1 II Seminário Internacional sobre Desenvolvimento Regional Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional Mestrado e Doutorado Santa Cruz do Sul, RS – Brasil - 28 setembro a 01 de outubro. HABITAÇÃO SOCIAL: TERRITORIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E DO CONSUMO NO ESPAÇO URBANO Eliecy Eduarda Oliveira1 RESUMO Este estudo buscou o entendimento do processo diferenciado de desenvolvimento e integração ao urbano entre áreas de habitação programada para baixa renda, na forma de Conjuntos Habitacionais, caracterizando uma cidade média brasileira. Procurou-se entender como aconteceu a urbanização brasileira e a inserção das políticas habitacionais de caráter social para populações pobres no âmbito federal, estadual e local e a conseqüente periferização do espaço em relação à moradia. Por fim, verificou-se como se deu a implantação, evolução e articulação desse tipo de habitat, e aí estamos nos referindo à habitação que é percebida entre o espaço social, o espaço econômico e o espaço físico, com conteúdo histórico que se forma a partir das contradições políticas e sociais e a distribuição e localização desta na cidade. A pesquisa desenvolvida com base em dados primários e secundários, trabalhada de forma comparativa, constatou um processo desordenado de urbanização e segregação residencial, com a territorialização da produção e do consumo ligados ao diferencial de uso do solo, resultados de uma combinação de pobreza ou baixa renda com a inadequação do sistema de provisão de moradias, aliada à falta de planejamento urbano. Necessário que se pense a produção habitacional de caráter social não como áreas estanques, mas como áreas geográficas e economicamente acessíveis e sustentáveis, livres de qualquer discriminação, onde a política habitacional seja parte do planejamento urbano e do desenvolvimento econômico. 1 A autora é graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Atualmente é Mestranda da Universidade Salvador (UNIFACS) do Curso de pós-graduação em Análise Regional e Urbana, sob orientação da Professora Liliane Mariano S. Ferreira, doutora em Urbanismo pela Universidade de Paris VIII. Exerce a função de Fiscal de Tributos no Estado de Minas Gerais. E-mail: [email protected]. 2 SOCIAL HOUSING: TERRITORIALIZATION OF THE PRODUCTION AND THE CONSUMPTION IN THE URBAN SPACE ABSTRACT This study looked for the understanding of the differentiated process of development and integration to the urban among areas of programmed housing for low income, in the form of Habitational Groups, characterizing a Brazilian medium city. It was searched to understand how it happened the Brazilian urbanization and the insert of the habitational policies of social character for poor populations in the federal, state and local extent and the consequent periphering of the space in relation to the home. Finally, it was verified how it happened the implantation, evolution and articulation of that habitat type, and there we are referring to the housing that is noticed among the social space, the economical space and the physical space, with historical content that is formed starting from the political and social contradictions and the distribution and location of this one in the city. The research developed with base in primary and secondary data, worked in a comparative way, verified a disordered process of urbanization and residential segregation, with the territorialization of the production and of the consumption linked to the differential of soil use, results from a combination of poverty or low income with the inadequacy of the system of provision of homes, allied to the lack of urban planning. It is necessary to think the habitational production of social character not as tight areas, but as areas geographical and economically accessible and maintainable, free from any discrimination, where the habitational policy is part of the urban planning and of the economical development. 1 INTRODUÇÃO: A habitação social é tema recorrente de diversas proposições de estudo. Esta análise tem como principal finalidade a demonstração de como no espaço urbano ela vem como marca da divisão do território, setorizando e fragmentando a cidade, criando espaços próprios de produção e de consumo para as classes sociais e atuando como instrumento de diferenciação e exclusão através de políticas habitacionais ditas para baixa renda. 