Efeito do tempo de inundação sobre a entrada de água nas domáceas das plantas Maieta sp. e Hyrtella mymercophila André de Almeida Mendonça (Agrawal Introdução 1997, Gullan 2005, A seleção de hábitat ocorre Hölldobler & Wilson 1990). Em troca, quando os animais usam um tipo as formigas podem prover a planta particular de habitat mais do que nós proteção contra mamíferos pastadores, esperaríamos na remover insetos herbívoros, fornecer disponibilidade do habitat (Arthur et al. nutrientes a sua planta hospedeira ou 1996). retirar plantas epífitas que crescem em Esta com seleção base normalmente aumenta a sobrevivência e aptidão dos suas hospedeiras (Gullan 2005). organismos (Block & Brennan 1993). Na Amazônia Central plantas Desta forma, se um local se torna mimercófitas inadequado, as espécies podem se (Benson, 1985). Nas áreas de terra firme deslocar e selecionar novas áreas de essas plantas podem ocorrer ao longo de ocupação. platôs, vertentes e baixios. O centro dos Em espécies são muito comuns mutualistas baixios, onde ocorrem os igarapés, são obrigatórias, nas quais a ocorrência de áreas passíveis de alagamento (Ribeiro uma espécie depende de outra, a seleção et al. 1999). Os igarapés são rios de de habitat de uma delas pode depender baixa ordem onde o nível da água pode da distribuição da outra. Formigas subir em função das chuvas em sua área associadas às plantas mimercófitas são de drenagem (Junk et al. 1989). Nessas um exemplo desse tipo de interação. áreas as plantas estão submetidas ao Plantas possuem risco de serem submersas durante os domáceas, estruturas especializadas que imprevisíveis aumentos do nível da fornecem abrigo às formigas, que água. permitem o estabelecimento de colônias especialmente desses insetos (Hölldobler & Wilson mimercófitas, pois há risco entrada de 1990). As formigas recebem da planta água nas domáceas e conseqüente abrigo, proteção contra predadores, destruição das colônias de formigas proteção contra desidratação e alimento associadas. Para lidar com a elevação mimercófitas Esses eventos podem importantes para ser as 1 no nível da água, algumas estratégias impeçam a entrada de água nesta podem estrutura. Já em áreas de platôs, ter sido selecionadas nas formigas como a colonização de ramos encontramos superiores Hyrtella da planta (Sá 1998), a planta mimercófita mymercophila migração vertical no momento de (Melastomataceae), que não ocorre nos inundação ou colonização preferencial baixios. Esta planta possui associação de plantas longe de corpos de água. mutualística obrigatória com a formiga Plantas mimercófitas do gênero Maitea sp. (Melastomataceae) Allomerus octoarticulatus (Formicidae). são Desta forma, se a restrição a entrada de encontradas nas margens dos igarapés água nas domáceas de Maieta sp. é uma (Dobrovolski resposta et al. 2010). O adaptativa às inundações, mutualismo obrigatório entre esta planta espera-se que esta característica não e ocorra em H. mymercophila. formigas da espécie Pheidole minutula (Formicidae) (Lapola et al. Este trabalho objetiva avaliar 2004) associada a baixa disponibilidade como das plantas usadas como abrigo, fazem obrigatoriamente com que o abandono da colônia e mimercófitas sobrevivem à inundação. migração para outra planta seja muito Minha hipótese é que as domáceas de custoso (Dobrovolski et al. 2010). Da Maieta sp. conferem abrigo contra a mesma forma, a seleção de ramos água durante os período em que ocorre superiores pelas formigas e a migração o aumento do nível da água dos vertical podem ser pouco eficientes igarapés. Se houver uma resposta frente ao pequeno tamanho de algumas adaptativa ao aumento do nível da água, plantas, e minha previsão é que após submeter as imprevisibilidade do aumento do nível plantas a submersão, a freqüência de da água no igarapé. Finalmente, a domáceas sem ar no seu