Fernando José Castro Cabral
Vereador
Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais
Fernando José Castro Cabral, brasileiro, solteiro, agente político, identidade M376.366 SSP/MG, CPF 124.366.666-87, residente da Praça Antônio Leite, 44 ap. 1000,
Centro, CEP 35600-000, Bom Despacho-MG, com fundamento no §1o do art. 113 da Lei no
8.666/93 c/c art. 219 e seguintes do RI/TCE-MG, c/c art. 65 e seguintes da LC no 102/08
REPRESENTA
a esse Tribunal de Contas contra irregularidades praticadas pelo Prefeito Municipal de Bom
Despacho, Haroldo de Sousa Queiroz, brasileiro, casado, CPF no 325.053.406-06, RG no
1.578.226 SSP/MG, domiciliado na Rua Padre Augusto, no 170, Bairro Ozanan, conforme a
seguir descrito.
A compra ilegal e o superfaturamento de veículos
No final de 2005 e início de 2006 o Município de Bom Despacho, sob o comando do
prefeito Haroldo de Sousa Queiroz, comprou 29 veículos mediante pregões no 2/2005 e
1/2006. Esses dois pregões foram fraudados. Fraudes que redundaram num prejuízo de R$
1.926.420,53 para o erário municipal1.
Entre os veículos comprados estavam sete caminhões, quatro automóveis, uma
caminhonete, sete micro-ônibus e dez kombis.
A fraude apoiou-se em três esteios principais:
a) direcionamento da licitação;
b) dissimulação de um financiamento como “locação”;
c) aplicação de taxas de juros escorchantes (até 8% ao mês) embutidas na falsa “locação”
paga mensalmente.
Esses artifícios são esmiuçados e demonstrados abaixo.
O direcionamento da licitação
O direcionamento – ou seja, o jogo de cartas marcadas – se evidencia nos seguintes fatos:
a) A cotação prévia para previsão de custos foi feita com um só fornecedor, quando o correto
seria consultar ao menos três. Além do mais, o fornecedor escolhido não foi de Bom
Despacho, da região, ou mesmo do Estado de Minas. Ao contrário, ele foi meticulosamente
1
Corrigido apenas pela correção monetária do período (INPC) esse valor chega hoje a R$ 2.479.542,17.
Corrigido pela evolução da SELIC, o valor atinge R$ R$ 3.210.498,70.
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pinçado no Estado de Goiás. Entretanto, os produtos comprados têm fornecedores em Bom
Despacho, em Divinópolis, em Pará de Minas, Belo Horizonte e várias cidades mais
próximas.
Por que nenhum desses fornecedores de perto foi consultado?
Nada impediria a empresa de Goiás de participar e ganhar a licitação. Também não havia
impedimento em que ela também fosse consultada. Entretanto, é suspeito que nenhuma
empresa da cidade ou da região tenha sido chamada a cotar os veículos. Aliás, elas nem
sequer tomaram conhecimento de que havia uma licitação em andamento.
Assim, o fato de cotar com uma única empresa desconhecida, comercialmente
irrelevante e de local distante constitui-se em evidência de direcionamento.
b) Conforme se constata no seu contrato social, a empresa consultada não é do ramo de venda
de caminhões, ônibus e automóveis. Portanto, não poderia ter cotado e não deveria nem
mesmo ter sido consultada. Ela tampouco é do ramo do leasing, do aluguel ou da venda
financiada de veículos. Também isso evidencia o direcionamento.
c) Os secretários municipais usaram ofícios padronizados, preparados no mesmo computador,
impressos na mesma impressora, e emitidos na mesma data. Todos, simultaneamente,
fizeram o mesmo estranho e absurdo pedido de que os veículos fossem adquiridos
mediante “locação com doação ao final”.
De forma igualmente absurda e incompreensível, eles também determinaram a forma e
o prazo de pagamento.
Esse fato mostra que houve uma operação orquestrada entre os secretários.
