Fernando José Castro Cabral Vereador Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais Fernando José Castro Cabral, brasileiro, solteiro, agente político, identidade M376.366 SSP/MG, CPF 124.366.666-87, residente da Praça Antônio Leite, 44 ap. 1000, Centro, CEP 35600-000, Bom Despacho-MG, com fundamento no §1o do art. 113 da Lei no 8.666/93 c/c art. 219 e seguintes do RI/TCE-MG, c/c art. 65 e seguintes da LC no 102/08 REPRESENTA a esse Tribunal de Contas contra irregularidades praticadas pelo Prefeito Municipal de Bom Despacho, Haroldo de Sousa Queiroz, brasileiro, casado, CPF no 325.053.406-06, RG no 1.578.226 SSP/MG, domiciliado na Rua Padre Augusto, no 170, Bairro Ozanan, conforme a seguir descrito. A compra ilegal e o superfaturamento de veículos No final de 2005 e início de 2006 o Município de Bom Despacho, sob o comando do prefeito Haroldo de Sousa Queiroz, comprou 29 veículos mediante pregões no 2/2005 e 1/2006. Esses dois pregões foram fraudados. Fraudes que redundaram num prejuízo de R$ 1.926.420,53 para o erário municipal1. Entre os veículos comprados estavam sete caminhões, quatro automóveis, uma caminhonete, sete micro-ônibus e dez kombis. A fraude apoiou-se em três esteios principais: a) direcionamento da licitação; b) dissimulação de um financiamento como “locação”; c) aplicação de taxas de juros escorchantes (até 8% ao mês) embutidas na falsa “locação” paga mensalmente. Esses artifícios são esmiuçados e demonstrados abaixo. O direcionamento da licitação O direcionamento – ou seja, o jogo de cartas marcadas – se evidencia nos seguintes fatos: a) A cotação prévia para previsão de custos foi feita com um só fornecedor, quando o correto seria consultar ao menos três. Além do mais, o fornecedor escolhido não foi de Bom Despacho, da região, ou mesmo do Estado de Minas. Ao contrário, ele foi meticulosamente 1 Corrigido apenas pela correção monetária do período (INPC) esse valor chega hoje a R$ 2.479.542,17. Corrigido pela evolução da SELIC, o valor atinge R$ R$ 3.210.498,70. Praça Antônio Leite, 44 ap. 1000 – CEP 35600-000 – Bom Despacho–MG Telefone: (37) 3521-2183 - (37) 9988-8868 — [email protected] 1 Fernando José Castro Cabral Vereador pinçado no Estado de Goiás. Entretanto, os produtos comprados têm fornecedores em Bom Despacho, em Divinópolis, em Pará de Minas, Belo Horizonte e várias cidades mais próximas. Por que nenhum desses fornecedores de perto foi consultado? Nada impediria a empresa de Goiás de participar e ganhar a licitação. Também não havia impedimento em que ela também fosse consultada. Entretanto, é suspeito que nenhuma empresa da cidade ou da região tenha sido chamada a cotar os veículos. Aliás, elas nem sequer tomaram conhecimento de que havia uma licitação em andamento. Assim, o fato de cotar com uma única empresa desconhecida, comercialmente irrelevante e de local distante constitui-se em evidência de direcionamento. b) Conforme se constata no seu contrato social, a empresa consultada não é do ramo de venda de caminhões, ônibus e automóveis. Portanto, não poderia ter cotado e não deveria nem mesmo ter sido consultada. Ela tampouco é do ramo do leasing, do aluguel ou da venda financiada de veículos. Também isso evidencia o direcionamento. c) Os secretários municipais usaram ofícios padronizados, preparados no mesmo computador, impressos na mesma impressora, e emitidos na mesma data. Todos, simultaneamente, fizeram o mesmo estranho e absurdo pedido de que os veículos fossem adquiridos mediante “locação com doação ao final”. De forma igualmente absurda e incompreensível, eles também determinaram a forma e o prazo de pagamento. Esse fato mostra que