107 Gráficos 5 Gráficos 5.1 Introdução Dada uma função real de variável real16 f , o gráfico desta função é o conjunto de pontos ( x, y ) , onde x pertence ao domínio da função e y = f (x ) , ou seja, G = {(x, y ) : x ∈ D f ∧ y = f (x )}. A representação gráfica da função f produzida por uma calculadora gráfica corresponde a um conjunto de pontos ( xi , f (xi )) , i = 0,1..., n . Como o conjunto G é infinito, o gráfico da função f não poderá ser completamente representado no ecrã da calculadora. Assim, em determinados casos, poderá não ser possível encontrar uma representação computacional do gráfico da função que permita analisar o seu comportamento global. Isto acontece, por exemplo, quando o domínio ou o contradomínio da função são conjuntos não limitados de números reais. Se considerarmos, por exemplo, uma função f real de variável real, contínua num intervalo [a, b] , então o gráfico de f é uma curva contínua que deveria ser traçada “sem levantar o lápis do papel”. No entanto, esta “curva” 16 As máquinas Texas Instruments TI – 92 e Casio ClassPad 300 permitem a representação de funções de duas variáveis reais. No entanto, este assunto não será abordado uma vez que não faz parte do programa do Ensino Secundário. Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 108 Gráficos traçada numa calculadora gráfica é na realidade um conjunto finito de pontos que muitas vezes poderá ser uma representação pouco fiável da curva verdadeira. A selecção do conjunto de pontos (xi , f (xi )) desempenha por conseguinte um papel essencial no estudo da função. 5.2 Representação gráfica de funções Quer nos computadores quer nas calculadoras gráficas, os gráficos das funções são representados num rectângulo ou janela de visualização. Se escolhermos as variações de x de X min = a até X max = b e os valores de y de Ymin = c até Ymax = d , então a parte do gráfico que está no rectângulo é [a, b]× [c, d ] = {(x, y ) : a ≤ x ≤ b, c ≤ y ≤ d } . A definição do rectângulo de visualização é um aspecto fundamental na obtenção da representação gráfica de uma função. Um conhecimento prévio das características da função permite escolher o rectângulo de visualização mais apropriado. Se a janela não for adequada, pode não ser possível detectar descontinuidades da função, pontos de intersecção com os eixos coordenados, extremos da função, variação da função, etc. A visualização gráfica das principais propriedades de uma função exige normalmente que se observe mais do que uma representação gráfica da função, o que corresponde a definir várias janelas de visualização na calculadora. Em casos mais complicados, mesmo com a definição de diversas janelas, este objectivo pode não ser possível. Vejamos as características principais de cada uma das máquinas utilizadas neste estudo no que se refere à representação gráfica de funções. Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 109 Gráficos 5.2.1 Texas Instruments TI – 83 Plus Nesta máquina, a janela de visualização é a parte do plano de coordenadas definidas por X min , X max , Ymin e Ymax ([67]). A distância entre as marcas é definida por Xscl (escala de X) no eixo dos xx e Yscl (escala de Y) no eixo dos yy . A opção Xres define a resolução de pixels17 (de 1 a 8) apenas para gráficos de funções. A predefinição é 1. Esta calculadora possui 95 pixels “horizontais” por 63 pixels “verticais”, num total de 5985 pixels. Em Xres = 1 , a função é calculada em cada pixel no eixo dos xx . Em Xres = 8 , as funções são calculadas e traçadas de oito em oito pixels ao longo do eixo dos xx , ou seja, são calculados somente 12 pontos pertencentes ao gráfico e portanto a precisão é muito menor. É claro que quantos mais pixels tiver o écran, melhor será a sua resolução e apresentação gráfica. As variáveis ∆X e ∆Y 18 definem a distância do centro de um pixel ao centro de qualquer pixel adjacente num gráfico (precisão do gráfico). ∆X e ∆Y são calculados a