Note-se que não é tarefa do secretário que necessita de um veículo determinar ao setor
de compras como comprar e como pagar. Isso faz parte da política da prefeitura e é
controlado pelos órgãos específicos, como contabilidade e compras.
Note-se, ainda, que sem a combinação é certo que meia dúzia de secretários não teriam
a mesma ideia incomum e infeliz de adquirir os veículos de que supostamente
necessitavam mediante “locação com doação ao final” e pagamento “em vinte e quatro (ou
vinte e sete) parcelas”.
Finalmente, essa ação orquestrada indica uma ordem superior que os secretários
cumpriram. Somente o prefeito Haroldo de Sousa Queiroz tinha o poder, os meios e o
interesse em conduzir essa orquestração.
Portanto, é seguro concluir que os secretários receberam os ofícios já prontos. Eles
atuaram apenas como agentes auxiliares na fraude.
Quanto ao teor dos ofícios, aquele assinado pelo Secretário da Administração,
Oranício Menezes, é tão estapafúrdio quanto exemplar. É o que mostra a transcrição
abaixo:
Solicito a fineza de providenciar processo licitatório para locação com doação ao final dos
pagamentos de 01 (um) veículo tipo automóvel de passeio, conforme descrição em requisição
anexa, com início da locação em janeiro de 2006, para transporte de funcionários da área
administrativa para desenvolverem trabalhos externos. Sendo a locação por um período de
24 (vinte e quatro meses) pago em parcelas mensais, iguais, fixas e irreajustáveis.
Como se não bastasse, todos os secretários também indicaram o mesmo fornecedor de
Goiás e entregaram o ofício no mesmo dia 21 de novembro de 2005.
O prazo de preparo do edital
A lista cronológica apresentada a seguir evidencia uma celeridade impossível que
também revela a fraude.
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Assinados e entregues ao setor de licitação no dia 21 de novembro de 2005, até o dia 25
aconteceram todas as etapas internas que normalmente levariam semanas para acontecer.
Foram elas:
Dia 21 – Oito secretários pediram a compra de um total de 29 veículos;
Dia 23 – Ficaram prontos os orçamentos dos 29 veículos;
Dia 25 – a) declarada a existência de créditos orçamentários;
b) compra aprovada pelo departamento de finanças;
c) compra aprovada pelo prefeito;
d) pedida a emissão do empenho (o que se registra como descabido, pois não se
tinha nem o valor nem o nome da empresa beneficiária);
e) o resumo do edital foi encaminhado para publicação (antes mesmo do parecer da
Assessoria Jurídica).
Seria lisonjeiro pensar que a prefeitura de Bom Despacho tem a capacidade de realizar
tudo isso em apenas cinco dias úteis. Entretanto, o que essa ligeireza revela não é agilidade,
mas corrupção. A prefeitura municipal de Bom Despacho não tem os meios para produzir em
5 dias um edital com tal complexidade.
Essa licitação envolveu oito tipos de veículos de portes muito variados, oito secretarias,
vários milhões de reais e um conceito de financiamento inusitado e nunca antes praticado pelo
município. Ou por qualquer outro que não tenha praticado semelhante fraude.
O que isso significa é que o edital já chegou pronto à prefeitura. Foi fornecido pela
empresa que comandou a operação.
Deve-se notar, ainda, que o resumo do edital foi imediatamente encaminhado para
publicação, o que aconteceu antes mesmo de a Assessoria Jurídica ter se pronunciado a
respeito da adequação e legalidade do edital.
Não que o parecer tivesse feito diferença. Conforme se nota, a Assessoria Jurídica –
mesmo tardiamente – opinou pela legalidade do procedimento.
O fato causa estranheza, vez que a operação não só não tem amparo legal, como encontra
vedação explícita no entendimento dessa Corte de Contas, conforme se infere da resposta à
Consulta TCEMG nº 434.177, sessão do dia 23/9/99. Pela data se vê que é um entendimento
antigo e consolidado. Fato que a Assessoria Jurídica passou por cima.
