COORDENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA CARLOS ALBERTO DIAS FERREIRA FRANCISCO PAULO DE ALMEIDA ─ BARÃO DE GUARACIABA: REFLEXÕES BIOGRÁFICAS E CONTEXTO HISTÓRICO. VASSOURAS 2 2009 UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA COODENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA CARLOS ALBERTO DIAS FERREIRA FRANCISCO PAULO DE ALMEIDA ─ BARÃO DE GUARACIABA: REFLEXÕES BIOGRÁFICAS E CONTEXTO HISTÓRICO. Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em História Social da USS ─ Universidade Severino Sombra, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em História. Orientador: Professor Doutor Fábio Henrique Lopes VASSOURAS 3 2009 UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA COODENADORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTÓRIA A Dissertação: FRANCISCO PAULO DE ALMEIDA ─ BARÃO DE GUARACIABA: REFLEXÕES BIOGRÁFICAS E CONTEXTO HISTÓRICO. Elaborada por CARLOS ALBERTO DIAS FERREIRA, e aprovada por todos os membros da Banca Examinadora, foi aceita pelo Programa de Mestrado em História da Universidade Severino Sombra, como requisito parcial para obtenção do Título de MESTRE EM HISTÓRIA Banca Examinadora: __________________________________________________________________ Professor Doutor Fábio Henrique Lopes [USS] Presidente __________________________________________________________________ Professora Doutora Marilene Rosa Nogueira da Silva [UERJ] 1º Examinador __________________________________________________________________ Professora Doutora Cláudia Regina Andrade dos Santos [USS] 2º Examinador VASSOURAS 4 2009 AGRADECIMENTOS Ao ousar produzir este trabalho, tinha consciência de que só poderia explorá-lo, com ajuda, incentivo, compreensão, colaboração e solidariedade de muitos, envolvendo uma gama de pessoas, que conscientemente ou inconscientemente, de alguma forma participaram e contribuíram, através de palavras de apoio, da indicação de bibliografias, fornecendo fontes ou sugestões de onde procurá-las. Todas estas contribuições, em muito auxiliaram e estão inseridas na elaboração desta Dissertação e, de certa forma, amenizaram minha ansiedade, inquietação e solidão. Toda a colaboração e o diálogo realizado com colegas e intelectuais, dentro das possibilidades, foram aproveitados e inseridos no trabalho. Estou ciente de que lembrar todos os nomes que participaram de alguma forma dessa empreitada seria uma tarefa difícil, e provavelmente injusta por deixar algum nome de fora; além disso, muitos já não pertencem mais ao quadro do Programa de Mestrado da Universidade Severino Sombra. Dessa forma, agradeço ao quadro de docentes pertencentes ao Programa de Mestrado da Universidade Severino Sombra, que acreditaram e contribuíram para a elaboração deste trabalho, além de todo o seu quadro administrativo bem como aos funcionários das bibliotecas. Agradeço pela compreensão e por serem muito, muito especiais, a minha companheira Maria Fátima Barbosa Rodrigues, o meu filho Tiago Rodrigues Fonte e a minha filha Natshara Carolina Rodrigues Ferreira; concomitantemente, peço perdão pela minha ausência. Torna-se difícil encontrar as palavras, e não sei se as expressadas farão justiça, ao empenho e paciência em transformar um convicto e empolgado pesquisador em um historiador. Devo isso ao amigo, cúmplice e orientador, professor Doutor Fábio Henrique Lopes, que bem antes de eu almejar trilhar este caminho tão gratificante da pesquisa, já me incentivava e acreditava no meu trabalho. Além disso, no decorrer dessa produção, compartilhou meus medos, angustias e aflições, estando sempre presente. Para você, Fábio, mais do que um muito obrigado especial, fica meu respeito pela pessoa e profissional com o qual eu tive o privilégio de conviver nesse período. 5 Tanto o relator quanto aqueles de quem se relata algo precisam saber que detêm as próprias vidas nas mãos. Há segredos vetados à privacidade e ao silêncio; que sejam cultivados pela criatura acossada com pelo menos metade da insistência com que o investigador cultiva seu amor pela caça ─ ou podemos chamá-la senso histórico. Foram excessivamente abandonados ao homem natural e instintivo; mas serão duas vezes mais eficazes depois que começarmos a reconhecer que podem ser incluídos entre os triunfos da civilização. Então, finalmente, o jogo será justo e equilibrado e as duas forças estarão equiparadas; será um cabo-de-guerra e a tração mais forte proporcionará sem dúvida o resultado mais feliz. Nesse momento as artimanhas do investigador, espicaçadas pela resistência, excederão em sutileza e ferocidade tudo o que hoje imaginamos, e a vítima pálida e advertida, tendo apagado todos os rastros, queimado todos os papéis e deixado todas as cartas sem resposta, haverá de resistir sem nenhuma contra-investida, do alto da torre da arte, granito invulnerável, ao cerco de todos os anos. Henry James, “George Sand” (1897). 6 RESUMO Esta dissertação, definida aqui como uma reflexão biográfica, tem como objeto os caminhos, as relações, as estratégias, as histórias e o contexto histórico de Francisco Paulo de Almeida, nascido no ano de 1826 e falecido em 1901. Homem negro, que no Brasil Império iniciou-se, aproximadamente em 1838, como ourives e, posteriormente, já pelos anos de 1842, como tropeiro. Em 1860, já pertencia a oligarquia cafeeira, com fazendas em Valença, Paraíba do Sul e Arraial de Três Rios, no Rio de Janeiro e na cidade de Mar de Espanha, em Minas Gerais, além de ter sido Provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença-RJ. Teve participação importante em parte da construção da Estrada de Ferro do Médio Vale do Paraíba, além de ter sido sócio e fundador de empresas de sociedade anônima e de ter participado do sistema financeiro de Juiz de Fora – MG, na constituição do Banco Territorial e Mercantil de Minas Gerais e o Banco de Crédito Real de Minas Gerais, “O Credireal”. Entre as propriedades que possuiu, além das fazendas, tinha uma casa na Corte, situada à Rua Moura Brito e foi dono do Palácio Amarelo, atual sede do Legislativo da cidade de Petrópolis – RJ. Trata-se, aqui, portanto, de uma reflexão biográfico-histórica construída dentro dos padrões da “Nova História Política”, aprofundada no debate teórico sobre as formas de como fazê-lo, pesquisando o que se tem escrito sobre as distinções e as adversidades da escrita biográfica. Dentro dos caminhos possíveis optou-se pela metodologia indiciária, muito bem utilizada por Carlo Ginzburg, principalmente nas redes de sociabilidade produzidas através do compadrio. Além disso, articulam-se e exploram-se as trajetórias e histórias de vida com as redes de sociabilidade e as relações de poder permitidas, constituintes dos caminhos trilhados, aqui analisados. Palavras-chave: Francisco Paulo de Almeida; Médio Vale do Paraíba; redes de sociabilidade e relações de poder. 7 RESUMEN Este disertación, definido aquí como reflexión biográfica, tiene como objeto las maneras, las relaciones, las estrategias, las historias y el contexto histórico de Francisco Pablo de Almeida, llevado en el año de 1826 y los difuntos uno de 1901. Hombre negro, que en el imperio inició sí mismo del Brasil, aproximadamente en 1838, como platero y, más adelante, ya por los años de 1842, como tropero uno. En 1860, la oligarquía del café perteneció ya, con las granjas en Valencia, Paraíba de Sul y Arraial de Tres Ríos, en Río de Janeiro y la ciudad del Mar de España, en Minas Gerais, más allá de ser surtidor de la fraternidad del Santo Casa de Misericordia de Valencia-Rio de Janeiro. Tenía participación importante en la parte de la construcción del ferrocarril del valle medio del Paraíba, más allá de fundar a socio y de compañías de la sociedad anónima y haber participado del sistema financiero de Juiz de Fora magnesio, en la constitución del Banco Territorial y Mercantil de Minas Gerais y del Banco del Crédito Verdadero de Minas Gerais, “el Credireal”. Entre las características que poseyó, más allá de las granjas, tenía una casa en el corte, situado a la calle Moura Brito y era el dueño del palacio amarillo, jefaturas actuales de legislativo de la ciudad de Petrópolis - el Rio de Janeiro. Se trata, aquí, por lo tanto, de una reflexión biográfico-histórica construida dentro de los estándares de las “nuevas políticas de la historia”, entrados profundamente en el discusión teórico sobre las formas de en cuanto a hágalo, buscando lo que ha escrito uno en las distinciones y las adversidades de la escritura biográfica. Dentro de las maneras posibles fue optado a la metodología del indiciaria, muy usada bien para Carlo Ginzburg, principalmente en las redes producidas del sociabilidad con el compadreo. Por otra parte, se articulan y exploraron la trayectoria y las historias de la vida con las redes del sociabilidad y las relaciones de ser haber permitido capaz, componente de las maneras pisadas, analizado aquí. Palabra-llave: Francisco Pablo de Almeida; Valle medio del Paraíba; redes del sociabilidad y relaciones de poder. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO........................................................................................................... 10 1. HISTÓRIA POLÍTICA E BIOGRAFIA: uma abordagem de muitas vozes.... 21 1.1. Uma visão teórico-metodológica da história política....................................21 1.2. História Política: uma nova abordagem........................................................27 1.3. Da Biografia e de seus usos............................................................................. 32 1.4. Relações de poder e redes de sociabilidade................................................... 41 2. DE UM POSSÍVEL INÍCIO: artes, ofícios e tropas–décadas de 1820 a 1860.. 47 2.1. Síntese biográfica e laços sociais de berço..................................................... 48 2.2. Música e Ourivesaria.......................................................................................57 2.3. Tropas e Tropeiros.......................................................................................... 61 3. REDES DE SOCIABILIDADE E RELAÇÕES DE PODER........................... 81 3.1. Um pouco do Médio Vale do Paraíba no século XIX.................................82 3.2. As fazendas e a relação de compadrio.........................................................84 3.3. Estrada de Ferro do Vale do Paraíba Sul Fluminense.............................. 91 3.4. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença – RJ..................104 3.5. O título nobiliárquico..................................................................................108 9 3.6. O sistema financeiro e as Sociedades Anônimas...................................... 113 3.7. O Palácio Amarelo...................................................................................... 116 CONSIDERAÇÕES FINAIS DE UMA TRAJETÓRIA DE PESQUISA......... 120 REFERÊNCIAS......................................................................................................124 10 INTRODUÇÃO Esta pesquisa teve início a partir de uma provocação, feita por um professor da graduação. Como aluno do curso de História pertencente a um grupo de pesquisa, procurava transmitir e aconselhar os demais colegas sobre a importância da determinação do tema para o TCC, o mais cedo possível. O professor da disciplina, ao escutar aquele “conselho”, lançou um desafio à turma: escrever sobre “o barão de Guaraciaba”. Mas sua provocação tinha sentido? Considerando que a Universidade Severino Sombra está localizada “na cidade dos Barões”, qual o interesse de um trabalho sobre mais um barão? Instigado por aquele desafio, quis saber o que esse barão teria de “diferente” que justificasse a tarefa. Inicialmente, o professor informou que se tratava de um negro, que havia recebido o título de baronato em 1887, que seu nome era Francisco Paulo de Almeida, barão de Guaraciaba, e que até aquela data “ninguém havia escrito nada sobre ele”, e que essas eram “todas” as informações/dados que ele tinha sobre o personagem. Diante dessas proposições e pela curiosidade despertada, aceitei o desafio de mudar o meu projeto inicial de TCC e, a partir de então, comecei a buscar informações, pistas e dados que me fornecessem embasamento na construção de um trabalho sobre o Barão de Guaraciaba, transformado, assim, em objeto de pesquisa. Ao iniciar o trabalho, deparei-me um elemento problemático: a falta de informação sobre o Barão. Praticamente nada encontrei escrito sobre ele nas fontes iniciais, tais como: o Legislativo Municipal e a biblioteca das Prefeituras de Vassouras, Valença e Três Rios. Era como se o personagem não houvesse existido. Porém, essa dificuldade aumentou minha inquietação e permitiu novas pesquisas. Assim motivado, insisti no trabalho e, aos poucos, percebi que o que eu chamava de “silêncio” em torno do barão, tratava-se da “falta de vestígios”, que ao longo da pesquisa começaram a aparecer. Por exemplo, posso citar o conteúdo do Jornal Caderno do Interior [CADIN]: 11 Descoberto casualmente pela reportagem do CADIN, fotografado e publicado na edição 34, de outubro de 1999, o retrato ao lado, dependurado entre o de outros barões provedores, no Museu da Santa Casa de Misericórdia em Valença, volta a ser assunto da primeira página do jornal, depois que o barão de Guaraciaba foi citado em matéria de um grande jornal carioca: ”Descoberto há poucos meses, os pesquisadores estudam agora o inventário do barão de Guaraciaba, provavelmente o único negro que recebeu um título de nobreza no país”. E a matéria não pára ali: continua por quase toda a segunda página descrevendo as “descobertas” da equipe de cinco pessoas, lideradas pelo doutor em História da Unicamp, Carlos Eugênio Líbano Soares. São histórias de rebeliões de escravos; falsificação de dinheiro; barões deixando fortunas para amantes mucamas; de Eufrásia Teixeira Leite e do barão de Guaraciaba, “provavelmente o único negro que recebeu um título de nobreza no país” e cujo retrato, dependurado entre outros barões provedores da Santa Casa da Misericórdia de Valença, no museu desta, o CADIN fotografou e publicou em sua edição de outubro de 1999. E torna a fazê-lo agora, um ano depois, na primeira página desta edição1. Apropriando-me das pistas encontradas, pesquisei a historiografia da Irmandade, deparando-me com o trabalho de Elisa Maria Amorim da Costa. A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença (1838 – 1889)2. Esse trabalho, além de fornecer bibliografia específica, transcreve o biênio 1882-1884, no qual o Barão foi provedor, relata a importância e o destaque político e social do membro e mantenedor de uma Irmandade. Dessa maneira, já com pistas sobre meu objeto, fui à Irmandade e fotografei os dados existentes sobre ele, bem como obtive cópia das Atas do biênio 1882-1884, na qual Francisco Paulo de Almeida, como citei, foi dirigente. Nessa mesma Irmandade, encontrei a Revista [local] Chafariz, de 2004, com matéria sobre Francisco Paulo de Almeida, extraída do livro A História de Três Rios e seus vultos importantes 1853-1992, de autoria de Marciano Bonifácio Pinto Filho. Nessa transcrição, havia informações para dar continuidade à pesquisa sobre o barão: esposa, filhos, fazendas, negócios, relacionamentos, etc. 1 Jornal Caderno do Interior [CADIN]: Ano IV, n° 46 ─ Rio de Janeiro, outubro/novembro de 2000, p. 1 e 2.Transcrito na integra. 2 COSTA, Elisa Maria Amorim da Costa. A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença (1838 – 1889). Dissertação de Mestrado [História Social] ─ USS ─ dezembro de 1997. 12 Em pesquisa no Cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo ─ Rio de Janeiro – RJ, onde Francisco Paulo de Almeida foi sepultado, através do livro de óbito nº 1617, localizei sua campa. Após realizar os procedimentos de uma pesquisa, fotografar e registrar as informações disponíveis, descobri que o Atestado de Óbito encontrava-se no Arquivo da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, onde consegui uma cópia do mesmo. Através do link da Câmara Municipal de Petrópolis – RJ, descobri que o mesmo foi dono do Palácio Amarelo, sede do Legislativo, e que, logo após Francisco Paulo de Almeida adquirir a propriedade, houve uma obstinação [perseguição] pela Câmara, para que o imóvel passasse a ser sua sede. No período entre 1891 e 1894 o Legislativo aprovou a construção de um mercado popular, onde hoje é a Praça Visconde de Mauá. Este projeto não prosperou, porém, logo depois se aprovou a instalação de um “kursal”, que também não se desenvolveu, e, finalmente, em 25 de abril de 1894, sancionou-se projeto que autorizava a construção, naquele terreno, do novo Paço Municipal, que ficaria em frente ao solar do Barão. Foi uma demanda que durou quatro anos, pois em 11 de junho de 1894, o Barão de Guaraciaba capitularia, propondo ele próprio a aquisição do imóvel pela Câmara. Na biblioteca do Legislativo, consegui cópia do jornal Gazeta de Petrópolis e dos atos que autorizavam a construção do mercado público, do “kursal”, e o projeto de Lei autorizando empréstimo para a construção do imóvel na atual Praça, além de um projeto do vereador Osvaldo do Vale, instituindo homenagem oficial ao Barão de Guaraciaba, no hall do Palácio Hermogênio da Silva [Palácio Amarelo], provavelmente, uma tentativa do legislativo de recuperar ou homenagear a figura do barão. No Centro de Documentação Histórica [CDH] da Universidade Severino Sombra, em princípio, busquei seu inventário, mas achei apenas três processos que se encontram nas caixas: 37, 245 e 301. Dois referentes à cobrança de dívidas para com ele e, o outro, a um embargo de sentença. No IPHAN de Vassouras analisei o livro Archivo Nobiliarchico Brasileiro3, de muita 3 A Nobreza Brasileira de A a Z ─ "Página transcrita do Archivo Nobiliarchico Brasileiro dos barões Smith de Vasconcellos, com adendas e correções". Autor: Sérgio de Freitas.GUARACIABA: O barão de GUARACIABA foi Francisco Paulo de Almeida, que era natural de Santa Fé, MG. ─ Adenda: Firmino [*] Paulo de Almeida - agraciado com o título [Dec. 16.09.1887] de Barão de Guaraciaba. Nasceu em 10 de janeiro de 1826 em Santa Fé - MG e faleceu em 9 de fevereiro de 1901, no Rio de