3 Utilizando a construção de uma análise comparativa entre Conjuntos Habitacionais, fruto de uma política habitacional direcionada, procuramos não apenas determinar o como desse fenômeno de desequilíbrio acontece, mas também de que maneira e por que ele ocorre, partindo do entendimento do processo de urbanização nas sociedades capitalistas dependentes, enfocando particularmente as causas do crescimento urbano, as articulações históricas do processo de urbanização capitalista e as funções da cidade dentro deste modelo de desenvolvimento, chegando ao locus da cidade como forma de expressão de novas espacialidades da produção e do consumo. Nos países subdesenvolvidos estamos diante do crescimento das cidades em direção às periferias, o contraste entre o novo e o arcaico, entre pobreza e riqueza, faz da era tecnológica, em que pese ser a do mundo global, o lugar das especificidades e dos fenômenos aparentemente isolados. Esse mosaico que se tornaram as cidades, nos remete à reflexão de como aconteceu o processo de urbanização no Brasil, fato este intrinsecamente ligado à questão da produção da habitação social. 2 O CAÓTICO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO BRASILEIRA A aceleração do crescimento urbano nos países subdesenvolvidos tem uma lógica e uma historicidade próprias, já que houve um processo de urbanização sem crescimento concomitante à industrialização. Na América Latina o fenômeno urbano ocorre com uma característica diferenciada, uma vez que à época do comércio em grande escala, as cidades nascidas já se beneficiavam dos elementos de modernização da época. Sua função original era a de servir as relações internacionais com os países mais desenvolvidos, e as cidades se adaptaram sem obstáculos a essa função. Nos países subdesenvolvidos, graças às diferenças de impacto das modernizações posteriores à industrialização nos países desenvolvidos, as características das cidades, sua capacidade de organizar o espaço e de acumular homens e riquezas, isto é, suas capacidades de crescimento são diferentes entre os países e no interior de um mesmo país. Santos (1980, 1982), em seu estudo comparativo acerca da urbanização, explica como os processos de evolução urbana foram muito diferenciados nos países industrializados e nos países subdesenvolvidos do ponto de vista demográfico e sócio-econômico: 4 Nos países desenvolvidos, o início do processo de urbanização, examinado do ponto de vista demográfico, foi assinalado por: a) uma taxa de mortalidade urbana geral alta, mais do que a da zona rural; b)uma taxa de natalidade urbana menor que a da zona rural; c)uma evolução natural negativa ou pequena; d) uma lenta evolução demográfica, que se acelerou graças ao apelo ao êxodo rural, que contribuiu em grande parte para a formação da população urbana. Nos países subdesenvolvidos, a revolução urbana é caracterizada, ao contrário por: a) taxa de mortalidade geral baixa, muitas vezes menor que a da zona rural, e por taxas elevadas de natalidade, em alguns casos maior que a da zona rural; b) uma evolução natural positiva e forte; c) um grande apelo ao êxodo rural, êxodo este muito menor que o crescimento natural. Assim, enquanto nos países desenvolvidos assistimos a um processo cumulativo, nos subdesenvolvidos o processo é explosivo, mais localizado, seletivo e, por isso mesmo, criador de descontinuidades. Isto explica as diferenças tanto no espaço nacional como no interior da cidade. Tais diferenças são sensíveis tanto do ponto de vista espacial como do social. Diante dessa composição entre fatores produtivos, desorganizados e desarticulados entre setores, as cidades nos países subdesenvolvidas aparecem muitas vezes como um corpo estranho alógeno, inserido em um meio com o qual estabelece relações descontínuas no espaço e no tempo (SANTOS, 1980). Portanto, a análise do processo de urbanização2 brasileira é de fundamental importância para o entendimento das relações inter e intra-regionais que se configuram no Brasil, e, portanto, das conseqüências sócio-econômicas, políticas e culturais que se engendraram em nosso território, principalmente no que tange a questão da habitação de interesse social, que foi uma das formas encontradas para minimizar os graves problemas urbanos enfrentados na nossa realidade. A partir de 1940, novas condições políticas e organizacionais permitem que a industrialização conheça uma nova impulsão vinda do poder público, passando a investir 2 Sobre a urbanização e formação de regiões, Pedrão (1998) coloca que para melhor entendimento do funcionamento das cidades é necessário conhecer as inter-relações do dinamismo espacial, tal como ele se dá em diferentes tipos de cidades e nos processos que formam e modificam regiões, e a partir daí traçar políticas para cidades específicas. 