Enquanto isso, o andamento acelerado continuou nos dias seguintes:
Dia 28 – Na segunda-feira depois de o resumo do edital já ter sido publicado, a Procuradoria
Jurídica aprovou o procedimento. Isso, a despeito de suas inúmeras irregularidades
– e a despeito da estranha forma de financiamento prevista.
o
Dias 1 a 7 de dezembro – Conforme fl. 60, 15 pessoas baixaram o edital. Dessas, porém, 6
eram servidores da própria prefeitura e uma entrou com CNPJ duplicado.
É bom observar, ainda, o que aconteceu quando o pregoeiro encontrou um erro de
especificação. Em vez de republicar o edital, enviou aos interessados um e-mail de correção.
Observe-se, em primeiro lugar, que a alteração da especificação poderia ter alterado o
universo de interessados. Isso exigia republicação do edital, não mero comunicado aos
interessados que haviam pegado cópias dele.
Em segundo lugar, constata-se que os destinatários das mensagens não correspondem
àqueles que baixaram o edital (fls. 60-74).
Em terceiro lugar, verifica-se que a mensagem enviada à empresa San Marco é de 7 h 12
min. do dia 7 de dezembro de 2005 (fl. 67 do edital). Entretanto, na fl. 74 ela aparece como
enviada às 11 h 59 min. do dia 8 de dezembro de 2005. Isso mostra que as mensagens foram
forjadas. Portanto, temos aí uma falsificação. Uma demonstração de que o processo foi
“arranjado” e não autuado em sua sequência natural.
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Enfim, em 24 dias a prefeitura conseguiu realizar uma licitação dessa magnitude e
complexidade, quando se sabe que a regra é que ela gaste meses. Na maioria das vezes,
muitos meses.
Os prazos curtos evidenciam irregularidades. Mais ainda quando o parecer jurídico é
serôdio e inócuo; quando não há verdadeira cotação de preços; quando não há divulgação
ampla da licitação e quando o esquema de pagamento é... Um esquema.
E, se dúvida houvesse quanto à fraude, bastaria comparar os preços pagos pelo falso
“aluguel” com os preços que realmente deveriam ser pagos, fosse a título de aluguel, fosse a
título de financiamento, fosse a título de leasing. Em nenhuma dessas hipóteses – se honestas
– os valores chegariam àqueles pagos pelo prefeito Haroldo de Sousa Queiroz.
O falso aluguel
No sistema jurídico brasileiro não existe a figura de “locação com opção de doação”. Não
existe e não faz sentido. Se o comprador paga o valor de um bem em 27 parcelas e ao final o
recebe incondicionalmente, trata-se de venda a prazo e não de aluguel. Agora, se o recebe
por opção, mediante pagamento de parcela residual, trata-se de arrendamento mercantil, ou
leasing, mas não de aluguel.
O aluguel pressupõe que o locador mantenha a propriedade do bem durante o aluguel e
que pretende mantê-la após o vencimento do período contratado. Portanto, cobra pelo uso do
bem, não pela transferência de sua propriedade. Não há venda.
Vê-se, assim, que aluguel, venda a prazo e leasing são três figuras distintas, cada uma
com suas razões próprias, custos próprios e legislação própria. Não existe aí uma lacuna a ser
ocupada por uma suposta “locação com doação ao final".
Aplicando-se ao caso o princípio da primazia da realidade, constata-se que o que a
prefeitura fez foi uma compra a prazo, paga em 24 ou 27 prestações. É o que se extrai do
edital, da proposta comercial e do contrato, conforme trecho a seguir transcrito:
Primeiro pagamento no valor de R$ 64.965,00 (sessenta e quatro mil novecentos e
sessenta e cinco reais), dividido em 03 (três) parcelas de R$ 21.655,00 (vinte e um mil
seiscentos e cinquenta e cinco reais), sendo a primeira parcela com vencimento após a
entrega do bem, a segunda após 30 dias, e a terceira após 60 dias da data da entrega do bem.
