagem e o modo
de vida local. Aponta também a infraestrutura construída para esses empreendimentos
como: aeroportos, estradas, portos, hidrelétricas. Pontua a questão da Base Espacial de
Alcântara. O desenvolvimento desconsidera as populações locais, essas são
invisibilizadas e o conceito de “vazio demográfico” fica entendido também como
“vazio cultural”, o que serve para legitimar esses processos. A cartografia social tem
trabalhado para viabilizar essas pessoas que são não apontadas pelos documentos
oficiais. Entretanto, esses grupos de seringueiros, pescadores, quilombolas, ribeirinhos
reagem.
Desde a década de 1980 os conflitos tem se apresentado como permanentes,
obviamente com momentos mais intensos outros nem tão intensos, mas estes nunca
cessaram. Em momentos anteriores foi pensado na construção de outro modelo de
desenvolvimento, o que pode ser observado através de jornais e documentos,
203
entretanto não existe essa possibilidade sem questionar o desenvolvimento.
A
utilização do termo crescimento, inclusive observando-o no programa PAC, é apenas
uma forma de limpar a noção de desenvolvimento. Assim como os termos
desenvolvimento humano, sustentável, eco. Estes são instrumentos ideológicos do
sistema capitalista. E não da pra colocar em cheque a questão de desenvolvimento,
sem colocar em cheque sua própria origem, o capitalismo.
DEBATES:
O debate foi considerável, tendo treze participações, contando com falas de
participantes do Maranhão (capital e municípios do continente), do Pará e do Ceará.
Os participantes tinham variadas vinculações institucionais sendo estes acadêmicos
(professores, doutorandos, mestrandos graduandos), escolares e movimentos sociais.
Então, observou-se representantes de comunidades quilombolas, de pescadores,
assessor popular, medico, membro da CTP, coletivos acadêmicos, etc. Alguns fizeram
questionamentos ao expositor, como os seguintes: 1) Distinção entre crescimento e
desenvolvimento; 2) Destacar a importância do seminário, devido a falta de
informação
que as pessoas vivem sobre o que realmente acontece devido esses
projetos e empreendimentos; 3) Pede que o professor explicite sobre o uso do termo
cidadania e suas variações, inclusive, para alegar que a fragilidade da cidadania,
ocasiona um Estado fraco, que em sua opinião [do participante] só é fraco para
algumas questões. 3) Questiona, após uma exposição sobre questões raciais, quem
domina o Estado?
Outros relataram suas experiências de vida. Um jovem de uma comunidade
quilombola Santa Rosa, em Itapecuru Mirim relata sobre a luta da juventude desse
local e afirma que o Estado garante direitos, mas pra quem?; outro senhor de uma
comunidade também atingida aponta que ao longo dos anos escutaram uma conversa
“bonita”, mas que agora a fartura acabou e existe apenas o sofrimento e mortalidade.
Outra liderança de comunidade aponta que quando as empresas querem se
instalar oferecem um banquete literalmente. Pontua que mesmo o trabalho de
conscientização feito pelos movimentos da comunidade, as vezes não são entendidos
porque acham que eles não são da academia, mostrando a dificuldade de convencer os
204
moradores atingidos. Querem nos transformar em micro empresários. Pontua-se
contra, também, a forma como a secretaria de meio ambiente aprova os laudos. E
afirma, a gente não é contra o desenvolvimento, mas queremos um desenvolvimento
que nos contemple.
PROPOSTAS E RECOMENDAÇÕES:
Da fala do expositor pode-se tirar uma pontuação como proposta:
O fato de a riqueza reforçar o capital, a apropriação desta gera uma série de
problemas, inclusive, o aumento da violência urbana, e isso é o desenvolvimento.
Assim não é preciso construir um novo modelo de desenvolvimento, já que assim seria
trabalhar com a mesma lógica para a manutenção do sistema capitalista. Chegou o
momento que temos que dizer que nós somos contra o desenvolvimento.
A coordenadora da mesa finalizou os trabalhos afirmando que o Maranhao é o
epicentro do desenvolvimento, com uma média de 30 grandes projetos, e que se um se
posiciona contrário há resistência e que este seminário deve-se constituir como um espaço de
resistência que inclusive foi batizado de território Dom Luis Balduino, concluiu com versos
políticos. A mesa foi encerrada as 18:10.
205
8.3.6 Mesa Redonda: Grande Carajás: 30 anos de mineração
Ementa: Debate sobre a exploração do minério de ferro nos 30 anos do
Grande Carajás, destacando seus principais beneficiários, destino dos
minérios e cadeias produtivas relacionadas. Discute, ainda, outras práticas de
mineração no Grande Carajás e seus impactos socioambientais.
Participantes da mesa:
Edna Castro (UFPA - Brasil)
Guilherme Zagallo (JnT - Brasil)
Jorge Neri (MAM - Brasil)
Coordenação: Gilvânia Ferreira (MST - Brasil)
Relator: Silvia Cristianne Nava Lopes
Da Expositora Edna Castro:
Inicia sua exposição acerca da trajetória do Programa Grande Carajás, de como
ocorreu o processo de implantaçãoe desenvolvimento nestes 30 anos; da ocupação de
espaço na Amazônia pela Empresa Vale e outras terceirizadas, a exemplo do Ferrogusa. Destaca que o processo de ocupação muito expansivo abarcando territórios
indígenas e de quilombolas. É importante destacar que o estado brasileiro sempre se
preocupoucom a expansão territorial e esta sempre esteve presente desde o inicio do
processo, não somente na Amazônia, mas nas fronteiras destas com outros países
gerando vários conflitos pela posse de território.
E qual seria o papel do Estado? O Projeto Grande Carajás cruza com
programas de governo do estado para viabilizar este projeto. Programas sociais do
governo como o Território da Cidadania que tem o papel de atenderos municípios do
entorno do projeto que são mais vulneráveis, mascaram os interesses de capitalistas.
Para o Estado a prioridade é promover desenvolvimento e resolver os problemas de
divisas. É importante afirmar que os discursos produzidos na época de implantação e
desenvolvimento do Programa Grande Carajás nas décadas de 70, 80, 90 perdem o
sentido mediante o processo de privatização da empresa (a privatização da
Valeocorreu em 1997, mas desde 1990 já se pensava no processo de privatização).Os
acordos não foram cumpridos. Como podemos cobrar hoje em dia?
A parceria Vale e Estado representou um processo de reordenamento que
permitiu a empresa uma serie de prerrogativas em torno de incentivos fiscais,
territórios, tornando-a bem mais rentável. Há investimentos do Estado para que a
empresa alcance este nível. Na contramão, a população perde qualidade de vida
(qualidade do ar, terra, etc). O ideal seria que parte do lucro deveria voltar para onde
está sendo retirado (precarização do meio ambiente, por exemplo). Parte do lucro
deveria ser viabilizado no esforço da população que migra para novos territórios
(assentamento). É importante lembrar da questão do reflorestamento, especialmente
em regiões como Imperatriz, Açailândia e Marabá. As florestas foram destruídas para
exploração de eucalipto (monocultura) – Onde está a biodiversidade e os
investimentos para fins de reflorestamento?As terras foram para as mãos de uma
grande empresa a baixo custo – O que significou hoje?
206
Qual a logística da empresa? A Vale tem sido um modelo de intevenção e
influencia o planejamento do Estado, instituições e programas de desenvolvimento.
Podemos destacar o PAC 1 e PAC 2. A logística que cuida de hidrovias, portos e
geração de energia. A dinâmica da RegiãoAmazônica representa um modelo quando
se olha a partir destes investimentos especialmente acerca de infraestrutura. É o
mesmo modelo, mas numa nova roupagem.
Neste sentido, o atual Plano Nacional de Desenvolvimento se define numa
visão estratégica de governo no que concerne ao transporte, construção de estradas. O
planejamento reforça a abertura de estradas, intercomunicação dos rios, redesenhando
a comunicação através da implementação de infraestrutura. É importante afirmar que
todos os rios da Região Amazônica estão rastreados e monitorados como corredor de
navegação (Petrobras). Os investimentos portuários são terceirizados(setor privado )
mediante forma de consorcio. No futuro, teremos muitos impactos sociais e
ambientais. Enquanto nestes 30 anos, nós tivemos muitos investimentos direcionados a
uma determinada região. Ou seja, os impactos estavam convergentes em um
determinado lugar. No futuro, haverá uma multiplicidade de investimentos e
intervenções que vão impactar de forma muito mais complexa do que possamos
imaginar.
Do Expositor Guilherme Zagalo:
Destaca a alta produtividade da Vale. São 130 milhões de toneladas de minério.
O programa Grande Carajás iniciado em meados da década de 60. Começou com uma
reserva mineral 19 milhões de toneladas de ferro em Paraupebas – PA e hoje tem uma
grande infraestrutura (ferrovia, hidrovias, portos, hidrelétricas, siderurgia e carvoaria).
NoProjeto Grande Carajás, a Vale ficou responsável pela produçãode 35
milhões de minério por ano. Hoje já opera com 130 milhões por ano. São 500 mil
tonelada por dia. Ainda conta com obraspara duplicação estrada de ferro para expandir
sua produtividade para 230 milhões por ano. Quanto aos lucros, são US$ 99, 40
bilhões de dólares. Em 2013, o minério foi produzido por US$ 22,00 dolares a
tonelada e vendido US$ 105,00.Metade da produção vai para a China. Vale ressaltar
que a Vale é 3ª maior mineradora do mundo. Líder global de ferro e a segunda em
níquel. Atualmente, emprega 200 mil pessoas, 58% dos empregados são terceirizados.
A Vale está presente em aproximadamente 40 países, com vários produtos incluindo o
carvão.
O Programa Grande Carajás, no período de 1985-90, inicialmente previa
desenvolvimento local. Entretanto, na lógica neoliberal ocorreram as privatizações.
Neste contexto, o desemprego nos municípios atravessados pela ferrovia é 16,9 % que
a média dos estados Maranhão (11,8%) e Pará (13,7%).Em 21 dos 27 municípios, o
Índice de Desenvolvimento Humano - IDH também é menor que a média dos estados.
Somente os municípios de Açailândia-MA e Marabá-PA ultrapassam a media dos
estados. No Maranhão, o IDH é 0,639 e, no Pará o IDH é 0,646. É importante afirmar
que a Vale tem sido fortemente financiada pelo Banco BNDS desde 2005 até o
presente momento mediante empréstimos e financiamentos. Somente em julho de
2013, o BNDS financiou R$ 109 milhões para aquisição de equipamentos.
E quais os impactos do escoamento da produção mineral? Atropelamentos,
ruídos, vibração, circulação, acidentes e poluição (por exemplo - exploração
daempresa Ferro-gusa, a partir do carvão). Não se investe em passarelas para
207
pedestres. As salas de aula precisam interromper a rotina por conta do ruído nas
comunidades adjacentes a ferrovias. A situação é muito difícil para quem vive nestas
áreas. Sem circulação. As crianças tentam subir no trem e se tornam vitimas de
acidentes, conforme levantamento da Plataforma Dhesca Relatoria de Direitos
Humanos e Meio Ambiente. Que realiza monitoramento (ONU).
AS PROPOSTAS E RECOMENDAÇÕES:
Do Expositor Jorge Neres:
O expositor faz a seguinte pergunta: O que MST tem haver com mineração? E
responde: a maioria dos territórios ocupados pela Vale pelo Programa Grande Carajás
pertencem aos camponeses, índios e quilombolas. O expositor lembra que os
municípios de Imperatriz, Paraupebas e Marabá eram túneis de floresta – hoje existe
somente eucaliptos. Destaca que a Vale é uma mega empresa estatal e que nestes 30
anos, os camponeses, índios e quilombolas perderam território e consequentemente
sua identidade (de pescador, lavrador, etc). O militante faz uma crítica ao capitalismo,
que acumula capital desta forma desproporcional, provocando danos ambientais,
econômico e social. No Pará, o combate diário com a Vale acontece há 7 anos.
Segundo o expositor, a Vale não negocia com MST alegando que o MST é um grupo
terrorista.
O expositor afirma que existem muitas dificuldades de articulação (assentados
e Vale). Uma vez que o estado colabora na lógica do capital, os assentados perdem
financiamentos em políticas públicas de saúde e projetos sociais e ambientais.
Portanto, não basta reflexão e estudo de impactos. Precisamos agir o quanto antes. O
expositor questiona: “Quantos ainda vão morrer assassinados em ocupação de
território, quantos irão morrer atropelados pelo trem de carga da Vale? Destaca que a
maioria são jovens com faixa etária entre 16 a 19 anos.As pessoas morrem por causa
de um modelo econômico que exclui e nos condena a não existência – perda de
território. Ressalta que a Vale tem seus tentáculos em outros continentes adotando um
modelo de concentração de renda excludente. A Vale adota postura coercitivas e
autoritárias. E então, onde estão os camponeses? Vamos esperar mais 30 anos? Não
podemos esperar e nem perder mais 30 anos. Nós estamos há 30 anos na contramão da
soberania.
Quando se perde território, perdemos identidade. Em Monção-MA, na baixada
maranhense. Algumas comunidades se revoltaram recentemente e fecharam a ferrovia.
Já está havendo um conjunto de movimento mesmo que pontuais questionando a
presença da Vale em determinados territórios. E finaliza a exposição proprondo
mobilização, articulação e recomendando que a sociedade precisa se mobilizar para
pensar numa ruptura deste modelo.
AS POLÊMICAS (no debate):
Uma moradora do Rio dos Cachorros região próxima ao Porto do Itaqui, na
zona rural de São Luís-MA, abre o debate falando dos projetos ambientais x poluição
do ar, mangues e rios. Ressalta queas reservas ambientais estão se perdendo por conta
deste modelo de desenvolvimento. Reitera que as comunidades nunca foram omissas.
Podem estar tímidas. Falou do Parque da Alumar e do Parque Botânico da Vale do Rio
Doce. E reitera, se estes parques ainda existem, isto se deve às famílias, as
208
comunidades. Os buritis e juçarais foram devastados. Se ainda existe flora é pelo
esforço das comunidades. Muitas famílias foram expulsas e estão as margens das
palafitas. Concorda com MST. Perde identidade de lavrador, de pescador, perde sua
memória de passar para seus descendentes toda a sabedoria do seu povo. No final ela
convida a todos para conhecer a zona rural de são Luís e suas reservas naturais.
Um representante do MST ressalta a trajetória de luta em São Luís-MA, e
relata: “quando Monção-MA resolveu se mobilizar é porque a coisa está feia”. Ele
lembra do percurso do trem da Vale: crianças se chocando contra o trem querendo
vender alguns produtos caseiros, correndo sérios riscos de acidentes. Lembra de que
em casos de acidentes ele nunca presenciou uma iniciativa da Vale em prestar
assistência em relação as famílias que perderam os parentes. Relembra o discurso da
Empresa, de que as vítimas estavam alcoolizadas. No ultimo acidente que ocorreu há
poucos dias, envolvendo um carro e o trem por volta das 18 horas, o corpo somente
foi removido as 23horas. Há um despreparo da empresa em relação a estes acidentes.
Além disso o discurso da Vale é que nós somos invasores que não deixam a empresa
fazer o seu trabalho. A Vale critica que as comunidades é que seriam invasores do
território deles.
A Contribuição dos Expositores no Debate:
Criança tem fascínio por trem. Hoje mediante ações civis públicas e
movimentos sociais que tratam da questão da infância estão obrigando a vale a adotar
medidas mais efetivas para combate a acidentes. Porém, não existe solução mágica.
Somente pela mobilização, das resistências e das lutas sociais que podemos melhorar
esta questão. Quanto a questão da mídia – não tem verniz que salve uma madeira
podre. Não há como se sustentar por muito mais tempo o discurso de preservação
ambiental. Os parques ambientais da Vale e Alumar são atualmente instrumentos
propaganda, de mídia. Para visitar o parque deve-se pedir autorização. Não é um local
público. Não pertence às comunidades.
A entrada nas Comunidades: se a comunidade detém a posse de um
determinado território, não se deveria permitir entrada sem autorização. Somente o
Estado poderia fazê-lo. Ninguém entra numa casa sem autorização do dono. O trânsito
da área do Itaqui-Bacanga e da UFMA é complicado e não se deve aos moradores
locais e sim ao deslocamento de pessoas que trabalham na zona industrial de são Luís
e na própria Vale. Destaco que as alianças com as universidades, com a academia é
muito importante nas lutas e na resistência.
209
8.3.6.1 Carajás 30 anos: Valeu a pena? - José Guilherme Carvalho
Zagallo (advogado)42
Resumo
Este artigo é fruto de uma pesquisa bibliográfica que tenta avaliar os 30 anos do
Projeto Grande Carajás. Encontra-se nos estudos de impactos ambientais, relatórios de
fiscalização de concessões públicas e estudos socioeconômicos uma série de
indicadores importantes para essa avaliação. Conclui-se que o Programa Grande
Carajás não promoveu o desenvolvimento humano dos municípios cortados pela
Estrada de Ferro, ao passo que as comunidades desses municípios passaram a sofrer
forte impacto de atropelamentos, cerceamento do direito de ir e vir, poluição e ruído.
Em alguns casos as emissões de poluentes e ruído estão fora dos padrões legais.
Palavras-chave: Carajás. Avaliação negativa. Impactos sociais e ambientais.
Abstract
Thisarticle is based ona literaturethat tries toassess the30 years of
theGreatCarajasProject. It is found inenvironmental impact studies, monitoring
reportsof government concessionsand socioeconomicstudiesa number of
keyindicatorsfor thisreview. It is concluded thatthe GreatCarajásProgrammedid not
promotethe humandevelopment of the municipalitiescutby the Railroad, while the
communitiesof these municipalitieshave come understrong impactofroadkill,
restriction of the rightto come and go, pollution and noise. In somecasesthe emissions
ofpollutants andnoiseare outoflegal standards.
Keywords: Carajás. Negative evaluation. Social and environmental impacts.
1. Introdução
Em 28 de fevereiro de 1985 chegou a São Luís o primeiro trem trazendo
minério de ferro da Serra dos Carajás, situada no Estado do Pará, destinado à
exportação. O Projeto Grande Carajás havia sido criado pelo Decreto-Lei nº 1.813, de
24 de novembro de 1980, com a concessão de incentivos tributários e financeiros
destinados a empreendimentos de infraestrutura para a exploração dos minérios da
Serra de Carajás e outros destinados ao desenvolvimento da região.
O projeto inicial previa a construção de um sistema logístico integrado de
mina-ferrovia-porto para exportação anual de 35 milhões de toneladas de minério de
ferro, operado pela então estatal Companhia Vale do Rio Doce, além da implantação
de gusarias, atividades de reflorestamento, industrialização da madeira, dentre outros.
42
Texto completo enviado pelo autor
210
Atualmente, o sistema logístico operado pela empresa Vale43 exporta 130
milhões de toneladas de minério de ferro por ano, e estão em curso obras de ampliação
para elevar essa capacidade para 230 milhões de toneladas de minério de ferro por
ano44, além de ter impulsionado a siderurgia de baixo valor agregado, que em seu pico
de produção no ano de 2007 produziu 3,53 milhões de toneladas de ferro gusa.
O mesmo programa concedeu incentivos à construção da Alumar, que
atualmente tem capacidade anual de produção de 445 mil toneladas de alumínio e 3,5
milhões de toneladas de alumina no município de São Luís - Maranhão.
Este artigo pretende discutir se esse Programa obteve êxito em sua proposta de
desenvolver a região, e também sobre alguns dos impactos causados pelas operações
do Projeto Carajás, que praticamente são desconhecidos da opinião pública, como o
elevado nível de poluição, sobretudo nas cidades de São Luís e Açailândia, os
atropelamentos ocorridos na Estrada de Ferro Carajás, o ruído e a vibração causados
por suas operações.
2. Desenvolvimento Humano na região da Estrada de Ferro Carajás
Os dados sobre desenvolvimento humano em 2010 apontam que 21 dos 27
municípios atravessados pela Estrada de Ferro Carajás – EFC possuem Índice de
Desenvolvimento Humano Municipal - IDHM45 menor que a média dos seus Estados
em 2010 (MA=0,639 e PA=0,646), tal como pode ser visto na tabela 1:
Tabela 1 – Índice de Desenvolvimento Humano na região da EFC
Município/Estado
IDH 1991
IDH 2010
São Luis
0,562
0,768
Bacabeira
0,341
0,629
Santa Rita
0,312
0,609
43
Denominação atual da Companhia Vale do Rio Doce, privatizada em 06 de maio de 1997 por R$ 3,3
bilhões.
44
Conforme Formulário de Referência 2013, depositado pela empresa Vale S/A perante a Comissão de
Valores Mobiliários.
45
Índice desenvolvido pelos economistas Amartya Sem e Mahbub ul Haq, e utilizado pelo Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD - desde 1993. Variando de 0 a 1, é composto a
partir de dados de expectativa de vida ao nascer, educação e PIB per capta. No Brasil uma parceria entre
o IBGE e o PNUD calcula o IDHM dos municípios a partir dos dados dos Censos realizados em 1991,
2000 e 2010.
211
Anajatuba
0,260
0,581
Itapecuru-Mirim
0,338
0,599
Miranda do Norte
0,340
0,610
Arari
0,331
0,626
Vitoria do Mearim
0,322
0,596
Igarapé do Meio
0,205
0,569
Monção
0,248
0,546
Santa Inês
0,408
0,674
Pindaré-Mirim
0,339
0,633
Tufilândia
0,214
0,555
Alto Alegre do Pindaré
0,190
0,558
Buriticupu
0,237
0,556
Bom Jardim
0,237
0,538
Bom Jesus das Selvas
0,198
0,558
Açailândia
0,344
0,672
São Francisco do Brejão
0,256
0,584
Imperatriz
0,444
0,731
Cidelândia
0,286
0,600
Vila Nova dos Martírios
0,245
0,581
São Pedro da Agua Branca
0,249
0,605
Bom Jesus do Tocantins (PA)
0,309
0,589
Marabá (PA)
0,401
0,668
Curionópolis (PA)
0,326
0,636
Parauapebas (PA)
0,439
0,715
Maranhão
0,357
0,639
Pará
0,413
0,646
Fonte: Elaboração própria a partir dos Atlas do
Desenvolvimento Humano no Brasil 1998 e 2013
De fato, verifica-se na tabela 1 que somente dois municípios (Açailândia e
Marabá) atravessados pela Estrada de Ferro Carajás ultrapassaram a média dos seus
Estados entre 1991 e 2010. Os municípios de São Luís, Santa Inês, Imperatriz e
212
Parauapebas já possuíam índice de desenvolvimento humano superior aos dos seus
respectivos Estados em 1991.
Além dos baixos indicadores de desenvolvimento humano, o desemprego é
maior nos municípios na área de influência da Estrada de Ferro Carajás (16,9%)
que a média dos Estados do Maranhão (11,8%) e Pará (13,7%), tal como informa a
Fundação Vale no Diagnóstico Socioeconômico divulgado no seu sítio na rede
mundial de computadores.
Assim, passados 30 anos do lançamento do Programa Grande Carajás pode-se
dizer que este falhou em desenvolver os municípios atravessados pela estrada de ferro
construída para escoar a produção mineral de Carajás.
No entanto, mesmo não tendo contribuído significativamente para a melhoria
dos indicadores sociais, as operações das empresas que se implantaram na região em
decorrência do Programa Grande Carajás tiveram forte impacto sobre a vida das
populações.
3.
Atropelamentos na Estrada de Ferro Carajás
Provavelmente o maior e mais irreversível dos impactos causados pelas
operações da Estrada de Ferro Carajás sejam os atropelamentos causados por seus
trens.
Com efeito, entre 2002 e 2011 os acidentes graves ocorridos na Estrada de
Ferro Carajás tiveram 82 vítimas, como pode ser visto no gráfico 146:
46
A Agência Nacional de Transportes Terrestres não divulga o número de mortes nos
acidentes ferroviários.No entanto, a maior parte dessas vítimas faleceu em consequência dos
atropelamentos.
213
Gráfico 1 – Vítimas em Acidentes Graves na EFC (2002/2011)
26
16
11
9
7
3
1
4
5
0
2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011
Fonte: Elaboração própria a partir dos Relatórios Anuais de Acompanhamento
das Concessões Ferroviárias da ANTT dos anos 2002 a 2011
Esses atropelamentos acontecem, sobretudo, em decorrência do número
insuficiente de passarelas e passagens de nível para a circulação de veículos, pessoas e
animais na área da estrada de ferro. Não raro, crianças, doentes e idosos, além da
população em geral, são obrigados a passar por baixo dos vagões ferroviários em
função do longo tempo de estacionamento desses na linha aguardando autorização
para trafegar, e como são trens muito longos, que superam 3.400 metros de
comprimento, demandariam muito tempo para serem contornadas. A consequência
disso é que as comunidades tem cerceado seu direito de ir e vir.
As comunidades também reclamam do ruído causado pela circulação de trens
que perturbam o sono e o aprendizado nas escolas, assim como a vibração, que afeta a
estrutura das construções e poços.
Mas o impacto das operações das empresas do Programa Grande Carajás sobre
a vida humana não decorre exclusivamente dos atropelamentos. Também a saúde das
populações vizinhas é atingida.
214
4. Poluição industrial em São Luís
A emissão total de poluentes na Cidade de São Luís foi inventariada pela Vale
S.A. em 2005, e tornada pública no Estudo de Impacto Ambiental - EIA da Usita
Termelétrica Itaqui, apresentado pela empresa MPX – atual ENEVA, conforme quadro
1, transcrito em fac-símile do referido EIA:
Quadro 1 - Resumo do Inventário de Emissões Atmosféricas em São Luís
Fonte: EIA/RIMA Termelétrica MPX(Eneva) – pág. VI.1.2-20
Segundo o referido levantamento, a emissão total de poluentes em São Luís
em 2005 era de 43.056 toneladas, referente aos poluentes com padrões legais
previstos na Resolução CONAMA nº 3/9047, e também hidrocarbonetos. As
indústrias instaladas em São Luís respondiam por 28.257 toneladas dessas
emissões.
Nesse mesmo ano, a Empresa Vale S/A informou a emissão de 16.809
toneladas de poluentes por ano, como pode ser visto no Quadro 2, transcrito em facsímile abaixo:
47
, Partículas Totais em Suspensão, Material Particulado, Dióxido de Enxofre Óxidos de
Nitrogênio, Monóxido de Carbono e Ozônio
215
Quadro 2 -Resumo do Inventário de Emissões Atmosféricas da Vale (2005)
Fonte: Vale - Estudo Ambiental do Complexo Ponta da Madeira– Vol. II – Cap. V - pág. 41
Deve ser observado que as operações da Vale em 2005 envolviam a exportação
de 70 milhões de toneladas de minério de ferro por ano. Como atualmente o volume de
exportação é da ordem de 130 milhões de toneladas/ano, provavelmente alguns dos
níveis de emissões de poluentes devem ter aumentado.
Em 2004 a empresa Alumar apresentou Estudo de Impacto Ambiental para
ampliação de sua refinaria, obra que após sua conclusão causaria a emissão de
10.521 toneladas anuais de poluentes por aquela empresa, como pode ser visto nos
quadros 3 e 4, transcritos em fac-símile abaixo:
Quadro 3 - Resumo do Inventário de Emissões Atmosféricas da Alumar (2004)
216
Quadro 4 - Resumo do Inventário de Emissões Atmosféricas da Alumar (2004)
Fonte: EIA/RIMA Ampliação Refinaria Alumar (pags. III-24 e III-25)
Por fim, a empresa ENEVA (anteriormente denominada MPX) informou em
seu EIA/RIMA a emissão anual de até 13.802 toneladas de poluentes, em caso de
operação contínua, como tem acontecido desde fevereiro de 2013, como pode ser visto
no quadro 5, transcrito em fac-símile abaixo:
Quadro 5 - Resumo do Inventário de Emissões Atmosféricas da ENEVA
217
Fonte: MPX - EIA/RIMA Termelétrica Itaqui – pág. VII.78
Esses
estudos confirmam que atualmente a poluição industrial em São Luís é
significativamente superior àquela existente em 2005, pela ampliação das exportações
da Vale, pela conclusão da ampliação da refinaria da Alumar e pelo início da operação
da termelétrica da Eneva.
De fato, dados apresentados pela empresa Vale S/A no licenciamento do Pier
IV informam que no período de 01/05/2007 a 24/06/2008 o padrão de concentração
de Partículas Totais em Suspensão - PTS foi ultrapassado 77 vezes no Porto de
Itaqui, quando o máximo admissível pela Resolução CONAMA nº 3/90 seria uma
ultrapassagem ao ano, conforme gráfico transcrito em fac-símile do referido EIA:
Gráfico 2 - Concentração de PTS no Porto de Itaqui (2007/2008)
218
Fonte: Vale - EIA Píer IV– Vol. I – Cap. 7.1 – pág. 19
O mesmo ocorreu em menor escala na estação de monitoramento do Posto de
Saúde do Bacanga, conforme gráfico 3 transcrito em fac-símile do referido EIA:
Gráfico 3 - Concentração de PTS no Posto de Saúde do Bacanga (2007/2008)
Fonte: Vale - EIA Píer IV– Vol. I – Cap. 7.1 – pág. 20
A própria modelagem matemática do EIA/RIMA do Píer IV indicou
ultrapassagem do padrão legal de emissão de Partículas Totais em Suspensão,
conforme pluma de dispersão transcrita em fac-símile abaixo:
219
Gráfico 4 - Modelagem matemática concentração de PTS na Área da Vale
Fonte: Vale - EIA Píer IV– Vol. II – Cap. 9.0 – pág. 10
Em 2013 a Secretária de Indústria e Comércio do Estado do Maranhão
apresentou Estudo de Impacto Ambiental para obtenção de licença ambiental para o
Distrito Industrial, em que ficou evidenciado pelo menos uma ultrapassagem do
padrão primário de emissão de Partículas Totais em Suspensão na área do Porto
de Itaqui em 2011, além de níveis elevados de PTS no restante do ano, próximos ao
padrão anual, conforme gráficos 5 e 6, transcritos em fac-símile do referido EIA:
Gráfico 5 - Concentração de PTS no Porto do Itaqui (2011)
220
Fonte: SEDINC - EIA Distrito Industrial – Vol. I - pág. 270
Gráfico 6 - Concentração de PTS no Porto do Itaqui (2011)
Fonte: SEDINC - EIA Distrito Industrial – Vol. I - pág. 283
Mas a saturação de poluentes não ocorre apenas em relação a Partículas Totais
em Suspensão.
Também em relação a Partículas Inaláveis - PI a região do Porto de Itaqui está
próxima ao padrão primário anual de 50 µg/m3, conforme gráfico 7, transcrito em facsímile do referido EIA:
221
Gráfico 7 - Concentração de PI no Porto do Itaqui (2011)
Fonte: SEDINC - EIA Distrito Industrial – Vol. I - pág. 276
Isto também ocorre em relação a Ozônio, cujo padrão primário de 150 µg/m3
previsto na Resolução nº 3/90 do CONAMA está prestes a ser ultrapassado no Distrito
Industrial, conforme gráfico 8, transcrito em fac-símile do referido EIA:
Gráfico 8 - Concentração de Ozônio no Distrito Industrial (2011)
Fonte: SEDINC - EIA Distrito Industrial – Vol. I - pág. 283
O mesmo ocorre em relação a Óxidos de Nitrogênio o Distrito Industrial está
prestes a ultrapassar o padrão secundário previsto na Resolução nº 3/90 do CONAMA.
222
Com efeito, na modelagem matemática do licenciamento ambiental da
termelétrica da ENEVA foi registrada a concentração de 189 µg/m3 de NO2, conforme
quadro 9, transcrito em fac-símile do referido EIA :
Quadro 9 - Concentração Máxima de NO2 para as cargas emitidas pela ENEVA
Fonte: MPX - EIA/RIMA Termelétrica Itaqui – pág. VII.858
5.
Poluição industrial em Açailândia
Mas não é só São Luís que sofre os impactos da poluição industrial. Em
Açailândia a implantação de quatro gusarias a carvão vegetal também tem causado
ultrapassagem dos padrões legais. Dados apresentados pela empresa Vale S/A no
licenciamento da duplicação da ferrovia informam que no período de 17/06/2011 a
16/07/2011 o padrão de concentração de Dióxido de Nitrogênio – NO2 foi
ultrapassado 13 vezes na Estação de Açailândia, conforme gráfico 10, transcrito em
fac-símile do referido estudo ambiental:
223
Gráfico 10 - Concentração de Dióxido de Nitrogênio em Açailândia
Fonte: Vale - EA/PBA Duplicação da EFC (2011) – Cap. 5.1 - pág. 59
Em consequência dos elevados níveis de poluição na região do Piquiá de
Baixo, surgiu na comunidade um forte movimento pela sua realocação em outra área
do município.
Pesquisa realizada em 2010 e publicada em 2011 pela Federação Internacional
de
Direitos
Humanos
-
FIDH,
registra
elevada
taxa
de
ocorrência
de
sintomas/problemas relacionados a doenças agudas, conforme gráfico 10, transcrito
em fac-símile da referida pesquisa:
Gráfico 11 – Sintomas/problemas relacionados a doença aguda em Piquiá de
Baixo
224
Fonte: FIDH – Quanto valem os direitos humanos? (2011) – Cap. 5.1 - pág. 59
Apenas como exemplo, nos 15 dias anteriores à realização da pesquisa em
57,6% dos domicílios investigados foi registrada a ocorrência de algum morador com
“febre, dor de cabeça, quentura no corpo”.
Na mesma pesquisa, quanto indagado aos moradores do Piquiá de Baixo que
fizessem uma autovaliação de seu estado de saúde, 56,5% registraram ruim ou muito
ruim. A título de comparação, essa mesma pergunta formulada nacionalmente pelo
IBGE quando da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílios em 2008 resultou em
3,8% de respostas ruim ou muito ruim.
6. Ruído em São Luís
O EIA/RIMA apresentado em 2013 no licenciamento ambiental do Distrito
Industrial de São Luís mostrou que há uma ultrapassagem do limite legal de emissão
de ruido48 de forma difusa em todo o Distrito Industrial, como pode ser visto no
gráfico 12 transcrito em fac-símile abaixo:
Gráfico 12 - Nível Equivalente de Ruído no Distrito Industrial
Fonte: SEDINC - RIMA Distrito Industrial São Luís – Vol. I - pág. 61
48
70 dB de ruído para o período diurno, conforme NBR 10.151/2000 “Acústica - Avaliação do
ruído em áreas habitadas, visando o conforto da comunidade – Procedimento” da Associação
Brasileira de Normas Técnicas e na Lei nº 4.092/2008.
225
De fato, o EIA/RIMA do Distrito Industrial identificou que em 11 dos 66
pontos de monitoramento realizados no estudo o limite legal de emissão de ruído foi
ultrapassado.
Assim, é forçoso concluir que o distrito industrial de São Luís está
impossibilitado de receber novos emprendimentos em algumas das suas áreas em face
dos níveis de emissão de ruído já existentes, pelo menos até que sejam adotadas
medidas para adequar o ruído das indústrias aos padrões legais.
7. Capacidade das indústrias de adaptação às normas legais
O presente estudo demonstra a necessidade de adequação dos padrões
operacionais das empresas oriundas do Programa Grande Carajás na região da Estrada
de Ferro Carajás.
Essas empresas possuem plenas condições econômicas de fazer frente aos
investimentos necessários à correção das desconformidades e minimização dos seus
impactos.
Somente a Vale S/A lucrou desde 1997 US$ 99,4 bilhões, tendo um custo de
produção de minério de ferro no 3º trimestre de 2013 de US$ 22/tonelada, e receitas da
ordem de US$ 105/tonelada. Essa mesma empresa recebeu do Banco Nacinonal de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)financiamentos da ordem de R$ 21,67
bilhões desde 2005.
8.
Conclusão
Em síntese, pode-se concluir que após 30 anos de implantação do Programa
Grande Carajás os municípios cortados pela Estrada de Ferro não alcançaram
desenvolvimento humano acima do que ocorreu nos seus Estados, além de possuir
taxas de desemprego mais elevadas.
Nesse interim, as comunidades atravessadas pela Estrada de Ferro Carajás
passaram a sofrer com os frequentes atropelamentos e conviver com problemas
decorrentes das operações ferroviárias, tais como a interrupção do direito de ir e vir,
ruído e vibração causados pela circulação dos trens.
Em relação à emissão de poluentes, a região do Distrito Industrial de São Luís
opera com violação do padrão primário de partículas totais em suspensão, e próximo à
saturação para os padrões legais de partículas inaláveis, óxidos de nitrogênio e ozônio,
226
com consequências graves sobre a saúde de moradores e trabalhadores da região. O
mesmo ocorre em Açailândia em relação às emissões de dióxido de nitrogênio.
O Distrito Industrial de São Luís tem ultrapassado ainda os padrões legais de
ruído. Essas violações de padrões legais têm consequências sobre a saúde das
populações impactadas.
É urgente que o poder público adote medidas coercitivas para obrigar as
empresas que atuam na região do Distrito Industrial de São Luís e em Açailândia a
reduzirem suas emissões de poluentes, de forma a restabelecer um padrão bom de
qualidade do ar, além de determinar uma moratória na implantação de novos
empreendimentos poluentes enquanto não solucionadas as violações e saturações já
existentes, assim como adotem medidas para cumprir os padrões legais de emissão de
ruído.
Deve ser buscada, também, a justa reparação e/ou indenização dos prejuízos já
causados ao ambiente, à saúde e à vida nas comunidades que receberam o Programa
Grande Carajás.
Referências
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Acompanhamento das Concessões Ferroviárias. Anos 2002 a 2011. Disponíveis
para consulta em http://www.antt.gov.br . Acesso em 02 de maio de 2014
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Ambiental da Duplicação da Estrada de Ferro Carajás. Belo Horizonte: Amplo,
2011.
BRASIL. Decreto-Lei 1813, de 24 de novembro de 1980. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 25 novembro 1980.
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República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 22 agosto 1990.
ERM Brasil Ltda. Estudo de Impacto Ambiental da Usina Termoelétrica Porto do
Itaqui - MPX. São Paulo: ERM, 2004.
ERM Brasil Ltda. Estudo de Impacto Ambiental da Ampliação da Refinaria de
Bauxita da Alumar. São Paulo: ERM, 2008.
227
FIDH. Quanto valem os direitos humanos? 2011. Disponível para consulta em
http://www.fidh.org/pt/americas/brasil/Quanto-Valem-os-Direitos-Humanos . Acesso
em 02 de maio de 2014.
Fundação Vale. Diagnóstico Socioeconômico: Um olhar sobre a Estrada de Ferro
Carajás. Disponível para consulta em http://www.fundacaovale.org/pt-br/a-fundacaovale/como-atuamos/Documents/estrada-de-ferrocarajas/livreto_diagnostico_estradadeferrocarajas.pdf. Acesso em 02 de maio de 2014.
Golder Associates. Estudo de Impacto Ambiental da Construção do Pier IV - Vale.
Rio de Janeiro: Golder, 2008.
MRS Estudos Ambientais Ltda. Estudo de Impacto Ambiental referente ao
loteamento de solo urbano para fins industriais/ distritos industriais. Porto Alegre:
MRS, 2013.
PNUD – Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 1998. Disponível para
consulta em http://www.pnud.org.br . Acesso em 02 de maio de 2014.
PNUD – Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil 2013. Disponível para
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Sete Soluções e Tecnologia Ambiental. Estudo de Impacto Ambiental do Complexo
Ponta da Madeira. Belo Horizonte: Sete, 2007.
Vale S/A. Apresentação no Seminário Apimec em 29/01/2014. Disponível para
consulta em http://www.vale.com/PT/investors/Presentationwebcasts/Presentations/Paginas/default.aspx . Acesso em 02 de maio de 2014.
_______. Formulário de Referência 2013, depositado perante a CVM. Disponível
para consulta em http://www.vale.com/PT/investors/Quarterly-resultsreports/Reference-form/Paginas/default.aspx . Acesso em 02 de maio de 2014.
228
8.3.7 Mesa Redonda: Relações de trabalho no Grande Carajás
Ementa: Discussão sobre as relações de trabalho estabelecidas no contexto
socioeconômico do PGC, com destaque para as formas precarizadas de trabalho:
informalidade, terceirização, trabalho escravo e degradante, trabalho infantil. Outros
aspectos a serem discutidos são as consequências da reconfiguração das relações de
trabalho: migração, segregação, moradia, urbanização desordenada.
Participantes da mesa:
José Ricardo Ramalho (UFRJ - Brasil)
Fabrícia (CDVDH - Brasil)
Judith Marshall (United Steelworkers - Canadá)
Coordenação: Zulene Muniz Barbosa (UEMA - Brasil)
Relatoria: Francisco Wendell Dias Costa
Segundo o autor a globalização impactou fortemente o movimento sindical
e social, os territórios produtivos e o meio ambiente. Esse processo de globalização
atua alterando as relações de trabalho; com a crise do fordismo, o surgimento de um
padrão flexível de organização do trabalho, aumento da precarização do trabalho. Não
deve ser desconsiderado as aproximações do trabalho precário no mundo.
O autor enfatizar as formas de resistências, principalmente a aproximação
dos sindicatos com outras formas de contestações sociais (movimentos sociais).
A Geografia do emprego deslocou de uma região para outra, modificando
o perfil do mundo do trabalho. Os sindicatos devem são percebidos em triângulo de
atuação: como Agência de Classe, Agência de Negociação e Vinculação com Mercado
de Trabalho.
Os sindicatos na atualidade estão preocupados com a sociedade e não só
com o local de trabalho e o conflito capital/trabalho. Na contemporaneidade há uma
nova forma de trabalho escravo, mas os personagens são os mesmos (negros e pobres)
que são trabalhadores de carvoarias, latifúndios e grandes projetos. O que mantém esse
trabalho escravo contemporâneo é Ganância (acumulação do capital), Miséria
(população sem trabalho) e a Impunidade (não punição dos escravocratas).
Um mapa dos principais focos do trabalho escravo mostra que o Pará,
Maranhão, Tocantins e Mato Grosso são os Estados que apresentam maiores índices
de trabalho escravo, que coincide com o chamado arco do desmatamento. Sendo o
Maranhão é o Estado que mais fornece mão-de-obra para o trabalho escravo.
229
A VALE é uma grande empresa transnacional com impactos em vários
países, por exemplo, Canadá, Moçambique e Brasil, países com culturas sindicais
distintas. Em todos esses a VALE adota: uma postura anti-sindical; a produção estar
acima de tudo e a segurança do trabalho em ultimo lugar; não participação dos
trabalhadores nos lucros das empresas. A VALE ataca a categorias dos sindicalizados
minimizando as forcas das leis trabalhistas. Existe uma mineração globalizada que não
faz parte de uma geografia local e sim mundial.
DEBATES: questões e polêmicas
O processo de globalização produz precarização do trabalho (terceirização
e trabalho escravo).
A precariedade nas relações é semelhante em todos os lugares. Qual seria a
ação efetiva para minimizar essa precariedade nas relações de trabalho?
É necessário sair dos muros. Os sindicatos devem erguer uma luta não só
por salário, mas por uma política de transformação. Pois nas minas não tem
democracia.
Existem processos e denúncias no Mistério Público do Trabalho contra a
VALE E ALUMAR, no tocante a violação de direitos do trabalho (acidentes de
trabalho) e crimes contra meio ambiente (mineração).
PROPOSTAS E RECOMENDAÇÕES
Diante da Globalização o desafio é tentar unir o movimento de classe
(capital/trabalho) e os movimentos associativos de luta pela terra, meio ambiente,
direitos humanos. Os impactos da globalização exigem formas e organizações
diversas.
O sindicato deve ultrapassar a esfera do local e alcançar os movimentos
socioterritoriais (que permitem o surgimento de espaços públicos e menos
burocráticos). Um exemplo dessa unidade entre movimento social e sindical foi a
greve dos metalúrgicos e os moradores de Pequiá de Baixo em Açailândia que
tentaram unificar duas frentes de lutas.
230
Existe um planto de trabalho de combate escravo, atuando em três frentes:
Prevenção (Redes de Associações), Repressão (Ministério Publico do Trabalho) e
Inserção (Inserir os trabalhadores em alguma atividade rentável).
Existe uma frente de movimentos sociais unida contra a postura da VALE
no sentido de mudar as leis para proteger os trabalhadores.
231
8.3.7.1 Trabalho, sindicato e desenvolvimento49 - José Ricardo
Ramalho
O debate sobre estratégias de desenvolvimento tem que necessariamente
abordar a questão do trabalho e da participação das entidades de representação dos
trabalhadores na definição das políticas de investimento nas regiões industrializadas.
Em um contexto de globalização marcado pela crise financeira internacional é preciso
considerar as novas relações de trabalho que as grandes empresas, multinacionais,
introduzem e as respostas que elas estão dispostas a dar às demandas dos trabalhadores
e agentes sociais que atuam nos territórios produtivos onde estão inseridas.
Não se pode ignorar o fato de que na atual fase do capitalismo mundial, a
flexibilização do emprego é o padrão adotado pelas empresas. Entre as consequências
mais visíveis dessa mudança estão a intensificação das atividades de trabalho, a
precariedade dos laços de emprego e a redução do poder reivindicatório das entidades
de representação dos trabalhadores. No Brasil, esta é a situação em diferentes regiões
com o perfil de aglomerados industriais e presença de empresas de grande porte.
Um projeto de desenvolvimento para o país não pode desconhecer os impactos
das estratégias empresariais sobre os territórios. Não há dúvida de que empresas
integrantes de cadeias produtivas globais, ao se instalarem em novas localidades e
regiões, criam dinâmicas que tendem a alterar as condições de desenvolvimento e os
padrões de participação institucional e política. A questão é saber se a racionalização
da produção e a precarização das relações de trabalho admitem condições para que
ações sindicais contestem a lógica das políticas de investimento e criem mecanismos
efetivos de defesa dos trabalhadores. Nesses casos importa saber se o poder das
empresas se exerce sem contestação ou se encontra uma crítica social e uma
organização política local capazes de confrontar esse poder.
Três exemplos de distritos industriais brasileiros, com focos na metalurgia e
siderurgia, que tenho acompanhado através de pesquisa, servem para ilustrar as
mudanças na organização da produção e nas relações de trabalho, e os fatores que
podem interferir na execução das estratégias empresariais e a eventualmente
49
Texto completo enviado pelo autor. Publicado originalmente em Democracia e Mundo do Trabalho
em Debate http://www.dmtemdebate.com.br/abre_artigos.php?id=49
2013.
232
constrangê-las a redefinir suas práticas. Há elementos comuns aos três casos: as
grandes empresas multinacionais predominam, as relações de trabalho são flexíveis, e
as administrações públicas auferem dividendos econômicos da situação. As diferenças
decorrem da história do processo de industrialização regional, da densidade
institucional e do nível de articulação dos sindicatos e movimentos sociais, com
implicações sobre as relações de poder.
O primeiro exemplo é o ABC paulista, que reúne as principais montadoras de
veículos do país, tem uma classe operária consolidada, um mercado de trabalho
especializado e um sindicalismo bem estruturado. Mesmo assim foi vulnerável às
crises econômicas mundiais e à reestruturação produtiva dos anos 1990 e 2000,
quando as fábricas passaram por intenso processo de reformulação e enxugamento de
mão de obra.
O segundo exemplo é o Sul fluminense que, em meados dos anos 1990,
renovou sua vocação industrial, tradicionalmente siderúrgica, para abrigar um
aglomerado de empresas multinacionais do setor automotivo. Este caso se enquadra
em uma polìtica de deslocalização geográfica das montadoras estimulada pelo “regime
automotivo” estabelecido pelo governo federal para, em parceria com as localidades,
construir novas fábricas. A convivência de dois tipos de indústria, metal-mecânica e
siderúrgica, trouxe um impacto significativo em termos de relações de trabalho,
organização sindical e condições urbanas.
Como exemplo de um terceiro tipo, o de aglomerados industriais siderúrgicos,
construídos na Amazônia, em localidades ao longo da Estrada de Ferro Carajás, que de
comum acordo com a empresa Vale se organizaram para produzir ferro gusa para
exportação. O uso de carvão vegetal para os fornos teve consequências de grande
impacto sobre o meio ambiente e o mercado de trabalho e afetaram em termos de
crescimento as áreas urbanas nas suas imediações.
A reação dos agentes sociais enraizados nesses distritos face à crise econômica
de 2008 mostrou que, embora com capacidades diferentes, em todos os casos foi
possível a articulação e construção de alternativas como forma de evitar o desemprego
e a redução das atividades econômicas.
Na região em que o sindicato dos metalúrgicos é mais organizado e com laços
mais próximos com a administração pública, como é o caso do ABC, estabeleceram-se
agendas pró-ativas com o envolvimento de vários setores da sociedade, inclusive
empresários, em busca de estratégias de recuperação econômica e manutenção do
233
emprego, como foi a criação da Câmara Regional do ABC e da Agência de
Desenvolvimento do Grande ABC, hoje dirigida pelo presidente do sindicato dos
metalúrgicos.
No Sul fluminense, a crise alertou as forças sociais locais para a perspectiva do
desemprego e suas consequências: foi criado um fórum que agregou por alguns meses
diversos agentes em busca de soluções para a situação que atingia não só os
trabalhadores, mas também os empresários locais e a administração pública. Nesse
caso, a pauta social formulada pela Igreja Católica, em aliança com o sindicato dos
metalúrgicos, foi um fator decisivo de mobilização, especialmente contra a principal
empresa da região, do setor siderúrgico, a Companhia Siderúrgica Nacional.
Na Amazônia, a produção de ferro gusa para exportação foi severamente
atingida pela queda dos preços internacionais e as consequências sociais foram o
fechamento de fábricas e o aumento do desemprego. Mas a precariedade dos
sindicatos não impediu que se instaurasse um clima de confronto, inclusive com greve,
e se firmasse uma aliança de trabalhadores com moradores do bairro atingido pela
poluição das fábricas.
Em resumo, a existência e instalação de grandes empresas industriais em
territórios produtivos nos três casos afetaram diretamente o mercado e as condições de
trabalho e levaram os sindicatos a intervir de modo mais efetivo nos debates sobre a
utilização dos recursos econômicos produzidos no local. O impacto econômico das
atividades industriais referidas coloca desafios para os órgãos de representação dos
trabalhadores. A pauta corporativa dos sindicatos não parece, pois, ser suficiente para
promover a melhoria das condições gerais de vida dos trabalhadores, o que aponta
para a necessidade de uma participação mais ativa na discussão sobre os rumos dos
processos de desenvolvimento e seus efeitos na sociedade, de modo a trazer para o
espaço público das cidades as decisões sobre as estratégias de investimento,
crescimento econômico e distribuição de riquezas.
* José Ricardo Ramalho é professor do Programa de Pós-Graduação em
Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e
pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(CNPq) e da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio
de Janeiro (FAPERJ). E-mail: [email protected]
234
8.3.8 Mesa Redonda: Violações de direitos humanos no Grande
Carajás
Ementa: Abordagem sobre o contexto das violações de direitos humanos decorrentes
dos grandes projetos. A obrigação do Estado e a responsabilidade das Empresas frente
às violações. Como e a quem denunciar (mecanismos internos e externos de
responsabilização). Acesso aos mecanismos de proteção e reparação por pessoas e
comunidades impactadas pelas violações. Ação política dos movimentos sociais para
denúncia e as estratégias para o monitoramento.
Participantes da mesa:
Danilo Chammas (JnT - Brasil)
Manoel Ribeiro Gavião (Povo indígena Gavião/Pukobyê)
Coordenação: Igor Almeida (SMDH - Brasil)
Relator: Maxuel Rodrigues Pinto/Ruan Didier Bruzaca
1. Conteúdo da exposição: síntese das exposições com destaque dos principais
eixos
Na presente mesa, realiza-se uma abordagem contextualizada das
violações de direitos humanos decorrentes dos grandes projetos.
A participante Cristiane Faustino não compareceu à mesa, mas foi
selecionado vídeo de sua palestra no Seminário de Marabá. Na oportunidade, Faustino
destaca que enquanto os grupos ambientais não se mobilizarem, os grupos econômicos
continuam influenciando as políticas. A visão dominante de desenvolvimento propaga
que as grandes empresas reduzem as pobrezas, impregnando-se no senso comum.
Apresenta que as desigualdades são reais e acontecem cotidianamente em
todas as esferas do Estado. As áreas visitadas são marcadas pela ausência de políticas
básicas. Chega-se a afirmar que se não fosse a Vale, a situação seria pior, o que não
deixa de ter certa lógica, pois a empresa se utiliza das fragilidades históricas existentes
para implantar seus projetos.
A respeito dos impactos ambientais, que caracteriza o impacto é a
empresa, utilizando-se de uma linguagem científica e configurando uma nova
desigualdade (intelectual).
As políticas compensatórias adotadas são vistas como soluções para
problemas complexos. Tais projetos de compensação e de responsabilidade social da
empresa levam a uma noção que a mineração traz benefícios, promovendo educação e
saúde, mas resulta sim no aprofundamento das desigualdades. Ademais, existe uma
235
influência no comportamento da juventude local, caracterizando uma modificação dos
desejos e das necessidades da população.
Trata-se de uma atividade ambientalmente insustentável e possui um prazo
de duração. Quando se iniciou o Projeto Carajás projetou-se a mineração por 400 anos,
sendo reduzido drasticamente (em 70%) as potencialidades tendo em vista novos
projetos e aprofundamento das atividades. Por fim, questiona o Estado a respeito do
desenvolvimento e dos projetos incentivados, que aprofunda as desigualdades
nacionais e regionais.
Posteriormente, o advogado Danilo Chammas, da Justiça nos Trilhos, faz
uma apresentação da violação dos direitos humanos no corredor Carajás, apresentando
a existência de conflitos, prejuízos e danos a todas as comunidades que estão
territorialmente no Grande Carajás. O expositor explicita uma lógica dos direitos
humanos, que é uma ideologia etnocêntrica e liberal, e no que diz respeito aos direitos
da natureza, em uma visão antropocêntrica.
Chammas apresenta que tem que assumir como bandeira a defesa dos
direitos humanos a nível nacional e internacional, não se aprofundando na crítica que
se faz à ideologia dos direitos humanos (caráter antropocêntrico, eurocêntrica e
universalista). Ao se falar em direitos humanos, faz-se remissão ao passado: foi a
partir do Século XX, com o pós-guerra, que o tema ganha maior relevância. Tem
como marco principal a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), mas
posteriormente surgem vários acordos, abrangendo direitos civis e políticos;
econômicos, sociais e culturais; proteção à mulher, às crianças, aos povos indígenas e
tribais (Convenção 169 da OIT); instrumentos contra a tortura etc. A existência de
trais tratados possibilitam, no contexto do Programa Grande Carajás, o peticionamento
de violações a direitos junto a cortes internacionais.
A abordagem apresentada por Chammas parte do plano abstrato para o
plano concreto. Com isso, apresenta que no âmbito dos direitos humanos e do direito
internacional, tem-se tentando modificar a situação a respeito da violação de direitos
por empresas. Segundo o expositor, na ONU existe um grupo de trabalho que
monitora o que as grandes empresas estão fazendo para a diminuição da violação dos
direitos humanos. Outro ponto abordado foi a responsibilização, que gere uma certa
confusão, dado que é preciso ter clareza quando se quer usar esse termo.
Destaca o relatório feito por Faustino a respeito do Projeto S11D da Vale,
apresentando que é importante demonstrar todos os aspectos da violação de direitos ao
236
longo da Estrada de Ferro Carajás. Para cada violação existe um violador e uma
vítima, resultando em um conflito de interesses, que no contexto de Carajás, são
inconciliáveis. Deste modo, plano concreto, apresenta dois exemplos: 1) o caso da
duplicação da Estrada de Ferro Carajás; 2) o caso dos atropelamentos na referida
ferrovia.
No que diz respeito à duplicação da EFC, destaca que existem vários
problemas: ruídos, acidentes, mortes, problemas de terra, não-reconhecimento de
terras e territórios indígenas e quilombolas, modificação da realidade social das áreas
atingidas (aumento da prostituição, da insegurança, do consumo de drogas etc).
O primeiro caso refere-se à construção da segunda linha da ferrovia: a
duplicação possibilitará o aumento escoamento dos minérios, cuja extração aumentou
devido à descoberta de uma nova mina. Analisando o licenciamento ambiental,
observou-se que a duplicação estava sendo licenciada de forma simplificada. Em
relação aos instrumentos legais, cita-se a Convenção 169 da OIT, tendo em vista o
conflito com indígenas e quilombolas, pois não tiveram a consulta prévia. Adverte que
atualmente existe no Poder Judiciário ação processual que versa sobre o licenciamento
da obra, resultado de esforço conjunto entre a SMDH, o CIMI, o CCN e a JnT. Não
obstante, o TRF-1 suspendeu liminar que determinava a paralização da obra.
A respeito do segundo caso, Chammas apresenta dados do Departamento
de Segurança Empresarial da Vale, questionando as medidas de segurança adotada
pela empresa. Apresenta que, geralmente, a vítima é tratada como culpada dos
acidentes, mas adverte que medidas de segurança necessárias e indicadas à empresa
não são tomadas, o que poderia evitar tais acidentes. Judicialmente, a
responsabilização da empresa é dificultada justamente pela culpa atribuída à vítima.
Finalizando as exposições, o Sr. Manoel Ribeiro Gavião, representante do
povo indígena Gavião/Pukobyê fez alguns comentários sobre a intervenção da Vale na
comunidade indígena. Relata que a aldeia foi prejudicada. As seguintes falas relatam a
preocupação do lìder: “estamos totalmente acabados”, “florestas sendo acabadas”,
“será que estão querendo matar o povo indìgena?”. Cita também que os fazendeiros e
posseiros estão contribuindo para os problemas na comunidade.
Destaca-se que a intervenção da Vale na área da Aldeia Governador
influenciou completamente o modo de vida da comunidade e o ambiente, cobrando a
responsabilização dos responsáveis. Assim, com a intervenção na área, aumentou o
número de madeireiros, de compra de terras e da presença de fazendeiros.
237
Apresenta que os indígenas trabalham na aldeia para o seu sustento, não
vendendo terras ou se inserindo no mercado de consumo. No entanto, com a
intervenção da Vale, tal situação foi se modificando. Adverte que os responsáveis
pelos prejuízos causados à aldeia indígena deveriam estar presentes para conhecer os
impactos causados à comunidade, mas os mesmos mostram-se ausentes. Finalizando,
querem que a aldeia seja preservada para as gerações futurais, da mesma forma que os
ancestrais fizeram com as gerações presentes – o que está sendo inviabilizado.
1.1 Síntese
Sinteticamente, as exposições abordaram as problemáticas envolvendo
projetos de desenvolvimento como o Programa Grande Carajás, destacando-se as
contradições e desigualdades sociais decorrentes do mesmo. Cristiane Faustino destaca
os impactos socioculturais decorrentes do Programa Grande Carajás, especialmente
decorrente do projeto S11D, da empresa Vale, que modifica as relações sociais e a
cultura existentes nas comunidades afetadas, bem como simplifica as necessidades e
desejos da população, sendo necessária uma mobilização intensa dos grupos sociais
envolvidos. Posteriormente, Danilo Chammas apresenta o caráter multifacetário dos
direitos humanos, apresentando que os tratados e convenções internacionais resultam
em instrumento importante para a tutela das comunidades afetadas pelos
empreendimentos da Vale. Ademais, apresenta duas situações fáticas de violação dos
direitos humanos: a) a duplicação da Estrada de Ferro Carajás, que é objeto de disputa
judicial; b) casos de acidentes de trem, no qual à vitima se atribui caráter de culpada
pelos acidentes. Por fim, o indígena Manoel Ribeiro Gavião, representante do povo
indígena Gavião/Pukobyê, apresenta que a Vale interveio no território indígena e
modificou as formas de vida e o ambiente local, influenciando na intervenção de
madeireiros, de fazendeiros e de posseiros.
1.2 Principais eixos

Violação de direitos humanos

Tutela dos modos de vida tradicionais, indígenas e quilombolas

Responsabilização das empresas
2. Debates
2.1 Questões
238

Nos debates, foram demonstrados várias preocupações para com os povos
tradicionais, com a instalação da Vale nos territórios.

Um participante peruano, comenta que a Vale explora fosfato na região que ele
mora, onde ela se apresenta na região como protetora do meio ambiente.
Segundo seu pensamento, a Vale não compreende as dimensões dos impactos
que são causados por suas atividades e que acham que estão levando
desenvolvimento para os “mais atrasados” e que esses povos são incapazes de
realizar o desenvolvimento.

Outros temas foram discutidos no debate, tais como: a importância da
resistência nas comunidades atingidas; tendo em vista que a resistência decorre
durantes esses trinta anos. As mobilizações que são fundamentais para a
resistência; esforço de reconhecimento dos povos que estão no corredor
Carajás; encontros regionais.

Algumas preocupações da comunidade de Piquiá de Baixo, muitas
comunidades aceitam o discurso do desenvolvimento, falta da sociedade civil
organizada e a falta de ação do Estado. Problemas encontrados no corredor do
Carajás: poluição sonora, acidentes, conflitos de terras, prostituição.

Indaga-se se os movimentos e populações atingidas fazem a diferenciação
entre a empresa Vale, Fundo Vale e Fundação Vale. Chammas apresenta que,
para os movimentos, não existe diferenciação entre a empresa e suas
fundações.

Um membro da área indígena Guajajara, de Pindaré, apresentou os diversos
impactos causados pela Vale na região, como o desvio do Rio Pindaré, entendo
que a empresa objetiva saquear as riquezas regionais não somente do
Maranhão, mas também de todo Brasil. Com isso, sustenta a necessidade de
resistência das comunidades afetadas e que, com a união, é possível combater a
empresa que “não é uma pessoa, é um monstro”.

Um membro da comunidade de Piquiá de Baixo, Açailândia, apresenta que na
comunidade “a empresa não mata animais, mata gente”. A poluição tem
causado várias doenças e óbitos na região, não havendo qualquer reparação ou
mitigação dos impactos pela empresa. Destaca que, em relação aos acidentes,
não existe a responsabilização da empresa, mas sim a imposição de culpa à
vítima.
239

Por fim, dá-se enfoque ao massacre do El Dourado dos Carajás, no sul do Pará,
no qual 31 membros do MST foram executados (apenas 19 foram registrados)
e outras dezenas foram invalidados ao lutarem pela reforma agrária e resistirem
à concentração de terras. Na época, políticos, policiais e a própria empresa
estavam envolvidos no crime, mas não houve qualquer responsabilização
efetiva.
2.1 Polêmicas

Dentre as polêmicas, destaca-se o relato dos problemas envolvendo Piquiá de
Baixo, no qual, diferente de localidades em que se perdem animais, perde-se a
vida, tanto por acidentes, quanto por poluição.

Outra diz respeito a relato de membro da comunidade indígena do município
de Pindaré, no qual afirma que a empresa Vale deve ser combatida em todo o
território nacional, visto que as áreas afetadas, direta e indiretamente, estão
além de uma área territorial de 400km.

Por fim, polemizou-se o massacre El Dourado do Carajás, apresentando que o
ocorrido deve ser exposto e os envolvidos devem ser responsabilizados.
3. Propostas e recomendações

Incentivo à mobilização dos grupos sociais atingidos pela mineração

Ausência no debate dos responsáveis pelos danos socioambientais (Vale,
Estado brasileiro etc).

Compreender a responsabilidade para além da reparação monetária.

Troca de experiências e formas de resistência dos movimentos de países
diferentes.

