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A FORÇA INTER-MEDIADORA DAS CIDADES MÉDIAS NAS HIERARQUIAS URBANAS:
OBSERVAÇÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO URBANO RECENTE NO BRASIL1
ÁREA TEMÁTICA 6: Cidade média: transformações e perspectivas
Autor: Humberto Miranda2
Resumo: A problemática do desenvolvimento urbano-regional requer uma análise do papel das
cidades médias na hierarquia urbana. Qual é o potencial de comando da cidade média na hierarquia
urbana brasileira? O objetivo deste artigo é discutir a força intermediação das cidades médias. A
reflexão é ilustrada pelo recente processo de expansão da infraestrutura rodoviária e ferroviária no
Brasil, por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O artigo conclui afirmando que
as mudanças nas hierarquias urbanas criará uma forte mediação de cidades intermediárias nas áreas
não metropolitanas mais influentes, por causa dos atuais investimentos em infraestrutura rodoviária e
ferroviária no Brasil.
Palavras chave: Cidades intermediárias. Hierarquias urbanas. Infraestrutura rodoferroviária.
Resumen: El problema del desarrollo urbano-regional requiere un análisis del papel de las ciudades
intermedias en la jerarquía urbana. ¿Cuál es el potencial de comandos ciudad intermedia en la
jerarquía urbana brasileña? El propósito de este artículo es discutir la fuerza de intermediación de
ciudades intermedias. La reflexión es ilustrada por el reciente proceso de ampliación de la
infraestructura vial y ferroviaria en Brasil, a través del Programa de Aceleración del Crecimiento
(PAC). El artículo concluí afirmando que los cambios en las jerarquías urbanas crearán una fuerte
mediación de las ciudades intermedias en las áreas no metropolitanas de mayor influencia, debido a
las actuales inversiones en infraestructura vial y ferroviaria en Brasil.
Palabras clave: ciudades intermedias. Jerarquías urbanas. Infraestructura vial y ferroviaria.
Abstract: The problem of urban-regional development requires an analysis of the role of intermediate
cities in the urban hierarchy. What is the command potential intermediate city in the Brazilian urban
hierarchy? The purpose of this article is to discuss the strength of intermediation intermediate cities.
The reflection process is illustrated by the recent expansion of road and rail infrastructure in Brazil,
through the Growth Acceleration Program (GAP). The article concluded by stating that changes in
urban hierarchies create a strong mediation of intermediate cities in non-metropolitan areas of Brazil,
because of current investments in road and rail infrastructure in Brazil.
Keywords: Intermediate Cities. Urban Hierarchy. Road and Rail Infrastructure.
1
Este trabalho conta com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), através do PROCAD-NF, AUX-PE-PROCAD 3063/2011.
2
Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico do Instituto de
Economia da UNICAMP, pesquisador do Centro de Estudos de Desenvolvimento Econômico (CEDE)
na mesma universidade. E-mail: [email protected].
2
1. Introdução
A abertura externa da economia brasileira, nos anos de 1990, forjou novas determinações
espaciais que reiteraram o processo de expansão da fronteira agrícola/mineral e aceleram a
fragmentação espacial. Hoje, as atuais obras de infraestrutura vão criando as condições de
consolidação de um processo de racionalização do espaço que verticaliza os territórios,
tornando-os predominantemente urbanos, à medida que são regulados de fora pelo
comando hegemônico do capital transnacional (mercado mundial de commodities) e
regulados de dentro pelo capital nacional (estatal e privado) através do Programa de
Aceleração do Crescimento (PAC), o que gera efeitos de ordem e desordem regional, com
importante influência nas hierarquias urbanas, ainda difíceis de equacionar.
Diante desse cenário de transformações, o objetivo deste artigo é discutir o papel que as
cidades médias cumprem na hierarquia urbana, visando ao desenvolvimento urbanoregional mais integrado e dinâmico. Chama-se a atenção para real força de intermediação
dessas cidades nas hierarquias urbanas regionais, já que elas passaram a ter importância
nos últimos anos para a retomada do crescimento econômico, especialmente após o
agravamento da crise das metrópoles. As cidades médias despontam como aparente reação
regional em face da desordem urbana encontrada nas grandes metrópoles latinoamericanas.
Isso nos leva a abrir várias questões: o potencial de crescimento das cidades médias estaria
restrito às lógicas das especializações econômicas regionais, fruto de sua fragilidade na
articulação hierárquica urbana? Ou sua importância hierárquica estaria reclamando outras
perspectivas de integração econômico territorial, exigentes de novas horizontalidades?
Elementos de diferenciação socioespacial importam quando a força de inter-mediação das
cidades medias reflete-se numa situação metropolitana e noutra, não metropolitana?
Apesar das áreas metropolitanas não terem deixado de fortalecer suas hierarquias, sendo o
comando econômico efetivo exercido pelas metrópoles nacionais São Paulo e Rio de
Janeiro, está em curso uma redefinição do padrão de urbanização brasileiro com o
crescimento urbano fora das áreas metropolitanas tradicionais. Entre os anos de 1990 a
2010 oberva-se, de um lado, os grandes centros urbanos se saturando (de gente e
atividades) e as cidades médias crescendo quantitativamente e ganhando destaque nas
diferentes regiões brasileiras; de outro, o surgimento de novas centralidades urbanas em
função dos atuais investimentos em infraestrutura e a emergência de pequenas cidades nas
áreas de expansão da fronteira agrícola. Em grande medida, são importantes áreas das
regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte que alimentam esse incremento urbano no período
1990-2010.
Tabela 01 – BRASIL: Número de municípios por classes da população
Classes de população
(habitantes)
Acima de 5 milhões
Entre 2 e 5 milhões
Entre 1 e 2 milhões
Entre 500 mil e 1 milhão
Entre 100 e 500 mil
Até 100 mil
Total
Fonte: IBGE - vários censos.
