Artigo Original DOI: 10.5935/1809-2667.20130028 Centralização ou Democracia? Uma reflexão sobre a gestão educacional nos Institutos Federais de Educação, face às perspectivas democratizantes da educação Centralization or Democracy? A reflection on the educational management in the Brazilian federal education system, in view of the prospects of an educational democratization Daniel Cerqueira Silva* O presente artigo reflete sobre a necessidade de se praticar a gestão educacional participativa em instituições públicas de ensino, especificamente nos recém instituídos Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia. Toma como base o modelo de gestão educacional praticado no Instituto Federal Baiano para discutir como a transformação das antigas escolas agrotécnicas federais em Institutos Federais (IFs) não foi o suficiente para quebrar o velho paradigma marcado pela manutenção das oligarquias nos processos de tomada de decisões nas unidades escolares. Aborda também como os interesses políticos e pessoais podem afastar a participação de alguns segmentos escolares (equipe pedagógica, professores, técnicos administrativos, alunos e pais de alunos) na tomada de decisão e contribuir mais ainda para a manutenção do poder hierárquicoverticalizado mantido por diretores. Sugere ideias que vislumbrem a prática da gestão educacional sem perder de vista a Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional Brasileira de 1996 (LDB 9394/96), que prega a participação dos técnicos administrativos e professores na elaboração do projeto pedagógico da escola e da comunidade escolar em conselhos escolares ou equivalentes. Reflects on the necessity to practice participatory educational management in public education, focuses on the newly established Federal Institutes of Science Education and Technology. It builds on the model of educational management practiced at the Federal Institute Baiano to discuss how the transformation of the old agro-technical schools federal in the Federal Institutes ((IFs) were not enough to break the old paradigm characterized by the maintenance of the oligarchs in the processes of decision-making at schools. It also discusses how the personal and political interests may exclude the participation of some school segments (teaching staff, teachers, administrative staff, students and parents) in decision-making and further contribute to the maintenance of vertical-hierarchical power held by directors . Proposes solutions towards converging interests regarding education management in public education, without losing sight of the Basic Law of National Education Guidelines Brazilian 1996 (LDB 9394/96), that preaches the participation of administrative staff and teachers in developing the pedagogical school and school community in school boards or equivalent. Palavras-chave: Gestão Educacional. Democracia. Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia. Key words: Educational Management. Democracy. Federal Institutes of Science Education and Technology. * Bacharel em Biblioteconomia, Especialista em Educação a Distância. Atua na Diretoria de Assuntos Estudantis da Pro Reitoria de Ensino do Instituto Federal Baiano - Salvador (BA-Brasil) VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.15, n. 3, p. 45-60, set./dez. 2013 45 Daniel Cerqueira Silva Introdução A gestão é um elemento fundamental para o desenvolvimento constante de uma instituição, já que produz resultados decisivos para o sucesso ou insucesso de qualquer organização. Atualmente, uma das grandes tendências desta área está relacionada à questão da liderança participativa, onde o líder procura tomar suas decisões valorizando as pessoas que estão à sua volta. Este novo cenário veio para quebrar o velho paradigma no qual a gestão acontecia ou ainda acontece de forma unilateral, a partir da relação entre dominadores e dominados, situação que perdurou durante muitos anos e que ainda existe em muitas organizações de ensino na atualidade. Um dos grandes objetivos dessa modalidade de gestão é justamente o alcance da cooperação em ambiente de trabalho, a fim de obter resultados mais significativos na consecução das metas administrativas, já que o pensamento coletivo irá sobrepor-se ao pensamento individual, fortalecendo e dando mais unidade às equipes na execução de tarefas. A gestão