5 decisivamente em infra-estrutura para o desenvolvimento industrial visando a substituição de importações e, por outro lado, permite que o mercado interno assuma um papel crescente na elaboração para o País de uma nova lógica econômica e territorial. A burguesia industrial assume a hegemonia política na sociedade sem que se verificasse uma ruptura com os interesses hegemônicos estabelecidos. Nesse momento, a urbanização torna-se cada vez maior nas grandes cidades e cidades médias brasileiras. Dá-se uma inversão no local de residência, a taxa de urbanização pula de 26,35% em 1940 para em 2000 chegar a 81,25% (IBGE, Censos Demográficos). Portanto, a população brasileira quadruplicou e foi concentrar-se nas grandes cidades. Os aproximadamente 170 milhões de habitantes em 2000 são resultado de uma história populacional que pode ser sintetizada em três períodos: No primeiro, que abrange desde o século XIX até aproximadamente 1930, onde a população brasileira apresentava taxas de natalidade e de mortalidade relativamente altas e, conseqüentemente, pequena taxa de crescimento vegetativo, o incremento da taxa populacional foi em grande parte decorrência da imigração internacional. A partir de 1940, inicia-se o segundo período dessa história, quando os níveis de mortalidade começam a declinar, o que acarretou um aumento no nível de esperança de vida. A queda da mortalidade passou a ser responsável pela variação no ritmo de crescimento da população brasileira até 1970, o que foi possível graças ao aumento concomitante da natalidade. O alto grau de urbanização que se verifica no pós-guerra é resultado de um crescimento demográfico em alta, cujas causas essenciais são o progresso da ciência absorvido dos então países industrializados, contribuindo para uma melhoria relativa no padrão de vida e da própria urbanização. O segundo período se estende até o final da década de 60, quando os níveis de fecundidade começam a declinar, impedindo assim, que o nível de crescimento da população brasileira continuasse a aumentar. A taxa de fecundidade total do Brasil passou de 5,9 filhos no período 1935/40 para 6,3 nos anos 60 e 2,5 no qüinqüênio 1991/96. Iniciou-se, no final dos anos 60, o terceiro período, caracterizado por uma redução acelerada da taxa de crescimento populacional, que hoje é estimada em torno de 1,2% a.a (IBGE, 2000). 6 A distribuição espacial da população é resultado de taxas de crescimento vegetativo diferenciadas e, principalmente de movimentos migratórios. Singer (1981) coloca que a criação das desigualdades regionais pode ser encarada como o motor principal das migrações internas que acompanham a industrialização nos moldes capitalistas. Em alguns lugares a economia se especializa na produção de uma ou poucas matérias-primas, reproduzindo dentro do país a dicotomia desenvolvidos x subdesenvolvidos, o que ele denominou de colonialismo interno. Durante o Ciclo Econômico Desenvolvimentista (entre 1930 e 1980), nosso crescimento econômico atingiu a média de 7% ao ano. Ou seja, a cada década dobrávamos nosso Produto Interno Bruto. Para tanto, o setor industrial brasileiro, principal motor dessa locomotiva, cresceu 9,5% ao ano, em média, absorvendo 6% a mais de mão-de-obra por ano e dobrando o número de trabalhadores empregados a cada dez anos. Com um crescimento populacional de 2,5% ao ano, havia demanda por vaga no setor industrial – a cada década dobrávamos a absorção da força de trabalho pela indústria. Milhões de brasileiros foram atraídos para os centros urbanos industrializados de olho nesse milagre. Apesar das dificuldades, havia chance para quem buscava trabalho nas cidades. A economia concentrava renda, mas o número de empregos aumentava. Até 1990, os índices de desemprego jamais ultrapassaram 6%. Mas após duas décadas perdidas, passamos de uma economia que cresceu como nenhuma outra no mundo durante 50 anos a uma economia de baixo crescimento. Nos últimos anos do governo Fernando Henrique Cardoso, a média de crescimento não atingiu sequer 3% ao ano. Portanto, o processo de ocupação espacial brasileira nos últimos 60 anos, foi marcado por uma desruralização e pela concentração da população em áreas urbanas. E, esse fenômeno não se deu de forma homogênea no espaço nacional, uma vez que as diferentes regiões distribuídas pelo imenso território brasileiro possuem suas especificidades. Os movimentos migratórios são o principal componente desse processo, devido ao fato do crescimento vegetativo ser mais alto, em geral, nas áreas de emigração, como no caso do Nordeste. Para caracterizar essa diferenciação de desenvolvimento no território brasileiro entre suas diversas regiões, vários autores se detiveram em analisar suas características e as 7 expressam dessa forma (MARICATO, 2001, p.41): “Celso Furtado lhe atribui as características de ‘defasagem e contemporaneidade’; Francisco de Oliveira empresta de Trotski a construção do ‘desigual combinado’; Florestan Fernandes lembra que se trata de ‘modernização com atraso’ ou ‘desenvolvimento moderno do atraso’ e Vanderley Guilherme conceitua essa construção social como ‘fratura institucional’”. 