As demais parcelas remanescentes, no total de 24 (vinte e quatro) parcelas mensais,
iguais, fixas e irreajustáveis no valor de R$ 12.084,79 (doze mil oitenta e quatro reais e
setenta e nove centavos), com vencimento de 30 em 30 dias, sendo a primeira das 24 parcelas
com vencimento 90 dias após a data de entrega e as demais a cada 30 dias respectivamente.
Entretanto, essa compra a prazo foi dissimulada de forma a descaracterizar tanto a
compra a prazo quanto o leasing. Leasing que, embora descaracterizado, serviu vagamente de
modelo para a construção da fraude. A “doação ao final” lembra a opção de compra que o
arrendatário pode exercer no leasing. Só que aparece não como faculdade do arrendatário,
mas como obrigação do arrendador. Já as parcelas mensais do financiamento lembram as
contraprestações do leasing.
De Leasing, porém, não se trata, pois a operação e a operadora não atendem aos
requisitos da lei no 6.099/74 (vejam-se, por exemplo, as exigências dos artigos 5o, 4o e 2o,
§2o).
Essa descaracterização do leasing e da compra a prazo teve como objetivo principal fugir
à necessidade de obter aprovação da Câmara Municipal. De fato, essa seria necessária no caso
de financiamento ou arrendamento mercantil, mas não no caso de aluguel.
E a razão patente para o prefeito querer escapar ao controle do legislativo era que
precisava manter na clandestinidade tanto a fraude na licitação quanto a prática de sobrepreço escorchante.
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Sobrepreço escorchante que está demonstrado abaixo e nas planilhas anexas.
Em suma, o nome “locação com doação ao final” é um engodo. Uma fraude. Primeiro,
porque não houve locação; segundo, porque não houve doação. Terceiro, porque a operação
realizada foi de compra a prazo.
Bom lembrar que doação, nos termos do art. 538 do Código Civil, é um contrato em que
uma pessoa, por liberalidade, transfere bens ou vantagens do seu patrimônio para o
patrimônio de outra pessoa. Portanto, não pode haver obrigação de doar. Se houver obrigação
de entregar o bem, então estará descaracterizada a doação. Mas foi isso o que o contrato
firmado com a prefeitura exigiu: a “doação” obrigatória. Isso descaracteriza a figura jurídica,
pois lhe tira o caráter de liberalidade exigido por lei.
Nesse sentido, veja-se a regra abaixo extraída do processo licitatório:
Tendo a Administração Pública, [sic] efetuado os pagamentos mencionados no sub item IV –
das condições de pagamento, a empresa contratada, se obriga a transferir a propriedade dos
bens objetos do contrato a ser celebrado, oriundo da presente licitação, sem nenhum ônus, ou
despesas, entregando os documentos “Certificados de Propriedade” dos veículos
devidamente preenchidos em nome do Município, assinados e com firma reconhecida, no
prazo máximo de 30 (trinta) dias, após o término dos pagamentos (fl. 42 do processo
licitatório do pregão no 2, de 14/12/2005.)
Ora, se desde o início a empresa contratada se obrigou, a doar – por imposição editalícia
e por contrato – então nunca se tratou de doação, mas de obrigação contratual.
No presente caso, tratou-se de um mal disfarçado financiamento com alienação fiduciária.
Só que, perante a instituição financeira, quem tomou o financiamento não foi o município,
mas a empresa fornecedora. Ou seja, a empresa fornecedora agiu meramente como
intermediária e meio para que o dinheiro fosse sifonado do erário para o bolso da quadrilha.
Em suma, a pretensa “locação com doação” foi um negócio simulado, com graves
prejuízos financeiros para o município.