Janeiro, sendo sepultado no cemitério de Bemposta, município de Três Rios - RJ. Foram suas propriedades as fazendas das Três Barras, no atual município de Três Rios, e Santa Fé, no município de Chiador, Minas Gerais. Sua esposa, a baronesa, faleceu 13 importância. Nesta obra, organizada pelos barões Smith de Vasconcellos, encontrei algumas referências sobre Francisco Paulo de Almeida, sendo que consta seu nome como Firmino Paulo de Almeida [sic.], nascido na cidade Santa Fé [sic] – MG, além do dia mês e ano do decreto que lhe concedeu o título de barão de Guaraciaba. Na Biblioteca Euclides da Cunha, localizei o livro: A história de Três Rios e de seus vultos importantes, 1853-1992, de Marciano Bonifácio Pinto Filho; fiz uma cópia das páginas que o autor escreveu sobre o barão e da bibliografia consultada por ele. Em relação à bibliografia devo ressaltar a importância de dois livros, infelizmente esgotados: Antigas Fazendas de Café da Província Fluminense ─ 1980 e Fazendas: Solares da Região Cafeeira do Brasil Imperial ─ 1986, ambos da Editora Nova Fronteira. Neles identifiquei e encontrei a localização de grande parte de suas propriedades, bem como fotos de algumas. Como já mencionei anteriormente, um dos maiores problemas enfrentados na pesquisa foi a dificuldade para encontrar, inicialmente, fontes específicas sobre o protagonista. Porém, persistindo no levantamento de informações, encontrei a localização de boa parte dos seus imóveis. Com essa noção, pude definir um recorte que balizou o levantamento bibliográfico relacionado ao Vale do Paraíba. A partir dessa bibliografia, consegui, aos poucos, pistas, dados, informações e registros sobre a existência e a vida do barão. Contudo, é importante ressaltar que tais obras raramente citam o fato dele ser negro ou “homem de cor”, expressão utilizada por Hebe Maria da Costa Mattos Gomes de Castro, no seu livro: Das cores do silêncio: os significados de liberdade no sudeste escravista ─ Brasil século XIX. Ao término da monografia, em outubro de 2006, o bisneto do barão, Gil Carvalho Paulo de Almeida, engenheiro na Universidade Federal de Juiz de Fora – MG, fez contato comigo. Ele me passou algumas fontes que possibilitaram dar continuidade à pesquisa, uma vez que, a monografia já estava entregue e seria apresentada em breve. De posse da informação da localização das fazendas, fui visitá-las e fotografá-las, além de tentar conseguir alguma outra informação sobre ele. Iniciei minhas visitas pela fazenda Três Barras, na cidade de Três Rios - RJ, onde constatei que sua outra fazenda, a vitimada de febre amarela, na Fazenda das Três Barras, em 01.06.1889. ─ [*] O pesquisador nomeia o titular como Firmino. O ANB e o Dicionário das Famílias Brasileiras o têm como Francisco. ─ Colaborador: José Roberto de Vasconcellos Nunes - pesquisador. Criador e coordenador da lista Gen-Minas de genealogia. Disponível em: http://www.sfreinobreza.com/NobAZ.htm, acesso em 02 de julho de 2009. 14 Santa Fé, situada em Mar de Espanha – MG, situava-se do outro lado do encontro dos Rios Piabanha e Paraibuna, onde existe uma ilha, bem no centro do rio que corre atrás da sede da fazenda; sua outra fazenda, a Boa Vista em Paraíba do Sul – RJ é separada da fazenda Três Barras pela Rodovia 040, Rio-Juiz de Fora – MG. Na fazenda Três Barras, descobri o livro: Capítulos de História de Paraíba do Sul do memorialista Pedro Gomes da Silva, em que consta a história da fazenda, e nela, pistas sobre o compadrio de Francisco Paulo de Almeida com o Visconde de Jaguari. Saliento que as redes de sociabilidade não se limitam à relação biológica de parentesco, mas sobrepõe-se aos laços consangüíneos. O compadrio valoriza-se pelo significado que ele tem socialmente, e sua importância na vida do protagonista. Na fazenda Veneza, localizada no distrito de Conservatória, Valença – RJ, deparei-me com a Estação Paulo de Almeida da Estrada de Ferro e descobri que a linha de trem, ligando Barra do Piraí a Santa Izabel do Rio Preto passava pelas terras de Francisco Paulo de Almeida, proprietário da empresa Companhia Estrada de Ferro Santa Izabel do Rio Preto, construtora dessa linha, Entretanto, no distrito de Conservatória, não se sabe da sua existência. Já ao longo de minha pesquisa para o mestrado, uma descendente do barão de Guaraciaba, forneceu-me muitas fotos e informações sobre a figura estudada: cópia de inventário, recibo de compra da fazenda Três Barras, etc. Depois de muitas buscas, consegui localizar o inventário da Baronesa Dona Brasilia Eugenia da Silva Almeida, que se encontra no Museu da Justiça. Em meados de 2008, fui à cidade de Lagoa Dourada – MG, onde Francisco Paulo de Almeida nasceu. Para minha surpresa, nessa localidade só o Marques de Valença é conhecido. Em julho de 2009, retornei a São João Del Rei e, dessa vez, obtive sucesso. Consegui no IPHAN os inventários de seu pai, da sua “madrasta” de sua madrinha “avó”, faltando conseguir o do seu padrinho “avô”, ainda não localizado. Além disso, consegui marcar horário na Igreja Matriz e fotografei a página onde consta o batismo de Francisco Paulo de Almeida. Estes documentos forneceram informações e pistas que desconstruíram minha idéia inicial de que Francisco Paulo de Almeida constituiu sua vida sem nenhum suporte, uma vez que tanto sua madrasta, quando ele tinha 16 anos, como sua avó, quando ele já contava com 25 anos, lhe deixaram, através de seus inventários, quantias substanciais, além de fornecer indícios das redes de sociabilidade de sua família com outras da “elite” na Comarca do Rio das Mortes. 15 Cabe salientar que, embora tenha localizado e tido acesso a diversas fontes, várias outras não consegui, por se encontrarem em restauração em outras cidades. Retornando ao trabalho já citado de Marciano Bonifácio Pinto Filho, em consulta a bibliografia informada por ele em sua obra, pesquisei-a na Biblioteca Nacional. Após revisála, não encontrei indícios sobre Francisco Paulo de Almeida ou sobre o barão de Guaraciaba. Dessa forma, permaneço sem saber onde Pinto Filho conseguiu as informações sobre o Barão, constante em seu livro! Essa foi a trajetória da pesquisa “de campo”, a qual está permitindo a constituição dos contextos e a problematização de um personagem. Mas é preciso, ainda, salientar a necessidade de reflexão sobre as diversas abordagens e compreensões da história e da historiografia, bem como de suas variantes. Dentre elas, a reflexão biográfica, como por exemplo, aquela apresentada por Vavy Pacheco Borges: Como podemos saber sobre as pessoas desaparecidas no túnel do tempo? Começa-se por procurar ouvir sua voz, seus ecos que nos vem do passado: diários, cartas, livros e contos, escritos, fotos e o que mais houver. Essas são as fontes para nosso trabalho, mas também o são tudo o que disseram ou escreveram as pessoas que conheceram ou estudaram nosso personagem. Do cruzamento, da comparação de todos os dados fornecidos por esses vestígios é que construímos a história de uma pessoa. Nós, historiadores, estamos constantemente em busca de documentação que constitua uma prova do passado que estudamos; a descoberta dessas provas durante a pesquisa é a adrenalina dos historiadores (gosto de dizer que constitui nosso afrodisíaco e funciona para nós como o poder para os políticos)4. De uma maneira geral, para estudar a vida de alguém faz-se necessário o aprofundamento no debate teórico-metodológico de como se é entendida e escrita a História, e sua interação com a escrita biográfica. Falar sobre contexto histórico e “reflexão” biográfica, a partir da História Política, é uma tarefa complexa ─ em alguns momentos parece que estou em “areia movediça”, sendo um dos fatores preponderantes para isso o tempo curto para desenvolver e concluir o mestrado, como também as fontes que aparecem no decorrer da pesquisa. Por isso mesmo, faz-se necessário, também, um tempo mais longo para desenrolar este novelo das teias de poder e relações de sociabilidade, situadas em torno de Francisco Paulo de Almeida. 4 BORGES,Vavy Pacheco. Em busca de Gabrielle: séculos XIX e XX. São Paulo: Alameda, 2009, p. 16. 