interior seja ocorrência de plantas colonizadas por menor nas Maieta sp. do que em H. formigas em regiões distantes dos Mymercophila. Também espero que a igarapés não é maior do que próximo proporção de formigas vivas e mortas deles (Dobrovolski et al. 2010). Assim, seja maior em Maieta sp. do que em H. como existe uma alta freqüência de Mymercophila plantas colonizadas no baixio, pode-se diferentes períodos submersas. a velocidade as colônias de formigas associadas após às permanecerem esperar que as domáceas de Maieta sp. apresentem respostas adaptativas que Métodos 2 Eu conduzi o estudo em uma formigas de dentro das domáceas. Em área de floresta primária de terra firme seguida submergi o ramo no igarapé a na fim de simular o aumento do nível da Área de Relevante Interesse Ecológico (ARIE) do Km 41 (02º água com correnteza. 26’S59º46’N) pertencente ao Projeto Para avaliar a capacidade de Dinâmica Biológica de Fragmentos resistência das formigas à inundação, Florestais (INPA/Smithsonian submergi os ramos de Maieta sp. e H. Institution) e localizada a cerca de 80 mymercophila por diferentes períodos km ao norte de Manaus, Amazonas, de tempo (0,5 h, 1 h, 5 h, 12 h e 24 h). Brasil. A média anual de temperatura é Usei cinco ramos de cada espécie para de 27 ºC e a precipitação anual é de cada tempo. A cada intervalo de eu 2.100 mm (RADAM BRASIL 1978). A retirei uma amostra de três folhas de área possui uma rede de drenagem, que cada ramo. Para cada ramo em cada contem igarapés de 1º, 2º e 3º ordem. intervalo de tempo eu calculei a Neste sistema o nível das águas é proporção de domáceas com ar em seu influenciado pelas locais interior nas três folhas. Avaliei a concentradas entre maio presença de ar nas domáceas ao fazer (Walker 1995). Desta forma, durante a um pequeno corte na estrutura enquanto estação chuvosa, o nível da água nos ela ainda estava submersa. chuvas março e igarapés pode subir diariamente o Para testar a previsão de que a suficiente para submergir pequenos proporção de formigas vivas é maior em arbustos (M. Dias, com. pess.). Maieta sp. do que em H. Mymercophila, Para realizar os experimentos, utilizei 52 folhas da primeira espécie e coletei os indivíduos de Maieta sp. ao 24 folhas da segunda. As folhas longo das margens de um igarapé e os utilizadas neste experimento foram de H. mymercophila em uma área de extraídas dos mesmos ramos e nos platô. Coletei plantas distantes cerca de mesmos intervalos de tempo utilizados 10 m uma das outras para reduzir as para avaliar a presença de ar nas chances de amostrar plantas aparentadas domáceas. Registrei e colônias fundadas por rainhas de uma resposta a o número de formigas vivas mesma as dividido pelo total de formigas mortas plantas, cortei o ramo de cada uma e nas domáceas em cada ramo. Como em imediatamente a submergi em um balde Maieta sp. obtive mais de uma de uma com água para evitar a fuga das folha por réplica, somei os dados das prole. Após selecionar como variável 3 duas folhas para calcular a proporção de diferentes formigas vivas em cada ramo nos ANOVA. tempos, realizei uma diferentes intervalos de tempo. Este mesmo procedimento foi realizado para Resultados avaliar o efeito dos tratamentos sobre o número total de formigas. Avaliei a Nas duas espécies de plantas, do tratamento de 0,5 h até o de 5 h, a média primeira previsão da proporção de folhas com domáceas graficamente utilizando a média da com ar se manteve próximo a 100% proporção de domáceas com e sem ar (Fig. 1). Após 12 h de submersão, em cada tratamento. Da mesma forma, Maieta sp. teve todas suas folhas com avaliei da ar, enquanto somente cinco folhas de H. proporção de formigas vivas em cada mymercophila tiveram domáceas com intervalo de tempo. Para comparar a ar. No tratamento de 24 h, 11 folhas de média de sobrevivência nas formigas Maieta sp. e duas