O superfaturamento
Feita a colusão com as empresas, o superfaturamento praticado na licitação fraudada se
deu mediante a prática de juros extorsivos embutidos no cálculo das parcelas da suposta
“locação”. As taxas mensais praticadas, para cada tipo de veículo, estão representadas no
quadro abaixo:
Veículo
Caminhões coletores
Caminhões basculantes
Caminhão de carroceria
Uno Mille
Uno Strada
Micro-ônibus
Kombi
Taxa mensal (%)
6,89
5,98
6,78
4,89
6,61
8,00
5,87
Na época, as taxas de juros oficiais à disposição da prefeitura eram da ordem de 0,9% ao
mês (programas do BDMG). A diferença entre essa taxa disponível (0,9% a. m.) e as taxas
que a prefeitura aceitou pagar (de 5 até 8% a. m.) permitiu o desvio do dinheiro. Na média,
houve um pagamento extra de R$ 0,69 para cada R$ 1,00 legitimamente devido.
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Em consequência, o erário arcou com um prejuízo de R$ 1.926.420,53 numa compra de
R$ 4.724.000,00. Isso significa que a compra deveria ter custado R$ 2.797.579,47. Em outras
palavras, houve um superfaturamento de 68,86%.
Os valores acima – convém lembrar – estão em moeda da época.
Como foi calculado o valor do prejuízo
O valor do prejuízo foi calculado tomando-se por base o preço de mercado do veículo
registrado pela FIPE – Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas em dezembro de 20052.
Por exemplo, o ônibus escolar para 52 passageiros, fabricado pela Marcopolo, modelo
W8, a Diesel, ano 2005, custava R$ 131.154,00. O prefeito, porém, pagou por ele R$
252.000,00. A diferença – presume-se – seria o valor do suposto “aluguel”. Na realidade, a
diferença são os juros exorbitantes. Daí saiu o dinheiro dividido entre os membros da
quadrilha.
De fato, esse “aluguel”, não fazia sentido. Como desde o início a empresa tinha a
obrigação de “doar” o veículo ao final do período, é evidente que embutiu nele o custo do
próprio veículo. E como ela não era dona do veículo, mas o financiou junto à instituição
financeira, também embutiu os juros cobrados pela instituição. A tudo isso somou seu lucro
fácil e desonesto.
Para ver que o lucro foi fácil e desonesto, basta verificar que a empresa não tinha os
veículos para alugar. Tampouco tinha o capital para comprá-los. Comprou-os de forma
financiada e os repassou à prefeitura de forma igualmente financiada, só que com juros bem
mais altos.
Esse fato pode ser constatado, por exemplo, mediante consulta ao CRLV relativo ao
Fiat/Uno Mille Fire Flex, Placa HCU-6387 que se encontra no volume I do anexo. Ali se
verifica que a empresa San Marco Automóveis Ltda. financiou o veículo junto ao Banco ABN
AMRO REAL S/A.
A diferença entre a taxa de financiamento do banco e a taxa paga pelo município foi o
lucro da quadrilha.
Mas, deixando de lado, momentaneamente, a própria ilegalidade da operação – qual seja,
o uso de uma forma de financiamento inexistente e não aprovada pelo Poder Legislativo – é
preciso demonstrar qual seria o valor correto de uma prestação honesta num financiamento
honesto.
Para isso tomaram-se como referência as taxas de leasing oferecidas por organizações
como o BDMG, BNDES e agentes do FINAME. As planilhas anexas (primeiras páginas do
volume I) foram produzidas com as taxas praticadas pelo BDMG nos anos 2005/20063.
Para se ter certeza de que tais taxas eram reais e estavam efetivamente disponíveis para os
municípios, foram localizadas prefeituras que, entre 2005 e 2011 compraram veículos
semelhantes àqueles comprados pela Prefeitura de Bom Despacho.
O quadro abaixo exemplifica os valores pagos por caminhões coletores idênticos ou
similares àqueles comprados pelo prefeito Haroldo de Sousa Queiroz. Os exemplos foram
escolhidos de modo a garantir uma amostra que representasse não apenas os preços praticados
no Estado de Minas Gerais, mas também em outras partes do Brasil. Por isso, três prefeituras
2
O preço de mercado de cada veículo, tal qual registrado pela FIPE, está inserido no rodapé das planilhas que se
encontram no início do volume I, anexo.