16 A biografia pressupõe um aprofundamento na vida e nos envolvimentos de um personagem. Já a reflexão biográfica e o mapeamento dos contextos remetem ao exame do conteúdo através da identificação e análise das possibilidades que permitem a continuidade do trabalho e da pesquisa. Para tanto, trabalho, sobretudo, com o espaço temporal 1860–1901. O recorte geográfico é compreendido entre Juiz de Fora, o Sul de Minas, o Médio Vale do Paraíba, Petrópolis e a Corte. A partir dessas reflexões, a trajetória das pesquisas me indicou que o trabalho tratava da identificação e estudo de um contexto histórico e de uma “reflexão biográfica”. Por isso, cabe aqui relembrar a lenda oriental dos seis cegos e o elefante, como uma forma análoga do primeiro impacto ao se fazer a escrita da “reflexão biográfica” e contextos históricos: “Eram seis homens muito eruditos do Hindustão, todos com a característica comum de serem cegos de nascença. Tinham ouvido muitos comentários a respeito dos elefantes, mas até então, não tinham tido a oportunidade de tocar em qualquer deles. Certo dia, na cidade onde residiam, chegou um carregamento de mercadorias num elefante. O condutor do elefante passaria alguns dias na cidade e os amigos dos seis eruditos cegos resolveram proporcionar a eles a oportunidade de conhecerem, pelo tato, o que era um elefante. E assim foi feito. Cada um tocou apenas uma parte específica do corpo do paquiderme. O primeiro aproximou-se do elefante esbarrando no seu dorso enorme e firme. Apalpou-o, tentou empurrá-lo e saiu gritando convicto de que já sabia exatamente o que era um elefante: “O elefante é uma muralha viva!” O segundo, apalpando a presa de marfim, saiu gritando, também convicto de que já sabia exatamente o que era um elefante: “O elefante é uma lança enorme!” O terceiro aproximou-se do animal e pegou a tromba que se contorcia em suas mãos. Convicto de tudo conhecer sobre o elefante saiu gritando: “O elefante é uma cobra muito grande!” O quarto esbarrou em uma das patas, apalpou-a bastante e gritou convicto: “O elefante é uma árvore que se move!” O quinto aproximou-se da cabeça do animal e pegou avidamente uma das orelhas. Após apalpá-la bastante, gritou convicto: “O elefante é um enorme leque!” O sexto aproximou-se por trás, foi atingido pela cauda que se movia. Segurou-a, apalpou-a, testou sua resistência e não teve mais dúvidas sobre a realidade do elefante e gritou convicto: “O elefante é uma corda viva!” Algum tempo depois, os amigos reuniram os seis cegos eruditos e ficaram assustados 17 com a tremenda discussão que entre os seis surgiu, cada um defendendo ardorosamente seu ponto de vista, sua convicção, nunca chegando a nenhuma conclusão. Todos aqueles que presenciaram aquele hilariante debate saíram dali convictos de que, embora cada um dos seis tivesse uma leve parcela de razão, todos eles estavam totalmente errados, apenas porque não enxergavam nem jamais teriam condições de ter uma visão abrangente e total daquilo que todos nós sabemos ser um elefante”. Igualmente, tal qual um cego, abordei e pesquisei, inicialmente, a biografia e o contexto de um indivíduo, cujos indícios foram difíceis de rastrear. Falar sobre uma pessoa, ou escrever uma autobiografia, já considero uma tarefa penosa. Falar sobre a história de vida em geral, torna-se ainda mais difícil. Essa opção, além de construir o objeto e desenvolver meu trabalho de dissertação pela História Política, possibilitou considerar o poder como um exercício, encarando-o como uma relação, porque dessa forma é que consigo construir e definir meu objeto. Para tanto, nada mais oportuno que a escolha da biografia política, não como uma evolução temporal, como um encadeamento de causas e efeitos, mas aquela constituinte da chamada “Nova História Política”. Dessa maneira é que comecei a buscar novas pistas, além de aprofundar e testar as conseguidas anteriormente. Assim, pude de início, identificar Francisco Paulo de Almeida como um negro que nasceu e morreu no Brasil do século XIX, que conseguiu alcançar uma situação financeira bem acima dos padrões considerados “normais” para um negro naquela e daquela época5: foi fazendeiro e capitalista, provedor da Santa Casa de Misericórdia de Valença – RJ e conseguiu um título de nobreza ─ Barão. Confesso que o fato de Francisco Paulo de Almeida ter conseguido o título de barão e a falta de informações sobre ele, em vários livros ou em documentos e registros da época, me provocaram e me estimularam para a pesquisa. No primeiro capítulo, apresento a trajetória da História Política bem como sua ligação com a biografia, dentro da visão da “Nova História”. Para dar conta dessa empreitada, busco inicialmente dar uma visão teórico-metodológica da História Política, explicando seu processo de “declínio” até seu “retorno”, com suas novas abordagens. Faço a apresentação da biografia 5 No decorrer do trabalho, na p. 44, citarei outros negros que também conseguiram destaque no século XIX, no Brasil. 18 e de seus usos literário, jornalístico e histórico, bem como suas compreensões, diferenciações e relações, apresentando o sujeito com suas identidades históricas e não naturais, dentro de um campo e possibilidades permitidas pelo viver e vivenciar, não sendo “ele” estático, mas em constante movimento. Encerro o capítulo indicando o caminho metodológico na identificação, desconstrução e (re)construção dos caminhos percorridos por Francisco Paulo de Almeida. Para isso, recorro, até certo ponto, ao método indiciário utilizado e propagado por Carlo Ginzburg: “O que caracteriza esse saber é a capacidade de, a partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar a uma realidade complexa não experimentável diretamente6”. A opção pelas provocações de Ginzburg se explica pela possibilidade de se “decifrar” as teias e estratégias construídas por Francisco Paulo de Almeida para alcançar o topo da pirâmide social. Para dar embasamento ao desenvolvimento do primeiro capítulo, recorro a autores como: Réne Rémond, Peter Burke, François Dosse, Marieta de Moraes Ferreira, Philippe Levillain, Sabina Loriga, Carlos Antonio Aguirre Rojas, Benito Bisso Schmidt, e outros. No segundo capítulo, seguindo a linha de historiadores como Carlo Ginzburg e Natalie Davis, busco através de rastros, pistas e indícios, traçar o possível início de Francisco Paulo de Almeida como músico, ourives e tropeiro. Para tanto, analiso as fontes, recorrendo ao campo das probabilidades e possibilidades que indicam que sua família, anteriormente ao seu nascimento, já possuía uma rede de sociabilidade dentro da “elite” do Arraial de Lagoa Dourada e da Vila de São João Del Rei, na Comarca do Rio das Mortes – MG. Como será notado, neste capítulo trabalho com rastros, pistas e indícios, procurando relacionar a “reflexão” biográfica e o contexto do protagonista, com indivíduos que tenham vivido na mesma conjuntura e sejam análogos a Francisco Paulo de Almeida. Entretanto, não consegui identificar correlação entre outros indivíduos, na área musical e na arte da ourivesaria. Já o referencial “tropas” e “tropeiros” obrigaram-me ao estudo e compreensão das relações de poder e dos mecanismos inseridos na abertura de estradas e do comércio em que eles estão inseridos. Outro fato relevante é que a atuação desse segmento dava-se mais por motivo econômico, porém fortemente influenciado e conduzido pela política, caracterizando as relações de poder e os mecanismos e estratégias utilizadas na época. A utilização dessa estrutura caracteriza a forma de como a ocupação de cargos era apropriada e conduzida por 6 GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. Tradução: Frederico Carotti. ─ São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 152. 19 esse grupo, bem como as redes de sociabilidade formada pelo núcleo familiar eram empregadas em proveito próprio. Outro fato caracterizado é que muitos fazendeiros, que tinham sido tropeiros ou donos de tropas, ao alcançarem posições sociais e políticas de destaque, omitiam esse período de suas vidas. Trabalho o terceiro capítulo através das “relações de poder” produzidas, praticadas e possibilitadas por Francisco Paulo de Almeida como fazendeiro; sua participação na Estrada de Ferro no Vale do Paraíba; o ingresso na Irmandade como Provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença – RJ; o conteúdo, os meios e as implicações da obtenção do título de nobreza; sua atividade como capitalista em sociedades anônimas e na fundação dos Bancos: Territorial e Mercantil de Minas Gerais e de Crédito Real de Minas Gerais; encerro com o embate estabelecido entre o Legislativo de Petrópolis – RJ e ele, por causa do Palácio Amarelo. Neste último capítulo, inicialmente, busco sua participação na oligarquia cafeeira através de suas fazendas de café, com destaque para a propriedade da Três Barras, por caracterizar as relações de poder e sociabilidade marcadas pelo laço de compadrio com o Visconde de Jaguari. Depois procuro desconstruir o mito de que a construção da estrada de ferro no Médio Vale do Paraíba tenha sido um embate somente entre as famílias Faro e Teixeira Leite, apontando outros fazendeiros que participaram dessas relações de forças, inclusive indicando outros que foram responsáveis e sócios e/ou donos de Companhias que possibilitaram a colocação dos trilhos, ligando Belém [atual Japeri] ao Arraial de Barra do Pirai [atual cidade de Barra do Piraí], de onde irão sair as demais ramificações para Barra Mansa, Valença, Santa Izabel do Rio Preto, Arraial de Três Rios, etc., que possibilitaram e concretizaram a ligação com Minas Gerais e São Paulo. Através do compadrio, Francisco Paulo de Almeida vai conseguir ingressar na Irmandade da Santa Casa da Misericórdia de Valença, possibilitando, assim, sua eleição para a provedoria no biênio 1882-1884. Como o recebimento de seu título de barão na Regência da Princesa Isabel, em 1887, estava politicamente ligado ao movimento abolicionista, motivador da desavença ocorrida entre a Princesa e seu ministro, o Barão de Cotegipe, talvez para contrariar o Ministro, a Princesa concedeu títulos nobiliárquicos para seu grupo de “amigos”. Concomitantemente, começou a se envolver com as chamadas Sociedades Anônimas, bancos e instituições financeiras, sendo sócio fundador do Banco Territorial e Mercantil de 20 Minas e o Banco de Crédito Real de Minas Gerais, O Credireal, da Companhia Agrícola Industrial Mineira, etc. Finalmente, indago sobre a aquisição do Palácio Amarelo em Petrópolis – RJ pelo protagonista e o movimento feito pela Assembléia Legislativa para adquirir o imóvel, fato ocorrido após a República. Por tudo isso, trata-se de uma reflexão biográfica, de um estudo que busca a identificação e análise dos contextos de um sujeito: Francisco Paulo de Almeida. Por trabalhar com enfoque da “Nova História Política”, com suas problematizações propostas e abordagens, não desprezo nem desconsidero a importância da narrativa para dar conta não só do contexto geral como do específico do sujeito. Posso afirmar tratar-se de um trabalho inédito, o que torna impossível sua conclusão nessa dissertação de mestrado. Deste modo, reafirmo não se tratar do ponto de chegada. Exatamente por ser um trabalho dissertativo, não uma tese, busco tecer e apresentar reflexões biográficas e de contextos, indagando sobre os caminhos, a trajetória, as redes de sociabilidade, as relações de poder, o tempo e suas especificações na vida e nos caminhos de Francisco Paulo de Almeida. 