1950
2
1
35
1.851
1.889
1960
2
5
57
2.702
2.766
1970
1
1
3
6
83
3.858
3.952
1980
2
7
9
124
3.849
3.991
1991
2
2
7
14
162
4.304
4.488
2000
2
4
6
19
193
5.283
5.507
2010
2
4
6
25
245
5.282
5.564
3
Observa-se na Tabela 1 que, após a década de 1980, ocorre uma mudança na distribuição
de cidades por tamanho populacional no sistema urbano brasileiro3. Em linhas gerais, o
processo de metropolização brasileiro inicia-se em 1950 com uma “urbanização suportável”,
passa para uma urbanização (metropolitana) problemática nas décadas de 1950 e 1960 e
para uma urbanização acelerada (exclusivamente metropolitana) nos anos de 1970 e 1980.
Após esse primeiro período, a urbanização passa a ser indiferenciada, intensificando-se
tanto nas áreas metropolitanas quanto nas não metropolitanas nas décadas seguintes
(1990, 2000 e 2010) pelo territorial nacional. Sem entrar no mérito das várias razões que
explicam tal mudança, basta dizer que o crescimento líquido do número de cidades entre
100 mil e 1 milhão de habitantes foi expressivo no Brasil no período de 1980 a 2010,
momento de auge do neoliberalismo, passando de 133 (1980) para 270 (2010).
O crescimento do número de cidades situadas na classe entre 100 e 500 mil habitantes e
entre 500 mil e 1 (um) milhão de habitantes indicam uma mudança nas hierarquias urbanas.
Ou seja, do ponto de vista hierárquico, isso significa que aumentou o poder de comando
econômico-territorial das metrópoles e os novos comandos surgidos, aqui chamados de comandos, passaram a se estabelecer em níveis intermediários diversos na rede urbana
brasileira. O carácter da “desmetropolização”, a repartição da população urbana com outros
grandes núcleos, tornou-se evidente no último período apontado, como já havia previsto
Santos (2009, p.91).
Ainda que de forma muito introdutória, para caracterizar tais mudanças, foram separados
em quatro subníveis hierárquicos simples a repartição da população total dos municípios de
diferentes tamanhos, com base nos dados do Censo Demográfico do IBGE (2010). São
eles:
I.
Municípios de Nível Hierárquico Superior: municípios com mais de um milhão de
habitantes concentram 37,8 milhões da população (20% da pop total do país) em 12
cidades.
II.
Municípios de Nível Intermediário 1: 35% da população brasileira estão concentradas
em 270 municípios com mais de 100 mil e menos de um milhão de habitantes.
III.
Municípios de Nível Hierárquico Inferior: municípios até 100 mil habitantes que
concentram 95% do número de municípios e 45% da população total.
IV.
Municípios de Nível intermediário 2: temos 325 municípios com população entre 50 e
100 mil habitantes, ou 11,7% da pop total, formando um conjunto de cidades
intermediárias dentro do nível hierárquico inferior.
Nota-se que, somados, os dois primeiros subníveis resultam em alta concentração
populacional, ou seja, aproximadamente, 55% da população brasileira estão distribuídas em
282 municípios. A soma dos três primeiros subníveis dá 100% da população brasileira. Ao
mesmo tempo, o terceiro subnível concentra 95% dos municípios, o resulta aparentemente
num alto grau de dispersão. Outro dado expressivo é o número de cidades no quarto
3
Sistema urbano é definido neste texto, simplificadamente, como a distribuição pelo espaço nacional,
seja de forma dispersa ou concentrada, de cidades de diferentes tamanhos e funções, diferenciandoo do conceito de rede urbana, que enfatiza as relações hierárquicas entre as cidades. Ver Faria
(1991).
4
subnível, em que a classe entre 50 e 100 mil habitantes passa a ser um importante
subconjunto do terceiro subnível. Olhar esses dados apenas pelos grandes números,
entretanto, pode levar a falsas impressões e generalizações sobre a concentração e a
dispersão do nosso sistema urbano. Os grandes números escondem aquilo que boa parte
dos pesquisadores brasileiros e latino-americanos há muito tempo se esforça para
caracterizar, isto é, as mediações e as hierarquias entre as cidades, tendo como pano de
fundo a problemática da urbanização subdesenvolvida4.
O forte crescimento dos subníveis II e IV supracitados, após 1980, ajuda a visualizar que o
Brasil alcançou um nível mais generalizado de urbanização para o conjunto do território
nacional, o que obriga evidentemente a rever os diversos níveis de influências das cidades
que compõem os níveis intermediários da hierarquia urbana. Desde logo cabe observar que
o estudo destes dois subníveis intermediários é fundamental para estabelecer os novos
parâmetros de co-mando das hierarquias urbanas no Brasil. Obviamente que a noção de comando é usada no presente texto não no sentido de ressaltar a maior autonomia das
cidades médias, stricto sensu, mas os arranjos urbanos intermediários5.
A noção de arranjos urbanos intermediários (agrupaciones de ciudades intermedias) busca
evidenciar uma transferência (transmissão) parcial de poder das hierarquias urbanas
superiores para as intermediárias e, em boa medida, até para as inferiores
hierarquicamente. Chamá-la de co-mandos visa demonstrar um fortalecimento dos níveis de
subordinação hierárquicos diverso no período atual, levando-se em conta que, mesmo os
níveis inferiores da hierarquia, quando acionados pelos interesses distantes (mercado
mundial de commodities, p. ex.), ganham funções, formas e mecanismos de interação
territorial diferenciados, tema que será mais aprofundado no tópico seguinte.