houve uma operação orquestrada entre os secretários. Note-se que não é tarefa do secretário que necessita de um veículo determinar ao setor de compras como comprar e como pagar. Isso faz parte da política da prefeitura e é controlado pelos órgãos específicos, como contabilidade e compras. Note-se, ainda, que sem a combinação é certo que meia dúzia de secretários não teriam a mesma ideia incomum e infeliz de adquirir os veículos de que supostamente necessitavam mediante “locação com doação ao final” e pagamento “em vinte e quatro (ou vinte e sete) parcelas”. Finalmente, essa ação orquestrada indica uma ordem superior que os secretários cumpriram. Somente o prefeito Haroldo de Sousa Queiroz tinha o poder, os meios e o interesse em conduzir essa orquestração. Portanto, é seguro concluir que os secretários receberam os ofícios já prontos. Eles atuaram apenas como agentes auxiliares na fraude. Quanto ao teor dos ofícios, aquele assinado pelo Secretário da Administração, Oranício Menezes, é tão estapafúrdio quanto exemplar. É o que mostra a transcrição abaixo: Solicito a fineza de providenciar processo licitatório para locação com doação ao final dos pagamentos de 01 (um) veículo tipo automóvel de passeio, conforme descrição em requisição anexa, com início da locação em janeiro de 2006, para transporte de funcionários da área administrativa para desenvolverem trabalhos externos. Sendo a locação por um período de 24 (vinte e quatro meses) pago em parcelas mensais, iguais, fixas e irreajustáveis. Como se não bastasse, todos os secretários também indicaram o mesmo fornecedor de Goiás e entregaram o ofício no mesmo dia 21 de novembro de 2005. O prazo de preparo do edital A lista cronológica apresentada a seguir evidencia uma celeridade impossível que também revela a fraude. Praça Antônio Leite, 44 ap. 1000 – CEP 35600-000 – Bom Despacho–MG Telefone: (37) 3521-2183 - (37) 9988-8868 — [email protected] 2 Fernando José Castro Cabral Vereador Assinados e entregues ao setor de licitação no dia 21 de novembro de 2005, até o dia 25 aconteceram todas as etapas internas que normalmente levariam semanas para acontecer. Foram elas: Dia 21 – Oito secretários pediram a compra de um total de 29 veículos; Dia 23 – Ficaram prontos os orçamentos dos 29 veículos; Dia 25 – a) declarada a existência de créditos orçamentários; b) compra aprovada pelo departamento de finanças; c) compra aprovada pelo prefeito; d) pedida a emissão do empenho (o que se registra como descabido, pois não se tinha nem o valor nem o nome da empresa beneficiária); e) o resumo do edital foi encaminhado para publicação (antes mesmo do parecer da Assessoria Jurídica). Seria lisonjeiro pensar que a prefeitura de Bom Despacho tem a capacidade de realizar tudo isso em apenas cinco dias úteis. Entretanto, o que essa ligeireza revela não é agilidade, mas corrupção. A prefeitura municipal de Bom Despacho não tem os meios para produzir em 5 dias um edital com tal complexidade. Essa licitação envolveu oito tipos de veículos de portes muito variados, oito secretarias, vários milhões de reais e um conceito de financiamento inusitado e nunca antes praticado pelo município. Ou por qualquer outro que não tenha praticado semelhante fraude. O que isso significa é que o edital já chegou pronto à prefeitura. Foi fornecido pela empresa que comandou a operação. Deve-se notar, ainda, que o resumo do edital foi imediatamente encaminhado para publicação, o que aconteceu antes mesmo de a Assessoria Jurídica ter se pronunciado a respeito da adequação e legalidade do edital. Não que o parecer tivesse feito diferença. Conforme se nota, a Assessoria Jurídica – mesmo