21 1. HISTÓRIA POLÍTICA E BIOGRAFIA: uma abordagem de muitas vozes. 1.1. Uma visão teórico-metodológica da História Política. A trajetória de Francisco Paulo de Almeida é tomada como eixo do trabalho para com, e a partir dela, relatar e configurar a sua vida e sua[s] história[s]. Por esta razão, se afigura necessária a análise de sua vida, sobretudo por meio de suas redes de sociabilidade para que o contexto de sua vida social, econômica e política seja mapeado e analisado, permitindo, assim, a abordagem reflexiva biográfica e o estudo do contexto histórico.. O período da trajetória do protagonista, no século XIX, é marcado por diversas mudanças, chegando a abranger a transição entre a monarquia brasileira e a implantação do regime republicano e tem suscitado diversas abordagens da historiografia nacional, através de intensa atividade acadêmica e editorial. Todavia, tal recorte parece ser ainda terreno fértil diante de certos temas marcantes no período, a instigar a tarefa dos historiadores7. Deve-se, antes de apresentar e analisar de forma mais sucinta a trajetória de Francisco Paulo de Almeida, deixar claro o direcionamento teórico-metodológico do trabalho. Como ficará evidente, apesar da necessidade de descrições esclarecedoras, a essência da pesquisa e da dissertação envolve discussões pertinentes à “Nova História Política”, ou seja, uma visão biográfica diferenciada daquelas calcadas nos grandes feitos, nos grandes homens e em narrativa factual. Outro mecanismo utilizado neste trabalho é a busca e a análise das redes de sociabilidades e das relações de poder para, a partir delas, expor as teias que envolvem a construção da vida de Francisco Paulo de Almeida. Conforme Rémond, a opção pela escrita da História Política já não é causa de 7 Dentre estes temas posso citar: A vinda da família Real Portuguesa para o Brasil, a abertura dos portos no Brasil, o fim das guerras napoleônicas, a Independência do Brasil, a agricultura cafeeira, a implantação da Estrada de Ferro Dom Pedro II, a abolição da escravatura, a proclamação da República, entre outros. 22 polêmica acirrada entre historiadores8, mas as inovações recentes do gênero biográficohistórico têm passado pelo crivo severo das “Bancas Examinadoras”, que exigem apuro teórico-metodológico dos pretendentes aos títulos de pós-graduação. Dessa forma, ao enveredar pelo político, o historiador encontra desafios que só podem ser vencidos com a clara disposição do rigor com o qual abordará os registros e fontes relacionados, demonstrando que o discurso se ampara e, ao mesmo tempo, produz dados e documentos embasados nas percepções dos processos históricos fornecidos por eles [fontes e registros]. Além disso, deve, o historiador, contextualizar sua abordagem, definindo os dados temporais e os elementos materiais do trabalho. A “Nova História” tem como proposta uma “História-problema” diferenciada na sua totalidade da “Velha História” ou “História Tradicional”, dita factual, voltada para o Estado, para os grandes feitos dos grandes homens. Entretanto, alguns historiadores do século XX, inseridos na “Nova História”, adotam a cronologia do século XIX, período compreendido entre 1815, fim das guerras napoleônicas e 1914, início do primeiro conflito mundial, desconsiderando, assim, totalmente o recorte cronológico tradicional ─ 1801–1900. Isto me leva a acreditar que, embora rejeite a “História Tradicional”, a chamada “Nova História” ainda se apropria de uma determinada factualidade e de um determinado corte temporal, que ela utiliza para definir o século XIX europeu e que orienta seu trabalho. Fica demonstrado, assim, que, muitas vezes, alguns marcos e recortes resistem às mudanças, as quais, como se sabe, são definidoras do próprio trabalho histórico. Evidentemente, o que eu quero ressaltar é que, embora se denomine uma “Nova História”, muitos historiadores promovem, dentro do campo historiográfico, usos da História positivista ─ narrativa e totalizante, servindo, inclusive, como problematizações futuras para os historiadores desse mesmo grupo. Como se sabe, a História positivista cultuava a monografia. A síntese histórica era banida a um longínquo futuro e imperava soberana a redução analítica, a paciente coleta de uma enorme massa de dados acerca, muitas vezes, de reduzidos temas, esses às vezes rigorosamente “irrelevantes”. O estabelecimento de “fatos singulares” primava sobre a explicação. Seria necessário, então, condenar a monografia em áreas da síntese histórica, da visão das sociedades humanas como totalidades articuladas, estruturadas? Lendo com atenção o que 8 RÉMOND, Réne. Uma História Presente. In: RÉMOND, Por uma história política. Trad. Dora Rocha. ─ 2. ed. ─ Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 14. 23 dizem os historiadores da “Nova História”, daquela História que busca construir-se como ciência [mesmo na infância], nota-se que jamais afirmaram tal coisa. Rémond observa que: Seus pressupostos eram que os comportamentos coletivos tinham mais importância para o curso da história que as iniciativas individuais, que os fenômenos registrados numa longa duração eram mais significativos e mais decisivos que os movimentos de fraca amplitude, e que as realidades do trabalho, da produção, das trocas, o estado das técnicas, as mudanças da tecnologia e as relações sociais daí resultantes tinham mais conseqüências, e, portanto deviam reter maior atenção dos observadores, que os regimes políticos ou as mudanças na identidade dos detentores de um poder cujas decisões, segundo se entendia, só faziam traduzir o estado da relação das forças sociais, ou refletir realidades anteriores às escolhas políticas9. É evidente, porém, que essas monografias na área das sínteses históricas, instrumentos de construção e verificação de teorias, contrapartida necessária das sínteses globalizantes, têm pouco em comum com o ideal positivista de trabalho monográfico. Hoje, é sabido que a monografia, tal como é entendida, deve articular-se com a teoria, partir do social, buscando, sempre, contextualizá-lo [sem ele não seria possível definir adequadamente o aspecto sobre o qual versa o estudo monográfico]. Esta dissertação deve ser assim entendida e apreciada. Um personagem como Francisco Paulo de Almeida, sem rastros tradicionais10 ─ o que não significa, efetivamente, a falta de “laços tradicionais” ─, se faz intrigante e a sua reflexão biográfica torna-se interessante pelo fato dela servir como meio de se dar voz e visibilidade a esse sujeito histórico, além de romper o silêncio existente sobre ele, apesar de ele ter sido ao longo, do século XIX, negro, empresário, fazendeiro, nobre. Voltando às considerações dos marcos e balizas da “Nova História”, embora apontem para uma “História-problema”, em certas questões mantêm o factual, o temporal-cronológico. Poderia afirmar que o século XIX no Brasil iniciou-se no ano de 1808, com a chegada da Família Real com a Corte portuguesa e suas consequentes e subsequentes ações políticas. Nem sempre a teoria condiz com a prática e, em história, nada é absoluto e natural! O político, o cultural, o social, o econômico, etc., têm destaque privilegiado, ou não, a partir de sua posição no conjunto e na constituição do conhecimento histórico. 9 RÉMOND, Réne. Op. cit., p. 16. Entendido, neste contexto, como os rastros, pensamentos e comportamentos marcados e deixados pelos nobres, fazendeiros e a elite em geral, do século XIX, principalmente, após meados dos Oitocentos. 