3
O BDMG oferecia (e oferece) às prefeituras os programas PROVIAS, Caminho da Escola, Somma Urbano e
outros que permitiriam o financiamento dos veículos com as taxas de juros indicadas. Um resumo desses
programas encontra-se no início do Volume I do anexo.
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são de Minas, uma é do Paraná, uma é da Bahia, uma do Rio Grande do Norte e uma do Rio
Grande do Sul4.
Preços que prefeituras pagaram por
caminhões coletores de lixo
Guaíra-PR
R$ 192.000,00
Cel. Fabriciano-MG
R$ 200.000,00
Ipiau-BA
R$ 200.000,00
Apodi-RN
R$ 212.000,00
Gramado-RS
R$ 218.000,00
Piumhi-MG
R$ 194.000,00
Santos Dumont-MG
R$ 187.999,00
Preço médio
Bom Despacho-MG
Sobrepreço
R$ 200.571,28
R$ 355.000,00
R$ 154.428,72
Verifica-se que essas prefeituras pagaram, em média, R$ 200.571,28 pelo mesmo
caminhão pelo qual o prefeito Haroldo Queiroz pagou R$ 355.000,00. Assim, considerando o
preço médio financiado, Bom Despacho pagou R$ 154.428,72 a mais, por caminhão. Ou seja,
76,99% a mais.
A situação se revela mais grave quando se usa como referência a prefeitura de PiumhiMG (R$ 194.000,00) ou de Santos Dumont-MG (R$ 187.999,00).
O preço, porém, não diz tudo.
Com efeito, as prefeituras que usuram o financiamento oficial tiveram um prazo de
carência de seis meses e financiamentos de até 54 meses. Portanto, um impacto muito menor
na capacidade de investimento dos municípios que usaram esse sistema. Já o esquema
aprovado pelo Prefeito Haroldo Queiroz estrangulou as finanças municipais5.
Assim, tomando como preço de mercado aquele registrado pela FIPE em dezembro de
2005, e considerando os juros praticados pelo BDMG e agentes do FINAME, demonstra-se
que o prejuízo que o prefeito Haroldo de Sousa Queiroz deu ao município de Bom Despacho,
com essa compra, foi de R$ 1.926.420,53.
Os números relativos a cada veículo estão minuciosamente demonstrados nas planilhas
anexas (folhas iniciais do Volume I). Um resumo é apresentado na tabela a seguir.
Coletor Basculante Carroceria
“Locação”
Ônibus
Ônibus
Kombi
Strada
Uno Mille
1.065.000,00 735.000,00 195.000,00 252.000,00 1.512.000,00 762.500,00 53.700,00 148.800,00
Arrendamento
587.014,99 436.971,71 139.016,90 147.079,98
882.479,88 474.769,48 33.945,04
96.301,49
Prejuízo
477.985,01 298.028,29
629.520,12 287.730,52 19.754,96
52.498,51
55.983,10 104.920,02
4
No anexo I há notícias detalhadas sobre essas compras.
A cada ano o município vem aumentando irregularmente suas dívidas. O fato pode ser demonstrado de duas
formas. De um lado, verifica-se omissão no recolhimento de obrigações, como INSS. De outro lado, tem havido
um aumento acelerado nos restos a pagar processados e não processados. Por exemplo, em 2010 os restos a
pagar totalizaram R$ 3.633.679,07 dos quais R$ 2.436,59 processados e R$ 1.197.442,48 não processados.
Conforme consta do próprio relatório da prestação de contas de 2010, não havia disponibilidade financeira para
pagar esses compromissos. Diga-se mais: o valor real dos restos a pagar é superior ao indicado. Isso porque
alguns compromissos não foram lançados, o que permitiu ocultar o verdadeiro tamanho do déficit.
5
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O prejuízo encontrado pela perícia do Ministério Público
O Ministério Público de Minas Gerais. Seus peritos, porém, usaram como referência a
taxa média de financiamento divulgada pelo Banco Central. Usando tal método, o prejuízo
encontrado foi de R$ 1.622.642,41.