tardiamente – opinou pela legalidade do procedimento. O fato causa estranheza, vez que a operação não só não tem amparo legal, como encontra vedação explícita no entendimento dessa Corte de Contas, conforme se infere da resposta à Consulta TCEMG nº 434.177, sessão do dia 23/9/99. Pela data se vê que é um entendimento antigo e consolidado. Fato que a Assessoria Jurídica passou por cima. Enquanto isso, o andamento acelerado continuou nos dias seguintes: Dia 28 – Na segunda-feira depois de o resumo do edital já ter sido publicado, a Procuradoria Jurídica aprovou o procedimento. Isso, a despeito de suas inúmeras irregularidades – e a despeito da estranha forma de financiamento prevista. o Dias 1 a 7 de dezembro – Conforme fl. 60, 15 pessoas baixaram o edital. Dessas, porém, 6 eram servidores da própria prefeitura e uma entrou com CNPJ duplicado. É bom observar, ainda, o que aconteceu quando o pregoeiro encontrou um erro de especificação. Em vez de republicar o edital, enviou aos interessados um e-mail de correção. Observe-se, em primeiro lugar, que a alteração da especificação poderia ter alterado o universo de interessados. Isso exigia republicação do edital, não mero comunicado aos interessados que haviam pegado cópias dele. Em segundo lugar, constata-se que os destinatários das mensagens não correspondem àqueles que baixaram o edital (fls. 60-74). Em terceiro lugar, verifica-se que a mensagem enviada à empresa San Marco é de 7 h 12 min. do dia 7 de dezembro de 2005 (fl. 67 do edital). Entretanto, na fl. 74 ela aparece como enviada às 11 h 59 min. do dia 8 de dezembro de 2005. Isso mostra que as mensagens foram forjadas. Portanto, temos aí uma falsificação. Uma demonstração de que o processo foi “arranjado” e não autuado em sua sequência natural. Praça Antônio Leite, 44 ap. 1000 – CEP 35600-000 – Bom Despacho–MG Telefone: (37) 3521-2183 - (37) 9988-8868 — [email protected] 3 Fernando José Castro Cabral Vereador Enfim, em 24 dias a prefeitura conseguiu realizar uma licitação dessa magnitude e complexidade, quando se sabe que a regra é que ela gaste meses. Na maioria das vezes, muitos meses. Os prazos curtos evidenciam irregularidades. Mais ainda quando o parecer jurídico é serôdio e inócuo; quando não há verdadeira cotação de preços; quando não há divulgação ampla da licitação e quando o esquema de pagamento é... Um esquema. E, se dúvida houvesse quanto à fraude, bastaria comparar os preços pagos pelo falso “aluguel” com os preços que realmente deveriam ser pagos, fosse a título de aluguel, fosse a título de financiamento, fosse a título de leasing. Em nenhuma dessas hipóteses – se honestas – os valores chegariam àqueles pagos pelo prefeito Haroldo de Sousa Queiroz. O falso aluguel No sistema jurídico brasileiro não existe a figura de “locação com opção de doação”. Não existe e não faz sentido. Se o comprador paga o valor de um bem em 27 parcelas e ao final o recebe incondicionalmente, trata-se de venda a prazo e não de aluguel. Agora, se o recebe por opção, mediante pagamento de parcela residual, trata-se de arrendamento mercantil, ou leasing, mas não de aluguel. O aluguel pressupõe que o locador mantenha a propriedade do bem durante o aluguel e que pretende mantê-la após o vencimento do período contratado. Portanto, cobra pelo uso do bem, não pela transferência de sua propriedade. Não há venda. Vê-se, assim, que aluguel, venda a prazo e leasing são três figuras distintas, cada uma com suas razões próprias, custos próprios e legislação própria. Não existe aí uma lacuna a ser ocupada por uma suposta “locação com doação ao final". Aplicando-se ao caso o princípio da primazia da