H. mymercophila das duas espécies de plantas nos tiveram graficamente a média ar em suas domáceas. Proporção de folhas com ar 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 0,5 1,0 5,0 12,0 24,0 Tempo de submersão (h) Figura 1. Média da proporção de folhas com ar nas domáceas de Maieta sp. e H. mymercophila após diferentes tempos de submersão em um igarapé na Amazônia Central, Brasil. A barra escura representa Maieta sp. A barra branca representa H. mymercophila. A proporção média de formigas 0,98 a 1,00 entre o tratamento de 0,5 h e vivas por folha em Maieta sp. variou de o de 24 h (Fig. 2). Em H. mymercophila 4 a proporção de formigas vivas também tratamento de 24 h, a H. mymercophila se manteve próxima a 100% em todos não apresentou nenhuma formiga. os tratamentos. A exceção ocorreu no Proporção de formigas vivas por folha em cada espécie de planta 1,0 0,8 0,6 0,4 0,2 0,0 0,5 1 5 12 24 Tempo de submersão Tempo de submersão (h) Figura 2. Proporção de formigas vivas em Maieta sp. e H. mymercophila após diferentes tempos de submersão no igarapé na Amazônia Central, Brasil. A barra escura representa Maieta sp. A barra branca representa H. mymercophila. O número médio do total de formigas H. mymercophila após 0,5 h não houve (soma das formigas mortas e vivas) nas variação no número médio total de domáceas de Maieta sp. variou nos formigas. Não houve efeito da interação tratamentos. entre o tempo de submersão e as Contudo não houve redução dessa média com o passar do espécies tempo de submersão. Em domáceas de p=0,52). de planta (F(4,20)=0,81, 5 60 Número total de formigas por folha Alomerus octoarticulatus Pheidole minutula 50 40 30 20 10 0 0,5 1 5 12 24 Tempo de submersão (h) Figura 3. Número total de formigas P. minutula e A. octoarticulatus (soma das quantidades de formigas vivas e mortas) em cada folha de Maieta sp. e H. mymercophila após diferentes tempos de submersão em um igarapé na Amazônia Central, Brasil. capazes de impedir a entrada de água Discussão A diferença na freqüência de nas domáceas sob inundação de curta domáceas com ar após 12 e 24 h de duração (períodos menores do que 24 submersão, entre Maieta sp. e H. h). Duas explicações são possíveis para mymercophila, indicou que, sob uma isso. Primeiro, a domácea pode não ter inundação mais prolongada Maieta sp. sido selecionada no sentido de conferir fornece um abrigo mais protegido para proteção contra água. Neste caso, o fato suas formigas associadas. Este resultado da entrada da água raramente ocorrer pode explicar a freqüência similar das até 12 h de inundação pode ser por que colônias de P. minutula nas áreas de a arquitetura da domácea, mesmo não baixio e vertente (Dobrovolski et al. sendo adaptativa, impede a entrada de 2010). águas. Como a abertura das domáceas é A ocorrência, despeito ambas do as local de geralmente muito pequena, é possível plantas são que tal arquitetura impeça fisicamente a 6 entrada de água por causa da tensão também podem estar adaptadas às superficial criada neste local. condições existentes nos igarapés. A segunda explicação refere-se a Este resultado sugere que uma resposta adaptativa no sentido de animais que possuem restrições no conferir proteção contra inundações processo de seleção de hábitat deverão rápidas, sem a ocorrência de submersão encontrar estratégias alternativas para total da planta, como em uma situação sobreviverem com grande quantidade de chuva. Na ambiente. Este parece ser o caso das região de estudo a precipitação anual é Maieta sp. e a P.minutula,. visto que muito alta e as chuvas concentram-se estes organismos possuem associações em uma estação (RADAM BRASIL mutualísticas 1978). Assim, é possível que as impedidas domáceas apresentem adaptações contra independemente a entrada de água, mesmo em H. Adaptações para manter as colônias de mymercophila. formigas