Discute-se no artigo a hipótese segundo a qual o modo como se dá a articulação entre o
urbano, o rural e o regional altera, mais ou menos intensamente, o padrão de urbanização e,
por conseguinte, torna-o predominantemente dispersivo nas áreas de avanço da fronteira
agroexportadora e fortemente fragmentado nas áreas urbanas concentradas. Observar a
transformação evolução desse padrão, através dos novos arranjos urbanos intermediários,
leva a considerar os atuais investimentos em infraestrutura, haja vista que as hierarquias
urbanas respondem decisivamente ao avanço dos processos técnicos de modernização
econômica do território, elevando substancialmente o ritmo de urbanização nas áreas não
metropolitanas.
Além desta introdução, o artigo está subdividido em mais três seções. Na primeira, faz-se
uma discussão mais teórico-conceitual de hierarquias urbanas, ilustrando-a com dados
secundários. Na segunda, abordam-se os fatores determinantes dos arranjos urbanos
intermediários, dando destaque para as obras de infraestruturas rodoferroviárias previstas.
Na terceira e última, são feitas as considerações finais.
4
Sobre a relação entre urbanização e subdesenvolvimento, ver SINGER (1977); PEREIRA (1979);
SANTOS (1982); CANO (2011); COBOS & LÓPEZ (2008).
5
Expressão inspirada na de arranjos urbano-regionais, conforme a definição de Moura (2004).
5
2. Hierarquias urbanas: um balanço temporal da urbanização brasileira
As discussões sobre rede urbana não serão abordadas neste texto, pois estão muito bem
cobertas pela literatura disponível6. Todavia, tendo em vista que é cada vez mais estreita a
interconexão entre espaço, economia e sociedade, os pesquisadores frequentemente estão
a mover um reportório disciplinar e interdisciplinar mais amplo para qualificar o papel das
hierarquias urbanas. Nesse sentido, o propósito desta seção é entender o fenômeno das
cidades intermediárias do ponto de vista do desenvolvimento urbano-regional.
Do ponto de vista urbano-regional, a validade da noção de arranjos urbanos intermediários
só faz sentido se vista pelo ângulo das hierarquias espaciais. Quanto mais geral o quadro da
repartição das cidades no território mais difícil será compreender a importância de tais
arranjos, por isso é importante especificá-los dentro do presente estudo.
Como primeira aproximação, leva-se em consideração a definição de arranjos urbanoregionais (AURs), de Moura (2009), para pontuar certas diferenças. Segundo esta autora, os
AURs são:
Unidades concentradoras de população, relevância econômico-social e
infraestrutura científico-tecnológica, com elevada densidade urbana, forte
articulação regional e extrema complexidade, devido à multiplicidade de
fluxos multidirecionais de pessoas, mercadorias, conhecimento e de
relações de poder que perpassam seu interior, participando de modo mais
integrado nos âmbitos estadual, nacional e internacional, como os
principais elos de inserção na divisão social do trabalho (MOURA, 2009,
p.1).
Os arranjos urbanos intermediários (AUIs) correspondem a subgrupos ou novos
agrupamentos urbanos pertencentes a um contexto territorial em que as cidades encontramse mais dispersas, devido especialmente ao tipo de atividade econômica realizada, tais
como a grande lavoura de exportação, a mineração, os grandes projetos hidrelétricos, as
zonas econômicas especais etc.. O elemento básico é a existência de uma grande área
para a exploração de determinada econômica especializada, o que facilita a dispersão das
cidades ou dos arranjos urbanos pelo território e para além das aglomerações concentradas
dos AURs. Por isso tais arranjos ganham duas funções específicas: (i) a capacidade de
inter-mediação espacial interurbana local-regional e (ii) a capacidade de interação entre
cidades distantes, em decorrência dos fluxos extralocais que tais atividades geram.
Nessa concepção, os arranjos urbanos intermediários não são excludentes em relação aos
AURs, pelo contrário, são complementares. Melhor ainda, são lugares dispersos cuja
população aflui em direção aos AURs em virtude da fixação de uma grande infraestrutura de
suporte às atividades econômicas especializadas desenvolvidas no território, mas que, num
segundo movimento, pode refluir para o mesmo ou para outros lugares. A infraestrutura dá
sentido, fluidez, velocidade e rentabilidade ao território, incrementando a taxa de
urbanização dos arranjos, até que algumas das cidades daquele contexto espacial adquiram
força intermediadora suficiente, decorrente do aumento nos fluxos materiais e imateriais,
para mudar de porte e alcançar um co-mando hierárquico próprio. O caso mais comum é
6
Ver os trabalhos de: LOBATO CORRÊA (2006); IPEA et al. (2002); PEREIRA & FURTADO (2011).
6
que as centralidades estejam subdividas (co-mandos) entre duas ou mais cidades num
mesmo arranjo7.
O atingimento de um determinado porte, como o de cidade média, por exemplo, deriva da
mudança nas hierarquias urbanas encetadas pelos novos arranjos. Não se discute o papel
da rede urbana, como dito antes, mas sua noção é importante para que se compreenda o
papel da hierarquia. Lobato Corrêa (2011) cita três condições mínimas para a existência de
uma rede urbana: uma economia de mercado desenvolvida, vários pontos no espaço para
realizar as transações econômicas e uma importante diferenciação hierárquica derivada das
duas condições anteriores. Segundo esse autor:
Deve haver um mínimo de interações entre esses pontos fixos, interações
que refletem e ratificam uma diferenciação hierárquica e/ou em termos de
especialização produtiva entre eles. (LOBATO CORRÊA, 2011, p.94).
Salienta-se que a noção de hierarquia é um atributo indispensável para definir uma rede
urbana, mas, ao defini-la, corre-se o risco de se perder a dimensão dos arranjos que
modificam o sentido hierárquico adquirido pelas cidades que exercem e sudividem suas
centralidades. Interessa mais esse movimento de aquisição de centralidades, funções e
posições das cidades nas áreas não metropolitanas que, necessariamente, a fixação delas
na rede urbana (um antimovimento).