educacional, a priori, está mais diretamente ligada a cada unidade de ensino e à cultura individual das unidades escolares. No entanto, acaba se expandindo, indo desde as políticas educacionais até cada um dos aspectos do cotidiano das instituições de ensino, ou seja, a gestão educacional permeia o macroambiente onde se encontram as políticas de gestão do ensino, chegando até o microambiente que trata da gestão específica de cada uma das escolas em si. Na gestão escolar participativa o gestor deve levar em consideração a participação de todos os segmentos que fazem parte da comunidade estudantil: direção, equipe pedagógica, professores, técnicos administrativos, alunos e pais de alunos. Nesse caso, o gestor procurará articular esses segmentos, a fim de efetivar a participação desses atores em torno do projeto político-pedagógico da unidade de ensino, numa liderança democrática, que culminará em decisões e medidas mais condizentes com as necessidades específicas daquela determinada instituição de ensino. No âmbito público, mesmo com a iniciativa governamental de democratizar a gestão do ensino público com a criação da Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional Brasileira de 1996 (LDB 9394/96), que prega a participação dos técnicos administrativos e professores na elaboração do projeto pedagógico da escola e da comunidade escolar em conselhos escolares ou equivalentes, o panorama da gestão do ensino público não mudou muito desde a criação de tal medida jurídica. (...) é observado que a administração escolar vigente em nossas escolas atua como um processo racional, linear e fragmentado de organização e de influência estabelecida de cima para baixo, bem como do emprego de pessoas e de recursos de forma mecanicista para que os objetivos institucionais sejam realizados. O ato de administrar corresponderia a comandar e controlar mediante uma visão centralizadora de quem atua sobre a realidade, de maneira distanciada. (LÜCK, 2006, p. 57). 46 VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.15, n. 3, p. 45-60, set./dez. 2013 Centralização ou Democracia? Uma reflexão sobre a gestão educacional nos Institutos Federais de Educação, face às perspectivas democratizantes da educação Apesar da tentativa, o velho paradigma do monopólio ou da gestão restrita a grupos específicos ainda perdura: diretores, professores e técnicos administrativos, na ordem de prevalência, respectivamente, ainda controlam as principais decisões e a comunidade e os usuários são induzidos a acreditar que escola pública é propriedade do governo ou do pessoal que nela trabalha, o professor comporta-se como dono do seu cargo, dos alunos e de suas classes, e o diretor funciona como guardião dessa concepção, evitando interferências de servidores, professores e pais. Não é difícil perceber que em grande parte das instituições públicas de ensino, os interesses políticos e pessoais, em muitos casos, interferem na delimitação e no direcionamento das ações e dos propósitos das escolas. Basicamente existem duas situações onde esses fatores se concretizam: uma delas se refere ao provimento dos diretores das escolas e a outra à formação dos colegiados. Na primeira situação, é possível observar uma melhora considerável, já que muitas instituições vêm utilizando a eleição direta como forma de preenchimento do cargo de diretor, no entanto ainda existe boa parte de provimento de diretores que ocorre por indicação política. Esta forma de provimento baseia-se na confiança pessoal dos “padrinhos políticos” deixando a capacidade profissional dos indicados em segundo plano como critério. Essa condição faz com que a ordenação impessoal pregada pela administração pública, torne-se cada vez mais distante. Já com relação aos colegiados é possível observar que, apesar de serem constituídos por representações dos diferentes segmentos que compõem a comunidade escolar (alunos, professores, técnicos administrativos e pais), buscam o bem comum a eles mesmos e não vantagens e benefícios que atendam aos interesses coletivos da instituição. Além disso, não existem mecanismos que garantam a fiscalização ou o alcance das deliberações que representam os interesses de cada uma das facções que compõem esse colegiado. Ainda sobre esse aspecto, é interessante levar em conta a questão das indicações para os cargos de