viáveis são decisivas na Ao contrário das expectativas em de um determinado obrigatórias selecionar uma e o da são habiat outra. sobrevivência das espécies. iniciais, o tempo de submersão não Apesar de plantas de Maieta sp. influenciou a proporção de formigas mais vivas plantas submersas, a colonização pela formiga estudadas. Isso indica que as formigas em indivíduos jovens e com poucos conseguem utilizar o oxigênio do ar centímetros de altura pode ser crucial mantido no interior das domáceas por para garantir defesa eficiente contra pelo menos 24 h. No entanto, como H. herbivoria e assegurar a sobrevivência mymercophila teve poucas formigas da planta até o estágio adulto. Neste depois de 0,5 h de submersão, é sentido, adaptações que permitam o possível que elas tenham sido levadas estabelecimento de colônia de formigas pela correnteza da água no igarapé. Em em plantas jovens são fundamentais. De Maieta sp. essa perda de indivíduos maneira provavelmente não ocorreu, já que não mimercófitas que ocorrem em áreas que houve redução do número de formigas impõe algum tipo de restrição às com o passar do tempo. O fato de H. formigas, mymercophila ter perdido formiga após características particulares. Assim como 0,5 h mesmo mantendo ar no interior a capacidade das domáceas de Maieta das domáceas, indica que as P. minutula sp. em restringir a entrada de água, tais de nenhuma das velhas dificilmente análoga, podem outras ter ficarem plantas desenvolvido 7 características devem manutenção desta permitir a associação emocionado discurso dos dois fazia todo sentido. obrigatória entre formigas e plantas. Aos novos amigos feitos no EFA, obrigado por todas as rodas de discussão, ajuda em campo, “tibuns”, Agradecimentos Não sei nem por onde começar. festinhas sensacionais. Cada pessoa Foram tantas as pessoas bacaníssimas mais singular que outra. Terei história que eu para contar de cada um de vocês: participasse deste curso e para que ele “Amazon Charming” e seu mundo fosse uma experiência inesquecível. colorido, contribuíram Agradeço para Fernandinha Mundururum, Paulinho Pedro, Camila Oferenda, a anja de todos Enrique (Rainbown Master) por ter sido nós, Bruno Cid que animava pra bem mais que um coordenador. Foram caramba, Mônia Mãmão Selvagem II, boas boas João, o mineiro mais engraçado que já brincadeiras, puxões de orelha, risadas conheci, Laura Xerifão, Thiago Preto e que não acabavam mais. Agradeço aos Thiago Branco... Não dá pra citar um outros bons professores que passaram por um. Vocês foram de mais! Tenho pelo curso, sempre com muita coisa a certeza de que sentirei saudades de ensinar, com bom humor e boa vontade. muita gente e torço para revê-los. aulas, muito que bons conselhos, Agradeço especialmente a Paulinho Estefano, Dani Kasper, Claudinha Paz e Referencias Fabrício pelas Agrawal, A.A. 1997. Do leaf domatia orientações e ajuda nos trabalhos de mediate a plant–mite mutualism? campo. Graças a vocês volto para a An experimental test of the effects Bahia com a sensação de que em um on mês eu aprendi o que normalmente se Ecological Entomology, 22:371– aprenderia em um ano. 376. (Mr. Pra que?) Agradeço muito a Tiko e Claris, Arthur, predators S.M., and herbivores. B.F.J. Manly, & Garner. amigões do peito que foram decisivos L.L.McDonald na minha vinda para o EFA 2010. Os 1996.Assessing habitat selection dois foram participantes de edições when availability changes. Ecology, anteriores do curso e sabia o que eu 77:215–227. estava por encontrar. W. Com grande Benson, W.W. 1985. Amazon ant- satisfação eu pude confirmar que o plants. In: Amazonia, pp. 239-266, 8 G. Prance & T. Lovejoy (eds.). river-floodplain systems. Canadian Pergamon Press, New York. Species Block,W.M., & L.A. Brennan. 1993. Publish Fish Aquatic Science, 106:110-127. 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