Combate à Vale em todo território nacional – não apenas nas principais regiões
afetadas

Atribuir maior destaque ao massacre do El Dourado dos Carajás enquanto
situação de violação de direitos humanos, com o fim de responsabilizar os
envolvidos.
240
8.3.9 Mesa Redonda: Responsabilidade Social e Ambiental de
empreendimentos
Ementa: Discussão sobre as formas de incorporação do discurso ambiental e
trabalhista por empreendimentos; analisará projetos de responsabilidade social e
ambiental implementados por empresas e governos; discutirá teoricamente as noções
de responsabilidade ambiental e social.
Participantes da mesa:
Marcelo Domingos Sampaio Carneiro (UFMA - Brasil)
Sislene Costa Silva (JnT - Brasil)
Ana Laide Soares Barbosa (Movimento Xingu Vivo para Sempre - Brasil)
Coordenação: Bartolomeu Rodrigues Mendonça (GEDMMA-UFMA - Brasil)
Relatoria: Anne Caroline Nava Lopes
As questões:
- Discussão sobre a questão da modernização ecológica da atividade pecuária na
Amazônia: O caso do Projeto Municipal Verde, bem como, a crítica socioambiental e
as novas estratégias empresariais na Amazônia. O caso Paragominas/ PA (atividade de
Pecuária);
- A insustentabilidade da responsabilidade social e ambiental da Vale no “Corredor
Carajás” e suas comunidades. Análise sobre o discurso da Empresa Vale no que diz
respeito a questão do desenvolvimento sustentável.
- A atuação e mobilização de representantes das comunidades camponesas em relação
aos impactos advindos dos projetos de empreendimentos econômicos na Amazônia a
partir de suas práticas sociais no sentido de buscar efetividade na consecução da
responsabilidade social.
As propostas:
- Viabilização de meios para diminuir as injustiças sociais resultantes dos impactos
relativos a atividades dos Empreendimentos.
- Consolidar a ideia de “desenvolvimento”, uma vez que o modelo predominante de
desenvolvimento na lógica dos empreendimentos apresenta algumas limitações à
implementação de um modelo mais efetivo baseado no desenvolvimento sustentável.
- O respeito as práticas culturais das comunidades e aos seus valores.
- Investimentos em estratégias de mobilização.
- Cumprimento das legislações vigentes e o resgate da vertente ética, uma vez que a
má condução de políticas de sustentabilidade que visa a inclusão social acaba gerando
cada vez mais a exclusão de comunidades de agricultores, ribeirinhos pescadores,
indígenas e quilombolas.
- Avalição do custo/benefício da responsabilidade social levando em consideração as
isenções fiscais e o quanto se gasta em responsabilidade social.
As polêmicas:
-Lançamento do Fundo Vale para o Desenvolvimento Sustentável;
- Pacto pela erradicação do Trabalho escravo e ICC;
- Na atividade madeireira: certificação florestal;
241
- Na atividade de Pecuária: Programa Município Verde. A questão da Lista Suja do
Desmatamento e a Crise Econômica no caso Paragominas /PA; a Segunda Operação
Arco de Fogo, incêndio do prédio do IBAMA e sequestro dos servidores; Programa
Vale Florestar e o conflito entre os produtores de soja e os pecuaristas. Como explicar
o processo de conversão da elite pecuarista? A questão problemática da mudança do
Código Florestal e o conflito de interesse com os pecuaristas. A luta pela terra e a
vitória do latifúndio. (Esse foi ponto focal da discussão, sendo as três primeiras
polêmicas listadas acima citadas, porém, não desenvolvidas).
- O caso da empresa Vale e suas estratégias empreendedoras acerca do
desenvolvimento sustentável como instrumento de gestão de risco. A necessidade da
análise do discurso.
- Os efeitos nocivos dos Projetos implementados pela Empresa Vale: Divulgação de
boa imagem da empresa, dominação ideológica, neutralização de potenciais conflitos,
alienação e a falsa ideia da preservação do ambiente natural.
- Sustentabilidade esvaziada quando não coincide com o interesse da empresa.
- A polêmica que envolve o Caso Belo Monte, os impactos sociais para as
comunidades locais e a ausência de responsabilidade social.
As recomendações:
- Responsabilização social e ambiental efetiva. Indicando as preocupações com o meio
ambiente vinculando-as com as preocupações de cunho sociais que implicam em
profundas transformações, principalmente em nível local.
- A importância da presença das organizações ambientalistas.
- A necessidade de mediação institucional e a articulação com o MPF bem como,
articulação com a elite pecuária/madeireira local.
- O cumprimento da legislação ambiental mais exequível para os grandes/médios
proprietários rurais do município.
- Perceber que existe a necessidade de construção dos projetos também para os
pequenos produtores.
- Propiciar denuncias de práticas de corrupção.
242
8.3.9.1 A responsabilidade socioambiental, o mito do
desenvolvimento e as lutas sociais - Ana Laíde Barbosa (Movimento
Xingu Vivo)
Para começar a conversar a respeito do tema, convido os participantes a observarem
este copo descartável que armazena água mineral e esta pulseira do artesanato
indígena – gostaria que refletissem sobre a responsabilidade socioambiental que está
por trás desse copo de água mineral e desse artesanato. Água armazenada é para
vender, é criatividade do desenvolvimento moderno, uma forma geniosa para vender a
água em grande escala. E o artesanato é desenvolvimento? Os dois objetos ficarão
expostos para que a gente reflita sobre o tema durante a nossa conversa.
Quero me apresentar falando da minha identidade, e também que a experiência que
trago aqui não é acadêmica, mas aprendida com os pescadores, indígenas,
extrativistas, camponeses e garimpeiros das margens do rio Xingu que estão sendo
impactados pela hidrelétrica de Belo Monte e pela mineradora Belo Sun na Volta
Grande do Xingu.
Então, nasci na comunidade do Espírito Santo do Tauá, no município de Santo
Antônio do Tauá, próximo à Belém, é uma comunidade ribeirinha banhada pelos rios
Tauá e Ubituba, esses rios dão acesso ao mar. A comunidade vivia da pesca e da roça.
Filha de pescadores e agricultores, aprendi com meu pai e meu avô a saber lidar com o
rio e o mar, e com a minha avó e mãe a cuidar da terra. Herdamos dos antepassados
uma área de terra que tinha uma tapera onde a comunidade toda usufruía dos recursos
que a floresta oferecia: frutas tropicais, caças, areia para construção, palha, madeira,
sementes, plantas medicinais, óleos vegetais, terra para fazer a roça, muitas fontes de
água e igarapés e outros recursos.
Assim, nossos pais mais antigos cuidaram desses recursos, nos deixando a terra, a
floresta, o rio e água de poço como patrimônio para que pudéssemos ter uma vida
continua no futuro. Tiveram esse cuidado com os netos e seus filhos, tiveram uma
grande RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL com as futuras gerações.
Hoje, a nossa geração não possui mais a terra, floresta, o peixe, não possui mais
patrimônio natural para seus filhos e a humanidade. Não existe mais a tapera e nem
terra disponível, o latifúndio se apossou das terras e a indústria pesqueira dos rios e
mar. Mexeram em nossos quintais, roubaram nossos animais de estimação, nossas
243
florestas, nossas caças, nossos rios, cercaram nossos igarapés e secaram nossa água de
poços.
A Responsabilidade Social e Ambiental dos grandes projetos surgiu para amenizar as
pressões sociais sobre seus impactos as populações e ao meio ambiente, essas
ferramentas não surgem por acaso e tem como finalidade mascarar uma falsa
responsabilidade como presenciamos no caso da hidrelétrica de Belo Monte e a
Mineradora Belo Sun:
Legaliza as injustiças sociais as populações que estão no caminho desses
projetos;
Potencializa e consolida uma ideia de desenvolvimento feliz – que se tornou
um mito, uma utopia, e sendo mito deixa de ser um projeto de governo;
Atrofia qualquer possibilidade e capacidade de sonhar;
Arrancam a dignidade das pessoas;
O Estado brasileiro deixa de ser o cumpridor das obrigações com a sociedade, mas se
torna o controlador, financiador desses projetos;
Em Belo Monte todas as ações e processos jurídicos, em seus conteúdos, tiveram e
tem como pano de fundo as violações dos direitos sócios ambientais;
Famílias expulsas de suas terras, áreas de agricultura familiares e de pesca artesanais
totalmente destruídas, casas que levaram anos para serem construídas em poucos
minutos foram derrubadas, objetos domésticos jogados as margens dos caminhos,
animais (boi, porco, cachorro) perdidos e abandonados pela pressa de limpar a área
para o empreendimento;
Os moradores do campo não foram desapropriados e sim expropriados sem direito a
reassentamento e indenizações justas. Camponeses com mais de 20 anos na terra sem
direito a nenhuma documentação de propriedade, por isso não tiveram prioridade na
hora da negociação com o empreendedor, a maioria foi destinada uma única opção a
carta de crédito e os que insistiram numa indenização justa foram parar na justiça.
Se com as populações tradicionais e indígenas não tiveram tratamento digno
imaginemos então o tratamento com a questão ambiental.
Feridas sociais abertas que nunca foram sanadas são o caminho ideal, perfeito para a
sociedade local aceitar e se acomodar nos primeiros anos de implantação desses
empreendimentos, tais como: questão fundiária; questões indígenas; saúde; educação;
exploração indiscriminada da madeira; economia de subsistência extrativista,
organizadas ao longo das vidas familiares voltadas para a reprodução sociocultural
244
dessas populações sem apoio estatal, e quando chega são impostos projetos exóticos
de outra natureza, de outra cultura que quando implantados nunca deram certos.
A responsabilidade social é usada para garantir o mito do desenvolvimento, empresas
privadas assumem o papel do Estado, chegam nas comunidades como os bem feitores.
Estão presentes nas escolas, saúde, lazer, cultura, festas e manifestações religiosas,
entram na vida das pessoas através de aquisição de bens materiais: carro, combustível,
motor de barco, rabetas, motos, televisão, voadeiras e alimentação.
Como atingem e dominam as comunidades ou determinados grupos? Através das
associações que se tornaram células partidárias, religiosas e empresariais. As direções
dessas associações neutralizam qualquer iniciativa mais organizada das populações.
Para concluir, o copo que armazena a água mineral representa um projeto capitalista
que está destruindo o meio ambiente e a vida das pessoas, exaurindo os recursos
naturais passando por cima de quem tiver no caminho, sem nenhuma responsabilidade
social e ambiental. Fazendo o contra ponto, o artesanato indígena representa outro
projeto, um projeto gerado ao longo dos anos pelas comunidades tradicionais e povos
indìgenas e seus antepassados. “Ainda existem movimentos e grupos preocupados em
formular teoricamente uma proposta de um projeto popular para o Brasil”; enquanto
que o projeto já existe. Está no meio das comunidades tradicionais, indígenas,
camponesas e outros grupos, estes são os guardiões de um mundo: Harmônico- NovoRespeitoso-Livre. São projetos antagônicos, opostos. Um não cabe no mundo do
outro, um traz a vida, o outro a morte.
245
8.3.10 Mesa Redonda: Matrizes tecnológicas: modelo tecnológico
hegemônico e as alternativas tecnológicas populares
Ementa:Discussão sobre os modelos tecnológicos em desenvolvimento adotados no
contexto dos grandes projetos. Por um lado, as tecnologias avançadas que são
utilizadas pelas grandes empresas e seus impactos sociais, ambientais, com práticas
que expulsam força de trabalho, com pouca absorção de trabalhadores. Por outro lado,
as alternativas tecnológicas adotadas por grupos afetados pelos grandes projetos
(permacultura, agricultura orgânica, agroecologia). Importante discutir o caráter dos
modelos adotados.
Participantes da mesa:
William Santos (UFPA - Brasil)
Valdivino Silva (Rede Mandioca - Brasil)
Ayala Lindabete Ferreira (IALA - Brasil)
Coordenação: Fábio Fontenelle (Tijupá - Brasil)
CONTEÚDO DA EXPOSIÇÃO:
Willian Santos (UEPA Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural)
O expositor traz algumas questões conceituais ligadas à agroecologia e à produção agrícola
alternativa na Amazônia a partir da apresentação de experiências concretas na zona rural do Pará
junto a STTR‟s e ONG‟s:
Vivenciamos uma diversidade de situações e problemáticas dentro das diferentes regiões e
grupos que fazem parte do campo brasileiro que se refletem em diferentes visões a respeito do
conceito de desenvolvimento e matriz tecnológica adotado nos últimos tempos. Predominam
ainda modelos que se sustentam em uma base técnico-cientifíca (hegemônica dentro das escolas,
empresas e universidades) que priorizam um modelo de desenvolvimento voltado para o
agronegócio e o grande capital agrícola, que interferem na dinâmica do meio rural como um
modelo que tende a homogeneizar os espaços através dos grandes projetos com base no
desenvolvimento industrial, a exemplo da siderurgia, pecuária extensiva em processos de
intensificação, madeireiros (principalmente o eucalipto que se relaciona com a siderurgia), dos
biocombustíveis e grãos.. No entanto, há atores que desenvolvem estratégias diferentes de
desenvolvimento e matrizes tecnológicas a partir de uma visão de que tal matriz técnicocientífica não representa a única estratégia de desenvolvimento viável para o campo. Ambas as
estratégias de desenvolvimento correspondem a modelos antagônicos que estão em disputa e que
transcendem o ambiente imediato das comunidades, municípios, estados e países, estendendo-se
para as fronteiras internacionais – o que é claramente perceptível na região de Carajás.
246
No Pará a pecuária extensiva vem gradativamente saindo de um modelo extensivo pra um
modelo de alto investimento em engenharia genética para a produção de um melhor padrão de
animal; além disso, a indústria da mineração necessita do carvão vegetal para movimentar-se,
para tanto a produção de eucalipto vem aumentando ao longo da última década. O monocultivo
de grãos tem sido feito utilizando-se do arrendamento de propriedades que antes sob o controle
da pecuária tradicional sofria com violentos conflitos entre proprietários e agricultores familiares
e que hoje sob uma nova estratégia de cooptação e amenização destes conflitos, têm sido
arrendadas. O uso de fertilizantes, agrotóxicos e sementes melhoradas por tais empreendimentos
é intenso e representam o caráter tardio da revolução verde na Amazônia. Há ainda no Pará, um
quadro de substituição de pastagem por áreas de plantio de grãos e uma flagrante concorrência
por terras e financiamentos entre o agronegócio da soja e do eucalipto.
A produção de biocombustíveis no Pará é realizada principalmente através do cultivo do dendê,
baseada modelo genético-químico-mecânico e processo mecanizado, que inclui ainda o
arrendamento das propriedades por 10 anos, compra de terras. Essa problemática surte efeito
também na zona urbana por conta do êxodo rural, atração de grande número de pessoas pela
promessa de emprego, e falta de políticas públicas que deem conta deste quadro.
O modelo de desenvolvimento do agronegócio é fundado no conhecimento científico formal
hegemônico, desconsideração do saber popular, tecnologias intensivas baseadas na revolução
verde, mão-de-obra altamente especializada e capital intensivo (tende a expulsar produtores com
menor acesso ao crédito) e alto potencial poluidor.
No modelo de desenvolvimento que valoriza a agricultura familiar e sua forma de produzir, o
espaço é pensado para ser diverso, com base na fruticultura, lavoura branca, hortaliças, pecuária
de leite e corte, criação de pequenos animais, extrativismo diversificado de produtos não
madeireiros (embora haja também a possibilidade de extração de madeira a partir de um manejo
sustentável sendo útil inclusive para a fabricação de artesanato), plantas medicinais, criação de
peixes (para a comercialização e alimentação). Há a possibilidade de diversificação do sistema
produtivo (respeitando-se as especificidades de cada região).
É preciso que haja uma maior projeção da agricultura familiar através uma rede de comunicação
entre as organizações, com troca de experiências que possibilite uma visão mais holística e de
integração dos saberes ecológicos, agronômicos, econômicos, sociais, culturais e políticos. Este
modelo é o que deve ser buscado pela academia e os sujeitos que defendem a agricultura
familiar.
247
Valdivino Silva (Rede Mandioca – São Benedito dos Colocados, Codó) –
A Rede Mandioca é uma articulação estadual de organizações formais e informais de
agricultores e agricultoras familiares que atuam diretamente no cultivo, manejo, beneficiamento
e comercialização da mandioca e seus derivados. Está presente em 20 municípios atualmente
(Barra do Corda São Bernardo, São Mateus, Balsas, Magalhães de Almeida, Vargem Grande,
Trizidela do Vale, Pedreiras, São Raimundo das Mangabeiras, Araioses, Viana, Penalva,
Monção, Cajapió, Codó, Bom Jesus das Selvas Lago da Pedra, Imperatriz, Lôreto), envolvendo
105 grupos organizados em associações, cooperativas e/ou grupos informais. Fazem parte da
Rede um total de 3.000 famílias diretamente e 10.000 pessoas indiretamente; as principais
atividades desenvolvidas são agricultura, criação de pequenos animais, extrativismo e artesanato.
Tem como objetivos estimular a articulação e fortalecimento da organização dos/as agricultores
e agricultoras através da rede, garantindo maior visibilidade da cultura da mandioca no âmbito da
agricultura familiar; Implantar campos de mandioca em consorcio com espécies anuais e
perenes; capacitar as comunidades/grupos em práticas agroecológicas para condução dos
campos; desencadear um processo de comercialização dos subprodutos da mandioca e demais
produtos da agricultura familiar; criar espaços de referência comercial e política para os
produtos da agricultura familiar.
A motivação para a criação da Rede Mandioca foi combater o aliciamento de trabalhadores
rurais para o trabalho escravo e fortalecer a economia popular solidária a partir de uma
experiência em rede produtiva.
A Rede caracteriza-se por ser uma experiência local de ampla abrangência no estado, dialogando
com a discussão de um novo modelo de desenvolvimento em contraponto aos grandes projetos e
com a perspectiva das políticas pública, tentando ser uma alternativa de geração de trabalho e
renda. Promove ainda o resgate dos valores culturais, dando visibilidade a uma cultura
marginalizada e que tem grande potencial de contribuição para a segurança alimentar e
nutricional. Garante ainda um maior reconhecimento institucional perante a sociedade e o Estado
da dimensão mobilizadora em rede.
Os principais desafios enfrentados pela Rede são: ampliação da rede estadual e regionalmente;
diversificação de fontes de financiamento e apoio; aprimoramento do processo produtivo na
perspectiva da garantia da qualidade, da certificação, diversificação e verticalização; ampliação
dos contatos para favorecer o fortalecimento e diversificação do processo de comercialização;
constituição de um espaço de apoio e referência da cultura da mandioca; criação de condições de
apoio as novas comunidades/grupos que estão aderindo à Rede; maior incidência junto ao Estado
248
para definição de políticas públicas específicas de fomento à cultura da mandioca (assistência
técnica, crédito) junto a Rede.
Baseada em uma metodologia de envolvimento das comunidades, trabalhar nas Dioceses e
comunidades; utilização de princípios agroecológicos com visão ao desenvolvimento solidário e
sustentável, garantindo sementes, formação, acompanhamento técnico-político, melhorias de
infraestrutura e crédito solidário, a Rede tem conseguido garantir a organização política e
produtiva das comunidades, melhorar a qualidade, aumentar e diversificar a produção garantindo
aumento da renda e perspectiva de auto-sustentabilidade. Além de inserir nas discussões,
articulações e conquistas de políticas públicas e desenvolvimento sustentável novas perspectivas
de comercialização como feiras locais/estadual e nacionais, compra direta, tirando de cena a
figura do “atravessador”, e possibilitando preços mais acessìveis, recuperação da auto-estima dos
produtores de mandioca.
Ayala Lindabete Ferreira (IALA Instituto de Agroecologia Latino americano do Bioma
amazônico): Traz algumas experiências que estão em torno do IALA, inserida numa rede dentro
da Via Campesina, junto a escolas ou institutos de agroecologia criado no âmbito da ALBA
(Alternativa Bolivariana Para as Américas) com forte contribuição dos movimentos camponeses.
Estão ligados ao ELAA, IALA Paulo Freire (Venezuela), IALA Guarani (Paraguai) e o IALA
Amazônico. Esta rede representa uma leitura realizada pelas organizações e movimentos de
inserção do camponês na estrutura de hegemonia de produção do capital e como este tem
produzido sua existência no campo. A IALA busca se apropriar de uma visão de acirramento da
disputa de classes no campo representada por modelos antagônicos de desenvolvimento, na qual
um modelo se apropria das condições de reprodução do outro. Não há, para a IALA, a
perspectiva de coexistência harmônica entre estas duas classes e estes dois projetos, sendo
marcada pela violência. São muitos os atores que se articulam de forma extremamente eficiente
para expropriar a agricultura familiar internacionalmente.
Possuem uma leitura crítica da hegemonia do capital: uma visão que não vislumbra a
possibilidade de conciliação das duas perspectivas por conta do caráter violento da ofensiva,
representado no Pará por assassinatos, expulsões e devastação principalmente por parte da
mineração.
Além da crítica ao atual modelo de desenvolvimento hegemônico no campo, há o debate da
construção de alternativas a partir de um processo de resistência que apesar de não conseguir
249
num primeiro momento realizar uma ofensiva à altura da que o capital realiza, representa um
ensaio para tais alternativas.
O elemento principal das IALA é a perspectiva da formação, pois tal elemento mostra que se
disputa a sociedade a partir do controle da forma de produção. Desenvolvem a perspectiva de
territorialização transnacional dos países que compõe a Pan-Amazônia (uma infinidade de
sujeitos que são afetados por condições semelhantes de exploração no diferentes países). Há
muitas diferenças nas características, formas de organização, mas há pontos comuns, como a
expropriação dos recursos e a privatização da natureza.
Foram feitos cursos formalizados para os agricultores, pensados como processos educativos
polìticos e sociais desenvolvidos por quem tem a formação do “campo”, em parceria com a
UNIFESSPA e a UFPA, parceiros institucionais que têm apoiado e mobilizado articulações com
sujeitos que têm ajudado a pensar o processo de integralização e comunicação entre os diferentes
sujeitos da Pan-Amazônia. Tal formação tem ajudado a resgatar estratégias criadas pela
educação popular principalmente no campo: debater o trabalho como processo educativo,
transformando o espaço produtivo como um processo de construção do camponês e da
camponesa; pesquisa voltada para a interpretação da realidade com a perspectiva de
transformação, sem que a rigorosidade científica interfira na relação pesquisador-objeto.
Tem sido um espaço de vivências entre os sujeitos numa perspectiva metodológica da educação
popular e de apropriação dos princípios da agroecologia e de inter-relação e diálogo e
experimentação entre os diferentes movimentos e organizações.
Uma característica marcante da IALA e um diferencial é o seu projeto de sociedade contrário à
lógica do capital, onde seres humanos e bens da natureza são colocados como centrais. A
mística, então, ganha uma centralidade no sentido de reafirmar os princípios da visão da IALA e
o socialismo como seu projeto. Desde a estrutura organizativa preza pelo diálogo entre os
saberes da prática politico-organizativa e os saberes da academia. Têm avançado no debate da
comunicação e entendimento da panamazônica como território de produção de conhecimento,
articulação e troca de experiências.
DEBATES E QUESTÕES
Tico (STTR Açailândia): Há um processo inverso na pecuária do Maranhão ao contrário do que
ocorre, que está sendo substituída pela soja e eucalipto. Percebe-se ainda um crescimento da
250
indústria siderúrgica e de celulose ; a ocupação do solo pela monocultura tem intensificado o
processo de expulsão no campo. Em imperatriz há um quadro grave de poluição e aumento do
uso de drogas nos assentamentos. O participante lamenta a ausência do Estado na implementação
de alternativas como a Rede Mandioca, sendo que as alternativas ao capital tem um ciclo curto e
médio por falta de incentivo e financiamento, contrastando com o agronegócio. A ATER
disponibilizada é baseada no modelo do capital que não leva em conta as especificidades e os
conhecimentos da agricultura familiar, o que muitas vezes leva ao fracasso de projetos e
iniciativas.
Francisca – (Santa Rosa dos Pretos Itapecuru-Mirim): Levanta uma dúvida quanto ao crédito do
Banco do Brasil disponibilizado para a Rede Mandioca: há crédito para as associações e grupos
organizados? Como este crédito é repassado? E como um município pode aderir a Rede
Mandioca?
Francisca Ramos (trabalhadora rural - Caxias): Fala que é preocupante o fato de os projetos
não terem vida longa, mas é importante que os grupo e projetos criem alternativas para garantir
sua autonomia. Destaca ainda, o resgate da cidadania feito pela Rede Mandioca, que além da
valorização da agricultura familiar promove aspectos políticos de organizações de trabalhadores,
aspectos culturais, sociais e ambientais. Questiona como a Rede Mandioca pode se estender até
Caxias.
Núbia (UFMA): Como a Rede Mandioca e a IALA procedem para não perderem o que os
caracteriza e o que têm feito para superar seus impasses?
Tainam (estudante de agronomia UEMA/FEAB): Na Universidade também há uma disputa de
projetos de desenvolvimento que se manifestam no ensino, com a priorização da formação
voltada para a monocultura. Pergunta como se tem estabelecido a relação entre a IALA e a
Universidade e como esta pode se aproximar da instituição?
Antônio (coord. Rede Mandioca) – Trabalha com crianças e adolescentes em Bacabal. Fala que
a Rede não se resume à mandioca, também produz mel, frutas, tiquira, etc. Pergunta o que tem
sido feito em termos de políticas públicas para atender e melhorar a qualidade de vida da
população saída do campo e que vive à margem dos grandes projetos?
Marcelo Firpo (FIOCRUZ Rio de Janeiro): como o IALA tem trabalhado a relação
agroecologia e saúde para além da saúde em uma perspectiva assistencialista, mas ampliada sob
uma nova articulação entre saúde coletiva e agroecologia?
Valdivino: Os recursos angariados pela Rede Mandioca foram através de recursos da SENAES
apresentados por meio de edital pelo Bando do Nordeste. Ressalta que é difícil conseguir
251
recursos e repassar estes recursos para os grupos e comunidades por conta do marco legal que
não permite repassar dinheiro para instituições sociais. A Fundação Banco Brasil forneceu
apoio para a estruturação da quitanda da Rede mandioca em são Luis.
Valdivino: Fala que é necessário escrever uma carta para a Cáritas regional do Maranhão. Em
seguida a Rede estará encaminhando uma carta de princípios para a comunidade analisar se
está de acordo a trabalhar dentro dos princípios da agroecologia e da economia solidária; em
seguida a coordenação aprova em assembleia a entrada do grupo ou comunidade na Rede,
então poderão adentrar no processo de produção e troca de saberes.
Ayala: É um tensionamento permanente na condição de movimento social. Não abrem mão da
autonomia e do constante diálogo com a academia e parceiros que fortaleçam sua perspectiva.
Ressalta a necessidade de uma proposta metodológica de formação dos professores
diferenciada.
Willian: Relata a experiência no Pará e a tentativa de mudar o ensino de ciências agrárias:
exemplifica experiência de interiorização do ensino onde desenvolveram um ensino diferente do
tradicional, com uma abordagem sistêmica, envolvendo a dimensão ambiental de base
agroecológica. Intercalam sala de aula e campo a cada 6 meses para entender a família, o meio
biofísico, o lote e por fim a comunidade como um todo. Baseado na educação popular em
princípios teórico-metodológicos que possibilitam esta formação. É necessário que hajam
docentes dispostos a este tipo de trabalho.
Ayala: Vem desenvolvendo um cursinho popular para a juventude atingida pelos grandes
projetos com cerca de 150 a 200 jovens (nos municípios de Marabá, Altamira e Parauapebas),
com a participação de movimentos sociais como o MST fazendo um debate sobre temas de
interesse da juventude. Pensa a preparação para o vestibular de forma diferenciada, adaptado à
realidade do campo.
Nos últimos tempos tem sido feito um esforço de integração da produção, do ecossistema e do
sistema produtivo. As circunstancias estimularam os diferentes atores a integralizar estas
dimensões.
PROPOSTAS E RECOMENDAÇÕES
IALA - No campo da formação é necessário pensar processos de formação da juventude
alternativos, uma vez que o Governo e as empresas tem focalizado a formação não mais na
Universidade mas na capacitação para o campo industrial nas cidades em que as empresas se
instalam, oferecendo cursos de baixa qualificação a exemplo de garçom, pedreiros, eletricista,
financiado pelo Estado (PRONATEC, PRONACAMPO). A proposta seria utilizar os estes
programas voltados para a outra perspectiva de formação, não só voltada para a técnica mas
também para a formação social dos indivíduos.
252
William – Apresenta como exemplo e proposta de reformulação do currículo dos cursos de
ciências agrárias que dialogue com a realidade local das comunidades agrárias, a experiência do
curso de agronomia da UEPA em Marabá.
253
8.3.11 Mesa Redonda: Povos indígenas
Ementa:Discussão sobre experiências que dizem respeito às relações estabelecidas
entre povos indígenas e projetos de desenvolvimento na Amazônia Oriental; às formas
de organização e de enfrentamento às ameaças ao seu modo de vida acionadas por
povos indígenas; às modalidades de consequências relativas à expansão capitalista em
terras indígenas; às disputas territoriais daí decorrentes.
Participantes da mesa:
Eliane Catarino O‟Dwyer (UFF - Brasil)
Rosana Diniz Santos (CIMI - Brasil)
Welton Jhon Oliveira Surui (Povo Suruí - Brasil)
Coordenação: István van Deursen Varga (UFMA - Brasil)
Relatoria: Jaciene Pereira
A fala da antropóloga Eliane Catarino O‟Dwayer se pautou nas experiências que teve com o
povo Awá-Guajá onde fez as descrições etnográficas para elaboração do laudo/relatório
antropológico para Procuradoria Geral da República que viabilizou o reconhecimento dos
limites territoriais e dos direitos do Awá-Guajá, assim como a retirada dos invasores e do
reconhecimento da diversidade cultural e de outras formas de uso e representação do território
segundo a Constituição Federal de 1988 que garante a todos os grupos formadores da
sociedade nacional os “seus modos de criar, fazer e viver”. Ainda assim segundo a expositora
a CF e todo o arcabouço legal não impediu a implantação do PGC, bem como do Plano
Nacional de Desenvolvimento do estado brasileiro e todos os rebatimentos sobre as Terras
Indígenas e os respectivos modos de vida das comunidades da região como os Awá-Guajá que
foram colocadas como entraves ao “desenvolvimento” dando vazão a partir daì a uma série de
intrusamentos que tomaram proporções desastrosas como desterritorialização, aculturamento,
diáspora e genocídio. Ressaltando a contribuição das diretrizes da FUNAI que contribuíram
com a disseminação de novas práticas culturais que impuseram a transformação dos Awá de
caçadores-coletores a agricultores, a substituição do uso dos remédios da mata pelos remédios
do posto, dentre outras interferências ao modo de vida próprio desses indígenas como acontece
atualmente na desintrusão deste território que não levou em consideração o principio da
floresta compartilhada (capoeira velha) que envolve o usufruto do ambiente com outros índios,
não é qualquer floresta que serve aos Awá, nem o território próprio e nem o aldeamento, logo
o processo de demarcação do território para reprodução física e cultural desse povo se tornou
muito difícil e facilitou a apropriação do mesmo pelos representantes do capital e como a
politica indigenista oficial é dado pelo estado brasileiro, a demarcação de terras na época do
governo militar e implantação do PGC foram em áreas que possuíam aldeamentos e no caso
Awá que são nômades o processo se inviabilizou, deixando-os vulneráveis como suas terras
transformadas em caminhos de branco.
Rosana Diniz Santos do Conselho Indigenista Missionário lembra que os índios não
estabeleceram nenhuma relação com os projetos de desenvolvimento mas, estes sim,
impuseram uma relação assimétrica e autoritária com os índios, ressalta que o PGC começou a
ser implantado na década de 1960 e não em 1980 como citam os documentos oficiais, haja
vista a lei de terras do governo Sarney que deu suporte ao PGC. Para os povos indígenas do
Maranhão ela resume uma disputa entre o território privado e o território coletivo, onde a
expansão do capital, a terra ficou cativa e o povo cativo, desterritorializado, sem autonomia
alimentar e sociocultural. Apesar do genocídio dos índios desde o começo da colonização das
Américas e da destruição da natureza ao longo dos sucessivos ciclos econômicos, não houve
passividade dos povos indígenas perante o massacre; atualmente tem-se trabalhado com
intervenções, manifestações, protestos, bloqueios estratégicos no enfrentamento e busca pela
autonomia e autodeterminação das comunidades indígenas, apesar das manobras/cooptação de
254
indenizações e/ou compensações funcionarem como golpes a autonomia e a resistência, aos
poucos os povos estão retomando suas culturas e organização frente ao PGC. Cita que a
realização de atividades econômicas por não-índios, assim como a mineração é proibida pela
CF mas ainda assim ocorre por se tratar de interesse “nacional”, os ìndios são consultados pra
cumprir aos protocolos mas não tem poder de veto, como é o caso dos 9 povos indígenas
atingidos pela província mineral de Carajás e que perderam território, assim como na UHETucuruí. Acrescenta que o trabalho do CIMI é de auxiliar os índios a impor a voz, sua posição
perante a sociedade nacional, fazer o índio reconhecer seus direitos, considerando que o atual
modelo econômico pensado para nossa região não leva em consideração as necessidades e
interesses dos índios e demais povos tradicionais negando seus direitos constitucionais, da
natureza e da pessoa humana, demandando que estes tenham ousadia e mantenham a
resistência histórica no enfrentamento da realidade imposta pelo capital.
O cacique Welton Jhon Oliveira Surui do Povo Surui da região de Marabá no Pará tem o CIMI
como parceiro de lutas e veio ao seminário representar, expor e debater as 9 etnias que
sofreram e ainda sofrem com o PGC, bem como de rodovias e de barragens que provocou
perda de cultura (perda da tradição), impactos negativos na saúde e na autonomia alimentar,
entende o Seminário Carajás 30 anos em São Luís como uma oportunidade de abrir a boca
para o mundo ouvir e conhecer a triste realidade do sul e sudeste do Pará. Critica o contrato
VALE/FUNAI de apoio as atividades produtivas nas diferentes etnias que ocorre de forma
desigual, citando que algumas comunidades indígenas se corrompem pelas indenizações como
ocorreu no PGC e agora ocorre em Belo Monte. Elogia os povos tradicionais quilombolas de
todo Brasil pela coesão do movimento e luta por seus direitos e ressalta que o povo surui
desde 2005 tem aumentado seu efetivo de enfrentamento das ameaças ao seu território bem
como a retomada da sua cultura e tradição com abordagem dos jovens indígenas. Observa as
mudanças da região de Marabá com o advento do PGC como a expansão imobiliária, êxodo
rural, favelização e ocupação de áreas de risco, desemprego e violência. Repudia a
responsabilidade social que a Vale publica nas mídias, dentre outros o incentivo culturais de
esportes nas aldeias que são alheias as diretrizes impostas como a prática de futebol já que não
correspondem a tradição indígena e demais transtornos as etnias.
DEBATES: O debate foi iniciado com a fala de representantes de várias instituições ligadas
direta e indiretamente a causa indígena bem como dos próprios indígenas de diferentes etnias
que apresentaram um consenso no sentido do fortalecimento e incentivo da luta para
confrontar o massacre que o capital impõe, bem como a importância da abertura desses
espaços como o Seminário para conhecimento, dialogo e articulação para que as diferentes
culturas possam se resguardar da mineração, do latifúndio, da monocultura, das usinas e
demais pegadas do capital, pensando uma luta mais concreta para reverter a desigualdade de
direitos, encerrou-se os trabalhos da mesa com uma roda de cantos e danças dos presentes bem
como os anseios da continuação deste trabalho em outros momentos e a construção do
documento/carta e manifesto.
PROPOSTAS E RECOMENDAÇÕES
Articulação de todos os povos atingidos pelo PGC num grande evento/manifesto/documento
para que com o fim do seminário não se finde a discussão e nem a possibilidade de um
enfrentamento ao massacre, a causa indígena tem que ser a causa de todos. Fortalecendo e
unificando as forças dos indígenas, quilombolas, atingidos por barragens, ribeirinho,
pescadores, pois a mobilização conjunta faz a diferença.
255
8.3.11.1 Nas fronteiras do Estado-Nação: invasão madeireira e ameaça
de genocídio ao povo Awá-Guajá - Eliane Cantarino O’Dwyer (Doutora
em Antropologia UFF/Vice-presidência ALA)
1. Introdução
O texto “Processos de territorialização e conflitos sociais no uso dos recursos
ambientais pelo povo Awá-Guajá em área da antiga reserva florestal do Gurupi” foi
elaborado com base no laudo antropológico apresentado a 5ª Vara da Justiça Federal
do Maranhão, como perita do juiz (Processo Judicial nº 95.353-8).
O ponto em discussão levado à Justiça é o questionamento da Portaria
Ministerial nº 373 de 27.07.1992 (DOU 29.07.92, pp.10116), que declara como de
“posse permanente indìgena, para efeito de demarcação, a Área Indìgena Awá, com
superfìcie aproximada de 118.000 ha.”, localizada nos municìpios de Carutapera, Bom
Jardim e Zé Doca, Estado do Maranhão. O território delimitado pela Portaria parte de
coordenadas geográficas que ao norte da área confronta com a Área Indígena Alto
Turiaçu e em seu limite sul com a Área Indígena Caru; na estrema leste traça uma reta
do igarapé Água Preta até o marco (nº 23) da Fundação Nacional do Índio – FUNAI,
no rio Turiaçu; e no limítrofe oeste encontra a Reserva Biológica do Gurupi (mapa e
memorial descritivo da portaria). A autora da ação, a Agropecuária Alto do Turiaçu
Ltda., ao argumentar que a Portaria viola o direito de propriedade pela inclusão de
suas terras na área da reserva indígena, solicita através de ação ordinária na Justiça
Federal do Maranhão, Processo nº 95.353-8, a nulidade da Portaria Ministerial nº 373
de 27.07.92, “a fim de ser declarada não indìgena a área de terras de sua propriedade”.
O território identificado como Área Indígena Awá era parte da antiga Reserva
Florestal do Gurupi, criada em 1961 pelo Decreto nº 51.026, de 25.07.61. Os índios
autodenominados Awá e reconhecidos pela literatura de viajantes, relatórios de
governos provinciais e outros grupos tribais pelo nome Guajá – (o termo de autodesignação Awá, será preferencialmente usado neste parecer. O nome Guajá, contudo,
pode ainda ser aplicado de modo transitivo, sobretudo nos casos em que aparece na
bibliografia compulsada) – habitavam esta área delimitada pela Reserva Florestal de
aproximadamente 16.740 km², juntamente com os Tembé, Guajajara e Urubu-Kaapor.
O artigo 4º deste decreto reconhecia a presença deles na área da reserva
florestal e destacava a necessidade de respeitar as terras dos índios, de forma a
256
preservar as populações aborígenes, segundo preceito constitucional e legislação
específica. Os conflitos intertribais e as inimizadas organizadas ou espontâneas
determinaram uma divisão deste ecossistema florestal, de modo que os Awá viviam
nos contrafortes da Serra do Tiracambu, Serra da Desordem e no seu prolongamento
chamado Serra Azul, principalmente nas cabeceiras dos igarapés que desenvolvem o
curso das águas dessa cordilheira em direção ao rio Pindaré, seu afluente Caru, e os
rios Turiaçu e Gurupi.
Em 1982, foram homologadas duas áreas indígenas na região da Reserva
Florestal do Gurupi: Alto-Turiaçú, com superfície de 530.524 ha., através do Decreto
nº 88.002, de 28.12.82, e Caru, superfície de 172.667 ha., Decreto nº 87.843, de
22.11.82. Em ambas, com populações majoritárias, respectivamente, de Urubu-Kaapor
e Guajajara, alguns grupos Awá antes isolados nas matas, encontravam-se vivendo em
postos de atração formados desde a década de setenta pela FUNAI, quando esse povo
começou a sofrer forte pressão das frentes pioneiras e de colonização sobre seu
território tradicional. A abertura nos anos sessenta de estradas de rodagem estaduais,
interestaduais, e em oitenta, a construção da ferrovia Estrada de Ferro Carajás pela
Companhia Vale do Rio Doce, que atravessa toda a área indígena Caru, pela margem
esquerda do rio Pindaré, ao possibilitar a transferência em escala crescente de
populações nordestinas, passou igualmente a atrair interesses econômicos na formação
de fazendas e especulação imobiliária das terras valorizadas pelo empreendimento
mineral e industrial. Deste modo, a ligação entre os Estados do Maranhão e Pará,
através do pólo industrial de Carajás, tem levado a um fluxo constante de colonos,
fazendeiros, garimpeiros e madeireiros em constante pressão sobre as terras indígenas.
No avanço desta frente de expansão surgiram as ocorrências e relatos sobre epidemias,
episódios de mortes e massacres de grupos Awá, com o aparecimento de crianças
indígenas em povoados camponeses pela morte dos pais, e famílias inteiras atacadas
dentro de fazendas ou por caçadores na região. Os postos da frente de atração da
FUNAI, transformados em aldeamentos Awá nas reservas indígenas Alto Turiaçu e
Caru, estavam localizados em áreas de deslocamento de grupos isolados em suas
atividades de caça, pesca e coleta para subsistência. Os primeiros estudos oficiais da
FUNAI para identificação de uma área exclusiva para o povo Awá, datam da portaria
nº 1921/E de 09/08/85. Nas áreas delimitadas pelas primeiras Portarias Ministeriais,
encontravam-se isolados nas matas vários grupos Awá. Parte dos seus membros só em
1986 foram contatados no igarapé Juriti, e no ano de 1992 nas proximidades dos
257
igarapés Mutum e Água Preta. Esta população Awá fora reunida no posto de atração
Juriti, nas margens do rio Caru, que faz parte da Área Indígena Awá sob contestação
judicial.
O reconhecimento da área indígena Awá tem sido objeto de acréscimos,
reduções e interdições através da edição de sucessivas portarias ministeriais. A
primeira delas - Portaria Ministerial nº 76 de 03.05.88 – a declarar de posse
permanente uma área na região para os índios Awá, delimitava uma superfície de
147.000 ha., e fora contestada pelos antecessores da Agropecuária Alto do Turiaçu
Ltda. A seguir substituída pela Portaria nº 158 de 08/09/1988, que ao reduzir a menos
da metade a área indígena Awá, com superfície aproximada de 65.700 ha., excluía
toda área atualmente correspondente a propriedade da Agropecuária Alto do Turiaçu
Ltda. Desta feita, a contestação partiu de setores da sociedade civil, a Companhia Vale
do Rio Doce, que subsidiava o desenvolvimento de um programa “Sistema de
Proteção Awá”, desde 1982 e o Banco Mundial, que nas condições de empréstimo e
investimento ao grande projeto Carajás, apoiado pelo governo brasileiro, previa a
demarcação das áreas indígenas afetadas, ou ainda sob sua influência. (CARTA
DANIEL GROSS, Banco Mundial). O Ministério Público Federal, em cumprimento à
função jurisdicional do Estado, incumbida da defesa dos interesses sociais e
individuais indisponíveis impetrou mandado de segurança contra a diminuição do
perímetro da área. Outra Portaria Ministerial nº 448 de 22.05.90 veio acrescer a área
indígena em 18.750 ha. Por fim, passados dois anos, após constituir grupo de trabalho
para proceder a novos estudos e ser aprovado o relatório de delimitação da Área
Indígena Awá através do Despacho FUNAI nº 11 de 16.07.92, foi editada a Portaria
Ministerial nº 373 de 27.07.92, com superfície elevada para 118.000 ha. Ela foi
contestada por uma Ação Cautelar em 1994 – Medida Cautelar Inominada Processo nº
94.000.2455-0. A partir 1995 foi impetrada a Ação Ordinária/ Imóveis Processo nº
95.0000353-8, em curso, com o objetivo de declarar a nulidade da Portaria Ministerial
nº 373 de 27.07.92, do Sr. Ministro de Estado e Justiça com a conseqüente declaração
de tratar-se de área não indígena. Pretende-se, assim, o reconhecimento pelo poder
jurídico de Estado do direito de propriedade da Agropecuária Alto do Turiaçu Ltda.
sobre área declarada terra indígena de ocupação tradicional Awá.
Do ponto de vista antropológico, contudo, o estranhamento diante dessas
unidades administrativas aparentemente arbitrárias e que reúnem praticamente a maior
parte da população conhecida através do contato, levanta a questão de saber se o povo
258
Awá, apesar das alterações que sofreu em seu modo de vida antes isolado na floresta,
continua a ser uma “etnia indìgena diferenciada, portadora de direitos especìficos,
definidos em uma legislação própria” (OLIVEIRA FILHO 1994, pp.118/125) e se o
território de ocupação tradicional dos Awá é aquele definido pela Portaria Ministerial.
As questões levantadas no processo judicial devem ser relacionadas a
distribuição geográfica atual do grupo Awá, ao fracionamento e descontinuidades no
tempo do território considerado de ocupação tradicional. A investigação pericial
implica em relacionar a multiciplicidade de espaços aos quais eles se referem e a
flutuação de suas fronteiras territoriais. É preciso descrever o “processo de
territorialização” do grupo, para compreender a “identidade do lugar que o funda,
congrega e une” (AUGÉ 1994 ,p.45), e através do reexame de suas fronteiras
exteriores e interiores considerar os efeitos e desdobramentos que essas mudanças
muito mais impostas do que aceitas, podem produzir na manutenção de suas formas de
organização tradicional e na reprodução dos seus valores identitários com ênfase na
autonomia.
Para a definição do território Awá e a compreensão dos efeitos produzidos pela
dispersão territorial e a fragmentação em diversos grupos, seguimos a orientação
metodológica de proceder ao estudo de casos desdobrados, chamado ainda de análise
situacional, que
consiste em tomar uma série de incidentes específicos ligados às mesmas pessoas ou grupos no
decorrer de um período e demonstrar como esses incidentes, esses casos, se relacionam com o
desenvolvimento e a mudança das relações sociais entre essas pessoas e grupos, agindo no
quadro de sua cultura e do seu sistema social. (Gluckman 1975, p.68).
Deste modo, os limites administrativos que dividem os diversos grupos em
quatro postos indígenas, devem ser considerados como resultado de um processo que
pode refletir decisões e ações tomadas intencionalmente no passado. É necessário,
portanto, o registro dessas ações específicas e o tipo de participação de indivíduos e
instituições nos fatos relacionados. Verificamos que uma série de eventos,
principalmente relativos às situações de contato com os Awá, encontram-se no corpo
do processo, em relatórios da FUNAI, periódicos e correspondências reunidas em
acervos arquivísticos de instituições como o Instituto Sócio-Ambiental - ISA. Porém,
esta apreensão dos eventos “de fora” leva a uma “acumulação arbitrária de pormenores
mais ou menos verìdicos” (LÉVI-STRAUSS 1975, p.23), enquanto a única maneira de
sabermos se esses fatos ou situações sociais correspondem à realidade,
259
é de que sejam apreensíveis numa experiência concreta; em primeiro lugar, de uma sociedade
localizada no espaço e no tempo; mas também de um indivíduo qualquer de uma qualquer
dessas sociedades (LÉVI-STRAUSS, 1975, p. 23).
– no caso o Awá deste ou daquele grupo local. No trabalho de campo pericial
coligimos uma série de eventos que marcam a vida do grupo indígena no período de
três a quatro gerações consecutivas, vividos como um evento único, onipresente, na
medida em que demarcam as separações, os processos de fragmentação e perda de
território. Deste modo, nossa proposta de investigação etnográfica é coligir séries de
“casos interconectados numa pequena área que envolvem um número limitado de
dramas pessoais através do tempo” (VAN VELSEN, 1987, p.369). Assim, “a análise
sincrônica deve ser combinada com uma perspectiva diacrônica dos acontecimentos”
(FELDMAN-BIANCO 1987, p.31). Seguimos, ainda, a orientação metodológica de
formular nossas indagações aos atores envolvidos e a outras pessoas no contexto do
trabalho de campo sobre casos e incidentes específicos. Esses casos inter-relacionados
devem ser considerados parte de um processo social (VAN VELSEN 1987, p.370) e a
partir da sua análise é possível estabelecer conexões entre indivíduos e grupos locais
Awá para além das unidades administrativas. Deste modo, podemos inventariar uma
rede de relações e o entrecruzamento de suas conexões dentro de determinado
território. Afinal, “os limites só adquirem relevância se estiverem intercruzados”
(VINCENT 1987, p.380) e o território indígena deve ser definido como a
materialização de fronteiras dadas a partir de relações sociais e pertencimentos étnicos.
Os eventos relativos a situação de contato, ao produzir a fragmentação de grupos Awá,
separações entre familiares, sobreviventes em fuga e perda de áreas comuns,
caracterizam um “processo de territorialização” (OLIVEIRA FILHO, 1994, p. 133)
com todas as suas implicações no plano constitucional dos direitos indígenas. Neste
caso, é preciso igualmente reconstituir as “rupturas e descontinuidades no espaço que
representam, na verdade, a continuidade do tempo” (AUGÉ 1994, p. 58).
No contexto da perícia antropológica, o trabalho de campo foi realizado
mediante “visitas breves e repetidas, (...) como no caso da tradição norte-americana da
etnologia nas reservas” (CLIFFORD, 1997. p. 79,117). A investigação de primeira
mão fez uso de intérpretes nativos como forma de garantir “interações intensas face a
face” (CLIFFORD 1999: p. 115) com os Awá-Guajá. Neste caso, gostaríamos de
destacar a necessidade que se impôs de “limpar nosso campo” (CLIFFORD 1999, p.
72), das visões construídas por advogados, técnicos do órgão indigenista, missionários,
260
e grupos econômicos que contestavam ou defendiam a ocupação do território por um
povo nômade que não vive em aldeamentos indígenas. Segundo ainda o autor citado,
“sair a um espaço de trabalho pressupõe práticas especìficas de distanciamento”
(CLIFFORD, 1999, p.72) em que o antropólogo pode considerar necessário “limpar
seu campo, ao menos conceitualmente” (CLIFFORD, 1999, p.72).
Ao examinar os argumentos em contraposição encontrados nos documentos do
processo, verificamos que eles recortam um campo semântico próprio, composto pelos
termos aldeamento, usado como equivalente a presença indígena, posse, nomadismo,
migração e perambulação. As expressões evocam maneiras diversas de caracterizar a
questão dos direitos e interesses coletivos e privados de pessoa jurídica sobre uma
extensa área de antiga reserva florestal da União. As divergências entre as partes no
processo implicam num consenso sobre discutir certas questões. Neste caso, está em
jogo a referência às formas de aldeamento indígena tomadas como modelo para
caracterizar a ocupação imemorial das terras. Em 12.01.90 havia sido expedido um
Atestado Administrativo nº 19.375.7205.0 - Processo FUNAI/BSB/0313/85, que
negava a presença física ou de aldeamento indígena dentro de coordenadas que a
Autora (Agropecuária Alto do Turiaçu) alega tratar-se da Gleba Bela Vista, que
corresponde a sua propriedade. De um lado, a ausência de um modelo convencional de
aldeamento permite a tentativa de desqualificação pela Autora (Agropecuária Alto do
Turiaçu Ltda.) das terras tradicionalmente ocupadas pelos Awá, segundo o texto
constitucional. Por outro, há indícios e provas em contrário sobre a existência nômade
e de perambulação dos Awá, comprovadas pelos servidores da FUNAI em seus
relatórios e demais “intérpretes autorizados” pela instituição. Alguns desses relatórios,
em especial produzidos por sertanistas da FUNAI, parecem convincentes sobre as
formas de ocupação tradicional e atividades produtivas necessárias a reprodução física
e cultural do grupo indígena Awá, segundo seus usos, costumes e tradições. É o caso
do relatório apresentado à FUNAI em setembro de 1985, pelo sertanista José Carlos
Meirelles Júnior. Ele percorreu parte da Reserva Florestal do Gurupi e ao ter se
deparado com vários vestígios de presença Awá, chegou a conclusão de que esta parte
da Serra da Desordem, no rumo das águas do igarapé Turizinho e igarapé da Fome,
margeando o rio Caru, e na encosta das nascentes que jogam em direção ao Gurupi igarapés Aparitiua, Maronato e Mão de Onça, constituía área de perambulação dos
índios guajá:
261
notei um galho de canela de velho virado para a frente, na altura de 1,5 metros do chão, o que
tira a possibilidade de ser quebrado de anta quando quer se deitar e é considerado com certeza
batida de Guajá; no topo, que termina numa descida de uns 200 metros a pique, a vegetação é
rala ... em cima da terra, de novo galhos virados pelos índios Guajá, subindo provavelmente as
águas do Caru, para caçar nos formadores dos igarapés que correm para o Gurupi; região de
muita caça; nesta área existem muitas guaribas, alimentação fundamental para os guajá, muito
jeju e traíra em água limpa, bom de flechar, não é a toa que os guajá andam por aqui 50.
Todavia, os efeitos dos indícios para produção da prova sobre a ocupação de
um território tradicional Awá – inclusive os incidentes sobre a propriedade da Autora
(Agropecuária Alto do Turiaçu), em que foram encontrados em 1989 vestígios datados
provavelmente de dez anos antes, com a ressalva de que a existência de antigos cocais
não poderia mais ser comprovada pela devastação ali promovida – já se encontravam
no bojo da documentação relativa ao processo, e não parecem ter sido suficientes ou
convincentes para resolução do conflito judicial (Relatório de Levantamento da Aldeia
Iindìgena Awá “Viagem a Terra Sem Lei”, 1989). Tanto a Agropecuária Alto do
Turiaçu, como a FUNAI, nos autos do processo estão de acordo sobre a necessidade
de realização do laudo antropológico que possibilite a apresentação de fatos novos
para apreciação do Meritíssimo Juízo.
Por conseguinte, espera-se da participação do antropólogo ao atuar como
perito, que rompa com os termos estritos do debate a partir da prática profissional de
sua disciplina. É preciso, portanto, marcar a ruptura entre o tipo de investigação
antropológica e as provas e contraprovas até agora confrontadas no corpo do processo.
Nele os termos aldeamento, posse, migração, nomadismo e perambulação adquirem
conotações específicas.
Os termos nomadismo, migração e perambulação são utilizados com duplo
sentido e intenção: em contraposição às situações de aldeamento indígena para
descaracterizar uma existência coletiva, e como indícios que servem para provar a
ocupação de um território tradicional Awá. Nos estudos e relatórios da FUNAI, os
indícios e os fatos relacionados a situação de contato com os grupos isolados servem
para descrever e categorizar de forma aproximada a realidade social e cultural vivida
pelos Awá. O uso de tais termos, porém, implica numa abordagem referida às
categorias etnocêntricas e pontos de vista do observador. A noção de nomadismo,
associada a migração e perambulação, parece impregnar-se de toda carga semântica
dos seus significados vocabulares. Migrar é “aplicado para exprimir mudança de
50
Relatório do Reconhecimento da Área da Serra da Desordem, 1985.
262
população, num mesmo paìs, de uma região para outra, em que vai ficar” (PLÁCIDO
E SILVA, 2001, p.533). Deste modo, o termo migração, usado para caracterizar a
ocupação de um território pelos Awá, supõe que eles se deslocam continuamente em
busca de matas e fontes d‟água para exercer suas atividades de caça, pesca e coleta de
frutos, principalmente nos babaçuais, sem estabelecer uma área ou porção de terra na
qual se fixem. O que juridicamente e em sentido amplo acaba por traduzir uma idéia
de inexistência de território próprio (PLÁCIDO E SILVA, 2001, p. 809), e por
extensão em conceito político, termina igualmente por sugerir ausência daquilo que se
possa considerar uma organização ou coletividade indígena Awá. Por sua vez,
perambular tem o significado linguístico de “vagar sem destino, vaguear,
vagabundear”, e vaguear, aparece igualmente como uma versão de “andar ao acaso, à
toa”; ou ainda “errar, vagar, percorrer ao acaso”51. Ambos, portanto, reforçam a idéia
de que os Awá percorrem aleatoriamente qualquer limite geográfico, sem senso de
direção que possibilite a definição de um território.
Do impasse ao consenso entre as partes sobre o papel da perícia antropológica
para esclarecer ou evidenciar os fatos em disputa, e a nomeação pelo Juiz para que
procedêssemos a pesquisa e esclarecimento dos fatos em questão, importam no
“trabalho do antropólogo” e seus modos disciplinados de “ouvir, olhar e
escrever,...que articulam a pesquisa empìrica com a interpretação de seus resultados”
(CARDOSO DE OLIVEIRA, 1998, p. 17). A investigação antropológica exige um
“exercìcio de estranhamento” no qual rompe duplamente com a definição arqueológica
de vestígios e da evidência como técnica jurídica, na medida em que ambas tentam
oferecer uma prova ou contraprova através de circunstâncias externas que se mostram
acumuladas e relacionadas de acordo com o ponto de vista do observador. No fazer
antropológico, deve-se estudar uma sociedade em seu contexto, a partir das categorias
e valores próprios dos grupos. A observação etnográfica e o diálogo comparativo com
a teoria acumulada pela disciplina dão lugar aos fatos etnográficos que permitem o
conhecimento e tradução das categorias de pensamento e formas de organização social
e cultural da vida nativa. A prova em antropologia sobre a diversidade nos modos de
existência coletiva é a evidência etnográfica construída a partir das categorias êmicas
51
Novo Aurélio: o dicionário da língua portuguesa 1999, pp.1540/ 2042.
263
do grupo e de seus valores internos, o que implica em estudar a sociedade indígena em
seus próprios termos, segundo a lógica e a coerência com que aí se apresentam.
2. Nomadismo: Os Patrigrupos
Na documentação compulsada os grupos são nominados por um dos homens
adultos e observamos no trabalho de campo pericial que essa prática também é comum
entre os próprios Awá, que assim identificam inclusive os grupos residentes nas
aldeias dos postos indígenas. No caso, por exemplo, de um grupo de índios sem
contato até então com o pessoal da FUNAI, que em agosto de 1987 visitou a chamada
aldeia do bosque, na área indígena Caru, os servidores do órgão indigenista, meses
depois através de informantes Awá residentes no posto indígena, identificaram-lhes
como do grupo Jacamintxia (hoje quase todos encontram-se no Pin Tiracambu, área
indígena Caru).
Esta lógica em seguir um sistema de nominação e divisão em grupos presente
na própria prática indigenista, parece estar teoricamente orientada pela patrisegmentação dos tupi-guarani, como no caso dos ìndios “parakanã, que se dividem em
patrigrupos nominados” (FAUSTO, CARLOS. DE PRIMOS E SOBRINHAS, apud:
Antropologia do Parentesco. CASTRO, Viveiros de (org.). Editora UFRJ, 1995,
p.102). Este autor, chama atenção que apesar da
patri-orientação ser bastante difundida entre os grupos tupi-guarani, de pouca significação
sociocosmológica, (e podem ser interpretados) esses patrigrupos como um resquício de uma
realidade anterior, que se diluiu com o tempo, em função de circunstâncias históricas
particulares. (FAUSTO, C; DE PRIMOS E SOBRINHAS, apud: Antropologia do Parentesco.
CASTRO, Viveiros de (org.). Editora UFRJ, 1995, p.102).
Em relação aos Awá, também do tronco e família linguística tupi-guarani, deve
ter ocorrido o mesmo processo, ainda mais se levarmos em conta a regressão cultural
do grupo, analisada no ítem terceiro do parecer, sobre a perda da prática agrícola em
tempos pretéritos que já nem lembram, porém se mantém na persistência de termos
linguísticos para designar algumas plantas cultivadas.
Na observação etnográfica constatamos que igualmente para os Awá o “grupo
de germanos masculinos” constitui um núcleo importante da sua “identidade
sociológica” (FAUSTO, C; DE PRIMOS E SOBRINHAS, apud: Antropologia do
Parentesco. CASTRO, Viveiros de (org.). Editora UFRJ, 1995, p.64). Os irmãos do
pai, também chamados de pai (txipá) de acordo com termos classificatórios de
264
parentesco, e seus filhos constituem a unidade básica de organização dos grupos Awá
para as atividades de caça-coleta e outras formas de reciprocidade e partilha. No
levantamento das relações de parentesco, verificamos ainda que ocorrem casamentos
com as sobrinhas e primas cruzadas patri-laterais. No grupo Txipatxia, o filho de
Merakedja, chamado Tataikamaha, havia casado anteriormente com a filha de
Maracanã, sua irmã, portanto com a sobrinha. Outros casos puderam ser verificados
sobre o casamento com a prima cruzada por, exemplo, entre Mihatxia e a filha de um
irmão de sua mãe, Amanparanohim, do grupo Jacamantxia. Todos desfeitos
posteriormente com a reunião de vários grupos isolados na aldeia do Pin Awá, que
passaram a trocar mulheres entre si – grupos Jacamantxia e Mirim-Mirim que se
reuniram aos grupos Txipatxia, Txiami e Wïritxi. Pelos relatos dos próprios Awá, esta
troca entre os patrigrupos era feita nas antigas condições de isolamento anteriores a
reserva indígena, apesar das partes procederem estrategicamente de modo cauteloso,
sem pressa, como explicaram, isto é, ameri. No entanto, por uma circunstância
favorável pode-se reunir na aldeia a margem do igarapé Presídio, Pin Awá, o grupo
Txipatxia trazido do igarapé Timbira, na cabeceira do Pindaré, e aqueles grupos que
freqüentavam a margem esquerda desse rio como as nascentes do igarapé Presídio,
entre eles Txiami, Wïritxi, além dos outros que se deslocaram para o posto Tiracambu
alguns quilômetros adiante na área indígena Caru. Nas condições de isolamento, o
índio Takea, contatado no igarapé Mutum em 1989, atualmente residente no Pin Juriti,
disse com a ajuda de um intérprete indígena, que conhecera no babaçual do igarapé
Juriti, o índio Txiami que apareceu por lá juntamente com sua família, vindo da
cabeceira do igarapé Presídio através da Serra do Tiracambu. Acompanhado do seu
irmão Takea propôs-lhe o casamento com uma de suas filhas, Pirauã, como ainda
lembra, porém ele não aceitou a troca. No mesmo babaçual colocaram-se ambas
famílias em margens opostas do igarapé. Nas condições da entrevista ele ficou
sabendo que a filha de Txiami casara-se depois, porém já era falecida.
A prática do casamento avuncular e com a prima cruzada patrilateral, segundo
alguns casos observados, deixa de ser seguida nas condições em que se encontram
ameaçados e pressionados em seus harakwas (territórios de caça-coleta). O irmão de
Karapiru, Tacapen, contatado alguns anos atrás na região de Amarantes, Maranhão,
membro de um dos grupos Awá mais pressionados, atualmente residente no Pin Juriti,