Para caracterizar a importância desses tipos de arranjos no contexto territorial, pode-se
recorrer a Milton Santos (2009) e suas noções de “Regiões agrícolas que contém cidades” e
“Regiões urbanas que contém atividades rurais”. Entretanto, ressalta o autor, que a chave
para entendê-las é o entendimento do tipo de relações desenvolvidas no subespaço
regional, sendo isto mais importante que o tamanho da cidade. Salienta ainda a falsa
oposição entre “um Brasil das cidades” e “um Brasil rural”, como na confusa defesa das
“cidades rurais”8, para afirmar em seguida que:
No Brasil urbano, a área “de exportação” seria tanto a rural quanto a
urbana, mas sobretudo a urbana. É evidente, porém, que tanto mais
importante a região urbana, tanto mais forte nela será a divisão interna do
trabalho, com diversos núcleos que a compõem vendendo, uns aos outros,
bens intermediários e finais. (SANTOS, 2009, p.76).
Santos (2008) também discute a necessidade de se rever a ideia convencional de zona de
influência (ou hinterlândia) e passar a levar em conta “os novos mecanismos geográficos”
(p. 128). Salienta que “a rede urbana é cada vez mais diferenciada, cada vez mais
complexa”, o que requer que se superem as simplificações conceituais. Segundo este autor,
as “cidades locais”, as que exercem o menor nível hierárquico, mudaram de conteúdo nos
últimos anos (anos de 1990), substituindo rapidamente atividades tradicionais por novas
especialidades (serviços). Para o autor, as “cidades locais” são mais “cidades no campo que
cidades do campo”. Conforme assevera:
A cidade torna-se locus da regulação do que se faz no campo. É ela que
assegura a nova cooperação imposta pela nova divisão do trabalho
7
Cidades como Araguaína, Gurupi, Paraíso do Tocantins, no Estado do Tocantins, que tiveram sua
economia dinamizada pela agroindústria, adquiriram centralidade, mas sem serem centros regionais
necessariamente. Os conceitos convencionais, na verdade, não ajudam muito.
8
Ver VEIGA (2002).
7
agrícola. Porque ela é obrigada a se afeiçoar às exigências do campo,
respondendo às suas demandas cada vez mais prementes e dando-lhes
respostas cada vez mais imediatas. (SANTOS, 2008, p.127).
Pondera ainda que o fortalecimento das cidades intermediárias traz uma nova tendência
paradoxal:
Neste período em que há o fortalecimento das cidades intermediárias
ligadas às novas formas de produção e consumo, um fato para o qual nem
temos voltado a nossa atenção, merece ser realçado: é que no Brasil se
dá, ao mesmo tempo, uma tendência à metropolização e à
desmetropolização. (SANTOS, 2008, p.128).
Apesar desse paradoxo, Milton Santos afirma que a região continua válida como objeto de
análise para evidenciar a busca por “novas horizontalidades”, isto é, os espaços contínuos
que abrigam a produção e as identidades territoriais; e que, em função da materialidade
preexistente ou da nova (infraestrutura econômico-social), mantêm/exercem um papel de
comando ou co-mando sobre o território.
De modo igual, afirma que as “verticalidades” dizem respeito aos espaços concebidos como
suporte das redes e do seu mais desenvolvido mecanismo, o sistema urbano; as
verticalidades são pontos distantes no território que servem de assento aos novos objetos
(empresas de trading agroexportadoras ou grandes empreendimentos logísticos) que
fragmentam verticalmente o território, especialmente nas áreas não metropolitanas.
As verticalidades contam com o domínio das grandes firmas nacionais e das filias
estrangeiras, que, de acordo com Santos (2008, p.134), “não se integra por um processo de
difusão por contiguidade”. Elas são impostas de fora (mercados globais) para dentro e estão
em oposição às horizontalidades baseiam-se em determinantes mais endógenos, em que os
“lugares vizinhos reunidos por uma contiguidade territorial” dão vitalidade ao sentido de
região. Estes são conceitos importantes na discussão dos arranjos.
Indo além, Bertha Becker (2013) vai qualificar as cidades que “comandam” a economia
como aquelas “capazes de criar trabalho novo”. No entendimento da autora, nas áreas não
metropolitanas, as cidades associadas a cadeias produtivas completas conseguem superar
impasses estruturais nas regiões e tornam-se dinâmicas. Ela mostra, por exemplo, que
diferenças no povoamento da região devem ser levadas em conta, pois, se ela for rarefeita,
haverá maiores dificuldades para que as “cidades locais” interajam, mesmo na atual fase de
desenvolvimento de meios técnico-científicos. Segundo a autora,
a Amazônia foi a região que registrou as maiores taxas de crescimento
urbano no país entre 1970 e 2000, com uma população que aumentou de
35% em 1970, 40% em 1980, 61% em 1996, 69% em 2000, alcançando
72% em 2007 e 99,5% em 2010. (BECKER, 2013, p. 33).
Assevera que a Amazônica viveu a emergência de múltiplas formas de urbanização no
passado, mas foram os grandes projetos, a criação da Zona Franca de Manaus em 1967 e o
Programa Grande Carajás, planejado na década de 1970 e lançado oficialmente em 1982,
em especial, que promoveram o fortalecimento dos co-mandos territoriais através da
urbanização. Bercker afirma que “os núcleos urbanos foram a base logística de expansão da
fronteira”. Em resumo, as cidades dinâmicas são aquelas que passaram a montar e manter
uma base econômica urbana mais diversificada que as demais, o que corrobora a
emergência de arranjos urbanos intermediários nessa região.