confiança e para as funções gratificadas que, na maioria dos casos, são utilizadas para “pagar favores políticos” ou atender a interesses particulares, consolidando ainda mais as restrições em relação à formação dos colegiados. Através da prática participativa, é possível superar o exercício do poder hierárquico-verticalizado e promover a construção do poder coletivo, baseado na unidade social escolar como um todo. No plano prático, a gestão participativa da educação funciona por meio da aplicação de mecanismos institucionais e da organização de ações que resultem em processos de participação social, ou seja, é necessário haver uma contribuição direta de toda a comunidade estudantil na formulação de políticas educacionais, na determinação de objetivos, no planejamento, nas tomadas de decisão, na definição sobre alocação de recursos financeiros e necessidades de investimento, na execução das deliberações. Esses processos devem garantir e mobilizar os diferentes agentes (gestores, professores, técnicos administrativos, alunos e pais) envolvidos no sistema de gestão e presentes nas escolas e nas universidades públicas. VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.15, n. 3, p. 45-60, set./dez. 2013 47 Daniel Cerqueira Silva Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: o caso do Instituto Federal Baiano É unanimidade o fato de a descentralização na educação pública ser uma necessidade e um desejo de todos. Apesar de já existirem mecanismos que preguem essa atitude, é possível observar que muitas instituições públicas de ensino adotam tal política na teoria, mas não conseguem aplicá-la na prática. Na realidade, não é tão difícil perceber que muitas delas possuem um discurso voltado para a gestão democrática, ou seja, a comunidade estudantil, muitas vezes, até tem a chance de ser representada nas reuniões onde são tomadas as principais decisões, dentro de uma determinada instituição de ensino. Entretanto, não é aberto um espaço eficiente para o diálogo com a comunidade e com os próprios servidores, sejam eles docentes ou não, comprovando que há na verdade uma democracia representativa, que simula uma democracia real e que acaba ceifando a possibilidade de intervenção prática desses segmentos no direcionamento dos objetivos reais da organização. Dentro da realidade proposta neste trabalho, é possível observar que o Instituto Federal de Educação , Ciência e Tecnologia Baiano ( IF Baiano) está numa situação que não é muito diferente do que foi descrito acima. Tal instituição surgiu a partir da lei 11.892, sancionada em 29 de dezembro de 2008, que prevê a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e se formou a partir da junção das antigas Escolas Agrotécnicas Federais de Catu, Santa Inês, Guanambi e Senhor do Bonfim. Em abril de 2010, o já então Instituto Federal Baiano expandiu-se com a incorporação das antigas Escolas Médias Agropecuária Regional da Ceplac (EMARCs) de Valença, Uruçuca, Teixeira de Freitas e Itapetinga, contando ainda com a criação do novo campus de Bom Jesus da Lapa e do Núcleo Avançado de Governador Mangabeira que, recentemente, transformou-se em um campus. Assim, o Instituto Federal Baiano passou a ter 10 campi além da reitoria, implantada em Salvador, totalizando assim 11 (onze) unidades. Ao analisar a figura abaixo, é possível observar a distribuição dos campi do IF Baiano no estado e assim, ter uma noção da amplitude deste instituto, bem como conhecer os municípios que fazem parte desta rede. 48 VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.15, n. 3, p. 45-60, set./dez. 2013 Centralização ou Democracia? Uma reflexão sobre a gestão educacional nos Institutos Federais de Educação, face às perspectivas democratizantes da educação Figura 1 – Distribuição dos campi do IF Baiano no Estado da Bahia Fonte: Relatório de Gestão do Instituto Federal Baiano 2012, p. 20 Tabela 1 – Unidades / Distância em Relação à Reitoria Fonte: Relatório de Gestão do Instituto Federal Baiano 2012, p. 20 Com esta configuração, pode-se constatar um cenário muito diversificado, marcado pela fusão de várias escolas, onde ainda se percebe a necessidade de uma melhor integração entre as unidades. Mesmo antes da incorporação das novas escolas, já em 2008, as antigas escolas agrotécnicas atuavam de modo autônomo e não havia uma unidade entre