É natural que as taxas típicas de varejo para o consumidor final sejam maiores do que as
taxas praticadas por órgãos de fomento. Isso explica a diferença entre os dois resultados
encontrados.
Abaixo se reproduzem os valores apresentados pelo MP (autos no 049406894.2009.8.13.0074):
Item
Qt.
Preço
Cimel
Preço
Contratado
Preço
Mercado
Diferença
a maior
(R$)
Diferença
a maior
(%)
Caminhão coletor
Caminhão basculante
Caminhão de carroceria
3
3
1
1.110.000,00
780.000,00
205.000,00
1.065.000,00
735.000,00
195.000,00
697.777,14
519.422,64
128.899,28
367.222,86
215.577,36
66.100,72
52,63%
41,50%
51,28%
Uno Mille
Pick-up Strada
4
1
225.000,00
58.000,00
148.800,00
53.700,00
116.009,28
35.995,68
32.790,72
17.704,32
28,27%
49,18%
Micro-ônibus
7
1.890.000,00
1.764.000,00
1.059.173,57
704.826,43
66,54%
Kombi
10
760.000,00
762.500,00
544.080,00
218.420,00
40,14%
Total
29
5.028.000,00
4.724.000,00
3.101.357,59
1.622.642,41
52,32%
Falta de aprovação pela Câmara Municipal
Conforme previsto no inciso XIX do art. 69 da Lei Orgânica, a obtenção de
financiamento por parte do município exige aprovação prévia pelo Poder Legislativo. Na
compra dos veículos, porém, o prefeito não pediu e não obteve tal aprovação.
Portanto, o prefeito não praticou somente fraude às licitações e fraude financeira. Ele
também violou disposições da Lei Orgânica do Município de Bom Despacho.
O prejuízo tributário
Foge ao escopo desta representação calcular o prejuízo tributário que essa fraude causou
às fazendas federal, estadual e municipal. Entretanto, ao menos em tese, houve o prejuízo.
De fato, o tributo aplicável à doação é o ITCD, cuja responsabilidade recai sobre o
donatário. Entretanto, sendo o município imune, não há imposto a recolher.
Assim, ao simular uma doação ao município, a empresa deixou de recolher os tributos
que teria que recolher no caso de uma operação regular de venda, incluindo o ICMS e o IR.
O histórico de ilegalidades praticadas pelo prefeito Haroldo Queiroz na contratação de
serviços
Para fins de informação, registra-se que o prefeito Haroldo Queiroz é contumaz na prática
de licitações irregulares. Tanto que já foi por diversas vezes punido por essa Corte de Contas6.
Entretanto, nunca repôs os prejuízos que causou ao erário. Tampouco pagou as multas que lhe
foram aplicadas.
6
Os seguintes documentos exemplificam o que se diz: Certidão de débito no 1.079/2005, Processo TCE/MG no
675.969; Certidão de débito no 632/2006, Processo TCE/MG no 606.607; Aplicação de multa no Processo
TCE/MG no 742249/2009.
Praça Antônio Leite, 44 ap. 1000 – CEP 35600-000 – Bom Despacho–MG
Telefone: (37) 3521-2183 - (37) 9988-8868 — [email protected]
8
Fernando José Castro Cabral
Vereador
Da mesma forma que não costuma pagar as multas que lhe são impostas, tampouco
costuma pagar impostos, fornecedores e credores7.
Isso mostra a ineficácia do método costumeiro de identificar irregularidades e aplicar
multas. Nem o ofensor é punido nem os recursos retornam aos cofres públicos.
Também parece pouco eficaz o sistema de exame de contas dos administradores. Tanto
assim é que o prefeito Haroldo Queiroz vem tendo suas contas sistematicamente aprovadas
por esse TCE. Mesmo as últimas – quando ele desviou mais de R$ 5.000.000,00 somente em
duas licitações (esse “aluguel” de veículos e a canalização do Córrego das Palmeiras8) –
foram aprovados.