realidade, constata-se que o que a prefeitura fez foi uma compra a prazo, paga em 24 ou 27 prestações. É o que se extrai do edital, da proposta comercial e do contrato, conforme trecho a seguir transcrito: Primeiro pagamento no valor de R$ 64.965,00 (sessenta e quatro mil novecentos e sessenta e cinco reais), dividido em 03 (três) parcelas de R$ 21.655,00 (vinte e um mil seiscentos e cinquenta e cinco reais), sendo a primeira parcela com vencimento após a entrega do bem, a segunda após 30 dias, e a terceira após 60 dias da data da entrega do bem. As demais parcelas remanescentes, no total de 24 (vinte e quatro) parcelas mensais, iguais, fixas e irreajustáveis no valor de R$ 12.084,79 (doze mil oitenta e quatro reais e setenta e nove centavos), com vencimento de 30 em 30 dias, sendo a primeira das 24 parcelas com vencimento 90 dias após a data de entrega e as demais a cada 30 dias respectivamente. Entretanto, essa compra a prazo foi dissimulada de forma a descaracterizar tanto a compra a prazo quanto o leasing. Leasing que, embora descaracterizado, serviu vagamente de modelo para a construção da fraude. A “doação ao final” lembra a opção de compra que o arrendatário pode exercer no leasing. Só que aparece não como faculdade do arrendatário, mas como obrigação do arrendador. Já as parcelas mensais do financiamento lembram as contraprestações do leasing. De Leasing, porém, não se trata, pois a operação e a operadora não atendem aos requisitos da lei no 6.099/74 (vejam-se, por exemplo, as exigências dos artigos 5o, 4o e 2o, §2o). Essa descaracterização do leasing e da compra a prazo teve como objetivo principal fugir à necessidade de obter aprovação da Câmara Municipal. De fato, essa seria necessária no caso de financiamento ou arrendamento mercantil, mas não no caso de aluguel. E a razão patente para o prefeito querer escapar ao controle do legislativo era que precisava manter na clandestinidade tanto a fraude na licitação quanto a prática de sobrepreço escorchante. Praça Antônio Leite, 44 ap. 1000 – CEP 35600-000 – Bom Despacho–MG Telefone: (37) 3521-2183 - (37) 9988-8868 — [email protected] 4 Fernando José Castro Cabral Vereador Sobrepreço escorchante que está demonstrado abaixo e nas planilhas anexas. Em suma, o nome “locação com doação ao final” é um engodo. Uma fraude. Primeiro, porque não houve locação; segundo, porque não houve doação. Terceiro, porque a operação realizada foi de compra a prazo. Bom lembrar que doação, nos termos do art. 538 do Código Civil, é um contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere bens ou vantagens do seu patrimônio para o patrimônio de outra pessoa. Portanto, não pode haver obrigação de doar. Se houver obrigação de entregar o bem, então estará descaracterizada a doação. Mas foi isso o que o contrato firmado com a prefeitura exigiu: a “doação” obrigatória. Isso descaracteriza a figura jurídica, pois lhe tira o caráter de liberalidade exigido por lei. Nesse sentido, veja-se a regra abaixo extraída do processo licitatório: Tendo a Administração Pública, [sic] efetuado os pagamentos mencionados no sub item IV – das condições de pagamento, a empresa contratada, se obriga a transferir a propriedade dos bens objetos do contrato a ser celebrado, oriundo da presente licitação, sem nenhum ônus, ou despesas, entregando os documentos “Certificados de Propriedade” dos veículos devidamente preenchidos em nome do Município, assinados e com firma reconhecida, no prazo máximo de 30 (trinta) dias, após o término dos pagamentos (fl. 42 do processo licitatório do pregão no 2, de 14/12/2005.) Ora, se desde o início a empresa contratada se obrigou, a doar – por