elas, embora tivessem o mesmo propósito, características semelhantes e pertencessem à mesma autarquia. A grande variedade de regiões onde se situam os VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.15, n. 3, p. 45-60, set./dez. 2013 49 Daniel Cerqueira Silva campi do IF Baiano assim com as distâncias que os separam entre si e da Reitoria são extremamente relevantes, visto que a grande diversidade geográfica do estado proporciona a existência de peculiaridades socioculturais e socioeconômicas, nos municípios onde os campi estão situados. Estes fatores, por sua vez, possuem importante influência na gestão dessas unidades, já que a partir dessas especificidades torna-se complicada a manutenção de uma gestão uniforme. Isto é, por muitas vezes torna-se muito difícil para a reitoria, equalizar alguns aspectos da gestão influenciados pelas peculiaridades de cada uma das regiões, tais como a formação dos calendários acadêmicos, o transporte de materiais e suprimentos, a realização de reuniões entre os servidores dos campi e da Reitoria e os encontros das representações estudantis. Enfim, diante das distâncias consideráveis entre os campi e das escassas chances de deslocamento por meio de viagens institucionais, as possibilidades de articulação e comunicação não são muito garantidas para aqueles que não fazem parte ou que não estejam diretamente ligados ao alto escalão das unidades escolares. São frequentes para diretores e gestores, já que os recursos destinados às viagens oficiais são priorizados para eles. Através do organograma funcional do IF Baiano, encontrado no Relatório de Gestão do Instituto Federal Baiano (2013), é possível ter um entendimento de como funciona a gestão nesta instituição conforme a figura seguinte: Figura 2 - Organograma Funcional Geral do IF Baiano Fonte: Relatório de Gestão do Instituto Federal Baiano, 2013 50 VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.15, n. 3, p. 45-60, set./dez. 2013 Centralização ou Democracia? Uma reflexão sobre a gestão educacional nos Institutos Federais de Educação, face às perspectivas democratizantes da educação Ao pesquisar o Relatório de Gestão, foram encontradas informações que ajudam a esclarecer não apenas o sistema de gestão adotado, mas também a forma como os atuais diretores gerais foram escolhidos. Além da Reitoria, compõem o organograma funcional do IF Baiano, 10 (dez) campi, os quais se constituem em Unidades de Ensino, subordinadas diretamente ao Reitor. A gestão dessas Unidades se dá de forma compartilhada, pois todas possuem um Diretor Geral eleito ou indicado como pró-tempore pelo Reitor, o qual realiza a gestão do desenvolvimento dos macroprocessos finalísticos e de apoio no âmbito do campus, atuando nas áreas acadêmica e administrativa. (RELATÓRIO..., 2013, p.23). Ainda vale ressaltar que A responsabilidade pela gestão de pessoal e gestão orçamentária da Instituição está centralizada na Reitoria, respectivamente na DGP e PROPLAN. A execução orçamentária e financeira de cada campus está sob a responsabilidade do Diretor Geral juntamente com o Diretor Administrativo do referido campus. (RELATÓRIO..., 2013, p.23). De acordo com o organograma, está no topo o Conselho Superior (CONSUP), órgão máximo da entidade. Ao pesquisar o Regimento Interno do Conselho Superior do IF Baiano, observa-se que o CONSUP possui caráter consultivo e deliberativo e tem o Reitor como presidente. Detém a representação de 1/3 do número de campi, (sendo 02 no mínimo e 05 no máximo) destinada, respectivamente, a Diretores Gerais dos campi, aos Docentes, Discentes e Técnico-administrativos, todos eles representantes eleitos por seus pares conforme regimento geral da instituição. Também fazem parte 02 representantes de alunos egressos; 06 representantes da sociedade civil, 02 indicados por entidades patronais, 02 indicados por entidades dos trabalhadores e 02 representantes do setor público. Ainda faz parte 01 representante do Ministério da Educação designado pela Secretária de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação. Logo em seguida, vem o Colégio de Dirigentes, um órgão de caráter consultivo e responsável por dar apoio decisório ao Reitor. É composto por todos os Diretores Gerais dos campi, pelo Reitor, e por todos os Pró-Reitores. Tais membros são fixos, podendo ocorrer, a depender da