10 24 Ao fixar a pesquisa no século XIX, tomado como se mencionou anteriormente, e para dar conta dos objetivos, senti especial interesse pelas relações de poder e pelas redes de sociabilidade constituídas e constituintes dos chamados ─ Senhores do Vale do Paraíba ─, consolidadas nos anos oitocentos. Até porque, não consigo visualizar e articular o protagonista, Francisco Paulo de Almeida, fora dessa teia composta e derivada de uma ─ elite ─ inserida nessas redes. Para tais proposições, inicialmente, acreditei e julguei oportuno construir um objeto de dissertação que se distinguisse do caminho mais óbvio, qual seja, de estudar o poder exclusivamente pelos seus detentores, protagonistas da hegemonia das oligarquias. Entretanto, o decorrer da pesquisa, bem como a redação do trabalho, mostraram e apontaram que o caminho era outro, uma vez que, Francisco Paulo de Almeida já nasce de certa forma, dentro desse grupo. Consciente de que o protagonista pertenceu a tais elites, busquei indagar e relatar sua trajetória através da correlação do poder dos plantadores, desde sua ascensão no Vale do Paraíba, até sua aparente queda. Sendo assim, optei, neste trabalho, por um caminho em que eu consiga explicá-lo, através de pistas e indícios encontradas nas histórias de vida de outros personagens, que compõem suas redes de sociabilidade. A opção por este caminho, com todo esse manancial para embates, me fez perguntar: Por que a trajetória de uma determinada História Política, que teve seu apogeu no século XIX, passa a ser desprestigiada a partir dos anos 20 até início da década de 60 do século XX? O que pode ter ocorrido? Neste sentido, as considerações de Rémond sobre Uma História Presente11 são imprescindíveis se se quiser compreender as concepções fundadoras da escrita histórica. O autor introduz sua discussão sobre os pressupostos teóricos que teriam fomentado a reformulação do conceito e do papel da História. Tomando primeiramente como foco a questão que: Desejosa de ir ao fundo das coisas, de captar o âmago da realidade, a nova história considerava as estruturas duráveis mais reais e determinantes que os acidentes de conjuntura. [...]. Ora, a história política apresentava uma configuração que era exatamente contrário a essa história ideal. [...] Ela só tinha olhos para os acidentes e as circunstâncias mais superficiais: esgotando-se na análise das crises ministeriais e privilegiando as rupturas de continuidade, era a própria imagem e o exemplo perfeito da história dita 11 RÉMOND, Réne. Op.cit. 25 factual, ou événementielle ─ sendo o termo aí evidentemente usado no mau sentido ─, que fica na superfície das coisas e esquece de vincular os acontecimentos às suas causas profundas. [...] Ao privilegiar o particular, o nacional, a história política privava-se, ao mesmo tempo, da possibilidade de comparações no espaço e no tempo, e interditava-se as generalizações e sínteses que, apenas elas, dão ao trabalho do historiador sua dimensão científica12. Ainda de acordo com Rémond, a dita “História Política” teve seu apogeu no século XIX, porém, “devido à convergência de vários fatores contingentes, uma geração abre uma passagem em alguma direção que descortina novas perspectivas e enriquece o conhecimento global13”. Buscando o enriquecimento e o conhecimento desta “Nova História”, forma-se o grupo dos Annales, que identifica e direciona a História com a especificidade econômica e suas consequências sociais, utiliza-se como estratégia para o crescimento e desenvolvimento da História econômica e social, o descrédito da História Política: “Os historiadores econômicos foram, talvez, os opositores mais bem organizados na história política 14”. Porém, o mesmo movimento/escola que acarretou seu declínio, foi resgatado através da “Nova História”, a partir dos anos de 1960. Segundo Dosse: A paisagem modifica-se nos anos 60. Os historiadores dos Annales, para resistir ao novo assalto das ciências sociais, renunciam, então à sua vocação de síntese, entregam as armas e pensam em termos de novos recortes disciplinares provisórios a partir das diversas práticas e dos diversos objetos históricos. [...]. Esses historiadores partidários da história global são, hoje, os verdadeiros portadores da renovação do discurso histórico e da verdadeira Nova História. [...] Para que a história volte a ser a ciência da mudança, como Marc Bloch a denominava, é preciso que rompa com o discurso predominante dos Annales do tempo imóvel, com a visão passadista do historiador, que se precavenha de toda veleidade de transformações ao apresentar um mundo social dotado de respiração natural, regular e imutável. [...] O renascimento do discurso histórico passa pela ressurreição daquilo que foi rejeitado desde o começo da escola dos Annales, o acontecimento. [...] trata-se de fazer renascer o acontecimento significativo, ligado às estruturas que o tornaram possível, fonte de inovação. [...] é preciso mudar o mundo, não o passado15. A função da História Política concebida e escrita ao longo do século XIX ─ a do 12 RÉMOND, Réne. Op.cit., p. 16-17. Idem, p. 13. 14 BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): A Revolução Francesa da historiografia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997, p. 19. 15 DOSSE, François. A História em migalhas: dos Annales à Nova História. Bauru, SP: EDUSC, 2002, p. 373, 382-383. 13 26 Estado, do poder, das guerras e revoluções, das instituições e grandes homens ─ manteve seu prestígio durante longo tempo porque refletia a glória do soberano e a exaltação da monarquia. A mudança do regime monárquico só alterou o foco para o Estado e a nação, “o que mostra o quanto é verdade que o historiador de uma época distribui sua atenção entre os diversos objetos que solicitam seu interesse na proporção do prestígio com que a opinião pública envolve os componentes da realidade16”. Pelas proposições apresentadas, levantam-se várias diretrizes para o estudo da História Política. Contudo, conforme Ferreira, “um ponto comum pode ser detectado: a convicção de que a política tem uma existência própria não sendo ela uma simples expressão reflexa da ação das forças econômicas17”. A interdisciplinaridade fez essa “Nova História Política” preocupar-se em estudar grupos oprimidos e também grupos institucionais, porém, com novas ferramentas de análise e, segundo Rémond: A umas, a história política pediu emprestadas técnicas de pesquisa ou de tratamento a outras, conceitos, um vocabulário, uma problemática; às vezes pediu uma e outra coisa às mesmas disciplinas, já que os métodos e as técnicas estão ligados ao tipo de interrogação formulada e uma forma de abordagem intelectual18. Para René Rémond, a política é uma das mais altas expressões da identidade coletiva. Talvez por isso, o autor ressalte a importância do entendimento da História Política para se compreender o todo social, ou seja: “da participação na vida política e dos processos eleitorais, integra todos os atores, mesmo os mais modestos, perdendo assim seu caráter elitista e individualista e elegendo as massas como seu objeto central19”. Desde então, a História Política não se volta mais somente para a curta duração, para o tempo do acontecimento, produzindo uma história que se chamaria de événementielle, mas sim para uma “pluralidade de ritmos que combinam o instantâneo e o lento20”, tornando possível uma análise das formações políticas e ideológicas com base nesta “Nova História”. Rémond ainda analisa que só é política a relação com o poder na sociedade como um todo e que a História Política é necessariamente pertencente a uma perspectiva global, sendo o político o seu ponto de agregação. 16 RÉMOND, Réne. Op. cit., p. 15. FERREIRA, Marieta de Moraes. “A nova “velha história”: o retorno da história política. In: Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5. n. 10, 1992, p. 265-271. 18 RÉMOND, Réne. Idem, p.29. 19 FERREIRA, Marieta de Moraes. “Apresentação”. In: RÉMOND, Réne. Por uma história política. Trad. Dora Rocha. ─ 2. ed. ─ Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003, p. 7. 20 Idem. 17 27 1.2.História Política: uma nova abordagem. No decorrer do século XX, refletir sobre a realidade que cerca e constitui o ser humano esteve para o historiador, longe de ser uma ação única, cujos procedimentos buscavam somente uma direção. Muito pelo contrário, essa realidade da constituição do ser humano insere-se no campo de ação das possibilidades. Filhos da crise dos grandes paradigmas e dos determinismos que desregularam os mecanismos explicativos do econômico, social e político, ampliando seu campo de ação, os historiadores aprenderam a conviver em um universo de novas possibilidades que aumentaram os variados temas, problemas e abordagens de seus trabalhos. Porém, nem todas essas possibilidades foram [e ainda não são] bem vistas. Especialmente os trabalhos realizados pela terceira geração dos Annales, vanguarda da chamada “Nova História”. Os estudiosos que a propiciaram, envolveram-se e se comprometeram com o aparecimento de novos objetos, novas fontes e novos temas na historiografia. Um exemplo dessa posição é fornecido pelo próprio Dosse: A terceira geração dos Annales, sensível como as outras às interrogações do presente, muda o rumo de seu discurso ao desenvolver a antropologia histórica. Ao responder ao desafio da antropologia estrutural, os historiadores dos Annales retomam mais uma vez a roupagem dos rivais mais sérios e confirmam suas posições hegemônicas21. Até por volta do início do século XX, estudos associados ao político eram hegemônicos entre os historiadores. Como já foi dito, dedicavam-se tais historiadores a compreensão das ações de “grandes homens” [ministros, chefes de estado, imperadores, chefes religiosos, etc.]; e aos “grandes acontecimentos” [guerras, tratados, revoluções, etc.]