Com base em tais autores, afirma-se que os arranjos urbanos intermediários não são um
recorte de certos subespaços interregionais ou de alguns subespaços específicos numa
mesma região, são as duas coisas. são um ajuntamento de lugares dispersos que criam
8
interconexões, para que o território realize seu movimento de modernidade seletivamente e
contiguamente. Isto vai depender de as cidades intermediárias serem realmente dinâmicas,
para exercerem seus co-mandos funcionais sobre o território e reduzirem ou amenizarem as
tensões impostas pelas verticalidades às horizontalidades, revelando um sistema urbano
renovado e espacialmente mais equilibrado.
Dentro do período analisado neste artigo (1990-2010), pode-se dizer que as reformas
neoliberais tiveram, sim, repercussão no território e, na maioria dos casos, as verticalidades
superaram as horizontalidades. Todavia, considerando o quadro geral da urbanização
brasileira, pode-se especificar mais bem a problemática do subdesenvolvimento em termos
urbano-regionais e revelar claramente o desafio à consecução de cidades intermediárias
dinâmicas.
O crescimento da população urbana no Brasil tomado em dois períodos históricos longos,
de trinta anos cada, com o primeiro ocorrendo no auge desenvolvimentismo, de 1950 a 1980
e o segundo, no auge do neoliberalismo, de 1980 a 2010, mostra a importância do nexo
urbano-industrial no primeiro e a perda deste no segundo. Para este segundo período,
conforme Milton Santos (2008) constatara, não dá mais para afirmar que o espaço brasileiro
é estruturado a partir da indústria. Novas determinações passaram a ganhar importância9.
Pode-se notar, através do Gráfico 1, que houve um incremento nada desprezível de
população urbana nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Em cada uma dessas
regiões tem-se uma participação na distribuição dos incrementos populacionais das suas
nucleações urbanas em relação ao restante da população total do país.
A abertura externa da economia brasileira nos anos de 1990 forjou novos determinantes
para o urbano, reiterando a expansão da fronteira agrícola/mineral, que não estaria voltada
para atender exclusivamente aos objetivos de expansão interna do produto industrial, mas
também e principalmente para atender aos imperativos do mercado mundial de
commodities, com mais países consumidores (asiáticos) e com a prática de melhores níveis
de preços (externos). Em grande medida, são importantes áreas das regiões Centro-Oeste,
das franjas da região Nordeste e dos fragmentos de área da região Norte que alimentam
esse incremento urbano no segundo período (1980-2010). Uma urbanização que é
explicada mais pela relação com diversas atividades econômicas no território do que pela
suposta dicotomia campo-cidade.
9
Para um exame crítico dessas novas determinações, ver CANO (2011b).
9
No Gráfico 2 verifica-se a maior intensidade do crescimento da população urbana no
segundo período. Esta intensidade é medida pela razão entre o crescimento da população
urbana e o crescimento da população total, sendo que a obtenção de um valor acima de 1,0
(um) significa que a população urbana cresceu a taxas superiores à da população total. Há
que se levar em conta também a diversidade regional e condições socioeconômicas que são
próprias a cada região e não somente o grau de intensidade da urbanização, o que por
questão de espaço não se fará aqui em detalhe.
A intensidade da urbanização na região sudeste reflete seu padrão industrial no primeiro
período 1950-1980. As demais seguem a dinâmica de integração econômica de seus
espaços regionais acionados por políticas nacionais ou em reação à integração com o
mercado externo, especialmente no segmento de produtos primários.
No período 1980-2010, aprofunda-se a crise econômica e o processo de desconcentração
produtiva regional deixar de ser virtuoso do ponto de vista da indústria, com a abertura
comercial da década de 1990 (Cano, 2008). Há reversão do déficit que persistia na balança
comercial e, a partir de 2002, a balança passa a ter superávits crescentes, decorrente da
desvalorização cambial de 1999; há redução lenta e contínua das taxas de juros nominais a
um patamar inferior aos 26,5% de 2003; ocorre um crescimento mais contínuo do PIB
agropecuário no período pós-desvalorização cambial (1999-2004), conforme aponta Balsadi
(2008); e surge algo novo no cenário externo, o chamado “efeito China”, com suas altas e
sucessivas taxas de crescimento econômico que puxam para cima o preços dos produtos
primários (grãos e minérios).
Nesse último período foram priorizadas as iniciativas de desenvolvimento territorial com
maior inserção externa das regiões rurais, principalmente nos anos 2000 em diante, devido
ao “efeito China”. Explicitou-se, a partir daí, uma forte contradição entre a expansão da
fronteira agropecuária e a exploração extensiva (espacialmente) e intensiva
(ecologicamente) da base de recursos naturais, já que a produtividade não resultou apenas
dos ganhos obtidos por hectare cultivado, mas também da maior facilidade em manter a
10
itinerância territorial (avanço da fronteira móvel acompanhado de maior concentração
fundiária) como solução de conjunto para o crescimento da agricultura brasileira10.
Por último, o Gráfico 3 expressa o incremento no número de cidades no período 1980-2010
nas classes de população entre 20 e 50 mil e acima de 50 mil habitantes, mas, ao mesmo
tempo, o reforço da concentração da população na classe acima de 50 mil habitantes.
Reitere-se que, dentro do universo considerado, as fronteiras entre o urbano e o rural estão
diluídas, ou seja, apenas para ressaltar o paradoxo já apontado por Santos (2008), a
urbanização não se dá num padrão urbano-industrial característico do período 1950-1980.
Diante da importância das transformações nesse segundo período (1980-2010), acrescentase um último dado (Tabela 2) concernente à complexidade das relações rural-urbanas. O
crescimento do espaço rural concebido como um “rural ampliado” dá razões para se verificar
o papel das pequenas cidades. O incremento de população — particularmente da população
rural e a das cidades até 20 mil habitantes — ocorrido entre 1980 e 2010, constata-se
crescimento líquido de população rural pelo conceito ampliado, isto é, que incluiu no cálculo
as cidades até 20 mil habitantes.