3 A HABITAÇÃO SOCIAL: MARCA DA TERRITORIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO E DO CONSUMO NO ESPAÇO URBANO É justamente nos anos 50, que o processo de acumulação de capital e concentração de renda tem como base a indústria de bens duráveis (automóveis, máquinas, eletrodomésticos), combinando tecnologia avançada na época para os padrões brasileiros de baixos salários para o operariado, e o mercado imobiliário privado volta-se para a classe média urbana, que está em franco processo de crescimento. Portanto, o período compreendido aproximadamente entre 1920 e 1950 marca a transição para o modelo da casa própria como forma de moradia da maioria da população urbana do Brasil, inclusive das massas populares. A partir dos anos 1960 não só cresce rapidamente a população do país, como ganha maior evidência a questão da moradia, uma vez que começam a multiplicar-se as áreas tipo favelas, alagados, etc. nas principais capitais, a exemplo de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, etc. Em razão disso, a participação estatal num processo mais contundente de produção de moradia está inserida num contexto de crise política e econômica com a qual se depara o novo regime instaurado com a revolução de 1964, e as medidas tomadas visavam superar essa crise. Por esses anos, o próprio setor imobiliário estava em crise, o que se traduzia em baixos investimentos nesse setor, resultando no aumento do déficit habitacional. No centro dessa crise estava a inflação, que desestimulava os investimentos e provocava um surto especulativo nos grandes centros. Na vertente política da crise estava o descontentamento das massas populares que deveria ser atenuado, graças ao efeito de uma depressão prolongada. Frente a essa crise a opção pela indústria da construção civil torna-se um elemento eficiente na sua superação, mas também pelo seu caráter absorvedor de mão-deobra (VALLADARES, 1981). 8 Durante as décadas de 60 e 70 o crescimento econômico deu-se em meio a um regime ditatorial, sem que a sociedade pudesse organizar-se para pressionar governos e empresas por uma melhor distribuição dos ganhos de produtividade, e dessa forma, a extraordinária expansão do produto se realizou com baixos salários, acentuada desigualdade e intensa concentração da renda nacional. A moradia é utilizada à época como forma de cooptação da classe trabalhadora, como instrumento político, econômico e ideológico. Nesse sentido Villaça (1986) aponta que a maioria dos críticos da política habitacional brasileira pós-64 concorda que o verdadeiro objetivo do BNH nunca foi oferecer casa própria, especialmente à população de baixa renda. O Estado vê na habitação popular um meio que atende à demanda por moradia ao mesmo tempo em que ameniza o conflito entre as forças produtivas e as relações de produção. Ou seja, ao lado das funções econômicas da indústria da construção civil, a opção por um grande plano de investimentos na construção de habitações populares é pensada como uma resposta à crise política, tendo em vista o significado da casa própria para o trabalhador brasileiro, considerada um símbolo por tudo que representa: segurança, status, renda, etc. Cria-se o Sistema Financeiro de Habitação que durante sua existência impõe determinadas linhas de atuação aos municípios, coerentes com as do governo central, que determinavam, em muitos casos, a sujeição dos prefeitos a um planejamento imposto, não correspondente às verdadeiras necessidades e carências de urbanização das cidades, uma vez que estes tinham que recorrer aos financiamentos, condicionando-se o enquadramento das diretrizes de desenvolvimento local às do centralismo autoritário. O Sistema Financeiro de Habitação propiciou uma profunda transformação no espaço urbano brasileiro, fazendo com que a ideologia da casa própria se tornasse absoluta, o mercado de produção de moradias para classe média se ampliou, houve uma diversificação na construção civil, o mercado de terras cresceu, graças principalmente ao aumento do sistema viário automobilístico, proporcionando o aumento dos recursos investidos. A reboque disso tudo se ampliou a segregação espacial e a exclusão social se aprofundou. E, por fim, o problema da moradia se agravou. 