partir dos valores de X min , X max , Ymin e Ymax no momento da visualização do gráfico. Dado o rectângulo de visualização do [X min , X max ]× [Ymin , Ymax ], a máquina calcula ∆X = X max − X min 94 e ∆Y = Ymax − Ymin . Nestas condições, o gráfico de 62 uma função será um subconjunto dos pontos (xi , y j ) tal que xi = X min + i∆X , com i = 0,1,...,94 e y j = Ymin + j∆Y , com j = 0,1,...,62 . Nesta máquina, o gráfico de uma função terá no máximo 95 pontos. Uma das principais limitações da calculadora gráfica é que o que é visualizado no écran está condicionado pela janela de visualização que é definida. Assim, o que poderia ser uma das grandes vantagens da calculadora gráfica – fornecer uma ideia global do comportamento de uma função – nem sempre é conseguido. 17 18 A palavra pixel é a contracção das palavras Picture Element, ou seja, elemento de imagem. Itens 8 e 9 no menu secundário VARS(1:Window) X/Y. Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 110 Gráficos Para representar o gráfico de uma função f , para cada valor de xi , a máquina calcula a imagem correspondente f ( xi ) . Os pontos representados no ecrã são aqueles cuja ordenada está dentro dos limites do intervalo [Ymin , Ymax ] . No caso de f ( xi ) não coincidir com nenhum dos valores y j , a calculadora escolhe o valor mais próximo com um erro inferior a ∆Y (o que faz com que algumas zonas da representação do gráfico sejam visualizadas como segmentos de recta horizontais). Se a calculadora estiver a trabalhar em Mode Dot apenas os pixels correspondentes aos pontos ( xi , f ( xi )) são “acesos”; se estiver a trabalhar em Mode Connected a calculadora “une os pontos através de segmentos de recta” e, neste caso, “acende” mais pixels para efectuar essa ligação (o que pode fazer com que algumas zonas do gráfico sejam visualizadas como segmentos de recta verticais). Vejamos um exemplo. Exemplo 1 Seja f a função real de variável real definida por f (x ) = x 2 . Consideremos o rectângulo de visualização [− 4.7,4.7]× [− 3.1,3.1] . Então ∆X = 0.1 e ∆Y = 0.1 e o conjunto de pontos (xi , y j ) disponível para representar o gráfico da função f é tal que xi = −4.7 + 0.1i , com i = 0,1,...,94 e y j = −3.1 + 0.1 j , com j = 0,1,...,62 . Na tabela 5.1 encontram-se alguns dos 95 × 63 = 5985 pontos que a máquina disponibiliza para o gráfico da função f . Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 111 Gráficos xi = −4.7 + 0.1i y j = −3.1 + 0.1 j (x , y ) i = 0, j = 0 x0 = −4.7 y 0 = −3.1 (− 4.7,−3.1) i = 1, j = 0 x1 = −4.6 y 0 = −3.1 (− 4.6,−3.1) i = 2, j = 0 x 2 = −4.5 y 0 = −3.1 (− 4.5,−3.1) ... ... ... ... i = 94, j = 0 x94 = 4.7 y 0 = −3.1 (4.7,−3.1) i = 0, j = 1 x0 = −4.7 y1 = −3.0 i = 1, j = 1 x1 = −4.6 y1 = −3.0 i = 2, j = 1 x 2 = −4.5 y1 = −3.0 (− 4.7,−3.0) (− 4.6,−3.0) (− 4.5,−3.0) ... ... ... ... i = 94, j = 1 x94 = 4.7 y1 = −3.0 (4.7,−3.0) ... ... ... ... i = 94, j = 62 x94 = 4.7 y 62 = 3.1 (4.7,3.0) i j Tabela 5.1 Neste caso, a máquina calcula as imagens de xi = −4.7 + 0.1i , com i = 0,1,...,94 e marca os pontos desde que a ordenada seja tal que − 3.1 ≤ f (xi ) ≤ 3.1 , ou seja, a máquina considera apenas − 1.7 ≤ xi ≤ 1.7 uma vez que 0 ≤ f ( xi ) ≤ 2.89 , como podemos observar nas tabelas seguintes: Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 112 Gráficos Assim, a máquina só irá marcar correctamente os pontos (− 1,1) , (0,0 ) e (1,1) . Todos os outros 32 pontos terão de ser aproximados. Vejamos o gráfico da função obtido no modo Connected e no modo Dot (foram excluídos os eixos): Fig. 5.1 – Gráfico de f no modo Connected Fig. 5.2 – Gráfico de f no modo Dot Após uma análise atenta destes dois gráficos podemos verificar que: • os pontos de abcissa xi − 0.2,−0.1,0,0.1 e 0.2 têm todos ordenada igual a zero (uma vez que o valor de y j mais próximo é zero; para x = ±0.3 , cuja imagem é 0.09 o valor de y j mais próximo já é 0.1), por conseguinte, a representação gráfica desta função