num haipa afastado do aldeamento na confluência do igarapé Água Preta e o Caru,
estava casado com a filha de um dos seus irmãos, já antes do contato, com quem tem
265
três filhos pequenos. Ao invés de constituir uma exceção, verificamos outros casos
como o de Kamará, último contatado no igarapé Seco, área indígena Awá. Ele
precisou deixar uma filha para trás casada com seu irmão, que não acompanhou o
grupo no resgate. No Pin Guajá, Tiramucum, o filho de Karapiru encontrado na Bahia,
declarou que praticamente todos os irmãos do seu pai trocaram entre si as filhas,
segundo uma regra não condizente com o casamento da sobrinha ou prima cruzada
patrilateral, o que leva a um fechamento do próprio grupo e parece ser muito mais o
efeito de pressões externas do que alguma regra nova desconhecida pelos estudos de
parentesco. Agravada pela “queda demográfica”, com a intrusão e redução de seus
territórios de caça-coleta (harakwas) pode-se aplicar sobre os Awá as observações
antropológicas referentes aos índios Guayaki, tupi-guaranis nômades como eles, que
vivem na fronteira entre o Brasil e Paraguai, em que
as regras de casamento parecem sobretudo negativas, pois um homem pode esposar não
importa qual mulher, salvo aquelas que caem sob as proibições maiores (mãe, irmã, filha),
(sendo que) os grupos conhecem por sua vez a poliandria e poliginia (CLASTRES 1964, p.
123).
Apesar de comentarem conosco sobre essas formas de troca a partir dos
questionamentos que fazíamos, parece que essa situação é vivida com certa restrição
entre eles, admissìvel apenas como uma solução extrema, pelo “segredo” que
revelaram envolver alguns relacionamentos – “namoros” com explicaram – entre
casais com este grau de parentesco. Deste modo, essa regra negativa de casamento é
quase sempre adotada nas condições em que o próprio grupo encontra-se ameaçado
em sua reprodução – quando pressionados não conseguem parar e fazer o resguardo do
parto durante pelo menos sete dias após o nascimento – e fica praticamente impedido
de encontrar-se com outros na interseção dos seus harakwas (territórios de caçacoleta) para proceder as trocas matrimoniais, segundo o sentimento coletivo de que
prescrições socialmente mais reconhecidas sobre a divisão do círculo de parentes
consangüíneos e afins precisaram ser contextualmente transgredidas.
Os Awá, através da solidariedade do grupo de irmãos, organizam-se em um
sistema social segmentar, sem instituições centralizadas, que se reproduzem em uma
área ecologicamente homogênea da pré-amazônia brasileira. Os processos que
ocorreram ao longo do tempo sustentaram o padrão de nomadismo que encontramos
ainda hoje, através da ocupação dos contrafortes das serras do Tiracambu e da
Desordem e, principalmente, das cabebeiras dos rios Gurupi, Pindaré, Turiaçu com
seus afluentes e inúmeros igarapés. O grupo de irmãos parte para caçar junto com suas
266
famílias e se deslocam pelo território de caça-coleta que reconhecem pelos marcos
assinalados como determinada árvore, cursos de rio e suas ramificações, até sinais de
galhos quebrados na mata. Os deslocamentos são necessários para perseguir a caça,
sua alimentação é constituída por carne de caça, pelo mel silvestre e a farinha de
babaçu. Os grupos contatados substituíram a farinha do babaçu pela mandioca, mas
misturam-lhe as amêndoas do babaçu. No caso dos Awá, o nomadismo não representa
a busca ilimitada de florestas virgens atrás da caça. A cobertura vegetal necessária à
reprodução das espécies animais não prescinde da existência dos babaçuais ou as
chamadas “capoeiras velhas” que resultam das atividades de horticultores indígenas,
como os Urubus-Kaapor e Guajajara que compartilham com eles o território da antiga
Floresta Nacional do Gurupi e participam desse conjunto interconectado de grupos
étnicos e territórios tribais característicos do chamado indigenato. Os limites do
território Awá não se distanciaram muito do início da região montanhosa e o padrão de
reclusão em ambiente inóspito no mais profundo das florestas, cabeceiras de rios, com
o deslocamento constante dos segmentos de grupos resultam em um fluxo organizado
ao longo de uma fronteira étnica e geográfica relativamente estável. O movimento
desses grupos no uso de rotas e áreas de caça-coleta resulta na formação de uma rede
pela qual circulam as informações e as trocas. Tanto que um grupo tinha conhecimento
dos outros, muitas vezes de maneira indireta, através de quatro grandes eixos de fluxo
organizado, tendo como referência a região da serra da Desordem: ao norte da serra,
no sentido do igarapé Gurupiuna; ao leste, para o rio Turiaçu e seus formadores, rio do
Peixe, rio do Sangue e rio Turizinho, igarapé da Fome até o rio Caru; ao sul com o
Pindaré e seus formadores, igarapés Presídio, Bandeira, Traíra, rio Caru, igarapés
Juriti, do Furo, Aprígio e Mutum e os contrafortes da serra do Tiracambu; ao oeste
com formadores do Gurupi, igarapés do Milho, Guariba, Maronata, Mão de Onça e
Aparitiua.
A partir dos dados etnográficos, verificamos que um grupo tinha conhecimento
do outro, através da formação de uma rede social. A índia Merakedja, que vivia na
fronteira norte da área indígena Awá delimitada pela Portaria Ministerial, residente no
Pin Awá, área indígena Caru, e Tamaikaman que vive no Pin Guajá, área indígena
Alto-Turiaçu, em entrevistas separadas sem que tomassem conhecimento um do outro,
reconheceram-se como hari, termo de parentesco geralmente usado para designar
laços familiares muito próximos como entre irmãos e primos. Ambos consideraram em
seus depoimentos que fizeram parte do mesmo grupo Awá que tinha o seu harakwa
267
nas cabeceiras do Turi (rio Turiaçu). Anos depois Tamaikamã tornou-se a referência
masculina desse grupo, contatado adiante no cocal às margens do Turiaçu. Merakedja
havia se separado e perdido todo contato com ele a partir de um ataque a tiros de
caçadores, no qual perdeu seu marido e filhos homens, em que fugiu na direção sul do
rio Caru. Desde então eles nunca mais se viram e só tomaram conhecimento um do
outro sobre estarem vivos a partir de uma viagem da FUNAI da área Caru ao alto
Turiaçu em meados dos anos oitenta, acompanhada pelo índio Txipatxia, seu marido,
do grupo contatado no igarapé Timbira, margem direta do Pindaré. Quando
perguntamos a Merakedja sobre os grupos que tivera conhecimento anterior ao contato
no igarapé Timbira, referiu-se explicitamente a Mirim-Mirim, com quem teria
permanecido um tempo em seu deslocamento compulsório pela fronteira norte-sul
antes de juntar-se ao grupo Txipatxia, seu marido, e sabia igualmente de Txiami com
quem compartilham atualmente a aldeia do Pin Awá.
A identificação dos nomes de família como nomes de habitat e o estoque de
topônimos que indicam as cabeceiras de rios e igarapés usados como áreas e rotas de
caça-coleta contrasta com a ausência de uma gramática nativa do parentesco, com a
construção de códices genealógicos para se referir a uma seqüência linear do tempo.
Só os mais velhos conseguem remontar no máximo a duas gerações anteriores e a
reticência que observamos em falar os nomes dos seus antepassados pode estar
relacionada à experiência extrema de separações e mortes provocadas pela situação de
contato e expulsão do seu território. Outra forma prevalente de nominação é individual
e relaciona o recém-nascido às espécies naturais através do estabelecimento de
semelhanças que preside a escolha do nome próprio, acompanhado geralmente de um
sufixo que indica se tratar de uma pessoa – como o menino felino Wontxia. Esta
espécie de vínculo e dupla referência entre espécie humana e natural relacionadas pela
atribuição dos nomes próprios às crianças Awá estabelece um isomorfismo e contraste
característico dos sistemas totêmicos.
3. Nomes de Família, Habitats e Topônimos
No trabalho de campo pericial, na primeira viagem ao Pin Awá, ao
perguntarmos sobre os nomes das famílias residentes no posto indígena, os Awá
entrevistados respondiam designando o nome dos territórios de caça-coleta por eles
utilizados – os harakwas. Deste modo, os nomes de família eram identificados como
268
nomes de habitats, alguns antigos que precisaram abandonar pela pressão das frentes
de expansão, outros constituíam novas áreas utilizadas para as atividades de
subsistência em condições de reserva indìgena. Sobre essa “designação das unidades
de parentesco por topônimos correspondentes a locais de residência” (BENSA, 1998,
p. 56) constitui uma prática recorrente no caso de outros povos tribais como os Kanak
da Nova Caledônia (BENSA, 1998, p. 56).
O levantamento do estoque de topônimos por meio dos quais os Awá, nos
diversos postos indígenas, designam os lugares de caça-coleta, inclusive aqueles em
que viviam anteriormente às condições de reserva indígena, permite decifrar a
combinação que fazem entre as localidades atuais e os habitats que deixaram
desocupados para trás. A própria organização social dos Awá passa igualmente por
esse sistema de nomes pelos quais os grupos relacionados aos seus lugares são por eles
designados como harakwas.
Apesar dos povos amazônicos serem a princípio considerados a-históricos, o
interesse dos Awá pela história pessoal e do seu grupo encontra-se diretamente
relacionado à passagem de uma forma de vida indígena isolada ao envolvimento maior
com as frentes de expansão econômica e o Estado nacional. Neste caso, o passado
concebido como modelo atemporal que se expressa no mito de Maíra sobre a criação
do mundo, comum em sua versão a cosmologia dos seus vizinhos Urubu-Kaapor
(RIBEIRO, 1996, p. 444-447), é igualmente relacionado a um tempo histórico
marcado pelos eventos do contato interétnico. O modo próprio de organizar e exprimir
sua historicidade é relacionado ao estoque de topônimos atribuídos aos seus harakwas,
ao remontar a cadeia de lugares onde residiram eles próprios e seus antepassados. Nos
postos indígenas Awá, Tiracambu, Guajá e Juriti, que reúnem os grupos Awá
contatados, os harakwas são relacionados ao lugar de origem e a ocupação de
diferentes habitats podem remeter a um contexto espacial muito mais extenso. O
grupo Txipatxia, por exemplo, pertence ao harakwa pikwera, quer dizer “antigo”, que
foram forçados a abandonar na margem direita do rio Pindaré e hoje encontram-se em
outro harakwa amoa, isto é “recente”, a partir da tranferência do grupo para a área
indígena Caru. O grupo Txiamim é do harakwa tea, que tem uma continuidade no
tempo e é compartilhado hoje com outros harakwas formados nas cabeceiras dos
igarapés Presídio, Bandeira, Traíra e na direção da serra do Tiracambu. Txiami, porém
diz que não pode mais ir ao Gurupiuna atravessando a serra do Tiracambu como
costumava fazer quando rapaz. No Pin Guajá os grupos Tamaikamã e Txipomuhutxia,
269
este último sempre mais isolado até que passou a viver no posto indígena, citam o
território que foram obrigados a abandonar nos formadores do Turiaçu, rio do Peixe,
do Sangue e o Turizinho, igarapé da Fome até o Caru, hoje invadido por roças,
fazendas e picadas como eles próprios disseram, que impedem seus deslocamentos
para esses antigos harakwas, que abrigavam ainda outros grupos dessa região do Alto
Turiaçu.
Embora os grupos Awá possam querer evitar o acesso de outros as áreas que
costumam usar, normalmente se misturam e não tem prerrogativa definida,
independente e irrestrita sobre os territórios dos harakwa. O acesso aos territórios de
caça-coleta ocorre automaticamente desde que se exerça esse tipo de atividade de
subsistência, redundando em ser Awá. Este tipo de adequação ao ambiente natural,
quando não se colocam limites a sua viabilidade ecológica, através dos
desmatamentos, redunda igualmente num certo estilo de vida e no conjunto de
características subsumidas na denominação étnica Awá. O desempenho adequado dos
papéis necessários para realizar essa identidade requer tais recursos, o que tem sido de
certo modo ameaçado pelas intrusões na área indígena Awá delimitada pela Portaria
Ministerial, situação que igualmente obriga os grupos das reservas indígenas Caru e
Alto Turiaçu a um confinamento progressivo e forçado, o que no caso do Pin Guajá no
Alto Turiaçu tem levado a uma aproximação do contato com os Urubus-Kaapor, vista
com restrições pelos mais velhos que tiveram a experiência de conflitos com mortes e
raptos de suas mulheres. A alteração imediatamente percebida na variação da
pronúncia, isto é, do acento como sinal diacrítico indicativo do falar Awá, conforme o
comentário de um informante nativo, pode implicar em outras mudanças, inclusive na
redução da diversidade étnica e cultural característica dos grupos tribais do Alto
Turiaçu, que mantinham uma complementariedade – sedentarização dos Kaapor e
nomadismo dos Awá - mas também uma autonomia expressa através do próprio
conflito.
As atividades de caça realizadas por um grupo em seu harakwa não significam
que percorram em conjunto todo esse território. Os trechos de floresta do harakwa
(meu território) ou do hakwa, usado na 3ª pessoa do indefinido para se referir ao
território de outrem, são utilizados pelas diferentes unidades familiares do grupo em
seus deslocamentos, no que resulta em nova subdivisão das áreas por eles chamada de
haka’a, isto é, “meu mato”, segundo tradução literal que fizeram. As caçadas
obedecem ao ciclo próprio de reprodução dos animais, como macacos, paca, anta,
270
veados, porcão (tiahu) etc. Quando abatem uma fêmea com filhotes, recolhem-nos e
entregam a uma das mulheres do grupo, que pode assumir o papel de provedora. Ela
passa a cuidar do filhote e o tipo de laço criado na domesticação dos animais tem se
manifestado como afetivamente forte. Quando crescem e entram na fase reprodutiva,
os animais são levados para as áreas distantes dos seus harakwas para evitar que
matem e se alimentem dessa criação. Pela combinação das esferas de caça e
domesticação de animais silvestres, os Awá integram-se como elemento humano nesse
ecossistema da pré-amazônia maranhense.
O aldeamento nos postos indígenas e a reunião de uma população muito maior
do que os grupos isolados que mantêm em média vinte a trinta pessoas, quando não
estão pressionados, só é viável através da agricultura, principalmente o plantio da
mandioca e fabrico da farinha, que garante a concentração recorde de uma população
de cento e seis pessoas no Pin Awá, área indígena Caru. O modo atual de viverem
concentrados no aldeamento do posto indígena, onde constróem seus haipa, isto é suas
habitações, tem sido associado por eles a uma colmeia de abelhas de que são
especialistas em retirar o mel. Esta acumulação de pessoas e de uma série de
habitações num mesmo local, após o contato interétnico, chamam de hairohú pela
semelhança que estabelecem com as abelhas – haira. Sobre a área agricultável e a
produção de farinha encontram-se diretamente relacionadas ao número de pessoas e ao
tempo de permanência na mata programado para as atividades de caça-coleta, que
pode durar alguns meses. A alternância entre sedentarização e nomadismo encontra-se
relacionada a sazonalidade agrícola e os períodos mais afeitos às atividades de caçacoleta de determinada espécie animal ou vegetal. De acordo com um servidor da
FUNAI: “passam às vezes seis meses vivendo do modo como sempre fizeram, quando
voltam a vida nômade deles na mata”.
O movimento contínuo dos grupos em seus harakwas e o entrecruzamento das
rotas na área montanhosa pode ser pensado em termos de fluxos produzidos no espaço
em várias direções, a imagem e semelhança dos seus rios caudalosos, mas também de
estreitos riachos e igarapés, tanto correntezas isoladas como confluências. Este fluxo
de grupos Awá em movimento, como também de significados culturais
compartilhados, foi cortado por descontinuidades e obstáculos produzidos fora das
comunidades indígenas que partilhavam o território da antiga Reserva Florestal do
Gurupi.
271
As separações forçadas, a perda de antigos harakwas e as pressões constantes
ao longo das fronteiras do território Awá, com a imobilização de antigos fluxos e a
impossibilidade para os grupos contatados, principalmente os que ficaram no Alto
Turiaçu e se encontram em condições de maior confinamento, de atravessar as
cabeceiras de rios e cadeias montanhosas como faziam anteriormente, teve
consequências dramáticas que se revelam através das experiências e trajetórias de vida
de homens e mulheres desse povo indígena.
A forma essencialmente dramática dos relatos, ouvidos no trabalho de campo
pericial sobre separações e mortes no passado de suas vidas, representa pelo que
pudemos verificar sequências de eventos que acarretam mudanças ao longo do tempo
nas formas de organização do espaço antes ocupado e suas interações baseadas em
laços de consanguinidade e alianças pelo casamento. Sobre as separações forçadas,
como verificamos através dos relatos, os sobreviventes em fuga não perdem sua
identidade étnica e são acolhidos em outro grupo Awá, onde obtêm proteção e se
incorporam, como no caso da índia Merakedja, atualmente no Pin Awá, área indígena
Caru. Outros sobreviventes encontrados em povoados camponeses foram entregues à
FUNAI e reincorporados aos grupos contatados nas reservas indígenas, como Geï
Guajá que ainda criança viveu na reserva do Alto Turiaçu e atua como intérprete nos
quadros do órgão indigenista. Os relatos feitos por diferentes informantes nativos em
ocasiões diversas e os comentários de outros participantes nos postos indígenas Guajá,
Awá, Tiracambu e Juriti, permitem evidenciar, pelas operações comparativas
envolvidas, as formas de pertencimento cruzado e interconexões entre grupos ao longo
de uma fronteira étnica e territorial, em que se viram dispersos pelos ataques de
caçadores e invasores dessa área de antiga Reserva Florestal.
A dimensão trágica desses acontecimentos vividos pode ser expressa no
depoimento de Merakedja, que perdeu pai, esposo e filhos, obrigada ainda a separar-se
do seu grupo de origem no Alto Turiaçu, em fuga solitária na direção da fronteira sul
da área indígena Awá. Na entrevista, perguntada sobre seus pais, avós e filhos, com
ajuda do seu neto Yrakatakoa como intérprete e a presença do atual marido, filhos e
outros índios do Pin Awá, Merakedja com idade calculada superior a setenta anos,
recordou-se ter nascido na cabeceira do Turi (rio Turiaçu). Quando nova, porém já
casada, disse ter sido forçada a caminhar na direção sul do rio Caru, para livrar-se dos
tiros de caçador “branco” que atacou o grupo e os perseguiu na debandada. Cada um
correu para um lado e “na mata não tem lugar de chamar”, como observou, então
272
espalharam-se e ela na separação seguiu uma rota que já conhecia, por eles usada na
direção do rio Turizinho até o igarapé Juriti. Adiante, sozinha com seu macaco, como
ainda lembra – até hoje Merakedja dedica-se ao xerimbabo desses animais – ela viu
um tarutu, isto é, um rapazinho, identificado como Txipatxia que veio a ser anos
depois seu marido. Antes desse último casamento e já depois da fuga, Merakedja teve
seus filhos homens, Tataikamaha, Tiboha, e uma filha mulher, Maracanã, que se
encontram com ela no Pin Awá, todos do grupo Txipatxia resgatados no igarapé
Timbira, margem direita do Pindaré.
Os fatos relativos à sua vida, posterior a separação dos parentes no Alto
Turiaçu, que envolvia os familiares presentes, não foram quase tocados. O assunto
principal do seu relato foi o tempo da juventude, o período em que viveu com seu pai e
o primeiro marido, imena Yaputxia, e de situações mais dolorosas mencionadas de
passagem como a morte de um filho em conflito com os ìndios Kaapor. O “branco
atirou faz tempo, muito tempo – kurï, kurï – quando vivia no mato e não era conhecida
de karaï”, isto é, “branco”, referindo-se a um período anterior ao contato com o
pessoal da FUNAI. Textualmente disse ainda: “conheço toda cabeceira do Turi, eu sou
a mais velha, conheço a área toda”. Sobre esse tempo dois nomes foram ainda
lembrados, o de Tamaikamã e Tapanihum, que se encontram no Pin Guajá e faziam
parte do mesmo grupo de Merakeja. Segundo os termos do próprio relato, na corrida
ela já conhecia a mata e aos poucos foi se reencontrado com outros índios na descida.
Fez menção, neste caso, ao pai de Mirim-Mirim e a ele próprio que conhecera ainda
menino. O grupo Mirim-Mirim, como anteriormente citado, só foi atraído para as
condições de aldeamento em posto indígena no ano de 1996, posteriormente a sua
morte. Neste tempo, como disse, “eu não tinha mais pai”, porém na fuga e perdida
após a separação, ela se dirigiu para o Iutiura, nome atribuído pelos Awá à cabeceira
do igarapé Juriti, na área indígena delimitada pela Portaria Ministerial. Recorda-se que
o pai dela andava por ali em seu harakwa até um iuropen, isto é, um braço do rio
Caru. “Essa é minha história”, disse Merakedja no término da sua entrevista realizada
no Pin Awá, área indígena Caru.
Nas histórias de famílias e grupos Awá projetadas por informantes vivos, o
testemunho de Tamaikamã do grupo contatado no Alto Turiaçu, apresenta vários
elementos que convalidam as declarações de Merakedja, sem que um tivesse
conhecimento sobre o relato do outro. Antes do contato, o harakwa de Tamaikamã
ficava na cabeceira do Turi (rio Turiaçu) e rios do Sangue e Turizinho. Sobre
273
Merakedja disse que nos tiros se dividiram e ela correu na direção do rio Caru.
Tipomonhumtxia, outro índio dos primeiros contatos na região do Alto Turiaçu, disse
que era filho de um irmão de Merakedja. Reafirmaram que a separação foi por causa
do “branco que entrou”. Além das “roças”e das “picadas”, outro ìndio Takedja disse
ainda que o “branco entrou com moto-serra e todo mundo correu para o mato porque
queriam nos matar”. O pai e o irmão dele o “branco matou”.
Tamaikamã pergunta sempre aos filhos se pode visitar parentes que ficaram do
outro lado da reserva Alto Turiaçu. A separação, segundo ele próprio e as explicações
de Macahi e Yapó, ambos seus sobrinhos, deu-se por conta dos brancos, porque “o
karaï entrou fazendo picadas”. Nessa época - kuri, kuri – “os fazendeiros matavam os
índios e a picada espalhou os grupos – ohyri - e atravessou o harakwa”. A mãe de
Macahi, Amanparanohum, do segundo contato no cocal do Alto Turiaçu, depois do
grupo Tamaikamã, onde estava com o marido falecido em 1979 pelo envenamento
com farinha na cabeceira do rio do Sangue, lembrava-se que andava com seu pai das
nascentes do Turiaçu ao Caru, quando tinha a idade de uma menina, e apontou como
exemplo para uma jovem índia sentada próximo a ela durante a entrevista, com idade
aproximada de doze anos, portanto, no final dos anos cinqüenta e início dos sessenta,
ela fazia esse percurso quando criança. Tamaikamã disse também que conhecera a
Serra da Desordem, mas nunca mais foi lá, e citou o nome de alguns igarapés, como
itamikwaha, mas “faz tempo que não vou lá”. Disse ainda que Merakedja nasceu
“aqui, na ponta do Turi”, e os irmãos dela foram mortos. Esta entrevista foi encerrada
com eles dizendo que atualmente o território de caça-coleta, o hakwa é do Karaï e um
antigo cocal que eles iam, “acabou, não tem mais”.
Pelos relatos pode-se observar o encadeamento de várias “separações” e
“ataques” vividos como um só evento que faz a passagem do tempo da “mata”, como
disse Merakedja em seu relato, quando “não eram ainda conhecidos por Karaï”, ao
tempo posterior ao contato, da vida atual nos aldeamentos dos postos indígenas. A
dimensão trágica desses acontecimentos vividos pode ser expressa na entrevista de
Tamaikamã, um índio já idoso que encabeça o patrigrupo do Pin Guajá, no Alto
Turiaçu, sobre a separação de Merakedja e da saudade – txiakuritã – que sente ainda
hoje.
Esta situação singularizada no tempo e no espaço vivido por Merakedja,
Tamikamã, e os grupos dos primeiros contatos no Pin Guajá, pode ser ainda
comparada a outros relatos. Sobre separações mais recentes, temos a do índio Kamará,
274
atualmente vivendo no Pin Juriti, contatado em 1998 no igarapé Seco, entre o Mão de
Onça e Aparitiua, obrigado pelas circunstâncias a deixar para trás um irmão e uma
filha casados entre si, estando ela grávida, sem saber do paradeiro de ambos na outra
extrema a oeste da área Awá. Na visita ao posto indígena Juriti, tivemos também uma
informação sobre encontro, ao invés de separação, no cocal do igarapé Juriti entre o
índio Takea e Txiami, que negou-se a ceder-lhe a filha em casamento. Takea foi
contatado no igarapé Mutum, em 1989, e este fato calculado em mais de vinte anos
atrás dificilmente pode se repetir na situação presente, levando em conta o grau de
intrusão da área e a dificuldade de deslocamento de Txiami do seu harakwa, na
cabeceira do igarapé Presídio até o cocal do Juriti, com o confinamento progressivo
dos Awá excluídos do fluxo e da rede de comunicação que mantinham em várias
direções entre as reservas indígenas Caru, Alto Turiaçu e a atual Reserva Biológica do
Gurupi. No Pin Awá, ouvimos o índio Yrakatacoa citar um haka’a (meu mato) que
costumava caçar, abandonado pelas ameaças e riscos que importava freqüentar essa
área.
Outro caso dramático, que se soma à série de incidentes ocorridos na região do
Alto Turiaçu, ao norte da área indígena Awá, foi contado por Geï Guajá no posto
indígena Tiracambu. Ele foi encontrado na casa de um posseiro às margens do rio
Caru, próximo ao povoado de Conceição do Caru, em 1972. Pelos cálculos tinha cerca
de sete anos e estava na companhia de Tonha, outro índio de quinze anos, segundo
relatórios da FUNAI, que veio a falecer algum tempo depois no Pin Guajá, área
indígena Alto Turiaçu. De acordo com seu relato, o pai chamava-se Yaputxia e tinha
caminhado com a família na direção do Turizinho, lembra-se que para pesca da arraia.
Lá ficaram impossibilitados de voltar para a cabeceira do Turi (rio Turiaçu), o pai e a
mãe com um recém-nascido, ficaram doentes e vieram a falecer. O menino mais velho,
Tonha, tinha sido encarregado de providenciar a sobrevivência da família, cinco
crianças na companhia dos pais. Contudo, passaram-se dias e ele não voltava, até que
ambos gripados e sem forças amanheceram mortos. Geï, emocionado, lembra-se de
detalhes, pois vira ela morta na rede com o bebê ao lado e ele deitado no chão. Um
morrera antes, de noitinha, mas quando amanheceu todos dois estavam mortos.
Botaram palha por cima e “a gente deixou eles ali e seguimos sem nada. Aì, nós
saìmos. Tonha já tinha sumido, nem viu morrer”. As crianças, ao abandonar o haipa,
foram em direção à casa de um posseiro. De longe, disse que ficaram vendo o
movimento, até serem avistados e chamados para o interior da casa. Lá estava Tonha,
275
segundo Geï, deitado na rede. Foram alimentados com uma tigela de arroz e disse que
decidiram os meninos, na companhia de Tonha, deixar a irmã mais nova, muito
pequena, na casa do karai. Depois disso, Geï só lembra que sozinho resolveu sair da
mata e voltar para o povoado, de onde foi levado para a casa do índio em São Luís e
de lá para o Pin Guajá, no Alto Turiaçu, junto ao grupo do qual fazia parte Yaputxia,
seu pai, como confirmado pelos relatos que ouvimos nesse posto indígena.
Os três casos apresentados – Merakedja, Tamaikamã e Geï Guajá - foram
escolhidos pelo seu caráter representativo. A trajetória de cada nativo por trás de sua
especificidade permite expor concretamente as questões que a perícia antropológica
esforça-se por resolver, ao revelar os elementos constitutivos da ocupação de um
território tradicional pelos Awá. Os fluxos entrecruzados e os limites impostos
encontram-se graficamente expressos em mapa, realizado com ajuda do técnico em
agrimensura, assistente do outro perito, a partir das informações etnográficas obtidas
no trabalho de campo pericial.
A validação deste modelo graficamente representado está na possibilidade
efetiva de reconstituir as cadeias causais que levaram a fragmentação, dispersão e
perda de antigos harakwa, como partes constitutivas do território Awá de ocupação
tradicional, tal como descrito e proposto na Portaria Ministerial em questão. O
fechamento da fronteira norte-sul que impede antigas trocas e o fluxo em direção ao
norte é consistente e consideravelmente antigo.
O internamento na floresta para as caçadas em noites de lua cheia é precedido
do ritual da Karuara, que acreditam favorecer espiritualmente o grupo contra
malefìcios de toda ordem, como doença, acidente, falta de sorte ou ficar “panema”.
Sobre o ritual obtivemos as informações através de perguntas e nas conversas que
ouvimos, pois não conseguimos assisti-lo, visitando o Pin Tiracambu um dia depois de
terem-no ali realizado. Ainda vimos a tacaia que construíram no terreiro da aldeia,
uma casa de palha toda fechada onde os homens entram para a “viagem ao céu” e
voltam incorporados aos espíritos dos antepassados mortos, como explicaram. Na
dança ritual entram em “contato com os parentes falecidos que acreditam viver no
céu” – o iwapi dos Awá. As mulheres fazem um círculo e ajudam a invocar os
espíritos que através dos homens realizam consultas com fins de cura e propiciação de
potências sobrenaturais. Fora do ritual, procedem a cura dos enfermos através do sopro
e sucção, especialidade de todos os homens adultos Awá. Para a dança da Karuara
enfeitam-se com penas de tucano coladas ao corpo e de urubu-rei nas pernas para
276
propiciar a “viagem ao céu”. No Pin Tiracambu mostraram-nos uma cabaça onde
guardam a plumagem branca do ritual, outra com um estilete, onde fica a cola e mais
outra com penas coloridas de tucano. A plumagem branca, macia como algodão, é da
mesma cor que os Awá representam o paraíso no céu.
4. Genocídio Doméstico?52
Diante de uma situação de ameaças e ataques os Awá residentes no posto Juriti
resistem às invasões e constrangimentos extralegais. No trabalho de campo realizado
em dezembro de 2005, segundo depoimento dos próprios Awá do Pin Juriti e
servidores da FUNAI, no harakwa da Água Preta, existe uma invasão de quinhentas
pessoas, representadas por José Otávio, gerente dos interesses latifundiários dos
Galetti, residentes no município de Imperatriz, que tem delimitado e vendido lotes
dentro da área indígena Awá. Há muitos roçados nessa área, sendo que os conflitos
agravaram-se após a demarcação da área, em 2002, pela FUNAI, que aguarda uma
decisão judicial para desintrusão da reserva indígena. Além de ameaçarem índios e
servidores do órgão indigenista, divulgam em reuniões políticas de uma cooperativa de
distribuição de terra formada em São João do Caru, que o objetivo deles é reduzir a
área demarcada pela FUNAI ao igarapé do Água Preta, distante apenas 7,5 km do
posto indígena.
Sobre a ameaça atual de redução drástica desse território de caça e coleta,
pode-se considerar que o fechamento da fronteira norte-sul da área Awá, que impede a
reprodução dos fluxos territoriais e as interconexões entre os diferentes segmentos
desse grupo indígena ao longo de uma fronteira étnica e territorial, pode repercutir no
fracasso de manter sua identidade e na alternativa sempre aberta de assimilação. Tal
fracasso em garantir a adequada proteção para o povo Awá prover sua subsistência
através de seus tradicionais meios de caça e coleta, pode igualmente representar uma
transformação radical da cultura Awá e da relevância organizacional que ela assume
para um dos últimos povos coletores-caçadores das terras baixas da América do Sul.
52
Na definição do genocídio doméstico têm sido considerados os atos cometidos com a intenção de
destruir, no todo ou em parte, grupos étnicos, raciais ou religiosos, incluindo formas de genocídio
cultural. Nos tipos de genocídio doméstico se encontra aquele praticado contra povos indígenas. Esta é
uma forma contemporânea dos massacres do período colonial, atualmente perpetrada contra pequenos
grupos de caçadores e coletores ameaçados de extinção, vítimas de uma economia de desenvolvimento
predatório (KUPER 1982, p. 216).
277
5. Alternativa À Extinção
Deste modo, a demarcação da área indígena Awá segundo os limites da
Portaria Ministerial nº 373 de 27.07.92 e a garantia de uma fronteira étnica e
geográfica relativamente estável pode resultar em um movimento desses grupos
através da fronteira norte-sul que leve a reconstituição de antigas trocas, inclusive
matrimoniais entre aqueles que se encontram nos quatro postos indígenas citados e
deles com os ainda isolados nos contrafortes das serras da Desordem e Tiracambu.
Segundo recomendação do antropólogo Ballé (1994) sobre povos caçadorescoletores como os Awá:
este estilo de vida não poderia continuar sem a continuação das áreas de cocais,
como os babaçuais, isto é, sem a proteção das mesmas. Tal política seria
altamente coerente com os esforços contra a extinção de espécies vegetais
também, pois várias espécies que ocorrem nas capoeiras velhas são exclusivas
a este tipo de floresta, e são raras. (BALLÉ, 1994).
Além disso, o re-matamento de algumas dessas áreas em que ocorre intrusão na
reserva indígena Awá pode assegurar a preservação de várias espécies animais, como
os macacos, utilizados como caça e animal domesticado morando com as famílias em
seus haipa (habitação). Assim, “a preservação das reservas indìgenas (igualmente)
provêm um refúgio para as espécies” (CORMIER, 2003, p.38), tanto vegetais, como
animais, e na reprodução de um padrão de nomadismo que implica no próprio uso e
destinação sustentável dos recursos ambientais considerados necessários ao seu bem
estar e à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições como conceitua a Constituição Federal do Brasil sobre as terras tradicionalmente
ocupadas pelos índios.
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279
8.3.12 Mesa Redonda: Marcos legais, poder judiciário e instituições
jurisdicionais
Ementa:Discussão sobre as recentes mudanças e os ataques sofridos pelas legislações
ambiental e territorial, bem como, a atuação de instituições jurídicas em questões
ambientais, agrárias e territoriais.
Participantes da mesa:
Rodrigo Santos (UFF - Brasil)
Jorge Moreno (Tribunal Popular do Judiciário - Brasil)
Maria de Lourdes Souza (MMC - Brasil)
Coordenação: Eduardo Correa (RENAP - Brasil)
Relatoria:
Relatoras: Stela Gomes e Graziela Nunes
Data: 06/05/14
Horário: 15h
Local: Sala 1, Centro de Convenções
2 – CONTEÚDO DA EXPOSIÇÃO
- Trajetória, limites, desafios e perspectivas relativas ao Código da Mineração;
- Judiciário e lutas sociais. A instrumentalidade das estruturas legislativas ao controle
do capital;
- Contradições dos processos de luta frente ao Estado e contra o capital, com avanços
no âmbito Legislativo e derrotas históricas no âmbito do Judiciário, enquanto face
conservadora e elitista do Estado, sem transformações estruturais desde o século XIX;
- Tendência de judicialização das lutas sociais e sua federalização, escamoteando o
caráter político e conservador dessa prática aparentemente técnico-judicial;
- A proteção das mineradoras e a desproteção das comunidades pela legislação
existente;
- Medidas compensatórias acionadas no âmbito dos projetos de desenvolvimento
capitalista e com intuito desmobilizador frente aos processos de resistência;
280
- Criminalização de militantes em processos de resistência aos projetos capitalistas;
- O papel do judiciário na inviabilização da reforma agrária.
3 QUESTÕES
- Indagou-se sobre a ação judicial que questiona a privatização da Vale do Rio Doce.
Foi respondido que há várias ações, que foram unificadas, sem nenhuma decisão até o
momento.
- Qual a previsão quanto à atribuição e ao funcionamento da Agência Nacional de
Mineração de acordo com o Projeto do Código da Mineração? Está previsto seu
funcionamento de maneira semelhante às demais agências reguladoras hoje em
funcionamento, ou seja, terá uma perspectiva liberal em relação às corporações. Neste
sentido, sua composição também deverá ter uma participação mínima de organizações
populares.
- Qual a perspectiva de aprovação do Código da Mineração? O relator tentará aprovar
ainda em 2014, mas há um processo de mobilização que visa adiar a aprovação e
promover um amplo debate popular.
- Há perspectivas de mudança do judiciário com o ingresso de novas gerações de
magistrados? Muitos compartilham de ideologias conservadoras, defendem o
latifúndio, têm uma visão etnocêntrica... As mudanças no Judiciário precisam ser
estruturais, devem superar os princípios elitistas baseados na segurança, ordem e
propriedade.
4 POLÊMICAS
- A utilização do termo “neo-extrativismo progressista” por parte do expositor Rodrigo
Santos. Questionou-se a adoção do termo “progressista”, considerando que se trata de
uma ação conservadora. O Expositor explicou que se trata de uma abordagem irônica,
visto que se refere à adoção de práticas extrativistas tradicionais por governos tidos
como progressistas;
- Questionou-se o peso da atividade mineradora na economia nacional, considerando o
índice de 4,3% do PIB. O expositor Rodrigo Santos enfatizou que esse padrão é alto,
exemplificando que o setor automobilísitico, que é o de maior participação na
economia nacional, alcança 6%. E que o fato de ter triplicado nos últimos 10 anos é
mais assustador do que propriamente seu percentual de incidência no PIB;
281
- Debateu-se em que esfera do Estado reside o maior lócus e conservadorismo, se no
Executivo ou no Judiciário.
5 PROPOSTAS E RECOMENDAÇÕES
- Necessidade de pautar a questão da democratização do Judiciário enquanto bandeira
de luta estratégica, visto que o conservadorismo e o autorismo que o hegemonizam
têm favorecido derrotas em várias frentes de luta como a reforma agrária;
- Pontos de destaque na mobilização dos processos de luta em torno do Código da
Mineração: garantias da consulta prévia das comunidades a serem atingidas, da
participação e controle social, de um planejamento público nacional e participativo
sobre o ritmo de mineração e definições de áreas a serem preservadas da mineração,
de destino sobre minas abandonadas, direitos dos trabalhadores da mineração, de não
mineração em terras indígenas.
- Há uma mobilização em âmbito nacional para que o código não seja votado neste
ano, que é a pretensão da relatoria do projeto na Câmara. Defende-se que a votação
ocorra após um amplo processo de debates a partir de conferências;
- Buscar mobilizar os movimentos da classe trabalhadora da mineração junto aos
processos de resistência ao projeto capitalista de mineração, vista a dinâmica de
fragmentação e desarticulação dos sindicatos;
- Dar publicidade à ação protocolada no Conselho de Ética de Câmara em função da
proibição de estabelecimento de relatorias por deputados que tenham tido suas
campanhas financiadas por setor interessado na matéria, que é a atual situação do
relator do Projeto do Código da Mineração.
8.3.12.1 Neoextrativismo no Brasil? Atualizando a análise da proposta
do novo marco legal da mineração53 - Rodrigo Salles Pereira dos
53
Esse artigo é uma versão ligeiramente modificada de Santos; Milanez. Neoextrativismo no Brasil?
Uma análise da proposta do novo marco legal da mineração. In: Revista Pós Ciências Sociais, v. 10, n.
19, 201. Sua atualização foi motivada pela apresentação do PL Nº 5.807/2013 em junho de 2013 e das
duas versões do Substitutivo Preliminar ao PL Nº 37/2011, em novembro de 2013 e abril de 2014 e se
282
Santos (Universidade Federal Fluminense - UFF); Bruno Milanez
(Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF)
Resumo
O neoextrativismo é definido como um modelo de desenvolvimento focado no
crescimento econômico e baseado na apropriação de recursos naturais, em redes
produtivas pouco diversificadas e na inserção subordinada na nova divisão
internacional do trabalho. O fenômeno vem sendo associado a diferentes tensões,
sejam ligadas ao baixo crescimento econômico de longo prazo, sejam associadas a
impactos sociais e ambientais diversificados. Neste artigo, argumentamos que sinais
de implantação de um modelo neoextrativista podem ser percebidos no Brasil em duas
dimensões: pelo processo de reprimarização da economia brasileira e pela adoção de
certos pressupostos na proposta de novo marco legal da mineração. A partir dessa
análise, defendemos que uma maior democratização do processo de formulação de
políticas e tomada de decisão sobre o uso de recursos minerais no Brasil, que incluísse
as populações impactadas pela indústria extrativa mineral, poderia ser uma estratégia
para neutralizar algumas das tensões criadas pelo modelo neoextrativista de
desenvolvimento.
Palavras-chave
Neoextrativismo, mineração, comércio internacional, estratégia de desenvolvimento.
ABSTRACT
Neo-extractivism is defined as a development model focused on economic growth and
grounded on the appropriation of nature, poorly diversified production networks and
the subordinate position in the new international division of labor. It has been
associated with different strains, be connected to low long-term economic growth, or
associated with varied social and environmental impacts. In this paper we argue that
traces of the establishment of a neo-extractivist model can be observed in Brazil in two
domains: by the process of re-primarization of the Brazilian economy and by the
adoption of certain assumptions in the proposal of a new legal framework for the
mining sector. From this analysis we claim that greater democratization of the process
of policy formulation and decision-making on the use of mineral resources in Brazil,
which included the populations affected by the mining industry, could be a strategy to
offset some of the strains created by the neo-extractivist model of development.
KEYWORDS
Neo-extractivism, mining, international trade, development strategy.
Introdução
concentra na seção 4 do texto. Os autores agradecem especialmente a Julianna Malerba (FASE e
IPPUR/UFRJ) pelo diálogo sobre a temática.
283
Neste artigo, argumentamos que a presença do neoextrativismo pode ser
percebida em duas dimensões no Brasil. Por um lado, ele pode ser associado ao
processo de reprimarização da economia brasileira, medido pelo aumento constante da
participação da indústria extrativa mineral na pauta de exportação e no Produto Interno
Bruto (PIB) do país. Por outro lado, pressupostos neoextrativistas podem ser também
identificados nas propostas de novo marco legal da mineração, elaboradas pelo
Ministério de Minas e Energia (MME) e dos Substitutivos apresentados pela Câmara
dos Deputados.
Essa percepção é motivo de preocupação devido às diversas tensões que a
intensificação desse modelo pode causar. No âmbito econômico, há diferentes autores
que associam economias extrativistas a um menor crescimento de longo prazo. Com
relação às questões sociais e ambientais, muitos são os impactos negativos gerados por
essas atividades, especialmente no âmbito local.
Como forma de discutir e avaliar o grau de influência do paradigma
neoextrativista na economia e política brasileiras, este artigo é organizado em quatro
seções, além dessa introdução. A seção 2 discute o neoextrativismo em seus aspectos
conceituais, buscando apresentar a literatura latinoamericana pertinente ao público
brasileiro. A seção se debruça também sobre seu caráter de tipo institucional híbrido,
vinculando características de paradigmas de desenvolvimento precedentes, de uso
comum na literatura nacional. Nesse âmbito discute seu principal caráter distintivo, o
papel do Estado, a partir de funções tradicionais, como a provisão de financiamento e
infraestrutura e da regulação pública, assim como de sua nova função, como „Estado
compensador‟.
Finalmente,
discute
as
chamadas
„tensões‟
econômicas
e
socioambientais geradas pelo neoextrativismo.
A terceira seção apresenta e discute alguns dos principais sinais de sua
emergência como paradigma no âmbito da economia nacional. Assim, o acoplamento
entre tendências econômicas estruturais, operando ao nível da configuração dos
mercados globais de commodities, e de disposições econômicas e políticas
conjunturais, refletindo estratégias tradicionais de equacionamento das contas públicas
e mitigação da pobreza, vem produzindo, desde o início dos anos 2000, uma situação
de reprimarização da economia brasileira.
A quarta seção discute a proposta do novo marco legal da mineração como
uma expressão da emergência do paradigma neoextrativista e, mais importante, como
mecanismo institucional de sua potencial consolidação. As „soluções‟ relativas à
284
atração e expansão dos investimentos privados, à elevação da produtividade e da
competitividade, e à agregação de valor, de um lado; ao aperfeiçoamento e ampliação
da captura de parcela da renda extrativa, com efeitos acerca do fortalecimento
organizacional do Estado, de outro; assim como relacionadas às dimensões ambiental
e social envolvidas na regulação da indústria extrativa mineral no novo marco, se
subordinam a uma pretensão expansiva da economia nacional ad infinitum e se
encontram, de fato, sob o paradigma neoextrativista. Finalmente, a última seção
apresenta as reflexões conclusivas do trabalho, enfocando a necessidade de
democratização do debate em torno do novo marco e, principalmente, da emergência
do neoextrativismo.
O neoextrativismo
Aspectos gerais
Gudynas (2009; 2012a) define o neoextrativismo como um modelo de
desenvolvimento focado no crescimento econômico e baseado na apropriação de
recursos naturais, em redes produtivas pouco diversificadas e na inserção internacional
subordinada. No modelo proposto pelo autor, o Estado tem um papel ativo, buscando
sua legitimação por meio da apropriação e redistribuição de parte da renda gerada,
apresentando afinidades com a emergência de governos autodefinidos como
progressistas (Gudynas, 2012a, p. 130).
A ideia de neoextrativismo corresponderia a uma reconfiguração do
extrativismo, conceito cunhado para definir um conjunto de estratégias de
desenvolvimento ancoradas em um grupo de setores econômicos que removem um
grande volume de recursos naturais para comercialização após nenhum ou quase
nenhum processamento. O conceito normalmente se refere a atividades desenvolvidas
em enclaves54 e voltadas à exportação. Apesar de o paradigma do extrativismo ser
comumente aplicado à extração de recursos minerais e do petróleo, ele também pode
54
O conceito econômico de enclave remonta à definição proposta por Cardoso e Faleto (1970), acerca
da vigência de “núcleos de atividades primárias controladas de forma direta pelo exterior” (Idem, p. 46),
separados dos demais núcleos de atividades econômicas, compreendidos, por sua vez, como „interiores‟.
A cisão fundamental remete às oposições entre internacional x nacional, moderno x tradicional, dentre
outras. No entanto, as referidas oposições devem ser entendidas a partir de sua complementaridade
funcional, de modo que o enclave, particularmente o de tipo mineiro, que nos interessa em especial,
separa e une, assimétrica e dialeticamente, setores e subsetores econômicos, economias nacionais e
regionais, e, principalmente, populações e territórios. O enclave diz respeito a espaços econômicos,
políticos e sociais antitéticos, localizando-se em um deles, mas referindo-se ao outro – e pertencendo a
ambos.
285
ser associado a atividades agrárias, florestais e de pesca (Acosta, 2011; Gudynas,
2012a, 2012b).
O conceito do neoextrativismo foi definido principalmente em referência a
países da América Latina, embora possa ser também aplicado a outras regiões. Ele
vem sendo utilizado tanto no contexto de países tradicionalmente extrativistas, que
passam por um momento de aprofundamento do modelo, como por países que,
inspirados pelas experiências regionais, buscam emular as mesmas práticas.
Um possível resultado das atuais políticas neoextrativistas pode ser verificado
no Gráfico 1, que que mostra o aumento da participação de bens tipicamente
extrativos, minérios e combustíveis, na pauta de exportação de alguns países latinoamericanos. Como pode ser verificado, entre 2001 e 2011 houve um crescimento
significativo da importância destes produtos na região. A Venezuela chama a atenção,
uma vez que a participação passa de 80% para 90%. Nos casos do Brasil e do México,
devido ao maior grau de industrialização, a participação é menos relevante; ainda
assim, nota-se o aumento da importância dos bens extrativos (no caso brasileiro essa
participação passa de 10% para 30%). A Argentina acompanha a tendência dos demais
países entre 2000 e 2006; porém, a partir de 2007 a participação desses bens se reduz
consideravelmente55.
O paradigma neoextrativista tem sido caracterizado como a combinação de
algumas práticas tradicionais desses países com elementos inovadores. Ao resumir
suas principais características, Gudynas (2009; , 2012a) acredita que o neoextrativismo
seria uma versão contemporânea do desenvolvimentismo. Este teria constituído a
racionalidade predominante na América Latina no século XX, apresentando,
tradicionalmente, o crescimento econômico como forma de superação da desigualdade
social – e que, em sua roupagem recente, se identifica com o financiamento de
programas sociais. Neste contexto, os setores extrativistas se manteriam como um
pilar da “obsessão pelo crescimento” (Altvater, 2002). Além disso, o Estado deixaria
de ter como função apenas a manutenção de regras que garantissem o funcionamento
dos processos produtivos e passaria a ter um papel protagonista nas atividades
extrativas.
55
Uma possível explicação para esse fato deve-se ao processo de redução da produção de
petróleo no país, que se iniciou no final da década de 1990, e que obrigou o Estado a
reorientar a comercialização para garantir o abastecimento do mercado doméstico (Reuters,
2013).
286
Gráfico 1: Participação dos minerais e combustíveis na pauta de exportação de
alguns países da América Latina
100
Percentual do valor das exportações
90
80
70
60
Argentina
Bolívia
Brasil
50
Chile
40
Equador
30
México
20
Peru
Venezuela
10
0
Fonte: Unctad (2012)
Nota: Produtos com código SITC 3 (carvão, coque, petróleo, gás, energia elétrica), SITC 27
(fertilizantes e minerais não beneficiados), SITC 28 (metais ferrosos e sucata metálica) e SITC 68
(metais não ferrosos).
Gudynas (2012a) comenta, porém, que essa estratégia tenderia a promover a
competição entre os países por investimentos estrangeiros e intensificaria a redução da
qualidade de vida, graças à flexibilização das normas trabalhistas e ambientais, bem
como aprofundaria a fragmentação territorial por meio da formação de novos enclaves
de produção. Nesse sentido, o neoextrativismo seria um indutor de uma "corrida para o
fundo" (race to the bottom).
A construção do neoextrativismo
A dependência da extração dos recursos naturais como vetor de crescimento
econômico não é uma novidade na América Latina. Esta estratégia tem sido
implementada desde as origens do período colonial (Scotto, 2011); e é tão inerente ao
processo de desenvolvimento da região que Barton (2006) cunhou o termo
"ecodependência" para descrevê-la. Segundo o autor, o conceito se refere às relações
socioeconômicas ligadas às atividades de extração de recursos naturais para
exportação.
287
De certa forma, o neoextrativismo é produto de diferentes aspectos que
caracterizam as institucionalidades constituídas na região. Para Acosta (2011), a
existência da riqueza natural e as crises econômicas recorrentes na América Latina
consolidaram uma mentalidade rentista, bem como práticas clientelistas e
patrimonialistas.
Essas
particularidades
teriam
dado
origem
a
instituições
democráticas frágeis e facilmente corrompíveis, que voltam a se reorganizar dentro do
contexto neoextrativista.
A dependência do extrativismo para garantir o crescimento econômico na
região foi questionada com mais ênfase a partir dos anos 1950, quando foi proposto o
modelo de industrialização via substituição de importações. Naquele momento, eram
criticados os padrões de comércio internacional, sendo salientados os termos de troca
desiguais. Como alternativa, era defendida a substituição da importação de produtos
industriais básicos, por meio da constituição de infraestrutura produtiva. Procurava-se
implementar esta mudança por meio do endividamento externo, de investimentos
diretos internacionais e da intervenção do governo. Essa intervenção poderia ocorrer
por meio de empresas estatais, na forma de subsídios e da infraestrutura necessária ao
surgimento das novas indústrias (Sikkink, 1991).
Apesar dos resultados obtidos nos anos 1950 e 1960, o modelo de
industrialização via substituição de importações, que já vinha apresentando enorme
desgaste ao longo da década de 1970, com endividamento externo e déficit comercial
crescentes, tornou-se insustentável com a elevação das taxas de juros internacionais
em 1979, resultante da nova política monetária restritiva norte-americana (Mattei &
Santos Júnior, 2009, p. 107). O vínculo de dependência, dramaticamente rememorado,
entre as economias nacional e mundial, se expressou em uma grave crise financeira
nos anos 1980, impulsionando a reorientação da estrutura e da estratégia econômicas
para o pagamento da dívida, se refletindo em baixas taxas de crescimento ao longo de
todo o período.
Esse processo, aliado a mudanças no cenário internacional, resultou em uma
forte reação contra o modelo em vigor e induziu uma guinada neoliberal a partir dos
anos 1990 (Barton, 2006). A maioria dos países da América Latina, então, passou por
um processo de rápida redução do tamanho do Estado, entrada de capitais
transnacionais, abertura comercial e privatização de empresas públicas. No caso da
mineração, importantes estatais foram privatizadas, como a Cia. Vale do Rio Doce
(CVRD) e a Minero Peru.
288
Ainda nesse período, o foco no mercado interno foi reduzido e retomou-se a
preocupação com o "crescimento para fora", de tal forma que a exportação voltou a ser
vista como "nova" estratégia de desenvolvimento (Barton, 2006). Todavia, o processo
de inserção internacional foi marcado pela baixa competitividade dos produtos
industrializados regionais, o que levou os países a, novamente, se apoiarem na
exportação de produtos intensivos em recursos naturais, onde ainda possuíam
vantagens comparativas. Com relação ao mercado mineral (cf. Gráfico 2), nesse
momento ocorreu um grande aumento da participação destes países na oferta
internacional. No final dos anos 1990, a região passou a responder por mais de 25% da
produção mundial de bauxita, 45% de cobre e 29% de estanho.
Dessa forma, o período neoliberal levou a uma especialização da região na
comercialização de produtos intensivos em recursos naturais, que permitiam a entrada
de divisas necessárias à importação de bens intensivos em tecnologia (Schaper &
Vérèz, 2001). Por exemplo, Albavera (2004) identifica um aumento na exportação de
minérios muito acima do aumento da participação de refinados. O autor menciona
como emblemático o caso da bauxita, cuja produção em mina representava 26% do
total mundial, enquanto a produção de alumínio primário ainda girava em torno de
8%. O mesmo comportamento foi identificado com o cobre, sendo produzido 45% do
minério e apenas 26% do metal refinado.
A partir dos anos 2000, a região passou por novas mudanças de rumo, com a
chegada ao poder de governos identificados como progressistas. Assim, entre as
lideranças regionais encontravam-se Hugo Chávez (Venezuela, 1998), Ricardo Lagos
(Chile, 2000), Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil, 2003), Evo Morales (Bolívia, 2005),
Tabaré Vázquez (Uruguai, 2005), Rafael Correa (Equador, 2006) e Fernando Lugo
(Paraguai, 2008). No novo contexto, ocorreram diferentes graus de ruptura das
estratégias adotadas anteriormente; enquanto alguns aspectos da política neoliberal
foram mantidos, outros foram revistos, conformando o que viria a ser caracterizado
como neoextrativismo, de modo geral (Gudynas, 2012a), ou como neoextrativismo
progressista, mais especificamente (Gudynas, 2009)56.
56
A despeito dos vínculos materiais e simbólicos entre políticas redistributivas (amplas, moderadas ou
limitadas) que caracterizam a emergência de governos de esquerda e centro-esquerda na América
Latina, de um lado; e da difusão de estratégias de crescimento econômico ancoradas na exploração
intensiva e extensiva de bens naturais (Bridge, 2004), a influência estrutural dos mercados de
commodities e das formas de acumulação baseadas em recursos nos anos 2000 se exerceu de modo
generalizado na política continental. Desse modo, os autores optam por definir o neoextrativismo de
289
Gráfico 2: Participação da América Latina na produção mineral mundial
60
50
Percentual
40
30
20
10
0
1985
1990
Bauxita
Cobre
1995
Minério de ferro
2000
Níquel
2005
Estanho
2010
Zinco
Fonte: U.S. Geological Survey (2012).
A partir desta análise, o que se percebe é que o paradigma neoextrativista não é
uma completa inovação institucional, mas sim uma combinação de aspectos
historicamente enraizados na paisagem econômica e política latinoamericana.
Conforme pode ser identificado no Quadro 1, apesar dos elementos novos, o modelo
de desenvolvimento se constitui pela apropriação e releitura de elementos
característicos de períodos passados.
Nesse sentido, os governos progressistas instalados na região pouco
questionaram o papel das indústrias extrativas na busca do desenvolvimento nacional.
Ao contrário, buscaram criar novos argumentos para justificar sua adoção. Em
primeiro lugar, talvez o argumento mais comumente usado seja que as atividades
extrativas minerais são de "interesse nacional", ou "interesse público" (Albavera,
2004), ou ainda, são "o que a maioria quer" (Gudynas, 2012a). Todavia, esse é um dos
argumentos mais vagos e frágeis, uma vez que raramente este interesse é especificado
ou explicitado. Um segundo argumento, também normalmente apresentado, e com
modo amplo, considerando-o a partir de dois eixos, a saber, a centralidade da exploração debens
naturais e a ampliação do papel do Estado – operadas inclusive por governos de direita e centro-direita,
como no Chile, no Peru e no México – nas estratégias de desenvolvimento. Não obstante, a
redistribuição assume relevância analítica como variável dependente.
290
uma visão essencialmente utilitarista da natureza, afirma que os países
latinoamericanos possuem enormes riquezas que "devem" ser aproveitadas e não
podem ser "desperdiçadas" (Gudynas, 2012b).
Quadro 1: Aspectos gerais do neoextrativismo
Liberalismo
(1889-1930)
Meios
Escala
Resultados
Papel do Estado
Origem
dominante do
investimento
Especialização da
estrutura
produtiva como
inserção externa
vantajosa
Nacional
Estrutura
produtiva
monolítica
Coadjuvante,
apenas
garantindo
condições para
atuação das
empresas
Internacional, ao
nível das
estruturas de
financiamento e
comercialização
Desenvolvimentismo
(1930-1945)
(1945-1985)
Generalização da
estrutura produtiva
como
industrialização
Neoliberalismo
(1985-2002)
Neoextrativismo
(2003-)
Especialização da estrutura produtiva
como inserção externa competitiva
Nacional
Estrutura produtiva
complexa, completa
e conexa
Protagonista por
meio de empresas
estatais
Internacional
Global
Estrutura produtiva simples,
incompleta e desconexa.
Coadjuvante,
apenas regulando
a atuação das
empresas
Protagonista por
meio de empresas
estatais ou semiestatais e captura
de renda
Nacional
Internacional
Internacional
Indiferente, com
algumas posições
favoráveis ao
capital nacional
Fonte: Os autores.
Outro grupo de justificativas utilizadas para embasar o neoextrativismo parte
da defesa do crescimento econômico. Dentro dessa perspectiva, as atividades
extrativas são vistas como "geradoras de riqueza", sendo importantes elementos para o
combate à pobreza e à desigualdade. Nesse sentido, o discurso pode apresentar as
vantagens da geração de emprego, obtendo apoio de sindicatos e outros movimentos
sociais, como também fonte de renda para ser distribuída para grupos específicos.
Uma variação, em escala local, do discurso do crescimento econômico, diz respeito às
indústrias extrativas como "vetores de desenvolvimento". Essa argumentação é
utilizada principalmente nos projetos de enclave, devido à construção de
infraestrutura, bem como à possibilidade da geração de empregos formais em regiões
de economias de subsistência (Gudynas, 2012a).
Essa preocupação com a defesa do neoextrativismo se intensifica em um
momento em que as commodities primárias apresentam elevado preço no mercado
291
internacional, devido à demanda dos países asiáticos, em particular da China
(Bebbington, 2009; Cacciamali, Bobik, & Celli Jr., 2012). Esse contexto internacional
tem sido determinante para o significativo aumento da participação da renda extrativa
no PIB dos países da América Latina57, conforme pode ser visto no Gráfico 3.
Gráfico 3: Evolução da renda mineral na América Latina e no mundo
3,0
Percentual do PIB
2,5
2,0
1,5
1,0
0,5
0,0
América Latina
Mundo
Fonte: World Bank (2013).
Nota: A renda mineral é definida como a diferença entre o valor de produção de um mineral a preços
mundiais e seu custo total de produção. Os minerais considerados neste cálculo são estanho, ouro,
chumbo, zinco, ferro, cobre, níquel, prata, bauxita e fosfato.
O papel do Estado no modelo neoextrativista
Talvez a principal ruptura do modelo neoextrativista com o período neoliberal
esteja relacionada ao papel desempenhado pelo Estado. Por um lado, ele retoma
algumas das atribuições definidas pelo modelo de substituição de importações e, por
outro, recebe novas responsabilidades propostas pelos governos progressistas. Neste
novo contexto, tais governos liberalizam e protegem dinâmicas próprias do
capitalismo, se abstendo de tomar decisões que possam colocar em risco processos de
acumulação (Gudynas, 2012a). Dentre essas atribuições, podem ser listados o apoio à
internacionalização de empresas nacionais, a adaptação da legislação para estimular a
extração dos recursos naturais e, principalmente, a compensação por meio de políticas
de transferência de renda.
57
Perspectivas de curto prazo sugerem, ainda, um possível aprofundamento do modelo, uma vez que,
em 2011, a região concentrava quase 30% dos investimentos em projetos minerais no mundo, enquanto
que a América do Norte, em segundo lugar, recebia cerca de 20% e a Ásia, apenas 11% (ICMM, 2012).
292
O apoio à internacionalização de algumas empresas nacionais vem se dando
por dois instrumentos principais: o suporte financeiro e a construção de infraestrutura.
No caso do suporte financeiro, a concessão de empréstimos já foi amplamente
utilizada no passado. No caso brasileiro, esse papel vem sendo desempenhado
especialmente pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), que têm aportado grande quantidade de recursos a um seleto grupo de
empresas atuantes em setores intensivos em bens naturais, tais como o grupo JBSFriboi, e diretamente extrativos, como a Vale S.A. (Gudynas, 2012a). De forma geral,
no período entre 2002 e 2012, a participação dos setores de óleo e gás, mineração e
energia saltou de 54% para 75% da carteira da BNDES Participações S.A.
(BNDESPar)58; e se forem incluídos, ainda, os setores de papel e celulose e alimentos
(particularmente proteína animal), a concentração sobre para 89% (Torres & Góes,
2013).
Ao mesmo tempo, a ideia do Estado como responsável pelo fornecimento de
infraestrutura para o desenvolvimento das atividades econômicas não é uma novidade
na região. Em grande parte, o modelo de substituição de importações já propunha essa
estratégia. Entretanto, enquanto originalmente se defendia a construção de
infraestrutura que consolidasse o mercado interno, no neoextrativismo a prioridade é
dada ao escoamento da produção para o abastecimento do mercado internacional.
Dessa forma, grande importância é dada à logística e muito se fala nos "gargalos da