9 Abriu-se caminho para a criação de grandes Conjuntos Habitacionais estanques no espaço urbano, longe de quaisquer amenidades, segregando a população que não tinha condições de entrar no mercado formal. Em relação à política habitacional e sua forma de produção, Souza (2000, p.47) acaba por concluir: [...] na configuração urbana, esse tipo de produção habitacional teve um papel marcante na expansão da área construída das grandes cidades. Traduziu-se basicamente em dois padrões: um para as rendas mais altas, através de edificações de unidades habitacionais maiores e mais individualizadas, localizadas próximas à área central da cidade; o outro, para as famílias de renda mais baixa, com limite máximo até 12 SM, através da construção em massa de conjuntos de casas e blocos de apartamentos de padrão homogêneo e precário, edificado em série, formando grandes aglomerados isolados nas periferias urbanas. Afasta-se, assim, a população de renda mais baixa para áreas mais distantes, o que representa um dos processos que induz a segregação espacial por classes de renda, com expressão física diferenciada em relação ao que se verificou nos países centrais, onde as áreas de habitação das faixas de renda mais pobres estão próximas ao centro urbano. Isso, dentro do espaço urbano provoca uma divisão territorial por diferencial de renda, que em última instância irá se concretizar em formas e funções espaciais diferenciadas. Cada área da cidade consome e entra no circuito produtivo interno de forma a complementá-lo, fazendo girar a maquinaria capitalista. Determinados Conjuntos Habitacionais, por sua localização privilegiada e articulação ao urbano podem demandar e ao mesmo tempo fornecer bens e serviços, enquanto a população que vive em áreas mais isoladas e segregadas fica presa ao seu próprio território, onde, devido a sua falta de capacidade de renda, não podem escapar ao seu território, consomem e fornecem bens e serviços compatíveis com seu potencial econômico. Podemos denominar essa urbanização que vem acontecendo nas cidades de porte médio e grandes centros, como urbanização negativa, uma vez que não se integram ao circuito produtivo de maneira que sejam geradoras de riqueza, muito pelo contrário, esse tipo de urbanização é causadora de descontinuidades, fragmenta e secciona a cidade por intermédio de seu habitat. E aí, estamos nos referindo à habitação que é percebida entre o espaço social, o espaço econômico e o espaço físico, com conteúdo histórico que se forma a partir das contradições políticas e sociais e a distribuição e localização desta na cidade. 10 Assim, a produção planejada da habitação popular parece estar a reboque da produção espontânea, uma vez que esta solução parecia preocupar-se apenas com a questão quantitativa do déficit habitacional, sendo adotadas como modelo estanques, não fazendo parte do contexto urbano, levando à produção de sub-cidades diferenciadas dentro da cidade. E, nesse caso, fica patente o papel desempenhado pelos agentes sociais: O Estado, o Capital e a Força de Trabalho. 4 A RESPOSTA À REALIDADE INVESTIGADA Dessa maneira, não somente no Brasil o capitalismo provocou uma separação entre os locais de moradia e de trabalho, juntamente com a expropriação do trabalhador de seus meios de produção. Hoje a cidade é local de reprodução da força de trabalho, o local de viver. E, ao ser proposto um tema como o da inserção da habitação na cidade, é possível que as idéias mais freqüentes que nos vêm à mente sejam: em que bairro está sua casa? É longe do centro? Tem condução fácil? Tem comércio e serviços próximos? A rua é pavimentada? Essas perguntas respondem à questão vital das relações entre a cidade e a casa, segundo Villaça (1986). Mostram bem que a questão da moradia não se resume à casa, ambiente físico, sua forma, tamanho, sua solidez. Interessa e muito, sua localização, sua vizinhança, os serviços e comércios próximos, as distâncias aos locais de emprego. Interessa enfim, o próximo e o distante, o bom ponto e o fora de mão. O Estado brasileiro, diante das mudanças estruturais de sua economia, e, através da implantação de uma política habitacional segregativa, se comportou diante dessas transformações territoriais comandadas pela classe dominante e pelo seu sistema imobiliário, intervindo nas regiões onde se concentram as camadas de mais alta renda, com enormes investimentos em infra-estrutura urbana, especialmente no sistema viário, ao mesmo tempo em que abre frentes para o mercado imobiliário. Assim, o sistema viário nessas regiões é muito melhor que no restante da cidade, não só para atender ao maior fluxo de veículos, mas para abrir frente de expansão para o capital imobiliário. Novas espacialidades são criadas, mas são aquelas que integram-se ao espaço urbano de maneira contínua, sendo geradoras de riquezas. 