sugere que f é constante para − 0 .2 ≤ x ≤ 0 .2 ; • a utilização do modo Connected, para criar a ilusão da função ser contínua, leva à existência de segmentos de recta verticais e portanto, o gráfico deixa de representar uma função. • a janela utilizada não é a mais adequada uma vez que utiliza somente 35 dos 95 pontos disponíveis. Considerando a janela de visualização (obtida utilizando o ZoomFit – definiremos posteriormente esta janela) Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 113 Gráficos obtemos, no modo Dot, o seguinte gráfico: Fig. 5.3 – Gráfico de f no modo Dot Com esta janela já são utilizados os 95 pontos disponíveis. ‡ Esta calculadora possui alguns rectângulos de visualização pré-definidos que são seleccionados no menu ZOOM: - ZDecimal (gráfico com a mesma escala nos dois eixos, isto é, monométrico) Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 114 Gráficos - ZTrig (janela trigonométrica – modo radianos, é adequada para as funções trigonométricas) - ZStandard - ZSquare (altera uma janela existente numa outra com a mesma escala nos dois eixos). No menu ZOOM existem ainda dois outros comandos: o comando ZoomStat e o comando ZoomFit. O primeiro, com interesse para a estatística, define uma janela adequada aos dados introduzidos e o segundo, com interesse para as funções, define uma janela ajustada à função em estudo. Normalmente a janela de visualização obtida com o ZoomFit é a mais adequada (como vimos no exemplo anterior); no entanto, este Zoom nem sempre nos dá a janela mais apropriada para termos uma ideia das características da função (ver exemplo 3). Em qualquer dos casos, observa-se que estes permitem definir janelas diferentes para dados ou funções diferentes. Já no caso dos comandos anteriores, cada um define sempre a mesma janela de visualização, independentemente dos dados ou funções consideradas. Vejamos o exemplo do gráfico de uma função nos zoom’s mais usuais. Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 115 Gráficos Exemplo 2 Seja f a função real de variável real definida por f ( x ) = ln x, com x ∈ ℜ + . Fig. 5.4 – Gráfico de f no ZDecimal Fig. 5.6 – Gráfico de Fig. 5.5 – Gráfico de f f no ZoomFit no ZStandard Neste caso ambos os gráficos das figuras 5.4 e 5.5 são mais satisfatórios do que o gráfico da figura 5.6. ‡ Exemplo 3 Consideremos a função quadrática definida por g ( x ) = 1 2 x + 1 , cujo 2 gráfico é uma parábola de vértice V (0,1) . Fig. 5.7 – Gráfico de f no ZDecimal Fig. 5.8 – Gráfico de f no ZStandard Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 116 Gráficos Fig. 5.9 – Gráfico de f no ZoomFit O gráfico da figura 5.9 sugere, por exemplo, que o vértice da parábola é a origem do referencial. Por conseguinte, a janela definida pelo ZoomFit, não é a mais indicada para ilustrar o gráfico da função g .‡ 5.2.2 Casio CFX – 9850 GB Plus As características desta máquina são muito semelhantes à da Texas TI – 83. De facto, esta máquina também possui rectângulos de visualização, designados por “View Window”, onde surgem X min valor mínimo, X max valor máximo e X scale incremento do eixo dos xx (análogo para o eixo dos yy ). Os rectângulos de visualização pré-definidos desta calculadora são: - INIT: inicial (gráfico monométrico) - TRIG: trigonométrico (modo em radianos) Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 117 Gráficos - STD: standard Nesta calculadora é também possível escolher a configuração (em Draw Type) do gráfico: connect (os pontos são “ligados”) e plot (os pontos não são “ligados”). Esta calculadora possui 127 por 63 pixels (num total de 8001 pixels, ou seja, mais 2016 pixels que a Texas TI – 83). Analogamente à Texas TI – 83, é também possível definir uma janela que utiliza o maior número de pontos (neste caso 127), através dos comandos Zoom Auto. 5.3 Limitações da calculadora gráfica Existem diversas situações em que os gráficos na calculadora poderão levar a vários