Tabela 02 – BRASIL: Incremento de população no espaço rural
Itens
1980/1950
2010/1980
Pop Total
69.206.176
69.605.226
Pop Cidades até 20 mil hab (a)
10.046.253
10.844.055
Pop Rural estrita (b)
5.975.692
-9.307.191
Rural ampliado (a + b)
16.021.945
1.536.864
Participação do Rural Ampliado (%)
23,2%
2,2%
Fonte: IBGE – elaboração própria.
Por esta ótica, a definição do espaço rural vai além de seu conceito estrito, como espaço de
produção agrícola de subsistência, numa tentativa de mostrar sua permanência por meio do
10
Sobre o caráter itinerante da agricultura brasileira, ver CANO (2002).
11
das cidades até 20 mil habitantes, para onde se destinam boa parte dos residentes rurais.
As pequenas cidades cresceram tornando-se um dado a mais que configura a importância
do conteúdo urbano do território ou das “regiões rurais que contém cidades”. Foi o Brasil
urbano que cresceu no espaço rural e não o inverso. Ou seja, nas “regiões rurais”, também
crescem núcleos urbanos de determinada densidade, aumentando a urbanização, porque
mais agricultores vão residir nas cidades para ter acesso aos mercados de bens e serviços
modernos, ampliando a divisão social e territorial do trabalho e suas diferenciações
regionais, de acordo com as tendências anteriormente previstas por Santos (2008).
12
3. Fatores determinantes dos arranjos urbanos intermediários (AUIs)
Na seção anterior, viu-se que a intensidade da urbanização foi a marca do período 19802010, momento em que predominaram as políticas neoliberais. Levando-se em conta a
diversidade urbano-regional como um elemento cada vez mais necessário para o estudo
das hierarquias urbanas, com base em Cano (2011b), apontam-se quatro tipos de
processos marcantes de urbanização nas regiões brasileiras, com base nos longos períodos
de tempo mencionados. São eles:
1. Rarefeito: áreas urbanas com baixos níveis de ocupação econômica e altos índices
de marginalidade e pobreza, com forte tendência a expulsar que atrair população;
2. Concentrado: áreas metropolitanas densamente urbanizadas, algumas com altos
níveis de renda e outras com baixos níveis de renda, mas com altos índices de
violência e marginalidade, com tendência contínua à concentração populacional;
3. Equilibrado: áreas com urbanas com maior equilíbrio espacial e distributivo,
assentadas na cultura camponesa, na pequena e média propriedade rural e
industrial, mas com fraca competitividade econômica, por possuir uma área
camponesa tradicional e um empresariado rural forte, com tendência a gerar de
excedentes populacionais;
4. Seletivo: áreas urbanas transformadas pelo processo de modernização agrícola, com
precoce urbanização não industrial e marginalização social ou com concentração das
atividades de setor público, com alto padrão de vida na zona concentrada, mas com
um entorno (cidades satelitizadas) empobrecido.
Faz necessário, então, perquirir sobre o destino dos territórios, das áreas e regiões que
recebem em ou vinculam a seu espaço a fixação das obras rodoferroviárias do PAC –
Programa de Aceleração do Crescimento, a fim de consolidar esse modelo “reprimarizador”.
Há importantes efeitos desse modelo no padrão de urbanização brasileiro porque não basta
que as populações urbanas das áreas destinadas a tais atividades agropecuárias cresçam,
é preciso criar as condições de comando e controle do uso do território para que o
surgimento de cidades não seja intermitente, como nas áreas urbanas próximas ao tipo 1
(rarefeitas).
Argumenta-se, nesta seção, que os grandes projetos de investimento rodoferroviários em
execução em anos recentes, em particular, na área do Cerrado Brasileiro, visando à
integração territorial e à integração logística, estão fortemente orientados pelo setor
exportador de commodities agrominerais e marcam as áreas urbanas mais próximas ao tipo
4 (seletivo).
Do ponto de vista econômico, as transformações produtivas no cerrado brasileiro levaram o
agronegócio nacional a alcançar 22,8% do PIB em 2013, segundo a Confederação da
Agricultura e Pecuária do Brasil CNA11, dada a crescente importância do comércio exterior
brasileiro. E as projeções oficiais para os próximos 10 anos informam que 71,3% devem ser
dirigidas para a China.
O documento Projeções do Agronegócio, do Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento (MAPA), de 2013, indica que “entre 2013 e 2023 a produção de grãos pode
crescer entre 20,7% e 34,3%, enquanto a área deverá expandir-se entre 8,2 e 21%”
11
CNA (2013). Agronegócio: balanço 2013, perspectivas 2014. Brasília, DF. Disponível em:
(http://www.canaldoprodutor.com.br/sites/default/files/balanco_CNA_2013_web.pdf)
13
(BRASIL/MAPA, 2013, p.68). E o próprio mercado interno reage a esta expansão, pois,
segundo o Ministério:
Em 2022/2023, 51,0% da produção de soja devem ser destinados ao
mercado interno, e no milho, 67,0% da produção devem ser consumidos
internamente. Haverá, assim, uma dupla pressão sobre o aumento da
produção nacional, devida ao crescimento do mercado interno e das
exportações do país. Atualmente, 52,0% da soja grão produzida é
destinada ao consumo interno, e do milho, 66,7%. (BRASIL/MAPA, 2013,
p.68)
Nesse sentido, não se deve perder de vista que o movimento da urbanização depende muito
do que acontece com o mercado interno, para que gere algum adensamento e maior
contiguidade territorial. O mercado interno, segundo as projeções oficiais, continuará a
crescer e será o fiel da balança na expansão do setor agropecuário nacional nos próximos
anos, de acordo com o MAPA, favorecendo às tendências de mudança nas hierarquias
urbanas das áreas não metropolitanas.