11 Entre processos sociais, de um lado, e as formas espaciais, de outro, aparece um elemento mediatizador que viabiliza que os processos sociais originem as formas espaciais diferenciadas. Este elemento viabilizador constitui-se em um conjunto de forças atuantes ao longo do tempo, postas em ação pelos diversos agentes modeladores (Estado, promotores imobiliários, proprietários de terras, o grande capital industrial), e que permitem localizações e relocalizações das atividades e da população na cidade. Na medida que estas forças atuam intensamente e durante um longo período de tempo, geram uma marcante fragmentação da estrutura social, ao mesmo tempo em que se verifica uma grande concentração de atividades e população em determinados espaços da cidade. Dessa localização diferenciada no espaço urbano das classes sociais fragmentadas é que emerge a segregação residencial. Esta alocação diversificada, de onde morar, reflete em primeiro lugar um diferencial no preço da terra – que nada mais é que a renda gerada pelo uso do solo urbano – que varia em função de sua acessibilidade e de suas amenidades. A melhor localização será adquirida para atender a demanda solvável, os piores terrenos serão aqueles mal localizados, que servirão para construção de residências inferiores e adquiridas por aqueles de menor renda. Aos que não possuem nenhuma capacidade econômica, restam as periferias3 e invasões. A ocupação de novas áreas, longe de seguir critérios programados, baseia-se na retenção especulativa de terrenos à espera de valorização. Subjacente a isto, encontra-se o Estado numa produção indireta ou direta do espaço urbano, ao eleger as piores localizações para os que possuem menor renda, e por outro lado, construindo equipamentos urbanos em áreas já valorizadas pelo capital imobiliário. No dizer de Corrêa (1989) as classes menos favorecidas sofrem de uma segregação imposta, porque a elas restam poucas alternativas de moradia, a não ser aquelas subsidiadas pelo Governo. De outro modo, podemos em parte, resumir nas palavras de Pedrão (1998, p.47) como se dá a formação e produção das cidades e seus processos: “[...], a análise da 3 Os principais fatores que contribuem para o processo de periferização são apontados como sendo: as condições salariais da classe trabalhadora, e a expulsão direta dos núcleos por ação de programas de remoção de favelas e renovação urbana, e a expulsão indireta em decorrência da legislação e taxação urbanas e, ainda, a especulação imobiliária (VALLADARES, 1980). 12 produção social de cidade apóia-se no reconhecimento de que há uma economia da cidade como tal, que corresponde ao seu funcionamento como unidade de produção e de consumo; bem como há uma economia dos investimentos localizados nas cidades”. Necessário que se faça estudos sobre a cidade real, identificando as diferentes espacialidades que compõem o urbano, para que possamos entender o conteúdo social sobre o espaço construído e aí possamos traçar políticas condizentes e interferir de maneira que possamos transformar e diminuir as desigualdades e termos cidades mais justas. A sustentabilidade não é uma questão meramente ambiental, pode-se ter uma cidade ambientalmente sustentável sem que ela seja socialmente sustentável. Necessário também é possuir uma boa governança urbana, que seja transparente e participativa. Não se pode dizer que nossas cidades alcançaram uma sustentabilidade bem sucedida até que os planos de desenvolvimento urbano incluam a preocupação com os pobres e geração de emprego e renda para que estes possam ser inseridos no circuito produtivo capitalista. Qualquer estrutura urbana, em qualquer lugar do mundo, é decorrência do processo produtivo daquela sociedade. Hoje, temos nas cidades brasileiras problemas que são conseqüência da própria estrutura econômica do país, vide as políticas de habitação social, temos desigualdades sócio-espaciais – com o conseqüente aumento das favelas e a ocupação desordenada da periferia – que são em grande parte fruto das desigualdades econômicas. Não é possível dissociar um problema do outro, uma sociedade injusta produz uma cidade injusta. A questão não é tão somente a habitação quantitativa, mas, sobretudo a qualitativa. É óbvio que o processo de urbanização brasileiro já esgotou suas possibilidades, e sem uma reforma urbana é difícil prever as conseqüências para o caos nas cidades. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CORRÊA, Roberto Lobato. O Espaço Urbano. São Paulo: Ed. Ática, 1989. MARICATO, Erminia. Brasil, cidades. Rio de Janeiro: Vozes, 2001. PEDRÃO, Fernando C. Urbanização e formação de regiões. Cadernos de Análise Regional, Salvador, n.1, 1998. SANTOS, Milton. A urbanização desigual: a especificidade do fenômeno urbano em países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: Vozes, 1980. 13 ______. Ensaios sobre a urbanização latino-americana. São Paulo: Hucitec, 1982. SOUZA. Angela Gordilho. Mudanças urbanas em Salvador no final do século XX. Bahia Análise & Dados: Salvador. SEI v.9 n.4 p.53-73. Março 2000. VALLADARES, Licia do P. Habitação em questão. 2. Ed. Rio de Janeiro: ed. Zahar, 1981. ______. Passa-se uma casa: Análise do programa de remoção de favelas do Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.