enganos. Nesta secção pretendem-se ilustrar algumas das limitações que devemos ter em conta quando recorremos às capacidades gráficas das calculadoras. É muito importante que quer o professor quer o aluno tenham consciência deste facto, para que não tirem conclusões erróneas. Como refere M. Consciência ([12]), a principal limitação da calculadora ao construir a representação do gráfico de uma função prende-se com a resolução do écran, uma vez que se passa de uma “aritmética contínua” para uma aritmética discreta” e, portanto, não se sabe qual o comportamento da função para os valores de x entre dois pixels consecutivos. Esta limitação faz com que se possam visualizar representações do gráfico bastante distintas para uma mesma função. Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 118 Gráficos Vejamos alguns exemplos. Exemplo 1 Consideremos a função f ( x) = x 3 − 12 x 2 + 46 x − 42 ([64] p. 31), cuja representação gráfica, com o rectângulo de visualização ZDecimal é (gráfico obtido na Texas TI – 83): Fig. 5.10 – Gráfico de f no ZDecimal Utilizando o ZoomFit obtemos o seguinte gráfico: Fig. 5.11 – Gráfico de f no ZoomFit Certamente estes não são os rectângulos de visualização mais adequados. Para encontrar o rectângulo de visualização que permite um melhor conhecimento da função é necessário conhecer a imagem de alguns objectos da função. Por exemplo, se definirmos que − 3 ≤ x ≤ 10 , entre que valores varia y ? Para isso recorremos à opção Table que permite determinar o valor da função para determinados objectos: Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 119 Gráficos E portanto, podemos concluir que − 315 ≤ y ≤ 218 . Assim sendo podemos utilizar, por exemplo, o rectângulo de visualização [− 3,10]× [− 200,150] : Fig. 5.12 – Gráfico de f em [− 3,10]× [− 200,150] Por comparação com os gráficos das figuras 5.10 e 5.11, o gráfico obtido agora com esta janela de visualização dá-nos uma ideia melhor do comportamento global da função; é curioso observar que um destes gráficos se aproxima de uma recta vertical (figura 5.10) enquanto que o gráfico da figura 5.12, por exemplo, sugere que para 2.2 < x < 5.9 , o gráfico é horizontal. Estas duas situações surgem pelas razões já apontadas no exemplo 1 da secção 5.2.1. ‡ No exemplo anterior foi possível encontrar um rectângulo de visualização que permite ter uma ideia do comportamento global da função. No entanto isto nem sempre é possível, como ilustra o exemplo seguinte. Exemplo 2 Como representar graficamente a função polinomial do terceiro grau que tem raízes x = 0 , x = 1 e x = 300 , em que o coeficiente do termo de grau 3 é Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 120 Gráficos igual a 1? ([64] p. 20) Por outras palavras, como representar graficamente a função f ( x) = x(x − 1)( x − 300 ) ? Apresentam-se a seguir os gráficos obtidos na Casio CFX – 9850: Fig. 5.13 - Gráfico de f na janela STD Fig. 5.15 - Gráfico de Em nenhuma destas Fig. 5.14 - Gráfico de f janelas f na janela INIT na janela Zoom Auto foi possível ter uma ideia do comportamento global da função. De facto, uma vez que esta função possui os três zeros “muito afastados”, não é possível obter uma representação gráfica que inclua simultaneamente os zeros; para captar no gráfico os três zeros de f , tem de ser X min ≤ 0 e X max ≥ 300 e portanto o espaçamento entre os pontos é ∆X ≥ 300 ≈ 2.362 > 2 . Então, neste caso, não é possível representar 127 simultaneamente os zeros x = 0 e x = 1 , como podemos constatar no gráfico da figura 5.16. Fig. 5.16 - Gráfico de f na janela [− 100,350]× [− 4 × 10 6 ,6 × 10 6 ] Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 121 Gráficos Este gráfico que parece permitir ter uma ideia do comportamento global da função no que diz respeito aos extremos, leva-nos a uma conclusão errada: o zero é um máximo relativo. Fig. 5.17 - Gráfico de f em [− 1,2]× [− 10,100] De facto, considerando uma janela de visualização