produção", nos "índice de competitividade" dos países e, no nosso caso, no "custo
Brasil". No contexto latinoamericano, tem grande importância a Iniciativa para a
Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), que é definida por
Bebbington (2009, p. 13) como uma rede de rodovias, hidrovias e portos capaz de
"abrir" o continente; no caso específico do Brasil podem ser implicadas as obras
associadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Uma segunda atribuição que vem sendo desempenhada pelos governos
progressistas diz respeito à reconfiguração da regulação legal do setor extrativo. As
modificações aí envolvidas representariam uma continuidade das reformas realizadas
nos anos 1990, quando muitos dos países alteraram regimes regulatórios nacionais
associados aos bens naturais para favorecer a implantação de grandes empresas e a
institucionalização de seus direitos de propriedade (Scotto, 2011).
Entretanto,
58
A BNDESPar é uma subsidiária integral do BNDES, com vistas à gestão de sua participação social
em empreendimentos públicos e privados, prioritariamente constituídos sob a legislação nacional.
293
na fase neoextrativista, essas mudanças teriam como objetivo garantir ou ampliar a
participação do Estado na apropriação da renda extrativa (cf. Quadro 2). Estratégias de
tal natureza têm se mostrado eficazes, uma vez que, em todos os países da região o
Estado possui o domínio absoluto dos recursos minerais e combustíveis, lhe cabendo
conceder permissões para sua exploração econômica (Albavera, 2004).
A avaliação dos efeitos da mudança na legislação referente à indústria extrativa
mineral dos diferentes países está além do escopo deste texto, porém o tema deve ser
aprofundado uma vez que governos da região possuem uma tradição patrimonialista,
não sendo incomum a ingerência de empresas extrativas, inclusive por meio da escolha de
representantes de tais empresas para cargos públicos (Acosta, 2011)59.
Por fim, o maior diferencial sobre a atuação do Estado dentro do paradigma do
neoextrativismo seria o que Gudynas (2012a; , 2012b) convencionou chamar de "Estado
compensador". Ao assumir este papel, o Estado se propõe a implantar programas de combate à
pobreza a partir da distribuição de recursos fiscais. Em alguns casos, como o Bono Juancito
Pinto (Bolívia), esses programas são diretamente vinculados à captura de renda extrativa.
Segundo o autor, essa seria uma das principais diferenças entre governos neoextrativistas e
rentistas clássicos, nos quais as receitas eram exclusivamente capturadas por elites locais. No
caso do Brasil, embora não haja conexão direta entre a renda extrativa e programas sociais
como o Programa Bolsa Família (PBF), a legitimação para intensificação das atividades
extrativas vem se dando por meio da vinculação da renda capturada pelo Estado na forma de
royalties a investimentos em educação, tanto no caso do petróleo (Folha Online, 2012), quanto
na proposta do novo marco legal da mineração (Barrocal, 2013).
Quadro 2: Mudanças institucionais na América Latina com impactos sobre a
indústria extrativa
País
Argentina
Período neoliberal
Mudanças visando o
Mudanças permitindo/
estímulo à atividade
facilitando investimentos
privada na
estrangeiros no país
mineração
(genéricos ou em
mineração)
Ley 24498/1995 de
Decreto Nº 1853/1993,
Actualización Minera modifica Ley Nº 21382/1976
Período Neoextrativista
Mudanças visando à
apropriação estatal da renda
extrativa
Lei de recuperação da YPF (Ley
26741/2012)
59
Por exemplo, a Lei da Mineração no Peru, aprovada em abril de 2008, foi elaborada em forte
proximidade com empresas transnacionais, particularmente canadenses (Bebbington, 2009). No Brasil,
situações como essas podem ser encontradas, como no caso do Coordenador Geral de Políticas e
Programa para Mineração, indicado em 2008, que era egresso da companhia Nacional de Grafite Ltda.
Da mesma forma, os estudos que subsidiaram o Plano Nacional de Mineração 2030 foram
encomendados a uma empresa de consultoria que pertencia a um ex-coordenador do Instituto Brasileiro
de Mineração.
294
de Inversión Extranjera
EC 6/1995
Brasil
Bolívia
Código de Minería
(Ley 1777/1997)
Ley de Inversiones (Ley
1.182/1990)
Chile
Código de Minería
(Ley 18.248/1983)
Estatuto de la Inversión
Extranjera (Decreto Ley
600/1976)
Equador
Ley de Minería (Ley
126/1991)
Peru
Ley General de
Minería (Decreto
Legislativo 109/1992)
Ley 12 de Cámaras de
Minería (Decreto Nº
415/1993)
Ley de Promoción de la
Inversión Privada (Decreto
Legislativo 757/1991);
Venezuela
Decreto con rango y
fuerza de ley de minas
(295/1999)
Regulación de la inversión
extranjera (Decreto
2095/1992)
Aumento de percentual e
modificação na base de cálculo
dos royalties (propostas no novo
marco legal da mineração)
Criação do Imposto Direto sobre
Hidrocarbonetos (Ley
3058/2005)
Nacionalização dos
hidrocarbonetos (D.S. Nº
28701/2006)
Criação do novo regime
tributário do imposto específico
para a renda operacional da
atividade mineira (Ley
20.469/2010)
Lei reformatória da lei de
hidrocarbonetos (Ley 85/2007)
Aumento de percentual e
modificação na base de cálculo
dos royalties (Decreto Supremo
209/2011)
Lei de imposto sobre preços
extraordinários do mercado
internacional de hidrocarbonetos
(Ley 40114/2013)
Fontes: Adaptado a partir de Chaparro (2002) e Viale (2012).
Tensões criadas pelo neoextrativismo
Diferentes críticos têm se manifestado contra estratégias de desenvolvimento
baseadas fundamentalmente na extração de recursos naturais em geral e, dentro desse
contexto, contra o neoextrativismo. Nesse sentido, dois grupos de tensões são
comumente levantados: por um lado existem as tensões econômicas, relacionadas aos
os efeitos sobre as possibilidades de crescimento econômico de longo prazo; por outro
lado há as tensões socioambientais, que dizem respeito aos impactos sobre
trabalhadores, comunidades e meio ambiente.
Tensões econômicas
Diferentes estudos têm buscado avaliar a relação entre o grau de dependência
que os países têm dos recursos naturais em geral (e de produtos minerais em
particular) e a sua taxa de crescimento econômico. Algumas análises de longo prazo
identificaram que muitas das economias dependentes de tais produtos têm apresentado
baixo crescimento, ou mesmo crescimento negativo (Davis & Tilton, 2005; Puga,
295
2007; Sachs & Warner, 1997). Embora a correlação encontrada não necessariamente
indique causalidade (Torvik, 2009), a existência de tal relação fortalece o argumento
de que esta não seria uma estratégia capaz de garantir o crescimento econômico no
longo prazo.
Como forma de explicar esse fenômeno, autores têm se referido à “maldição
dos recursos naturais”. Esta proposta defende que a abundância de recursos naturais
geraria uma série de distorções econômicas e políticas que acabariam por reduzir a
contribuição das atividades extrativas para a economia (Bebbington, Hinojosa,
Bebbington, Burneo, & Warnaars, 2008). A “maldição dos recursos naturais” seria
associada a uma série de fenômenos específicos, entre eles a deterioração dos termos
de troca, a elevada volatilidade dos preços dos recursos naturais, a monotonização
econômica e a "doença holandesa"60.
Desde a década de 1950, a partir da hipótese Prebisch-Singer, muitos estudos
têm tentado verificar o comportamento da razão de preços entre bens primários e
manufaturados. Apesar de ainda não haver consenso, há fortes indícios de que, no
longo prazo, o preço das commodities tende a cair em relação ao preço dos bens
manufaturados (Morgan & Sapsford, 1994; Sapsford & Balasubramanyam, 1994).
Esse comportamento poderia ser explicado pelo fato de produtos intensivos em
tecnologia possuírem maior dinamismo e maior elasticidade-renda do que os
intensivos em recursos naturais, além de contribuírem mais para o aprendizado e
ganhos de produtividade (Davis & Tilton, 2005).
Além da tendência de queda no longo prazo, os preços de produtos primários
apresentam grande instabilidade. Esta particularidade acaba por dificultar o
planejamento econômico dos países dependentes de minérios, uma vez que a receita
gerada por impostos e royalties tende também a oscilar consideravelmente (Davis &
Tilton, 2005; Morgan & Sapsford, 1994; Sapsford & Balasubramanyam, 1994).
60
Os autores optam por discutir e problematizar a literatura pertinente acerca da maldição dos recursos
a partir dos quatro efeitos econômicos acima apresentados – termos de troca, volatilidade de preço,
monotonização econômica e doença holandesa – em detrimento do vasto debate acerca das estruturas e
formas político-institucionais do crescimento econômico baseado em recursos naturais – essencialmente
negativos da perspectiva da maldição dos recursos. Fenômenos econômicos relacionados, como a
influência da composição diferencial da pauta exportadora de nações extrativas no crescimento
econômico (Isham, Woolcock, Pritchett, & Busby, 2005) e da seletividade extensiva e intensiva do
investimento setorial, constituindo “novos padrões e escalas de desigualdade” (Bridge, 2004, p. 411),
aprofundam e sofisticam a referida opção. Nesse sentido, questões como políticas inadequadas adotadas
por "Estados predatórios" (Neumayer, 2004) e possíveis estratégias para minimizar os impactos da
maldição dos recursos (Mikesell, 1997) estão além do escopo deste trabalho.
296
Acosta (2011) argumenta que esse processo tem um impacto negativo potencializado
pela dependência das economias do sistema financeiro. Segundo o autor, não é
incomum que nos momentos de preços elevados, governos nacionais de economias
extrativas lastreiem, ou mesmo contraiam, grandes empréstimos para financiar
investimentos na infraestrutura com vistas à ampliação da produção.
Porém,
ao
não realizar um planejamento para os momentos de queda nos preços, em tais
situações os países se veem sem recursos para saldar as dívidas contraídas,
provocando dificuldades fiscais e instabilidade dos investimentos públicos.
A monotonização61 econômica diz respeito, por sua vez, à concentração de
atividades em apenas um setor. Uma vez que existem grandes retornos financeiros em
setores específicos, na forma de oportunidades de lucros e salários, observa-se um
processo de „migração‟ de investimentos e mão de obra de outras áreas para o setor
extrativo. A principal consequência seria a redução da diversidade produtiva e o
aumento da dependência econômica do setor intensivo em recursos naturais. Essa
situação mostra-se especialmente preocupante no caso de recursos não renováveis,
uma vez que o esgotamento das reservas tende a levar à depressão econômica, pela
ausência de atividades alternativas.
Apesar de não necessariamente usarem o conceito de monotonização
econômica, diferentes autores têm descrito diversas formas pelas quais a intensificação
de atividades extrativas pode reduzir a diversidade econômica de um país ou região.
Albavera (2004) comenta que o encadeamento para frente ou para trás apresenta
limitações e riscos e não pode ser tomado como consequência natural da implantação
das atividades extrativas. Alvim e Fantine (2008), por sua vez, identificam sinais desse
processo nos anos 1970 no Brasil. Segundo os autores, o governo e as empresas
optaram, naquele momento, por direcionar parte significativa dos investimentos para a
produção de commodities e para a respectiva infraestrutura. Como consequência,
quando os preços foram reduzidos na década de 1980, a produtividade destes
investimentos foi simplesmente esterilizada. Da mesma forma, Gudynas (2012b)
comenta que as tentativas de diversificação da produção colocadas em prática no Chile
após a ditadura militar não tiveram muito êxito.
61
A noção de monotonização vem sendo desenvolvida a partir do intenso debate promovido por agentes
sociais representativos, como organizações não governamentais, movimentos sociais e comunidades
atingidas em torno do novo marco legal da mineração. Os autores agradecem, especialmente, a Carlos
Alberto Lucio Bittencourt Filho, consultor e pesquisador do IBASE, por sua inspiração original.
297
Por fim, a doença holandesa refere-se aos efeitos da intensa entrada de capital
internacional nos países e regiões especializados na exploração de recursos naturais,
gerando problemas macroeconômicos. Alguns economistas indicam que o crescimento
rápido da exportação de produtos extrativos tende a gerar uma apreciação do câmbio,
bem como uma elevação dos salários locais, tornando economias nacionais e regionais
menos competitivas. Como impacto final, esse processo tornaria outros setores
econômicos menos dinâmicos, reforçando a monotonização econômica mencionada
anteriormente (Bebbington, Hinojosa, Bebbington, Burneo, & Warnaars, 2008; Davis,
1995; Davis & Tilton, 2005).
Apesar desse cenário de elevado risco econômico, não é incomum que
governos de países neoextrativistas argumentem que as políticas "corretas", aplicadas
no momento adequado, seriam capazes de fazer com que os países escapassem da
maldição dos recursos. Porém, segundo Bebbington (2009), as questões estruturais
colocadas e as margens de manobra existentes permitem classificar tais posturas como
"otimistas", uma vez que a chance de repetição dos problemas identificados é muito
maior do que a de sua superação.
Tensões socioambientais
O segundo grupo de tensões criadas pelo paradigma neoextrativista diz respeito
aos seus impactos ambientais e sociais, em particular no contexto local. Também
chamadas de tensões territoriais (Gudynas, 2012b), elas estão associadas ao processo
de distribuição desigual dos recursos e serviços ambientais, bem como da repartição
injusta dos riscos ambientais, e estão nas origens de conflitos descritos e denunciados
por movimentos que lutam por justiça ambiental (Porto & Milanez, 2009).
A indústria extrativa mineral é, por definição, intensiva em recursos naturais e
poluição, causando impactos negativos relevantes sobre os territórios onde se localiza.
Essas características, ao contrário de serem mitigadas, são acentuadas no contexto
neoextrativista. Ademais, o fato de os governos desses países terem flexibilizado as
exigências ambientais para implantação de projetos extrativistas como estratégia para
estimular tais atividades apenas reforça a dimensão dos riscos ambientais envolvidos
no setor (Gudynas, 2012a, 2012b).
As atividades extrativas produzem mudanças significativas nos territórios. Nas
áreas rurais tendem a causar poluição atmosférica, contaminação hídrica,
desmatamento e erosão; já nas regiões urbanas, os efeitos incluem inchaço urbano,
298
favelização, aumento da violência, exploração sexual e sobredemanda dos serviços
públicos de saúde, saneamento e segurança. Nesse sentido, as comunidades locais
tendem a arcar com a maioria dos impactos negativos, enquanto que grande parte dos
benefícios é concentrada pelas empresas, ou pelos governos nacionais, caracterizando
um grande desequilíbrio na distribuição dos benefícios e prejuízos gerados (Davis &
Tilton, 2005).
Além dos impactos sociais e ambientais mencionados, outros problemas
surgem quando as atividades extrativas implantam enclaves produtivos em áreas
remotas. Nessas situações, elas ainda causam a fragmentação territorial, deslocando
comunidades locais e inviabilizando formas tradicionais de reprodução social.
Problemas dessa natureza são muitas vezes ignorados pelo poder público porque os
Estados neoextrativistas, de forma geral, desconsideram demandas não econômicas,
tais como aquelas baseadas em valores culturais ou religiosos. Pelo contrário, quando
alguma reivindicação é feita, os debates são limitados ao valor das compensações
econômicas e à definição dos grupos passíveis de receber compensações (Gudynas,
2012a).
Conforme mencionado anteriormente, as práticas neoextrativistas são muitas
vezes legitimadas como sendo de "interesse nacional". Considerando que as demandas
concorrentes e questionamentos ao modelo são muitas vezes feitos por grupos
numericamente pequenos e marginalizados no contexto nacional, tais movimentos são,
em grande medida, desqualificados pelos governos centrais, sendo definidos como
"políticos", "radicais" ou, ainda, identificados como práticas de "antidesenvolvimento"
(Gudynas, 2012a). Sendo assim, a postura geral, conforme resumida por Bebbington
(2009, p. 19), consiste em afirmar que "os recursos pertencem à nação e não a uma
comunidade indígena ou local" e que "eles serão desenvolvidos, [de modo que] as
consultas serão apenas um processo administrativo, e as discordâncias não serão
permitidas".
Sinais do neoextrativismo no Brasil e a reprimarização da economia
No Brasil, o debate sobre neoextrativismo é embrionário. Como o país possui
uma estrutura produtiva mais complexa e um perfil comercial distinto do restante da
América Latina, sua população raramente o identifica como um país extrativo (Barton,
2006). Ao mesmo tempo, vem se aprofundando aqui um debate sobre as possibilidades
do neodesenvolvimentismo, definido como um modelo no qual um Estado forte,
299
através de polìticas nacionais de desenvolvimento “adequadas”, deveria estimular o
florescimento de um mercado forte e, junto com ele, promover o crescimento
econômico necessário para reduzir a desigualdade social. Sua estratégia fundamental
se baseia na redefinição de sua inserção internacional e, para tanto, seria função do
Estado investir na infraestrutura do país, para aumentar sua "competitividade", bem
como apoiar financeiramente empresas que tivessem chance de se tornar agentes
globais (Sicsú, Paula, & Michel, 2007).
Apesar das diferenças entre neodesenvolvimentismo e neoextrativismo, os dois
conceitos apresentam muitos pontos em comum. Este é o caso, por exemplo, do
entendimento do crescimento econômico como sinônimo de desenvolvimento, do foco
na inserção internacional e da definição do Estado como protagonista do processo de
mudança (Gudynas, 2012b). Além disso, políticas desenvolvimentistas, quando não
plenamente implementadas, ou quando restringidas por aspectos externos, podem
aprofundar o perfil extrativo de uma região, ou mesmo do país. Este, por exemplo, foi
o caso do Programa Grande Carajás (PGC) que, em sua concepção original,
argumentava que a implantação de 22 produtoras independentes de ferro gusa, sete
unidades de ferroligas e uma unidade de silício metálico seria suficiente para induzir o
surgimento de um grande polo mínero-metalúrgico, incluindo fábricas de bens de
capital e bens finais (G. O. Carvalho, 2001). Passados quase 30 anos, o projeto,
entretanto, ficou limitado a uma grande mina, uma ferrovia, um porto e 17 guseiras,
que produzem, de forma intermitente, bens semi-acabados exclusivamente para a
exportação.
Ao mesmo tempo, o contexto do atual regime de preços dos recursos minerais
e da fácil renda da exportação de produtos primários pode ser bastante tentador
(Gudynas, 2012a), levando grupos industriais a mudar o direcionamento de seus
negócios e os transformando em empresas extrativas. Talvez o caso mais emblemático
dessa situação seja a Companhia Siderúrgica Nacional S.A. (CSN), símbolo do
desenvolvimentismo brasileiro que, em 2011, teve mais da metade do seu resultado
operacional decorrente da extração de minério de ferro no município de Congonhas
(MG), e não da produção de aço (Ribeiro, 2012).
Devido a esses fatores, considera-se pertinente avaliar até que ponto podem ser
identificadas "tendências" neoextrativistas na economia brasileira. Estes sinais já vêm
sendo discutidos por diferentes autores que estudam a reprimarização da pauta de
300
exportação62 e a inserção regressiva do Brasil no comércio internacional. Esses
trabalhos buscam avaliar até que ponto a exportação de bens mais complexos e de
maior valor agregado está perdendo espaço para a exportação de bens primários,
agrícolas e minerais.
De forma geral, essa tendência já havia sido identificada no início dos anos
2000 por Gonçalves (2001, p. 1), quando o autor definiu o processo de inserção
regressiva como envolvendo "tanto a significativa perda de competitividade
internacional da indústria brasileira, quanto o fenômeno da reprimarização da pauta
exportadora". Para esse autor, a pauta de exportação do Brasil passou por uma fase
upgrading ao longo da década de 1980 e da primeira metade dos anos 1990, tendo tal
comportamento sido invertido posteriormente. Naquele momento, tal processo foi
explicado, principalmente, pela mudança na estrutura das exportações, representada
pelo aumento da importância relativa de produtos agrícolas.
Uma análise de mesma natureza foi feita por De Negri e Alvarenga (2011), que
apontaram a ampliação significativa, nos últimos anos, da participação das
commodities primárias na pauta de exportações brasileiras, conforme apresentado no
Gráfico 4. Destaca-se, assim, um movimento de insulamento de setores econômicos de
alta competitividade, intensivos em recursos naturais – que tem como contraparte o
„desaparecimento‟ de outros –, o que se traduz em simplificação, tendo como eixo
dinâmico os segmentos de commodities primárias. Esta especialização reversa
constituiria uma das expressões-chave da dependência externa da economia nacional,
sendo a atividade extrativa mineral seu principal motor na atualidade. Por exemplo,
em 2009, apenas a indústria extrativa mineral respondeu por cerca de 20% das
exportações brasileiras e a mais de 60% do saldo da balança comercial. Dentro desse
contexto, Squeff (2012, p. 45) argumenta que “os resultados da balança comercial
brasileira têm se mantido positivos somente por conta dos superávits dos produtos não
manufaturados”.
Gráfico 4: Evolução da exportação brasileira por intensidade tecnológica
62
Ao se utilizar o termo reprimarização da pauta de exportação, não se pretende sugerir que
necessariamente haja uma redução da venda de bens industrializados, mas sim que seu aumento tem
sido inferior ao crescimento das exportações de produtos básicos (Bastos & Gomes, 2011).
301
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Produtos não industriais
Baixa tecnologia
Média-alta tecnologia
Alta tecnologia
Média-baixa tecnologia
Fonte: MDIC (2013).
No âmbito mais estrito da indústria extrativa mineral, ainda seria o segmento
de bens primários a se destacar, em detrimento dos de semimanufaturados ou
manufaturados. Dentre os bens primários, por sua vez, os minerais metálicos exercem
ampla dominância, uma vez que o valor exportado deste grupo tem excedido
grandemente o valor conjunto de minerais não-metálicos, minerais energéticos e
gemas e diamantes (DNPM, 2010). Conforme mencionado anteriormente, o aumento
da exportação dos minérios deve-se especialmente ao “efeito China”, sendo seu
crescimento econômico identificado como principal causa da elevação dos preços das
commodities, em particular metálicas e industriais (Prates, 2007). O impacto deste
crescimento na pauta de exportação do Brasil foi verificado por Bastos e Gomes
(2011), que estimaram que o efeito estrutura combinada63 da exportação do minério de
ferro do Brasil para a China variou 1.491% entre 1997/1999 e 2007/2009.
A principal crítica à validade da tese da reprimarização da economia nacional
diz respeito ao fato de que, embora efetivo, este processo estaria ocorrendo apenas no
nível da pauta exportadora. Entretanto, um olhar mais detido revela que, em realidade,
o referido processo, apesar de recente, se relaciona diretamente à composição do setor
63
As autoras definem o efeito estrutura combinada como sendo a evolução relativa de cada mercado de
destino ponderada pela importância relativa dessa parcela de mercado para o Brasil.
302
secundário, assim como à qualidade de sua participação no PIB. Como pode ser
verificado no Gráfico 5, enquanto as atividades da construção civil e da produção e
distribuição de eletricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana mantiveram sua
participação constante entre 2000 e 2012 (de 5,5% para 5,8% e de 3,4% para 3,1%,
respectivamente), observou-se uma ascensão importante da indústria extrativa mineral,
que ampliou sua participação no produto nacional de 1,6% para 4,3%. Não
coincidentemente, a indústria da transformação decresceu em termos relativos de
17,2% para 13,3%.
Gráfico 5: Participação atividades econômicas selecionadas no Valor Adicionado,
Brasil, 2000-2012
Fonte: IBGE (2012).
Dessa forma, dados empíricos indicam que setores manufatureiros vêm
perdendo espaço relativo para os setores extrativos e de transformação primária tanto
na pauta de exportação, quanto no PIB do país. Embora essas mudanças não tenham
sido suficientes para permitir a identificação da economia brasileira como uma
economia extrativa, tais tendências sugerem a necessidade de cuidados para que esse
modelo não se aprofunde. No entanto, a proposta que vem se consolidando sobre o
303
novo marco legal da mineração reforça a presença de um paradigma neoextrativista
emergente, que pode vir a aprofundar as tensões mencionadas na seção 0.
A proposta do novo marco legalda mineração e o risco da consolidação dos
princípios neoextrativistas
Nesta seção propõe-se avaliar em que medida os princípios associados à
racionalidade neoextrativista podem ser identificados na proposta do novo marco legal
da mineração. Esta seção se baseia em duas diferentes propostas do marco legal já
publicizadas.
Em primeiro lugar, remete ao Projeto de Lei n. 5.807, discutido pelo Ministério
de Minas e Energia (MME) e pela Casa Civil entre 2009 e 2012 e apresentado ao
Congresso em junho de 2013, contendo 59 artigos (Brasil, 2013a). O referido projeto
pode ser entendido, de maneira simplificada, como expressivo da estratégia do Poder
Executivo Federal de expansão das atividades extrativas minerais no Brasil e de
ampliação da parcela da renda extrativa capturada pelo Estado – refletindo,
prioritariamente, orientações economicista e tecnocrática.
Por sua vez, o Substitutivo Preliminar ao Projeto de Lei Nº 37/201164 é
composto por um texto disponibilizado ao público interessado em duas versões, os
chamados Primeiro e Segundo substitutivos preliminares, apresentados à Câmara dos
Deputados em novembro de 2013 (Brasil, 2013b) e em abril de 2014 (Brasil, 2014),
respectivamente.
Além da similaridade estrutural das versões, contendo 130 artigos e
significativo detalhamento em relação ao PL Nº 5.807/2013, o Substitutivo Preliminar
veicula a posição de parcela influente do Poder Legislativo Federal, particularmente
permeável a interesses corporativos diversificados, desde grandes empresas
mineradoras e suas organizações nacionais de representação – dentre as quais se
destaca o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) –, passando por pequenas e
médias mineradoras e, sobretudo, indo até a ampla variedade de empresas de
prospecção e pesquisa geológica, assim como prestadoras de serviços associadas.
64
O PL Nº 37/2011 “dispõe sobre o regime de aproveitamento das substâncias minerais, com exceção
dos minérios nucleares, petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos e das substâncias minerais
submetidas ao regime de licenciamento de que trata o inciso III do art. 2º do Decreto-lei nº 227, de 28
de fevereiro de 1967”foi apresentado pelo Dep. Federal Welinton Prado (PT-MG) em 3 de fevereiro de
2011 (Brasil, 2011). A ele foram apensados os Projetos de Lei Nº 463/2011, Nº 3.430/2012, Nº
4.679/2012, Nº 5.138/2013, Nº 5.306/2013 e, finalmente, Nº 5.807/2013, aos quais a Comissão Especial
do Código Mineral vem se dedicando.
304
A estruturação da seção, no entanto, é proposta pelos autores, não seguindo
necessariamente a ordem dos artigos do Projeto de Lei e Substitutivos.
Intensificação da extração mineral
Como forma de valorizar politicamente, institucionalmente e legalmente a
mineração, tanto o Projeto de Lei quanto as versões do Substitutivo definem o
aproveitamento dos recursos naturais como atividade de utilidade pública e de
interesse nacional (Brasil, 2013a, art. 1º; , 2013b, art. 3º; , 2014, art. 3º). Essa
determinação é importante para o setor, uma vez que tais definições podem definir
pareceres favoráveis em caso de contestações judiciais. Nesse sentido, ambos
propiciam segurança jurídica para as empresas no que diz respeito aos investimentos
em extração mineral, caracterizados por longo tempo de maturação.
Porém, a preocupação do Governo Federal com relação à produção mineral vai muito
além. As propostas de legislação são calcadas no conceito de “determinismo mineral”
e no pressuposto de que todo o minério disponível deve ser extraído.
Consequentemente, o Código Mineral de 1967 é criticado por permitir que
pessoas ou empresas detenham títulos de outorga e não desenvolvam nenhuma
atividade de extração de recursos minerais, como argumentado pelo Ministro de Minas
e Energia:
“[...] nós temos hoje cerca de 160 mil áreas distribuídas por todo o mapa geográfico brasileiro,
havendo áreas em todas as latitudes deste País, enquanto que apenas oito mil destas áreas são
de fato produtivas e estão sendo exploradas regularmente. Em 160 mil, apenas oito mil. Isto
porque somos regidos por uma lei, como disse, frouxa, que não corresponde em sua
integralidade aos melhores interesses nacionais” (Lobão, 2010).
Sendo assim, uma das principais motivações subjacentes à proposta do novo
marco legal é a criação de instrumentos que aumentem a quantidade de jazidas
exploradas no país. Para tanto, o Projeto de Lei estabelece que as licenças de pesquisa
passariam a ter um prazo definido em editais de licitação (Brasil, 2013a, arts. 10 e 14)
e as versões do Substitutivo definem um limite máximo de seis anos para que seja
iniciada a exploração, sob o risco de perda da licença de pesquisa e pagamento de
multa (Brasil, 2013b, art. 25; , 2014, art. 25).
Da mesma forma, o direito de lavra, considerado vitalício segundo o Código
Mineral atual, passa a ter caducidade nas novas propostas. A esse respeito, uma
consideração importante se faz necessária. O Projeto de Lei estabelece dois regimes de
aproveitamento mineral, seja por concessão (implicando licitação ou chamada pública)
ou por autorização, que dispensa tais procedimentos, sendo aplicável particularmente à
305
“lavra de minérios para emprego imediato na construção civil” (Brasil, 2013a). Daí se
depreende que a lavra de minérios em larga escala, orientação exportadora e cotação
internacional seria, em grande medida, submetida aos procedimentos associados à
concessão, implicando maior transparência e competição entre as empresas pelo
acesso às maiores e melhores reservas.
Considerando a centralidade econômica desse segmento da indústria extrativa
mineral e os prazos respectivos de caducidade do direito de lavra – 40 anos
prorrogáveis por mais 20 anos para contratos de concessão e 10 anos prorrogáveis por
igual período para contratos de autorização (Brasil, 2013a, art. 15) –, percebe-se a
ênfase do Executivo Federal em expandir a modalidade concessão, a partir da
ampliação da segurança jurídica às empresas, em detrimento do formato de
autorização.
Assim, ambas as versões do Substitutivo conservam a dualidade do regime de
aproveitamento, assim como o prazo de duração relativo aos contratos de concessão
em 40 anos (20 anos prorrogáveis). No entanto, ampliam consideravelmente o prazo
das autorizações de 10 para 30 anos, prorrogáveis por mais 15 anos, além de prover
garantias maiores aos autorizatários (Brasil, 2013b, art. 18; , 2014, art. 18).
Embora a condição de caducidade seja importante do ponto de vista
neoextrativista, pois permitiria a retirada de direito de lavra das empresas cuja eficácia
operacional não esteja em acordo com as expectativas do Executivo Federal, as
referidas garantias para os autorizatários e a possibilidade de expedição estadual de
autorização (Brasil, 2013b, art. 18; , 2014, art. 18) tendem a reequacionar a
distribuição do poder discricionário sobre o aproveitamento mineral em favor das
empresas mineradoras, atenuando o controle estatal.
Do ponto de vista da segurança jurídica, um dos elementos mais importantes na
nova proposta de Código da Mineração diz respeito à possibilidade de uso dos direitos
minerários como garantia de empréstimos voltados ao desenvolvimento de operações
especificamente extrativas. Tal possibilidade permitiria, no limite, que as empresas
obtivessem empréstimos a partir dos recursos do subsolo, algo que em última análise,
é um patrimônio da União. Embora esse mecanismo não esteja previsto no Projeto de
Lei, ele aparece em ambas as versões do Substitutivo (Brasil, 2013b, art. 79; 2014, art.
79).
Sua efetivação poderá configurar, de um lado, uma via especialmente atrativa
de valorização de recursos „ociosos‟ em mercados de capitais, conformando
306
propriamente um mecanismo específico de acumulação por espoliação (Harvey,
2003); e, de outro, um forte impulso à financeirização do setor, atrelando ainda mais a
indústria extrativa mineral à operação em mercados financeiros e à lógica de
shareholder value(Froud, Haslam, Johal, & Williams, 2000).
Esses aspectos, portanto, indicam o quanto o novo marco regulatório está
alinhados ao pressuposto do crescimento econômico baseado na apropriação da
natureza e dos recursos naturais, elementos profundamente associados ao pensamento
neoextrativista.
Fortalecimento da regulação governamental
Do ponto de vista institucional, há duas mudanças no marco legal da mineração
buscando fortalecer o controle estatal dos recursos minerais: a transformação do
Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) em uma agência reguladora, a
Agência Nacional de Mineração (ANM); e a criação do Conselho Nacional de Política
Mineral (CNPM).
De acordo com o Código Mineral de 1967, o principal agente público
envolvido no processo de licenciamento mineral é o DNPM, uma autarquia vinculada
ao MME cujas superintendências regionais são responsáveis por receber os
requerimentos de pesquisa e de lavra e avaliá-los. A proposta da ANM segue o modelo
das agências reguladoras existentes, como a Agência Nacional de Energia Elétrica
(ANEEL) e a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Nos três documentos analisados, prevê-se que essa agência teria como principais
funções a regulação, gestão de informações e fiscalização do aproveitamento mineral.
Sua direção seria feita por um colegiado nomeado pela Presidência da República
(Brasil, 2013a, Cap. VI; , 2013b, Cap. X; , 2014, Cap. X).
O CNPM, por sua vez, foi inspirado no exemplo do Conselho Nacional de Política
Energética (CNPE) e teria sua composição definida por decreto do Poder Executivo65.
Possui caráter consultivo, assessorando a Presidência da República na definição de
diretrizes voltadas para o planejamento, estímulo à pesquisa e à inovação e promoção
da agregação de valor na indústria extrativa mineral.
65
O Conselho Nacional de Política Energética, formado por pessoas designadas pelo Presidente da
República, é composto por nove ministros (Minas e Energia; Ciência e Tecnologia; Planejamento,
Orçamento e Gestão; Fazenda; Meio Ambiente; Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior; Casa
Civil; Integração Nacional; e Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e um representante dos estados, da
sociedade civil, das universidades, da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), e o Secretário Executivo
do Ministério de Minas e Energia.
307
A redação dos três documentos é muito próxima. Entretanto nas duas versões
do Substitutivo, também se atribui ao CNPM a responsabilidade pelo Zoneamento
Minerário, que não é mencionado no Projeto de Lei. Além disso, enquanto o
documento do Executivo deixa a composição do conselho a cargo da presidência, o
Substitutivo define os órgãos integrantes do CNPM, alterando novamente o escopo de
atuação do Executivo Federal a partir de uma definição difusa de sua composição.
(Brasil, 2013a, Cap. IV; , 2013b, Cap. VIII; , 2014, Cap. VIII).
Desse modo, o CNPM seria integrado por representantes do Ministério de
Minas e Energia, Ministério de Ciência e Tecnologia, Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,
empresas, “setor tecnológico”, universidade, sociedade civil, trabalhadores mineiros,
estados e municípios mineradores, municípios impactados, Câmara dos Deputados,
Senado e Organização das Cooperativas Brasileiras.
Sendo assim, a mudança no marco regulatório tende a aumentar o poder
discricionário do Executivo Federal sobre os recursos minerais, ainda que o Poder
Legislativo tenha atenuado essa diretriz original nas versões do Substitutivo.
Entretanto, tais propostas possuem um caráter essencialmente centralizador, uma vez
que concedem novos poderes ao Poder Executivo Federal. Segundo os três
documentos, a Presidência assumiria a responsabilidade pela nomeação dos diretores
da ANM e, no caso do Projeto de Lei, pela definição da composição do CNPM. Nesse
sentido, pode ser identificada uma maior preocupação com o controle do uso dos
recursos minerais, o que vai ao encontro do paradigma neoextrativista.
A questão da participação social também parece ser um elemento sensível nas
propostas do novo marco legal. Na versão proposta pela Câmara dos Deputados,
apesar da ampla composição do CNPM, não está prevista a participação do Ministério
de Meio Ambiente, Ministério do Desenvolvimento Social, ou Ministério do
Desenvolvimento Agrário, órgãos que, por suas atribuições poderiam propor
limitações à atividade mineradora e que tendem a absorver parte das demandas de
populações atingidas por operações extrativas minerais e suas correlatas. Esses
aspectos não apenas reforçam a preocupação em garantir a expansão da mineração no
Brasil como também indicam uma redução no debate democrático sobre a mineração,
como ainda permite ações autoritárias por parte do Governo Federal.
Aumento da participação do Estado na renda mineral
308
Com relação à renda mineral, todos os documentos analisados apresentam
explicitamente uma preocupação com o aumento da captura, por parte do Estado, da
renda mineral. Este aspecto se manifesta por meio da mudança na cobrança da
Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). No Brasil,
os royalties da mineração são pagos através da CFEM, instituída pelas leis nº
7.990/1989 e nº 8.001/1990, e correspondem ao pagamento pelo direito de uso de
recursos pertencentes à União.
Segundo o Código Mineral atual, a arrecadação da CFEM é calculada como
um percentual do faturamento líquido da empresa mineradora. A definição da alíquota
depende do mineral, podendo variar entre 1% para o ouro, até 3% para minérios de
alumínio, manganês, sal-gema e potássio (Brasil, 1990).
Com relação ao cálculo, o Projeto de Lei de novo marco legal estabelece a
cobrança sobre a receita bruta de venda, deduzidos os tributos efetivos sobre a
comercialização66(Brasil, 2013a, art. 35). As versões do Substitutivo mantêm a
proposta de mudança de base cálculo, embora na variante de 2014 haja uma
significativa complexificação desse instrumento, uma vez que, dependendo da
situação, permite-se a cobrança a partir da receita bruta de venda, do custo apurado do
minério, do preço parâmetro da Receita Federal, do valor no documento fiscal de
saída, do valor da arrematação ou do valor de primeira aquisição (Brasil, 2014, Art. 65
e 66).
Além da mudança na base de cálculo, as propostas de marco legal também
buscam aumentar a alíquota de cobrança. Tanto o Projeto de Lei, quanto a versão do
Substitutivo de 2014 indicam a elevação da alíquota máxima de 3% para 4%.
Entretanto, o Projeto de Lei atribui a definição dos percentuais à regulamentação
posterior da lei, uma vez mais centralizando o estabelecimento de mecanismos que
incidem sobre resultados operacionais de empresas mineradoras. Sendo assim, o
Substitutivo em sua última versão trata de definir de modo específico as alíquotas para
os principais minerais extraídos no país entre 0,2% e 4% (Brasil, 2013a, art. 36; 2014,
Anexo II), provendo novamente maior segurança aos diversos segmentos da indústria
extrativa mineral.
66
Essa decisão, provavelmente, deve-se ao fato de muitas empresas superestimarem seus gastos de
transporte, incluindo nas deduções valores associados a máquinas e equipamentos usados na operação
das minas (esteiras, pás carregadeiras, caminhões fora de estrada, etc.) que deveriam ser contabilizados
como despesas operacionais (Lima, Queiroz Filho, Schüler, & Pontes, 2011).
309
Em reação a essa proposta, que amplia apenas marginalmente as alíquotas
aplicadas da CFEM, existe uma intensa pressão por parte das empresas mineradoras
para que um eventual aumento no pagamento da CFEM seja compensado pela redução
na carga tributária, sob o argumento de que tal aumento iria reduzir a competitividade
do minério brasileiro no mercado internacional67. Esse argumento é baseado em um
estudo encomendado pelas próprias empresas, por meio do Instituto Brasileiro de
Mineração (IBRAM), que afirma que o setor mineral no Brasil apresenta uma das três
cargas tributárias mais elevadas do mundo (Ernst&Young, 2008).
Entretanto, tais afirmativas precisam ser avaliadas cuidadosamente, pois tal
conclusão está longe de ser consensual. Outra pesquisa com base em 30 jurisdições
(países, estados ou províncias) apresenta uma conclusão bastante diferente, indicando
que a tributação no Brasil seria somente superior a da China, Cazaquistão, Suécia e
Chile. Segundo este estudo, a tributação mineral efetiva no Brasil (35%) é muito
inferior aos 63,8% aplicado pela província de Ontário, no Canadá, ou 49,9% do estado
do Arizona, nos EUA. Sendo assim, o estudo conclui que “as companhias mineradoras
têm pouco do que se queixar e, fundamentalmente, uma revisão em sentido ascendente
das alíquotas minerais [...] têm pouca possibilidade de afetar negativamente o nível de
investimento no setor” (Santos, 2012, p. 12). Indo ao encontro de tais afirmativas, uma
pesquisa realizada pelo Fraser Institute com representantes de mais de 800 empresas
mineradoras em todo o mundo indica que apenas 1% dos entrevistados não investiria
no Brasil por causa dos impostos (McMahon & Cervantes, 2012).
Dessa forma, existe uma disputa intensa sobre a renda extrativa. De um lado, as
empresas tentam garantir a manutenção dos altos lucros que vêm obtendo
recentemente, dado o contexto de manutenção dos preços dos minérios em patamar
elevado no mercado mundial. Em oposição, o Poder Executivo Federal tenta aumentar
a participação do Estado nesses resultados, em conformidade com estratégias
recorrentes propostas na esfera do neoextrativismo.
Outra questão referente à renda mineral debatida no novo marco legal diz
respeito à sua distribuição. De acordo com o Código Mineral atual, os royalties são
distribuídos entre o município (65%) e o estado (23%) onde se dá a lavra, o DNPM
67
Apenas no que se refere ao ferro, principal mineral de exportação em valor e volume, o Brasil
desfruta dos menores custos de mina do mundo, que compreendem royalties e custos logísticos (P. S. L.
Carvalho, Silva, Rocio, & Moszkowicz, 2014), o que questiona fortemente a tese da perda de
competitividade a partir da ampliação marginal da CFEM.
310
(10%) e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT)
(2%) (Brasil, 1990). Nas novas propostas, enquanto o Projeto de Lei não alterou essa
distribuição, as duas versões do Substitutivo reduzem a participação dos municípios
mineradores (60%), dos estados (20%) e da União (10%), para incorporar os
municípios afetados por infraestrutura de apoio à mineração, como logística (ferrovias
e portos) e estocagem (barragens de estéril e rejeitos) (Brasil, 2013a, art. 38; , 2013b,
art. 68; , 2014, art. 68; Carvalho, Silva, Rocio, & Moszkowicz, 2014).
Em grande medida, a nova distribuição proposta reconhece o escopo de
impacto ampliado das redes de produção extrativo-minerais. No entanto, ela se
relaciona, ainda, de modo problemático, à incorporação de demandas veiculadas por
representantes do Poder Executivo em escalas municipal e regional – como o
Consórcio dos Municípios da Estrada de Ferro Carajás (COMEFC) e a Associação dos
Municípios Mineradores de Minas Gerais (AMIG), por exemplo – como forma de
ampliar a adesão dos agentes políticos ao modelo de crescimento centrado na
exportação de recursos naturais, em detrimento de quaisquer garantias de redução de
impactos socioambientais, produção de benefícios ou mesmo auxílio a processos de
diversificação econômica ao nível das comunidades e grupos sociais afetados.
Com relação ao uso desses recursos, atualmente não há quaisquer restrições
significativas, de modo que as instituições governamentais são proibidas apenas de
empregar tais recursos para pagamento de dívidas e custeio de pessoal permanente. Na
grande maioria dos municípios mineradores estudados por Enriquez (2007), a CFEM
era enviada para um „caixa único‟ municipal68, ou não tinha destino específico. Esse
problema não é enfrentado pelo Projeto de Lei, que não aborda essa questão (Brasil,
2013a, art. 38). Por outro lado, as versões do Substitutivo, além de manter as
restrições, criam conselhos formados por representantes “da sociedade e do setor
produtivo” para o acompanhamento da aplicação dos recursos (Brasil, 2013b, art. 68;
2014, art. 68), a despeito de funções deliberativas mais amplas que poderiam
contribuir para o aperfeiçoamento do emprego desses recursos.
Agregação de valor/verticalização da rede
68
Itabira (MG) era uma das poucas exceções, uma vez que a Prefeitura dessa cidade (motivada pelo
esgotamento iminente de suas jazidas) aplicava os recursos da CFEM em um fundo para pesquisa
tecnológica e diversificação da economia local. Outra exceção foi o município de Forquilhinha (SC),
que vinculou a CFEM a um fundo municipal de meio ambiente.
311
Um elemento contraditório na proposta do novo marco legal diz respeito à
agregação de valor aos recursos minerais e à verticalização da rede de produção. Essa
é uma questão muitas vezes levantada por representantes do Poder Executivo Federal,
normalmente alinhados a uma perspectiva neodesenvolvimentista. Nesse sentido, do
ponto de vista retórico, existe um discurso de estímulo à industrialização, baseando-se
no argumento de que ela aumentaria o valor agregado dos produtos, elevaria a receita
das exportações, geraria mais empregos e permitiria a arrecadação de mais impostos,
como defendido pelo então Diretor do DNPM:
“Acho que o fato de termos esse modelo, sem dúvida alguma, estimulará, inclusive permitirá
que o governo possa exigir investimentos na cadeia produtiva e permitirá que o grau de
agregação de valores da matéria-prima mineral possa também estar sendo pensado e avançar,
de tal sorte que a matéria-prima mineral não seja exportada sem a necessária agregação de
valor, ou seja, o aço seja produzido aqui ou o refino do cobre seja feito aqui, ou seja, a matériaprima não seja exportada como concentrada e sim como já o bem final. Isso é fundamental,
porque aqui é que vão estar sendo gerados os empregos, a renda circulará aqui e certamente o
Paìs estará ganhando” (Nery, 2010).
Esses elementos aparecem nas propostas do novo marco legal, porém, também
apenas no nível discursivo. Em diferentes momentos os textos fazem referências
genéricas a esses temas, como princípios e diretrizes (Brasil, 2013a, art. 1; 2013b, art.
2; 2014, art. 3). Porém, apesar de os documentos serem muito detalhados em diversos
itens, esse aspecto é pouco elaborado ao longo dos documentos.
Não existe nenhuma referência concreta a alterações da estrutura de tributação
ou à atual promoção da exportação mineral in natura. Dessa forma, é mantida a atual
tributação inferior para exportação mineral (IRPJ, 25%; CSLL, 12%; CFEM, 4%),
bem como isenção de PIS (0,65%), COFINS (3%) e ICMS (13%) aos minérios
exportados, tendo por base a Lei nº 87/1996, conhecida como Lei Kandir. Tal situação
sugere uma baixa preocupação efetiva com o reposicionamento do Brasil como
exportador de commodities primárias, mantendo, assim, forte alinhamento com
premissas neoextrativistas.
Além disso, ainda que tal perspectiva fosse encaminhada concretamente nas
propostas do novo marco legal, seria necessário considerar dinâmicas mais estruturais
de mercados globais de minérios – que vêm apresentando mais recentemente situações
de sobrecapacidade e redução progressiva de preços, como no mercado de minério de
ferro – e de bens minerais beneficiados, sendo o exemplo da siderurgia, que vêm
enfrentado uma situação estrutural de sobrecapacidade desde os anos 1960 (da ordem
de 400 milhões de toneladas atualmente) seu equivalente. Certamente, considerações
312
desse tipo têm estado ausentes dos discursos políticos mais otimistas em torno da
verticalização e da agregação de valor na indústria extrativa mineral.
Perspectiva ambiental e a recuperação dos impactos
Da mesma forma que o debate sobre agregação de valor, a questão ambiental
surge nas propostas do novo marco legal a partir de uma perspectiva
predominantemente discursiva. Apesar de existirem em todos os documentos
referências genéricas ao “desenvolvimento sustentável” (Brasil, 2013a, art. 1; 2013b,
art. 2; , 2014, art. 2), a interpretação desse conceito é bastante limitada. Quando os
documentos se referem à perspectiva intergeracional, eles demonstram uma
preocupação em apenas garantir o suprimento de bens minerais às gerações futuras
(Brasil, 2013a, art. 22; 2013b, art. 52; , 2014, art. 52), deixando de considerar, por
exemplo, questões de equidade de acesso a outros bens comuns (água, terra, flora etc.)
pelas gerações atuais.
Além disso, as únicas medidas concretas apresentadas com relação à questão
ambiental diz respeito à necessidade do cumprimento da legislação existente e à
recuperação dos danos ambientais (Brasil, 2013a, art. 1; 2013b, art. 3; 2014, art. 3).
Sendo assim, nenhuma das propostas aponta para uma perspectiva de precaução, ou
mesmo prevenção dos impactos ambientais. Mais do que isso, nas versões do
Substitutivo, existe certa flexibilização do licenciamento ambiental, uma vez que
somente o termo de referência do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é necessário
para a assinatura do contrato de concessão (Brasil, 2013b, art. 32; 2014, art. 32).
Adota-se assim o “princìpio do fato consumado”, uma vez que a concessão da lavra é
dada independentemente da viabilidade ambiental do projeto, assumindo o
licenciamento ambiental como mera formalidade burocrática.
Por consequência, pode-se afirmar, em termos gerais, que as propostas de novo
marco legal da mineração possuem uma visão restrita dos impactos ambientais
gerados pela indústria extrativa mineral. Elas adotam como pressuposto que uma
mineração “sustentável” é possìvel desde que suas atividades sejam realizadas de
acordo com a legislação. Tal ideia se baseia na crença de que os impactos
socioambientais da mineração somente ocorrem por má gestão e de que não é
necessário criar limites para a atividade mineral. Essa leitura sugere uma visão
utilitarista da natureza, entendida apenas como um recurso a ser explorado pela
313
sociedade. Dessa forma, nesse quesito também parece haver alinhamento ideológico
de apropriação da natureza entre o marco proposto e as ideias neoextrativistas.
Ainda com relação à legislação ambiental, as duas versões do Substitutivo
demonstram explicitamente como se pretende manter a extração mineral como
prioritária sobre outras formas de uso dos territórios. Nestes documentos, define-se
que, uma vez aprovado o novo marco legal, atividades com potencial de restrição à
mineração somente poderão ser desenvolvidas com anuência da ANM (Brasil, 2013b,
art. 109; 2014, art. 109). Dentro desse contexto, estariam incluídas, por exemplo,
Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Territórios Quilombolas, de modo que a
introdução da noção de “relevante interesse mineral” (Brasil, 2013b, art. 109; 2014,
art. 109) pode ser utilizada concretamente como justificativa para revogação de
quaisquer direitos territoriais. Consequentemente, tais dispositivos tendem a instituir
„áreas livres para a mineração‟ prioritárias.
Direitos dos trabalhadores e das comunidades afetadas
Os aspectos relacionados ao direito dos trabalhadores e das comunidades
afetadas demonstram, na melhor das hipóteses, ausência de avanços e, na pior,
retrocessos importantes. Uma das reivindicações dos movimentos sociais que vêm
questionando a condução dos debates sobre o novo marco legal diz respeito às
condições de trabalho na mineração e aos impactos sobre as comunidades que vivem
próximas às minas (CNDTM, 2013). Possivelmente em resposta a essas questões, tais
elementos foram incluídos nas propostas de texto, embora ainda de forma vaga e
contraditória.
Com relação às condições de trabalho, o Projeto de Lei do Executivo faz
referência à proteção, à saúde e à segurança do trabalho (Brasil, 2013a, art. 1) sem
definir nenhum instrumento específico para garantir essa proteção. De forma
semelhante, as versões do Substitutivo mencionam a adoção das melhores práticas
internacionais de mineração para reduzir os acidentes de trabalho, sem se
aprofundarem sobre o tema (Brasil, 2013b, art. 3; , 2014, art. 3).
Se a questão referente aos trabalhadores mostra-se apenas vaga, as propostas
para as comunidades afetadas parecem ir de encontro aos interesses e demandas desses
grupos. Com relação aos instrumentos de consulta prévia e consentimento, somente
existe a previsão de consulta para definição de atos normativos da ANM que
impactem “agentes econômicos e trabalhadores” (Brasil, 2013a, art. 30; 2013b, art. 60;
314
2014, art. 60). Dessa forma, não há previsão de audiências referentes a atos que
impactem as comunidades, nem mesmo consultas sobre projetos minerários
específicos.
Ainda com relação às comunidades afetadas, o Projeto de Lei menciona as
“áreas afetadas”, mas ignora as pessoas que vivem nessas áreas (Brasil, 2013a, art.
14). No caso do Substitutivo, existe a definição de comunidades afetadas como o
grupo de pessoas que têm “seu modo de vida significativamente afetado pela lavra,
beneficiamento, escoamento ferroviário, hidroviário ou rodoviário da produção
mineral” (Brasil, 2013b, art. 6º; 2014, art. 6º), porém nenhuma outra referência a essas
comunidades é feita ao longo dos textos.
Por fim, no que diz respeito ao processo de desapropriação, as duas versões do
Substitutivo apresentam um importante retrocesso, do ponto de vista das comunidades
afetadas. No Código Mineral atual, todo o processo de desapropriação é feito
judicialmente (Brasil, 1967). Os textos do Substitutivo do novo marco legal, por sua
vez, transferem essa responsabilidade para a ANM, ou mesmo para o concessionário
da lavra. Tal mudança aumenta significativamente a chance de avaliações parciais e
arbitrariedades no processo de desapropriação ou pagamento de indenizações às
comunidades afetadas (Brasil, 2013b, art. 44; 2014, art. 44).
Em resumo, é possível identificar que premissas da racionalidade
neoextrativista encontram-se profundamente incorporadas às propostas do novo marco
legal da mineração. A implementação dessa proposta cria o risco da intensificação do
modelo
neoextrativista
no
país,
aprofundando
as
tensões
econômicas
e
socioambientais mencionadas anteriormente. Entretanto, essa não seria a única
estratégia possível. Existem diferentes pressupostos que poderiam ser incorporados ao
novo marco legal da mineração, que construíssem outra relação dessa atividade com a
sociedade e o meio ambiente. Alguns desses pontos são discutidos a seguir.
Considerações finais
Ao longo desse texto procurou-se avaliar em que medida o neoextrativismo
pode ser percebido no Brasil, tendo permitido identificar elementos desse paradigma
em duas dimensões, sendo uma econômica, e outra política. Na dimensão econômica,
o neoextrativismo foi associado à reprimarização da pauta de exportação brasileira e
do PIB, definida como o aumento da importância relativa das atividades de extração
mineral vis-à-vis os demais setores econômicos. Na dimensão política, características
315
específicas do paradigma neoextrativista puderam ser associadas aos principais
objetivos da proposta de novo marco legal mineral.
De forma geral, a proposta de novo marco legal apresenta como principal
característica – além de uma intenção elementar de expansão da produção mineral –
um forte componente centralizador. O reforço do poder discricionário do Poder
Executivo Federal sobre a indústria extrativa mineral expressa, assim, dois elementos
chave. O primeiro diz respeito à centralidade dos resultados econômicos do setor –
quanto à adição de valor e ao comércio exterior – para a contabilidade nacional. O
segundo se relaciona à necessidade de expansão da captura de parcela da renda
extrativa, no contexto da fragilidade do equilíbrio das contas públicas, como eixo de
uma estratégia redistributiva restrita (via políticas sociais) e, mais importante, para a
manutenção de sua legitimidade política.
A avaliação do paradigma neoextrativista aqui apresentada sugere que o
aprofundamento desse modelo pode gerar uma série de tensões, tanto econômicas
quanto socioambientais. Entre as tensões econômicas, podem ser listadas a
deterioração dos termos de troca, a elevada volatilidade dos preços dos recursos
naturais, a monotonização econômica e a "doença holandesa", todas elas com fortes
impactos sobre o desenvolvimento econômico de longo prazo. Por outro lado, entre as
tensões socioambientais estão degradação da paisagem, poluição atmosférica,
contaminação hídrica, inchaço urbano, favelização e comprometimento da qualidade
dos serviços públicos nas cidades.
Todavia, argumentamos que essa não é a única alternativa possível e que
outros paradigmas poderiam ser adotados para evitar a concretização dos cenários aqui
descritos. Como ponto de partida, deveriam ser abandonadas as perspectivas
tecnocrática setorial e empresarial adotadas predominante e respectivamente no
Projeto de Lei e nas versões do Substitutivo em favor de estratégias democráticas e
participativas de formulação do marco legal. Nesse sentido, é importante mencionar
que a população vive sobre o solo e, portanto, é o uso do solo que deve definir a
exploração do subsolo e não o contrário. Sendo assim, as comunidades que vivem nas
áreas de mineração deveriam ser as primeiras a serem ouvidas e a elas deveria ser
garantido o direito de participar ativamente desse debate.
A partir da discussão com esses grupos, novas propostas poderiam surgir para
prevenir ou, ao menos mitigar, alguns dos impactos socioambientais do setor. Entre as
questões a serem debatidas podem ser listadas a escala de operação e os efeitos
316
cumulativos de diferentes minas e de suas redes de produção extensivas (implicando
em portos e minerodutos, ferrovias e terminais portuários, etc.) sobre o mesmo
território, o monitoramento participativo dos impactos e a coexistência da indústria
extrativa mineral com outras atividades. Ainda nesse rol de questões, alguns países,
como Peru e Argentina, vêm debatendo o conceito de territórios livres de mineração,
bem como o “direito de dizer não”, que poderão criar novos instrumentos para que as
pessoas decidam como deve ser ocupado seu território.
Complementando essas questões, também parece ser fundamental debater
aspectos associados às tensões econômicas geradas pela mineração. Embora, devido à
estrutura econômica do país, seja pouco provável que os impactos mencionados acima
sejam sentidos nacionalmente, há indícios de que algumas regiões mineradoras
tradicionais podem vir a passar por depressão econômica devido ao esgotamento dos
minérios explorados. Para evitar esse tipo de armadilha, faz-se necessária a discussão
sobre a transição do modelo atual para uma possìvel economia “pós-extrativa”.
Todavia, as associações empresariais representativas da indústria extrativa
mineral e os organismos governamentais relacionados à sua regulamentação são pouco
inclinados a expandir tanto o temário quanto a gama de agentes implicados no novo
marco regulatório da mineração. Como consequência, um debate público sobre o novo
marco regulatório da mineração é impedido, recobrindo as transformações que se
anunciam de um verniz antidemocrático. De fato, apenas uma participação ampla,
deliberativa e transparente pode proporcionar legitimidade às escolhas econômicas,
políticas e sociais que definem o fenômeno do neoextrativismo.
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320
8.3.13 Mesa Redonda: Violência e criminalização de movimentos
sociais
Ementa: Análise dos elementos que determinam a violência no contexto dos grandes
projetos. As estratégias e formas de repressão a qualquer resistência e luta existente.
Os mecanismos de criminalização dos movimentos e lideranças populares, utilizados
pelas empresas. Assim como as diversas formas em que a violência se manifesta, tanto
física quanto psicológica, como as ameaças, perseguições, agressões e morte. O
monitoramento dos movimentos sociais. As ações de violência e perseguição
cometidas pelo Estado.
Participantes da mesa:
Luiz Antônio Pasqueti (UNB - Brasil)
Melisandra Trentin (Justiça Global)
Maria Inez Pereira Pinheiro (MST - Brasil)
Coordenação: Rose Bezerra (CPT - Brasil)
Relatoria: Silvana Martins de Araujo
1. Aspectos gerais sobre a formação da sociedade: os diferentes modos de produção e o
tempo de duração de cada um.
2. Razão dos conflitos – disputa do capital por: território; pelos recursos naturais; pela
geopolítica; alianças estratégicas e ampliação dos mercados.
3. Tipos de violências contra os Movimentos Sociais:
 Física (vidas coisificadas, impunidade, ocorre onde o capital se instala);
 Midiática (invisibilidade dos movimentos, desqualificação semântica, satanização,
distorção e fraude da imagem, imposição da imagem a serviço do capital)
 Político-jurídica (Estado e seu aparato: força da lei, velocidade da lei, lei acima da
política, negação).
 Jurídico-administrativa (burocratismo, legalismo, órgãos de controle, recursos
insuficientes).
 Violência da apropriação da riqueza produzida por todos (juros da dívida, renúncia
fiscal, lucro dos bancos, taxa de juros).
4. Conceito e visão mais ampla sobre defensores e defensoras de direitos humanos
5. Processo de criminalização – conformação histórica do Estado brasileiro (articulação
de poderes)
6. Política neoliberal – impulsionou práticas de repressão e redução de direitos.
7. Expressões concretas de criminalização no Brasil: protestos, pobreza, sufocamento
das lutas sociais.
8. Relação entre o modelo de desenvolvimento excludente e a situação dos defensores de
direitos humanos.
9. Onde tem projeto de desenvolvimento tem criminalização, desqualificação, ameaça de
morte, espionagem.
321
10. Articulação de setores conservadores: grande capital e grandes grupos de mídia.
11. Principais causas dos ataques ao trabalho dos defensores de direitos humanos conservadorismo, tendo como pilares:
 Estado: violência policial, prisões, infiltrações nos movimentos, criminalização das
lideranças.
 Fundamentalismo religioso: ameaças, desqualificação. Ex: marcha das vadias
 Empresas: comandando ou se associando para neutralizar as organizações sociais. Ex:
Vale (praticas de espionagem).
12. Relato da experiência da 1ª Turma de Direito formada de trabalhadores do campo –
UFG – Cidade de Goiás – GO:
 Enfrentamento direto de classe (camponeses e latifundiários)
 Questionamentos do poder judiciário – ação civil pública do Ministério Público da
cidade de Goiás contra o curso – para que ensino jurídico no campo?
 Direito tem cara e dono - a serviço da burguesia e do latifundiário
 54 alunos graduados – 38 já foram aprovados no exame da OAB.
 Novos cursos: UFBA, UFPR e mais uma na UFG.
 Violências do desenvolvimento: despejos forçados, extermínio da juventude negra.
 Novas conquistas: turma de especialização, princípio da solidariedade.
DEBATES -Questões sobre:







Lei antiterrorismo
Criminalização de comunidades inteiras
Marco regulatório das organizações da sociedade civil
Justiça com as próprias mãos
Mobilização e sensibilização de outros estudantes de graduação da UFG
Fragilidade das instituições: a quem recorrer
Manipulação da mídia
PROPOSTAS E RECOMENDAÇÕES










Cuidado com demandas de novas leis – não se tem igualdade de tratamento
Cuidado com o aumento das práticas repressão com consenso social- “tempo de
criminalização, punição” – resposta geral para todos os problemas (vingança
interiorizada). Ex: Lei Geral da Copa.
Dar visibilidade, denunciar a criminalização dos movimentos e comunidades.
Articulação de forças contra o capital. Ex: Seminário Carajás
Marco legal – aumentar o respeito pelo trabalho popular/social – remunerado
Tribunal Popular do Judiciário.
Controle social da mídia – não renovação de concessões.
Projetos financiados para os movimentos populares – 5 anos de duração
Campanha “Somos todos defensores”
Universalização do ensino público superior para todos.
322
8.3.14 Mesa Redonda: Projetos e processos educacionais em disputa:
políticas governamentais, empresariais e alternativas populares
Ementa: Discussão sobre as consequências de grandes empreendimentos nos
processos educativos formais e populares, refletindo sobre a formação da força de
trabalho; projetos de responsabilidade social empresarial voltados para a educação;
propostas e experiências de educação do campo, educação popular e educação
indígena.
Participantes da mesa:
Elisa Cragnolino (Argentina)
Maria Gorete Sousa (ENFF - Brasil)
Rosani de F. Fernandes (UFPA -Povo Kaingang-Brasil)
Coordenação: Rita Nascimento (IFMA - Brasil)
Relatoria:Claudio Urbano Bittencourt Pinheiro Filho
1) Primeira Expositora: Elisa Cragnolino
- Síntese do Conteúdo:
A expositora buscou ressaltar o papel indistinto que a escola exerce no
processo de criação, formação e consolidação da cultura e disseminação de valores na
sociedade, destacando os efeitos deturpantes de tais diretrizes, em particular, no
campo.
O fato de o ensino no campo, tanto fundamental quanto médio, ter sua estrutura
curricular, voltada para o ensino de conteúdos programáticos que envolvem a
realidade do cotidiano tipicamente urbano, resulta na construção, disseminação e
perpetuação de valores culturais que não condizem necessariamente com a realidade
vivida por populações campesinas.
Tal situação, segundo a expositora, constitui-se dado a pressões de grandes
empresas e da relação destas para com o Estado, frente às necessidades do capital.
Uma vez que, as empresas precisam de funcionários inseridos na óptica do capital
(inseridos na dinâmica do mercado, sendo assalariados, “adestrados” a horários,
lógicas de produção, produtivos, etc.), estas se amparam no Estado, que, sob pressão,
323
converge
e
legitima
o
ensino
cada
vez
mais
voltado
para
formar
trabalhadores/proletários para reproduzir a lógica do capital.
No campo, essa prática se torna ainda mais perversa por dois motivos:
primeiro, o material didático utilizados nas escolas, refletem esse conteúdo, e segundo,
a formação dos professores que lecionam tal conteúdo também é voltada para a mesma
prática, ensinar um conteúdo programático que não representa a realidade de onde os
alunos estão inseridos.
Essa confluência de fatores acaba por se refletir na cultura e nos valores que a
sociedade campesina reproduz e na forma como esses valores afetam na transformação
de suas realidades. Como por exemplo, em sua noção do conceito de desenvolvimento,
que passa a ser compreendido como consumismo, e relação direta com o maior
número de bens de consumo duráveis e serviços, ou seja, o ambiente que possui e
disponibiliza o maior número de bens de consumo duráveis (carros, eletrodomésticos,
incidência de novas tecnologias, etc.) e serviços, passa a ser visto como o mais
desenvolvido, e por consequência, o objetivo a ser atingido, fazendo com que os
moradores do campo, ou desejem tornam o campo uma extensão direta das cidades, ou
migrarem do campo (o atraso) às cidades (desenvolvimento).
Desse modo, a educação, segundo a expositora, é apenas uma servente da
óptica do capital, de modo que, para as classes subalternas ela é apenas ferramenta de
inserção e/ou ascensão a um patamar de consumo mais elevado.
- Propostas e Recomendações:
Organização e mobilização das populações do campo para fazer pressão frente
ao Estado para reverem os conteúdos programáticos ensinados em escolas no campo.
Luta por mais universidades e cursos de ensino superior que reflitam um novo
conteúdo programático adequado à realidade do campo.
324
Readequar o material de ensino utilizado pelas escolas no campo, de modo a
adaptá-los à realidade dos campesinos.
Iniciar um novo formato de ensino no campo, que envolva mais as famílias dos
alunos, e trazer estes a ensinar nas escolas, de modo a estreitar os vínculos entre os
morados e incentivá-los à mobilização na luta de seus direitos e fazer frente aos
valores transpostos das cidades ao campo.
2) Segunda Expositora: Maria Gorete Sousa
- Síntese do Conteúdo:
A expositora inicia sua análise fazendo um retrospecto histórico de
negligências por parte do Estado brasileiro à educação. Segunda ela, a educação
em massa, à população – urbana- brasileira (maior parte referente às regiões sul e
sudeste) iniciaram apenas no início do século XX, e no campo, em particular, a
educação só passou a ser uma constante, no final desse mesmo século.
Essa educação, já tardia, passou a ser direcionada ao até então recente,
processo de industrialização, e desde então a educação passou a ser “subserviente”
aos interesses da burguesia nascente brasileira atuando fortemente na manutenção
do status quo.
Desse modo, a educação no campo, que nunca fora pensada até meados do
século XX, serviu apenas como “correia de transmissão” dos valores culturais das
grandes cidades do sul e do sudeste, atuando diretamente na manutenção da
dependência do campo para com a cidade, sendo esta primeira, apenas uma
extensão mais “atrasada” das cidades, provedora de alimentos e mão-de-obra
barata para as cidades.
Assim, a introjeção secular da educação urbana no campo, gerou uma série de
distorções à população do campo, tornando-a “refém” das condições criadas pelas
grandes cidades, lacrando-os em um estado sinérgico constante de subserviência às
325
cidades, econômico (pelo fato de servirem apenas como produtores de gêneros
primários) e culturalmente (pelo fato de sua população reproduzir valores e
práticas essencialmente urbanos).
A expositora então ressalta o papel que as grandes empresas possuem para a
deterioração da já difícil situação da educação no campo, e no papel conivente que
o Estado possui ao legitimar tais ações dessas grandes empresas. Primeiro, as
grandes empresas ao buscarem melhores condições de valorização do capital, se
alojam em zonas limítrofes urbanas, e por exigência de mão-de-obra barata e
qualificado, atuam de modo a interferir nos conteúdos programáticos ensinados no
campo, por consequência, o Estado, ao não regular, ou por estimular a presença
irrestrita de tais corporações, ainda legitima o aprofundamento de tal lógica ao
financiar (com dinheiro público, BNDES por exemplo) o estabelecimento dessas
empresas, e ainda de repassar o conteúdo a elas necessário no ensino público.
- Propostas e Recomendações:
Fomentar o favorecimento de políticas públicas para o fortalecimento de
organizações e mobilizações essencialmente do campo, de modo que estes possam
lutar e construir alternativas para construir uma nova cultura e assim novos valores
que reflitam a sua própria realidade.
Lutar por melhoria nas condições materiais na escola, e pela implementação de
uma quantidade maior de universidades no campo, pressionando sempre para criar
uma educação para a classe trabalhadora, de maneira coletiva e democrática.
3) Terceira Expositora: Rosani de Freitas Fernandes
- Síntese do Conteúdo:
A expositora destaca a situação delicada vivida pela maior parte dos povos
indígenas brasileiros, em termos educacionais, ressaltando o descaso e o
descumprimento por parte do Estado em atender direitos conquistados por esses
povos desde a constituição de 1988, e ressaltando também a pressão exercida pelas
326
grandes empresas (que se localizam próximas as áreas de reservas de povos
indígenas na construção), para adquirirem licenças ambientais para a construção e
melhoria de infraestrutura.
Segundo a expositora, a construção de rodovias, ferrovias, hidrovias e linhas de
transmissão de energia elétrica, não atendem as necessidades das populações
indígenas locais além de estimularem práticas de exclusão e de preconceito, por
parte dos não-indígenas (expressão utilizado pela expositora), uma vez que as
instituições do Estado (FUNAI, IBAMA, etc.) não atuam de maneira efetiva para
acabar, minimizar problemas recorrentes a estes povos (conflitos com madeireiros
ilegais, fazendeiros, conflitos com o Estado para demarcação de terras, etc.)
A situação se agrava, segundo a expositora, pois atualmente, as escolas para a
maior parte dos povos indígenas têm como objetivo apenas a assimilação cultural e
linguistica dos povos indígenas, não atuando conforme os direitos conquistados
por estes na constituição de 1988, que é o de manter os costumes desses povos e
ensinar a sua língua junto com outras matérias.
O conteúdo programatico da maioria dessas escolas acaba por não ser
diferenciado não incluindo o ensino da língua materna, nem disciplinas que
respondam a demandas, necessidades e interesses da própria comunidade. Observa
a interferência do Estado nas escolas indígenas, de forma que os currículos sejam
direcionados pela visão do não-indígena.
Outro aspecto importante destacado pela expositora, é o caráteretnocêntrico da
forma tal qual muitos desses povos indígenas (em particular os do Pará e do
Maranhão) são tratados, principalmente pelas instituições que deveriam defendêlos (FUNAI), especialmente durante o processo de promoção de algum projetos de
amplitude nacional. No mais, quando não há algum interesse direto por parte do
Estado, o descaso se faz presente, quer seja na ausência de políticas de saúde,
moradia, demarcação de terras, etc.
- Propostas e Recomendações:
327
Educação para povos em vias de integração – deixariam de existir como
coletividade sendo assimilados à sociedade nacional.
Políticas públicas e ações para contemplar a diversidade dos povos indígenas e
combater os estereótipos por meios de processos educacionais.
Organização e mobilização de povos indígenas – nacionais e internacionais para pressionar e efetivar o ideal de escola construída pelos povos indígenas para
os povos indígenas.
328
8.3.14.1 Educação Escolar Indígena: luta por direitos frente aos
projetos desenvolvimentistas na Amazônia69 - Rosani de Fátima
Fernandes70 (UFPA)
Resumo
Durante cinco séculos, os povos indígenas no Brasil sofreram as mais diversas formas de
violência: a escravização, os massacres, o extermínio, o genocídio e o etnocídio causados
pelas políticas integracionistas e assimilacionistas que tinham como objetivo a limpeza étnica
dos territórios e o apagamento das identidades. Ainda na segunda metade do século passado
muitas atrocidades foram cometidas contra os povos indígenas no Brasil por meio da
implantação de programas e projetos desenvolvimentistas, dentre os quais, o Programa Grande
Carajás (PGC). Em seus inúmeros desdobramentos e impactos, o PGC promoveu a invasão e
supressão de territórios tradicionais, comprometendo diretamente as culturas e formas de
organização social indígena. Como forma de resistência, os indígenas protagonizaram lutas
importantes nas décadas de 70 e 80 pelo reconhecimento de direitos que culminaram com
Constituição Federal de 1988, a ratificação da Convenção 169 da Organização Internacional
do Trabalho (OIT) pelo Brasil em 2002, e a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos
dos Povos Indígenas de 2008, que garantem o direito às terras tradicionalmente ocupadas, às
culturas, às línguas e à consulta livre, prévia e informada em todos os assuntos relacionados às
suas vidas. Nesse sentido, as comunidades indígenas têm o desafio de estabelecer novas
formas de diálogo com a sociedade não indìgena, no intuito de “fazer valer” direitos. A escola,
de “instrumento de colonização e integração” passa a ser apropriada como “instrumento de
luta”, porque estratégica para a formação de novas lideranças preparadas para mediar e
problematizar as diversas relações imbricadas nesse processo. A construção de processos
educacionais adequados às demandas e projetos étnicos societários também é importante para
qualificação dos enfrentamentos das diversas formas de violência exercidas pelo Estado
brasileiro, dentre os quais, os projetos desenvolvimentistas que comprometem a possibilidade
de futuro das próximas gerações.
Palavras-chave: Educação Escolar; Direitos; Povos Indígenas.
Para início de conversa...
Para a discussão do tema proposto é necessário tecer algumas considerações
iniciais acerca da presença indígena no Brasil e do lugar (não lugar) destes na
historiografia oficial,problematizando os violentos processos de ocupação dos
territórios tradicionais realizados pelo Estado brasileiro, bem como, a negação e
69
Artigo apresentado na mesa “Projetos e Processos educacionais em disputa: polìticas governamentais,
empresariais e alternativas populares”, no Semiário Internacional Carajás 30 anos realizado em São
Luiz, noestado do Maranhão entre os dias 05 e 09 de maio de 2014.
70
Da etnia Kaingang. Atualmente é doutoranda em Antropologia Social no Programa de Pós Graduação
em Antropologia (PPGA) da Universidade Federal do Pará. É Mestre em Direito pelo Programa de PósGraduação em Direito (PPGD) da UFPA, especialista em Currículo e Metodologia de Educação Infantil
e Séries Iniciais, Graduada em Pedagogia. Trabalha desde 1994 em Educação Escolar Indígena, na
docência em Educação Básica, na assessoria e na coordenação pedagógica de escolas e de organizações
indígenas. Integra o Programa de Políticas Afirmativas para povos Indígenas e Populações Tradicionais
(PAPIT) da UFPA.
329
violação dos sistemas políticos, jurídicos, sociais, educacionais, culturais, econômicos
e linguísticos indígenas como estratégia de apagamento das identidades étnicas e da
diversidade cultural.
Para Verdum (2002), os povos indígenas sempre foram pensados como
“obstáculos” aos projetos de desenvolvimento,71 o conceito cunhado sobre os ideais de
modernização e progresso não considerou, nem considera, as sociedades indígenas,
que são invisibilisadas nas políticas e programas, tendo negado o direito de
participação nas decisões que dizem respeito às próprias condições de existência
enquanto coletividades.
Cabe
também
reconhecer
que
os
direitos
assegurados
nacional
e
internacionalmente são fruto das mobilizações, reivindicações e protagonismo dos
movimentos indígenas na luta pela possibilidade de continuarem existindo enquanto
povos com culturas e formas de viver diversas. Passadas mais de duas décadas da
promulgação da Constituição Federal de 1988, que assegura importantes dispositivos
legais no que se refere ao reconhecimento da diferença cultural e garantia dos
territórios, o Estado brasileiro continua legislando em prol de interesses anti-indígenas,
se configurado como principal violador destes direitos, na medida em que se posiciona
favoravelmente a setores que historicamente têm atuado contra a demarcação de terras
indígenas e explorado recursos naturais e minerais nelas contidos. O descaso na
demarcação das terras indígenas tem gerado muitos conflitos, mortes de lideranças
indígenas e inúmeras formas de violência, que são agravadas pelas tentativas de
silenciamento dos movimentos indígenas pela repressão militar, jurídica e
administrativa do Estado brasileiro.
71
Como contraponto a ideia etnocida de desenvolvimento baseada em “progresso” a qualquer custo está
o etnodesenvolvimento, que, conforme assinala Stavenhagen (1984) requer uma completa revisão das
políticas indigenistas governamentais para a reafirmação dos valores étnicos, culturais e linguísticos.
Ver: STAVENHAGEN, Rodolfo. “Etnodesenvolvimento: uma dimensão ignorada no pensamento
desenvolvimentista”. Anuário Antropológico∕84. Brasìlia∕Rio de Janeiro: UNB∕Tempo Brasileiro, pp.1356;
Disponível em:
http://dan.unb.br/images/pdf/anuario_antropologico/Separatas1984/anuario84_rodolfostavenhagen.
Acesso em: 25/05/2014. Ver também: STAVENHAGEN, Rodolfo. Los Nuevos Derechos
Internacionales de los Pueblos Indígena. Anuário Antropológico/. Brasília/Rio de Janeiro: UNB/Tempo
Brasileiro,2007,2008,2009, pp.61-86. Disponível em:
http://dan.unb.br/images/pdf/anuario_antropologico/Separatas%202007/2007_rodolfostavenhagen.pdfA
cesso em: 25/05/2014.
330
Frente aos abusos e tentativas de desmonte de direitos conquistados, os povos
indígenas se organizam, se reinventam, buscam firmar novas (e velhas) alianças com o
objetivo de resistir e enfrentar as muitas formas de violação de direitos e, nesse
sentido, a Educação Escolar Indígena (EEI) têm sido tomada como aliada na formação
de novas lideranças, na tentativa de estabelecer diálogos com a sociedade não indígena
e elaborar respostas adequadas às problemáticas que estão colocadas. O artigo se
insere
neste
contexto,
na
discussão
acerca
dos
impactos
gerados
pelos
empreendimentos desenvolvimentistas, especialmente relacionados ao Projeto Grande
Carajás (PGC) na Amazônia e suas consequencias nefastas para os povos indígenas
nos estados do Pará e Maranhão, bem como, na problematização das estratégias de
enfrentamento elaboradas pelos movimentos indígenas, principalmente relacionadas à
aquisição de educação escolarizada.
Num primeiro momento retomo a trajetória histórica de violação de direitos
indígenas pelo Estado brasileiro, por meio das políticas colonialistas, assimilacionistas
e integracionistas; na sequência, discuto os impactos ocasionados pelo PGC aos povos
indígenas, bem como, dos demais empreendimentos que vêm sendo implantados na
Amazônia e que estão diretamente relacionados aos desdobramentos do programa,
principalmente no que se refere à violação de direitos indígenas em prol de grandes
empresas, grupos corporativos anti-indígenas, dos quais o PGC é apenas a ponta do
iceberg. Para finalizar,72 apresento a Educação Escolar Indígena como possibilidade
de resistência, por ser potencial aliada na construção de diálogos equitativos com a
sociedade brasileira no sentido de fazer respeitar as decisões, projetos de vida e de
futuro dos povos indígenas.
72
Durante o período de março de 2004 a fevereiro de 2012 atuei como assessora da Associação
Kyikatêjê Amtáti, do povo Kyikatêjê, grupo Timbira que foi transferido do Maranhão para a Terra
Indígena Mãe Maria onde vivem os também Timbira Parkatêjê e Akrãtikatêjê que são impactados
diretamente pela passagem da Estrada de Ferro Carajás que secciona a terra de uma extremidade à
outra. Na condição de assessora participei de diversas reuniões da comunidade com os representantes da
empresa VALE, Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e Ministério Público Federal (MPF) acerca dos
recursos repassados pela empresa às associações das comunidades como forma de mitigação dos
impactos causados pela construção da estrada e passagem do trem que transporta grandes quantidades
de minério de ferro. Nesse sentido minhas impressões e análises a partir da experiência de assessoria
fazem parte da elaboração deste trabalho. Para saber mais sobre, consultar: FERNANDES, Rosani de
Fatima. Educação Escolar Kyikatêjê: novos caminhos para aprender e ensinar. Belém, Dissertação de
Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) da Universidade Federal do Pará (UFPA),
2010.
331
Povos Indígenas no Brasil: breve histórico
Estima-se que no perìodo do chamado “descobrimento” do Brasil, viviam
nestas terras cerca de 1.400 povos nativos, somando um total de aproximadamente
cinco milhões de indígenas. Oliveira e Freire (2006) explicam que há várias
estimativas sobre a população indígena da época da conquista e que os números
podem variar muito, considerando que as descrições dos viajantes e cronistas sobre os
eventos são limitadas e escassas. O certo é que o período posterior à invasão deu-se
início ao processo de extermínio e massacre dos povos indígenas que foram
drasticamente reduzidos, sendo dizimados mais de mil grupos, desaparecendo
complexos sistemas sociais, culturais e linguísticos. A cruz e a espada foram as armas
europeias para sujeitar e conquistar os “selvagens”, considerados desumanos,
submetidos à escravidão, os povos indìgenas “entraram” para o grande curso da
história oficial de forma sangrenta e cruel.
Souza Filho (2008) explica que destituir um povo de seu território é condená-lo
à morte, ressalta que o aniquilamento dos povos indígenas ainda não acabou, refere os
catorze Ticuna que foram mortos em 1988 na fronteira do Brasil com a Colômbia; os
Nambiquara infectados e mortos por doenças advindas do contato com não indígenas
na segunda metade do século XX, os Yanomami de Hoximu assassinados cruelmente
por garimpeiros (o que denominou de holocausto na Amazônia); e os Xetá73que foram
dizimados pela matança ordenada também na segunda metade do século passado, pois
“(...) ao fim da década de 60 restavam apenas 5 indivìduos (...) foram distribuídos
pelas reservas indígenas do Estado do Paraná,74 deixaram de ser povo”. (Souza Filho,
2008:39).
Os exemplos são parte das tentativas de extermínio dos povos indígenas, que
infelizmente não é prática do passado, mas recorrente nos dias atuais. Outro caso mais
recente e que ganhou notoriedade pela violência foi de Galdino Pataxó, “confundido”
com um mendigo e brutalmente assassinado enquanto dormia em um banco de praça
na capital federal, sem qualquer direito de defesa. Conflitos de terra no Mato Grosso
do Sul, na Bahia e no Rio Grande do Sul são apenas alguns dos episódios “recentes”
73
Os Xetá habitavam tradicionalmente a região do rio Ivaí, afluente do rio Paraná, na região Sul do
Brasil. Ver: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/xeta. Acesso em 25/05/2014.
74
Na Aldeia Xapecó, localizada no município de Ipuaçu, região Oeste de Santa Catarina convivi com
um dos Xetá que sobreviveu ao massacre, atualmente é técnico de enfermagem, casou-se com uma
Kaingang e tem duas filhas.
332
de violência contra indígenas. A recente prisão do cacique Babau Tupinambá ilustra
os atos arbitrários promovidos contra lideranças indígenas, que enfrentam
quotidianamente invasores como madeireiros, latifundiários e os empreendimentos do
próprio Estado em suas terras. Isto significa que os povos indígenas têm mais uma vez
o desafio de enfrentar o maior violador de direitos indígenas, o próprio Estado
brasileiro, que, conforme afirma o artigo 231 da Constituição Federal de 1988, deveria
ser o guardião dos direitos indígenas. Infelizmente, a história de violações se repete,
com outros formatos, novas armas, diferentes estratégias de conquista, mas com os
mesmos objetivos: invadir os territórios indígenas para exploração dos recursos
naturais, e das “riquezas” do subsolo.
É importante ressaltar que os povos indígenas sempre se organizaram e
resistiram, enfrentando as políticas colonialistas e assimilacionistas, foi graças as
resistências e alianças estabelecidas que atualmente somam mais de três centenas de
povos e aproximadamente 817 mil pessoas, falando cerca de 274 línguas, conforme
dados do Censo Demográfico (2010) do Instituto de Geografia e Estatística (IBGE).75
Como é possível perceber na análise dos números dos censos anteriores, a
população indígena tem aumentado consideravelmente, contrariando as muitas
previsões de extinção. No entanto, a não demarcação de terras indígenas, a não
ampliação das áreas e as constantes invasões por diversos empreendimentos
econômicos, constituem novas estratégias de invasão, reproduzindo as práticas
coloniais predatórias, comprometendo a reprodução física e cultural dos povos
indígenas, especialmente pela impossibilidade de aquisição (caça, coleta, pesca) e
produção (roças) de alimentos, que fica comprometida com as áreas diminutas. Nesse
sentido, a elaboração de novas formas de obter e produzir alimentos são parte das
vivências indígenas, afinal, a sobrevivência a 500 anos de massacres só foi possível
pela possibilidade de cada povo se reinventar a cada luta enfrentada.
A Amazônia brasileira concentra na atualidade a maior diversidade de povos
indígenas, mas também tem sido a região mais impactada por projetos
desenvolvimentistas que não consideram os povos indígenas e comunidades
tradicionais como sujeitos de direito. Beltrão e Oliveira (2014) mostram que os povos
indígenas sofreram genocídio (extermínio físico) e etnocidio (apagamento da cultura
75
IBGE. Os indígenas no Censo Demográfico 2010: primeiras considerações com base no quesito cor
ou
raça.
Rio
de
Janeiro:
IBGE,
2012,
31p.
Disponível
em
http://www.ibge.gov.br/indigenas/indigena_censo2010.pdf. Acesso em 24/05/2014.
333
por meio de empreendimentos coloniais e assimilacionistas) e vêm denunciando em
diversas instâncias latino americanas e mundiais a violação de direitos humanos, que
inclui a invasão e supressão dos territórios, as políticas de integração e assimilação
pela imposição de valores hegemônicos, o extermínio físico pelos massacres com o
objetivo de limpar etnicamente os territórios e entregá-los à ocupação colonial, como
aconteceu com os Xetá, já referidos.
Na década de 70, os movimentos indígenas e setores organizados da sociedade
civil reivindicaram mudanças para o país, que viva os anos de chumbo da ditadura
militar, instaurada em 1964 e que significou décadas de tentativas de silenciamento
dos movimentos sociais no Brasil às custas de duras repressões. Com relação aos
povos indígenas, foram criados locais específicos para prisão e confinamento de
daqueles indivìduos classificados como “perturbadores da ordem”, a exemplo do
Presídio Krenak,76 em Minas Gerais, para onde foram levados indígenas de todas as
regiões do país para serem duramente “disciplinados” via violência fìsica. Alguns
indígenas eram presos simplesmente por estarem alcoolizados. Foi também no período
da ditadura militar que muitos povos indígenas foram retirados de seus territórios
tradicionais e transferidos para outros com o objetivo de liberar as áreas para ocupação
não indígena, como foi o caso do Nambiquara e dos Panará, levados para o Parque do
Xingu, onde viveram por 20 anos, retornando depois para suas áreas tradicionais
(Souza Filho, 2008).
Os movimentos pelo fim da ditadura militar e pela redemocratização do Estado
brasileiro culminaram com a Promulgação da Carta Magna de 1988, a primeira na
história do Brasil que reconhece os direitos étnicos e diferenciados dos povos e
populações tradicionais, assegurando o caráter multicultural do Estado brasileiro. Aos
povos indígenas coube um capítulo específico. O Artigo 23177 constitui divisor de
águas nas políticas de Estado para indígenas:
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas,
crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente
ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus
bens.”
76
Informações
disponíveis
no
site
do
Instituto
http://pib.socioambiental.org/pt/povo/krenak/256. Acesso em 22/05/2014.
Socioambiental
(ISA):
77
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília/DF, 1988. Acessível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 22/05/2014.
334
Souza Filho explica que a lei brasileira criou um conceito especial para terras
indígenas, que são propriedade pública (da União), de posse exclusiva dos indígenas e
de uso coletivo, destinada à ocupação permanente, a quem cabe uso exclusivo dos
recursos do solo e subsolo, o que inclui rios e lagos. Enfatiza ainda que a Constituição
brasileira reconhece o direito originário sobre as terras, o que significa que tal direito
é anterior inclusive ao próprio Estado, porque definida em “caráter permanente”.
Diferencia terra e território, e explica: “[o] território não pode se confundir com o
conceito de propriedade da terra, tipicamente civilista; o território é jurisdição sobre
um espaço geográfico, a propriedade é um direito individual garantido pela
jurisdição.” (SOUZA FILHO, 2008:122)
Outro aspecto importante com relação aos direitos indígenas é o fim jurídico da
tutela, superando a visão protecionista e de incapacidade civil registrada no Estatuto
do Índio de 1973. No artigo 232, a Constituição Federal de 1988 reconhece as
comunidades e organizações indígenas como parte legítima para ingressar em juízo na
defesa de seus direitos, atribuindo ao Ministério Público Federal (MPF) a intervenção
nos atos do processo. A partir de 88, uma série de leis, decretos, resoluções, portarias
interministeriais foram elaboradas no sentido de atender as reivindicações indígenas
em todas as áreas, ou seja, juridicamente o Estado brasileiro assegura amplo leque de
direitos indìgenas, mas Brand (2008:31) ressalta que “(...) as alterações no arcabouço
legal não se traduzem necessariamente em mudanças na prática administrativas do
Estado (...).”
Dentre os tratados internacionais, o Brasil é signatário, mesmo que tardiamente
se considerarmos outros países da América Latina, da Convenção 169 da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), ratificada em 2002, que assegura entre outras
conquistas importantes o direito de consulta livre, prévia e informada em todos os
assuntos e questões que digam respeito aos povos indígenas. Mas, como veremos no
próximo tópico, a letra da norma não tem se configurado prática em muitos aspectos,
especialmente quando estão em jogo interesses de grandes empresas e do próprio
Estado que, atropela direitos indìgenas em nome de modelos de “desenvolvimento”
historicamente nefastos às coletividades indígenas. Na atualidade as ações
governamentais relacionadas à implantação do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) do Governo Federal têm repetido a história de desrespeito e
violação de direitos indígenas que marcaram os mais de 500 anos de existência do
335
Brasil. Na Amazônia brasileira o Programa Grande Carajás é emblemático para
pensarmos essa relação.
Povos Indígenas e o Programa Grande Carajás
O Projeto Grande Carajás instituído e idealizado no período do governo militar
pelo Decreto-Lei 1.813 de 24 de novembro de 1980, desde sua concepção, foi pensado
como resposta as pressões internacionais ao Brasil reproduzindo as relações coloniais
de exploração no século XX. No início dos anos 70, os chamados países
desenvolvidos reorientaram as formas de relação com os países dependentes de
terceiro mundo, com objetivo de estimular a implementação de grandes projetos
desenvolvimentistas para o fornecimento de matéria prima e energia aos países
centrais. Pensado como solução para o “problema brasileiro” e como forma de
incentivar a ocupação da Amazônia que era considerada grande “vazio demográfico” –
“terra sem homens para homens sem-terra” - o PGC foi idealizado como parte das
estratégias do governo militar para ocupação demográfica e desenvolvimento de áreas
consideradas potenciais pela grande diversidade de recursos naturais e minerais, mas
sem considerar os povos e populações que viviam e vivem nestes espaços (CTI,
1989).78
A abertura de estradas, a construção de hidrelétricas, de hidrovias, de ferrovias
e de linhas de transmissão de energia elétrica, construídas em função do PGC
ocasionaram impactos irreparáveis e irreversíveis aos povos indígenas e populações
locais que foram direta e indiretamente atingidas. No que se refere especificamente ao
PGC, este impacta 21 territórios Indígenas, 16 povos e mais de 13 mil indígenas. O
fluxo migratório para as regiões Sul e Sudeste do estado do Pará, para o Estado do
Maranhão e região norte do estado do Tocantins na expectativa de emprego e
melhores condições de vida em função do PGC acirraram os conflitos no campo,
ocasionando o aumento da pressão sobre os territórios indígenas, que passaram as ser
invadidos e saqueados por madeireiros, garimpeiros e caçadores em busca das últimas
reservas de recursos naturais. Na região sudeste do Pará onde a indústria madeireira e
carvoeira se instalaram em função do programa, aconteceu uma das maiores
derrocadas da floresta amazônica que, cedeu lugar as pastagens para criação de gado.
78
Ver: CTI. Carajás: a saída ou o fundo do poço? Documento em vídeo. São Paulo, 1989.Disponível
em: http://www.trabalhoindigenista.org.br/biblioteca/acervo-f%C3%ADsico-grande-caraj%C3%A1s.
Acesso em 21/05/2014.
336
Invisíveis ao PGC, os indígenas somente foram “percebidos” depois de
denúncias realizadas acerca da violação de direitos, na década de 80, levando o Banco
Mundial, principal financiador do programa a cobrar medidas compensatórias do
Estado brasileiro para atender os povos indígenas impactados. O projeto intitulado
“Apoio às Comunidades Indìgenas” foi a resposta do governo brasileiro para atender
as exigências internacionais. Elaborado para desenvolver atividades em áreas
estratégicas para os indígenas como proteção dos territórios, saúde, educação, moradia
e atividades produtivas, o projeto era gerenciado e executado pela Fundação Nacional
do índio (FUNAI) e acabou resumindo-se na reestruturação do próprio órgão. Ou seja,
ao invés de serem aplicados de acordo com as demandas e necessidades das
comunidades, os recursos foram utilizados para compra de veículos, contratação de
pessoal não especializado, construção de postos indígenas do próprio órgão nas
aldeias, como forma de suprir as lacunas do Estado junto aos povos indígenas, tendo
como consequência o aumento dos quadros de dependência com relação ao órgão
tutelar (CTI, 1989).
O desmatamento para a produção de carvão vegetal, base para as siderúrgicas
de ferro gusa, ferro-liga, silício metálico e fábricas de cimento implantadas em função
do PGC na região, ocasionou o que já foi chamado de “desastre ecológico sem
precedentes na Amazônia” (SANTOS, 1988). Como consequências, o trabalho
escravo, o engrossamento dos bolsões de pobreza, o que significa o incremento das
desigualdades sociais, o aumento da violência79 no campo e nas cidades pela
inexistência de políticas públicas em todas as áreas, além de graves problemas
fundiários e abusos de toda ordem por parte do poder público, principalmente no que
se refere à repressão e criminalização dos movimentos sociais. As chamadas
79
Em 10 anos já assassinadas mais de 500 lideranças indígenas, homicídios relacionados principalmente
às reivindicações pela terra, desde 1985 não haviam sido registrados números tão elevados, atualmente
são 99 indígenas incluídos no Programa de Proteção à Defensores de Direitos Humanos, que conta com
um total de 417 nomes incluídos na lista, a maioria relacionados a conflitos agrários. Dos casos mais
graves estão os Guarani do Mato Grosso do Sul, e dos Tupinambá do Sul da Bahia, que tem casas
queimadas, carros que fazem transporte escolar sendo baleados, onde quatro indígenas já foram
assassinados, a prisão do cacique Babau, ameaçado de morte pelos fazendeiros é parte das injustiças e
atrocidades cometidas nos processos de retomada dos territórios, agravados sobretudo pela morosidade
nas demarcações, são verdadeiros campos de batalha instaurados pela ineficiência do poder público em
demarcar terras indígenas. Para mais informações ver: CIMI. Relatório Violência contra os povos
indígenas
no
Brasil-2012.
Brasília/DF,
2012,
144p.
Disponível
em:
http://www.cimi.org.br/pub/viol/viol2012.pdf. Acesso em 26/05/2014.
337
minorias,80 neste contexto, não tiveram, nem têm considerada a dignidade humana e o
direito à vida.81 Em 1989, o Centro de Trabalho Indigenista (CTI) alertava para a
forma arbitrária com que as políticas governamentais vinham sendo conduzidas e
desenvolvidas na Amazônia, sem a participação dos povos e populações locais.
Santos e Nacke (2003) discutem o quanto as experiências dos povos indígenas
com relação a construção de hidrelétricas e outros empreendimentos econômicos em
terras indígenas, ou próximo delas, foi desastrosa. As tentativas de mitigação dos
prejuízos revelaram total falta de compromisso das empresas e do próprio Estado
brasileiro com as coletividades indígenas, como foi o caso da construção das
Hidrelétricas de Tucuruí (PA), Balbina (AM) e Itaipu (PR), e recentemente Belo
Monte (PA) e outras incontáveis barragens previstas para os rios Tapajós, Xingu e
Tocantins, também localizados no Pará e já causam impactos sem precedentes na
Amazônia brasileira.
A construção da Hidrelétrica de Belo Monte, idealizada no contexto do PGC
também é mais uma tragédia anunciada e está sendo executada às custas de manobras
políticas que desconsideram e atropelam os processos legais de participação e consulta
dos povos indígenas e populações tradicionais, o que caracteriza afronta aos
movimentos sociais e aos direitos conquistados. A tragédia das hidrelétricas na
Amazônia é de longa data e segue impactando indígenas, ribeirinhos, quilombolas,
agricultores, pescadores dentre outras comunidades tradicionais sob a justificativa
falaciosa de que energia é “progresso e crescimento”. São danos irreversìveis com
custos sociais e ambientais incalculáveis porque baseados na exploração desordenada
dos recursos naturais, provocando a desestruturação das economias locais que têm
direitos negados pelo próprio Estado, repetindo a “tradição perversa” na relação com
os povos indígenas (SANTOS, 1988).
80
Para Seyferth (2012) o conceito de minoria refere a desigualdade de status, não estando portanto
relacionado a ideia numérica, remete à grupos que, em antagonismo à maioria, grupo dominante,
apresenta menores indicadores no acesso à saúde, educação, moradia, entre outros. Para ela, a condição
de minoria está associada ao racismo, ao etnocentrismo e ao preconceito, bem como, às demais formas
de discriminação e desqualificação social.
81
O massacre na curva do “S” no municìpio paraense de Eldorado de Carajás que vitimou duas dezenas
de trabalhadores e feriu muitos outros, entre mulheres e crianças, é exemplo da truculência, violência,
despreparo e descaso com que o Estado trata as demandas das minorias. Os assassinatos de lideranças
comunitárias, sindicais e religiosas também são consequências do acirramento da violência no campo,
como é o caso da irmã Dorothi, assassinada em Anapu e do casal José Claudio e Maria do Espírito
Santo, mortos por pistoleiros em Nova Ipixuna, também no Pará.
338
Historicamente os empreendimentos na Amazônia foram pensados em função
dos grandes projetos e não atendem as necessidades das populações locais, beneficiam
grandes empresas e o capital externo, visam suprir as necessidades das indústrias
siderúrgicas e o próprio mercado externo, “ferro para a China, alumìnio para o Japão e
energia para o mundo” (IDESP, 1988).82
A Hidrelétrica de Tucuruí expulsou cerca de 30 mil pessoas de seus locais de
moradia, entre indígenas, pescadores, agricultores e outros. Construída para gerar
energia para a produção industrial de alumínio em Barcarena e para atender as
demandas do Projeto de Ferro em Carajás, a hidrelétrica impactou diretamente os
povos Parakanã, Assurini e GaviãoAkrãtikatêjê, este último conhecido também como
“povo da montanha" porque tradicionalmente ocupava a região onde a barragem de
Tucuruí foi construída. Sendo obrigados a sair do território, os Gavião da Montanha
foram recolocados na Terra Indígena Mãe Maria (TIMM), no município de Bom Jesus
do Tocantins, no sudeste do Pará, onde estavam os Gavião Parkatêjê, grupo com o
qual haviam rompimento anteriormente por razões de ordem político-cultural. Na
TIMM também estavam os Kyikatêjê, grupo Timbira que habitava tradicionalmente a
cabeceira do rio Tocantins, no estado do Maranhão e que foram compulsoriamente
transferidos para liberar o a área para industria madeireira, sobre suas terras e seus
cemitérios ergueu-se o município de Cidelândia. Todas as ações arbitrárias que
incluíam a remoção dos grupos indígenas foram realizadas com apoio e intermediação
do próprio órgão governamental, a FUNAI, que deveria atuar na defesa e promoção
dos interesses indígenas.83
Com relação aos Akrãtikatêjê, há quase quatro décadas lutam na justiça pela
recolocação em uma área de igual proporção a que ocupavam, sem respostas efetivas
82
Documento do IDESP (1988) alertava para os problemas ocasionados pelas atividades siderúrgicas e
metalúrgicas na região de Marabá, com o objetivo de exportação, sem trazer benefícios locais e
regionais. Ver: Instituto do Desenvolvimento Econômico Social do Pará. O impacto da implantação
do Pólo Siderúrgico na estrutura produtiva e no movimento migratório de Marabá. IDESP, Pará, 1988
83
Para Athias (2002) a FUNAI abriu caminho para os projetos desenvolvimentistas pois, estava ligada
umbilicalmente à ditadura militar, por essa razão se posicionou em favor da integração nacional
contrariamente aos direitos indìgenas. Ver: ATHIAS, Renato. “Temas, problemas e perspectivas em
etnodesenvolvimento: uma leitura a partir dos projetos apoiados pela OXFAM (1972-1992). In SOUZA
LIMA, Antonio Carlos; BARROSO-HOFFMANN, Maria. (org.). Estado e povos indígenas: bases para
uma nova política indigenista II. Rio de Janeiro: Contra Capa/LACED, 2002, pp.49-86.
339
por parte do Estado. O líder Payaré,84que era cacique dos Akrãtikatêjê e principal
referência da luta indígena contra as hidrelétricas na Amazônia faleceu em março
deste ano sem ter atendida as reivindicações do seu povo, pelo contrário, enfrentou
mais impactos na TIMM relacionados a Estrada de Ferro Carajás (EFC) e as
discussões acerca da duplicação da mesma.85
A EFC transporta o minério de ferro da Serra de Carajás, no município de
Parauapebas, no sudeste paraense para o porto na capital do Maranhão, São Luiz. No
percurso, a ferrovia atravessa a TIMM de uma extremidade a outra, com uma média de
10 viagens por dia em 330 vagões super carregados, que deixam rastros de poeira de
minério, poluindo o ar,86 espantando e atropelando caças, provocando barulho
ensurdecedor e ocupando uma grande área que foi desmatada para ceder lugar aos
trilhos. Atualmente as negociações acerca da mitigação dos impactos são realizadas
diretamente com as associações indígenas e são marcadas pela tensão que gera muito
mais impactos sociais e culturais do que benefícios aos grupos. Nas reuniões com as
comunidades, os representantes da empresa VALE fazem questão de deixar
explicitado o caráter “voluntário” do repasse de recursos realizados, se utilizando de
artifícios jurídicos próprios daqueles que detém poder econômico e político,
reafirmando o histórico de desrespeito aos direitos indígenas, visando o lucro a
qualquer custo sociocultural e ambiental.
Outro povo impactado diretamente pela VALE, os Xikrin87 tiveram parte do
seu território tomado para a abertura da mina de ferro, transformada em Floresta
Nacional para garantir a extração pela empresa. Os impactos provocados têm
ocasionado alterações drásticas nos padrões tradicionais de organização sociocultural
84
Souza Filho (2008) no livro O renascer do povos indígenas para o direito faz referência à lição de
Payaré.
85
Na Terra Indígena Mãe Maria os Akrãtikatêjê são novamente impactados pela linha de transmissão de
energia da Eletronorte, juntamente com os Gavião Parkatêjê e Kyikatêjê, que sofrem com os impactos
ocasionados pela passagem do linhão, que entre outros problemas, vem sendo apontado como principal
responsável pelo aumento do número de casos de câncer entre a população Gavião.
86
A comunidade Piquiá de Baixo, localizada no Distrito Industrial do município de Açailândia, no
Maranhão está sendo impactada diretamente com a passagem do trem. São cerca de 380 famílias
expostas ao pó de minério diariamente, o que ocasionado muitos casos de câncer de pulmão em pessoas
de todas as idades. A comunidade reivindica a recolocação das famílias em uma área livre de poluição,
sem respostas efetivas da empresa VALE, as pessoas continuam expostas ao risco de doenças.
87
Para maiores informações ver: GORDON, Cesar. Economia selvagem: ritual e mercadoria entre os
índios Xikrin-Mebêngôkre. São Paulo: UNESP: ISA; Rio de Janeiro: NUTI, 2006.
340
do povo, que com frequência tem acionado o MPF para denunciar os desmandos e
abusos da empresa. Da mesma forma, os Gavião também mantém estreito contato com
o órgão como forma de denunciar violações e reclamar direitos. Isto porque questões
sociais, culturais e ambientais não são importantes para a empresa, nem mesmo para o
governo brasileiro que, com frequência se coloca em favor das mesmas,
desconsiderando os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. Sobre a lei
de mercado que agride e avassala direitos constitucionais, Brand (2002) explica:
[a] crescente globalização da economia e o enfraquecimento dos Estados nacionais
têm como conseqüência a transferência de cada vez mais poder para alguns poucos
grupos econômicos, clara e ostensivamente descompromissados com os interesses
internos de cada país ou região e não sujeitos aos textos constitucionais em vigor ou às
periódicas peregrinações eleitorais. Estão acima de tudo e de todos, sacralizando e
exaltando o mercado como lei e norma absoluta, diante do qual todos devem se curvar,
inclusive os próprios textos constitucionais. (BRAND, 2002:33)
Recentemente a VALE deu início ao processo de duplicação da EFC, com
vistas a aumentar o potencial de escoamento do minério. No entanto, não tem
cumprido devidamente a obrigações de consulta livre, prévia, informada e adequada
aos povos indígenas conforme determina a Convenção 169 da OIT, que, no Artigo 6º
determina:
a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e,
particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam
previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;
b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar
livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos
os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos
e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam
concernentes;
c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos
povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim.
2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa
fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e
conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.
Além disso, o Artigo 7º estabelece que os povos interessados devem ter
respeitadas suas próprias prioridades no que diz respeito aos processos de
desenvolvimento, devendo participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos
e programas que afetem o desenvolvimento social, cultural e econômico. Ao invés de
fazer valer tais direitos, os órgãos responsáveis pela libração das licenças se
posicionam em favor das empresas, a FUNAI e o Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), por exemplo, têm histórico
de colaboração às empresas na emissão de licenças ambientais, como ocorreu no caso
341
da Hidrelétrica de Belo Monte, desconsiderando prazos e procedimentos legais.
Apesar dos estudos terem se mostrado inconclusivos, as licenças foram emitidas à
revelia dos povos indígenas e demais comunidades, colocando os interesses das
empreiteiras e do Estado acima de qualquer outro, de forma irresponsável e
inconstitucional. Como enfrentar tais questões é ponto de pauta dos movimentos
indígenas que buscam alternativas para impedir o desmonte de direitos constitucionais
e, a Educação Escola constitui uma destas possibilidades.
Educação Escolar, projetos desenvolvimentistas e formas de resistência
indígena
Luciano (2006)88 define educação como processo de socialização dos
indivíduos, sendo parte constitutiva do sistema cultural de um povo, garante sua
reprodução, perpetuação e mudança. A educação indígena refere os processos de
transmissão de conhecimentos próprios dos povos indígenas, e a Educação Escolar
Indígena é a educação realizada a partir da apropriação da escola pelos povos
indígenas para fortalecer os projetos socioculturais e possibilitar o acesso aos
chamados conhecimentos universais. Luciano destaca que a educação escolar
indígena:
(...) pode ser um instrumento de fortalecimento das culturas e das identidades
indígenas e um possível canal de conquista da desejada cidadania, entendida como
direito de acesso aos bens e aos valores materiais e imateriais do mundo moderno.
(LUCIANO, 2006:129)
Para Luciano (2006), foi por meio da prática pedagógica, parte constituinte da
educação tradicional de cada povo que os indígenas mantiveram a alteridade que
engloba a relação dos diversos elementos que formam a cultura, como o território, a
língua, o parentesco, a economia, entre outros. A vida pedagógica é a forma como os
conhecimentos são transmitidos para as novas gerações de acordo com espaços e
tempos apropriados e com as elaborações específicas de cada grupo. Com relação a
educação escolarizada, o autor explica que há algumas questões que continuam sendo
alvo de crítica dos povos indígenas, como por exemplo, o fato dos sistemas
88
Gersem dos Santos Luciano é da etnia Baniwa do estado do Amazonas, é Doutor em Antropologia e
professor efetivo da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), membro indígena no Conselho
Nacional de Educação. Para conhecer mais sobre o protagonismo dos povos indígenas e a produção
acadêmica ver: LUCIANO, Gersem dos Santos; OLIVEIRA, Jô Cardoso de; HOFFMANN, Maria
Barroso (Orgs.). Olhares Indígenas Contemporâneos. Brasília: CINEP, 2010, 259p.
342
educacionais reproduzirem os modelos de educação escolar não indígenas nas aldeias,
onde os currículos e os objetivos não são adequados às realidades das comunidades.
Juntamente com as discussões acerca de terra e saúde, a educação escolar tem
se constituído elemento central nas reivindicação dos movimentos indígenas, que, via
lutas nacionais e internacionais garantiram, a partir de 1988, arcabouço legal
importante para a garantia da especificidade da educação escolar. Isto porque a
presença da escola nas aldeias foi marcada historicamente pela condição de aliada do
Estado nos processos de colonização, integração e assimilação, como ferramenta
poderosa no apagamento das identidades étnicas, culturas e línguas indígenas. Para
Franchetto (2001:77), “(...) a educação escolar é um meio eficaz de neutralização da
diversidade, inclusive linguística.”
Resignificada pelas comunidades indígenas e reelaborada para abarcar as
demandas dos povos, a escola passa a ser entendida como espaço dialógico, como
ponte entre os saberes indígenas e não indígenas e como possibilidade de aquisição de
conhecimentos estratégicos para a defesa dos territórios, para busca de qualidade de
vida em todos os aspectos, principalmente frente às muitas formas de supressão de
direitos indígenas, frente as quais, os movimentos indígenas têm buscado formas de
resistência e enfrentamento.
A educação escolar de qualidade passou a ser ponto de pauta das comunidades
indígenas também pela necessidade de conhecer e acessar direitos, ou seja para
exercer a cidadaniaplural ou dupla cidadania referida por Luciano (2006) e que
implica no reconhecimento de direitos enquanto povos diferenciados,89 como parte de
coletividades com projetos étnicos específicos, ao mesmo tempo em que também
exercem a cidadania brasileira, tendo os mesmos direitos de qualquer cidadão, como
forma de participar plenamente da sociedade nacional.
Para Tassinari, (2001:50) a escola indígena é local de encontro de mundos
diferentes, de múltiplas formas de saber e não pode mais ser considerada alheia à vida
nas aldeias, pois “[e]la é como uma porta aberta para outras tradições de
conhecimentos, por onde entram novidades que são usadas e compreendidas de formas
variadas.” A escola, entendida nesse sentido como parte da agência indìgena, é
também local de apropriações e reelaborações culturais.
89
Ver também: ARAÚJO, Ana Valéria. Povos Indígenas e a Lei dos “Brancos”. O direito a diferença.
Vol. 3, Brasília: MEC/SECAD, LACED/ Museu Nacional, 2006. Disponível também em
http://www.laced.mn.ufrj.br/trilhas/. Acesso em 29∕05∕2014.
343
Apropriada como “instrumento conceituado de luta” (FERREIRA, 2001:71), a
escola indígena não pode estar desconectada dos processos de socialização indígena e
dos projetos societários de cada povo. Por isso a formação de professores das próprias
etnias é fundamental para assegurar que a educação escolar esteja de acordo com os
ideais de autonomia dos povos indígenas, para a superação dos quadros históricos de
dominação e exclusão.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) Lei 9.394 de 1996,
nos artigos 78 e 79 estabelece a autonomia educativa indígena nos processo de
construção escolar, garantindo que os programas sejam elaborados com participação
das comunidades indígenas, assim como os currículos, calendários e materiais
didáticos, que devem considerar as línguas indígenas e os processos próprios de ensino
e aprendizagem de cada povo. Nesse sentido, a ampla legislação nacional sobre EEI,
bem como, os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, reforçam a
autonomia educativa indígena como princípio básico e indissociável da escola
indígena, mas isso não significa que a autonomia é plenamente exercida nas relações
institucionais, uma vez que, práticas colonialistas, dominação e sujeição indígena
continuam presentes nas ações e no quotidiano das secretarias de educação, manifestas
muitas vezes em forma de preconceito institucional que desconsidera a diversidade
cultural e limita burocraticamente as possibilidades de construções educacionais
autônomas.
Para construção de novas bases nas políticas públicas e nas relações de Estado
instituídas com os povos indígenas, se faz necessária uma completa revisão e
superação dos estereótipos, preconceitos e da própria visão de incapacidade e
inferioridade indígena, que se mantém arraigada no imaginário nacional, que associa
diferença cultural com atraso, desigualdade e inferioridade. Talvez este se constitua o
maior desafio para a construção da sociedade plural anunciada na Carta Magna de 88,
reivindicada pelos movimentos indígenas e ainda muito distante das práticas que
orientam as ações de Estado junto aos povos indígenas no Brasil.
Finalizando sem encerrar...
O desenvolvimento na perspectiva étnica, ou “etnodesenvolvimento” conforme
propõe Stavenhagen (1984) e Souza Lima e Barroso-Hoffmann (2002), pressupõe o
controle dos povos indígenas sobre as terras, sobre os recursos nelas existentes, sobre
344
as culturas, de forma que seja assegurada a autonomia indígena nos processos de
negociação e relação com o Estado brasileiro, que deve ser livre e sem qualquer forma
de pressão ou coerção. Mas a efetividade do etnodesenvolvimento, em contraposição
ao desenvolvimentismo, requer mudanças substancias na estrutura arcaica, racista e
desigual do Estado brasileiro. Passadas quase três décadas da CF de 1988, ainda são
muitos os desafios para construção de relações simétricas e equitativas que de fato
promovam a pluralidade e a diversidade cultural, ameaçadas quotidianamente por
programas e projetos que reproduzem relações coloniais contra os povos indígenas na
Amazônia e nas demais regiões brasileiras.
Dentre as muitas tentativas de desmonte de direitos constitucionais, está a
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, a revisão dos Códigos de Mineração e
Florestal, entre outras leis e decretos de morte, que defendem explicitamente os
interesses ruralistas e mineradores, não considerando os povos e populações
tradicionais, nem as complexas relações que estes mantém com seus territórios
ancestrais.
Atentos as tentativas de violação de direitos, os povos indígenas
organizados resistem, se reelaboram buscam coletivamente novas estratégias de
enfrentamento para novas relações políticas e jurídicas com o Estado brasileiro que,
ainda precisa avançar significativamente no respeito e valorização da diversidade
étnica e cultural.
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indigenista II. Rio de Janeiro: Contra Capa/LACED, 2002, pp.87-106.
348
8.3.15 Mesa Redonda: Comunicação, cultura e arte
Ementa: Discussão sobre como o PGC e os empreendimentos a ele vinculados
impactam no modo de vida das comunidades e populações atingidas, alterando
práticas e tradições culturais, como as grandes empresas e o Estado se relacionam com
a produção cultural e artística nas regiões atingidas. Como os grandes
empreendimentos e o Estado utilizam os meios de comunicação como instrumento de
legitimação simbólica e política. A relação entre o público e o privado nos meios de
comunicação.
Participantes da mesa:
Carlos Agostinho (UFMA - Brasil)
Verena Glass (Repórter Brasil - Brasil)
Xico Cruz (Cordão Grupo de Teatro - Brasil)
Coordenação: Emílio Azevedo (Vias de Fato - Brasil)
Relatoria: Rafaella Campos Delgado
1° Palestrante: Xico Cruz (Cordão Grupo de Teatro – Brasil):
Primeiramente relatou que Açailândia é uma pequena cidade do interior do Estado do
Maranhão, com aproximadamente 120 mil habitantes. Muitos artistas e grupos teatrais
estão presentes nesse território.
Narrou que, há quase 20 anos, surgiu em Açailândia uma entidade chamada Centro de
Defesa dos Direitos Humanos (hoje chamado Centro de Defesa Carmen Bascarán),
que trabalha com projetos de resgate social com crianças e adolescentes que vivem em
diversos bairros da cidade e que tiveram seus direitos violados. O dinheiro para isso
era proveniente da Espanha (país de Carmen Bascarán), e essa entidade logo começou
a criar, nesses bairros, grupos de dança, teatro e capoeira, chamando justamente esses
jovens para serem alunos.
O palestrante descobriu-se como artista justamente nesse contexto. Ele percebeu que
era sim possível viver do teatro no interior do Estado. Com o tempo, esses grupos
passaram a receber uma formação mais profissional e qualificada, como uma
verdadeira escola, dentro do Centro de Defesa dos Direitos Humanos. Ele conviveu
intensamente com artistas e jovens oriundos de outros bairros interessados em teatro.
Quando o grupo começou a se consolidar, o Centro criou um espetáculo de circulação
a nível nacional. Isso chamou atenção de muitos artistas da cidade e o teatro foi
ganhando tamanha notoriedade, que acabou atraindo empresas e políticos. Quando o
projeto encerrou, os meninos começaram a trabalhar individualmente e eram
contratados por grandes empresas como a Vale, que trazia vários grupos teatrais de
Minas Gerais e de Belém para atender as suas necessidades internas;
Assim, o palestrante e outros jovens começaram a fazer o Teatro Empresa, sendo
contratados pela Vale, Petrobrás, e Suzanno. Essas empresas contratam grupos para
349
realizarem atividades em suas instalações e em outras comunidades. Era uma ótima
maneira de gerar marketing cultural com a população;
A rede Justiça nos Trilhos convidou o palestrante para fazer alguns trabalhos
diferentes. È o caso de Piquiá de Baixo (comunidade bem afastada do centro de
Açailândia). Quando o seu grupo fez a pesquisa, percebeu coisas jamais vistas, e
devido a isso, discutiram um novo tipo de teatro. Fizeram um link daquilo que
aprenderam no Centro de Defesa com o que fazem no Justiça nos Trilhos.
O palestrante atenta para a real importância não só de se fazer teatro, mas de saber
fazer. Que tipo de arte fazemos, para que serve, o que se quer comunicar, são os
principais questionamentos. É mais importante ser cidadão, ser gente, do que ser ator,
fazer teatro. Deve-se fazer por prazer, comunicando-se diretamente com o publico,
com a comunidade, com a realização de debates e reflexões.
Eles contam com o apoio do Edital de Cultura , que promove políticas publicas para
conseguir fundos par dar continuidade aos trabalhos. Porém, tanto a FUNASTE
(Fundação Nacional de Artes) e as empresas estão mais preocupadas com o marketing
e não com o trabalho social, preferindo beneficiar os grupos elitizados.Frente a essa
dificuldade, o grupo Cordão de Teatro sobrevive insistindo com os editais, projetos e o
principal: firmando parcerias. Assim, eles podem conseguir espaço para ensaiar,
trabalhos em ONGs com projetos de oficina de teatro infantil em troca de renda para
alguns atores, etc.
Durante esse tempo, foram feitos vários trabalhos, mas sempre de cunho político e
social. O palestrante relatou um belo trabalho realizado com pessoas viciadas em
drogas. Foi o espetáculo “Valquirias”, que leva esse nome em homenagem a uma
mulher que era viciada em crack e que atualmente está em uma casa de recuperação.
Ela era moradora de rua e, assim como ela, existiam muitas outras que se drogavam e
que se permitiam serem exploradas sexualmente por seus parceiros, para os mesmos
conseguirem dinheiro. Com 50 minutos de duração, o espetáculo era bem violento e
demonstrava todas as paranoias de um ser humano sob efeito de drogas. Com esse
espetáculo, o grupo prova que é possível fazer teatro político, profissional sem ser
panfletário, didático-pedagógico e sofisticado.
Outro projeto bem interessante foi o trabalho realizado em 133 ônibus, com o objetivo
de falar do abuso sexual de crianças e adolescentes. Os atores entravam disfarçados
de vendedores de doces. Porem, assim que os compradores retiravam os doces das
caixas, na realidade retiravam fotos de crianças. Através da reação das pessoas, os
atores construíam o texto e acabavam em uma palestra teatral. As pessoas, percebendo
que se tratava de uma peça passaram a dar depoimentos (como um que namorava uma
garota de 16 anos, e outro que “ficou” com menina menor de idade, enfim, as pessoas
procuravam procuravam informações). Aí os atores recorriam às Leis, ao Estatuto da
Criança e Adolescente, etc, como forma de conscientização.
350
2° Palestrante: Verena Glass (Fundação Rosa Luxemburgo – São Paulo, Brasil)
Trabalhou com a temática dos grandes empreendimentos e os meios de comunicação e
quais seriam os instrumentos de legitimação simbólica e política. Ela aborda vários
aspectos em sua exposição.
1. Começa revelando que o jornalista no eixo Rio- São Paulo.é um ser que “opina
muito e conhece pouco”, ou seja, eles se auto legitimam devido a sua profissão
e ao glamour que esta lhe confere. Muito diferente é o que ocorreu na década
de 80 onde havia um jornalismo mais romântico, em que os repórteres
realmente iam a campo, passavam meses no lugar a ser analisado e no final,
noticiavam com grande propriedade e conhecimento de causa;
2. Em seguida, ela trata acerca do discurso do desenvolvimento, onde a mesma
discute algumas frases referentes a Belo Monte de concreto e aço. Luiz
Maklouf Carvalho, da Revista Época, em 23/01/2014, afirma que Belo Monte é
“A maior obra em andamento no Brasil custará US$ 30 bilhões, emprega 22
mil trabalhadores – e movimenta em níveis inéditos o mercado de caminhões
pesados”. Já Luiz Nassif, em 10/12/2013, cita que:“No Tapajós, será a
primeira vez que se construirá uma hidrelétrica em região não habitada. Com
isso, se abandonará completamente o modelo de desenvolvimento até agora
padrão”. E, finalmente, a coluna Primeiro Plano – Revista Época, em
30/12/2013, relata que “Por preconceitos contra as hidrelétricas, o país perde
a oportunidade de um crescimento econômico mais limpo”;
3. A palestrante chama atenção para o problema de quando a mídia resolve
editorializar as noticias, realizando o famoso jabá. Há destaque para a TV
Bandeirantes, quando a mesma, em abril de 2014, retrata que ’’Após 40 anos, a
Usina de Belo Monte começa a tomar forma no interior do Pará. (...) A
engenharia de ponta, aliada ao suor de mais de 20 mil trabalhadores,
transforma um investimento de R$ 22,5 bilhões na quarta maior usina
hidrelétrica do mundo”. Ela também critica a capacidade de certos jornais de
criarem dados e números que muitas vezes não condizem com a realidade,
como é o caso do Jornal Nacional, que em 17/01/2014 relata que “A usina já
entregou os 28 postos de saúde prometidos. E comemora a redução dos casos
de malária em 87% na região depois de uma campanha preventiva”. O mesmo
jornal também relata em 17/01/2014 que “A empresa reconhece que nem todo
o dinheiro do mundo pode comprar a satisfação de cada pessoa que se sente
prejudicada, mas aposta que depois que Belo Monte começar a gerar energia,
o que está previsto para o início de 2015, as críticas serão águas passadas”.
Na opinião da palestrante, trata-se de um jornalismo de péssima qualidade.
4. Outro aspecto que merece atenção é a questão dos ataques diretos e da
criminalizaçãodessas mídias, como o Editorial - Crime de lesa-pátria,
351
veiculado pelo Jornal do Brasil em 25/01/2012, que diz que “É preciso que a
sociedade brasileira fique atenta à tenebrosa tentativa de atentado contra a
Vale. Uma das maiores, mais importantes e exemplares empresas do país vem
sendo vítima de campanha injusta e difamatória, patrocinada por supostas
instituições que se dizem defensoras da sociedade e do meio ambiente, mas
que, ao que parece, têm como alvo a soberania do nosso povo. Sim, pois
atentar contra a Vale é atentar contra o próprio conceito de moralidade”. A
palestrante também chama atenção para os esclarecimentos sobre a consulta
aos Munduruku e a invasão de Belo Monte, na qual a Secretaria Geral da
Presidência, em 06.05.2013 relata que “Diversos indígenas praticam
diretamente esse garimpo ilegal na Bacia do Rio Tapajós, possuindo balsas
que valem em torno de R$ 1 milhão. Outros indígenas cobram pedágio dos
garimpeiros, chegando a receber R$ 40 mil por mês para permitir a extração
ilegal de ouro na região. A propalada “defesa da natureza” e a aliança dessas
autodenominadas lideranças Munduruku com entidades indigenistas e
ambientalistas são suspeitas, pois o garimpo ilegal é uma das maiores
agressões à natureza e às comunidades que vivem naquele território.” Aqui
percebe-se claramente uma inversão de discurso, em que vitimas transformamse em algozes e vice versa. Isso representa o ranço autoritário presente na
Ditatura Militar;
5. O próximo elemento a ser debatido são as declarações “frase de efeito”, tão
adoradas pela mídia. Utiliza como exemplo a defesa que Lobão faz a Belo
Monte, dizendo que o atraso “custará ao povo brasileiro”. Ele ainda afirma
que as 5 mil famílias, residentes na região onde a usina será erguida, seriam
“humanitariamente removidas” e que a implantação dessa usina só traria
vantagens para a população. Assim, percebe-se que a Imprensa simplesmente
reproduz noticias sem haver questionamentos. Isso, na opinião da palestrante, é
reflexo da incapacidade de alguns profissionais.
6. Um problema também bastante citado e criticado pela palestrante é o fato da
mídia esconder / ignorar certas informações. Isso acaba prejudicando
principalmente aqueles que trabalham com denuncias. Cita como exemplos o
caso da enchente do rio madeira e da escravidão sexual de uma adolescente em
Belo Monte. Relata também os casos de espionagens da Vale e Belo Monte,
onde, justamente pela ausência de elementos necessários para comprovar essa
ligação, não há como punir criminalmente;
7. Porém, há o fato da imprensa explorar escândalos que atingem o/os
governo/os: jogo de interesses políticos, bem como os prejuízos econômicos,
as denúncias de violações de Direitos Humanos, os relatórios/estudos de
impactos de organizações externas/acadêmicas, as mobilizações sociais,
ocupações e revoltas populares de grande porte e as campanhas nacionais e
352
internacionais (A Vale é nossa, Pare Belo Monte, Public Eye Awards, Gota
D‟Agua, etc);
8. Por fim, a palestrante enaltece e ao mesmo tempo critica as mídias sociais,
como o Facebook e Twiter. É benéfico o fato de fazer a noticia chegar
diretamente ao publico sem a necessidade dos chamados “atravessadores”, que
no caso são as emissoras. Belo Porém faz-se necessário qualificar esses
trabalhos, uma vez que há muita coisa escrita.
3° Palestrante: Carlos Agostinho (UFMA – Brasil):
Iniciou sua apresentação comentando sobre o aumento de municípios no Maranhão, de
136 para 237. Porém, mesmo com esse crescimento, o recurso destinado para a cultura
não aumentou.
Quando o Projeto Grande Carajás se estabeleceu no Maranhão, vivia-se
simultaneamente o processo da experiência da implantação de comunicação eletrônica
no Estado. Porem,é de bom tom lembrar que no Maranhão (diferente de outros
Estados), a expansão de radio e TV era bem centralizada. Um exemplo é A família
Sarney, que possuìa um jornal, intitulado “Jornal O Dia”, que atualmente é “O Estado
do Ma”.
As cidades do interior do Maranhão não possuíam emissoras de TV. Isso ocorre
somente no final da década de 70. No momento da implantação da Vale, ocorre a
expansão da cultura radiofônica e televisiva. Só que o poder se apropria disso mais
acentuadamente no Maranhão do que em outros Estados.
Nota-se que o Estado é parceiro de grandes investimentos privados, como os da
família Sarney e Lobão, que se utilizam dessa concessão para criar verdadeiros
impérios comunicacionais em nível regional / nacional. Utilizam-se do Estado para
controlar a publicidade publica, que é a maior financiadora dos meios de comunicação.
E assim, vão se desenvolvendo, tendo controle técnico, político e de conteúdo. Esse
fortalecimento é bastante percebido na região dos grandes projetos, como em
Imperatriz.
O palestrante lembra que o sistema Mirante possui emissoras com seu nome em São
Luis, Imperatriz, Açailândia e Santa Inês. Há um enorme interesse político e militar
em explorar essa região com o crescimento privado na área da comunicação,
utilizando investimentos publico.
O palestrante toca em uma delicada situação: as rádios comunitárias.Elas foram há
muito tempo criminalizadas pela seu comportamento, referente apenas ao direito da
comunidade de se organizar e se comunicar. Trata-se da manifestação cultural da
população que sofre coerção pelo Estado em sua esfera federal. Tanto membros da
Agência Nacional de Telecomunicações - ANATEL e da Polícia Federal são
353
incumbidos de fechar essas e denunciar seus representantes, fato completamente
inaceitável.
Chama atenção para dois fatos curiosos. No final de 2012, ocorrera, dois acidentes
com vítimas fatais, sendo que uma no Porto do Itaqui e a outra no canteiro de obras da
Suzanno em Imperatriz. No caso do Porto, o que foi noticiado era que se tratava da
queda de um guindaste da Vale. Já em Suzano, montaram toda uma estrutura de
defesa, apenas citando que se tratava de uma importante empresa de celulose em
Imperatriz. Ou seja, o mesmo jornal veiculou essas noticias, só que de maneirabem
diferente.
O Maranhão é um Estado forte, com muita carência e muita pobreza. E a imprensacria
a ilusão de que o desenvolvimento virá com o adventodesses grandes projetos como a
Vale e Carajás. Fala-se em milhares de empregos diretos e indiretos. Denuncia de
gastos de mais de 1 milhão em terraplanagem e todos sabem quem alugou as
maquinas.
Fala-se da lógica de expansão e lógica de exploração. Não existe mais floresta no
Maranhão há não ser nas áreas de exploração. Só que nunca se viu uma matéria
falando nisso na chamada imprensa local. Isso denota a dificuldade que o Maranhão
enfrenta em criar uma imprensa política. A população acha perfeitamente normal o
prefeito possuir uma emissora no interior.Manipulação dos meios de comunicação
pelas grandes empresas, e pelas grandes famílias do Ma, dificultam a vinculação de
noticias.
DEBATES:
Destaque para a colocação da profa. Dra. Maria Cristina Bunn, que falou da
importância do Seminário Internacional Carajás 30 anos, como uma grande ferramenta
crítica quenão tem o apoio da Vale, pois o objetivo é trazer a tona a discursa do PGC,
os seus males de exclusão e exploração. Porém, se olharmos o festival Guarnicê da
UFMA, percebe-se o patrocínio da Vale ou dos grandes empreendimentos. Com isso,
percebe-se que a Academia e os intelectuais que dela participam, ao buscarem apoio
para projetos de pesquisa e cultura, acabam por ficar “na corda bamba” e se permitem
a esse jogo. Nós contribuímos pra isso. Estamos todos na mesma mesa.
Juliana (do Estado Bahia) Conteúdo muito concentrado fechado e s vezes absurdo e
manipulador. Quais as estratégias de resistências de debates te sido criados para criar
pespectivas da democratização da comunicação? Questão dos quilombolas no JN, que
foram acusados de falsificação de documentos e acabaram despejados.
O professor Carlos Agostinho ainda complementa que as pessoas que tem acesso a
informação são aquelas que podem pagar por uma TV por assinatura. Do ponto de
vista educacional, percebe-se queos professores saem das universidades mais críticos e
que as escolas estão realizando projetos desse tipo, porem de maneira desigual. Há leis
354
e Projetos que permitem uma maior democratização de acessos. Outro novo processo é
a tecnologia ter conseguido quebrar pela audiência a força de grandes empresas como
a Globo, que perde a cada ano audiência no sistema aberto, com o surgimento das
redes sociais e TVs por assinatura (queé paga e nem todos podem, porem pode-se
escolher o que assistir e restringir conteúdo). Ele critica a lógica do facebook, que
seria a mesma do sistema Globo: tudo em um mesmo lugar (esportes, política,
entretenimento). Porem, no facebook há a vantagem de veicular, o que já não poderia
ser feito na TV aberta não, e você pode escolher com quem interagir. O desafio é
justamente romper com essa centralização.
A palestranteVerena Glass citou o caso dos Guarani-Kaiowá que foi muito difundido
no facebook devido a uma suposta carta sobre um suicídio coletivo, caso eles fossem
expulsos de suas terras. Logo surgiu uma onda de solidariedade de Guarani-Kaiowá.
As obras de despejo pararam imediatamente. É nesse momento se a imprensa deve ir
imediatamente atrás da informação, para que a mesma não possa ficar no prejuízo.
Assim, a rede social funciona como um lugar estratégico de formação política. Pode-se
criar paginas na internet para divulgar opiniões, o que antes não era permitindo. Porem
há muitos boatos nas redes, uma vez que a internet continua sendo uma“terra de
ninguém” e deve-se tentar qualificar isso.
PROPOSTAS E RECOMENDAÇÕES
Todos agradeceram o convite. Porem apenas dois palestrantes fizeram suas
considerações:
Verena Class – Fala dessa promiscuidade da relação imprensa e poder, e que temos
ferramentas para romper com isso, e esse rompimento vai ate onde nós podemos nos
apoderar disso. Se no papel e caneta está demorando demais, que voltemos na época
do arco e flecha. Temos que saber usar as novas tecnologias de comunicação a nosso
favor, qualificando e legitimando nosso trabalho, não supervalorizando os dados, nem
aumentando número. Deve-se haver o policiamento de como lidar com a informação,
porque senão acabaremos prejudicando a luta. O trabalho jornalístico e político deve
ser encarado com seriedade.
Carlos Agostinho – Estamos nessa luta participando de debates e fóruns. É uma luta
difícil, mas há a expectativa de que, qualificando a populaçã,o se pode ampliar e se
contrapor a essa lógica centralizadora de opinião.
355
8.3.16 Mesa Redonda: Grande Carajás: consequências socioambientais
da infraestrutura
Ementa: Discussão sobre as consequências sociais, econômicas e ambientais da
instalação e ampliação de obras de infraestrutura (geração de energia elétrica, portos,
ferrovias e rodovias) e processos de deslocamento compulsório na região do Grande
Carajás.
Participantes da mesa:
Sônia Magalhães (UFPA - Brasil)
Rogério Paulo Ho‟hn (MAB - Brasil)
Jeremias Vunjanhe (Movimento Internacional dos Atingidos pela Vale Moçambique)
Coordenação: Maria Elvira Sá (UFPA - Brasil)
Relatoria: Hellen Mayse Paiva Silva
1) Sônia Magalhães da Universidade Federal do Pará começa a
exposição a partir da ideia do que ela denominou “maratona de megawatts”, quando o
governo brasileiro sinaliza para o grande capital possibilidades de negócios, o que não
significa planejamento energético. Neste leilão de possibilidades/investimentos
menciona que até 2020 serão construídas 48 grandes barragens no Brasil e destas 30
serão localizadas na Amazônia.
Empresas francesas, austríacas e alemãs são produtoras de turbinas, a
quem interessa que esses empreendimentos energéticos sejam implementados.
Foram mencionados os seguintes aspectos: 30 etnias serão afetadas
diretamente com a construção dessas UHE‟s na Amazônia; 13.351 km2 de áreas serão
inundadas; 65.000 km2 serão disponibilizados para gerar energia. Foi dado destaque
para 3 componentes estruturais desses projetos energéticos:

Expropriação => dos territórios se dá de 2 formas: deslocamento
compulsório stricto sensu e deslocamento em si (“o lugar está fora da
ordem”, ou seja, ocorre o deslocamento de suas relações como lugar);

Exploração => precarização da força de trabalho; privação da liberdade
da força de trabalho; superexploração da força de trabalho;