Pedidos
Em vista do exposto, o vereador Fernando José Castro Cabral pede que esse Tribunal de
Contas, após o devido processo legal, tome as medidas que entender cabíveis.
Pede deferimento
Bom Despacho, 29 de julho de 2011.
Fernando José Castro Cabral
Vereador
7
A seguinte lista não exaustiva e que só se refere à Comarca de Bom Despacho mostra como o prefeito
Haroldo de Sousa Queiroz não paga suas multas, não costuma pagar tributos e com frequência não paga a seus
fornecedores: 0032287-20.2001.8.13.0074, 0032303-71.2001.8.13.0074, 0035926-46.2001.8.13.0074, 007737110.2002.8.13.0074, 0080888-23.2002.8.13.0074, 0176254-55.2003.8.13.0074, 0176270-09.2003.8.13.0074,
0176296-07.2003.8.13.0074,
0257232-48.2005.8.13.0074,
0260954-90.2005.8.13.0074,
026097044.2005.8.13.0074, 0262398-61.2005.8.13.0074, 0262406-38.2005.8.13.0074. 0018302-81.2001.8.13.0074,
0023187-41.2001.8.13.0074,
0023195-18.2001.8.13.0074,
0023203-92.2001.8.13.0074,
002759223.2001.8.13.0074, 0093865-47.2002.8.13.0074, 0113745-88.2003.8.13.0074, 0452704-79.2008.8.13.0074,
0497459-57.2009.8.13.0074,
0007783-95.2011.8.13.0074,
0010812-08.2001.8.13.0074,
001298250.2001.8.13.0074, 0015365-98.2001.8.13.0074, 0023187-41.2001.8.13.0074, 0023195-18.2001.8.13.0074,
0023203-92.2001.8.13.0074,
0031404-73.2001.8.13.0074,
0032287-20.2001.8.13.0074,
003230371.2001.8.13.0074, 0035926-46.2001.8.13.0074, 0037435-12.2001.8.13.0074, 0076209-77.2002.8.13.0074,
0077371-10.2002.8.13.0074,
0081209-58.2002.8.13.0074,
0083858-93.2002.8.13.0074,
010919062.2002.8.13.0074, 0119411-70.2003.8.13.0074, 0137116-81.2003.8.13.0074, 0153634-49.2003.8.13.0074,
0191053-69.2004.8.13.0074,
0228244-51.2004.8.13.0074,
0244644-09.2005.8.13.0074,
025654911.2005.8.13.0074, 0260954-90.2005.8.13.0074, 0262281-70.2005.8.13.0074, 0266373-91.2005.8.13.0074,
0273676-59.2005.8.13.0074,
0294357-16.2006.8.13.0074,
0298200-86.2006.8.13.0074,
030018845.2006.8.13.0074, 0311821-53.2006.8.13.0074, 0328635-43.2006.8.13.0074, 0344358-68.2007.8.13.0074,
0360503-05.2007.8.13.0074,
0364307-78.2007.8.13.0074,
0486817-25.2009.8.13.0074,
004206329.2010.8.13.0074.
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A canalização da Avenida Dr. Roberto (ou córrego das Palmeiras ou dos Machados) foi custeada pela União.
Por isso, a representação específica foi encaminhada ao Tribunal de Contas da União. Notícia-crime foi
encaminhada à Polícia Federal. Entretanto, parte do dinheiro desviado veio do município (contrapartida) e parte
– numa licitação igualmente fraudada – da COPASA. A participação da COPASA na fraude foi levada ao
conhecimento do Controle Interno da empresa. O fato é que todas essas transações irregulares, embora envolvam
milhões de reais, passaram incólumes pelas análises que o TCE/MG efetuou nas prestações de contas do prefeito
Haroldo de Sousa Queiroz.
Praça Antônio Leite, 44 ap. 1000 – CEP 35600-000 – Bom Despacho–MG
Telefone: (37) 3521-2183 - (37) 9988-8868 — [email protected]
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Excelentíssimo Senhor Presidente do Tribunal de Contas do Estado