imposição editalícia e por contrato – então nunca se tratou de doação, mas de obrigação contratual. No presente caso, tratou-se de um mal disfarçado financiamento com alienação fiduciária. Só que, perante a instituição financeira, quem tomou o financiamento não foi o município, mas a empresa fornecedora. Ou seja, a empresa fornecedora agiu meramente como intermediária e meio para que o dinheiro fosse sifonado do erário para o bolso da quadrilha. Em suma, a pretensa “locação com doação” foi um negócio simulado, com graves prejuízos financeiros para o município. O superfaturamento Feita a colusão com as empresas, o superfaturamento praticado na licitação fraudada se deu mediante a prática de juros extorsivos embutidos no cálculo das parcelas da suposta “locação”. As taxas mensais praticadas, para cada tipo de veículo, estão representadas no quadro abaixo: Veículo Caminhões coletores Caminhões basculantes Caminhão de carroceria Uno Mille Uno Strada Micro-ônibus Kombi Taxa mensal (%) 6,89 5,98 6,78 4,89 6,61 8,00 5,87 Na época, as taxas de juros oficiais à disposição da prefeitura eram da ordem de 0,9% ao mês (programas do BDMG). A diferença entre essa taxa disponível (0,9% a. m.) e as taxas que a prefeitura aceitou pagar (de 5 até 8% a. m.) permitiu o desvio do dinheiro. Na média, houve um pagamento extra de R$ 0,69 para cada R$ 1,00 legitimamente devido. Praça Antônio Leite, 44 ap. 1000 – CEP 35600-000 – Bom Despacho–MG Telefone: (37) 3521-2183 - (37) 9988-8868 — [email protected] 5 Fernando José Castro Cabral Vereador Em consequência, o erário arcou com um prejuízo de R$ 1.926.420,53 numa compra de R$ 4.724.000,00. Isso significa que a compra deveria ter custado R$ 2.797.579,47. Em outras palavras, houve um superfaturamento de 68,86%. Os valores acima – convém lembrar – estão em moeda da época. Como foi calculado o valor do prejuízo O valor do prejuízo foi calculado tomando-se por base o preço de mercado do veículo registrado pela FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas em dezembro de 20052. Por exemplo, o ônibus escolar para 52 passageiros, fabricado pela Marcopolo, modelo W8, a Diesel, ano 2005, custava R$ 131.154,00. O prefeito, porém, pagou por ele R$ 252.000,00. A diferença – presume-se – seria o valor do suposto “aluguel”. Na realidade, a diferença são os juros exorbitantes. Daí saiu o dinheiro dividido entre os membros da quadrilha. De fato, esse “aluguel”, não fazia sentido. Como desde o início a empresa tinha a obrigação de “doar” o veículo ao final do período, é evidente que embutiu nele o custo do próprio veículo. E como ela não era dona do veículo, mas o financiou junto à instituição financeira, também embutiu os juros cobrados pela instituição. A tudo isso somou seu lucro fácil e desonesto. Para ver que o lucro foi fácil e desonesto, basta verificar que a empresa não tinha os veículos para alugar. Tampouco tinha o capital para comprá-los. Comprou-os de forma financiada e os repassou à prefeitura de forma igualmente financiada, só que com juros bem mais altos. Esse fato pode ser constatado, por exemplo, mediante consulta ao CRLV relativo ao Fiat/Uno Mille Fire Flex, Placa HCU-6387 que se encontra no volume I do anexo. Ali se verifica que a empresa San Marco Automóveis Ltda. financiou o veículo junto ao Banco ABN AMRO REAL S/A. A diferença entre a taxa de financiamento do banco e a taxa paga pelo município foi o lucro da quadrilha. Mas, deixando de lado, momentaneamente, a própria ilegalidade da operação – qual seja, o uso de uma forma de financiamento inexistente e não aprovada pelo Poder Legislativo – é preciso demonstrar qual seria o valor correto de uma