pauta, a participação de convidados que, nesse caso, geralmente, são servidores responsáveis por diretorias ou coordenações ligadas às Pró-Reitorias ou às diretorias dos campi. No caso do Instituto Federal Baiano, percebe-se que tanto o CONSUP quanto o Colégio de Dirigentes são ocasiões voltadas essencialmente para os principais gestores da instituição, e que contam com a representatividade dos segmentos escolares (docentes, técnicos e discentes). Nota-se que em ambos os casos, as reuniões não ocorrem buscando a participação efetiva da comunidade escolar, visto que ainda não existe uma ampla divulgação prévia dos participantes, das datas, dos locais e das pautas que serão discutidas. Tampouco são publicados os resultados das deliberações dessas VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.15, n. 3, p. 45-60, set./dez. 2013 51 Daniel Cerqueira Silva conferências. Também são raras as informações sobre os resultados das votações e ainda menos sobre os conteúdos das atas das reuniões. Poucos são os relatos de servidores, que não pertencem ao alto escalão da gestão e que tiveram a oportunidade de participar dessas reuniões. Entretanto, é perceptível que nessas reuniões são tomadas as principais decisões sobre os rumos do Instituto, sobretudo aquelas referentes ao orçamento, aos investimentos, ao desenvolvimento institucional, aos projetos político-pedagógicos, à organização didática e às normas disciplinares. Ainda vale salientar que todos os Pró-Reitores do IF Baiano ocupam seus respectivos cargos por meio da indicação direta do Reitor, não havendo assim, nenhuma possibilidade de interlocução com a comunidade para a escolha dos servidores que ocupam essas funções. É importante lembrar também que entre os 5 cargos de PróReitoria, ou seja, de Ensino (PROEN), de Extensão (PROEX), de Desenvolvimento Institucional (PRODIN), de Pesquisa (PROPES) e de Administração e Planejamento (PROPLAN), apenas o último é dirigido por um técnico administrativo que, nesse caso, é um contador. Todos os demais estão sob a responsabilidade de docentes. Sobre a gestão nos campi, vale considerar: Todos os Campi são constituídos de duas áreas: área acadêmica e área administrativa. A primeira é responsável pela gestão e desenvolvimento de ações e atividades voltadas ao ensino, pesquisa e extensão, além das atividades voltadas ao atendimento ao estudante; e a outra, responsável pela gestão das ações e atividades relacionadas à administração como manutenção, compras, execução orçamentária e financeira, patrimônio, contabilidade entre outras. (RELATÓRIO DE GESTÃO, 2013, p.23). Diante da necessidade de se praticar uma gestão flexível, que leve em consideração as peculiaridades de cada um dos campi, percebe-se que houve a adoção de um sistema de gestão adaptado às suas respectivas demandas, mesmo seguindo uma base comum, conforme a citação destacada anteriormente. Embora não sejam iguais, são perceptíveis mais semelhanças do que diferenças entre os organogramas dessas unidades escolares. Independente da quantidade de funções e cargos existentes é constante a presença do seguinte esquema em todos os campi: Figura 3 – Base dos Organogramas Funcionais dos campi 52 VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.15, n. 3, p. 45-60, set./dez. 2013 Centralização ou Democracia? Uma reflexão sobre a gestão educacional nos Institutos Federais de Educação, face às perspectivas democratizantes da educação Pela figura acima, é possível ter uma noção de como funciona a gestão dos campi do Instituto Federal Baiano. Existe uma base fixa, composta pela figura do Diretor Geral (DG), responsável pelo acompanhamento de todas as ações estratégicas dos campi, duas direções e uma coordenação: o Departamento de Desenvolvimento Educacional (DDE), responsável pela gestão de todas as atividades educacionais, o Departamento de Administração e Planejamento (DAP), que administra a execução orçamentária e financeira do campus e a Coordenação Geral de Ensino (CGE), dedicada, exclusivamente, aos assuntos ligados ao ensino. A ocupação dessas funções é deliberada diretamente pelos Diretores Gerais. Não existem editais para a concorrência desses cargos e nem critérios explícitos para a definição dos perfis profissionais necessários à ocupação desses postos. Para ilustrar melhor esse cenário, foi realizado um