Violência => é um componente transversal, que depende do momento do
desenvolvimento das forças produtivas, e se explicita na violação de leis e
direitos sendo incompatível com o princípio da liberdade da força de trabalho. A
violência independem das conjunturas, ela ocorre em períodos ditatoriais e de
356
“democratização”. O exemplo dado foi do cacique Paiaré, que ganhou, em 2005,
a ação de demarcação de suas terras e a empresa recorreu, postergação que o
impediu de comemorar esta vitória, já que veio a falecer em março p.p.
Catástrofes e guerras têm a mesma intensidade das mudanças de poder nos
territórios das UHE‟s. Aproximadamente, 100 milhões de pessoas no mundo
estão sendo deslocadas sentido stricto sensu. No Brasil, são 1 milhão e quinhentas
mil pessoas, no entanto, há imprecisão nestes números.
A imprevisibilidade técnica, social e econômica dos riscos e da execução
marca os empreendimentos energéticos. O projeto anunciado no EIA-RIMA não é
igual ao projeto implantado. A Avaliação Ambiental Integrada não está respaldada em
pressupostos cientificamente fundamentados que garantam o conhecimento e controle
dos processos sociais, já que a epistemologia que baseia estes estudos é de matriz
positivista. A superação destes limites exige a adoção de metodologias adequadas aos
processos que a implementação desses empreendimentos exacerbam, como o dos
efeitos socioambientais.
O descompasso epistemológico é explicado pela relação entre impactos e
direitos, entre o intangível e o reparável (é o sofrimento social), entre o tolerável e a
justiça, indagando: o que é tolerável na nossa sociedade?
2) Rogério Ho‟hn do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
começa sua exposição dizendo que o MAB está a 22 anos no Brasil e tem vinculação
com a Via Campesina e com o Movimento Internacional dos Atingidos por Barragens.
Segundo o balanço do MAB, as informações acerca do modelo energético são
incompletas e fragmentadas, pois se trata de um setor estratégico. O problema central
não está na tecnologia mas na concepção do modelo que vem sendo adotado no Brasil,
já que possui grandes reversas hìdricas que são fovoráveis à construção de UHE‟s. A
energia que se consegue produzir é muito barata e o país tem alta capacidade de
produção. Custos baixos geram altas taxas de lucratividade. Depois da privatização do
setor energético foi deflagrado um movimento em âmbito nacional e internacional de
luta por direitos dos atingidos por barragens. Esses direitos estão sendo negados pela
ação predatória de grandes empresas, movidas pela busca voraz de lucros. A ANEL
como estrutura de controle e regulação do governo brasileiro não vem impedindo a
ação destas empresas. A título de exemplo citou a concessão de 20 anos de subsídios
de energia concedida à ALBRAS, empresa eletro-intensiva de produção de lingotes de
357
alumìnio. No leilão das UHE‟s a empresa vencedora garante, durante a vigência do
contrato, o retorno dos investimentos, exemplificando que no Brasil, em média, 1
UHE se paga em 5 anos. No Brasil, se paga a 5ª tarifa de energia mais cara do mundo.
Ao mencionar as inflexões das lutas do MAB, destacou que este movimento
surgiu da Igreja Católica e dos movimentos sociais, e que, na atualidade, o MAB
indaga “energia para quê e para quem?” e mais, “quem vai pagar a conta dos riscos
causados pelos empreendimentos elétricos?”, já que estes são financiados com
dinheiro público, via BNDES. Um debate que vem sendo empreendido refere-se ao
conceito de “atingidos por barragens” e as alterações que vem sofrendo, já que existem
abordagens patrimonialistas e sociológicas, e vem sendo construída uma abordagem
que vá além do conceito de território e alcance a relação entre região e
ocupantes/pessoas atingidas.
3) Jeremias Vunjanhe da Ação Acadêmica para o Desenvolvimento
das Comunidades Rurais de Moçambique inicia sua exposição mencionando que
80% da população moçambicana é constituída por camponeses e que representa o
Movimento de Saúde, com atuação, desde a década de 1980, em empreendimentos de
extração do carvão mineral e gás geridos pela Vale. Estes empreendimentos estão
sendo estimulados pelo atual governo e pelo Banco Mundial. Foi dado destaque à
atuação do Mia Koto (escritor e biólogo) ao comemorar a entrada do grande capital em
Moçambique, apesar das denúncias que estavam sendo feitas sobre processos de
degradação ambiental (contaminação de rios e fontes de águas próximas às minas) e
perda de direitos sociais básicos das populações atingidas, enfatizando os desastres em
curso na província de Tete. Foi chamado atenção para o fato de que a companhia Vale
controla e age como governo, mencionando que visitas nas áreas das minas só
acontecem com autorização da empresa, ou seja, “a Vale é que define por onde quer
passar...”.
Resistências locais estão ocorrendo, como por exemplo, a reação dos
moradores em uma dada província em relação à redução dos horários dos trens de
passageiros.
As leis do Petróleo e da Mineração estão em desacordo com a Lei de
Terras em Moçambique, ao priorizar os interesses de exploração do subsolo onde é
prospectado o carvão mineral e o gás, em detrimento dos interesses das famílias que
habitam estas áreas.
358
Diante destas condições e determinantes econômicos, sociais e políticos da
sociedade moçambicana foi apontada a necessidade de articulação dos movimentos
sociais de modo a garantir o internacionalismo das lutas e resistências contra o avanço
do grande capital, como o que ocorre com a Vale em territórios de Moçambique. Há
manifestações de repúdio aos fatos que têm sido recorrentes e que foram
exemplificados pelo expositor com a declaração de que “os brasileiros são piores que
os portugueses na Provìncia de Tete”. Além destes, foram mencionados programas
desenvolvidos pela Embrapa e seus efeitos desagregadores, como também a presença
do Instituto Lula, que, contraditoriamente, apresenta o ex-Presidente do Brasil como
“embaixador das grandes empresas”.
359
8.3.17 Mesa Redonda: Grandes projetos e relações de gênero e geração
Ementa: Discussão sobre as situações vivenciadas por crianças, adolescentes,
mulheres e velhos no contexto do PGC (exploração, abuso e violência sexual).
Destaque para a questão das relações de trabalho e dos indicadores econômicos e
sociais relacionados. O discurso das grandes empresas e do Estado sobre a inclusão
dos jovens e mulheres.
Participantes da mesa:
Silvane Magali Vale Nascimento (UFMA - Brasil)
Marina Santos (Via Campesina Internacional - Brasil)
Pablo Gonçalves (Assentamento Palmares 2 - Brasil)
Coordenação: Alexsandra Maura (IFMA - Brasil)
Relatoria: Nilma Angélica dos Santos
Marina (Via Campesina Internacional – Brasil)
O Brasil é o maior produtor e consumidor de agrotóxico do mundo e isso além de extremamente difundido
em nossa sociedade é ignorado e não recebe a devida atenção quanto às iniciativas de combate a esta
prática. Além disso, há a problemática da extinção das sementes nativas e culturas agrícolas locais,por
conta da padronização do consumo, promovido pelas empresas alimentícias ao redor do mundo.
As mulheres neste sentido são os sujeitos mais afetados pela exploração do agronegócio (que é uma
estratégia de atuação do capitalismo patriarcal no campo, representado por grandes empresas como a Vale),
e sofrem um processo de invisibilização do caráter produtivo de seu trabalho seu papel enquanto sujeito
social. Aliado a isso há um processo de expulsão de comunidades inteiras de suas localidades tradicionais,
processo este, semelhante ao que vem ocorrendo nas cidades que sediarão jogos da Copa e que refletem
igualmente o modelo de desenvolvimento perverso pelo qual passamos atualmente no Brasil.
As principais consequências do processo de expropriação realizado pelo agronegócio sobre as mulheres do
campo são: sua precoce inserção no mundo do trabalho, devido à busca por renda longe de seus territórios
(uma vez que estes lhes foram usurpados e/ou perderam condições de propiciar a reprodução de sua
existência e de sua família), sendo que esta inserção se dá acompanhada de pouco ou nenhum
reconhecimento e/ou direito trabalhista; há também a falta de acesso e abandono à escola, fato muito
comum no campo e que aflige principalmente a população feminina; falta de atendimento integral e de
qualidade à saúde, inclusive com acompanhamento ao pré-natal e ao parto; um quadro de total
vulnerabilidade aos agrotóxicos que causam interferência na saúde feminina através de males como o
câncer, além da má formação de crianças e infertilidade; por fim há a conivência e/ou negligencia de
estruturas e aparelhos do Estado capitalista atuando fortemente na criminalização dos movimentos em que
as mulheres participam.
Alguns dos desafios a serem enfrentados, portanto,no combate aos grandes projetos: combate a todas as
formas de violência cometida contra as mulheres – por empresas, fazendeiros; cobrar do Estado e a
realização de políticas públicas universais para mulheres do campo de da cidade e acesso a políticas
sociais; criar espaços de participação política de poder e decisão; espaço para deixar as crianças enquanto
as mulheres trabalham ou estudam, para garantir sua participação no espaço público; políticas e lutas de
enfrentamento do agronegócio patriarcal, reforçando a luta pela reforma agrária acompanhado de um novo
projeto de desenvolvimento para o campo, baseado na agroecologia, por exemplo; programa de erradicação
360
do analfabetismo pra mulheres e jovens no campo e na cidade; reapropriação dos bens da natureza;
garantir a produção de novas relações de gênero onde o ser humano seja verdadeiramente livre.
Silvane:
Os impactos estão no rural e no urbano, não são espaços dicotômicos. A discussão de gênero também é
dicotomizada e relegada a um segundo plano, não sendo feita uma interrelação com as demais
problemáticas. Esta dicotomia dificulta a percepção do trabalho reprodutivo apropriado das mulheres e
reforça a visão de seu trabalho como “ajuda”.
O projeto grande Carajás tem como eixo de discussão o trabalho com enfoque na produção, produtividade,
lucro. Neste contexto as mulheres não são vistas e incluídas, são percebidas por uma perspectiva de nãotrabalho.
Impacto principal sobre a vida das populações em torno dos projetos do agronegócio se dão principalmente
sobre o território, num processo extremo de expropriação de seus sistemas de produção, sua
sustentabilidade, devastação ambiental, extinção de rios, áreas de plantio. A população tenta reconstruir
seus territórios na cidade, quando são expulsas, porém sem conseguir reconstruir sua sociabilidade anterior
e sem conseguir reproduzir sua existência.
Um ponto em comum entre o agronegócio agrícola e a mineração são os problemas que causam para a
saúde, acidentes de trabalho, trabalhos degradantes nas suas etapas primárias; sobrecarga de trabalho para
as mulheres, deslocamento compulsório – que causa a perca do elo de parentesco e solidariedade
tradicionais; ida para as periferias e entrada na criminalidade e uso de drogas por parte dos jovens;
desqualificação dos conhecimentos tradicionais cultivados principalmente pelas mulheres;
É preciso perceber que estes processos são transnacionais e muito mais complexos que os que antes
ocorriam com os fazendeiros tradicionais. É necessário que se tenha a possibilidade e criar condições de
combate a este projeto de desenvolvimento e cultura baseado na exploração, expropriação e exclusão.Não
há como dissociar as mulheres deste contexto, tanto como reprodutoras da resistência e de seus modos de
vida e como vítimas deste processo, incluindo sempre na discussão os três pilares históricos que sustentam
a desigualdade social: classe; raça e etnicidade, relações de gênero e geração - orquestrados pelo capital
financeiro.
Pablo (Coletivo de Juventude do MTS - PA)
É importante ressaltar que dois aspectos têm sido relegados no debate sobre a mineração: a saúde –
especialmente focando a juventude e a mulher – e a artificialização dos modos de vida da juventude, num
processo de submissão cada vez intenso dos jovens aos ditames do capital quanto ao consumo, cultura e
comportamento, em grande parte por conta da influência dos grandes projetos e da mídia burguesa.
A prostituição infantil nas áreas de exploração da mineração representa mais que a exploração da
sexualidade das criança e adolescentes abusados, representa também sentimentos que são roubados e que
atingem de forma irreversível a construção da identidade e sociabilidade destes jovens. Crianças que
trabalham nas etapas mais primárias da siderurgia representam também mais uma das consequências mais
perversas dos grandes projetos para a juventude, donde surge o desafio da necessidade deinserir a criança
no debate sobre geração.
361
Na perspectiva de identificar o que fazer para mudar a mentalidade do jovem no sentido de estimular sua
capacidade crítica e fortalecer sua autonomia, elencam-se quatro pontos centrais a serem discutidos:
Escola: que nas áreas de mineração tem tido sua proposta pedagógica regida pela Vale, num processo de
transformação do cidadão em força de trabalho (operários). A escola precisa ensinar que a Vale é
responsável pela disparidade de desigualdade nas áreas e não incentivar seus alunos a tornarem-se futuros
operários nas etapas da siderurgia;
Trabalho: conscientização sobre a exploração do trabalho operário e alienação pela qual passam os jovens
de 16 a 19 anos, sendo reforçado por um crescente quaro de terceirização que desarticula os mecanismos de
organização dos trabalhadores, incluindo sindicatos patronais financiados pela empresa. Mecanismos de
organização dos trabalhadores têm sido comprados e cooptados pela empresa, que ainda incentiva a
concorrência entre os funcionários como um mecanismo de individualização e estimulação da
produtividade;
Mídia burguesa: generaliza por meio do preconceito e xenofobia o sujeito negro, pobre, índio e camponês,
encobrindo os reais mecanismos que estão por trás da pobreza e da violência; há uma política de extermínio
da juventude excluída incentivada pela mídia burguesa (burguesia midiática) e a venda de um determinado
padrão de vida e consumo – artifício usado para alienar a juventude através da ostentação e consumismo –
que não deixa de estar ligado ao padrão de desenvolvimento e relações de trabalho promovido pelos
grandes projetos.
Identidade: necessário trabalhar a cultura e a identidade com a juventude, pois constata-se que quanto
menos fortalecia a identidade mais facilidade existe de alienar e transformar o jovem em mera força de
trabalho e consumidor, tudo isso facilitado pelo fluxo de migração constante de pessoas e empresas em
busca de renda e riqueza nas áreas de mineração;
Perspectivas que devem ser articuladoras na luta pela emancipação da juventude:
1 – Organização social: luta coletiva e principalmente articulada em uma esfera maior;
2 – Luta social: ação concreta para fortalecer sua organização e emancipação e transformar sua mente e sua
sociedade;
3 – História: localizar o jovem em sua própria história e não numa que é mostrada pelo capital. Enxergar o
futuro a partir do passado resgatando a história dos povos e culturas que formaram a Amazônia antes dos
grandes projetos;
4 – Cultura: transformar o cotidianoaprofundando a vivência das relações sociais. A arte neste sentido é um
instrumento fundamental para fortalecer a perspectiva da emancipação;
5 – Trabalho: garantir um trabalho não alienado, que não dependa das formas de exploração feitas pela
mineração, e que tenha como centro uma pedagogia transformadora; um trabalho que seja apropriado pelo
trabalhador e não pelo setor empresarial e financeiro.
Questões:
Thaís (PUC São Paulo): Como o MST enxerga a juventudee como dialoga com o ECA?
Silse (Docente do curso de Serviço Social - UFMA): Como os jovens do coletivo de juventude do MST
fazem pra abordar outros jovens diante da alienação cultural feito pelo capitalismo?
362
Mª dos Santos (Rede agricultura é vida): como somar ao combate ao tráfico e exploração de crianças e
adolescentes nas áreas de mineração?
Daniela (Comunicação UFMA Imperatriz) – Comenta sobre a setorização das lutas sociais em grupos, que
parece desarticular a luta como um todo.
Maria Luzia (Buriticupu) – As lutas têm sortido efeito ou ainda é necessário mais combate? Existe
preconceito contra o jovem do interior? Quais estratégias de cooptação dos jovens diante da rebeldia e das
vulnerabilidades?
Joana (RJ): Constata um debate ausente tanto nos movimentos quanto na sociedade sobre os impactos da
mineração. Expõe a relação entre a mineração e o militarismo, que reflete a ótica viril dos grandes projetos.
Doraci (militante do MST PA): Como trabalhar o debate de gênero com a juventude articulados?
Debate
É necessário que haja radicalidade das idéias e do movimento. Não trabalham especificamente com idade,
mas com a identificação que cada um tem com o conceito de juventude (mais comumente de 16 a 29 anos).
O Coletivo de juventude do MST dialoga sobre as principais necessidades e questões da juventude,
especialmente sobre as políticas públicas negadas à juventude rural. Realizam um trabalho nas escolas,
fazendo conscientização e o teatro como estratégia para agregar novos integrantes. O Coletivo constrói
ainda, mecanismos de conversa com a juventude nas escolas através dos movimentos sociais de massa, não
só de juventude. O jovem é disputado pelo crime, tráfico de drogas, pessoas, mídia burguesa e mercado de
trabalho.Ainfluência da mìdia transforma o jovem camponês em “ralé”, dualiza a cultura da cidade e do
campo.
A falta de perspectiva de trabalho e a vulnerabilidade são as principais causas do quadro de prostituição e
trabalho infantil.
O machismo nos movimentos sociais é presente no campo e na cidade, em homens e mulheres, entretanto
as contribuições do movimento feminista têm introjetado o debate sobre a questão de gênero e mulheres
através dos coletivos eformações sindicais com sessões de estudo. Uma outra estratégia utilizada para
promover a discussão sobre as relações de gênero é divisão de tarefas entre homens e mulheres. Os
movimentos também reproduzem as desigualdades sociais entre homens e mulheres por serem espaços
inseridos numa sociedade fundada na desigualdade;
As condições materiais de vida definem a forma de ver o mundo e se relacionar – isso explica porque
muitas vezes as mulheres são machistas nas relações com seus filhos, com os homens e com outras
mulheres.
Houveram avanços nas condições de participação feminina, mas o acesso a políticas sociais e públicas
ainda é precário e falta uma atenção específica. O analfabetismo é um dos dificultadores do avanço da luta
das mulheres.
Há uma separação entre as pautas, constatadanuma falta de unificação dos movimentos. O movimento
contra a mineração representa uma possibilidade de unificar a luta dos trabalhadores. A transversalidade
precisa ser uma realidade e ser trabalhada na perspectiva de integrar os vários fios que unem a realidade em
seus muitos aspectos.
POLÊMICAS:
363
É preciso tomar cuidado com os rótulos que usamos para definir a mulher na sociedade e quais os limites
do uso do corpo para a autoexpressão e para a exploração por parte do capital. Na medida em que a mulher,
enquanto um sujeito que tem sua identidade fruto do meio em que vive, está sujeita aos rótulos e
preconceitos.
Necessidade de se construir e efetivar a transversalidade dos movimentos e combater à setorização das
lutas sociais;
Como combater a exploração sexual de crianças e adolescentes nas áreas de mineração e demais projetos
relacionados ao agronegócio e como a Justiça pode estar dando um melhor tratamento à questão dos
“meninos do trem” – que saem de suas cidades em direção à Marabá, Parauapebas, São Luís, dentre outras,
fugindo de condições precárias de existência.
Necessidade de fortalecer o olhar feminino na formação da mulher, numa perspectiva de autoestima e
autonomia, e de desconstrução de conceitos que denigrem e empobrecem a figura feminina.
364
8.3.18 Mesa Redonda: Grande Carajás e impactos no campo e na
cidade
Ementa: Reflexões sobre a articulação entre a questão agrária e a questão urbana,
dando destaque para os impactos do Programa Grande Carajás na vida das famílias
camponesas e as populações urbanas que vivem nas periferias, afetadas por grandes
projetos de investimento econômico. Discutirá também a invasão das terras e
territórios indígenas, quilombolas e assentamentos pelo agronegócio e processos de
deslocamento compulsório.
Participantes da mesa:
Alfredo Wagner Berno de Almeida (UFAM - Brasil)
Creuzamar de Pinho (União por Moradia Popular - Brasil)
Anacleta Pires (Comunidade Santa Rosa dos Pretos - Brasil)
Coordenação: Pe. Clemir Batista da Silva (CPT - Brasil)
Relatoria:
Relatoria do “SEMINÁRIO CARAJÁS 30 ANOS:resistências e mobilizações frente a
projetos de desenvolvimento na Amazônia oriental”
1 INTRODUÇÃO
A presente relatoria tem por objetivo explicitar os principais eixos de discussão
que perpassam a temática: Grande Carajás e impactos no campo e na cidade e
possíveis propostas e recomendações como expressão da valiosa contribuição dos
diversos grupos sociais presentes que se solidarizam nas lutas sociais contra as
diferentes modalidades de violência que contrariam os valores de uma sociedade
democrática e de respeito à cidadania.
A realização do evento: SEMINÁRIO CARAJÁS 30 ANOS: resistências e
mobilizações frente a projetos de desenvolvimento na Amazônia oriental” vem de
encontro à uma perspectiva democrática e de justiça social que contemple a
diversidade de vozes que clamam respeito pelos seus direitos individuais e coletivos. É
na imensidão territorial do país, em especial na Amazônia Legal no qual o Maranhão
se insere que os atores sociais dinamizam as potencialidades de suas lutas de
resistências em um contexto de conflitos e tensões sociais frente as grandes empresas
transnacionais.
Nesse sentido, esse evento se constitui em espaço de discussão que celebra
momentos de troca de experiências e a instrumentalização dos setores populares no
fortalecimento de suas lutas sociais e políticas materializadas na ampliação e garantia
365
de direitos. Destarte, é compreendido como ambiente de encontro político
e
pedagógico por ensejar aprendizagem e ação transformadora para a vida dos sujeitos
individuais e coletivos mediante um modelo de desenvolvimento que não corresponde
aos interesses da maioria da população.
2 COMPARTILHANDO EXPERIÊNCIAS: impactos no campo e na cidade em
detrimento do Programa Grande Carajás
A primeira expositora foi Anacleta Belfort (Comunidade Santa Rosa dos Pretos
- Brasil) do município de Itapecuru. Ela destacou durante sua fala que o processo de
titulação do território Santa Rosa não avança em virtude do desinteresse do poder
público. A negação do reconhecimento da “Não Vale” acerca da autodefinição dos
moradores da Comunidade Santa Rosa como quilombolas; a empresa mineradora
desrespeita a identidade da comunidade e viola direitos humanos, sociais e ambientais
nesse território. As consequências são devastadoras à qualidade de vida da população:
poluição do ar, sonora e das águas fluviais; os acidentes são constantes o que traz uma
grande aflição para os moradores daquela localidade. Enfatizou a questão do
isolamento entre os quilombos, impedindo o intercâmbio entre os mesmos, assim
como a preservação da identidade. A empresa “Não Vale” exerce um fascìnio sobre as
pessoas que se deslocam para a cidade em buca de melhores condições de vida e
abandonam a comunidade.
A segunda expositora foi Creuzamar de Pinho da União por Moradia Popular.
Em sua exposição expressou que a cidade é espaço de disputa com o grande capital. A
falta de uma política de regularização fundiaria no estado junto com a falta de um
planejamento urbano é responsavel pela segregação de moradias; isso é fácil de ser
percebido: bairros privilegiados de um lado e do outro a periferia urbana. Em Sao Luis
há um impacto muito grande devido a sua expansão urbana em virtude dos grandes
projetos e especulação imobiliária- os moradores sao despejados de suas casa em
virtude desse projetos porque há interesses politicos e comerciais. Destacou algumas
conquistas importantes: Constituição Federal de 1988 – Capítulos 182 e 183;
Constituição Federal de 1988 – Capítulos 182 e 183; aprovação do Estatuto da Cidade
– Lei Federal nº. 10.257/2001; os Planos Diretores Participativos; as Conferências das
Cidades, os Conselhos das Cidades; o Ministério das Cidades. Foi relatado os
impactos socioambientais na região de Açailândia, especificamente, o bairro de Piquiá
366
de Baixo onde há uma concentração de industrias siderúrigicas, além de fábrica de
cimento e termelétrica.
O terceiro expositor foi o Prof. Alfredo Wagner Berno de Almeida que iniciou
a sua fala perguntando como a Universidade pode contribuir para com as lutas dos
movimentos sociais. Deu destaque a importância do conhecimento científico para a
materialização do mapa como instrumento de resistência e de conhecimento das
problemáticas sociais. Assim como, o mapeamento dos efeitos nefastos que o
Programa Grande Carajás vem provocando: trabalho escravo nas carvoarias e
reforçando a pobreza, desigualdade e exclusão social
de grande contingente das
regiões afetadas.
3 PROPOSTAS E RECOMENDAÇÕES
Mediante as exposições compartilhadas acerca das vivências e experiências a
partir das consequencias do Programa Grande Carajás sobre o campo e a cidade no
que concerne às propostas e recomendações não houve propostas que sintetizassem
coletivamente e de forma homogênea, a decisão dos grupos presentes: União por
Moradia, Movimento das Quebradeiras de Coco(MIQCB), Movimento Quilombola do
Maranhão(MOQUIBOM), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra(MST),
Comunidades Ribeirinhas, Acadêmicos. Porém, pode-se elencar algumas sinalizações
imprescíndiveis à relexão crítica e à construção de propostas articuladas e
potenciadoras das estratégias de luta e enfrentamento diante dos desmandos do capital.
a) O resgate da memória da comunidade quilombola, estabelecendo o intercâmbio
com outras comunidades em rede;
b) Articulaçâo entre os dierentes movimentos sociais em torno das bandeiras de
luta especifica e coletiva como forma de reconhecimento da diversidade e
pluralidade cultural;
c) Criar formas organizativas de resistência frente ao modelo de desenvolvimento
do capital;
d) Identificação e conhecimento dos inimigos para a obtenção da possibilidade de
construção de estratégias e formas de atuação;
367
e) Reapropriação da terminologia “Guerra dos Mapas”, “Guerras do Carvão”
como instrumento potencializador das lutas sociais, a exemplo das regiões
inseridas no circuito minerador, carvoarias etc; sendo estes consubstanciados
em um mapeamento da resistência;
f) A importância de conhecer o processo da lei de zoneamento que está em curso
em São Luís, Estatuto da Cidade, Plano Diretor como mecanismos de
desenvolvimento da cidadea fim de que as pessoas participem da elaboraçaõ
de polítiicas públicas urbanas;
g) Contribuição permanente da Universidade, estabelecendo a articulação:
conhecimento popular e conhecimento acadêmico .
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os relatos apresentados pelos atores sociais provenientes das comunidades
afetadas diretamente pelo suposto modelo de desenvolvimento implantado no
Maranhão por meio do Programa Grande Carajás, nos sensibiliza de tal maneira a
desenvolver instrumentais que sejam convertidos em ações concretas que incida sobre
tal realidade. O desafio é inegável, quanto ao papel e compromisso que a Universidade
deve firmar com as comunidades que pagam um preço alto em virtude da corrida
desumanizante do grande capital.
Os impactos sobre o campo e a cidade
são notórios no cotidiano das
comunidades, sejam elas: indígenas, quilombolas, ribeirinhas, quebradeiras de coco
etc. Todos eles com suas singularidades e particularidades culturais em um dado
território são atingidas, sobretudo no seu sentimento de pertencimento, de identidade e
dignidade humana. As lutas de resistência e mobilizações vivenciadas por diversos
movimmentos populares representam estratégias de se fazerem visíveis na esfera
pública e terem suas demandas atendidas. A relação cidade-campo é intrínseca, pois
ambos fazem parte de uma mesma dinâmica social proldutiva, sob a lógica do
capital,que incide sobre a vida das pessoas que vivem em constante movimento de
construção/reconstrução da vida objetiva e subjetiva.
OS setores populares são capazes de avançar na conquista de suas lutas à
medida que pratiquem cotidiamente a reeleitura de suas realidades de forma críticareflexiva; ou seja, identiicando coerentemente quem é o seu maior inimigo na
368
construção de uma sociedade na qual sejam incluídos na distribuição de riqueza
produzida coletivamente.
369
8.3.19 Mesa Redonda: Grandes empreendimentos e impactos na saúde
Ementa: Discussão sobre a devastação dos ecossistemas, a poluição e suas
consequências para a saúde de grupos humanos. Visa discutir ainda doenças
decorrentes de atividades industriais e agrícolas (agrotóxicos, corretores de solo,
substâncias tóxicas) e as formas de atendimento básico à saúde da população,
aprofundando a discussão sobre geração de riquezas e melhoria da qualidade de vida.
Participantes da mesa:
Raquel Rigotto (UFC - Brasil)
Marcelo Firpo (Fiocruz - Brasil)
Daniela Patrucco (Peacelink - Itália)
Coordenação: Ir. Antônio Soffientini (JnT - Brasil)
Relatoria: Grandes empreendimentos e impactos na saúde
1. Daniela Patruco (Peacelink – Itália)
Dividiu sua apresentação em etapas: (1) Grandes empresas que não são sustentáveis; (2)
Conflito saúde e trabalho, e como este conflito prejudica os trabalhadores e as comunidades e
(3) Dificuldades e vantagens que caracterizam os conflitos socioambientais sobre os perigos e
vantagens a partir daquilo que se define por desenvolvimento.
(1) Grandes empresas que não são sustentáveis:
Situa o seu local de analise e vivência que é Taranto, Itália, região de grande importância
comercial e que tem visto o turismo, a agricultura e a pesca ameaçada pelas grandes indústrias,
gerando efeitos negativos ao desenvolvimento humano daquela comunidade;
A principal fonte de poluição na cidade Taranto é a siderurgia. É líder da siderurgia na Europa,
sendo o maior empreendimento siderúrgico europeu, tendo ligação com a Vale e recebe
recursos de minérios oriundo dos Carajás.
Taranto e Açailandia tem uma ligação muito grande diante das promessas do desenvolvimento
que deixaram a poluição, as doenças e a morte, assim como comunidades como Tamburi
(Taranto) e Pequi de Baixo (Açailândia).
As mesmas nuvens que se levantam em Tamburi e Pequi e fruto da mesma poluição fruto da
siderurgia. 800 navios de minerais de ferro a cada ano em Taranto. É armazenado em grandes
áreas. São montanhas de ferro, equivalente a 90 campos de futebol a área usada. Fruto desse
processo se produz o coke.
O sistema de produção do coke é antigo, arcaico e precisaria de uma modernização e
despoluição.
370
Os impactos dos grandes empreendimentos quando se analisa todos os ciclos que ocorrem
naquele setor, no tempo e no espaço. Todas estas grandes empresas são altamente impactantes
ao ambiente.
Fica claro que os danos para o ambiente são mais ligados aos danos aos seres humanos, muito
parecido com o processo de exploração nas minas de carvão da China e Índia, sem nenhum
sistema de proteção.
Estes grandes impactos também existem na produção daquilo que chamamos de energia limpa,
como Guatemala, Equador, Chile, com a construção de barragens.
Isso acontece também devido a política do crédito de carbono e com formas diferenciadas de
impactos, mas que são nocivas, seja na Europa, com o carvão, seja na América Latina, com as
barragens. Na Itália, a produção de energia hidrelétrica também causa grandes impactos. Isto
acontece com uma grande indústria italiana, de extração de petróleo. Isso acontece também
com a indústria da extração de petróleo na África e Ásia.
Podemos colocar muitos exemplos, entretanto o mais importante é perceber que quanto maior
o tamanho da indústria, maior a ânsia de obter lucros.
Não é complicado verificar a desproporção entre devastação ambiental e lucro, e para
sustentar tais poluições sempre chantageiam com a questão dos postos de trabalho que geram,
e também, sabe-se das ligações existentes entre estas empresas e os governos. O que
certamente não é diferente com uma empresa como a Vale.
Neste debate dos grandes empreendimentos, é importante salientar que mesmo que usassem
tecnologias de redução da poluição, ela jamais poderia pagar o custo ambiental, pois tais
empresas trabalham com matéria prima, produto que deve ser um bem comum e não privado.
Quando se trata de sustentabilidade, cabe lembrar que ela tem três pilares: ecologia, equidade
e economia, sendo que para os governos só tem interessado a economia.
(2) Conflito saúde e trabalho, e como este conflito prejudica os trabalhadores e as
comunidades
O primeiro problema na Itália a ser analisado dentro dessa relação foram as doenças
profissionais do trabalho.
Em Taranto, o Ministério Público solicitou uma analise clinica da saúde dos trabalhadores,
diante da espacialização de substancias perigosas à saúde daquela população.
Existe um estudo de 2005, sobre exposição dos trabalhadores de Coke, que diz que este tipo de
indústria pode causar câncer aos trabalhadores. Isso acontece com os trabalhadores assim
como acontece com os moradores das proximidades. Dentre os efeitos mais percebidos, podese destacar a formação deformada do feto, aumento de doenças respiratórias e cardíacas, fruto
da intensa poluição do solo, do mar, do ar.
371
(3) Dificuldades e vantagens que caracterizam os conflitos socioambientais sobre os
perigos e vantagens a partir daquilo que se define por desenvolvimento.
Um dos grandes perigos do processo de industrialização dessa região, na produção de coke,
está justamente na fabricação altamente tóxica e perigosa, que é a toxina, o que vem
resultando inclusive em vários processos judiciais.
Desde 2005 foram feito analises sobre mexilhões, queijos, gado. Chegou à conclusão de que é
sempre maior quando menor é a distancia do local de produção industrial, da chaminé.
Quando mais próximo da firma, mais contaminado.
Tudo isso é importante, pois um promotor que acaba de dizer que o papel desse comitê para
mostrar os impactos à saúde.
Devido a estes casos, a UE começou um procedimento contra a Itália devido a não respeito às
decisões ambientais.
Diante desse modelo, a população tem se colocado a questionar o tal desenvolvimento
apresentado por estas empresas, chegando à conclusão alguns empregados dessas empresas
que a produção do aço é incompatível com a cidade. São movimentos de cidadãos livres e
pensantes. Manifestações organizadas apontam para outra perspectiva, como o movimento Se
pode sonhar, se pode fazer, onde é constituído por empregados dessas empresas poluidoras.
Estas empresas geralmente reagem com ameaças e chantagens.
2. Marcelo Firpo (Fiocruz – Brasil)
O palestrante buscou tratar teoricamente e politicamente sobre os impactos dos grandes
empreendimentos à saúde. A partir dessas questões, buscar alternativas, tratando de conceitos
chaves como biocídio.
Sobre a questão conceitual
Grandes empreendimentos estão fortemente ligados ao capitalismo e modernidade, a
intensificação do neoliberal e controle intenso da natureza. Estes grandes empreendimentos
buscam intensificar sua inserção no mercado mundial. Dentro daquilo que chamamos de
grandes empreendimentos, podemos destacar: (1) Capitalismo e modernidade: exploração e
controle da natureza, império do mercado; (2) Contexto latinoamericano e brasileiro:
neoliberalismo, neoextrativismo e reprimarização da economia e (3) a ideia do metabolismo
social. Globalização, comércio internacional e produção de commodities agrícolas e metálicas.
É um comercio injusto e insustentável.
O modelo de desenvolvimento hegemônico aponta que o fortalecimento dos setores
estratégicos da economia, o avanço sobre fronteiras e territórios em disputas são essenciais.
Sendo assim, alguns conceitos são importantes para compreendermos esse processo. O
conceito de território é um de crucial importância. Em Milton Santos, podemos perceber este
conceito como um como espaço em disputa e A. Escobar, há uma ampliação, apontando para a
372
questão da cultura, do direito e diferentes expressões simbólicas. Território de espaço de
criação e recriação.
A partir disso, é importante chegarmos à questão do impacto à saúde, todavia, cabe
conceituarmos o que concordamos e discordamos dentro daquilo que se classifica por saúde.
Saúde na biomedicina está presa a uma concepção da doença e morte. Sabe-se que saúde e
sustentabilidade no capitalismo tem relação direta com lucro e rentabilidade
Uma concepção diferente e importante vem da Medicina social latinoamericana: determinação
social dos processos saúde-doença. Logo, as desigualdades seriam os grandes problemas à
saúde da população. Isso é compreendido a partir da economia política, logo, alimentação,
renda, acesso à saúde, etc. devem ser considerados. É nesse contexto que a saúde coletiva se
renomeia no Brasil como saúde coletiva.
Isso fez com que se colocasse a questão do poder, desigualdades sociais, distribuição e
concentração de recursos, participação versus falsos consensos, corrupção e cooptação.
Nos últimos 20 anos vêm sendo transformado o conceito de saúde, com uma visão mais
holística das comunidades indígenas da América Latina: saúde como dignidade e bem viver.
Saúde do ambiente/ ecossistemas e saúde humana: resiliência e vitalidade nos ciclos da vida (e
morte) têm sido uma questão também importante a ser posto nos debates atuais. A potencial
relação entre medicina e agroecologia.
Essa discussão tem relação muito forte com as lutas por dignidades, direitos das comunidades
atingidas;
Outros conceitos importantes que devem ser considerados são: precaução (UNESCO
COMEST, 2005), que trata dos riscos moralmente inaceitáveis, isto é, evitáveis,
negligenciadas e impostos aos povos e comunidades. E assim inverte o ônus da prova: o não
impacto deve ser demonstrado pelo empreendedor. Essa questão assume um papel importante
e se torna numa das mais importantes sínteses
Outros dois conceitos que têm relação com os conceitos reinventados pelos movimentos
populares por justiça ambiental. Conceitos seriam: (1) Epidemiologia popular (protagonismos
dos sujeitos atingidos na produção de conhecimentos sobre saúde. Surge nos EUA). Dessa
forma, isso abre dois precedentes, pois coloca o protagonismo dessas populações, de forma
autônomas e a outra, é a organização com outras organizações e instituições científicas, que
buscam construir uma ciência mais autônoma e (2) outro elemento seria a questão do Biocídio,
de origem biomédica, que trata do enfraquecimento genético pela contaminação química dos
resíduos em Campania, Itália. Há uma interdependência entre processos políticos-econômicos,
ecossistemas e corpos, via degradação, exploração ou aniquilamento da vida.
Sobre os grandes empreendimentos e conflitos territoriais e ambientais
Dentro dessa questão, no que se refere aos conflitos territoriais e ambientais: disputas
materiais, simbólicas e políticas pelo espaço e pelo sentido da vida e do desenvolvimento.
Estes conflitos resultam do modelo de desenvolvimento: sistema econômico e político
despreza a vida das comunidades, populações e trabalhadores. Estes conflitos não são
mostrados como são nas mídias. E na medida em que a sociedade se organiza, estes conflitos
são mais visíveis.
373
3. Raquel Rigotto (UFC – Brasil)
A apresentação inicialmente se dividiu em dois importantes momentos: (1) Grandes
empreendimentos e da Revolução Verde ao agronegócio.
A) GRANDES EMPREENDIMENTOS
Os impactos dos grandes empreendimentos à saúde poderiam ser esmiuçados a partir de três
grupos: (1) comprometimento do acesso aos bens naturais (2) indução de processos de
migração compulsória (expulsão/inviabilização da permanecia na terra e atração do emprego)
e (3) processo de produção e trabalho (RIGOTTO)
Comprometimento do acesso aos bens naturais: afetam diretamente o acesso aos bens
naturais. Com consequências a soberania e a segurança alimentar, com repercussões sobre a
saúde humana (distúrbios nutricionais, aumento da mortalidade infantil, vulnerabilidade e
doenças, como infecciosas e parasitárias)
Indução de processos de migração compulsória: com consequências na alteração do modo de
vida, suas formas de sociabilidade, trabalho (exemplo do trabalhador que tem que se submeter
a lógica das empresas e altera toda relação familiar. A primeira greve que esses trabalhadores
fizeram no Ceará pediam comida), padrões alimentares e hábitos de vida e repercussões sobre
a saúde humana, como violência, exploração sexual, gravidez indesejada e de adolescentes,
doenças sexualmente transmissíveis, difusão do comércio e uso de drogas, desagregação da
família, sofrimento psíquico, doenças mentais, depressão, suicídio.
Processo de produção e trabalho: com consequências na introdução de novos riscos
tecnológicos nos ambientes de vida e trabalho de natureza (física, química, biológica, de
acidentes, psicossocial), repercutindo em desastres ambientais, acidentes de trabalho, acidente
de trânsito, intoxicações agudas e diversas doenças crônicas.
B) DA REVOLUÇÃO VERDE AO AGRONEGÓCIO:
PRODUTIVIDADE E ACABAR COM A FOME?





AUMENTAR
A
Expansão das agroindustriais
Intensiva utilização de sementes transgênicas
Insumos químicos
Mecanização da produção
Uso extensivo de tecnologia
O projeto do Ministério da Agricultura é ampliar, como o Algodão (68,8%), Milho (56,46%)
Por causa dessa lógica, desde 2008, o Brasil seria o maior consumidor de agrotóxicos do
mundo. O mercado brasileiro aumentou 190% na última década, movimentando 8,5 bilhões de
dólares, sendo 10 empresas controlando 75% do mercado.
374
Há uma intensa relação entre agrotóxicos e transgenia: 45% de herbicidas, 14% de fungicidas
e 12% de inseticida.
Os mais afetados são os trabalhadores, sejam os do agronegócio, sejam dos camponeses, sejam
os da fábrica dos agrotóxicos e até mesmo dos trabalhadores agroecologia.
São também atingidos os moradores do entorno. E remotamente, toda a população, devido a
corrente do vento, por exemplo. Consumidores e toda a sociedade, pois os custos de
tratamento de doenças não são os empreendedores e sim o Estado.
Soja, milho e cana são os maiores consumidores de agrotóxicos. Praticamente estas três
commodide é quase 75% do consumo de agrotóxicos no Brasil.
Ocorrera uma evolução da produção agrícola, consumo de agrotóxicos e incidência de
intoxicações por agrotóxicos.
DEBATES: questões e polêmicas
Daniela Patruco (Peacelink – Itália)
Como iremos defender a saúde dos trabalhadores e cidadãos
Quando se fala da prevenção de câncer, se logo de diagnóstico precoce. O mais importante
seria impedir esta população em ficar a mercê dessas substancias poluidoras.
Esta poluição acaba afetando tanto ricos e pobres.
Repensar a guerra sobre o câncer
Falará sobre um artigo da revista Lancet. Não se conseguiu vencer a luta contra o câncer, pois
se prendem a terapia ou no diagnóstico precoce.
Nosso genoma se relaciona com o ambiente, e esta é esta relação que estrutura a mesma
pessoa, e também as respostas.
A outro médico italiano que diz que a prevenção começaria na tecnologia na agricultura e
redução da poluição industrial.
Tudo isso agora será desenvolvido a partir da experiência de Taranto sobre a questão da
dioxina.
A dioxina tem mais de 200 componentes e são produzidas na siderúrgica, por exemplo. Estão
na atmosfera. Podem ser transportadas nos rios, poluindo os peixes.
O registro europeu da poluição 8 % de toda Europa e 92% na Itália em Taranto, de produção
de dioxina.
1971 2 1996 mais que duplicaram. De 1998 e 200i, mais de 1200 mortos por ano, na
proximidade da região.
Ao longo dos anos, analises sobre os animais, atmosfera, crianças, e que ficou bem claro a alto
concentração de dioxina, chumbo na cadeia alimentar.
375
É importante ressaltar que as dioxinas são perigosas para crianças, pois são transmitidas pelo
cordão umbilical e pela amamentação. Antes de nascer e na amamentação são contaminadas.
Muitas dessas denuncias sobre o amianto existia a muito tempo, mas era escondido devido a
relação entre as firmas e poder.
Tudo isso por que se tem poder forte, pois tem poder por trás. Outros podrutos. A história não
muda.
Marcelo Firpo (Fiocruz – Brasil)
Três questões importantes sobre os grandes empreendimentos que devem ser
1. Agronegócio e monocultivos
2. Mineração e produtos semiacabados (ciclos ferro-ferro, etc.)
3. Infraestrutura
GRANDES EMPREENDIMENTOS PRODUZEM BIOCÍDIO PORQUE...
1. Tem por base a busca obsessiva pelo lucro e mercantilização da vida e da natureza;
2. Afetam a saúde coletiva pela produção sistêmica de riscos e degradação ambiental;
3. Aniquilam direitos: à participação, ao território, às paisagens e recursos naturais, aos
modos de vida;
4. Desprezam valores comunitários, culturas, sacralidade da vida e da natureza;
5. Afetam espaços não só dos campos e florestas, mas também os urbanos (geram fluxos
migratórios, por exemplo)
6. Racionalidade instrumental economicista;
7. Desprezam outras racionalidades e formas de conhecimento – que seria o
epistemicídio, que seria a morte de outras formas de conhecimentos;
8. Impõem regimes da poluição e zonas de sacrifícios às populações discriminadas
9. Frequentemente aliam a despossessão e desterritorialização aos regimes de terror pelas
violências em práticas neocoloniais
10. Estado democrático de exclusão
EMPREENDIMENTOS, A SAÚDE E EMPRESSÕES DO BIOCÍDIO
Exemplo 1. Processos de licenciamento, que flexibilizam as regras, desconhecimento e não
participação como instrumentos de poder, o fortalecimento das empresas na própria definição
de impactos, aceleração das licenças de operações. Há uma luta intensa na América Latina;
Processos fast food, em interesse das grandes empresas.
Exemplo 2. Quem e como define riscos e impactos à saúde?
Ciências ambientais e da saúde. Elas são contratadas e influencias pelos empreendedores. Um
processo perverso, que apenas buscam soluções depois de intensa exposição, exigindo provas
que burocratizam e tardam soluções objetivas. Deveria ser suficiente para uma resposta a
existência de materiais particulares em exposição à população
376
EMPREENDIMEJTOS, BIOCÍDIO E VIOLÊNCIA
1. Ameaças e assassinatos
2. Antropologia da violência
3. America Latina campo e cidade
Esta questão é essencial e deve ser posta. O Brasil é campeão em assassinato de lideranças
socioambientais no Brasil;.
Naquilo que se discuti como matriz energética é importante lembrar que as hidrelétricas
causas enormes danos, o que alguns setores ecológicos não conseguem perceber. O caso dos
parques eólicos, como no ceará, a conflitos com camponeses e quilombolas. Logo, a questão
não seria apenas das substancias, mas a questão do sistema que produz esta perversidade.
Raquel Rigotto (UFC – Brasil)
O governo federal concedeu redução de 60% da alíquota de cobranças do ICMS, tendo alguns
estados ampliados a 100%. Há uma isenção de impostos.
Há uma subordinação do governo ao setor ruralista: desregulamentação e flexibilização da
legislação sobre os agrotóxicos. A lei 12.873/13 e o Decreto 8.133/13, que em situações de
emergências, poderia ser usados agrotóxicos sem análises surgiram no momento em que,
semanas depois se baixou uma portaria autorizando o uso de determinados agrotóxicos sem as
devidas análises e que até aquele momento era proibido.
Uma questão importante é que querem tirar a análise dos agrotóxicos da forma atual
(presidência, ministério da agricultura e ministério do meio ambiente) e deslocar para uma
comissão que facilitaria a liberação dessas substancias.
Outra questão importante é perceber que a política de saúde tem muitas leis, todavia uma
enorme dificuldade de concretização e implementação.
Outras mais questões que devem ser colocadas são:






Atenção básica assume a Saúde dos trabalhadores?
Centros de Referencia a Saúde do Trabalhador Rural?
Controle de qualidade da água para o consumo humano?
Reavaliação dos agrotóxicos?
Controle das condições de trabalho?
Intersetorialidade? Legislação que batem de frente a proteção da vida
O limite residual do governo em relação aos agrotóxicos é equivocado e não confiável. Uma
pesquisa recente no Mato Grosso, com mães lactantes, verificou-se que a totalidade dessas
mães apresentava leites contaminados por substancias, como DDT, DDE, Endosulfan,
Deltametrina. Isso tem gerado inclusive má formação congênita.
377
No que se refere aos efeitos crônicos, pode-se destacar câncer (leucemia, linfoma, sarcomas,
pulmão, estomago, testículos, melanoma, etc.), neurológicos, desregulação endócrina, efeitos
na reprodução (infertilidade, malformações congênitas, abortamentos), efeitos sobre o sistema
imunológicos, efeitos no desenvolvimento da criança, doenças do fígado e dos rins, doenças
no sistema nervoso e doenças respiratórias.
No Ceará, 15% maior de câncer nos agricultores em relação aos não agricultores. Alterações
inclusive nos cromossomos, que indicam uma possível leucemia.
Tem crescido a incidência de acidentes de trabalho por intoxicação por agrotóxicos no Brasil.
Aumento de suicídio através de agrotóxicos. Quase 22.000 entre (1999 e 2009) e 1876 mortes
via agrotóxicos.
Há uma complacência dos governos, a tal ponto que o irmão do ministro de Integração está
sendo processado pela morte de uma liderança socioambiental.
No que se refere às universidades, verifica-se uma internacionalização do pensamento
empresarial na universidade, com inovação tecnológica atrelada à cadeia produtiva. Grande
maioria dos pesquisadores não tem consciência crítica do papel social da Universidade. Há um
gerencialismo dos Programas de Pós-Graduação. Recorte de objetos de estudos sem a
complexidade.
Existem muitas formas de metodologias, e existem umas que possibilitam dialogo com as
comunidades, que se confronta com as hegemônicas.
Por tudo isso, pode se dizer que hoje um dos grandes riscos está na universidade, e que os
movimentos sociais devem se apossar desses espaços.
PROPOSTAS E RECOMENDAÇÕES
Daniela Patruco (Peacelink – Itália)
1. Socialização da ciência e conhecimento
2. Acolher por parte da ciência as informações das comunidades
3. Pra que a ação seja cada vez mais forte, é preciso que se conheça a realidade, os
perigos, conhecer o que acontece ao seu recor, os possíveis prejuízos, medidas de
segurança.
4. Uma primeira coisa é reconhecer os crimes, violações que as empresas cometem,
ambientais, sindicais.
5. Crimes ambientais deveriam se pode equiparar ao roubo, homicídio
6. O poluidor deveria pagar pela poluição, constituindo aquilo que poluidor pagador.
7. Consolidação de uma cidadania científica. Possibilidade que teria o cidadão em
gerenciar os processos, mas os cidadãos têm que se interessar por isso. Este tema da
cidadania científica, que nos faz permitir se colocar em dois caminhos, a dos únicos
detentores da informação a autoridade e outra, a competência seria a transparência,
com clareza, onde os cidadãos se façam parte das decisões, das responsabilidades.
Eles estão trabalhando na segundo alternativa.
8. Generalizar os conhecimentos sobre conflitos ambientais;
9. Comitês locais
378
10. Consolidação de uma cidadania com um conjunto de práticas, direitos e deveres que
defina a pertença de um indivíduo em uma sociedade.
Marcelo Firpo (Fiocruz – Brasil)
1. Parar o biocídio dos empreendimentos (projetos de morte)
2. Enfrentamento à violência: direitos humanos e justiça
3. Construindo e recuperando outras práticas de produção de conhecimentos e novos
epistologias, de economias e sistemas de produção: agroecologia, economia solidária,
produções culturais locais, turismo comunitário, tecnologias de convivencialidade,
justas e sustentáveis
4. Saúde como valor, como dignidade e como direito
5. Complexidade da saúde: incomensurabilidade da vida, irredutibilidade e
multidimensionalidade dos ciclos da natureza e da vida
6. Saúde como projeto civilizatório
7. Enfrentar o modelo de ciência e economia hegemônicos;
8. Rearticulação de todos os oprimidos;
Raquel Rigotto (UFC – Brasil);
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
Campanha contra os agrotóxicos e pela vida
Video-documentário
Dossiê Abrasco – uma alerta sobre os agrotóxicos
Desenvolvimento da Agroecologia (Política Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica, Plano Nacional e Programa Nacional de Redução de Uso de agrotóxicos)
Consea
Função social da ciência, justiça cognitiva e o papel da Universidade
Lutas emancipatórias de territórios (movimentos sociais têm sido sujeitos de
possibilidade do futuro)
Socialização dos dados, informações;
Os movimentos sociais devem abraçar urgentemente as universidades, pelo risco que
ela trata;
Públicos
1. Perícias alternativas;
2. Comprometimento da justiça do trabalho
379
8.3.19.1 Os cidadãos perante o impacto das grandes indústrias sobre
a saúde - Daniela Patrucco (Peacelink, Italy - traducción Beatrice
Ruscio)
Introdução
Peacelink é uma associação que em Taranto, no sul da Itália, por mais de dez anos
denuncia o impacto sobre a saúde e o meio ambiente produzido pela Ilva, uma siderúrgica
líder na Europa pela produção do aço.A partir do caso de Taranto vou tentar lançar luz sobre
as razões por que as grandes empresas de produção, através da transformação de matériasprimas são inerentemente insustentáveis do ponto de vista sócio-ambiental.Vou discutir do
conflito entre trabalho e saúde, como ao longo do tempo, além da saúde dos trabalhadores foi
afetada a saúde de toda a comunidade, submetida à ameaça de desemprego.Em Taranto, após
dez anos de luta os comitês foram capazes de dar um nome aos poluentes e tornar evidente o
dano causado pela Ilva:é claro agora que a melhor forma de prevenção das doenças é a
redução da poluição.
Para encerrar vou dar uma breve visão geral dos desafios e oportunidades enfrentados pelos
cidadãos e movimentos sociais ativos em conflitos ambientais: a assimetria de poder, a
dificuldade de acesso à informação e à necessidade dos cidadãos a serem mais responsáveis e
conscientes dos benefícios e riscos inerentes ao chamado progresso.
A cidade de Taranto e a Ilva
Taranto é uma cidade no sul da Itália, com um rico patrimônio histórico, cultural e natural,
cercada por praias e águas cristalinas, com uma posição estratégica e portos que hospedam os
navios militares e comerciais. A economia local - cultural, do turismo, gastronomia e vinhos,
agricultura, pescas e comércio afetada pelo impacto das grandes indústrias poluidoras
presentes na área. Impacto que também afetou o desenvolvimento das populações residentes.
A principal fonte de poluição em Taranto é o estabelecimento siderurgico Ilva, empresa
ativa hà mais de 100 anos em várias formas na produção e processamento de aço e líder na
indústria siderurgica na Europa e no mundo.Em Taranto Ilva tem a maior usina siderúrgica
europeia, que devido a violações ambientais repetidas està sujeita de 2012 a interventor
judicial, depois de ser envolvida em uma investigação criminal ainda em curso que levou à
apreensão das plantas. A industria Ilva de Taranto està ligada intimamente à Vale, da qual
recebe o mineiro de ferro extraído nas minas do Brasil. As cidades de Taranto e Açailândia, e
seus respectivos distritos Tamburi e Piquiá de Baixo, são unidos por uma relação muito
próxima, feita de promessas de bem-estar e desenvolvimento que deram lugar à poluição,
doença e morte.As mesmas nuvens de fumaça vermelha se elevam no céu do bairro Tamburi e
no de Piquiá de Baixo: é o minério de ferro que - transportado ao longo da Estrada de Ferro
380
Carajás- finalmente chega de navio para Taranto para ser usado nas usinas siderúrgicas da
Ilva.
No porto de Taranto atracam a cada ano 800 navios destinados a Ilva.O minério de ferro é
recolhido por correias transportadoras de cerca de dez quilômetros de extensão e armazenado
em grandes áreas, chamados parques minerais. Verdadeiras montanhas de pó de ferro ao ar
livre, tão alto quanto 20 metros, ocupando uma área de dez hectares, o equivalente a cerca de
noventa campos de futebol. O minério de ferro é misturado com coque, substância obtida
através da queima do carvão com outros combustíveis.A produção do coque é o passo mais
poluente de toda a cadeia de produção, por isso em quase todos os lugares as instalações foram
renovadas e estão localizadas longe das cidades. Os fornos de coque utilizados pela Ilva de
Taranto são obsoletos e exigem uma modernização urgente e despoluição. Em vez disso, é
muito mais barato continuar a produzir seu próprio coke que certamente custa menos do que
se fosse comprado externamente daqueles que produzem sem baixar custos impactando o meio
ambiente.
Grandes indústrias e devastação dos ecossistemas
O impacto de grandes indústrias poluidoras pode ser apreendido em sua totalidade só se
você olhar para todo o ciclo de vida dos seus produtos, no tempo e no espaço.Não há uma
grande indústria de processamento que não impacte fortemente o meio ambiente e, isso por
uma razão essencial: o uso intensivo de matérias-primas. Técnicas de extração mais e mais
intensivas, e mais e mais invasivas, são necessárias uma vez que as matérias-primas são
escassas, como como é inevitável a acontecer. E tornou-se muito claro que aos danos
ambientais e aos saques são cada vez mais relacionados à saúde e à vida humana.
Um fenômeno muito visível na produção de energia.Com o carvão.A mineração de carvão
se dá através da exploração de trabalhadores em minas na China e na Índia, onde os homens
sem qualquer proteção escavam armados com uma picareta, pá e carrinho.Ou com a
abordagem americana da mountaintop removal - a explosão do topo das montanhas - para
facilitar a escavação do material que é enviado para intermináveis fileiras de vagões
ferroviários para a exportação.Com fontes renováveis e a construção de grandes barragens na
América Latina: a Patagônia chilena, Colômbia e Guatemala.Exclusivamente para fins de
aquisição de créditos de carbono e realizar grandes especulações financeiras para os bancos, as
mesmas indústrias que produzem energia com emissões de CO2 de carvão na Europa, na
América do Sul perturbam ecossistemas inteiros, desviam rios e prejudicam a sobrevivência
381
da população local e da economia. É o caso da Enel, de propriedade por 30% do Estado
italiano. Com o petróleo.
A indústria do petróleo tem devastado África depredando seu ouro negro, bem ciente das
consequências e, independentemente de poluição na atmosfera, da contaminação da água e das
populações locais, doentes e famintas e forçadas a beber água poluída.Eni é a indústria
petrolífera italiana, de que o Estado possui cerca de 30%, que opera na Nigéria.Eu poderia
continuar com exemplos, mas mudando as histórias não mudam as dinâmicas: maiores são as
empresas, mais elas querem maximizar seus lucros, quanto mais investem em operações de
comunicação que dão um valor positivo para as suas atividades, escondendo a devastação
socioambiental que causam, com a possibilidade para a população local de ter o acesso à
energia elétrica, melhorando as suas condições de vida.Não é difícil ver a desproporção entre a
magnitude da devastação - e dos lucros – e a escassez de benefícios para as comunidades
locais.No entanto, a retórica utilizada, como na Itália tanto no Brasil, é a dos empregos. As
indústrias poluidoras também estão realizando ações sem escrúpulos, que propõem como
medidas de responsabilidade social corporativa. Medidas possíveis graças à conivência e
vontade dos governos, mais interessados nos lucros das empresas que aos direitos dos
cidadãos.
A necessidade de considerar todo o ciclo de vida das produções industriais, no tempo e no
espaço, também afeta a Vale e a indústria do aço, a que é dedicado este seminário.Na verdade,
mesmo que na Itália ou na Europa as grandes siderúrgicas adoptassem as melhores tecnologias
disponíveis (MTD) minimização a poluição, não poderíamos eliminar a devastação que
occorre no Brasil, pela Vale.E, paradoxalmente, mesmo que a Vale adoptass as MTD nunca
poderia redefinir o seu impacto principal, que é o esgotamento dos recursos, o que não podem
ser exploradas para o benefício dos monopolistas ou as multinacionais porque são bens
comuns que pertencem a todos, incluindo as gerações futuras.Especialmente, se as grandes
indústrias adoptassem as MTD e salvaguardassem os direitos humanos e do meio ambiente
parariam de fazer os enormes lucros que causam tanta devastação e, portanto, não seriam mais
interessados em aquel negócio.
O principal problema, bem como o dos recursos, está relacionado com a não aplicação do
princípio do "poluidor-pagador", o que iria contra a tentativa de contornar as normas
ambientais e contribuir para o respeito pelas regras e direitos.Além disso, muitas vezes nos
esquecemos de que a sustentabilidade, da qual se fala muito, mas é pouco praticada, é baseada
nos pilares da ecologia, da equidade e da economia. Não se pode falar de sustentabilidade, se
considerarmos apenas o pilar da economia, apesar das regras e dos direitos humanos.
Grandes indústrias e conflitos entre trabalho e saúde
382
Historicamente, não só na Itália, o primeiro problema encontrado em relação ao impacto das
grandes indústrias poluidoras sobre a saúde tem sido o das doenças ocupacionais;percebemos
que os trabalhadores ficaram doentes e, em alguns casos, temos compensado a perda da saúde
com benefícios: os trabalhadores foram retirados prematuramente ou estavam destinados a
trabalhos menos cansativos.Acontece, porém, que os trabalhadores doentes são simplesmente
descartados quando não for mais produtivos.Ou, infelizmente, que morrem antes de seu
tempo.Com o trabalho, podem também perder a casa, como eu senti que acontece aqui no
Brasil com a Vale.O trabalho e em casa, que a princípio foram considerados privilégios,
finalmente se tornaram armas de chantagem com que as grandes indústrias subjogam os
trabalhadores e suas famílias.Sendo capaz de tirar proveito de uma casa é toda a família para
ser submetida à chantagem e é toda a família aser submetida a poluição, o que vem da fábrica
e, em seguida, além do trabalhador impacta
toda a comunidade: homens, mulheres e
crianças.E, claro, o meio ambiente.
Além dos muros da fábrica, a algumas centenas de metros, parques, casas, escolas,
varandas, varais, os pés das crianças, são cobertos com uma pátina de poeira.Uma portaria
municipal proíbe que crianças brinquem em áreas verdes do bairro Tamburi, porque o solo
está contaminado com berílio, mercúrio, níquel e cádmio.A mesma contaminação afeta o
cemitério, localizado no sopé das chaminés de Ilva, onde, há algum tempo, não é possível
escavar e enterrar os mortos por causa das condições do solo altamente tóxicas.Contaminadas
por poeira da Ilva encontram-se também capelas, túmulos, estátuas, cruzes.
De acordo com uma perícia química recentemente encomendada pelo Ministério Público
de Taranto, a partir da planta ILVA espalham-se substâncias perigosas para a saúde dos
trabalhadores e da população da cidade. Um estudo de 2005 sobre a exposição ocupacional
dos trabalhadores na planta de coqueificação de Taranto mostra que o forno de coque tem um
risco carcinogênico significativo para os trabalhadores. Este risco se estende para a população
em geral, devido à proximidade entre a planta e a área residencial e as medidas insuficientes
para limitar as emissões. Um impacto devastador, tanto em termos sociais – com o aumento de
câncer, doenças cardio-respiratórias, malformações congênitas, e agora o risco de desemprego
– e ambiental com a contaminação do ar, do mar, do solo e da cadeia alimentar por dioxinas,
furanos e PCB).
Defendendo a saúde através da prevenção
383
Lorenzo Tomatis, foi um grande cientista, especializado no estudo das causas de doenças,
riscos de origem ambiental e medidas preventivas associadas.
“Quando se trata de prevenção do câncer - disse Tomatis - todo mundo pensa no diagnóstico
precoce, mas há uma prevenção, que pode ser feita anteriormente. Ao invés de tentar limitar os
danos da doença, diagnosticando-a o mais rapidamente possível, podemos evitar o
aparecimento de câncer, impedindo a exposição a substâncias que o causam. É uma estratégia
– concluiu - que protege a todos, tanto os ricos como os pobres, mas infelizmente ela é
desprezada pelos cientistas, polìticos e autoridades de saúde”.
“Repensando a guerra contra o câncer" é o título de um artigo publicado em dezembro de 2013
na prestigiosa revista
Lancet e comentado por Dr. Patrizia Gentilini que, na Itália, foi
comprometida em campanhas com a proteção do aleitamento materno contra a poluição, em
especial por dioxinas.Segundo Gentilini, o objetivo de derrotar o câncer não foi alcançado
porque "concentramos todos os recursos na busca de terapias, que bem e muitas vezes se
mostraram ineficazes ou no diagnóstico precoce”.Mas novas teorias emergentes sobre como
nosso genoma interage com o ambiente, nos fazem perceber como a nossa visão do problema
do câncer tem sido extremamente redutora e, em seguida, à medida que mudamos
radicalmente nosso ponto de vista, se apenas esperamos sair deste impasse”.Gentilini escreve:
"Sempre temos pensado para o genoma como algo predestinado e imutável, mas o
conhecimento que vem de mais de uma década por epigenética dizem-nos que as coisas não
são tão.O genoma é algo que continuamente se modela e se adapta de acordo com os sinais físicos, químicos, biológicos - com as quais entra em contato.A informação contida no DNA é
transcrita de forma contínua através de mecanismos bioquímicos que vão precisamente sob o
nome de epigenome.O campo da epigenética, revelou que é o ambiente que "modela" o que
somos, para melhor ou para pior, na doença e na saúde …ambiente com o qual entramos em
contato, mesmo antes do nascimento e, no final, se poluído, acaba por danificar
permanentemente o DNA”.
No artigo da Lancet está escrito que para ganhar a guerra contra o câncer, precisamos de
uma visão nova e diferente do campo de batalha. Para aqueles que estão lutando há décadas
para uma redução da exposição das populações a poluentes ambientais e substâncias
cancerígenas essa nova visão do problema tem um nome único: Prevenção Primária. Isso não
pode ser reduzido apenas à informação sobre os "estilos de vida", mas que deve ter forte ação
relativa à protecção do ambiente de vida e de trabalho. Benedetto Terracina, importante
epidemiologista italiano, disse que "a prevenção começa a partir da tecnolgia das plantas”.Isso
significa que temos de tomar medidas para reduzir a poluição industrial.
Poluição: dioxinas, saúde e a experiência do Fundo Antidiossina e Peacelink
384
O termo "dioxinas" refere-se a um grupo de 210 compostos químicos pertenecentes aos
hidrocarbonetos aromáticos policíclicos formados a partir de carbono, hidrogênio, oxigênio e
cloro. As dioxinas provêm de processos de combustão das indústrias químicas, metalurgicas,
siderurgicas, usinas térmicas e incineradores. São emitidas na atmosfera a partir de uma ou
mais fontes, e podem ser transportadas por grandes distâncias antes de se depositar em água,
solos e sedimentos, peças lenhosas de pastos e terras aráveis Ingeridas pelos animais de pasto
e criação entram na cadeia alimentar. Elas também podem ser transportadas pela água de
superfície, recolhidas nos sedimentos e contaminar a fauna de peixes.A última edição do
inventário europeu de dioxinas estabelece que as principais fontes destes poluentes na Itália
são as combustões industriais.O registro europeu de emissão de poluentes(European Pollutant
Emission Register) encontrou em Taranto 8, 8% de toda a dioxina industrial europeia" e 92%
da italiana. As dioxinas e os PAHs aos que pertencem, são cancerígenos certos para os seres
humanos.
Os mortos por neoplasias em Taranto têm mais do que duplicados do 1971 a 1996 e, com a
base dos dados do Departamento de Prevenção de ASL de Tarantoreferente ao período do
quadriênio 1998-2001, na provínciajônica, são registradas cerca de 1.200 mortes por ano,
dados que “colocam Taranto, entre as áreas do sul da Itália como a de maior incidência em
todos os tipos de neoplasias, e em câncer de pulmão muito além da média nacional”. Ao longo
dos anos, as análises foram realizadas em animais, alimentos, leite materno e no sangue que
revelou a grave contaminação por dioxinas na cadeia alimentar e a presença de chumbo no
sangue das crianças. Esta atividade, que os comitês deram a principal contribuição é objecto
de um relatório que Beatrice Ruscio apresentou no grupo de trabalho “Ambiente, poluição e
saúde”, ao qual se refere para os detalhes.Quero apenas especificar que os efeitos das dioxinas
são particularmente prejudiciais para a saúde das crianças, porque estas já são transmitidos
para o feto durante a gravidez,através do cordão umbilical, e concentram-se em alimentos
gordos, que são abundantes no leite materno. E assim, mesmo antes do nascimento e durante o
aleitamento os bebês são infectados e a sua saúdeafectada.
Devo salientar o papel e a ação das associações que foram decisivas para a questão da
poluição por dioxina fosse levada ao conhecimento das autoridades.Desde 2005 foram
realizadas analises em amostras de queijo, ovos e mexilhões que desde 2008 levaram à morte
de gado, a destruição dos mexilhões e as evidências de que a poluição ambiental é maior
quanto menor a distância de Ilva.Estudos realizados recentemente na população confirmam
que“a saúde da população de Taranto está comprometida […] em particular os residentes
nas áreas mais próximas da planta: Tamburi, Paulo VI e Statte, especialmente para doenças
385
causadas pela exposição ambiental”. Durante uma recente conferência científica um
Procurador declarou publicamente que, sem o empenho da Peacelink nunca viria para o
levantamento da pericia epidemiológica e ambiental encomendada pelo Tribunal de Taranto,
que provou a relação causal entre a poluição produzida por Ilva, a contaminação ambiental e
danos à saúde da população local. Quanto aos aspectos legais, Peacelink estuda e relata as
violações ambientais da Ilva em adição àqueles de agências governamentais.Graças a este
empenho, em 26 de setembro de 2013 a União Europeia lançou um processo de infracção
contra a Itália por não cumprimento das directivas em matéria de responsabilidade ambiental.
La relazione tra Peacelink e le autorità europee è molto stretta. A relação entre Peacelink e as
autoridades europeias é muito pròxima.
Para terminar, Peacelink é muito ativa na comunicação, a fim de aumentar a conscientização
dos cidadãos e exercer pressão sobre as autoridades.
Construir cidadania científica
Como eu expliquei brevemente tomando como exemplo a ação realizada por Peacelink, a
população de Taranto està aprendendo a resistir, a lutar para defender o direito à vida e à
saúde, construendo entrementes uma cultura de cidadania que vê em ação grupos de cidadãos
e associações ambientalistas.
Na frente de trabalho, em Taranto desempenham um papel importante os "Cidadãos e
Trabalhadores Livres e Pensantes" (CLLP), um grande grupo de trabalhadores da Ilva que,
embora coloquem em jogo seu local de trabalho consideram que a produção de aço não é
mais compatível com a cidade de Taranto.É um primeiro passo, importante e longe de ser
óbvio para a maioria dos trabalhadores e sindicatos.
Mas há muitas iniciativas organizadas em Taranto. As mais recentes:
- em 5 e 6 de Abril, foi organizada uma conferência científica sobre a relação entre saúde e
poluição e uma marcha que dos distritos poluidos de Statte chegou aos portões da Ilva,
juntando-se em uma corrida de quase cinco quilômetros associações, ambientalistas, médicos,
mães e crianças, para clamar por alternativas econômicas às indústrias poluidoras.O slogan era
"Se você pode sonha-lo, pode faze-lo”.
- No 1 º de maio deste ano, na festa dos trabalhadores os CTLP organizaram um grande dia de
mobilização: debates e música com a participação dos cidadãos, dos comitês e artistas de toda
a Itália que apoiam e sustentam a sua luta.
E, no entanto, assim como demostrar a experiência de Peacelink, porque a ação dos
cidadãos seja mais eficaz para que mais cidadãos aproveitem as razões pelas quais aderirem ao
386
protesto e também sejam capazes de apresentar propostas,eles precisam ser capazes de
decodificar o que está acontecendo ao seu redor, que estão cientes dos riscos que enfrentam e
quais as precauções que podem tomar.
Dificuldades e oportunidades para a cidadania científica
Os crimes das empresas.Os cidadãos devem aprender a reconhecer os crimes das empresas:
violações ambientais, trabalhistas, fiscais devem ser reconhecidos como crimes e chamadas
pelo seu nome. São de fato crimes que em seus resultados são comparáveis ao roubo e
assassinato, mas em proporções decididamente mais superiores.No entanto, na percepção
comum um empreendedor não é percebido como um criminoso, mesmo na base da evidência
de que pode ser produzida por ações próprias.Paradoxalmente, muitas vezes, as violações são
justificadas precisamente pela necessidade de sustentar a empresa a manter empregos.
Inércia institucional, poder e assimetria de informação.Depois há a cumplicidade - a inércia
ou preguiça - dos governos e dos meios de comunicação.Essa cumplicidade tem sido bem
destacada por vários estudos que têm acompanhado o processo contra Eternit, a empresa suíça
que fabricava material de amianto na Itália.O amianto foi proibido na Itália apenas na década
de 80, embora - como alegado pela Dr. Rosalba Altopiedi que lida com crimes das empresas “ a evidência de que o amianto era cancerígeno é dada como certa na comunidade científica
desde os anos 60.Na verdade haviam evidências reconfortantes bem antes.O problema é que
esta informação tenha sido objecto de uma gestão cuidadosa por parte das indústrias,talvez
também de uma certa miopia ou inércia institucional por parte daqueles que, de alguma forma
teriam tido que intervir para proteger os trabalhadores e todos os cidadãos”.A relação entre os
cidadãos, instituições e empresas é fortemente enviesada em desfavor dos primeiros, mas
também a comunidade científica está passando por sérias dificuldades.De acordo com a Dr.
Rosalba Altopiedi "o problema tem a ver com o uso e o peso das evidências científicas a tomar
ou pode demorar nas políticas regulatórias da atividade industrial […] É muito complicado e
é um processo longe de ser obvio passar da evidência de toxicidade de um determinado
trabalho ou de um determinado material para sua regulamentação, se possível, ou à sua
disposição.É difícil porque há poderes fortes e interesses envolvidos que tornam este caminho
acidentado e não-linear.O amianto é um exemplo, o tabaco é outro. Quem se ocupa de crimes
ambientais mostra que se você alterar o tipo de produção ou o nome da substância, as histórias
são todas mais ou menos iguales.Na verdade, existe uma grande dificuldade para aprovar uma
regra que regula algum trabalho porque quem gere a informação tem um poder diferente do
que têm os trabalhadores, os cidadãos”.
387
Embora os cidadãos estão equipados com expertise, a assimetria de informação em
conjunto com a disparidade de poder é provável que reduzi-los a um estado de sujeição em
que devem sofrer as decisões que lhes dizem respeito e que são potencialmente muito
danosas:informações ambientais e de saúde que - se é que existem - não são
disponibilizadas;suposições feitas pelos cidadãos, discutidas e apoiadas por evidências, que
não são levadas em conta pelos decisores; empresas que não cumprem os requisitos legais e
violações que são resolvidas através de alterações legislativas que as removem;compromissos
voluntários e então ignorados por as empresas – como certificações ambientais ou
compromissos de Corporate Social Responsability - dos quais, no entanto, desfrutam dos
benefícios;os mídias achatados em comunicados de emprensas para cada litigante,que não
produzem nenhuma contribuição adicional, com um olho no equilíbrio de poder (e nas receitas
de publicidade).
A cidadania científica.A possibilidade para os cidadãos para permitir processos públicos de
criação e gestão de conflitos também é dada também pela capacidade de ficar nesses
processos.Enquanto as empresas, e de certo modo até mesmo os políticos, têm um legítimo
(embora nem sempre justificadas) decorrente do seu papel, a legitimidade das demandas dos
cidadãos, independentemente do resultado, é uma função da importância dos argumentos que
levam a apoiar ea capacidade de expor os processos deliberativos. E ', portanto, necessário um
excedente de competência na defesa dos seus direitos.E é necessário que os cidadãos e os
cientistas (que, por vezes, apoiá-los) tenhaam um papel mais activo na sociedade para manter
o equilíbrio em suas respectivas relações com as empresas e os decisores políticos.Os mesmos
conflitos ambientais produzem uma aprendizagem generalizada:cada pessoa aprende e fornece
novas informações necessárias para confirmar ou refutar a sua própria e as posições dos
outros.As queixas dos comitês locais são casos típicos em que os chamados "nãoespecialistas" - os cidadãos - precisam de ser equipados com um conhecimento específico
mínimo, mas suficiente, muitas vezes para refutar as posições desses "especialistas", que por
sua vez podem ser tomadores de decisão, as empresas e os próprios cientistas. Em particular, é
útil ter um nível de conhecimentos científicos suficientes para identificar as implicações e os
contextos, numa decisão específico, a pesquisa, a aplicação. É necessário, finalmente, como
evidenciado pela ação de Peacelink, comunicar de forma eficaz.
A socialização da ciência e a educação dos novos cidadãos
O papel das universidades no processo de socialização da ciência De acordo com o
socióloga e presidente da CERFE Giancarlo Quaranta, "O apelo à cidadania científica tem
ligações […] com à necessidade da ciência e da tecnologia de "socializar”, de tomar medidas
388
com uma sociedade em mudança, abrindo segmentos importantes do processo de pesquisa
para a contribuição dos cidadãos,na riqueza de umas formas mais ou menos articuladas e
organizadas neste mesma contribuição que já se expressa em outros setores, como a saúde ou a
protecção ambiental”.A deliberação pública, a participação dos cidadãos nas decisões que os
afetam,a participação de cientistas em debate público como um elemento intrínseco em suas
atividades de pesquisa são tantos momentos espontâneos de socialização da ciência que deve
ser colocada para o sistema.Segundo Quaranta, “como foi o caso dos direitos civis, pelos
direitos políticos e sociais, também os direitos ligados à cidadania devem encontrar áreas
científicas, métodos, procedimentos, regras, normas, símbolos e formas culturais, a fim de ser
expressos, reconhecidos, compartilhados e, finalmente, exercidos”,porque "a relevância social
e política da pesquisa, bem como a sua própria qualidade intrínseca e sua produtividade
econômica pode aumentar apenas se, além de mais investimentos e políticas de investigação
mais inteligentes, também vão criar as condiçõesporque qualquer um - decisores políticos,
comunicadores, realidade do voluntário, empresas, gerentes, administradores, os próprios
pesquisadores -, juntamente com os cidadãos comuns podem "fazer a sua parte"(não é
qualquer, mas o mais apropriado) para apoiar a investigação, para ajudar a alcançá-la,
comunicá-lo, criticá-lo, dirigi-lo, ou explorar os resultados (Quaranta, 2010).
Na era da globalização e da ciência pós-académica, as fronteiras entre ciência e sociedade
não são mais visíveis.A ciência contemporânea é apresentada como um conjunto de "[...]
contextos e práticas híbridas […] chamadas para negociar, decidir, planejar a produção de
conhecimento cientìfico e de seus usos em um contexto social cognitivo, técnico, econômico”
(Castelfranchi, Pitrelli 2007).Mesmo os limites das organizações não são mais visíveis, “a
palavra organização é um substantivo, e também é um mito.Se você olhar para uma
organização você não vai encontra-la.O que você vai encontrar é que existem eventos,
amarrados, ocorrendo dentro de certos limites, e estas seqüências, a sua viagem e sua sincronia
são as formas a que atribuìmos uma substância quando falamos de organização” (Weick,
1993).
Da mesma forma, "a Universidade, por definição, o lugar onde você transmitir
conhecimentos, por sua vez, perdeu certos limites, que está envolvida em um processo
complexo de reestruturação.A organização das disciplinas científicas oscila visivelmente,
parecem manter-se tão bem como as distinções entre pesquisa básica e pesquisa ou de ciência
e tecnologia aplicada. […] A pesquisa cada vez mais busca a visar resultados concretos, para
ser transparente e aberta à diversidade (especialmente a diversidade de gênero),para atender às
expectativas da comunidade e de se organizar de acordo com critérios de eficiência e
eficácia.Os mecanismos de financiamento cada vez mais seletivos levantam os pesquisadores
para demonstrar o benefício econômico e social de seus caminhos de pesquisa e de moldar as
389
redes de investigação cada vez mais articuladas e complexas.Interage com a política e com as
empresas e, nos últimos anos, abriu para a sociedade”. (Quaranta, 2010)
Formar os novos cidadãos para a cidadania científica.Durante um relatório sobre Ciência
e Cidadania Suzanne Gatt, da Universidade de Malta, abordou a questão do ensino da
cidadania científica na escola primária.Sua proposta pedagógica começa a partir de uma visão
de cidadania como um conjunto de práticas (culturais, simbólicas e econômicas) e um
conjunto de direitos e deveres (civis, políticos e sociais) que definem a adesão de um
indivíduo em uma sociedade organizada. A Gatt, dada a crescente influência da ciência na
vida e nas escolhas que os cidadãos atuam ou sofrem, justifica a necessidade de uma
ampliação do conceito de "cidadania”que se torna a "cidadania cientìfica”. Considerando a
cidadania com referência à ciência - explica ela - devemos perguntar quais os aspectos de
nossas vidas a ciência tornou-se parte da nossa cultura;qual é o impacto da ciência no
desenvolvimento econômico; quais são as implicações sociais da ciência e da investigação
científica; que papel deve ter a ciência na agenda política.Uma cidadania plena estabelece que
os cidadãos são capazes de ler e interpretar as implicações de questões ambientais, sociais,
éticos e morais da pesquisa científica; para compreender as questões e desenvolver estudos
científicos independentes e informados sobre o progresso da ciência; saber como exercer os
seus direitos e agir como cidadãos activos.
Para alcançar a meta do pleno exercício dos direitos, de acordo com a cientista, é
necessário que os aspectos sociais relacionados com a produção de pesquisa científica sejam
parte integrante da educação "científica" desde a escola primária.Com uma abordagem ecosistêmica, a consciência da diversidade da vida no mundo, animais, plantas e sua interação;o
papel desempenhado pela energia, som, eletricidade, luz, as forças e os movimentos;dos
diferentes materiais de que somos cercadas, as suas propriedades e o comportamento em uma
dimensão tão pequena como a Terra que num espaço tão grande como o Espaço. A Gatt,
portanto, não faz "científica" a cidadania, não se limita ao fornecimento de informações e
elementos de ciência para o público, mas propõe a introdução de elementos de cidadania
diretamente na formação científica.As implicações que os "novos cidadãos" deve ser capaz de
ler e interpretar devem ser uma parte integrante da sua formação científica. Na verdade, essas
áreas são parte dos elementos da cidadania científica: as espécies ameaçadas de extinção, a
caça, os OGM, a clonagem, a indústria, a poluição eo consumo de energia elétrica, a camada
de ozônio, o impacto dos produtos sobre a qualidade da vida humana e do meio
ambiente,testes em animais e sua prática na indústria de cosméticos e na pesquisa médica, o
aquecimento global, os aditivos em produtos alimentares, o valor da investigação espacial.
Quais são as alternativas?
390
1) assumir que o único detentor de conhecimentos é a autoridade constituída, então aguardar
os dados, cálculos e conclusões pré-embalados e sofrer as conseqüências;
2) reivindicar que aqueles que detêm o conhecimento e autoridade disponibilize informações
de forma clara e oportuna, colocando em condição os cidadãos de participar nas decisões, com
as competências necessárias e partilha de responsabilidades.
A socialização da ciência - como a socialização de opções de empresas e administrações
públicas - é um processo contínuo, não de todo realizadoque parte do pressuposto da
responsabilidade social em relação às decisões que têm grande relevância para a vida das
pessoas que estão excluídas da tomada de decisão.Precisamos criar condições para a
realização e fortalecimento da segunda alternativa, organizando oportunidades de
conhecimento, como este seminário.
Bibliografia
J. Castelfranchi, D. Pitrelli, Come si comunica la scienza?, Laterza, 2007
P. Greco, La cittadinanza scientifica (in Micron, N 9), Arpa Umbria, 2008
http://www.arpa.umbria.it/resources/docs/micron 9/Micron_N9_06.pdf
G. Quaranta, (paper) Cittadinanza scientifica e Università, 31/01/2010
Weick. K., Organizzare, ISEDI, Torino, 1993
Rosalba Altopiedi (intervista)
http://www.scienzainrete.it/contenuto/articolo/crimini-di-impresa-razionalita-e-percezione
391
8.3.20 Mesa Redonda: Ambiente, modos de vida e conflitos
socioambientais
Ementa: Discussão sobre disputas territoriais; lutas por conservação socioambiental e modos de vida;
conflitos em torno de impactos de atividades agropecuárias, industriais e de instalação de infraestrutura;
relação de povos e comunidades tradicionais (com destaque para extrativistas, quilombolas, ribeirinhos,
pescadores) com projetos de desenvolvimento na Amazônia oriental. Visará, assim, refletir sobre modos
de vida tradicionais, formas de organização local, resistências a ameaças de deslocamento compulsório
e aos modos de vida, alternativas de organização social e produtiva. Religiosidades e formas de
espiritualidade.
Participantes da mesa:
Andrea Zhouri (UFMG - Brasil)
João da Cruz (MOQUIBOM - Brasil)
Alberto Catanhede (RESEX de Tauá-Mirim - Brasil)
Coordenação: Cleyton Gehardt (UFRGS - Brasil)
Relatoria: Maria Garcia
Andrea Zhouri
Sujeitos sociais se encontram constantemente em conflitos dentro de um espaço
desigual, o que chega a ser intrigante é a possibilidade de negociar alguma coisa dentro de
uma sociedade desigual. A população é o objeto, o meio e o fim para o desenvolvimento, mas
administrá-la tornou-se algo necessário. Geralmente as populações atingidas são definidas por
um projeto, essa definição é do Estado, o que existe naquele lugar em que pretende-se um
empreendimento é definido pelo Estado. A população assim é traduzida em número, que a
partir das obras pretendidas, é que define-se que população será considerada como atingida.
Aqui acontece a transformação da sociedade, ajustando-a em números para satisfazer um
projeto, acontece uma desconsideração sobre as identidades e territorialidades distintas, uma
violência física e moral.
Quando a população é traduzida em número é realizado um
cadastro de atingidos, esse cadastro é algo considerado o abstrato de uma realidade que não se
conhece, a partir da perspectiva da obra, não tem nada haver com o real. Quando uma obra é
planejada há sempre uma porcentagem mínima para o social, as comunidades quando chegam
à disputa encarecem o projeto e por isso são demonizadas e todos aqueles que trabalham
voltados para o social são contratados apenas para minimizar os conflitos.
Ex: caso do Mineroduto em MG - Atingiu 32 municípios. Com várias fragmentações do
projeto (uma estratégia de dominação, onde fragmenta-se para melhor controlar), ocorreu
dentre outros impactos, a exclusão de uma comunidade de Água Quente que não foi
considerada atingida. “Vou querer Deus pra mim e não pros outros?”( fala de um morador de
Água Quente). Tal conflito foi e é considerado longo e complexo. Como o Estado encarou o
conflito? O MP intercedeu no processo, houve 12 reuniões com a imprensa, Estado e
comunidade. Existe a desigualdade de posições dentro de uma relação de negociação, um
paradigma da adequação ambiental onde há uma aposta no consenso, um jogo da mitigação,
392
da compensação e do ajustamento de conduta. A lógica da negociação vem dificultando
algumas situações, pois tornaram-se lógicas de padronização do tecido social, ajustando a
conduta de quem o Ministério Público tem adequado as culturas e situações diversas. Há,
portanto uma desconsideração dos direitos dos atingidos. Sendo assim os conflitos são
necessários e expressam processos de lutas, não apenas pela conformação, mas em principio,
pela legitimidade de outras formas de visão, di-visão e justiça socioambiental, pois quando
fala-se de combinados com o Estado, essa relação é para quem tem fé. Chega a ser uma
ingenuidade política, no Brasil os processos funcionam sob pressão. Pleitear o oceano para
conseguir uma gota. A universidade tem vários desafios, ela não é uma ilha, a sociedade e as
empresas também estão inseridas nela, portanto a produção do conhecimento não é neutro, é
importante, mas não é suficiente, para que haja mudança é preciso conhecimento, sentimento e
luta.
João da Cruz
O movimento Quilombola foi impulsionado pela opressão de uma libertação que chegou mas
não nos deu condições de uma vida digna dentro do território brasileiro. Com o tempo o
movimento quilombola MOQUIBOM foi se articulando como um movimento forte e unido na
Baixada Ocidental Maranhense. Dentro da comunidade quilombola do Espirito Santo,
próximo ao município de Mirinzal-MA, não existe mais quase ninguém, apenas duas ou três
casas. É necessário o poder público ouvir o grito do movimento quilombola, o objetivo é fazer
com que o movimento não seja apenas conhecido, além disso, a pretensão é fazer com que o
movimento seja reconhecido. E todo movimento reconhecido tem seus direitos atendidos,
direito a terra, a dignidade e a vida. Há pouco tempo foi necessário uma greve de fome de 14
quilombolas para obter respostas do Governo Federal. Através desse ato o movimento
conquistou o estudo de mais de 40 territórios para a regularização e titulação. Mas a luta não
termina, continua no sentido de que ainda há necessidade de várias outras ações em favor dos
povos quilombolas: saúde, educação, alimentação dentre outras. A principal bandeira de luta
do movimento é a titulação dos territórios, com o passar do tempo houve um agrupamento
com os indígenas, pois acredita-se que as causas são bem próximas. Tem-se tentado romper
com as cercas do latifúndio, pois existem alguns latifundiários que acabam dividindo seus
terrenos em várias partes e simulando uma venda para laranjas a fim de impedir da
desapropriação, tem-se tentado também romper com o racismo e preconceito, pois antes dos
famosos jogadores de futebol sofrerem com esse mal a mídia poderia relatar o que nós
sofremos há muito tempo. As comunidades tradicionais estão jogadas a sua própria sorte e se
não houver união todos irão ficar como estão, todos tem a consciência mas nem todos tem a
sensibilidade de ver quem precisa, o pensamento que existe é que cada preocupa-se com
aquilo que é seu: “ a minha casa”, “meu carro”, “meu lugar”. E os outros? Os direitos iguais
393
para todos só existem formalmente no papel. “Já chega de tanto sofrer, de tanto esperar. A luta
vai ser difícil, na lei ou na marra vamos ganhar, a terra é pra quem trabalha, se a gente morrer
nessa luta o sangue vai ser a semente...” (hino do movimento MOQUIBOM)
Alberto Cantanhede
O conceito de desenvolvimento entendido pela comunidade de Tauá-Mirim é aquele em que
há um envolvimento de todos, um trabalho coletivo, a nossa lógica de mercado também
acontece assim. O Estado do Maranhão está longe de obter um desenvolvimento sustentável,
ao longo dos anos muitos empreendimentos criados para tirar o Maranhão do buraco não
resultaram em muita coisa, um exemplo bem simples disso foram as terras antes do Estado que
foram privatizadas em prol do tão sonhado desenvolvimento. O Maranhão conta com um
potencial econômico forte, riquezas naturais que não são encontradas em nenhum lugar do
Brasil e toda essa riqueza não utilizada para obter o tão sonhado desenvolvimento, a lei de
terras instalada pelo governo tirou o direito das comunidades em suas terras e a cada novo
empreendimento mais vitimas são acrescentadas, mais mortos são somados. O Estado já
esteve entre os maiores produtores agrícolas do Brasil, sua soja produzida aqui a um custo tão
alto serve apenas para alimentar porcos em outros países, os espaços restantes são ofertados às
multinacionais, leis de terras e decretos federais passam o domínio de terras ao Estado, o que
resume-se em uma materialização de uma política que resultou na expulsão de povos
tradicionais de suas terras. O que acontece aqui é uma inversão de valores e prioridades
(produção agrícola por agropecuária, produção cultural agregada a subprodutos dentre outros),
um Estado de contradições , pois os grandes grupos de poderosos transvertem a maximização
dos seus projetos para o Desenvolvimento Sustentável. Em 2013 surgiu a proposta da RESEX
de Tauá-Mirim que apresenta 12 comunidades, o Estado já participou das reuniões de
negociação mas ainda não foi dada nenhuma resposta. A proposta apresenta um sistema de
produção lucrativo visando um valor aproximado de 22 milhões de reais por ano e a geração
de aproximadamente 3 mil postos de trabalho (pessoas envolvidas desde a extração até a
comercialização do caranguejo).
DEBATES E QUESTÕES
- O conceito de atingido é bem mais amplo, os impactos são bem maiores, não pode-se
considerar apenas as pessoas que estão naquele lugar;
- O desenvolvimento pregado pelos grandes empreendimentos é um conceito, mas de que
desenvolvimento estamos falando?
- Esse desenvolvimento que é falado serve pra quem? Como fica história e o sentimento de
pertencimento das comunidades tradicionais?
394
- Quando jovens negros são mortos por cometerem assalto, será que todos eles envolvidos
nessa triste situação tiveram oportunidades e direitos iguais? Para quem são os direitos? Será
que todos os direitos são iguais mesmo? Você sendo pobre e negro será que seus direitos são
iguais?
- Onde está o NOVO MARANHÃO? ONDE ESTÁ O NOVO BRASIL?
- O termo Ajustamento de Conduta no caso relato de MG não envolve os atingidos;
- A questão dos atingidos diretos e indiretos, o comando vem do modo de acúmulo capitalista.
A empresa separa sempre um valor mínimo para atender a parte do social;
- Será que os valores pagos pelos grandes empreendimentos, como indenização ambiental,
compensam toda perda ambiental (fauna e flora), histórica e cultural dentro do território
brasileiro? Que tipo de desenvolvimento queremos? Vale a pena?
- Há uma invisibilidade e demonização das pessoas que vivem em áreas visadas para grandes
projetos;
- As grandes empresas associadas à Gestão Pública promovem toda uma falácia em dias
comemorativos sobre o meio ambiente, mas são os próprios que destroem;
- Qual o papel da Academia em tudo isso? É apenas na produção de conhecimento?
- A defesa das comunidades é responsabilidade de todos;
- Os espaços públicos precisam de fato se tornar públicos;
- Precisamos de profissionais com um nível de compromisso e ética maior em prol das
comunidades tradicionais e do meio ambiente;
- A participação das comunidades é indispensável em qualquer tomada de decisão ou
elaboração de qualquer plano para a área ocupada pelas mesmas.
PROPOSTAS E RECOMENDAÇÕES
1. Sobre a defesa dos Direitos Socioambientais:

Democratização dos processos decisórios com base nos princípios de equidade
ambiental;

Incorporação de diferentes sistemas de conhecimento;

Independência do órgãos responsáveis pela elaboração do EIA RIMA;

Audiências públicas prévias
395
2. A comunidade precisa buscar o conhecimento para manter o seu lugar;
3. Faz-se necessário a reflexão de toda a sociedade sobre a importância da natureza e de suas
comunidades tradicionais;
4. É preciso resgatar uma captação política, abrir espaços para compartilhamentos e
experiências;
5. Replicar os espaços de sensibilização para tentar parar com esse processo desumano e
desagregador impulsionado pelo acúmulo de capital.
396
8.3.20.1 MAPEANDO DESIGUALDADES AMBIENTAIS: MINERAÇÃO E
DESREGULAÇÃO AMBIENTAL* - ANDRÉA ZHOURI
INTRODUÇÃO
A institucionalização do debate ambiental consolidou-se nos anos 80 do século
XX tendo como base as ideias em torno do desenvolvimento sustentável. Uma de suas
principais diretrizes dizia respeito à gestão participativa com vistas à conciliação dos
interesses econômicos, ambientais e sociais de forma a “adequar” o modelo clássico
de desenvolvimento. A prevenção de impactos ambientais por meios técnicos e a
adoção de medidas de mitigação e de compensação para os danos ambientais
tornaram-se a tônica. De fato, a operacionalização das estratégias centradas no
desenvolvimento sustentável implicou a implementação de sistemas regulatórios e
institucionais em níveis internacional, nacional e local. Os mecanismos de
licenciamento, o reforço da legislação específica e a ênfase na educação ambiental
foram alguns dos aspectos fomentados por instituições financeiras internacionais. As
empresas investiram em novas tecnologias com vistas à eficiência ambiental, enquanto
as iniciativas voltadas para a responsabilidade socioambiental do empresariado
incluíam a abertura do diálogo e a construção de parcerias com os movimentos
ambientalistas e sociais.90 Não obstante, a adequação ambiental do desenvolvimento
centrado no crescimento econômico - o que no caso brasileiro remete, sobretudo, à
exportação de commodities - não se fez acompanhar da redução dos mecanismos de
expropriação inerentes aos conflitos ambientais, cada vez mais em evidência na
contemporaneidade, processo registrado no Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas
Gerais.
O Mapa, uma parceria entre o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais
(GESTA-UFMG), o Núcleo de Investigação em Justiça Ambiental (NINJA-UFSJ) e o
* Publicado originalmente em Zhouri, Andréa e Valencio (orgs): Formas de Matar, de
Morrer e de Resistir: limites da resolução negociada de conflitos ambientais. Belo
Horizonte: editora da UFMG, 2014.
1 Andréa Zhouri e Klemens Laschefski, Desenvolvimento e conflitos ambientais: um novo
campo de investigação, em Andréa Zhouri e Klemens Laschefski (org.), Desenvolvimento e
conflitos ambientais. Belo Horizonte, editora da UFMG, 2010, p. 11-31.
397
Núcleo Interdisciplinar
de Investigação Socioambiental (NIISA-Unimontes), foi
lançado em 2011 em formato eletrônico contendo mais de 500 registros de conflitos
ambientais em território mineiro.91 Embora significativo, esse número não representa a
totalidade dos conflitos ambientais, tampouco o volume de problema e/ou impactos
ambientais em curso no estado. A partir de uma proposta qualitativa, centrada nas
lutas dos diferentes sujeitos sociais para legitimar as suas formas de ver, ser e fazer
socioambientalmente constituídas, o mapa possibilita visualizar as dinâmicas sócioespaciais conflitivas para além de uma mera exposição de problemas e impactos
ambientais na nossa sociedade.
Este texto retoma o percurso da experiência de realização do projeto Mapa dos
Conflitos Ambientais de Minas Gerais ao problematizar, inicialmente, as categorias de
conflito, meio ambiente e, por conseguinte, a noção de conflito ambiental. Em
seguida, a partir das dinâmicas sócio-espaciais observadas no território mineiro por
meio do Mapa, elege o caso da exploração mineraria no município de Conceição do
Mato Dentro, Região Metropolitana de Belo Horizonte, para análise de uma situação
que expõe a dinâmica neodesenvolvimentista e seus efeitos no território, incluindo o
processo de multiplicação de conflitos.92 O caso permite resgatar as disputas em torno
da noção de conflito e seus efeitos reais, os quais envolvem as tentativas de
concertação que tenderam à sua redução, escamoteamento ou negação.
Considera-se, por fim, que os conflitos expressam processos em que a luta
ocorre não somente pela conformação ótima de uma "aritmética das trocas e das
91
O endereço do portal é conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br.
92
Para uma discussão sobre desenvolvimento e neodesenvolvimentismo, consultar:
Carlos Brandão, Acumulação primitiva permanente e desenvolvimento capitalista no
Brasil contemporâneo, em Alfredo Wagner Berno de Almeida (org.), Capitalismo
globalizado e recursos territoriais, Rio de Janeiro, Lamparina, 2010, p. 39-70; Armando
Boito Junior, As bases políticas do neodesenvolvimentismo, em Fórum Econômico da
FGV, 2012, São Paulo, Anais..., São Paulo, FGV, 2012; Ronaldo Fiani,Problematizações
acerca do conceito de um "novo" estado desenvolvimentista, Brasília: IPEA, jun. 2012,
disponível
em
<https://www.econstor.eu/dspace/bitstream/10419/91066/1/776461184.pdf>, acesso
em 14 fev. 2013; Reinaldo Gonçalves, Governo Lula e o nacional-desenvolvimentismo às
avessas, 2011, disponível em <http://www.sep.org.br/revista/download?id=219>,
acesso em 14 jul. 2013; Norma Valencio, Do alarde desenvolvimentista ao silêncio
inoportuno sobre os riscos: limites da convivência social com uma grande barragem,
mimeo, 2013.
398
reparações",93 mas, sobretudo, pela legitimidade de outras formas de visão e di-visão
do ambiente e do espaço social. Este entendimento interpela as noções correntes de
justiça, democracia e participação, confrontando-as com as categorias de
desenvolvimento e modernidade ora impostas a grupos subalternizados e silenciados à
pretensão de uma uniformização de classe definida por intermédio de uma mensuração
da capacidade de consumo no mercado de bens e de serviços.
A EXPERIÊNCIA DO MAPA
O Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais reuniu uma equipe
interdisciplinar e interinstitucional compreendida por dois sociólogos, uma
antropóloga, um geógrafo e dezenas de estudantes inseridos em três universidades
públicas localizadas em território mineiro. A metodologia empregada na pesquisa
ensejou processos de investigação em duas frentes complementares de trabalho. A
primeira concentrou-se nos casos institucionalizados de conflito ambiental desde o ano
2000 e compreendeu as seguintes estratégias de coleta de dados: análise das atas das
reuniões das Câmaras Técnicas do Conselho de Política Ambiental de Minas Gerais
(COPAM), para obtenção dos primeiros indícios de conflito na esfera dos processos
administrativos, sobretudo nos processos de licenciamento ambiental; em seguida,
foram realizadas entrevistas com técnicos da Fundação Estadual de Meio Ambiente
(FEAM), principalmente gerentes e funcionários mais antigos que poderiam, pelo
recurso à memória, apontar casos mais polêmicos ou emblemáticos em cada área ou
divisão do órgão;94 por último, realizou-se um amplo inventário dos casos de conflitos
por meio de consultas aos arquivos do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG),
assim como através de entrevistas com funcionários da promotoria em cada sede de
comarca do estado. As informações pesquisadas nas comarcas foram seguidas de
93
Jacques Rancière, O Dissenso, em Adauto Novaes (org.), A Crise da Razão, São Paulo,
Companhia das Letras, 1996, p. 27.
94
Andréa Zhouri e Marcos Cristiano Zucarelli, Visões da resistência: conflitos
ambientais no Vale do Jequitinhonha, em João Valdir Alves de Souza e Márcio Simeone
Henriques (org.), Vale do Jequitinhonha: formação histórica, populações e movimentos,
Belo Horizonte, PROEX/UFMG, 2010, p. 209-236.
399
visitas a campo, nas localidades mencionadas nos processos, em que se procurou
conversar com os atores diretamente envolvidos e observar as dinâmicas locais por
eles apontadas.
A segunda frente de trabalho objetivou a identificação dos conflitos não
formalizados e para tal foram realizadas oficinas, consultas e entrevistas junto aos
representantes de movimentos sociais, movimentos ambientalistas, sindicatos, ONGs
entre outros atores da chamada sociedade civil. Dado a extensão geográfica, territorial
e administrativa de Minas Gerais, as oficinas foram realizadas por mesorregiões, de
acordo com a divisão administrativa do estado e o trabalho distribuído entre os núcleos
de pesquisa.95
A ênfase na metodologia participativa para elaboração do mapa e sua posterior
atualização (2012-2014) considerou, sobretudo, a perspectiva dos grupos mais
vulneráveis e subalternizados da sociedade.96 Buscou-se o diálogo com os sujeitos
envolvidos em ações coletivas e estratégias de denúncia e mobilização para a
identificação e o reconhecimento das resistências às condições desiguais de uso e de
distribuição do meio ambiente.
Ao tempo em que se objetivava a obtenção de subsídios para a construção de
um mapa a partir do ponto de vista dos próprios atores mobilizados por dinâmicas e
processos envolvendo danos e/ou riscos socioambientais e a defesa do território, da
saúde e dos meios essenciais para a sua reprodução socioambiental, procurava-se
também refletir junto a esses mesmos sujeitos as possibilidades estratégicas de
incremento da participação nas decisões das políticas ambientais do estado. Para tal, a
equipe de pesquisadores se viu diante do desafio inicial provocado pela necessidade de
95
O Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental (NINJA) da Universidade Federal de
São João del Rei ficou responsável pelas oficinas nas mesorregiões Sul, Sudoeste, Campo
das Vertentes e Zona da Mata; pesquisadores da Universidade Estadual de Montes Claros
(NIISA-Unimontes) se encarregaram da pesquisa nas mesorregiões Norte e Noroeste
enquanto o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais (GESTA-UFMG) realizou os
levantamentos na demais mesorregiões, a saber: Região Metropolitana de Belo
Horizonte, Vale do Jequitinhonha, Triângulo Mineiro e Alto do Paranaíba, Vale do Rio
Doce e Mucuri e mesorregiões Oeste e Central de Minas.
96
Klemens Laschefski e Rômulo Soares Barbosa, Agrocombustíveis (agrodiesel) e
conflitos ambientais, em Encontro anual da ANPOCS, 35, 2011, Caxambu, Programa e
Resumos, Caxambu, ANPOCS, 2011.
400
uma reflexão crìtica sobre as categorias “conflito” e “meio ambiente”, relacionando-as
ao discurso do senso comum e das políticas ambientais em vigor.
PRIMEIROS DESAFIOS: UMA COMPREENSÃO SOBRE CONFLITO
A abordagem dos conflitos exigiu, de início, uma problematização
epistemológica acerca do tratamento corrente conferido às categorias de “impactos” e
“problemas” ambientais no seio da visão hegemônica do campo ambiental.97 Porém,
este desafio implicava ainda um entendimento mínimo comum sobre o significado de
conflito, tópico que compreende um vasto universo de reflexões nas ciências sociais.
Com efeito, Bobbio assinala que a construção de uma polaridade dicotômica entre
correntes epistemológicas clássicas no que concerne à perspectiva do conflito é
bastante comum nas ciências sociais.98 Em um esforço de síntese e de classificação, o
autor identifica um continuum entre autores/escolas que compreendem o equilíbrio ou
a harmonia como o estado normal de uma dada sociedade e aqueles que, de outro lado,
entendem o conflito como componente constitutivo das interações sociais. Para os
primeiros, o conflito seria uma perturbação à ordem, uma anomalia a ser corrigida
e/ou eliminada. Desse lado do continuum são geralmente identificados autores
clássicos como Comte, Spencer, Durkheim. Do outro lado, estariam expoentes de
linhagens díspares, entre marxistas e liberais, tais como o próprio Karl Marx, John
Stuart Mill e Simmel, autores, enfim, que considerariam o conflito como forma de
interação constitutiva das sociedades, nunca em estado de equilíbrio harmônico.
97
Andréa Zhouri, Klemens Laschefski e Doralice Barros Pereira, Introdução:
desenvolvimento, sustentabilidade e conflitos socioambientais, em Andréa Zhouri,
Klemens Laschefski e Doralice Barros Pereira (org.), A insustentável leveza da política
ambiental - desenvolvimento e conflitos socioambientais, Belo Horizonte, Autêntica,
2005; Eder Jurandir Carneiro, Política ambiental e a ideologia do desenvolvimento
sustentável, em Andréa Zhouri, Klemens Laschefski e Doralice Barros Pereira (org.), A
insustentável leveza da política ambiental - desenvolvimento e conflitos socioambientais,
Belo Horizonte, Autêntica, 2005.
98
Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino, Conflito, em Dicionário de
Política, Brasília, Editora da UnB, 1998, p. 225-230.
401
Em referência a essa leitura dicotômica, no entanto, Bobbio adverte sobre a
necessidade do reconhecimento de posições imprecisas ou de difícil localização ao
longo do continuum.99 Neste entremeio estariam autores pertencentes a diferentes
gerações e percursos intelectuais, a exemplo de Hegel, Kant, Max Weber e os
sociólogos da escola funcionalista. Para os últimos, inseridos, sobretudo, no meio
acadêmico americano, os conflitos provocariam, ao menos, um mal-estar ao sistema
social, apresentando, portanto, uma característica disfuncional.100 De toda forma, é
oportuno assinalar a advertência feita por Bobbio sobre a possibilidade de eliminação
ou resolução dos conflitos:
A supressão dos conflitos é, contudo, relativamente rara. Assim como relativamente
rara é a plena resolução dos conflitos, isto é, a eliminação das causas, das tensões, dos
contrastes que originaram os conflitos (quase por definição um conflito social não pode ser
"resolvido"). As sociedades organizadas procuram diluir o conflito, canalizá-lo dentro de
formas previsíveis, submetê-lo a regras precisas e explícitas, contê-lo e, às vezes, orientar
para o sentido preestabelecido o potencial de mudança.101
Como se verá adiante, esta ressalva é especialmente pertinente para a
compreensão dos limites colocados às práticas políticas e institucionais que
pretendem, quer do ponto de vista do licenciamento ambiental, quer da perspectiva da
defesa dos direitos, “mediar” e “resolver” os conflitos entre sujeitos sociais que detém
posições desiguais no espaço social.
Fato é que, seja nas abordagens que consideram o conflito como estrutural à
sociedade de classes ou naquelas que o compreendem como antagonismo próprio as
ações de indivíduos e/ou grupos de interesse na sociedade ocidental, as análises
atribuem aos conflitos um papel fundamental para os processos históricos de mudança
social. Não é diferente a perspectiva antropológica que, voltada para os estudos das
sociedades contemporâneas, incorporou às suas análises a categoria tempo e, com ela,
a história numa abordagem diacrônica.102 A Escola de Manchester, seguindo a tradição
99
Ibidem.
100
Ibidem.
101
Ibidem, p. 228, grifos nossos.
102
Roberto Cardoso Oliveira, Tempo e tradição: interpretando a antropologia, em Sobre
o pensamento antropológico, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1985.
402
inglesa, notabilizou-se pelas investigações sobre mudança social em contextos de
conflitos desencadeados pelos processos de descolonização na África, sobretudo entre
as décadas de 40 e 60 do século XX. Ela contribuiu, assim, para a formulação de
métodos e técnicas de pesquisa que valorizavam “a observação e a reconstrução do
comportamento concreto de indivìduos em situações estruturadas”.103 Contra as
análises estruturalistas, a atenção voltava-se para a observação de gente no tempo e no
lugar. O estudo de um caso ao longo de um determinado tempo oferecia uma
compreensão de processos sociais em contextos de rápidas transformações.
Respeitadas as diferenças históricas - globais e regionais - acrescidas da contribuição
de novos aportes produzidos pelo conhecimento antropológico desde então, ainda
permanecem como válidas as contribuições dos clássicos para os registros de gente, no
tempo e no lugar.
Evidentemente, o Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais, construído
a várias mãos e mentes, não partiu exatamente da análise situacional de casos
desdobrados, tal como sugere a tradição antropológica inglesa, mas a inspiração para o
registro das ações de sujeitos coletivizados e seus desdobramentos no tempo e no
espaço balizou a compreensão do grupo a respeito do que observar e anotar como
registro de conflito ambiental. Esta anotação valeu-se principalmente da reflexão
acerca das diferenças epistemológicas entre conflito e problema ambiental à luz da
teoria da prática desenvolvida por Pierre Bourdieu.
GENTE NO TEMPO E NO LUGAR: IMPACTO OU CONFLITO AMBIENTAL?
Para uma equipe constituída por sociólogos, geógrafos e antropólogos, cada
qual orientado por tradições clássicas e contemporâneas próprias às respectivas
disciplinas, mas também inseridos em um vasto e impreciso campo de reflexões
103
Bela Feldman-Bianco, Introdução, em Bela Feldman-Bianco (org.), Antropologia das
sociedades contemporâneas: métodos, São Paulo, UNESP, 1987, p. 8.
403
denominado Ecologia Política,104 o ponto comum se apresentava, não obstante, por
meio do foco na perspectiva do sujeito social e na compreensão de que a problemática
do conflito ambiental passava necessariamente pela distinção desta noção em relação
às abordagens epistemológicas correntes centradas nas categorias de “problema” e/ou
“impacto” ambiental. Conjugava-se, portanto, a compreensão de que as categorias
“impacto” e “problema” eram normalmente remissivas a uma realidade pretensamente
objetiva e externa ao sujeito social que se pretendia, então, resgatar. Questionava-se a
abordagem epistemológica que parecia jogar o sujeito para fora da história (senão a
própria história) e com ele, a política em nome da técnica, a pretexto de um consenso
presumivelmente objetivista e universal – o fim das diferenças e das desigualdades e a
união de todos pelo meio ambiente.
Com efeito, a linguagem sobre problemas e impactos ambientais está
institucionalizada hoje em políticas e normas ambientais. Componente da doxa do
campo ambiental105 ela remete a um conjunto de processos identificados a partir de um
instrumental técnico que é, de fato, pactuado politicamente na sociedade, mas que se
apresenta, por um efeito de deslocamento na produção de sentidos,106 como retrato fiel
e inquestionável da realidade. A ideia de conflito ambiental vem justamente
problematizar a objetividade aparente das noções de problema e de impacto, o que
implica igualmente no questionamento acerca da noção de meio ambiente como
realidade objetiva e externa à sociedade, portanto, passível de apreensão e mensuração
técnica e científica.107 Assim, a noção de conflito ambiental que se apresenta tem
como ponto de partida o processo social e a existência de relações entre sujeitos
sociais, indissociados do meio em que habitam. Esboçada desta forma, esta noção
possibilitou a análise das situações em que grupos e classes sociais afetados por
104
Entre uma gama de autores que discutem essa temática, vale mencionar Eric Wolf,
Jean Pierre Dupuy, Andre Gorz, Cornelius Castoriadis, Ramachandra Guha, Joan MartinezAlier, Wolfgang Sachs, Raymond Bryant e Sinead Bayle.
105
Carneiro, Política ambiental e a ideologia do desenvolvimento sustentável.
106
Pierre Bourdieu, Sobre o poder simbólico, em O poder simbólico, Rio de Janeiro,
Bertrand Brasil, 1998.
107
Zhouri, Laschefski e Pereira, Introdução: desenvolvimento, sustentabilidade e
conflitos socioambientais, em Zhouri, Laschefski e Pereira (org.), A insustentável leveza
da política ambiental; Zhouri e Laschefski, Desenvolvimento e conflitos ambientais: um
novo campo de investigação.
404
diferentes projetos econômicos contestam o estado de privação e/ou risco a que estão
submetidos, enfrentando seu problema a partir da mobilização com vistas à denúncia,
à defesa dos direitos e a melhoria da sua condição socioambiental de existência.
Portanto, esta abordagem é tributária da observação dos processos ambientais como
sendo aqueles que envolvem relações marcadas pelo crivo da desigualdade entre os
diferentes sujeitos sociais. Não raro os conflitos eclodem quando o sentido e a
utilização de um território por um determinado grupo, por exemplo, ocorrem em
detrimento dos significados e usos que outros grupos sociais possam fazer de seu
território, para, com isso, assegurar a reprodução do seu modo de vida. O conflito
ambiental territorial, central numa sociedade voltada para a economia de exportação
de commodities, como é o caso do Brasil, não é, contudo, a única modalidade de
conflito, articulando-se, pois, na esfera do real, aos conflitos ditos espaciais e
distributivos.108 A relação de desproporcionalidade no que se refere ao acesso dos
sujeitos aos recursos da natureza, ou a desigualdade registrada na distribuição dos
riscos ambientais, marca o solo dos conflitos, o que possibilita relacioná-los ao tema
da justiça ambiental e das diferentes modalidades de ambientalismo.109 A identificação
desses processos no tempo e no espaço permite a configuração de padrões que,
revelados por um mapeamento, possibilita ver a direção da destinação da natureza e do
meio ambiente, assim como da degradação e do ônus produzido pelos assim chamados
projetos de desenvolvimento. Raça, classe social, gênero e degradação ambiental, são,
portanto, elementos indissociados de um mesmo processo.110
De fato, os poucos trabalhos voltados à cartografia de “problemas ambientais”
tendem a assumir um enfoque exclusivamente técnico e quantitativo. Esse modelo
deriva da própria opção metodológica (que é por sua vez, ligada a um determinando
enquadramento teórico-conceitual), que assume o ponto de vista dos atores que estão
em condições de impor sua visão, critérios e categorizações de mundo, de ambiente e
108
A este respeito, consultar nota introdutória em Zhouri e Laschefski, Desenvolvimento
e conflitos ambientais.
109
Ramachandra Guha e Juan Martinez-Alier, Varieties of environmentalism, London,
Earthscan, 1997.
110
Robert Doyle Bullard, Solid waste sites and the black Houston community,
Sociological Inquiry, 53, p. 273–228, 1983.
405
de natureza.111 Entre esses atores estão os técnicos e os dirigentes dos órgãos públicos
do meio ambiente, além dos próprios agentes do capital. Dessa maneira, pode-se
esperar uma forte afinidade entre os levantamentos de “problemas ambientais”, assim
desenvolvidos à pretensão de objetividade, e a promoção de políticas ambientais de
corte muitas vezes antidemocrático, que pretendem extrair do “saber técnico”,
inacessível a distintos grupos sociais, as diretrizes e procedimentos de que serão
“objeto” os demais atores envolvidos, notadamente aqueles oriundos dos extratos
populares.
Esta visão dominante esta amplamente ancorada no paradigma da
modernização ecológica. Enquanto este paradigma aposta na inesgotabilidade das
soluções de caráter técnico e mercantil para a resolução dos “problemas
ambientais”,112 as mobilizações locais que emergem a partir das situações de conflito
trazem à pauta uma perspectiva distinta fundamentada sobre racionalidades
diferenciadas de apropriação da natureza. Em oposição ao jogo da mitigação e da
compensação estruturante do campo ambiental na atualidade,113 incluindo também o
instrumento denominado “ajustamento de conduta” (pergunta-se afinal: ajustar quem?
a que? quem estaria, de fato, sendo objeto de ajustamento? a que regras? a que
comportamentos ou enquadramentos desejáveis? por quem? para quem?), diversos
grupos sociais reivindicam a possibilidade de autodeterminação sobre os territórios
que ocupam e a revisão das diretrizes políticas que coordenam o re-ordenamento
espacial das atividades econômicas no estado. Isso traz à pauta a politização do debate
a partir do princípio da diversidade cultural e da relação de classes que permeia o meio
ambiente, possibilitando explicitar as diferentes visões acerca do que seja “impacto
ambiental”, “sustentabilidade”, “problema ambiental”, “população atingida”, dentre
outras categorizações.
A experiência do Mapa dos Conflitos permite pensar que a apropriação de
tecnologias com finalidade social pode ser um mecanismo efetivo de comunicação e
de visibilização dessas diferentes concepções, modos de ser e de fazer
territorializados. De outra parte, ele é produto de uma experiência que relaciona os
111
Bourdieu, O poder simbólico.
112
Zhouri e Laschefski, Desenvolvimento e conflitos ambientais.
113
Carneiro, Política ambiental e a ideologia do desenvolvimento sustentável.
406
conhecimentos produzidos no âmbito acadêmico às demandas práticas desses grupos
com vistas à diminuição das assimetrias político-participativas características do
campo ambiental. Nesse sentido, os objetivos almejados levaram em consideração as
desiguais oportunidades de vocalização e de participação, de fato, dos diferentes
sujeitos envolvidos nos processos de conflito ambiental. Ora, as “vozes” das
populações política e economicamente subalternizadas estão em geral ausentes dos
documentos oficiais (Estudos de Impacto Ambiental e Relatórios de Impacto
Ambiental - EIA-RIMA -, por exemplo), constituindo o mapa em uma ferramenta
típica da técnica hegemônica a ser eventualmente apropriada pelos grupos em suas
lutas pela igualdade de vocalização no campo legitimado pelo poder.
UMA ATIVIDADE INDUSTRIAL, MUITOS CONFLITOS: MINERAÇÃO E
DESREGULAÇÃO AMBIENTAL
Ao analisarmos o Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais,
observamos com destaque os conflitos promovidos pela atividade mineraria.
Evidentemente, a mineração não pode ser considerada isoladamente, como um setor
da economia apenas, mas compreendida em relação a todo o complexo técnicoeconômico do qual, de fato, ela faz parte: a construção de hidrelétricas, de
infraestrutura de transportes, de ampliação das monoculturas de eucalipto, enfim,
todas são atividades econômicas relacionadas à produção do espaço urbanoindustrial.114
Acrescente-se que, em Minas Gerais, a mineração ocupa também um lugar
simbólico de destaque no imaginário das elites, como lembra a deputada Luzia
Ferreira:
A mineração é um componente muito importante da história de Minas Gerais, até
porque temos Minas no nome. Iniciamos como civilização por meio do processo de
114
Andréa Zhouri, Klemens Laschefski e Raquel Oliveira, A supressão da vazante e o
início do vazio: água e 'insegurança administrada' no Vale do Jequitinhonha - MG,
Anuário Antropológico, v. 2, p. 23-53, 2010.
407
mineração, da extração do ouro, que marca toda a nossa história e, consequentemente, nossa
cultura também como mineiros. Portanto, somos todos mineiros.115
A partir de uma visão que explicita a doxa do desenvolvimento sustentável e a
crença consensualista prevalecente no campo ambiental, complementa a deputada:
Evidentemente esse é um dos desafios: exercer essa atividade, que é importante
economicamente para o Estado, mas sempre com o olhar de proteger, em primeiro lugar, os
direitos sociais da população, os direitos ambientais das comunidades e das cidades onde ela
existe e nossas nascentes e nossa água.116
Em meio às disputas simbólicas pelas representações da mineiridade e de seus
valores, destaca em outra direção o representante do Ministério Público Estadual em
Conceição do Mato Dentro:
Minas tem sim a vocação da mineração. A mineração se confunde com a história de
Minas. Mas a história de Minas se confunde muito mais com a liberdade e com os direitos dos
cidadãos (...) O cidadão de Conceição do Mato Dentro vem tendo os seus direitos
vilipendiados há muito tempo.117
O embate entre o que parece ser o “imperativo econômico” e “a liberdade”,
remetida à esfera dos direitos do cidadão, se desdobra em inúmeros casos, desvelando
uma dupla falácia: de um lado, a da propositura consensualista em torno à noção de
desenvolvimento sustentável e, de outro lado, a concepção de uma cidadania
individualizada, o que traz implicações para a definição de “atingido” e o consequente
reconhecimento dos direitos coletivizados, como se discutirá adiante.
Notas Taquigráficas da Audiência Pública realizada pela Comissão de Direitos
Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, instituída para debater o conflito
desencadeado pelo projeto Anglo American, em Conceição do Mato Dentro, em 06 mai.
2013, p. 24 e 25.
115
Notas Taquigraficas da Audiência Pública realizada pela Comissão de Direitos
Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, instituída para debater o conflito
desencadeado pelo projeto Anglo American, em Conceição do Mato Dentro, em 06 mai.
2013, p. 25.
116
Notas taquigráficas da Audiência Pública realizada pela Comissão de Direitos
Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, instituída para debater o conflito
desencadeado pelo projeto Anglo American, em Conceição do Mato Dentro, em 06 mai.
2013, p. 61.
117
408
Ora, para compreender o lugar da mineração em Minas Gerais atualmente, uma
breve recapitulação da história recente possibilita lembrar o esforço de “modernização
recuperadora” da economia mineira empreendido pelas elites econômicas e polìticas a
partir de meados do século XX. Centrada no estímulo ao desenvolvimento de
indústrias de base e de bens intermediários do ciclo de acumulação fordista, o projeto
da modernização recuperadora mineira deslocou o centro da industrialização para a
Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) e para a região hoje conhecida
como Vale do Aço. Como resultado, a taxa média anual de crescimento do Produto
Interno Bruto (PIB) mineiro surpreende ao patamar de 16,4% na década de 1970. 118
Um crescimento sustentado principalmente pelo complexo industrial mínerosiderúrgico, que demandou um grau elevado de apropriação de vastos territórios para a
alocação urbana das fábricas e de mão de obra para a monocultura do eucalipto que
serviria de combustível aos altos-fornos, para a construção de estradas, de hidrelétricas
etc.119 De outra parte, o colapso do esforço desenvolvimentista da modernização
recuperadora mineira, ocorrido na passagem para a década de 1980, determinou a
intensificação da produção e da exportação de commodities, com vistas ao pagamento
do serviço da dívida pública. Isso representou um aprofundamento da mercantilização
de territórios, a exemplo da expansão das monoculturas de exportação nos cerrados do
Triângulo e Alto Paranaíba, das monoculturas de eucalipto e da construção de
hidrelétricas nos vales dos rios Doce e Jequitinhonha, das atividades mineradoras no
chamado Quadrilátero Ferrífero.
Hoje, estão em curso prospecções de minério de ferro com vistas a uma nova
onda de exploração mineraria baseada em moderna tecnologia, que permite a
exploração em larga escala de itabiritos com baixo teor de ferro. A Serra do
Espinhaço, entre Conceição do Mato Dentro e Serro, e a descoberta de jazidas em Rio
Pardo de Minas, Grão Mongol e Salinas despontam como uma nova fronteira da
mineração no estado. Rumo ao litoral nordeste, projeta-se um mineroduto para o
escoamento da produção em Ilhéus, enquanto no eixo sudeste, outros minerodutos são
projetados a partir dos municípios de Conceição do Mato Dentro e Morro do Pilar para
o litoral norte do Rio de Janeiro e para o Espírito Santo, respectivamente. Atualmente,
118
Regina Helena Lima Diniz, 1981, p.225 apud Francisco de Oliveira Silva, A nova
industrialização mineira, Ícone, v. 3, n. 2, p. 70, 1995.
119
Zhouri, Laschefski e Oliveira, A supressão da vazante e o início do vazio.
409
são ao todo nove minerodutos planejados para Minas Gerais. Todas essas atividades
exigem, enfim, uma infraestrutura energética adequada, o que explica ainda a
intensificação de investimentos em hidrelétricas no estado.
Com efeito, tais processos implicam a emergência de uma miríade de conflitos
ambientais, os quais envolvem empresas mineradoras, siderúrgicas, produtoras e
distribuidores de energia elétrica, empreiteiras, grandes e pequenos agricultores,
latifundiários, Organizações Não Governamentais (ONG), camponeses, sociedades
indígenas e quilombolas, pescadores, movimentos sociais rurais e urbanos etc. É nesse
cenário, marcado por políticas econômicas de ajuste fiscal e pela formação de
superávits comerciais, que os instrumentos normativos de regulação ambiental vêm
sendo considerados entraves ao desenvolvimento e estão sendo flexibilizados. Pode-se
observar, de fato, um processo de desregulação ambiental em que normas e regras são
revistas e instituições ambientais deixam de cumprir seu papel precípuo. 120 O caso da
mineração em Conceição do Mato Dentro é ilustrativo deste processo mais geral.
O projeto Minas-Rio é constituído por um complexo que envolve: a exploração
de um conjunto de minas, para produção de 56,5 Mtpa (milhões de toneladas por ano)
de minério de ferro (ROM - Run of Mine), configurando lavra a céu aberto que se
estende por cerca de 12 km cortando as Serras do Sapo e da Ferrugem, no Espinhaço,
uma unidade de beneficiamento e infraestrutura nos municípios de Conceição do Mato
Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim, em Minas Gerais; além disso, o projeto
compreende um mineroduto com 525 km de extensão perpassando 32 municípios
mineiros e fluminenses e o complexo industrial-portuário de Açu, localizado no
município de São João da Barra, litoral norte fluminense, onde a empresa Anglo
American se torna parceira da LLX, com 49% de participação. O licenciamento foi
todo fragmentado, sendo a mina licenciada pelo órgão ambiental de Minas Gerais, a
Superintendência Regional de Regularização Ambiental (SUPRAM/Jequitinhonha), o
mineroduto licenciado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (IBAMA) e o Porto pelo órgão ambiental do Rio de Janeiro, o
Instituto Estadual do Ambiente (INEA). Esta fragmentação, por si só, já é reveladora
120
Andréa Zhouri,Belo Monte: crise do sistema ambiental e da democracia, em Andrea
Zhouri (org.). Desenvolvimento, reconhecimento de direitos e conflitos territoriais, Brasília,
ABA, 2012, v. 1, p. 45-65.
410
da lógica de apropriação territorial que promove uma di-visão121 instrumental ao
controle do meio ambiente e à fragmentação dos sujeitos e suas eventuais resistências.
Afinal, quem são os atingidos pelo mineroduto? Pergunta crucial instaurada no cerne
do conflito.
No que se refere ao fragmento de Minas Gerais, a aprovação da Licença de
Instalação (LI) ocorreu em 2009 e desde o início o processo foi denunciado por
supostas irregularidades junto ao MPMG. Entre as denúncias, vale destacar outro
fracionamento casuístico, desta vez para possibilitar a concessão da própria LI. Com
efeito, a Licença Prévia (LP), fase inicial do licenciamento que supostamente avalia a
viabilidade ambiental da obra, foi concedida em 2008 com uma centena de
condicionantes que deveriam ser cumpridas para a concessão da LI do
empreendimento. Como muitas condicionantes não haviam sido cumpridas, a
estratégia de fracionamento da LI pela SUPRAM/Jequitinhonha em LI-fase 1 e LI-fase
2 foi uma manobra que vinculou as condicionantes cumpridas à LI-fase 1, deixando as
condicionantes não cumpridas para o que fora denominado LI-fase 2. Esta estratégia
de fracionamento, inexistente no marco regulatório ambiental, possibilitou o avanço
do licenciamento com a concessão da LI pelo Conselho de Política Ambiental
(COPAM), o que permitiu que a empresa iniciasse a instalação do empreendimento
mesmo sem ter cumprido todas as condicionantes da LP.122 O casuísmo foi contestado
por atingidos e ambientalistas, que ao denunciarem o fato ao MPMG geraram por
parte deste uma ação com pedido de liminar para suspensão da decisão do COPAM. A
liminar foi concedida, porém, no dia seguinte, a Secretária Estadual de Meio Ambiente
ingressou com pedido de sua suspensão obtendo ganho da causa. Este caso associa-se
aos já conhecidos casos das hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antonio, na
121
Bourdieu, O poder simbólico.
122
Para uma análise sobre o licenciamento ambiental em Minas e o funcionamento do
COPAM, consultar Andréa Zhouri, Klemens Laschefski e Angela Maria Trindade Paiva,
Uma sociologia do licenciamento ambiental: O caso das hidrelétricas em Minas Gerais,
em Zhouri, Laschefski e Pereira (org.), A insustentável leveza da política ambiental;
Carneiro, Política ambiental e a ideologia do desenvolvimento sustentável; Andréa
Zhouri, Diversidade cultural, justiça ambiental e accountability: desafios para a
governança ambiental, Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2008. Para uma reflexão
sobre o caso Belo Monte, ver Zhouri, Belo Monte: crise do sistema ambiental e da
democracia.
411
Amazônia, bem como o de Irapé, em Minas Gerais, relatado por Zucarelli, 123 para
exemplificar como a flexibilização das normas ambientais permite a concessão de
licenças a despeito do descumprimento das obrigações ambientais interpostas às
empresas pelos próprios técnicos das agências reguladoras. Ele expressa ainda as
limitações dos instrumentos jurídicos, acionados e interpretados pelos operadores do
direito, os quais, vale lembrar, são sujeitos sociais igualmente investidos de um
habitus de classe que conforma as suas visões e, portanto, as razões de decidir,
incluindo a concepção do que seja meio ambiente, desenvolvimento e justiça.124
A flexibilização das normas do licenciamento e a ineficácia na fiscalização das
obras abrem ainda brechas para a insurgência, em geral, de ações arbitrárias e
violentas na localidade. Os moradores rurais em Conceição do Mato Dentro há muito
relatam episódios de violação de direitos humanos, como o direito de informação,
direito a água potável, direito de ir e vir, entre outros, e uma postura abusiva da
empresa, especialmente em relação àqueles que residem e utilizam áreas a serem
desapropriadas. Em visita a campo, em maio de 2013, a equipe de pesquisadores pode
testemunhar o modus operandi da empresa no local. Os pesquisadores foram
impedidos de passar por uma estrada que dava acesso à casa de uma moradora da
comunidade de Mumbuca que nos acompanhava juntamente com outros moradores do
local. Nossos veículos foram monitorados durante a permanência em campo e quando
tentávamos visitar a casa de Dona Rita, fomos interceptados por uma caminhonete,
com o sugestivo número 007. Os seguranças da empresa, fixados em uma guarita na
estrada, em tom ameaçador pediram o nome completo da moradora, livrando-nos, não
obstante, do mesmo ritual, ao tempo em que nos fotografavam e filmavam. Durante a
Audiência Pública realizada pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia
Legislativa de Minas Gerais (ALMG), em 06 de maio de 2013, Dona Rita denunciou
esta violência e aquela provocada pela estratégia de divisão da sua família em função
123
Marcos Cristiano Zucarelli, O papel do Termo de Ajustamento de Conduta no licenciamento
ambiental de hidrelétricas, em Andréa Zhouri (org.), As tensões do lugar: hidrelétricas, sujeitos e
licenciamento ambiental, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2011, p. 151-181.
124
Anabelle Santos Lages, Entre direitos e Interesses: a atuação dos magistrados nos
casos de barragens de Candonga e Aimorés- MG, dissertação (mestrado em sociologia),
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2010.
412
da negociação de terras com apenas uma das irmãs, excluindo os demais entes
familiares.
Com efeito, além da fragmentação do projeto e das licenças, fragmenta-se
também a família e a unidade social de muitas comunidades atingidas pela imposição
de um conceito patrimonialista, portanto, individualizado, de atingido. Em outra
manobra casuística, foram criadas duas modalidades inusitadas de atingido: os
atingidos emergenciais e os não-emergenciais. Assim foram classificados aqueles que
poderiam permanecer no local por mais tempo e aqueles que deveriam ser removidos.
Esta classificação, feita a partir dos interesses da empresa no que concerne a
construção das suas instalações físicas, se interpôs às normas de organização social
das comunidades locais125 e, acima de tudo, a ética camponesa126 tão bem explicitada
no constrangimento indignado de Senhor José Matozinhos, morador do povoado de
Água Quente. Ele fora incluído, à revelia de sua vontade e a despeito da exclusão de
seus familiares (que são seus vizinhos imediatos), em um cadastro de atingidos
produzido pela empresa. A este respeito ele se referiu: “Querer Deus para mim e não
querer Deus para os outros? Aqui é uma família só. Somos todos atingidos”.127 De
fato, Senhor Matô, como é localmente conhecido, reside na Água Quente, povoado
surgido da união entre José dos Reis e Maria Rosa de Jesus, cujos filhos Juca e
Saninha compreendem os dois troncos familiares que habitam a Água Quente.
Saninha, ainda viva e lúcida aos 104 anos de idade, é mãe de Matô, Geralda, Eleonor e
125
Flávia Maria Galizoni, A terra construída: família, trabalho, ambiente e migrações no
Alto Jequitinhonha, Minas Gerais, 72f., dissertação (mestrado em Antropologia Social),
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2000; Andréa Zhouri e Raquel Oliveira, Experiências locais e olhares globais: desafios
para os moradores do Vale do Jequitinhonha (MG) no campo ambiental, em Carlos
Alberto Steil e Isabel Cristina de Moura Carvalho (org.), Cultura, percepção e ambiente:
diálogos com Tim Ingold. São Paulo, Terceiro Nome, 2012a, p. 191-209.
126
Ellen Woortmann, Parentesco e reprodução camponesa, Ciências Sociais Hoje Anuário de Antropologia, Política e Sociologia, ANPOCS, São Paulo, Cortez, 1985, p.192219; Ellen Woortmann, Herdeiros, parentes e compadres: colonos do Sul e sitiantes do
Nordeste, São Paulo, HUCITEC, Brasília, Edunb, 1995; Raquel Oliveira, Dividir em Comum:
Práticas costumeiras de transmissão do patrimônio familiar no Médio Jequitinhonha –
MG, 185f., dissertação (mestrado em Sociologia), Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.
127
Referência à comunidade de Água Quente, impactada pela mineradora, mas não
reconhecida como tal. Registro de campo, em 04 mai. 2013.
413
Naná, sendo os dois primeiros vizinhos próximos no povoado, compartilhando terreno
original de Saninha, juntamente com filhos e descendentes de Eleonor e Naná, a
primeira residente hoje no povoado vizinho de Teodoro e a última falecida há dois
anos.
A comunidade de Água Quente, que traz a água como marca identitária no
próprio nome, sofre com a poluição e a redução do córrego Passa Sete, que atravessa a
comunidade, pois ela esta localizada a, aproximadamente, 2 km da barragem de
rejeitos que esta sendo erguida pelo empreendimento. Esta atividade tem contaminado
a água que é utilizada nas plantações, na criação de animais, no uso doméstico, no
lazer e na pesca. Segundo uma moradora da comunidade, quando ocorrem incidentes
no local, com a alteração excessiva da água, que fica barrenta e cheia de rejeitos que
saem do empreendimento, os técnicos se fazem presentes no povoado, mas essas
visitas não resolvem em definitivo os problemas. Caixas d´água foram instaladas pela
empresa na comunidade, mas elas carecem de manutenção e não permitem abastecer
apropriadamente o povoado, cujos moradores às vezes ficam sem abastecimento de
água por cinco ou mais dias (Registro de campo e Notas Taquigráficas da Audiência
Pública na ALMG, 06 de maio de 2013).128 Sobretudo, nota-se grande incerteza sobre
o futuro, uma vez que não se sabe até quando a empresa abastecerá a comunidade
através dessas caixas d´água. As incertezas vão além deste abastecimento, pois com a
proximidade da barragem de rejeitos, localizada imediatamente a montante, há dúvidas
sobre o risco e a permanência dos moradores no local.
Em abril de 2012 foi realizada na sede da Associação Comunitária do distrito
de São Sebastião do Bonsucesso, conhecido também como Comunidade do Sapo, uma
audiência pública coordenada pelo MPMG, Ministério Público Federal (MPF) e pela
Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPMG) com o objetivo de ouvir as
denúncias da população rural atingida pelo empreendimento da Anglo American. Os
moradores questionaram os reassentamentos e os contratos de venda de terras junto à
empresa, denunciando também graves impactos devido à “contaminação das nascentes
de água, envenenamento da criação, fragmentação e perda de coesão de comunidades
128
Assembleia Legislativa de Minas Gerais, Notas Taquigráficas da 17ª Reunião
Extraordinária da Comissão de Direitos Humanos da 3ª Sessão Legislativa Ordinária da 17ª
Legislatura, Minas Gerais, Belo Horizonte, 06 mai. 2013.
414
e famílias, invasão de terras e retirada sem autorização de equipamentos como
porteiras e cercas, usados para delimitar as propriedades”.129
Na ocasião, foi entregue às autoridades um documento que denuncia a
ocorrência de violações de direitos humanos assinado por movimentos sociais,
associações locais e por grupos ligados a universidades. No mês seguinte, três
recomendações legais, elaboradas em conjunto pelo MPMG, MPF e DPMG foram
dirigidas à mineradora Anglo American, alertando sobre situações, processos e ações
cometidas pela empresa em que se configuraria violação aos direitos humanos. O que
se seguiu a essas recomendações?
NEGOCIAÇÃO OU MEDIAÇÃO DO CONFLITO: CONSENSO PARA QUEM E
PARA QUE?
Em maio de 2012, o MPMG, através da Coordenadoria de Inclusão e
Mobilização Social (CIMOS), inaugurou a Rede de Acompanhamento Socioambiental
(REASA), espaço proposto para negociação e mediação dos conflitos provocados
pelas atividades da mineradora Anglo American nos municípios mineiros. Foram
realizadas reuniões itinerantes e mensais por um ano, até o início de 2013. Constituída
por atingidos, moradores dos municípios afetados, ambientalistas, entes da
administração municipal e representantes da Anglo American, a REASA propôs ser
um canal de comunicação entre os diferentes sujeitos e o próprio MPMG. As atas e
materiais das reuniões foram disponibilizados em um blog específico coordenado pela
CIMOS.130 Para os atingidos, dispersos e fragmentados pelo empreendimento
fracionado, a REASA foi uma oportunidade de encontro, a despeito da participação da
empresa e dos impasses nas negociações. Ao longo das reuniões, é possível notar a
recorrência do tema relacionado à falta de reconhecimento dos atingidos, tópico
129
MP contesta mais uma ação da Anglo American, 03 abr. 2012, disponível em
<http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2012/04/03/internas_economia,2868
55/mpcontesta-mais-uma-acao-da-anglo-american.shtml.>, acesso em 22 jan. 2013.
130
Disponível em <http://blogs.mp.mg.gov.br/cimos/reasa/>, acesso em 22 jan. 2013.
415
associado aos impasses fundiários do projeto.131 Outro tópico remete a auto-assumida
inoperância do órgão ambiental no que se refere ao controle e à fiscalização das ações
da empresa no local.
Por certo, uma análise mais consistente sobre as contribuições e os limites da
REASA merece um tratamento etnográfico específico a ser ainda implementado,
sobretudo considerando-se que foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC) entre o MPMG e a empresa responsável pela mineração após a audiência
ocorrida na Comissão de Direitos Humanos da ALMG, em maio de 2013. Porém, após
um ano de reuniões e diante dos impasses no âmbito do licenciamento ambiental,
mormente no que se refere ao problema persistente e central que diz respeito ao
reconhecimento dos atingidos, é possível refletir sobre as limitações colocadas pelas
estratégias de negociação/mediação/resolução de conflitos, análise amparada
igualmente no conhecimento acumulado sobre a governança ambiental nas ultimas
décadas.
Com efeito, como já observado,132 a política ambiental organizada pelo Estado
brasileiro ao longo das décadas de 1980 e 1990,133 centrada em dispositivos de
avaliação de impacto e licenciamento de projetos potencialmente degradadores,134
apresenta uma orientação “participativa” não só na conjugação de uma avaliação
131
Denise de Castro Pereira, Luzia Costa Becker e Raquel Oliveira Wildhagen,
Comunidades atingidas por mineração e violação dos Direitos Humanos: cenários em
Conceição do Mato Dentro, Revista Ética e Filosofia Política, v. 1, n. 16, p. 124-150, jun.
2013.
132
Andréa Zhouri e Raquel Oliveira, Development and environmental conflicts in Brazil:
challenges for anthropology and anthropologists. Vibrant, v. 9, n. 1, p. 180-208, 2012b.
133
Brasil, Casa Civil, Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981, Dispõe sobre a Política
Nacional de Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá
outras providências, Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 set.
1981.
134
Conselho nacional de Meio Ambiente - CONAMA, Resolução n. 001, de 23 de janeiro de
1986, Estabelece as definições, as responsabilidades, os critérios básicos e as diretrizes
gerais para uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos
instrumentos da Política Nacional de Meio Ambiente, Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 jan. 1986; Conselho Nacional de Meio Ambiente CONAMA, Resolução n. 006, de 16 de setembro de 1987, Dispõe sobre o licenciamento
ambiental de obras do setor de geração de energia elétrica, Diário Oficial da República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 22 out. 1987.
416
técnica e política sobre a viabilidade dos novos projetos, mas também na abertura de
espaço para a oitiva da sociedade civil, em especial, os grupos potencialmente
atingidos pelas prováveis intervenções. Desse modo, organizava-se normativamente o
licenciamento como um espaço de governança e progressiva negociação, através do
exame de três licenças sucessivas que deveriam ajuizar sobre a conformidade das
obras às exigências técnicas e legais.
Os contornos e instrumentos da nova política ambiental incorporavam à sua
pauta a noção de „desenvolvimento sustentável‟, que se projetava como uma proposta
alternativa, mais “convergente e otimista”135 capaz de agregar os diferentes “setores”
da sociedade na busca de soluções orientadas para a harmonização entre o
desenvolvimento econômico e a preservação ambiental. Com surpreendente
capacidade catalisadora, o crescente prestìgio da noção de “desenvolvimento
sustentável” foi acompanhado por um processo de despolitização dos debates e
escamoteamento dos conflitos, abrindo espaço para o paradigma da modernização
ecológica e sua lógica operativa da “adequação” no âmbito do licenciamento
ambiental.136
No entanto, as expectativas participativas com vistas à acomodação de
interesses e à construção de decisões consensuadas se viram progressivamente
frustradas devido à concomitante multiplicação das tensões entre sujeitos atingidos,
ambientalistas, técnicos da burocracia estatal, empreendedores e movimentos sociais,
entre os quais os sentidos „desenvolvimento‟ e „sustentabilidade‟ permaneciam
contestados. Sincronicamente, à medida que se consolidava a nova política ambiental
brasileira, delineavam-se novas formas de inserção do país na economia-mundo e suas
correspondentes exigências de ajuste econômico e liberalização. Nesse processo, as
conquistas da redemocratização no campo ambiental foram capturadas e subsumidas
135
Eduardo Viola e Hector Leis, A evolução das políticas ambientais no Brasil, 19711991: do bissetorialismo preservacionista para o multissetorialismo orientado para o
desenvolvimento sustentável, em Daniel Hogan e Paulo Freire Vieira (org.), Dilemas
socioambientais e desenvolvimento sustentável, Campinas, Unicamp, 1995, p. 77.
136
Zhouri, Laschefski e Pereira, A insustentável leveza da política ambiental; Zhouri e
Oliveira, Experiências locais e olhares globais.
417
por novos constrangimentos conjunturais que redundaram na hegemonia dos projetos
de modernização ecológica e do ambientalismo de resultados.137
Esse horizonte histórico permite resgatar a noção de “conflitos ambientais” que
tem o mérito de destacar dois aspectos importantes: primeiramente, que a interação
entre técnicos, empreendedores e atingidos não se apresenta como processo de
negociação, livre comunicação e construção de consensos, ao contrário, ela é
reveladora de um embate entre sujeitos sociais que articulam projetos divergentes de
sociedade. Adicionalmente, a associação com o adjetivo “ambiental” exige interrogar
o próprio sentido de “meio ambiente” institucionalizado nas práticas de licenciamento,
nas ações empresariais e dos operadores do direito, problematizando, por esta via, as
acepções acerca da existência de representações indiferenciadas do espaço e seus
recursos. Afinal, conforme demonstra Fuks, é a própria formulação jurídica da
“questão ambiental” que se esforça para construir um aparente consenso fundado na
afirmação do significado de meio ambiente enquanto bem universal descolado das
práticas, projetos e sentidos parcelares.138
Nessa perspectiva, o que o licenciamento ambiental evidencia é um quadro de
conflitos onde opera uma distribuição diferencial de poder, de forma que os sujeitos
sociais em disputa têm suas visões, valores e discursos conformados pelo lugar social
a partir do qual são proferidos. Enquanto campo no sentido bourdieusiano,139 o
licenciamento ambiental estrutura as relações entre esses agentes, definindo-lhes o
lugar e as possibilidades de ação. É a distribuição desigual dos capitais econômico,
político e simbólico que localiza os agentes no campo, oferecendo-lhes poderes
distintos para enunciar e fazer valer seus respectivos projetos políticos. É neste campo
estruturalmente desigual que as tentativas de negociação e de mediação de conflito
acontecem.
137
Zhouri, Laschefski e Pereira, A insustentável leveza da política ambiental; Wolfgang
Sachs, globalizacion y sustentabilidad, world summit papers of the Heinrich-Böll
Foudation, n. 6, Berlim, ago. 2001.
138
Mario Fuks, Conflitos ambientais no Rio de Janeiro: ação e debate nas arenas públicas,
Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2001.
139
Pierre Bourdieu, Espaço social e poder simbólico, em Coisas ditas, São Paulo,
Brasiliense, 1990.
418
O paradigma da adequação ambiental no seio da modernização ecológica
extrapola o âmbito do licenciamento e configura todos os campos da governança
ambiental, incluindo o campo jurídico, esfera de atuação do MPMG. O instrumento
TAC soma-se a outros, tais como Zoneamento Econômico-Ecológico (ZEE), comitês
de bacia, participação em conselhos deliberativos. O princípio geral da harmonização
entre bens constitucionalmente protegidos rege a interpretação da lei, o que adicionado
à ênfase nas ações preventivas e estratégias extrajudiciais, acabam por corroborar com
as premissas consensualistas do desenvolvimento sustentável que têm na negociação
um princípio institucional. Ora, como já analisado,140 a perspectiva da negociação
instituída pelo paradigma da adequação ambiental (e disseminada internacionalmente
pelo Banco Mundial) parte do princípio liberal da individualização dos sujeitos e a
igualdade de tratamento e de fato, o que é presumivelmente garantido pela
universalidade da lei (soluções win-win, todos ganham).
Entretanto, esses princípios aparentemente democráticos e justos quando
aplicados em uma sociedade estruturada pela desigualdade social, econômica, cultural
e ambiental, subsume à lógica hegemônica as desigualdades sociais e as diferenças
culturais reais. Desta maneira, no interior do paradigma da adequação, o dissenso é
eliminado por meio das tentativas de restringir a fala dos atingidos ao lugar em que se
espera que eles falem: o lugar da aceitação, do ajuste, da negociação, do consenso. A
possibilidade igualitária de que o grande empreendimento retroceda ou pare em nome
dos projetos tradicionalmente existentes no local, ou dos direitos diferenciados da
cidadania, está fora do horizonte das decisões. A obra é inexorável e se torna ainda
mais fortalecida na medida em que consegue evocar categorias cada vez mais abstratas
(progresso, civilização, desenvolvimento etc.) e se apresentar em nome de uma
coletividade igualmente abrangente (a nação, o interesse nacional etc.), escamoteando,
por esta via, a lógica privada da apropriação e da acumulação capitalista. Neste
contexto, por oposição, a categoria de atingido é confinada ao espaço dos “interesses
localizados” de “grupos minoritários”. O atingido é então fragmentado e
individualizado por uma visão cartorial e patrimonialista, viabilizada pelo instrumento
padrão denominado cadastro de atingidos. À pretensão de compensação e de
mitigação, o cadastro acaba por produzir uma violência insidiosa ao reconhecimento
140
Zhouri, Laschefski e Pereira, A insustentável leveza da política ambiental; Zhouri,
Belo Monte:crise do sistema ambiental e da democracia.
419
das diferenças societárias realmente existentes em um país multicultural como o
Brasil. De fato, o cadastro conjuga nome, chão e tijolos. Ou seja, ele é uma listagem
constituída preferencialmente pela categoria de proprietários (sujeito individualizado),
seu terreno e suas “benfeitorias”. Ao se tornar “número”, o indivìduo pode ser
contabilizado e possivelmente “indenizado”, conformando-se à padronização e à
racionalização promovidas como instrumento a serviço da regulação e do controle,
lógica da governamentalidade amplamente discutida por Foucault.141
Um diagnóstico sobre o modo de vida das comunidades rurais, com suas redes
de parentesco, sua economia interdependente, sua relação com o meio, enfim,
comunidades que são, não raro, tradicional e etnicamente definidas, não encontra
ressonância entre os instrumentos institucionalizados da regulação ambiental.
Questiona-se, pois, a possibilidade da definição e da aferição, de fato, dos “impactos
sociais e ambientais” levada a cabo pelos instrumentos vigentes, tais como o EIARIMA. De outro lado, o TAC, no âmbito da adequação ambiental, acaba por produzir
o ajustamento dos atingidos à lógica mercantil das empresas, ajustando essas últimas,
por conseguinte, às normas sempre casuisticamente reformadas do licenciamento
ambiental. Então, na medida em que não questiona a condução do licenciamento
ambiental e os casuísmos forjados no processo, o TAC termina por reconhecer a sua
validade/legalidade ao intentar tão somente regular/ajustar os seus efeitos adversos.
Esta circunstância provoca-nos o questionamento, portanto, sobre a eficácia das
premissas da prevenção, da correção e da reparação quando no cerne dos conflitos
reside a flexibilização recorrente das normas. À crise da regulação ambiental soma-se,
pois, uma crise das instituições de defesa dos direitos, assinalando um delicado
momento para sociedade brasileira.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais reune centenas de casos de
lutas envolvendo sujeitos sociais diversos organizados na defesa do seu meio
141
Michel Foucault, A governamentalidade, em Microfísica do poder, Sao Paulo, Graal,
1986.
420
ambiente, o que também significa, em muitas situações, a defesa do seu modo
diferenciado de ser e viver. Ele também revela as desigualdades estruturais no seio
das quais os conflitos eclodem, pois os projetos econômicos no âmbito da inserção do
país na economia-mundo, sobretudo via a exportação de commodities, assumem
prioridade e impigem transformações irreversíveis ao território e sua gente. A
explicitação da diversidade das lutas ocorre na contramão da percepção hegemônica
do ambiente e sua destinação. As categorias administrativas de “impacto” e de
“atingido” operam no sentido de uma estandartização dos sujeitos e dos territorios,
processo que contribui para perpetuar as desigualdades históricas do país. O Estado
assume então uma posição de ambiguidade: de um lado, ele defende o modelo de
desenvolvimento que expropria territórios objetivando alcançar determinados
patamares na economia mundial, alinhando-se para tal com atores transnacionais,
incluino instituições financeiras; por outro lado, ele também persegue políticas de
redução da pobreza e das desigualdades sociais, porém com dúbia democratização do
acesso aos territórios na medida que os deslocamentos forçados acompanham o
desenvolvimento. Nessa medida, setores do Estado em suas margens142 agem como
mediadores dos conflitos flexibilizando o marco regulatório para os investimentos
econômicos ao mesmo tempo em que enfrenta o desafio de cumprir com
compromissos legais assumidos também nas esferas transnacionais.
O processo de desregulação ambiental em curso tem exigido esforços no que
concerne o controle social. Afirma Rancière que a “polìtica existe quando a ordem
natural da dominação é interrompida pela instituição de uma parcela dos semparcela”.143 Ações e denúncias de irregularidade multiplicam-se junto ao MPMG,
processos que tornam visível uma certa ineficácia das agências de meio ambiente.
Neste contexto, o MPMG tem sido desafiado por crescente demanda advinda da
judicialização das ações e dos processos ambientais, o que torna o momento
igualmente sensível para o MPMG - órgão responsável pela garantia dos direitos dos
cidadãos e do meio ambiente. Subsumido à lógica da modernização ecológica, o
MPMG vem implementando iniciativas e estratégias de resolução ou de mediação de
conflitos que são, de fato, gestadas por instituições econômicas e financeiras com
142
Veena Das e Debrah Poole. El Estado y sus márgens. Revista Académica de Relaciones
Internacionales, núm. 8 junio de 2008, GERI-UAM.
143
Rancière, O Dissenso, p. 26.
421
finalidades diversas daquelas que remetem à defesa dos direitos dos cidadãos. Com
efeito, estratégias win-win difundidas pelo Banco Mundial assentam-se em premissas
econômicas que tratam da negociação entre partes interessadas, igualando, pois, no
patamar do mercado, sujeitos sociais que possuem, na verdade, capitais sociais,
políticos, culturais e técnicos muito desiguais. Isso nos permite considerar a
possibilidade da fragilização de direitos que podem ser transigidos pelas práticas
econômicas hegemônicas, a exemplo do reconhecimento do aviltamento dos direitos
dos cidadãos em Conceição do Mato Dentro pelo próprio MPMG na Audiência
Pública da ALMG, em 06 de maio de 2013.
Neste sentido, é oportuno recapitular o argumento de que os conflitos
ambientais decorrem da luta de sujeitos sociais para concretizar as suas formas de ver
e interagir com o meio. Trata-se de uma questão política, desenvolvida no curso do
processo social. Ocorre que a política vem sendo reduzida ao sentido da negociação e
a democracia confundida com a construção de consensos. No entanto, como adverte
Rancière, “para que a comunidade polìtica seja mais do que um contrato entre quem
troca bens ou serviços, é preciso que a igualdade que nela reina seja radicalmente
diferente daquela segundo a qual as mercadorias se trocam e os danos se reparam”.144
Um outro sentido de igualdade e de democracia emerge então como tema da
luta social focada na contestação da submissão da lógica trocadora ao bem comum.
Esta perspectiva implica compreender a justiça como algo que vai mais além do
equilíbrio dos interesses entre os indivíduos ou a reparação dos danos que uns causam
aos outros, mas como horizonte que se estende e abarca diferenças geométricas, mais
do que operações de ordem aritmética.
(Agradeço à FAPEMIG e ao CNPq que tornaram a pesquisa possível e, acima de tudo, às
diferentes gerações de alunos que desde 2007, no GESTA, vêm se empenhando nas diferentes
tarefas relacionadas a este projeto, de fato, coletivo. Especial agradecimento a Marcos
Zucarelli, Raquel Oliveira, Luana Motta, Max Vasconcelos, Matheus Braga, Rodrigo
Madureira, Laís Jabace e Vanessa Samora)
144
Ibidem, p. 21.
422
8.3.20.2 Breve resumo, fruto da observacão de vivência prática como
tem se dado o “desenvolvimento” para os povos e comunidades
tradicionais - Alberto Cantanhede
Observando o histórico do desenvolvimento do país, e humano no Brasil vamos
constatar que no Maranhão, o ritmo, o tempo, o foco, as prioridades são totalmente
destoante de tudo que ocorrem em paralelo Brasil á fora, pois por aqui, já entregaram
“quase todas as terras” antes pertencentes ao estado e ou á União, e depois de infinitos
conflitos pela posse da terra onde o estado protagoniza por seus representantes que
também resentam as grandes corporações de mercado global que por sua vez,
sustentam tais grupos políticos e juntos, assumem o controle de estados nacionais e de
formas específicas de unidades federadas, como o estado do Maranhão que com todo
seu complexo conjunto de ricos biomas, (como, CAATINGA SERRADO, SEMIÁRIDO, ÁREAS INUNDÁVEIS PRÉ-AMAZÔNIA, E MANGUEZAL com
aproximadamente 500 mil hectáres E uma faixa de mar com extensão com 640 km.
Ilha de Upaon-acú, (irmã maior de um arquipélago majestoso e único) é vigiada de
perto por suas irmãs menores como Ilha dos Caranguejos, Ilha de Tauá-Mirim, Ilha
Grande Ilha de Curupú dentre outras, de onde naturalmente é o grande mirante para o
Atlântico, para a Amazônia para o semiárido e caatinga do nordeste Brasileiro ainda
ostenta os piores indicadores de desenvolvimento e uma população empobrecida e
sedenta de políticas públicas básicas.
São Luis, Protegida por três baias São Marcos, São José de Ribamar/Arraial e
observada por mais duas como a baia de Tubarão e a de Cumã, alimentadas
providencialmente por um conjunto de rios, Munim, Itapecurú Pindaré e Mearim
dentre outros... também recortada por rios e como, Rio Tibiri, rio paciência, Rio Anil,
Rio Bacanga, Rio do Arapapaí, Rio dos Cachorros, e dos Igarapés, Bueno-zares,
Tipepena, Babilônia dentre outros...
Nossa grande ilha e seu conjunto de guardiãs ainda troca influências influências com a
baia de Cumâ o que faz de Upaon-acú um uma ilha com múltiplas vocações, vocações,
que as “iluminadas cabeças” que produzem discursos de desenvolvimento reduzem
este potencial á um quintal portuário... que, mesmo com sua grande contribuição para
o mercado interno e externo,
formada inicialmente por comunidades e populações tradicionais (indígenas) que
destaca-se algumas delas como Vinhais, Sá-Vian, Turú, Cavaco, piranhenga, Furo,
Gapara, Cetrapo, Mapaúra, Camboa-dos-Frades, Aracáua, Arraial, Igaraú, QuebraPote Babilônia, Paquatiua, Pindotiua, Porto grande, dentre muitas outras incluíndo o
Taim onde eu nasci em fevereiro de 1962 de onde 10 anos mais tarde, desci o rio dos
Cachorros atravessei o Riodos Coqueiros e alcansei a margem da Baia de são Marcos
pela Ilha de Tauá-Mirim, mais precisamente na Praia de Boa Razão, onde meus pais
experimentavam a conciliação da agricultura com as pescarias, e constataram que
423
apezar da produtividade agrícola naquelas terras se comparada ao cansado solo do
Taim, as pescarias prevaleceram para a economia das famílias ali arranchadas, (foi
quando me foi permitido o aperfeiçoamento de algumas, e o conhecimento de outras
técnicas de pesca e tratamento do pescado), dali também, pude assistir a passagem de
uma pequena parte do que se produzia na agricultura Maranhense que consistia no
desfile de “barcaças” conhecidas como Alvarengas transportando arroz, algodão e
trigo, oriundos da baixada provalvemente das propriedades maiores para o porto do
Itaqui, bem como lanchas, ganbarras, costeiras e garités, transportando, gado, porcos,
galinhas, feijão, farinha, bananas, e outras frutas e verduras além de peixes e do
artesanato, certamente das pequenas propriedades e (quintais) para, o cais da Sagração,
na (Praia Grande), pouco tempo depois 1973 por circunstâncias alheias á minha
vontade, passei um ano talvez morando no desterro ao lado da Igreja de São José, dali
com acesso a movimentação portuária era possível avaliar a importância da agricultura
para, alimentar a população urbana e para a geração de ocupação e renda no meio rural
do estado e nas cidades, em 1974 de volta ao Taim quando se explicitavam os
primeiros conflitos pela posse e uso das terras, entre populações locais e envolvendo
especuladores animados pelos decretos federais 66.22 de 1970 e 78.129 de 1976
(conflito que eu iria viver de dentro entre 1983 e 1997); quando O grupo “liderado”
por José Sarney se alterna ao governador Vitorino Freire tomando para si o governo do
Maranhão de posse do estado usa estes dois e os somam a outros instrumentos
jurìdicos como a famosa “lei de terras” para excluir, dizimar comunidades e
populações tradicionais escamoteando partes dos mesmos decretos para negar direito
adquiridos e avançar em seus projetos de poder político e econômico, E transformou o
estado em uma província para servir á seus caprichos e de sua família de comando
hereditário e um clube de para seus amigos e “serviçais”.
Enquanto isso, mais e mais comunidades foram desfeitas e trabalhadores e
trabalhadoras foram mortos e mortas a cada empreendimento implantado no Maranhão
a falta de opção transformam os sobreviventes em migrantes muitas vezes sem
destinos contribuindo assim, para a grande tragédia nacional que são as periferias das
grandes e médias cidades que deveriam ser urbanizadas; eu tentava entender os
acontecimentos á minha volta e após varias tentativas de continuar estudando as
circunstâncias me levaram de volta á Boa razão, agora em jornadas semanais para o
exercìcio “profissional” da pesca, como atividade econômica, e eu tinha meu pai como
mestre e parceiro, com quem trabalhei até 1979 quando mais uma vez em acordo com
meu pai voltei á escola para continuar os estudos, foi quando aprendi também um
pouco de carpintaria e no vai e vem semanal ao Taim, dois anos mais tarde, 1981 com
19 anos estava eu, disposto a não arredar mais do taim, voltei a pescar na Boa razão e
em 1982 procurei o meu primeiro emprego com registro em carteira de trabalho, e em
1983 já desempregado, formei família e entre uma marezada de pescaria e outra, fazia
um bico como carpinteiro, no período de 1987 a 1990 pela subvalorização da pescaria
e da produção pesqueira voltei ao mercado do “formal do trabalho”, voltando ás
pescarias em 1991 entrei no movimento dos pescadores e pescadoras passando a
conviver com pescadores e pescadoras e apoiadores e apoiadoras do movimento passei
424
a estudar a realidade deste segmento social e profissional, em fevereiro de 1992
participei da eleição da Colônia de Pescadores Z 10 de São Luis e compuz a diretoria
eleita naquela ocasião, como secretário de formação e meio ambiente, mais tarde fui
eleito presidente do centro de apoio ao pescador artesanal do Brasil (CAPAB) “extinto
em 1999” no mesmo ano, fundamos o centro de apoio e pesquisa ao pescador
artesanal do Maranhão (CAPPAM) e elegemos Benedito Pereira seu Presidente, e eu
fui eleito secretário, em dois mil, fui indicado para compor o conselho deliberativo do
Grupo de Trabalho Amazônico (GTA) onde fui também conselheiro fiscal Vicepresidente presidente e secretário geral, quando passei a vivenciar momentos de
interação junto á companheiros e companheiras de outras regiões do estado e de outros
estados do País, onde seria possível constatar que, não tínhamos apenas projetos
isolados e sim um modelo de acumulação dos bens sobre tudo, os de produção e os
espaços restantes que ofereciam qualidade de vida para seus habitantes o que constatei
em 2000, quando ao voltar á Boa razão, desta vez não para pescar, mas para um dia
de descanso após uma empreitada diferente enfrentada naquele ano, ao passar por um
portão de uma das três “chácara” li em uma placa em destaque frontal á margem da
praia a seguinte frase em duas partes, (“proibida a entrada de estranhos”, sejam bem
vindos mas, não nos tragam problemas”). Aquela frase teve um efeito tão forte quanto
a minha indignação enquanto lembrava de tantas placas iguais aquela que tinha visto
Brasil á fora, de tantas pessoas que certamente passaram por um momento igual
aquele, e reafirmei a minha determinação de 1981.
Me dei conta de que, aqueles acontecimentos no interior da (ilha rebelde) tratava-se da
materialização de uma política de um grupo político aliado á grupos econômicos até
então “dispersos” para controlar e planejar o estado para atender seus interesses e
torná-lo uma provìncia “dinástica”.
425
8.3.21 Mesa Redonda: 30 anos do Programa Grande Carajás: balanços
e perspectivas
Ementa: Recuperação do debate realizado ao longo das várias etapas do Seminário,
destacando as principais questões apontadas e as perpectivas de mobilização e
resistência frente aos grandes projetos de desenvolvimento na Amazônia oriental.
Participantes da mesa:
Aluísio Leal (UFPA - Brasil)
Pe. Dário Bossi (JnT - Brasil)
Maria Máxima Pires (RESEX de Tauá-Mirim - Brasil)
Coordenação: Ricarte Almeida Santos (Cáritas Brasileira – Brasil)
Relatoria:Hellen Mayse Paiva Silva
1) Maria Máxima Pires da Resex de Tauá Mirin começa sua exposição
defendendo a luta pela preservação dos recursos naturais (buriti, bacaba, juçara,
manga, bacuri, pequi, peixe, camarão e manguezais) das comunidades da zona rural de
São Luís. Ela atua desde 2004 contra a possibilidade de implantação de um complexo
siderúrgico nessas comunidades.
Nesse período a comunidade buscou ajuda de parceiros formando o
“Movimento Reage São Luìs” a fim de defender seu território e as populações que
habitam a região. Esse processo foi consolidado através de reuniões, apoio de outros
movimentos sociais, manifestações, promoção de audiências públicas (Ela tece críticas
em relação ao tempo dado para que as comunidades possam manifestar seus
interesses). O complexo não foi instalado, porém a instabilidade nas comunidades
continua, pois outras empresas e atividades (matadouros, extração de areia clandestina,
áreas para construção de canteiros de obras, posto de gasolina) se instalaram na região
em virtude do poder atrativo que um complexo desse porte exerce.
A
representante
da
comunidade
cita
uma
série
de
problemas
desencadeados após a instalação dessas empresas, tais como: aparecimento de
invasões, especulação imobiliária, prostituição, violência, uso de drogas, mortes na
rodovia, supressão de manguezais, sendo determinantes para que a comunidade se
empenhasse na defesa de seu território e consequentemente a preservação de seus
recursos naturais. Ela finaliza comentando da importância da criação da reserva
extrativista da Reserva de Tauá-Mirin como uma única chance de reprodução material
e simbólica das onze comunidades.
426
2) Pe. Dário Bossida JnT do Brasil começa sua exposição dizendo que a
esperança é a coisa mais importante da vida e comenta que as regiões onde ocorreram
atividades de mineração no mundo são as mais empobrecidas. O modelo de
desenvolvimento capitalista está fundado no tripé: superexploração (não somente dos
recursos naturais, mas dos trabalhadores e oportunidades); colonização (baseada no
modelo machista e violento); e ditadura (tecnologia de governos e empresas para
manter o modelo capitalista e de embate contra os movimentos sociais).
A questão central de seu discurso foi a disputa e controle dos territórios.
Territórios estes que são impactados pelos mais diversos problemas ocasionados pelo
“avanço do desenvolvimento”. Ele ressalta que é necessário que os movimentos
sociais sejam “baluarts” de resistência contra o avanço desse modelo de
desenvolvimento. Não só para garantir a autonomia desses territórios, mas para definir
quais as estratégias de defesa e capacitação. O objetivo é alcançar o protagonismo das
comunidades e articulação dos atingidos.
Ele propõe seis caminhos para o controle dos territórios e protagonismo
desses povos, que podem ser destacados: 1) educação popular – quais são as
verdadeiras necessidades dos territórios; 2) encontro e diálogo dos saberes –
valorização do saber tradicional e saber acadêmica; 3) articulação entre as
comunidades e as instâncias coletivas de direito – reaproximar as comunidades e
fortalecimento na cobrança perante o Poder Público; 4) força dos trabalhadores como
aliados; 5) resistência internacional; e 6) produção de modelos de vida alternativos –
reconhecimento das comunidades.
3) Aluísio Leal da UFPAinicia sua exposição mencionando que estamos
unidos por condição de massa explorada pelo capital e que devemos ter unidade na
luta contra empresas e governos. A segunda questão que ele aborda é sobre a perda da
inocência, pois precisamos conhecer a nossa realidade e de outros movimentos sociais
(outros países, tais como Equador, Venezuela). Tudo isso, a fim de ter a dimensão de
tudo o que está sendo articulado contra nós e quais são os inimigos.
427
8.3.21.1 Nos trilhos de uma história diferente: Primeiras impressões
sobre o legado do Seminário “Carajás 30 anos” - padre Dário Bossi
(missionário comboniano e membro da rede Justiça nos Trilhos)145
O que mais vale na vida, e que muitos buscam, é deixar uma boa memória com relação
à nossa passagem no breve trecho de história que nos é dado habitar.
Uma das minhas maiores satisfações poderia ser chegar no fim da vida e sentir, dentro
de mim, que algo do que fiz teve sentido, que deixei um pouco de sabor, uma
contribuição -mesmo que mínima- à vida dos outros.
Se isso faz sentido individualmente, mais ainda deveria ter valor coletivo: não
podemos ser lembrados como a geração que prejudicou definitivamente o futuro
da Mãe Terra.
Um dos filmes que assistimos ao longo desse rico Seminário “Carajás 30 anos” foi o
documentário “Pulmões de Aço”, que compara a vida e os dramas de comunidades no
Maranhão, no Rio de Janeiro e no sul da Itália, atingidas pela poluição siderúrgica. Os
moradores de Taranto, no sul da Itália, chegaram a pôr uma placa na praça pública,
com a seguinte afirmação: “Os cidadãos desse bairro amaldiçoam aqueles que,
sabendo, podiam fazer e não têm feito nada”.
Corremos o sério perigo que as gerações futuras nos amaldiçoem por nossas omissões
ou cumplicidades nesse tempo tão delicado de mudança.
Cabe-nos amaldiçoar com firmeza e coragem esse modelo de desenvolvimento,
antes que suas vítimas condenem a nós!
Um líder indígena Krikati, por ocasião do Seminário local de Imperatriz, perguntouse: “Onde e como eu estava há trinta anos?”. Resumiu numa frase o objetivo do inteiro
processo que realizamos coletivamente.
145
Esse texto é fruto de um processo de diálogo com vários coordenadores do Seminário “Carajás 30 anos:
resistências e mobilizações frente a projetos de desenvolvimento na Amazônia Oriental” e foi apresentado na
mesa redonda final “30 anos do Programa Grande Carajás: balanços e perspectivas”, realizada no dia 09 de
maio de 2014.
428
Qual o balanço do “desenvolvimento” que foi prometido ao Maranhão e ao Pará, e
qual o legado que os povos originários, as populações camponesas, os muitos
migrantes “estacionados” nas periferias urbanas poderiam transmitir a outras
comunidades que potencialmente ainda nos próximos anos venham a ser iludidas pelas
mesmas promessas?
O mesmo líder Krikati considerava singelamente que, pelas estatísticas que ele
conhecia, “o Maranhão está sempre no último lugar”.
Outras estatísticas, que vimos confirmadas pelos diversos testemunhos internacionais
durante o Seminário “Carajás 30 anos”, demonstram que as regiões de mineração são
frequentemente as mais empobrecidas, com menor diversificação da economia e
menores oportunidades de futuro, especialmente quando os recursos extraídos a ritmo
frenético chegarem à exaustão.
A partir de diversos pontos de vista, graças à característica mais rica desse Seminário,
que é o diálogo e a interação de saberes, pudemos consolidar nossa convicção a
respeito daquilo que cada vez mais evidentemente se põe como “o tripé desse modelo
de desenvolvimento”:
- a superexploração, tanto da terra e do meio ambiente, como das pessoas, dos
trabalhadores, do tempo e das oportunidades. A regra desse modelo de
desenvolvimento imposto desde cima a comunidades e territórios é aproveitar, no
tempo mais curto possível, da maior quantidade de recursos possível; não se trata
simplesmente de expropriação dos bens, mas dos próprios direitos, quer dizer, da
liberdade das pessoas se relacionarem com o meio ambiente numa dinâmica que lhes
garanta equilíbrio, dignidade e futuro;
- a colônia: essa prática antiga, enraizada de alguma forma nas culturas e
relações das comunidades que acompanhamos, se reafirma hoje com ainda maior
contundência no fortalecimento de uma economia quase exclusivamente voltada à
exportação. A região do corredor de Carajás é um exemplo evidente da progressiva reprimarização da economia, fundada na exploração de commodities como minério,
eucalipto e carne bovina. Para garantir esse mercado, volta a se fazer necessária uma
acumulação agressiva de terras e patrimônios, em conflito aberto com as populações
locais e originárias, que defendem outro tipo de relação com seus territórios. Esse
429
modelo de desenvolvimento neocolonial é racista e machista, impregnado de violência
institucionalizada. Seu principal efeito é a disputa permanente pela terra, expulsando
ou silenciando os mais fracos;
- a ditadura: pode parecer excessivo comparar o período atual às décadas
obscuras que também nosso País atravessou pouco tempo atrás. Infelizmente, porém,
várias lideranças comunitárias ou membros de movimentos sociais que se expuseram
contra as violações provocadas pelo ciclo de mineração e siderurgia no Brasil estão
sendo, cada vez mais frequentemente, vítimas de criminalização por parte do próprio
Estado: a instituição pública se põe em defesa dos interesses dos empreendimentos
privados e reprime ou inibe o direito de livre expressão, manifestação e organização de
diversos segmentos da sociedade civil.
Não cabe, nesse clima repressivo, o direito à consulta livre, prévia e informada, nem a
participação popular efetiva nas decisões sobre zoneamento econômico e ecológico de
cada território. Ao contrário, a postura de ameaça e imposição de poder por parte do
Estado em favor da implementação de grandes projetos chega até a prevenir os
diversos posicionamentos críticos: instala-se, desde as primeiras avaliações sobre a
conveniência de um novo projeto, a simplificada dicotomia entre o Estado a favor do
desenvolvimento e minorias críticas definidas inimigas do País e do progresso.
Recentes revelações de um ex-funcionário da empresa Vale S.A.146 atestaram que
tanto a mineradora como o Estado mantêm constantes práticas de espionagem,
interceptação de mensagens telefônicas e de e-mails, bem como tentativas de
infiltração de agentes secretos nos grupos de coordenação de diversas entidades e
movimentos sociais críticos a respeito dos impactos da mineração. Entre outros,
destaca-se nos relatórios do informante o nome da rede Justiça nos Trilhos e do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Além disso, práticas mais sutis por parte das empresas, como a cooptação das
lideranças comunitárias ou de parte de uma comunidade, acabam enfraquecendo a
resistência e confundindo o foco das reivindicações populares: aos olhos das pessoas,
146
Comissão Direitos Humanos do Senado, 23 de outubro de 2013
http://www.senado.gov.br/noticias/tv/programaListaPadrao.asp?txt_titulo_menu=Resultado%20da%
20pesquisa&IND_ACESSO=S&IND_PROGRAMA=&COD_PROGRAMA=&COD_VIDEO=295306&ORDEM=
0&QUERY=comiss%E3o+de+direitos+humanos&pagina=17, acesso em 02.05.14
430
torna-se mais urgente e eficaz solicitar os favores de empresas e Estado, do que exigir
a garantia dos próprios direitos e o respeito das leis.
Se essa é a estrutura de poder que alimenta e justifica os grandes projetos de
“desenvolvimento”, confirmada e reforçada pelos vultosos investimentos em
propaganda e greenwashing por parte das empresas, é urgente desfazer o lema que
vem sendo martelado no inconsciente das pessoas (“não há futuro sem mineração”) e
afirmar com decisão e firmeza: não há futuro depois da mineração!
Trata-se de uma obviedade, pois estamos falando de processos extrativos de recursos
finitos, mas vale a pena explicitar isso, pois os prazos de esvaziamento das riquezas da
terra estão bem mais curtos do que se pense.
A expectativa de vida das reservas minerais conhecidas, se considerarmos uma taxa
anual de 2% de crescimento mundial da extração mineira, são de 17 anos para o
chumbo, 20 para o zinco, 22 para o cobre, 30 para o níquel e 65 para o ferro 147. Não
esqueçamos que o Plano Nacional de Mineração 2030 (MME, 2011) prevê para o
Brasil ritmos bem maiores desse 2% de crescimento anual: em 20 anos a exploração
de bauxita e ferro deveria aumentar três vezes e a do cobre e níquel mais de quatro
vezes.
Resistência e alternativas em construção
Já que não há futuro na mineração, cuidemos do presente.
Uma das frentes de ação mais importantes põe-se ainda no plano cultural: rejeitar a
alternativa entre desenvolvimento e subdesenvolvimento. Trata-se de um falso
dilema, fundamentado no princípio capitalista do crescimento: objetivo de uma
empresa, de um Estado, de uma comunidade ou de uma pessoa seria “crescer”. Em
muitos casos, esse crescimento deveria inspirar-se em outros exemplos que
supostamente, antes e melhor de nós, mostraram os caminhos do sucesso. Crescer,
portanto, implica também em manter intacto o modelo e a direção dentro da qual
147
Fonte: UNEP (2011)
431
avançamos, e instalar no inconsciente de muitos o espírito de competição e
comparação como principal elemento motivador e significador.
Aprendemos, durante esse Seminário, que “desenvolvimento” coincide com
“subdesenvolvimento”, pois o primeiro, para existir e se instalar, se fundamenta na
concentração de renda particular e provoca danos públicos: esses dois elementos estão
entre os principais indicadores do subdesenvolvimento de uma determinada sociedade.
Nesse sentido, pode-se dizer que o Maranhão é o estado mais “desenvolvido”!
Nessa confusão de valores e modelos, é urgente ressignificar nossa compreensão da
natureza, dos recursos naturais, da relação entre pessoas e o resto da vida, de
princípios hoje tão contaminados pela propaganda empresarial, como sustentabilidade,
equilíbrio, vida.
Precisamos inventar um modelo novo. Repare-se que inventar, etimologicamente,
significa encontrar. Não é criar artificialmente do nada, ou puxar magicamente da
cartola: é reconhecer que o novo já está escondido na vida, na natureza, nos saberes
ancestrais, na pluralidade das místicas populares. Precisa resgatá-lo, dar-lhe valor
acima do econômico e condições para se afirmar como modelo estruturado, e não
como saudoso ou exótico refúgio quando estamos fartos do ritmo desse “progresso”!
Durante o Seminário debatemos algumas dimensões desse “inédito” que está sendo
inventado: do ponto de vista dos modos de vida é o “Bem Viver”, do ponto de vista
econômico pode ser o “Pós-Extrativismo”. Temos uma longa jornada à nossa frente,
na (re)afirmação desses valores, na contracorrente da onda neodesenvolvimentista!
Na prática do dia-a-dia das comunidades com que caminhamos, uma pauta prioritária
é a disputa pelo controle dos territórios. Isso se evidenciou, por exemplo, ao
perceber, ao longo do Seminário, a contradição entre a visão da Vale e aquela das
comunidades nas referências aos mesmos espaços vitais.
Existem cerca de cem comunidades ao longo do corredor de Carajás, no entorno
imediato da ferrovia (1.000 m de cada lado). Cada comunidade tem suas estradas de
acesso, muitas casas têm seu quintal, algumas delas um poço ou outro tipo de
benfeitoria... Na contagem da Vale, isso se reduz a um número e uma expressão
432
sintomática: “1.168 interferências”148. Os moradores que há tempo vivem na região,
em sua maioria tendo visto a instalação da ferrovia invadir suas terras e modos de
vida, são considerados pela empresa interferências e potencial distúrbio ao rápido fluir
do minério de ferro escoado para o exterior.
A mesma inversão de pontos de vista deu-se quando o Diretor Executivo de Ferrosos e
Estratégia da Vale foi questionado por jornalistas a respeito da destruição de cavernas
de alta relevância ambiental e arqueológica, que viriam a ser suprimidas pelo novo
enorme projeto de mineração S11D, no município de Canaã dos Carajás-PA. O
Diretor, ao referir-se a essa região minerável, a definiu como “área impactada por
cavernas”!149
Os empreendimentos da mineração e siderurgia, e suas conexões diretas com o
monocultivo de eucalipto e os grandes projetos de geração de energia hidroelétrica ou
térmica, provocaram na região uma verdadeira disputa por territórios, aos quais cada
grupo de interesse confere significados e valores diferentes. Por isso, se faz essencial
defender o controle dos territórios que os povos e as comunidades tradicionais (em
particular ao longo do corredor de Carajás as diversas etnias indígenas e as
comunidades quilombolas) reivindicam com determinação: a agenda de luta priorize
cada vez mais a demarcação de terras, a regularização fundiária, o reconhecimento da
identidade de cada uma das comunidades tradicionais e a consulta prévia, livre e
informada. As terras indígenas e quilombolas podem se pôr como verdadeiros
baluartes de resistência frente à expansão dos grandes projetos.
Essa resistência, porém, deve ser protagonizada também por cada uma das outras cem
comunidades ao longo dos trilhos. Temos um longo trabalho para frente: a
reapropriação territorial pelas comunidades empoderadas e conscientes.
Raul Zibechi comentava, em sua palestra durante o Seminário, que “Não há direitos
sem poder”. O poder maior que podemos garantir às comunidades é a
148
DUPLICAÇÃO DA ESTRADA DE FERROCARAJÁS – EFC; ESTUDO AMBIENTAL E PLANO
BÁSICOAMBIENTAL – EA/PBA; VOLUME 1; Belo Horizonte, Outubro de 2011
149
José Carlos Martins, TELECONFERÊNCIA E WEBCAST DE IMPRENSA - Resultados do 4T13,
www.vale.com/saladeimprensa.
433
consciência: uma profunda compreensão dos processos históricos e a capacidade de
incidência neles.
Precisamos então fortalecer estratégias que promovam o protagonismo e a
articulação dos atingidos. Em paralelo, precisamos qualificar o diálogo com eles por
parte de todos os segmentos interessados em construir outro projeto de sociedade.
Tento sugerir aqui, brevemente, seis pistas de ação, recolhidas entre as muitas que
emergiram nesses preciosos dias de debate.
1) A educação popular: é instrumento permanente para possibilitar os caminhos
diversos, elevar o nível de consciência e empoderar as pessoas e comunidades.
Educar é inicialmente explicitar os sentimentos, as dores e o potencial de
organização das pessoas, especialmente das mulheres e dos jovens. Fazer as
pessoas identificarem suas necessidades, distinguir entre elas quais são produzidas
por interesses externos e como superar todo esquema de dominação, para afirmar e
defender autenticamente os sonhos e as raízes mais profundas, que nos identificam.
Todo tipo de instrumento é útil nesse paciente exercício de educação popular, desde
o intercâmbio entre atingidos até o mapeamento de conflitos e a metodologia da
cartografia social, ou a arte como ferramenta de auto-identificação e materialização
das utopias, ou ainda a própria luta e mobilização popular.
2) A educação proporciona o encontro de diferentes saberes e gera novas alianças;
uma delas, urgente, é uma articulação mais consistente entre a academia, os
movimentos sociais e as comunidades em luta no campo e na cidade.
A academia deve amadurecer cada vez mais uma aproximação trans-disciplinar aos
conflitos de que estamos tratando. A pesquisa deve melhor integrar-se e
fundamentar-se no saber popular. Nossos movimentos e entidades devem qualificar
seu trabalho em rede, multi-escalar e capaz de comunicar com todos, como
explicou Guilherme Carvalho por ocasião do Seminário “Carajás 30 anos” de
Belém.
3) As comunidades precisam de uma maior aproximação aos instrumentos coletivos
de defesa dos direitos. Brincando com o nome de nossa rede, diria: “Trazer a justiça
434
nos trilhos dos pequenos e fragilizados”. Temos experimentado a eficácia do
instrumento de pressão e denúncia jurídica, especialmente quando associado a uma
forte e consciente participação popular.
As comunidades empoderadas tomam mais iniciativas em âmbito legal, as
instituições do direito sentem-se mais pressionadas para responsabilizar os diversos
atores de violações sócio-ambientais, a interação entre comunidades, Ministério
Público e Defensoria Pública se fortalece e isso incentiva inclusive uma maior
presença dessas instituições no território e seu progressivo processo de
“interiorização”.
Em particular nessa conjuntura, destaco a importância da luta permanente e coletiva
contra a ilegalidade da duplicação do sistema mina-ferrovia-porto150 e contra a
instalação ou expansão de novos projetos.
4) A força dos trabalhadores: conhecemos o nível de submissão da maior parte dos
sindicatos que organizam trabalhadores da Vale e já fomos prejudicados pelas
investidas consistentes da empresa, que acabou cooptando lideranças e inteiros
segmentos sindicais. Por outro lado, essa estratégia da empresa demonstra quanto
ela mesma tema a crítica organizada dos trabalhadores e nos desafia a investir mais
nessa direção, agregando vitimados e lesionados, fortalecendo o debate sobre a
saúde do trabalhador, uma justa repartição dos lucros e uma inteligente
diversificação do modelo econômico nos „enclaves‟ da mineração e siderurgia.
5) A resistência internacional: a “Articulação Internacional dos Atingidos pela Vale”
(AVs) congrega, desde 2010, um grupo de organizações, movimentos sociais e
sindicais do Brasil, Argentina, Chile, Peru, Canadá, Moçambique, com o objetivo
central de contribuir no fortalecimento das comunidades em rede, promovendo
estratégias de enfrentamento aos impactos socioambientais relacionados à indústria
extrativa da mineração, sobretudo os vinculados à empresa Vale S.A.
Uma das estratégias dos AVs é a participação anual à Assembleia Geral dos
Acionistas da Vale, como acionistas críticos.
150
“Fica proibida qualquer forma de atividade para a continuidade da duplicação da Estrada de Ferro
Carajás”. Decisão liminar do Juiz Federal da 8ª Vara do Maranhão, Processo n. 2629547.2012.4.01.3700
435
Para embasar suas denúncias a partir de estudos e sistematizações consistentes, os
AVs organizam pesquisas e a produção de documentação a respeito das violações
provocadas pela empresa Vale em diversas partes do mundo: é o caso do Dossiê
dos Impactos e Violações da Vale no Mundo (2010), do Relatório de
Insustentabilidade da Vale (também conhecido como relatório sombra, 2012) e da
documentação que embasou a candidatura da Vale ao Public Eye Award (em 2012
a Vale foi eleita “pior corporação do mundo”, através de uma votação online que
envolveu mais de 80mil pessoas do mundo, iniciativa coordenada há anos por
Greenpeace Suíça e Berne Declaration por ocasião do Fórum Econômico Mundial
em Davos).
6) A afirmação de modelos de vida alternativa: é evidente que não estamos investindo
vida, sonhos e energias só para dizer não à violência do ciclo de mineração e
siderurgia. Temos alternativas claras, dignas e economicamente viáveis para
defender e promover! As comunidades e os povos com que caminhamos lutam
permanentemente pela reforma agrária, o acesso à terra e a garantia de direitos para
as comunidades camponesas, a proposta agroecológica, a defesa de áreas livres de
mineração, a demarcação de terras indígenas e o reconhecimento de comunidades
quilombolas. Micro-experiências que conseguimos instalar nos territórios
demonstram que existem soluções realísticas, auto-sustentadas e respeitosas dos
valores e do protagonismo das comunidades locais. A aposta, portanto, é política: a
quem deixar o poder de determinação do futuro de nossos territórios?
Quero encerrar minha intervenção, quase no fim desse intenso Seminário Internacional
“Carajás 30 anos: resistências e mobilizações frente a projetos de desenvolvimento na
Amazônia oriental”, com uma homenagem aos “gigantes” que nos doaram anos de
suor, luta, estudo, resistência, permitindo que hoje estejamos aqui, apoiados em suas
costas, mantendo viva a esperança. O legado dos sábios está animando hoje centenas
de jovens, verdadeiros protagonistas desse Seminário, testemunhando que ainda é
possível trilhar um futuro diferente!
Esses dias, que agregaram grupos, entidades, movimentos e pessoas tão diferentes na
produção de pensamento e na definição de possíveis ações em boa sintonia,
demonstraram que à base dessa luta não está simplesmente uma estratégia oportunista
na defesa de interesses individuais, mas uma profunda mística comunitária, uma forte
436
razão de viver. Não por acaso denominamos esse espaço “Território dom Tomás
Balduino”.
Para além das confissões religiosas ou do credo de cada um e cada uma, nos
reconhecemos na mística da resistência. Alguns militantes da comunidade de Piquiá de
Baixo, para expressar isso, adotaram o lema “Nossa agonia é o nosso triunfo”151:
apesar da dor e da demora para nossos sonhos se concretizarem, nós não cedemos, não
recuamos, não nos vendemos! Essa resistência é o que nos anima rumo a novas
conquistas. “Se ser coerente é um fracasso, então a incoerência é o caminho do
sucesso, a rota do poder. Porém nós não queremos ir nessa direção, não nos interessa.
Nesse sentido, preferimos fracassar que triunfar”152.
Nessa agonia grávida de vida, a resistência popular elegeu algumas estratégias
complementares de ação: inviabilizar os grandes projetos onde ainda não tiverem se
instalado; onerar suas atividades, através do devido pagamento de indenizações e
compensações, onde já estiverem funcionando; promover alternativas de vida e
produção em todos os territórios que pretendemos defender. Mesmo se em permanente
desproporção de forças, podemos afirmar com orgulho que, ao longo dos últimos anos,
as comunidades e articulações hoje aqui representadas cresceram em consciência,
amadureceram em suas lutas e se articularam mais entre elas.
Esse Seminário colhe alguns frutos de um longo trabalho e lança, sobretudo, muitas
novas sementes. Saímos daqui com a certeza que é possível reconstruir a utopia para
além desse modelo de desenvolvimento.
Negar esse desenvolvimento é defender nosso futuro.
Carajás e seus povos merecem, clamam e já inauguraram uma história diferente!
151
Bartolomeo Vanzetti, último discurso antes de morrer condenado à morte, Boston, Massachusets,
1927
152
Discurso de despedida do subcomandante Marcos, 25 de maio de 2014
437
8.3.22 Plenária Final
Participantes da mesa:
Horácio Antunes de Sant‟Ana Júnior
Ricarte Almeida Santos( Cáritas Brasileiras Brasil)
Pe Dário Bossi(JnT - Brasil)
Marina Maciel (UFMA)
Ilse Gomes (UFMA)
Coordenação: Zaira Sabry Azar (UFMA/MST)
Relatoria:Marlene de Jesus Gomes Costa
1)Horácio Antunes (UFMA)
O coordenador da mesa inicia o trabalho falando da importância da plenária
final. Sendo esta um balanço e reflexão do processo dos trabalhos desenvolvidos
durante todo o evento. Ressalta que o trabalho não seria possível sem as equipes
distribuídas nas várias funções do evento, tais como as comissões de relatoria,
comunicação, mídia eletrônica, arte, monitoria, secretaria, comissão de trabalhos nos
outros eventos Carajas 30 anos ocorridos nas cidades de Santa Inês, Marabá e
Imperatriz.
Ele também aproveitou a oportunidade de agradecer todos os povos, os
diversos grupos sócias pelas manifestações e apresentações artísticas, além dos
pesquisadores, dos amigos, visitantes, convidados nacionais e internacionais que se
fizeram presentes.
Segundo ele, O processo de organização do evento foi dividido em 13
comissões, através de trabalho voluntário. Participaram dos eventos 39 organizações,
dentre elas estão os prestadores de serviço, servidores da UFMA, pesquisadores,
responsáveis pela tradução simultânea, pessoal da mídia e etc.
O coordenador da mesa também quis deixar registrado sua indignação para
com a imprensa, que, para ele é uma mídia conservadora que censura, aprisiona, e faz
a ditadura do capital, impedindo a livre comunicação e circulação das informações.
Ainda se fez lembrar aos participantes do seminário que o Relatório integral
com as palestras e grupos de trabalhos estarão disponíveis nos anais do evento no final
do mês de junho e que este será disponibilizado no site do evento.
438
2) Marina Maciel/ Ilse Gomes (UFMA)
A equipe da relatoria inicia sua fala apresentando a síntese geral de todos os
trabalhos desenvolvidos durante o evento, dentre eles as mesas redondas e grupos de
trabalho. A coordenadora da equipe da relatoria aproveitou a oportunidade para
agradecer a todos os seus relatores ( 27 relatores) que fizeram as sínteses de 44
atividades, dentre elas 23 mesas redondas e 22 grupos de trabalho. A mesma destaca a
importância da referida comissão que teve como propósito avaliar criticamente os 30
anos de projeto Carajás.
No que se refere à síntese geral dos trabalhos, esta, segundo a coordenadora
condensa conteúdos de 14 eixos temáticos que foram abordados durante o evento.
Deste, fez-se a leitura apenas de três deles: os de Lutas Sociais e Resistência;
Mineração e Educação.
3) Pe Dário Bossi( JnT - Brasil)
Fez-se a leitura das propostas que já haviam sido acordadas no decorrer do
evento:
1. Carta aberta ao governo brasileiro dizendo que é livre a circulação do minério
e por isso a importância de participação do povo;
2. Apoio ao projeto de lei de iniciativa popular para a criação do território para a
pesca citado na última mesa redonda pelo pescador Beto da Comunidade do
Taim, na zona rural de São Luís;
3. Apoio coletivo para responsabilizar legalmente as empresas poluidoras da Ilha
de São Luís.
QUESTÕES LEVANTADAS:

Os sangues derramados no solo do Maranhão fez nascer novos guerreiros
lutadores que não aceitam essa “democracia” brasileira; suas lágrimas tem
regrado novos sonhos, uma nova esperança, um país melhor no futuro;

Desrespeito de certas legislações recentes no que tange o índio;

Sugestão de deixar site do evento no ar para para que os movimentos mostrem
suas ações em seus movimentos;

Carta de repúdio à ampliação da Vale (atividades e infraestrutura);
439

Fazer o mapeamento de localidades atingidas pelas ações da Vale que ainda
não se mobilizaram.
LEITURA DA CARTA
PROPOSIÇÕES

Exigências mais diretas à presidência da república, á justiça federa e às
demais instituições;

Dentro da carta deve haver uma forma mais popular, como por exemplo
desenhos e formas para que o povo possa se envolver mais; a universidades
deveriam contribuir nesse processo;

Inserir na discussão a exploração do trabalho e dos trabalhadores da Vale;

Protagonismo das mulheres na carta;

Plebiscito popular elaborado pelos movimentos sociais;

Formação de um comitê de educação das populações e comunidades
tradicionais;

Exaltar a democracia e a manifestação popular.
440
9. GRUPOS DE TRABALHO
441
9.1. GT 1 – Programa Grande Carajás, meios de comunicação, cultura e
política
Coordenador: Franklyn Douglas
Relator: Andressa Brito Vieira
Nº de participantes: Estiveram no GT 42 pessoas, contando expectadores,
palestrantes, uma monitora, uma relatora e um coordenador.
Nº de trabalhos inscritos e apresentados (individuais e coletivos):
Trabalhos Inscritos: 7 trabalhos
Trabalhos Apresentados: 7 trabalhos
Vinculação institucional dos autores:
Data: 07/05/2014
Horário: 8h30-12h
Local: Centro de Convenções - UFMA - Sala 02 - 1º Andar
O Grupo de Trabalho intitulado Programa Grande Carajás, Meios de
Comunicação, Cultura e Política iniciou-se às 09:05 com uma fala do coordenador,
apresentando os objetivos do GT e transmitindo as orientações, fez uma chamada para
saber quais apresentadores estavam presentes e em seguidas convocou a primeira
apresentação intitulado Postura da imprensa açailandense frente às manifestações
por reassentamento da comunidade Piquiá de Baixo (Açailândia-MA), no qual
apresentaram a situação da
comunidade Piquiá de Baixo
e a problemática do
reassentamento. Expuseram a metodologia apresentada como técnicas de reportagem,
visitas à comunidade, análises de relatórios e entrevistas com siderúrgicos, moradores,
defensores públicos, promotores e movimentos sociais. Em seguida, pontuaram o
histórico e localização da comunidade. Em seguida, pontuam sobre o comportamento
da imprensa local, observando tanto as noticias veiculadas na mídia tradicional, como
na alternativa como por exemplo o jornal paroquiano Nossa Voz, formulado por
jovens. Como resultados ressaltam o critério de noticiabilidade; mortes, e que muitas
442
vezes o discurso da impressa tradicional perpetua o discurso desse modelo de
desenvolvimento.
O segundo trabalho apresentado é intitulado O Discurso da Responsabilidade
Social da Vale e o Desenvolvimento (In) Sustentável, a apresentadora diz que este
trabalho é desdobramento da sua monografia e também de uma experiência pessoal
quando atuou no programa “Vale Alfabetizar” no municìpio de Rosário, o que foi
fundamental para que ela se questionasse em relação a muitos aspectos. Esta faz um
histórico sobre a constituição do discurso de Desenvolvimento Sustentável, o qual ela
considera como base para o discurso da Responsabilidade Social. Aponta a existência
do instituto ETHOS, e da participação da Vale neste. Coloca como a Vale se legitima
como empresa sustentável , através da sua participação em inúmeros institutos que
defendem o desenvolvimento sustentável e suas ideias derivadas como a própria
responsabilidade social. Para a apresentadora a empresa não investe nos programas e
sim no marketing. Existia nesse programa um pagamento de uma bolsa de R$ 270,00
para educadores que nem sempre tinham formação para desempenhar tais atividades, e
quando esta realizou entrevistas percebeu que a situação sócio econômica dos
moradores dessa localidade, fazia com que estes dependessem desse projeto, inclusive
sentindo saudades desse quando ele se findou, já que ganhavam essa bolsa. A
apresentadora, aponta ainda, que subestimando o saber das pessoas diziam que
utilizavam a metodologia pedagógica de Paulo Freire, no entanto, conservavam todas
as práticas autoritárias da metodologia pedagógica tradicional.
O terceiro trabalho apresentado foi Música Popular Maranhense e a
Questão da Identidade Cultural Regional, inicia o trabalho explicando a relação entre
a música e as questões de desenvolvimento, pontua então a relação entre os aspectos
culturais e políticos, dizendo que mesmo onde não se percebe poder politico e
econômico ele lá está. Pontua, os elementos anteriores que eram acionados para
associar ao Maranhão como, por exemplo, “Atenas Brasileiras”. Apresenta pontos de
vista e analises de alguns teóricos internacionais, nacionais e locais que tratam a
questão da cultura. Aponta que no ano 1970, existe a ideologia da integração nacional
e pontua o Laborarte como um grupo que surge com o intuito de utilizar novas
experiências artísticas e cultural popular, realizando vivências com comunidades
populares e, inclusive, com elaboração de peças contra a chegada do projeto. Cita o
exemplo do CD Bandeira de Aço, considerando que este inaugura uma nova estética
musical. Entretanto, nos anos 1980, observa-se uma aproximação da musica popular
443
maranhense e a indústria cultural e politica, citando o caso do surgimento da mirante
FM e CEMAR que estavam sob comando de um descendente da oligarquia.
O quarto trabalho apresentado é intitulado Roseana Sarney e Campanha
Política no Ano De 1998: um estudo sobre os processos ideológicos a partir do
jornal o estado do Maranhão, no qual as autoras buscaram identificar os recursos
ideológicos que foram mobilizados na Campanha de 1998 de Roseana Sarney. A
apresentadora disse que a metodologia utilizada foi a análise da coluna Cadernos de
politica do jornal O Estado do Maranhão no ano de 1998. Pontua qual conceito de
ideologia está utilizando e faz um histórico sobre a Ideologia do Desenvolvimento no
Brasil e Maranhão. Realça que esse processo ideológico utilizado pela Roseana Sarney
objetivam uma modalidade permanente de marketing politico anterior, durante e após
a campanha eleitoral, constituindo uma das variáveis pelas quais ela almeja
resignificar a imagem de seu grupo político.
O quinto trabalho apresentado é intitulado “A Piroca dos Metais”: o Projeto
Carajás nos versos satíricos de César Teixeira, o apresentador inicia pontuando quem
é César Teixeira e explicando sobre o Testamento de Judas escrito por esse artista
popular que servirá de base para sua apresentação. O apresentador aponta algumas
explicações sobre a tradição da confecção e malhação de Judas no Brasil apresentando
inclusive imagens e charges e alguns posicionamentos de autores sobre essa tradição.
Em seguida, apresenta os versos do Testamento de César Teixeira, intercalando-os a
dados sobre conflitos de terra e impunidade no julgamento dos crimes do campo.
Aponta que nos versos observa-se referências a Lei de Terras, a exploração das
grandes empresas Alumar e Vale ao território maranhense, etc. O sexto trabalho
apresentado é intitulado “Maranhão Novo” ao “Novo Tempo”: O programa Grande
Carajas (PGC) e o percurso ideológica, este faz parte do mesmo projeto de pesquisa
que originou o quarto trabalho explicitado acima, dessa forma os dois encontram-se
articulados na investigação de estratégia de dominação do grupo Sarney nos
momentos eleitorais implementados no ano de 1965 até 1998. Para tanto, resgata em
sua pesquisa os slogans Maranhao Novo e Novo Tempo, o primeiro utilizado por
Sarney , e o segundo por sua herdeira genética e politica Roseana Sarney, sendo que
estes se convergem em relação ao discurso do progresso, desenvolvimento, etc. O
trabalho teve como principal fonte de pesquisa os jornais Carajás, o Estado do
maranhão e panfletos de Campanha de Sarney em 1965. Realça que Sarney em 1965
já promete o crescimento do maranhão devido a descoberta do petróleo em Primeira
444
cruz e Barreirinhas, discurso que se repete 50 anos depois em torno da refinaria
Premium da Petrobrás.
O sétimo trabalho intitulado PGC ontem e hoje pontuou as questões sobre a
implantação do projeto Grande Carajás principalmente abordando a região do Pará e
em seguida pontua se existe uma retomada do Projeto Grande Carajás ou um existe um
Novo Projeto Carajás? Observando a ampliação através do projeto Ferro Carajás
S11D. Que tem financiamento publico através do BNDES.
DEBATES
Após a apresentação, iniciaram-se os debates e sugeriram que os
apresentadores sentassem a frente, para responder aos questionamentos. O debate teve
seis participações, sendo estas de acadêmicos; e integrantes e lideranças de
movimentos sociais. As questões estiveram situadas em dois grandes eixos 1) Qual a
saída para enfrentar a implantação desses projetos; e 2) Como deixar claro à população
quem ambos os campos políticos do Maranhão se encontram na mesma estratégia de
desenvolvimento produzida pelo Governo Federal. Antes de passar a fala para os
apresentadores responderem seus questionamentos, o coordenador realizou uma
síntese dos trabalhos, fazendo pontuações interessantes.
PROPOSTAS E RECOMENDAÇÕES
Pode-se retirar da fala de uma das participantes do GT a necessidade de
acionar organismos internacionais que possam auxiliar na construção da resistência
dos movimentos populares a esses projetos.
O grupo de Trabalho teve uma participação considerável e contou com
trabalhos bastante ricos e interessantes, que embora trabalhassem aspectos diferentes
convergiram na explicitação e desmonte do discurso de dominação desenvolvido pelos
grupos políticos e econômicos que influem em aspectos econômicos, ideológicos e
políticos e midiático. Observou-se também, a importância dos movimentos sociais
utilizarem a mídia e as artes como ferramentas
no processo de resistência. Os
trabalhos foram concluídos às 12:40.
445
9.1.1. Postura da imprensa açailandense frente às manifestações por
reassentamento da comunidade Piquiá de Baixo - (AçailândiaMA) - Francisca Daniela dos Santos Souza; Idayane da Silva
Ferreira; Lanna Luiza Silva Bezer
RESUMO - Este relato é recorte de uma grandereportagem desenvolvida no Curso de
Comunicação Social/Jornalismo da UFMA/CCSST, em julho de 2013. Foram
utilizados recursos metodológicos da disciplina Técnicas de Reportagem, além
depesquisas em jornal impresso (Nossa Voz), televisivo (Bom Dia Mirante) e blogs
açailandenses; análise de dados dos relatórios da Federação Internacional dos Direitos
Humanos (FIDH, 2011) e da plataforma brasileira de Direitos Humanos Econômicos,
Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCA-2013); entrevistas com as partes (empresas
siderúrgicas, moradores, Defensoria Pública, promotores do Ministério Público e
movimentos sociais); bibliografias estudadas durante o Curso e acompanhamento das
manifestações por reassentamento da comunidade de Piquiá de Baixo. A proposta do
resumo é compreender a postura adotada pela imprensa açailandense perante as
denúncias de violações de direitos cometidos pelas siderúrgicas instaladas na
comunidade de Piquiá de Baixo.Em sete anos de organização rumo ao reassentamento,
somente nos últimos dois a comunidade passou a ser pautada pelos meios de
comunicação local. Como em geral ocorre na imprensa brasileira, as poucas matérias
produzidas em Açailândia e que foram ao ar se referiram à comunidade de Piquiá de
Baixo como famìlias que desejam morar longe do “Distrito Industrial” do municìpio,
perpetuando o discurso da necessidade desse “modelo de desenvolvimento”, limitando
a crítica aos impactos por ele provocados.
Pequiá é a sigla de Pólo Eletroquìmico de Açailândia. Piquiá, com „i‟, dá nome
a árvore e ao fruto esférico de polpa amarela e cheiro forte característico e também a
uma comunidade localizada na parte sul do Maranhão, no Município de Açailândia.
Piquiá de Baixo já foi tema de documentários, peças teatrais, exposições fotográficas,
grandes reportagens veiculadas nacional e internacionalmente, relatórios científicos e
socioambientais, e mais recentemente (janeiro de 2014) um hot site foi criado com o
intuito de dá visibilidade e voz aos moradores da comunidade. No entanto, a imprensa
açailandense ignora os desastres socioambientais e violações de direitos que lá
ocorrem.
A comunidade de mais de 300 famílias tornou-se exemplo nacional do descaso
ambiental e infrações de direitos humanos. Vivendo diariamente com o acumulo pó de
ferro, o barulho ensurdecedor das termelétricas e do trem, as rachaduras na
infraestrutura das casas, isso para citar apenas o que é claramente visível e audível em
uma simples visita a Piquiá de Baixo. Devido aos problemas vivenciados na
comunidade, os moradores reivindicam o reassentamento.
446
Este artigo é recorte de uma grandereportagem desenvolvida no Curso de
Comunicação Social/Jornalismo da Universidade Federal Maranhão do Centro de
Ciências Saúde Tecnologia, em julho de 2013. Tem como proposta compreender a
postura adotada pela imprensa açailandense perante o processo de reassentamento da
comunidade de Piquiá de Baixo.
Para tanto foram utilizados recursos metodológicos da disciplina Técnicas de
Reportagem, além depesquisas em jornal impresso (Nossa Voz e jornal do MaranhãoAçailândia), televisivo (Jornal da Mirante 1° e 2° edição) e blogs açailandenses;
análise de dados dos relatórios da Federação Internacional dos Direitos Humanos
(FIDH, 2011) e da plataforma brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais,
Culturais e Ambientais (DHESCA-2013); as técnicas de apuração aprendidas na
disciplina; entrevistas com as partes (empresas siderúrgicas, moradores, Defensoria
Pública, promotores do Ministério Público e movimentos sociais); bibliografias
estudadas durante o Curso e acompanhamento das manifestações por reassentamento
da comunidade de Piquiá de Baixo ocorridas durante a construção da reportagem.
Procurou-se conversar com representantes das cinco siderúrgicas e da Vale
S.A., para ouvi-los sobre as responsabilidades diante da remoção da comunidade. No
entanto, nenhum deles se pronunciou, alegando que em Açailândia (MA) não havia
representante habilitado a responder sobre essas questões.
Retrato da comunidade
Piquiá de Baixo é distrito industrial do município de Açailândia. Há 26 anos
padece de desastre socioambiental causado pela instalação das cinco siderúrgicas, que
fazem parte da cadeia mineradora do Programa Grande Carajás.
As palavras da moradora Luzinete Campelo demonstram uma situação vivida
por todos da comunidade: “Aqui é o seguinte, você vive porque Deus dá permissão,
aqui ninguém tem alívio. À noite você está dormindo e cai pó em cima de você, como
se fosse uma terra. Não tem pulmão que aguente filtrar toda essa poluição, entra ano e
sai ano, não tem como não adoecer.”153
Há sete anos a comunidade decidiu apelar às autoridades e recorrer à proteção
da justiça pedindo reassentamento longe das siderúrgicas. Os relatórios da FIDH
153
Entrevista concedida por Luzinete Campelo em maio de 2013
447
(2011) e da plataforma brasileira DHESCA (2013) identificaram violação no direito à
saúde e moradia.
Os resíduos sólidos, oriundos das siderúrgicas,são jogados no rio, nos quintais
e próximo às casas dos moradores, provocando graves acidentes. Um dos registros
feito no relatório da FIDH é o caso do menino Gicivaldo Oliveira de Souza, de sete
anos, que na procura de pedaços de carvão para esquentar a comida em casa se
acidentou em um monte de munha (resíduos de ferro incandescente). O amontoado
amoleceu e as pernas da criança afundaram causando queimaduras e cozimento até a
bacia, depois de vinte dias, Gicivaldo morreu.
Na comunidade se concentra 15 altos fornos das siderúrgicas que trabalham em
capacidade máxima, transformando o minério de ferro bruto retirado das minas de
Carajás, em ferro-gusa, transportada até o Porto da Ponta da Madeira, em São Luís,
seguindo para o mercado internacional.
O processo de negociação entre os atores responsáveis (siderúrgicas, empresa
Vale S.A., Prefeitura Municipal de Açailândia e o Governo do Estado) iniciou-se no
intuito de remover as famílias para fora desse distrito industrial. Em maio de 2013, a
comunidade conseguiu um terreno de 38 hectares para o reassentamento, por meio de
desapropriação por interesse social solicitada pelo Ministério Público.
No entanto, a remoção não ocorreu por conta de entraves: O proprietário do
local recorreu judicialmente questionando o valor da indenização pela desapropriação.
Foram realizadas novas perícias no terreno e um processo judicial estará em breve
solucionando esse impasse entre Prefeitura e proprietário. Na época faltava o dinheiro
por parte das empresas e o aval da Caixa Econômica para a construção das casas.
Três manifestações foram realizadas pela comunidade que com isso obteve o
restante do dinheiro para o início das construções das casas. Porém, falta a aprovação
do projeto urbanístico e habitacional (apresentado pela assessoria técnica contratada
pela Associação Comunitária dos Moradores do Piquiá) que deve ser avaliado e
assinado pela Prefeitura de Açailândia para a construção do novo bairro.
Descrição da imprensa açailandense
A imprensa açailandense é composta por blogs, programas radiojornalísticos,
televisivos (Difusora, Mirante e Record, filiais respectivamente do SBT, Rede Globo e
Record) e impressos. Geralmente, os profissionais de comunicação do município
448
trabalham em mais de uma dessas plataformas midiáticas ocupando cargos distintos,
fato que dá as notícias um caráter de homogeneidade, uma vez que a abordagem sobre
os acontecimentos nos mais variados veículos de comunicação é a mesma. Conforme
o quadro:
Quadro1- Mapeamento da imprensa açailandense e seus dirigentes (2013)
Rádio
FM 98,1 Mhz rádio Clube de Açailândia Ltda
FM 101,9 Mhz rádio Marconi FM Ltda
Canais de TV
RTV Canal 8 Rádio e TV NorteSul Ltda.
RTV Canal 11 Sistel Sistema de Televisão Ltda.
Impresso
Jornal do Maranhão
Nossa Voz
Boletim do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos
Humanos de Açailândia/Carmen Bascaran
(CDVDH/CB)
Webjornalismo
Blog notícias de Açailândia e Blog Açailândia de
fato
Blog Wilton Lima
Blog do Jasiel Alves
Descrição
Wilton Lima é diretor institucional da rádio.
Possui um programa radiojornalístico onde os
ouvintes fazem reclamações ou pedem algum
tipo de auxílio. Pouco se discute a situação da
cidade e, quando é comentado, é de forma
superficial.
Marconi FM não tem radiojornalismo, mas
possui em sua programação diária uma hora
para a Igreja Católica. Além do evangelho,
fazem reflexões sociais para a população
açailandense (ex: população de Piquiá de
Baixo, questões sociais, reclamações ao setor
administrativo da cidade).
Descrição
Filial do SBT; os repórteres são também
radialistas.
Filial Rede Record; tem pouca audiência da
população açailandense.
Descrição
Domingos César Júnior (César Júnior), Filho do
Ex Vereador de Açailândia, Domingos César.
Único jornal impresso com fundos comerciais.
Impresso alternativo bimestral, construído
juntamente com os jovens católicos da Paróquia
Santa Luzia localizada em Piquiá.
Impresso bimestral e alternativo que evidência
o lado da população e não somente das
autoridades.
Descrição
A página é a mesma. Esses blogs carregam o
nome de Açailândia, mas não tem a
identificação dos/as dirigentes da página. O
blog é uma miscelânea: entretenimento,
notícias do Brasil e do mundo. Matérias sobre a
cidade de Açailândia são poucas.
O dirigente do blog é um dos diretores
institucionais da rádio Clube FM. Âncora TV
Difusora. Trabalhou na câmera municipal.
Assessor de imprensa da prefeita de Açailândia,
Gleide Santos.
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Blog do Maicon Sousa
Blog Gilberto Freire
Blog do Nilton Cesar
Blog Célia Fontinele
Portal Veras
Blog amarcosnoticias
Blog Eduardo Hirata
Não identificado pelas suas páginas nas redes
sociais e perfil do blog.
Gilberto Freire é repórter da TV Difusora
(SBT)
Nilton Cesar é diretor da TV Cidade canal 5
(filial da Band) desde setembro de 2013.
Apresenta, na mesma emissora, o programa
“Nas garras da polìcia”.
Célia Fontinele é editora-chefe do JMTV 1° e
2° edição (TV Mirante, filial da Rede Globo).
Além de âncora e repórter.
Veras é repórter da TV Mirante (filial da Rede
Globo), o seu blog é uma mistura de
entretenimento e notícias.
Perfil não identificado pelas redes sociais e
blog.
Militante e coordenador em prol da Defesa dos
Direitos Humanos e da Criança e Adolescentes.
Blog alternativo.
Manifestações por reassentamento e postura da imprensa local
No segundo semestre de 2013 ocorreram três grandes manifestações populares
em Açailândia que mobilizaram a imprensa local. A primeira, em julho, teve como
objetivo pressionar a prefeitura a assinar o projeto urbanístico e habitacional do novo
bairro, entregue à prefeita Gleide Santos em maio do mesmo ano; na ocasião ela não
estava presente e, durante manifestação em frente a prefeitura e interdição da BR por
duas horas, a promotoria pública, em nome do promotor de justiça Leonardo
Tupinambá, redigiu oficio cobrando a análise do projeto, mas o procurador do
municipio alegou não ter nenhum engenheiro habilitado para fazer a avaliação. Essa
mobilização repercutiu na Rádio Clube FM com um link ao vivo onde a apresentadora
conversou com alguns moradores de Piquiá de Baixo, evidenciando o lado da
comunidade.
A segunda manifestação, em agosto, teve como finalidade discutir e trocar
experiências com os moradores de Santa Cruz (RJ). A comunidade da zona oeste do
Rio de Janeiro está localizada próxima ao parque siderúrgico ThyssenKrupp
Companhia Siderúrgica do Atlântico (TKCSA), atuante desde 2010. É um
empreendimento privado da América Latina,considerado um dos maiores complexo
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siderúrgico do setor produtivo, com produção anual prevista de 5 milhões de toneladas
de aço para a exportação.
De acordo com o relatório dos pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz
(FIOCRUZ), em 2010 o investimento na fábrica chegava a cerca de US$ 8,2 bilhões.
Esses investimentos são resultando da parceria entre a ThyssenKrupp Steel, maior
produtora de aço da Alemanha e principal acionista (73,13%) e a Vale, maior
produtora de minério de ferro do mundo, que participa com 26,87%.
Como resultado da exploração do minério de ferro o relatório aponta as
violações socioambientais:
[...] a poluição hídrica e atmosférica, a ameaça de destruição de 10 mil
hectares de manguezais em área com espécies em extinção, como o mero e
o peixe-boi, o deslocamento compulsório de mais de 14 mil pessoas,
inclusive moradores de povoados centenários, a ampliação da violência
urbana e saturação dos serviços e equipamentos disponíveis no município
(FIOCRUZ, 2010).
Ressaltando que no caso de Santa Cruz, a “TKCSA foi instalada em área que já
possuía diversas comunidades de baixa renda, inclusive com habitações contíguas ao
complexo siderúrgico e que lá permaneceram após o inìcio do empreendimento”
(FIOCRUZ, 2010). No começo da construção da fábrica (2004) e da produção do
minério de ferro, iniciada em junho de 2010, surgiram os primeiros problemas
trabalhistas e ambientais: trabalhadores que não tiveram contrato assinado, operários
subcontratados em condições degradantes de serviço; destruição do manguezal da Baía
de Sepetiba, um dos pontos turísticos do Rio de Janeiro, devastado pela circulação
constante de navios, reduzindo assim a pesca artesanal; aparecimento de problemas de
saúde em moradores da comunidade devido à emissão diária de poluentes como ferro,
maganês e elementos químicos.
A comunidade inicia em 2005 a mobilização popular: o Ministério público é
acionado e novos estudos são feitos na área para documentar os desastres em Santa
Cruz. Atualmente, a fábrica da TKCSA continua instalada na comunidade e os
movimentos sociais, instituições e ONGs em defesa dos direitos humanos,
permanecem organizados contra a empresa, em busca de indenização pelos danos
causados.
Os problemas socioambientais ocorridos em Santa Cruz (RJ) se assemelham
aos da comunidade de Piquiá de Baixo, por isso, em três dias essas comunidades
discutiram estratégias de luta e mais uma manifestação em prol do reassentamento de
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Piquiá de Baixo foi realizada na câmera municipal. Na oportunidade, estiveram
presentes os pesquisadores da FIOCRUZ, do Instituto de Políticas Alternativas para o
Cone Sul, defensores de direitos humanos da ONG Justiça Global e da Relatoria para
o Direito ao Meio Ambiente da plataforma DHESCA. A terceira manifestação
ocorreu em setembro, com a finalidade de pressionar a prefeitura para agilizar o
processo de reassentamento.
Geralmente, a imprensa açailandense ante as manifestações tiveram um postura
de resvelo. Os blogs da cidade não pautaram o intercâmbio entre as duas comunidades
impactadas. Porém, uma semana após a primeira manifestação do semestre (julho de
2013), Jasiel Alves deu ênfase para o ato de reinauguração do Centro de Referência
em Atendimento ao Idoso (CRAI) realizado pela prefeitura na comunidade.
Intituladas de “Ações Sociais melhoram a qualidade de vida da população
mais carente do Distrito Industrial de Pequiá” e “Prefeita Gleide Santos reabre o
hospital do Piquiá e entrega para o povo o projeto „Famìlia resgate‟ e o „Restaurante
do idoso José e Maria‟ (CRAI)”, foram postadas com uma série de fotografias da
inauguração que contou com a presença da prefeita Gleide Santos. Destaque da
cobertura para os beneficios que essa reinauguração traria a comunidade, a mesma
informação circulou na TV Difusora e na Rádio Clube FM. No blog segue o
depoimento de uma dos convidados a reinauguração do hospital:
Para o Dr.Denison Gigante, a intenção é que o Hospital do Piquiá seja um
hospital de resolução Imediata para toda a população. Ele disse que
tem confiança na equipe médica e agradeceu bastante a prefeita Gleide
Santos por devolver para o povo mais esse Investimento que certamente
melhorará o atendimento da população do Piquiá, que esperava há décadas
por esse Hospital.154
No mês de setembro (2013), no número 24 do jornal impresso Nossa Voz,
publicação da Paróquia Santa Luzia realizada em colaboração com jovens da
comunidade de Piquiá, a matéria com título “Campanha Piquiá quer viver”, descreveu
um pouco da comunidade e dos impactos enfrentados diariamente pelos moradores,
desmistificando que as ações desenvolvidas pela prefeitura municipal melhoraram a
situação de Piquiá de Baixo, como descrito pelo blogueiro Jasiel Alves, rádio Clube
FM e pela TV Difusora.
154Destaque
da página de Jasiel Alves; disponível em <http://www.jazielalves.com.br> em
2013
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A “resolução Imediata” descrita pelo assessor de imprensa da prefeita não
aconteceu, pois a matéria que saiu no jornal Nossa Voz, semanas depois, trazia o
seguinte apelo escrito em mais cinco idiomas:
Pedimos sua ajuda: envie o texto para a Prefeita de Açailândia e para
o Governo do Estado do Maranhão. Chega de poluição matando os 1.100
moradores de Piquiá de Baixo, chega de desculpas para atrasar o
reassentamento deles!155
O Jornal do Maranhão, o único impresso com finalidade comercial e que
possui grande influência dentro da cidade, é composto pelos cadernos: Editorial;
Policial, Cidade, Esportivo, Coluna, e mais seis páginas destinadas à coluna social,
como cobertura de festas e eventos de patrocinadores ou pessoas ligadas ao impresso.
O jornal é semanal e circula desde os anos 1990, quando tinha por nome Açaifolha.
Sua criação foi iniciativa de um ex vereador do municipio
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