prestação honesta num financiamento honesto. Para isso tomaram-se como referência as taxas de leasing oferecidas por organizações como o BDMG, BNDES e agentes do FINAME. As planilhas anexas (primeiras páginas do volume I) foram produzidas com as taxas praticadas pelo BDMG nos anos 2005/20063. Para se ter certeza de que tais taxas eram reais e estavam efetivamente disponíveis para os municípios, foram localizadas prefeituras que, entre 2005 e 2011 compraram veículos semelhantes àqueles comprados pela Prefeitura de Bom Despacho. O quadro abaixo exemplifica os valores pagos por caminhões coletores idênticos ou similares àqueles comprados pelo prefeito Haroldo de Sousa Queiroz. Os exemplos foram escolhidos de modo a garantir uma amostra que representasse não apenas os preços praticados no Estado de Minas Gerais, mas também em outras partes do Brasil. Por isso, três prefeituras 2 O preço de mercado de cada veículo, tal qual registrado pela FIPE, está inserido no rodapé das planilhas que se encontram no início do volume I, anexo. 3 O BDMG oferecia (e oferece) às prefeituras os programas PROVIAS, Caminho da Escola, Somma Urbano e outros que permitiriam o financiamento dos veículos com as taxas de juros indicadas. Um resumo desses programas encontra-se no início do Volume I do anexo. Praça Antônio Leite, 44 ap. 1000 – CEP 35600-000 – Bom Despacho–MG Telefone: (37) 3521-2183 - (37) 9988-8868 — [email protected] 6 Fernando José Castro Cabral Vereador são de Minas, uma é do Paraná, uma é da Bahia, uma do Rio Grande do Norte e uma do Rio Grande do Sul4. Preços que prefeituras pagaram por caminhões coletores de lixo Guaíra-PR R$ 192.000,00 Cel. Fabriciano-MG R$ 200.000,00 Ipiau-BA R$ 200.000,00 Apodi-RN R$ 212.000,00 Gramado-RS R$ 218.000,00 Piumhi-MG R$ 194.000,00 Santos Dumont-MG R$ 187.999,00 Preço médio Bom Despacho-MG Sobrepreço R$ 200.571,28 R$ 355.000,00 R$ 154.428,72 Verifica-se que essas prefeituras pagaram, em média, R$ 200.571,28 pelo mesmo caminhão pelo qual o prefeito Haroldo Queiroz pagou R$ 355.000,00. Assim, considerando o preço médio financiado, Bom Despacho pagou R$ 154.428,72 a mais, por caminhão. Ou seja, 76,99% a mais. A situação se revela mais grave quando se usa como referência a prefeitura de PiumhiMG (R$ 194.000,00) ou de Santos Dumont-MG (R$ 187.999,00). O preço, porém, não diz tudo. Com efeito, as prefeituras que usuram o financiamento oficial tiveram um prazo de carência de seis meses e financiamentos de até 54 meses. Portanto, um impacto muito menor na capacidade de investimento dos municípios que usaram esse sistema. Já o esquema aprovado pelo Prefeito Haroldo Queiroz estrangulou as finanças municipais5. Assim, tomando como preço de mercado aquele registrado pela FIPE em dezembro de 2005, e considerando os juros praticados pelo BDMG e agentes do FINAME, demonstra-se que o prejuízo que o prefeito Haroldo de Sousa Queiroz deu ao município de Bom Despacho, com essa compra, foi de R$ 1.926.420,53. Os números relativos a cada veículo estão minuciosamente demonstrados nas planilhas anexas (folhas iniciais do Volume I). Um resumo é apresentado na tabela a seguir. Coletor Basculante Carroceria “Locação” Ônibus Ônibus Kombi Strada Uno Mille 1.065.000,00 735.000,00 195.000,00 252.000,00 1.512.000,00 762.500,00 53.700,00 148.800,00 Arrendamento 587.014,99 436.971,71 139.016,90 147.079,98 882.479,88 474.769,48 33.945,04 96.301,49 Prejuízo 477.985,01 298.028,29 629.520,12 287.730,52 19.754,96 52.498,51 55.983,10 104.920,02 4 No anexo I há notícias detalhadas sobre essas compras. A cada ano o município vem aumentando irregularmente suas dívidas. O fato pode ser demonstrado de duas