levantamento, por meio do site do instituto e do Portal da Transparência, na tentativa de identificar as possíveis características comuns aos servidores que ocupam as funções estratégicas dos campi (DDE, DAP e CGE) do IF Baiano: Tabela 2 - Análise das Funções Estratégicas dos Campi Fonte: http://www.portaltransparencia.gov.br, www.ifbaiano.edu.br, com adaptações do autor. VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.15, n. 3, p. 45-60, set./dez. 2013 53 Daniel Cerqueira Silva Além do exposto na tabela acima, faz-se relevante frisar que dentre os 10 (dez) diretores gerais, os dos campi Catu, Guanambi, Senhor do Bonfim e Santa Inês foram eleitos por votação direta e os dos campi Bom Jesus da Lapa, Itapetinga, Governador Mangabeira, Teixeira de Freitas, Uruçuca e Valença, Diretores Gerais pró-tempore, por nomeação direta do Reitor. É interessante citar, também que todos os diretores gerais, eleitos ou pró-tempore, são docentes. Ao analisar a Tabela 02, é possível constatar a predominância de docentes ocupando os cargos estratégicos dos campi, assim como ocorre entre os Diretores Gerais e as Pró-Reitorias. Foram encontradas 7 categorias distintas de cargos de admissão em concurso público “ocupando” as funções estratégicas dos campi: Administrador, Analista em Tecnologia da Informação, Assistente em Administração, Professor de Ensino Básico Técnico e Tecnológico, Técnico em agropecuária, Técnico em Assuntos Educacionais, Técnico em Enfermagem. Sendo que os dez cargos de DDE todos são ocupados por Professor do Ensino Básico Técnico Tecnológico. Nos cargos de DAP foi observada a presença de 3 Professores do Ensino Básico Técnico Tecnológico, 3 Administradores, 1 Analista em Tecnologia da Informação, 1 Técnico em Agropecuária, e 2 Assistentes em Administração. Para os CGE foram 8 Professores do Ensino Básico Técnico Tecnológico, 1 Técnico em Enfermagem e 1 Técnico em Assuntos Educacionais. Figura 4 – Distribuição dos cargos de DDE 54 VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.15, n. 3, p. 45-60, set./dez. 2013 Centralização ou Democracia? Uma reflexão sobre a gestão educacional nos Institutos Federais de Educação, face às perspectivas democratizantes da educação Figura 5 – Distribuição dos cargos de DAP Figura 6 – Distribuição dos cargos de CGE Ou seja, para os cargos de DDE existe uma ocupação total de docentes nos 10 (dez) postos de todos os campi. Para os cargos de DAP existe a ocupação de 7 (sete) técnico-administrativos e 3 (três) docentes. Já no caso dos CGE são 8 (oito) docentes e 2 (dois) técnico-administrativos. Assim são 40 cargos estratégicos nos Campi distribuídos em DG, DDE, DAP e CGE que, somando-se aos 5 cargos das Pró - Reitorias, totalizam a existência de 45 cargos estratégicos no IF Baiano, dos quais 36 são ocupados por docentes e 9 por técnico- administrativos. VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.15, n. 3, p. 45-60, set./dez. 2013 55 Daniel Cerqueira Silva Figura 7 – Distribuição dos cargos estratégicos no IF Baiano Esse quadro permite algumas indagações: o que justificaria a presença tão elevada dos docentes na maioria dos cargos estratégicos do IF Baiano? Esse fato não abriria margem para a confirmação da suposta existência de protecionismo em relação a eles? Por que outros profissionais, com formações específicas da área de educação, tais como Pedagogos, Técnicos em Assuntos Educacionais, por exemplo, possuem tão pouca expressividade na ocupação desses cargos? No caso do Instituto, em meio a toda a diversidade e à dificuldade em se perceber um modelo de gestão que efetivamente concilie todas as demandas das unidades que o compõem, é possível fazer outros questionamentos: por que será tão comum ver técnicos administrativos, professores e alunos apontarem a reitoria como um centro de decisões? Será este o melhor estilo de gerir esta instituição, consideradas suas especificidades e diversidades? São perceptíveis também, indícios, da existência de um descontentamento permanente, já que, geralmente, os diretores se queixam de a reitoria tomar decisões unilaterais, sem levar em conta as especificidades de cada unidade do instituto. A partir daí, poderiam ser feitos outros questionamentos: caberia aos gestores da Reitoria incumbir-se das decisões pedagógicas e administrativas dos campi, ainda que não estejam vivenciando