mais apropriada, 1 verificamos que o máximo da função é f = 74.875 (figura 5.17). ‡ 2 Assim sendo, é necessário recorrer a diversos rectângulos de visualização, estudando a função por partes, para se poderem conhecer as características gerais da função. Os alunos deverão ser sempre incentivados a experimentar diversos rectângulos de visualização e a ter em conta as propriedades conhecidas ou que decorrem da expressão analítica das funções que estão a estudar. Em certos casos, o gráfico poderá levar a concluir que alguns valores pertencem ao domínio da função quando isso não acontece. É muito importante que desde o princípio os alunos sejam confrontados com exemplos que lhes permitem perceber a vantagem da informação dada pela expressão analítica da função, como podemos constatar pelos exemplos 3, 4 e 5. De um modo geral, nem as calculadoras, nem o software para gráficos em computador, desenham as assimptotas ou assinalam os domínios com as convenções estabelecidas. Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 122 Gráficos Exemplo 3 As calculadoras apresentam o gráfico da função y = int (x ) , função característica de x , por vezes denotada por C ( x ) , que a cada número real x faz corresponder o maior inteiro não superior a x , com o seguinte aspecto ([64] p. 32): Fig. 5.18 - Gráfico obtido na Texas TI – 83 com a janela ZDecimal O gráfico sugere que a função é contínua e isto resulta do facto da calculadora unir os pontos quando se utiliza a opção no modo Connected. Para se obter uma representação gráfica mais correcta, é necessário colocar a calculadora em modo Dot, chamando a atenção dos alunos para este facto. Obtemos assim a seguinte representação: Fig. 5.19 - Gráfico da função com a janela ZDecimal No entanto, este ainda não é o gráfico correcto de y = int (x ) , pelo que os alunos deverão corrigi-lo apresentando o gráfico: Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 123 Gráficos Fig. 5.20 - Gráfico da função y = int (x ) ‡ Exemplo 4 Para a função y = x2 + x de domínio ℜ \ {− 1}, a calculadora apresenta x +1 um gráfico igual ao de y = x de domínio ℜ (figura 5.21 - gráfico realizado com a Casio CFX – 9850 19 ), excepto se x = −1 for um dos valores xi da janela de visualização, como se pode apreciar na figura 5.22. Fig. 5.21 - Gráfico da função na janela standard Fig. 5.22 - Gráfico da função na janela inicial Nestes casos, os alunos deverão corrigir as representações gráficas fornecidas pela calculadora, introduzindo nomeadamente a bola aberta nos pontos que não pertencem ao domínio. No entanto, qualquer que seja o rectângulo de visualização, estamos sempre a representar uma curva contínua por um conjunto discreto de pontos e isto é claro tem consequências importantes. Por exemplo ([54]), consideremos a função definida por 19 Com a máquina Texas TI – 83 obtinham-se gráficos semelhantes. Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 124 Gráficos g (x ) = (x − 1)(x − (x − 2 ) 2 ). Apresentam-se a seguir o gráfico da função obtido pelas duas máquinas utilizadas neste trabalho. Fig. 5.23 - Gráfico de g na Casio CFX-9850 Fig. 5.24 - Gráfico de g na Texas TI - 83 Temos que o gráfico de g é a recta y = x − 1 “puncturada” no ponto de abcissa 2 . Uma vez que x = 2 não é uma das abcissas dos pontos do gráfico, é claro que a calculadora não detectará a descontinuidade (figuras 5.23 e 5.24).‡ Exemplo 5 Consideremos agora a função f ( x ) = x+2 , de domínio ℜ \ {3} , cujo x−3 gráfico possui uma assimptota vertical de equação x = 3 . Representando esta função nas duas máquinas utilizadas neste trabalho e utilizando a janela standard, obtemos resultados diferentes (figuras 5.25 e 5.26). Fig. 5.25 - Gráfico de f na Casio CFX - 9850 Fig. 5.26 - Gráfico de f na Texas TI - 83 Por que razão surge na máquina Texas TI – 83 um segmento de recta vertical? Como o gráfico da função foi obtido com o Mode Connected (para dar Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 125 Gráficos a ideia da função ser contínua, como já foi referido), a calculadora “une” os pontos calculados. Assim, uma vez que a função f admite uma assimptota vertical em x = 3 , a máquina calcula as imagens dos valores de x próximos de 3. Neste caso, para x ≈ 2.9787234 tem-se y = −234 e para x ≈ 3.1914894 tem-se y = 27.