. A partir da influência do marxismo e dos Annales, essa abordagem da História foi posta à margem e com ela, em boa medida, o próprio estudo da História Política, 21 DOSSE, François. Op. cit., p.249. [antropologia histórica, entendida neste contexto como a “evolução histórica” e antropologia estrutural como “característica estrutural”]. 28 sobrevivendo as seguintes contribuições/influências: de um lado, o marxismo, por conta de enfatizar o coletivo, as classes dominadas e dominantes e as esferas do social e do econômico22; por outro, os Annales que contribuíram para a organização das análises igualmente coletivas, pois defendiam uma História totalizante com o enfoque em novos objetos23. Ressalve-se o fato de que o historiador “Lucien Febvre escreveu um Luther e que a grande tese de Fernand Braudel sobre Felipe II e o Mediterrâneo é também, à sua maneira, uma biografia24”, ou pelo menos, um trabalho histórico de abordagem biográfica. Conforme Ferreira: Foi nos anos 60, quando o marxismo conheceu uma grande expansão na França, e se aprofundaram os contatos entre esta doutrina e os Annales que a dimensão política dos fatos sociais foi especialmente marginalizada. Esta postura deveu-se essencialmente à formulação de inúmeras criticas ao papel do Estado, visto como mero instrumento da classe dominante, sem nenhuma margem de autonomia. O político passava a ser um reflexo das injunções econômicas, destituído de dinâmica própria. Alain Touraine declarou a esse respeito que durante longos anos ocorreu uma interdição na historiografia e nas ciências sociais ao estudo do Estado25. Embora nunca tenham desaparecido de todo, os estudos dessa História Política ganhariam nova importância e roupagem, a partir da década de 60, do século XX, grosso modo, graças aos trabalhos promovidos por estudiosos associados ao marxismo e ao grupo dos “Annales”. Por parte dos marxistas, como é sabido, deve-se atentar para a renovação promovida por um maior diálogo com as ciências vizinhas. Tais autores investiram no político a partir de um esforço compreensivo das concepções morais e ideológicas que motivaram os grupos populares e personalidades e, acompanhando Santos: O alargamento do campo de análise do marxismo aproximando-o à psicanálise [Reich, Erich From, Marcuse, Adorno e Sartre, entre outros], da sociologia, da economia e da ciência política; as implicações do ponto de vista marxista sobre a teoria da arte e da produção literária [Luckaks, Adorno], a renovação da antropologia [Godelier, Darcy Ribeiro, Lewis, Woolf, etc.], da arqueologia [Gordon Childe, A. Gilman], da História [Hobsbawn, Taylor, Perry Anderson, Souboul, etc.], 22 HOBSBAWM, Eric. “O que os historiadores devem a Karl Marx?” In: Sobre história. Trad. Maria Aparecida Baptista. São Paulo: Cia. Das Letras, 2000, p. 155-170. 23 BURKE, Peter. Op. cit., p. 113. 24 LEVILLAIN, Philippe. “Os protagonistas: da biografia”. In: RÉMOND, Réne. [org.]. Op. cit. p. 143. 25 FERREIRA, Marieta de Moraes. Op. cit. 1992, p. 265-271. 29 da história e da filosofia da ciência [Bernal, Richta, Whrite, etc.] obriga-nos a repensar a questão da unidade teórica do pensamento marxista e seu movimento analítico como uma proposta holística mas não como um resultado acabado: um sistema teórico fechado26. Já no caso dos “Annales”, integrantes da terceira geração passaram a tratar da História Política sob nova perspectiva. Os trabalhos de Georges Duby, Roger Chartier, Maurice Agülhon, Jacques Le Goff, Jacques Julliard, Jacques Revel apontavam para a importância da História Política. Isto porque tratam essa “instância do real” por meio de conceitos como: imaginário social, e representações sociais. Também enfrentaram temas como as políticas territoriais, o patrimônio público, a biografia, etc. De modo diferente, não apenas entre os marxistas, como entre os próprios autores que constituíam esse grupo da terceira geração, a investigação do político passou a ser realizado por meio da interpretação de símbolos, sentidos e valores presentes em rituais, cerimônias, discursos, etc. Desta feita, memória, identidade, tradição, mentalidade, imaginário, representação, ideologia, entre outros conceitos-chaves, centralizaram a dedicação do historiador. Em prol de responder a uma realidade que se tornava mais complexa, os novos historiadores da História Política buscaram atender aos anseios de um mundo influenciado pela agilidade nos sistemas de informação e nas diversificações conceituais e metodológicas. As respostas desse período histórico deveriam dar conta da pluralidade do ser humano e do social. Assim, o método de trabalho que focaliza as subjetividades e as representações, etc., conseguiria se aproximar mais dessa tal pluralidade do próprio indivíduo e do social, não por ser uma chave que abrisse todas as portas, mas por se mostrar “um fenômeno de múltiplos parâmetros, que não leva a uma explicação unívoca, mas permite adaptar-se à complexidade dos comportamentos humanos27”. Ainda mapeando as novas abordagens da História Política, Serge Berstein, preocupado em entender os comportamentos políticos, chama a atenção para a importância da chamada cultura política: “La ‘culture politique’ est une clé. Elle introduit de la diversité, du social, 26 SANTOS, Theotonio dos. “A Economia Política Marxista: Um Balanço”. In: Sociedade de Economia Política e Clássica. [Org.]. CONGRESSO DE ECONOMIA CLASSICA E POLÍTICA, 1. ANAIS. NITEROI: UFF, 1996. Disponível em http://www.nodo50.net/cubasigloXXI/taller/dossantos_290204.pdf. acesso em 23 set. 2008. 27 BERSTEIN, Serge. “A Cultura Política”. In: RIOUX, J; SIRINELLI, J [org.]. Para uma História Cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998, p. 350. 30 des rites, des symboles, là où règne, croiton, le parti, l’institution, l’immobile. Elle permet de sonder les reins et les cœurs des acteurs politiques. Son étude est donec plus qu’enrichissante: indispensable [...]28”. Um terreno nebuloso é a definição assumida por Berstein29 em seus artigos quando se refere aos estudos de cultura política. Como dito anteriormente, a existência de intercâmbio entre Sociologia, Antropologia e a História, no tocante as análises da política, me leva a enxergar uma fronteira porosa, que instiga ao convite pelo diálogo e não restringe a ação política a um campo específico e epistemológico. Para Berstein, História Política é uma “porção de um patrimônio cultural indiviso que é experimentado no curso de uma existência30”. Portanto, cada cientista a partir de seu olhar deve experimentar sua análise na tentativa de compreender a complexidade do todo. Trata-se de “uma espécie de código e de um conjunto de referentes, formalizados no seio de um partido ou, mais largamente, difundidos no seio de uma família ou de tradição política31”. Pierre Rosanvalon vai mais longe nesta descrição. Segundo ele, o político não é uma instância ou um domínio entre outros da realidade. É o lugar onde se articula o social e sua representação, a matriz simbólica na qual a experiência coletiva se enraíza e se reflete por sua vez. Com esta demarcação mais ampla do espaço do político, Rosanvalon abre novas alternativas para o estudo dos fenômenos políticos entendidos como campo de representação do social: [...] a história conceitual do político não conduz propriamente a rejeição das vias tradicionais da história [...], ou aquelas mais recentes da história [...], mas apenas à recuperação de sua matéria em uma perspectiva diferente. Trabalho de recuperação que pode explicar, em certos casos, o risco de um simples retorno32. Dessa maneira, nas últimas décadas, como apontam Rémond, Berstein e Rosanvalon, tem-se, não apenas o “ressurgimento” da História Política, mas sim novas possibilidades para pensarmos a política e o político. 28 BERSTEIN, Serge. “L’historien et la culture politique”. Vingtième Siècle. Revue D’Histoire, n. 35, juil/sep. 1992, p. 67-77. “A cultura política é única chave. Ela introduz a diversidade, o social, ritos, símbolos, lá onde acredita que reina o partido, a instituição, o imutável. Ela permite sondar os rins e os corações dos atores políticos. Seu estudo é mais que enriquecedor: indispensável”. 29 BERSTEIN, Serge. Op. cit, 1998, p. 350. 30 Idem, p. 359. 31 Idem. 32 ROSANVALON, Pierre. “Por uma História Conceitual do Político”. Revista Brasileira de História. v. 15, n 30. São Paulo, 1995, p. 09-22. 