a realidade de cada uma dessas unidades? Como os diretores das unidades estão se comportando diante dessa possibilidade? Assim sendo, será que professores e diretores acabam contrapondo essas decisões, fazendo valer “medidas paralelas” que julguem mais próximas do “dia a dia” das unidades? E os técnicos administrativos? Será que realmente têm condições de intervir nas reuniões em que as principais decisões são tomadas? Ou possuem apenas representatividade nelas? Será que as decisões são tomadas de forma corporativista entre diretores e professores, já que os primeiros, geralmente, também pertencem, em maioria, à classe dos segundos? E 56 VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.15, n. 3, p. 45-60, set./dez. 2013 Centralização ou Democracia? Uma reflexão sobre a gestão educacional nos Institutos Federais de Educação, face às perspectivas democratizantes da educação os alunos? Será que não ficam só assistindo ao confronto entre professores e diretores sem terem participação na tomada de decisões, sendo sempre obrigados a aceitá-las a contragosto? E os pais? Será que não estão totalmente alheios a esse cenário e acabam sendo exigentes com os seus filhos sem entender o contexto onde eles estão inseridos? Embora a reitoria apresente propostas de unificação, é possível supor a existência de sinais de constantes divergências na gestão da instituição como um todo. A partir daí, é possível observar que os objetivos dos diferentes segmentos que compõem os conselhos ou colegiados não se harmonizam, sendo geralmente necessário, em boa parte dos casos, buscar-se formulação da decisão por maioria, com a consequente “aceitação contrariada” dos membros vencidos. Essa presunção está longe de configurar-se tranquila nas unidades escolares que compõem este instituto e, desta forma, este estudo poderá confirmar, ou não, a existência de um cenário que ainda é costumeiro na gestão escolar: a dominação que os diretores, seguidos pelos docentes, ainda exercem sobre os técnico-administrativos e os alunos. Metodologia A abordagem da pesquisa é quali-quantitativa, já quanto aos objetivos é descritiva e exploratória. Os procedimentos técnicos utilizados foram: a pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental e a pesquisa de campo. Inicialmente este trabalho foi desenvolvido por meio de pesquisa bibliográfica a fim de respaldar, de aperfeiçoar a coleta de dados e de obter uma melhor interpretação desses dados. Posteriormente foi realizada a pesquisa documental no site do Instituto Federal Baiano, onde foram analisados o Relatório de Gestão do ano de 2012, o Regimento Interno do Conselho Superior de 2010 e o Regimento Geral do IF Baiano de 2012 assim como uma pesquisa referente aos dados IF Baiano, existentes no Portal da Transparência. É importante destacar a realização, também, da observação direta, já que segundo, Barros (2000), na pesquisa de campo, “O investigador assume o papel de observador coletando diretamente os dados no local (campo) em que se deram ou surgiram os fenômenos. Há um contato direto com o fenômeno de estudo”. O universo da pesquisa foi constituído pelos 10 sites dos campi, pelos sites das 5 (cinco) Pró-Reitorias, juntamente com site da Reitoria e o Portal da Transparência. Vale ressaltar que muitos dos dados coletados referentes aos cargos estratégicos de DG, DDE, CGE E DAP do IF Baiano podem não estar plenamente atualizados até a data de publicação do artigo, visto que já tais postos possuem uma dinâmica acelerada em relação à troca dos seus ocupantes. Conclusão A partir da justificativa da vulnerabilidade das massas diante da manipulação VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.15, n. 3, p. 45-60, set./dez. 2013 57 Daniel Cerqueira Silva das oligarquias, muitos defendem a capacidade de a representatividade evitar tendências dominantes. Considerada por muitos como a única forma possível de democracia em grande escala, a democracia representativa se consolida num regime onde uma elite é autorizada a governar, em nome de um todo ideologicamente manipulado produzindo um suposto “consenso”. Assim sendo, pode-se considerar que se trata de uma democracia restrita ao campo político, sem “alargamentos” e conseqüências para o campo social e econômico. Com base nesse questionamento, foi produzida a possibilidade democrática de