formas. De um lado, verifica-se omissão no recolhimento de obrigações, como INSS. De outro lado, tem havido um aumento acelerado nos restos a pagar processados e não processados. Por exemplo, em 2010 os restos a pagar totalizaram R$ 3.633.679,07 dos quais R$ 2.436,59 processados e R$ 1.197.442,48 não processados. Conforme consta do próprio relatório da prestação de contas de 2010, não havia disponibilidade financeira para pagar esses compromissos. Diga-se mais: o valor real dos restos a pagar é superior ao indicado. Isso porque alguns compromissos não foram lançados, o que permitiu ocultar o verdadeiro tamanho do déficit. 5 Praça Antônio Leite, 44 ap. 1000 – CEP 35600-000 – Bom Despacho–MG Telefone: (37) 3521-2183 - (37) 9988-8868 — [email protected] 7 Fernando José Castro Cabral Vereador O prejuízo encontrado pela perícia do Ministério Público O Ministério Público de Minas Gerais. Seus peritos, porém, usaram como referência a taxa média de financiamento divulgada pelo Banco Central. Usando tal método, o prejuízo encontrado foi de R$ 1.622.642,41. É natural que as taxas típicas de varejo para o consumidor final sejam maiores do que as taxas praticadas por órgãos de fomento. Isso explica a diferença entre os dois resultados encontrados. Abaixo se reproduzem os valores apresentados pelo MP (autos no 049406894.2009.8.13.0074): Item Qt. Preço Cimel Preço Contratado Preço Mercado Diferença a maior (R$) Diferença a maior (%) Caminhão coletor Caminhão basculante Caminhão de carroceria 3 3 1 1.110.000,00 780.000,00 205.000,00 1.065.000,00 735.000,00 195.000,00 697.777,14 519.422,64 128.899,28 367.222,86 215.577,36 66.100,72 52,63% 41,50% 51,28% Uno Mille Pick-up Strada 4 1 225.000,00 58.000,00 148.800,00 53.700,00 116.009,28 35.995,68 32.790,72 17.704,32 28,27% 49,18% Micro-ônibus 7 1.890.000,00 1.764.000,00 1.059.173,57 704.826,43 66,54% Kombi 10 760.000,00 762.500,00 544.080,00 218.420,00 40,14% Total 29 5.028.000,00 4.724.000,00 3.101.357,59 1.622.642,41 52,32% Falta de aprovação pela Câmara Municipal Conforme previsto no inciso XIX do art. 69 da Lei Orgânica, a obtenção de financiamento por parte do município exige aprovação prévia pelo Poder Legislativo. Na compra dos veículos, porém, o prefeito não pediu e não obteve tal aprovação. Portanto, o prefeito não praticou somente fraude às licitações e fraude financeira. Ele também violou disposições da Lei Orgânica do Município de Bom Despacho. O prejuízo tributário Foge ao escopo desta representação calcular o prejuízo tributário que essa fraude causou às fazendas federal, estadual e municipal. Entretanto, ao menos em tese, houve o prejuízo. De fato, o tributo aplicável à doação é o ITCD, cuja responsabilidade recai sobre o donatário. Entretanto, sendo o município imune, não há imposto a recolher. Assim, ao simular uma doação ao município, a empresa deixou de recolher os tributos que teria que recolher no caso de uma operação regular de venda, incluindo o ICMS e o IR. O histórico de ilegalidades praticadas pelo prefeito Haroldo Queiroz na contratação de serviços Para fins de informação, registra-se que o prefeito Haroldo Queiroz é contumaz na prática de licitações irregulares. Tanto que já foi por diversas vezes punido por essa Corte de Contas6. Entretanto, nunca repôs os prejuízos que causou ao erário. Tampouco pagou as multas que lhe foram aplicadas. 