A título de ilustração, desde 2012, nossos estudos preliminares12 mostram, conforme a
Tabela 3, que os 17 municípios situados nos estratos superiores a 20 mil hectares de área
plantada (AP) apresentam as maiores taxas de urbanização, acima de 60%. Somente os 07
municípios situados no estrato entre 10 mil e 20 mil hectares de AP apresentam menor taxa
de urbanização, inferior a 50%, mas não têm a menor densidade demográfica média se
comparados aos demais. Inclusive porque os 25 municípios situados no estrato até 10 mil
hectares de AP, ou seja, com menor área plantada, apresentam densidade demográfica
média de 7,1 habitantes por quilômetro quadrado. Quanto maior a área plantada, maior é a
taxa de urbanização no agrupamento de 17 municípios acima de 20 mil hectares.
Este subespaço regional do Cerrado Nordestino abriga características próprias de um
padrão de urbanização que chamamos de periférico por apresentar heterogeneidades
espaciais que destoam de padrões de urbanização com base na expansão industrial ou do
padrão urbano-industrial da Região Sudeste do Brasil. Ou seja, estamos falando de outro
processo bem diverso.
Tabela 3 - Área da Soja no Cerrado Nordestino: taxa de urbanização, densidade
demográfica e número de municípios, segundo o estrato de área plantada.
Área
Média da
Estrato de
População
Taxa de
Densidade
Municípios Plantada
AP por
Área Plantada
Total
urbanização demográfica
Total
Município
(ha)
(und)
(ha)
(ha)
(2010)
(2010)
(hab/km²)
100 e 150 mil
6
889.005 148.167,5
362.496
79,0%
5,1
50 e 100 mil
3
233.520 77.840,0
49.882
61,9%
2,7
20 e 50 mil
8
255.588 31.948,5
102.899
62,4%
2,0
10 e 20 mil
7
96.684 13.812,0
78.234
47,5%
4,0
Até 10 mil
25
89.342
443.676
50,4%
7,1
3.573,7
Total
49
1.564.139 31.921,2 1.037.187
61,9%
4,6
Fonte: MIRANDA (2012).
12
Ver MIRANDA (2012).
14
Se o padrão de urbanização torna-se cada vez mais disperso nessas áreas, marcado pela
presença de cidades abaixo de 20 mil habitantes e pelo predomínio de atividades agrícolas,
no caso representado pela Tabela 3, os municípios situados nos estratos de área plantada
entre 20 e 150 mil hectares contam com taxas de urbanização acima de 60%. Ou seja, boa
parte da população deles é mais agrícola e urbana que apenas rural. Os municípios de
Barreiras e Luís Eduardo Magalhães, no estado da Bahia, os municípios Bom Jesus e
Uruçuí, no estado do Piauí e os municípios de Balsas, Chapadinha e Grajaú, no estado do
Maranhão, por exemplo, concentram maior população urbana, pois suas taxas de
urbanização variam entre 74% e 90%, respectivamente.
Chamar o padrão de disperso, como se vê, não exime de explicação o fenômeno analisado,
ou seja, o papel das cidades intermediárias nas áreas não metropolitanas. E também não
basta chamá-las pelos conceitos abstratos de cidades médias ou pequenas, sem investigar
os determinantes espaciais fixadores desses arranjos urbanos intermediários, que abarcam
ou retêm as duas formas de cidades. Os investimentos em infraestrutura rodoferroviários
atuam
desordenando
ou
reordenando
o
sistema
de
cidades,
pois
condicionam/impõem/comandam o uso futuro do território, gerando impactos sobre as
hierarquias espaciais no presente e, consequentemente, exigindo das cidades novas
formas, funções e estruturas.
De acordo com as decisões de investimento em infraestrutura, podemos constatar que
aquelas dirigidas para os modais rodoferroviários avançaram significativamente no período
2011-2014, com a taxa de crescimento do investimento alcançando um patamar de 18,6%
ao ano, elevando-se acima de quesitos como saneamento e energia elétrica, conforme
mostra a Tabela 4 (BNDES, 2011).
Tabela 4 - BRASIL: Projeção do Investimento em Infraestrutura
Setores
Energia Elétrica
Telecomunicações
Saneamento
Logística
Rodovias
Ferrovias
Portos
Infraestrutura (Total)
Valor (R$ bilhão)
2006-2009
104
62
26
55
20
30
5
247
2011-2014
139
72
41
129
60
51
18
381
Variação
35
10
15
74
40
21
13
134
Taxa
Crescimento
(%a.a)
6,0
2,8
9,4
18,6
24,7
11,4
26,6
9,0
Fonte: BNDES (2011) - Visão do Desenvolvimento, nº 92.
Os investimentos do PAC em manutenção e novos projetos de infraestrutura que ganharam
destaque foram: as ferrovias, com as obras de infraestrutura das ferrovias Norte-Sul
(Aguiarnópólis-TO/Anápolis-GO), Integração do Centro-Oeste (Uruaçu-GO/Lucas do Rio
Verde-MT/Vilhena/RO) e Integração Oeste-Leste (Figueirópolis-TO/Ilhéus-BA) e as
rodovias, com a BR-163 (PA/MT/GO/MS), a BR-158 (PA/MT/GO/MS), a BR-153
(PA/TO/GO) e as radiais BR-60 e 70 (DF/GO/MT-MS). As perspectivas de investimentos em
infraestrutura ao redor de R$ 380 bilhões, previstas para o período 2011-2014, projetam
uma taxa de investimento no setor da ordem de 2,5 a 3% do PIB, segundo o informativo
Visão do Desenvolvimento, do BNDES (2011).