(1) . Ao efectuar a ligação destes dois pontos surge aquele segmento de recta vertical. É de notar que a máquina não apresenta o segmento de recta pelo facto do gráfico da função possuir uma assimptota vertical. De facto, utilizando o modo Dot (figura 5.27) ou mesmo com a escolha de um outro rectângulo de visualização (figura 5.28), já não surge no ecrã da calculadora um segmento de recta vertical. Fig. 5.27 - Gráfico de Fig. 5.28 - Gráfico de f f obtido pela Texas TI – 83 no Mode Dot obtido pela Texas TI – 83 com a janela Fig. 5.29 - Gráfico da função f [− 2.7;6.7]× [− 30,30] obtido pela Casio CFX – 9850 O aparecimento do segmento de recta vertical não surge somente na máquina Texas TI – 83. De facto, considerando na Casio CFX – 9850 a função Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 126 Gráficos f , com a janela de visualização [− 10,10]× [− 40,40] obtemos o gráfico da figura 5.29. ‡ Os alunos deverão ser alertados para os casos em que as duas máquinas apresentam gráficos distintos (já ilustrado pelo exemplo anterior). De facto, apesar da construção do gráfico ser semelhante, o número de pixels disponível por cada uma das máquinas é diferente. Vejamos exemplos ilustradores deste aspecto. Exemplo 6 Consideremos a função real de variável real f ( x ) = 36 − x 2 , com D = [− 6,6] e D ' = [0,6] (em [64] p. 34 surge um exemplo semelhante, não sendo todavia apresentada uma justificação pormenorizada e não havendo qualquer comparação entre as duas máquinas). A representação gráfica desta função é uma semicircunferência de centro na origem e raio 6. No entanto, a representação gráfica obtida, com a janela standard, só está correcta na Texas TI – 83 (figuras 5.30 e 5.31). Assim não poderíamos, por exemplo, determinar o domínio e o contradomínio desta função com base na análise da representação gráfica obtida na Casio CFX – 9850. Fig. 5.30 - Gráfico da função f na Casio CFX – 9850 Fig. 5.31 - Gráfico da função f na Texas TI -83 Qual a razão pela qual o gráfico da função obtido na Casio CFX – 9850 não intersecta o eixo das abcissas nos pontos x = 6 e x = −6 ? Isto deve-se ao facto dos zeros da função não corresponderem a nenhum dos valores xi . De Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 127 Gráficos facto, com a janela [− 10,10]× [− 10,10] , tem-se xi = −10 + i 10 , com i = 0,...,126 . 63 Para x = −6 , por exemplo, tinha-se que i = 25,2 . Uma vez que a função não está definida à esquerda x 26 = − 370 ≈ −5.873 (figura 5.32). 63 de escolhe-se −6 Fig. 5.32 - Gráfico da função f i = 26 e portanto, na Casio CFX – 9850 Se considerarmos, por exemplo, a janela inicial (onde x = 6 e x = −6 são dois dos valores de xi disponíveis), a representação gráfica obtida já nos mostra os zeros da função (figura 5.33). Fig. 5.33 - Gráfico da função f na Casio CFX – 9850 É claro que também podemos constatar que a forma da representação gráfica sugerida é a de uma elipse. Esta situação deve-se ao facto de ∆X ≠ ∆Y , podendo todavia ser corrigida utilizando o zoom Zsquare (na Texas TI – 83) ou o ZoomSQR (na Casio CFX – 9850). ‡ Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 128 Gráficos Exemplo 7 Consideremos a função trigonométrica f ( x) = cos(48 x ) ([12]). Com o auxílio da calculadora gráfica e, utilizando a janela trigonométrica20, poderemos deduzir qual o período desta função? Vejamos o gráfico da função obtido nas duas máquinas que estamos a utilizar neste estudo: Fig. 5.34 - Gráfico de f na Casio CFX – 9850 Fig. 5.35 - Gráfico de f na Texas TI – 83 Claramente, o gráfico obtido pela Texas TI – 83 não nos dá uma visão correcta do gráfico da função. Porque é que isto ocorreu? Na janela trigonométrica da Texas X max = 6.152285613 . Então TI – 83 tem-se ∆X = 12.30457123 ≈ 0.13 94 X min = −6.152285613 e e, por conseguinte, xi ≈ −6.152286 + 0.13i . Como o período mínimo positivo da função é p= 2π ≈ 0.13 , então, para cada pixel xi , tem-se f ( xi ) = 1 . 