6 Os seguintes documentos exemplificam o que se diz: Certidão de débito no 1.079/2005, Processo TCE/MG no 675.969; Certidão de débito no 632/2006, Processo TCE/MG no 606.607; Aplicação de multa no Processo TCE/MG no 742249/2009. Praça Antônio Leite, 44 ap. 1000 – CEP 35600-000 – Bom Despacho–MG Telefone: (37) 3521-2183 - (37) 9988-8868 — [email protected] 8 Fernando José Castro Cabral Vereador Da mesma forma que não costuma pagar as multas que lhe são impostas, tampouco costuma pagar impostos, fornecedores e credores7. Isso mostra a ineficácia do método costumeiro de identificar irregularidades e aplicar multas. Nem o ofensor é punido nem os recursos retornam aos cofres públicos. Também parece pouco eficaz o sistema de exame de contas dos administradores. Tanto assim é que o prefeito Haroldo Queiroz vem tendo suas contas sistematicamente aprovadas por esse TCE. Mesmo as últimas – quando ele desviou mais de R$ 5.000.000,00 somente em duas licitações (esse “aluguel” de veículos e a canalização do Córrego das Palmeiras8) – foram aprovados. Pedidos Em vista do exposto, o vereador Fernando José Castro Cabral pede que esse Tribunal de Contas, após o devido processo legal, tome as medidas que entender cabíveis. Pede deferimento Bom Despacho, 29 de julho de 2011. Fernando José Castro Cabral Vereador 7 A seguinte lista não exaustiva e que só se refere à Comarca de Bom Despacho mostra como o prefeito Haroldo de Sousa Queiroz não paga suas multas, não costuma pagar tributos e com frequência não paga a seus fornecedores: 0032287-20.2001.8.13.0074, 0032303-71.2001.8.13.0074, 0035926-46.2001.8.13.0074, 007737110.2002.8.13.0074, 0080888-23.2002.8.13.0074, 0176254-55.2003.8.13.0074, 0176270-09.2003.8.13.0074, 0176296-07.2003.8.13.0074, 0257232-48.2005.8.13.0074, 0260954-90.2005.8.13.0074, 026097044.2005.8.13.0074, 0262398-61.2005.8.13.0074, 0262406-38.2005.8.13.0074. 0018302-81.2001.8.13.0074, 0023187-41.2001.8.13.0074, 0023195-18.2001.8.13.0074, 0023203-92.2001.8.13.0074, 002759223.2001.8.13.0074, 0093865-47.2002.8.13.0074, 0113745-88.2003.8.13.0074, 0452704-79.2008.8.13.0074, 0497459-57.2009.8.13.0074, 0007783-95.2011.8.13.0074, 0010812-08.2001.8.13.0074, 001298250.2001.8.13.0074, 0015365-98.2001.8.13.0074, 0023187-41.2001.8.13.0074, 0023195-18.2001.8.13.0074, 0023203-92.2001.8.13.0074, 0031404-73.2001.8.13.0074, 0032287-20.2001.8.13.0074, 003230371.2001.8.13.0074, 0035926-46.2001.8.13.0074, 0037435-12.2001.8.13.0074, 0076209-77.2002.8.13.0074, 0077371-10.2002.8.13.0074, 0081209-58.2002.8.13.0074, 0083858-93.2002.8.13.0074, 010919062.2002.8.13.0074, 0119411-70.2003.8.13.0074, 0137116-81.2003.8.13.0074, 0153634-49.2003.8.13.0074, 0191053-69.2004.8.13.0074, 0228244-51.2004.8.13.0074, 0244644-09.2005.8.13.0074, 025654911.2005.8.13.0074, 0260954-90.2005.8.13.0074, 0262281-70.2005.8.13.0074, 0266373-91.2005.8.13.0074, 0273676-59.2005.8.13.0074, 0294357-16.2006.8.13.0074, 0298200-86.2006.8.13.0074, 030018845.2006.8.13.0074, 0311821-53.2006.8.13.0074, 0328635-43.2006.8.13.0074, 0344358-68.2007.8.13.0074, 0360503-05.2007.8.13.0074, 0364307-78.2007.8.13.0074, 0486817-25.2009.8.13.0074, 004206329.2010.8.13.0074. 8 A canalização da Avenida Dr. Roberto (ou córrego das Palmeiras ou dos Machados) foi custeada pela União. Por isso, a representação específica foi encaminhada ao Tribunal de Contas da União. Notícia-crime foi encaminhada à Polícia Federal. Entretanto, parte do dinheiro desviado veio do município (contrapartida) e parte – numa licitação igualmente fraudada – da COPASA. A participação da COPASA na fraude foi levada ao conhecimento do Controle Interno da empresa. O fato é que todas essas transações irregulares, embora envolvam milhões de reais, passaram incólumes pelas análises que o TCE/MG efetuou nas prestações de contas do prefeito Haroldo de Sousa Queiroz. Praça Antônio Leite, 44 ap. 1000 – CEP 35600-000 – Bom Despacho–MG Telefone: (37) 3521-2183 - (37) 9988-8868 — [email protected] 9