15
Tais projeções indicam que o setor agropecuário, especialmente aquele voltado à produção
de grãos, irá crescer nas áreas dos estados brasileiros do Maranhão, Tocantins, Piauí e
Bahia, devendo “produzir próximo de 18 milhões de toneladas de grãos em 2023 (aumento
de 21,6%) e [elevar a] área plantada de grãos entre 7 e 10 milhões de hectares”
(BRASIL/MAPA, 2013, p.71).
O estudo dos arranjos urbanos intermediários põe em evidência o papel da infraestrutura
rodoferroviária, portanto, como um dos principais determinantes dos novos co-mandos das
hierarquias urbanas, dado que fatores como a localização de empreendimentos logísticos,
as funcionalidades das obras de infraestrutura rodoferroviárias, o escoamento de produção
por diferentes direções no espaço e a interação maior entre cidades, fontes de matérias
primas e mercados locais e extralocais ganham relevância presente e futura no destino do
território. Quanto maior a intensidade dos fluxos extralocais mais tensionada estará a
relação entre “verticalidades” e “horizontalidades”, como salientado na seção anterior.
Dessa forma, o processo recente de expansão da infraestrutura no Brasil
condiciona/impõe/comanda o uso futuro do território, gerando impactos sobre as hierarquias
espaciais e, consequentemente, exigem forma, função e estrutura desordenadoras ou
reordenadoras do papel das cidades intermediárias. A infraestrutura efetiva as modificações
no tempo e no espaço e consequentemente modifica as relações sociais de produção, as
formas de apropriação e uso do espaço e o grau de irreversibilidade do impacto/intervenção
com suas implicações econômico-sociais, políticas e institucionais; ela também molda o
padrão das forças produtivas da sociedade.
Cabe assinalar, por fim, que esses novos determinantes reforçam o caráter precoce,
complexo e regionalmente heterogêneo da urbanização brasileira (Cano, 2011a), e chamam
atenção para a maior desenvoltura desse processo no território do cerrado no período 19902010, haja vista que a Região Centro-Oeste, em especial, por ser muito receptiva aos novos
fenômenos de urbanização, como asseverava Santos (2008, p. 68), por não conviver com
restos de divisões sociais de trabalho passadas, vai forjando sem maiores dificuldades
modificações importantes nas suas hierarquias urbanas, recebendo empreendimentos
inovadores e unificadores do território e avançando na terceirização do seu sistema urbano.
16
4. Conclusão
Vivencia-se na atualidade uma situação inversa e contraditória em termos de integração
socioeconômico-territorial no Brasil. Inversa porque os benefícios econômico-sociais
gerados na última década apresentam-se condicionados nas e pelas políticas sociais do
governo federal e pela agenda econômica conservadora, que transfere renda dos setores
produtivos para os setores rentistas. É também contraditória porque, depois de muitos anos,
há uma agenda de investimentos em infraestrutura que atende a demandas coletivas
históricas sumamente importantes, como os programas “Luz Para Todos” e “Minha Casa,
Minha Vida”, por exemplo, contudo, os investimentos em infraestrutura relacionados a
grandes projetos de forte impacto no território (hidrelétricas e mineração) e os projetos de
logística rodoferroviária, portuária e aeroviária, explicitam a forma seletiva de controle sobre
o uso do território. A necessidade de acompanhar tais transformações e verificar como eles
afetam as hierarquias urbano-regionais foi a motivação principal para a elaboração deste
artigo.
As obras de infraestrutura rodoferroviárias projetadas e em execução no período 2006-2014
sinalizam passo a passo a racionalização do espaço em áreas com e sem restos de divisão
social e territorial do trabalho antigas. Estas áreas foram chamadas de não metropolitanas
para distinguir o avanço da fronteira agropecuária como seu processo motor. As estruturas
postas em movimento alicerçam uma “modernização com pés descalços”, pois não reforma
as estruturas socioeconômicas de base, o que leva a contrapontos interessantes com a
evolução da estrutura agrária, com o sentido das relações rurais e urbanas e,
principalmente, com as mudanças que se processarão nas hierarquias urbanas no Brasil
contemporâneo, tendentes a reproduzir o jogo metropolitano e importar sua crise.
Entende-se que, neste novo contexto de transformações, os imperativos do mercado
mundial de commodities, a partir dos anos de 1990 e de 2010, produziram efeitos
econômicos, em grande parte, perversos (reprimarização, desindustrialização...) que
redimensionaram/interferiram na configuração espacial brasileira. A consequência
fundamental foi o rompimento com uma perspectiva de integração econômico-territorial do
desenvolvimento nacional amplificadora dos benéficos socioeconômicos, o que vem se
refletindo nas hierarquias urbanas das regiões brasileiras. A força de inter-mediação da
cidade media, nesse aspecto, remete à compreensão da dinâmica dos arranjos urbanos
intermediários, a fim de especificar as tenções do planejamento, contempladas nas obras do
PAC, e as tensões no território, derivadas da ação escalar do Estado e do grande capital
privado. Tais transformações criam novas determinações e, ao mesmo tempo, novos
impasses inter e intrarregionais, podendo inclusive limitar ainda mais o alcance de um
desenvolvimento nacional verdadeiramente integrado.
Finalmente, este artigo quis contribuir com os estudos recentes sobre cidades
intermediárias, reconhecendo que os inúmeros os estudos de casos que retratam
substancialmente o tema das cidades pequenas e médias não foram tratados aqui, pois se
priorizou o quadro estrutural das mudanças em curso nas hierarquias urbanas de áreas não
metropolitanas, cujos estudos são em menor número que os trabalhos que remetem quase
sempre aos espaços metropolitanos tradicionais em primeira e última análise.
17
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