A difusão como função do tempo Na postagem Coeficiente de difusão, mostrei como é que podemos obter a dependência do coeficiente de difusão com a temperatura e a mobilidade das partículas em suspensão na água. Na presente postagem, mostro que, em média, o quadrado do deslocamento de uma partícula em suspensão aumenta proporcionalmente com o tempo. Assim, se tivermos um conjunto de partículas em suspensão na água e, inicialmente, elas estiverem todas em uma região muito limitada, em torno da origem de coordenadas, então, com o tempo, elas ocuparão uma região cujo raio médio crescerá proporcionalmente à raiz quadrada do intervalo de tempo decorrido desde o início. Como na postagem Coeficiente de difusão, sendo FL (t) a força de Langevin e supondo que o empuxo cancela o peso, a equação de movimento para a partícula fica m d2 r dt2 = FL (t) − γ dr , dt (1) onde r = r (t) é o vetor posição da partícula, m é sua massa efetiva e γ > 0 é a constante de proporcionalidade entre a força de resistência imposta pela água e a velocidade da partícula em suspensão. Cada uma das partículas tem seu movimento descrito por uma equação como a Eq. (1). O que queremos é obter o valor médio dos deslocamentos ao quadrado das partículas, isto é, queremos encontrar r2 , onde os parênteses pontiagudos, hi , indicam a média no ensemble de partículas, supondo que todas partem da origem com velocidade inicial nula. Para podermos obter uma equação de movimento para r2 , multiplicamos a Eq. (1) escalarmente por r e obtemos mr · d2 r dt2 = r · FL (t) − γr · dr . dt (2) Agora, note o seguinte: d (r · r) dt = r· dr dr dr + · r = 2r · dt dt dt e, portanto, r· dr dt = 1 d 1 d 2 (r · r) = r . 2 dt 2 dt (3) Também note que d dt dr r· = dt dr dt dr d2 r · +r· 2 dt dt e, assim, d2 r r· 2 dt = d dt dr r· dt − dr dt 2 dr d dr dr · = r· − . dt dt dt dt 1 (4) Substituindo a Eq. (3) na Eq. (4), obtemos d2 r r· 2 dt = 2 2 d 1 d 2 dr 1 d2 2 dr r = . − r − dt 2 dt dt 2 dt2 dt (5) A substituição das Eqs. (3) e (5) na Eq. (2) fornece m d2 2 r −m 2 dt2 dr dt 2 = r · FL (t) − γ d 2 r . 2 dt (6) Em analogia ao que fizemos na postagem Coeficiente de difusão, vamos tomar o valor médio da Eq. (6) sobre todas as partículas do ensemble e o resultado pode ser escrito assim: * + 2 dr m d2 2 γ d 2 r − m r , (7) = hr · FL (t)i − 2 2 dt dt 2 dt isto é, m d2 2 γ d 2 r + r − m v2 2 2 dt 2 dt = hr · FL (t)i , (8) onde utilizei a notação usual para a velocidade: v = dr . dt (9) Tratando as partículas em suspensão como se fossem um gás de moléculas pontuais, usamos o resultado para o valor médio da energia cinética e obtemos 1 3 mv2 = kB T, (10) 2 2 onde kB é a constante de Boltzmann e T é a temperatura absoluta. Logo, da Eq. (10) segue que m v2 = 3kB T. (11) Além disso, a força de Langevin é completamente aleatória e, para cada instante de tempo, considerando um número suficientemente grande de partículas em suspensão, para cada produto escalar r · FL (t) de uma partícula, sempre haverá outro produto r · FL (t) de outra partícula, mas com sinal contrário, de forma que hr · FL (t)i = 0. (12) Substituindo as Eqs. (11) e (12) na Eq. (8), obtemos m d2 2 γ d 2 r + r − 3kB T 2 dt2 2 dt 2 = 0, isto é, d2 2 γ d 2 kB T r + r −6 2 dt m dt m = 0. (13) A solução da Eq. (13) pode ser encontrada através do método do fator integrante, que, no presente caso, é dado por exp (γt/m) . Assim, multiplicando a Eq. (13) por esse fator, obtemos 2 γt d 2 kB T γt γt d 2 γ r + exp r − 6 exp = 0, exp m dt2 m m dt m m que equivale a d γt d 2 kB T γt r exp exp −6 = dt m dt m m 0, isto é, γt d 2 d exp r dt m dt = 6 kB T exp m γt m , ou seja, integrando desde t = 0 até t > 0, d 2 kB T γt kB T γt d 2 r − r = 6 exp −6 . exp m dt dt γ m γ t=0 (14) Em t = 0, suponhamos que as partículas em suspensão estão todas na origem e em repouso, de forma que d 2 = 0 (15) r dt t=0 e, portanto, a Eq. (14) fica d 2 r dt = kB T kB T γt 6 −6 exp − . γ γ m (16) Integrando a Eq. (16) desde t = 0 até t > 0, obtemos 2 2 kB T mkB T γt r − r t=0 = 6 t+6 exp − − 1 . γ γ2 m (17) Como a hipótese é a de que as partículas estão na origem inicialmente, segue que 2 r t=0 = 0. (18) Substituindo a Eq. (18) na Eq. (17) dá 2 r = kB T mkB T γt 6 t+6 exp − −1 . γ γ2 m 3 (19) Vamos agora analisar o resultado da Eq. (19). Note que a quantidade m/γ tem dimensão de tempo, conforme explicado na Eq. (12) da postagem Coeficiente de difusão, onde definimos esse tempo característico como τ = m . γ (20) Então, a Eq. (19) pode ser escrita em termos de τ como 2 kB T t kB T t+6 τ exp − −1 . r = 6 γ γ τ (21) Além disso, na postagem Coeficiente de difusão definimos a mobilidade, µ, como sendo o inverso de γ, isto é, µ = 1 γ (22) e o coeficiente de difusão foi encontrado em termos da temperatura como D = µkB T. (23) Logo, usando as Eqs. (22) e (23), a Eq. (21) pode ser também escrita como 2 t r = 6Dt + 6Dτ exp − −1 . (24) τ Consideremos, inicialmente, o caso em que t τ. Nesse caso, podemos expandir a exponencial que aparece dentro dos colchetes do segundo membro da Eq. (24) em uma série de potências do quociente t/τ, isto é, 2 t 1 t t = 1− + + ···. (25) exp − τ τ 2 τ Substituindo a Eq. (25) na Eq. (24) dá " # 2 2 t 1 t r = 6Dt + 6Dτ 1 − + + ··· − 1 , τ 2 τ isto é, 2 r = t 1 6Dt − 6Dτ + 6Dτ τ 2 2 t + ···, τ ou seja, 2 r = 3D 2 t + ···. τ 4 (26) Então, para tempos curtos comparados com τ, o valor médio do quadrado do deslocamento das partículas é proporcional ao quadrado do intervalo de tempo, isto é, 2 r ≈ 3D 2 t . τ (27) Esse regime é chamado de regime balístico, já que é o mesmo regime que obteríamos desprezando o efeito da dissipação. Veja que D/τ não depende de γ, já que, das Eqs. (20), (22) e (23) decorre que D τ = µγkB T kB T = , m m (28) e, portanto, poderíamos tomar o limite de γ indo a zero e obteríamos a Eq. (27) como sendo exata. Consideremos, agora, o caso em que t τ. Nesse caso, a exponencial que aparece dentro dos colchetes do segundo membro da Eq. (24) é desprezível comparada com a unidade e podemos reescrever, aproximadamente, a Eq. (24) como 2 r ≈ 6Dt − 6Dτ = 6D (t − τ ) , ou, como t τ, 2 r ≈ 6Dt. (29) A Eq. (29) caracteriza o chamado regime difusivo e, como antecipei, mostra que o valor médio do quadrado do deslocamento das partículas cresce proporcionalmente ao tempo. Bibliografia [1] R. Feynman, R. Leighton e M. Sands, The Feynman Lectures on Physics, volume 1 (Addison-Wesley, 1965). [2] Victor S. Batista, Langevin Equation. 5