uma concepção contra-hegemônica, a chamada democracia participativa e popular. Entende-se, nesta perspectiva, a democracia como forma de aperfeiçoamento da convivência humana que, construída histórica e culturalmente, deve reconhecer e lidar com as diferenças, ser inclusiva das minorias e das múltiplas identidades, implicar ruptura com as tradições e buscar a instituição de novas determinações. Conforme foi discorrido acima, a gestão dita “democrática” tem estreitas relações com o conceito de Bordenave (1994) em que ele alerta para a questão da falsa participação, já que “é possível fazer parte sem tomar parte”. Aqui Oliveira dá uma medida bem precisa de como a gestão participativa pode funcionar realmente: A participação dos profissionais docentes e da comunidade na elaboração e decisão das políticas públicas para a educação passa a ser uma exigência da gestão escolar, refletida em mecanismos mais coletivos e participativos. Uma gestão democrática da educação, que reconhecesse a escola como espaço de política e trabalho, era buscada nos emblemas de autonomia administrativa, financeira e pedagógica, na participação da comunidade nos desígnios da escola (elaboração dos projetos pedagógicos e definição dos calendários) e na criação de instâncias mais democráticas de gestão (eleição de diretores e constituição dos colegiados). Tudo isso conjugado à luta pelo reconhecimento profissional desses trabalhadores. (OLIVEIRA, 2004, p.1135). De acordo com Paro (1997, p.9), a gestão democrática se caracteriza pela “efetiva participação de pais, educadores, alunos e técnicos administrativos da escola, de tal forma que a participação propriamente dita é a partilha do poder, a participação na tomada de decisões.” “A administração escolar entendida e assumida como prática participativa é um dos elementos decisivos, senão o mais importante para a efetivação de uma forma democrática de organizar o trabalho pedagógico da escola”. (PRAIS, 1992, p.16 apud COLARES, 2003, p.89) Para Dias (2009), as políticas públicas em educação passaram por um processo evolutivo nos últimos anos, e com elas evoluem os paradigmas gerenciais. De acordo com Paro (2007), um trabalho realmente democrático se caracteriza pela participação efetiva da população escolar, considerada não apenas como “titular do direito”, mas também 58 VÉRTICES, Campos dos Goytacazes/RJ, v.15, n. 3, p. 45-60, set./dez. 2013 Centralização ou Democracia? Uma reflexão sobre a gestão educacional nos Institutos Federais de Educação, face às perspectivas democratizantes da educação como “criadora de novos direitos”. Esses direitos são exercidos a partir do momento em que se consuma sua atuação no bojo das ações escolares de forma planejada e organizada, estimulando a formação integral de todos. Essas ações educativas são implementadas e acompanhadas pela comunidade escolar por meio de seu projeto político pedagógico (PPP), documento que formaliza e executa essas ações. A gestão educacional corresponde ao processo de gerir a dinâmica do sistema de ensino como um todo e de coordenação das escolas em específico, afinado com as diretrizes e políticas educacionais públicas, para a implementação das políticas educacionais e projetos pedagógicos das escolas, compromissados com os princípios da democracia e com métodos que organizem e criem condições para um ambiente educacional autônomo (LUCK, 2007). Pelas leituras realizadas é compreensível que a gestão democrática não só na educação, mas em qualquer segmento se consolida a partir da participação dos diversos setores que compõem uma instituição. Neste caso, uma gestão escolar realmente democrática tem como base a colaboração efetiva de todos os seus segmentos na manutenção da unidade educacional, principalmente, nos momentos em que as decisões são tomadas. De acordo com Dourado (1998, p.79), “a gestão democrática é um processo de aprendizado e de luta que vislumbra nas especificidades da prática social e em sua relativa autonomia, a possibilidade de criação de meios de efetiva participação de toda a comunidade escolar na gestão da escola”. Referências BARROS, A. J. P. de; LEHFELD, N. A. S. Fundamentos de metodologia: um guia para iniciação científica. 2. ed. São Paulo: Makron, 2000. BRASIL. Lei nº. 11.892, de 29 de dezembro de 2008. 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