48 Para obtermos um gráfico mais apropriado na Texas TI – 83, teríamos de escolher uma janela de visualização em que ∆X fosse suficientemente pequeno para se poder “captar” o período da função (figura 5.36). Fig. 5.36 - Gráfico de f com a janela [− 0.25,0.25]× [− 1.2,1.2] , com ∆X ≈ .005 20 Ao representarmos as funções trigonométricas devemos ter sempre em consideração o modo da calculadora: graus ou radianos. Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 129 Gráficos Existem diversos gráficos surpreendentes de funções trigonométricas, como por exemplo g ( x) = sin (49 x ) e h( x ) = cos(23 x ) (figuras 5.37 a 5.40). Fig. 5.37- Gráfico de Fig. 5.39 - Gráfico de h g na Casio CFX – 9850 na Casio CFX – 9850 Fig. 5.38- Gráfico de g Fig. 5.40 - Gráfico de na Texas TI – 83 h na Texas TI – 83 Todavia, em todos estes exemplos é possível escolher uma janela apropriada de modo a ter uma visão correcta do gráfico da função. No entanto, esta solução nem sempre é possível. ‡ Um outro aspecto a ter em consideração, quando se trabalha com uma calculadora gráfica, diz respeito ao modo como as funções são calculadas nas máquinas. Apesar de não ter sido possível ter conhecimento, uma vez que os manuais de ambas as máquinas não referem, presume-se que o modo de construção das diversas funções é muito semelhante. Contudo, como podemos verificar pelo exemplo seguinte, existe uma função para a qual a afirmação anterior não é verdadeira. Exemplo 8 Consideremos a função f ( x ) = x 2 3 (exemplo apresentado em [1] com a máquina Texas Instruments TI-81, não havendo qualquer comparação com Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 130 Gráficos uma máquina da marca Casio) e representemos graficamente usando as duas máquinas gráficas. Temos Fig. 5.41 - Gráfico de f na Casio CFX – 9850 Fig. 5.42 - Gráfico de f na Texas TI – 83 Ou seja, o gráfico obtido pela Casio CFX – 9850 não está correcto, uma vez que nesta máquina, para x > 0 , x 2 3 é calculado como e (2 3 )ln x e ln x não está definida para x < 0 . A Texas TI – 83, deverá utilizar uma das seguintes 2 1 expressões y = x 3 ou y = x 2 ( ) Fig. 5.43 - Gráfico de 1 3 . f obtido pela Casio CFX – 9850 ‡ Existem funções cuja representação gráfica não é possível realizar numa calculadora ou num computador. Vejamos um exemplo que ilustra o que acaba de ser afirmado. Exemplo 9 Consideremos a função g : ℜ → ℜ , definida por se x ∈ Q 1 . g (x ) = − 1 se x ∉ Q Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas 131 Gráficos Uma vez que na calculadora todos os valores de xi são racionais, a ser possível representar graficamente esta função, o seu gráfico seria a recta y = 1 . Assim sendo, a função seria, por exemplo, contínua e diferenciável em todo o seu domínio!‡ Em síntese, todos os exemplos apresentados levam a concluir que os gráficos obtidos através das máquinas gráficas podem ajudar à compreensão do gráfico de uma função, mas deverão ser cuidadosamente interpretados. Não nos devemos esquecer que um dos grandes trunfos do cálculo é a possibilidade de analisar o gráfico de uma função sem recorrer aos computadores ou calculadoras e sem determinar muitos pontos desse gráfico. Como refere R. Ralha ([54]) a utilização de ferramentas computacionais deverá ser efectuada com cautela, pois apesar de serem uma ajuda preciosa no estudo de funções (...) não podemos confiar cegamente nos resultados que nos oferecem, sejam eles numéricos ou gráficos. Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas Gráficos 132 Funções e Calculadoras Gráficas: análise de algumas inferências erróneas