31 Acreditando no movimento de renovação da História Política, historiadores se abriram para novas possibilidades interpretativas da sociedade e dos homens no tempo. Tirando proveito das conversas e troca com as ciências vizinhas como a sociologia, a antropologia, a teoria literária e as ciências da linguagem [Análise do Discurso, Hermenêutica, etc.] vinha a lume uma forma de pensar a História Política que teria no seu cerne a troca ─ o diálogo. Várias possibilidades se abrem frente aos olhos do historiador, o qual encontra, assim, uma forma menos arbitrária e determinista de trabalhar com essa “realidade”, que se faz mais complexa e plural. Ainda assim, algumas questões continuam a instigar-me: como trabalhar a partir desta linha histórica? O que pesquisar e de que forma? Torna-se possível trabalhar as redes de sociabilidade como uma analogia às famílias políticas, como uma aproximação das culturas políticas. Para Berstein33, uma cultura política ou família política nasce de acordo com a necessidade que os homens vivenciam em cada período histórico. Dentro dessa “Nova História Política” uma opção é [re]definir o status e o trabalho com biografias. Como propõe Réne Rémond e seus colaboradores, os novos estudos do político atribuem importância à compreensão de biografias, estudo de gerações, manipulações de memórias e de identidade34. Em todos esses casos, ganha fôlego renovado o enfrentamento do evento/fato, visto não mais isoladamente, mas como um ponto especialmente propício para que o historiador vislumbre as estruturas históricas e as rearticulações que os atores e grupos sociais promovem35. Perceber a historicidade destes símbolos e verificar o seu processo de longa duração neles é estar mais próximo de compreender as relações existentes na História Política, inclusive com as biografias. É chegar próximo das tramas e teias discursivas que constroem o “real”, impregnado de símbolos, ritos, representações e significados. Desta forma, conforme Nora: Esse tipo [novo] de biografia pode também revelar constantes, indicar diferenças, captar a realidade dos problemas sociais através do concreto de uma vida. Tudo depende do nível significativo do personagem. E é certo que quanto menos ele se situar entre os protagonistas da história, mais o ensinamento têm chance de ser rico. 33 BERSTEIN, Serge. Op.cit., 1998. RÉMOND, Réne. Op.cit., p. 16. 35 NORA, P. “O retorno do fato”. In: LE GOFF, J; NORA, P. História: novos problemas. Trad. Hilton Japiassú. 3. ed. ─ Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p. 243-262. 34 32 Trata-se então de uma questão de fonte36. Ampliadas as áreas de investigação e pluralizados os marcos conceituais, algumas falas foram “restauradas” no discurso da História, abrindo espaço para a incorporação de novas fontes; do privado e a experiência de outros setores sociais, provocando sua reescrita. Nesse sentido, os estudos biográficos permitem mostrar que o estudo da vida de indivíduos e identidades visualizadas através de jogos de significação, relações de poder e redes de sociabilidade conseguem dar conta do contexto. 1.3.Da Biografia e de seus usos. Considerando a ausência de documentos produzidos pelo biografado [correspondências, diário, etc.], e de “escritos oficiais” sobre ele, busquei, nas redes de sociabilidade e nas relações de poder, pistas, dados, informações que possibilitassem a análise do objeto de estudo. Tal estratégia já é, por sinal, recorrente em trabalhos de outros historiadores, como por exemplo, Carlo Ginzburg37. A partir dos anos 70 e começo dos anos 80, a reboque das críticas feitas às interpretações marxistas, estruturalistas e cliométricas, assistiu-se a uma progressiva valorização do papel do indivíduo e das subjetividades nas análises históricas. Nesse quadro, ampliaram-se os debates anteriores que chegaram ao século XIX, período de edificação da História como disciplina ─, qual sejam, da relação entre História e a biografia, que, conforme Levillain, “mantiveram relações de alternativa e não de hierarquia ou de complementaridade. 36 LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 175. Em relação a GINZBURG, Carlo. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”. In: Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. Tradução: Frederico Carotti. ─ São Paulo: Companhia das Letras, 1989a, p 153. Segue comparando [ou relacionando] o paradigma venatório ao paradigma implícito nos textos divinatórios mesopotâmicos no sentido em que: “Ambos pressupõem o minucioso reconhecimento de uma realidade talvez ínfima, para descobrir pistas de eventos não diretamente experimentáveis pelo observador.” e ainda ressalta que apesar do “[...] fato de que a adivinhação se voltava para o futuro, e a decifração, para o passado [talvez um passado de segundos]. Porém a atitude cognoscitiva era, nos dois casos, muito parecida; as operações intelectuais envolvidas ─ análises, comparações, classificações ─ formalmente idênticas”. 37 33 O debate tem raízes numa divisão das tarefas atribuídas ao historiador e biógrafo que, fixado na historiografia grega, cristalizou o gênero biográfico ao longo do século 38”. Contrários a tal afinidade, alguns historiadores afirmavam que, com esta aproximação, poder-se-ia desistir da “História-problema” em retorno a uma História cronológica, de grandes homens e seus feitos fabulosos39. Entre os adeptos dos referenciais marxistas [principalmente os oriundos da Escola de Frankfurt]40, e posteriormente com todas as correntes historiográficas surgidas no século XX, opostas a uma História tida positivista, a biografia passou a ocupar um lugar secundário nos “escritos sobre o passado”. Buscava-se, assim, a valorização de uma perspectiva historiográfica supostamente mais crítica e abrangente, em detrimento de uma “História de heróis41”. No século seguinte, houve igualmente trabalhos que sinalizaram para os diversos ganhos obtidos, com a aproximação entre História e biografia literária ─ não obstante suas evidentes e necessárias distinções. Historiadores como Carlo Ginzburg e Philippe Levillain mostravam-se convencidos de que, através do diálogo entre as duas áreas, poder-se-ia assinalar a diversidade humana e, assim, enriquecer o fazer historiográfico. Em sua microhistória, Ginzburg se debruçou sobre a ação de “homens comuns”, como o simples moleiro de pequena aldeia européia: No passado, podiam-se acusar os historiadores de querer conhecer somente as “gestas dos reis”. Hoje, é claro, não é mais assim. Cada vez mais se interessam pelo que seus predecessores haviam ocultado, deixado de lado ou simplesmente ignorado. ‘Quem construiu Tebas das sete portas?’ ─ perguntava o ‘leitor operário’ de Brecht42. No mesmo esforço do historiador italiano, não obstante as críticas feitas a determinados usos do biográfico em tempos passados e atuais, Levillain argumenta que, em 38 LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 145. LORIGA, Sabina. “A Biografia como problema”. In: REVEL, Jacques [org.]. Jogos de Escala. A experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998, p.226. 40 Em relação àqueles da Escola de Frankfurt, cito: Henri Lefebvre, Guy Debord, Domenico Losurdo, Slavoj Zizek, Claude Lévi-Strauss, Bertold Brecht, Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, Fredric Jameson, Terry Eagleton, Marshall Berman, Peter Dews, Wilhelm Reich. 41 ROJAS, Carlos Antonio Aguirre. “La biografía como género historiográfico: algunas reflexiones sobre sus posibilidades actuales”. In: SCHMIDT, Benito Bisso. O Biográfico: perspectivas interdisciplinares. Santa Cruz do Sul-RS: EDUNISC, 2000, p. 9-48. 42 GINZBURG, Carlo. O queijo e os vermes: O cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela Inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 15 [prefácio à edição italiana]. 39 34 prol da diversidade humana, o gênero biográfico não deve ser abandonado. Ainda de acordo com ele: A biografia histórica hoje reabilitada não tem como vocação esgotar o absoluto do “eu” de um personagem, como já pretendeu e ainda hoje o pretende mais do que devia. E se a simbologia de seus fatos e gestos pode servir de representação da história coletiva através de um homem, tal como o retrato, ela não esgota a diversidade humana [...] Ela tampouco tem que criar tipos. Ela é o melhor meio, em compensação, de mostrar as ligações entre passado e presente, memória e projeto, indivíduo e sociedade, e de experimentar o tempo como prova da vida. [...] Seu método, como seu sucesso, devem-se à insinuação da singularidade nas ciências humanas, que durante muito tempo não souberam o que fazer dela43. Mesmo movimentos historiográficos ─ marxistas, entre outros ─, que anteriormente direcionavam boa parte de suas críticas à “ditadura do indivíduo” a análise histórica, mais recente tem voltado suas atenções aos sujeitos, não mais exclusivamente aos “grandes homens”. Neste sentido, Fernand Braudel, apesar das contribuições de suas perspectivas da “longa duração”, não repudia o individual, mas sim o domínio desse por atores vistos como verdadeiros “semideuses”, completamente destacados de uma “realidade mais complexa”, de forma que: O problema não consiste em negar o individual a pretexto de que foi afetado pela contingência, mas em ultrapassá-lo, em distingui-lo das forças diferentes dele, em reagir contra uma história arbitrariamente reduzida ao papel dos heróis quintaessenciados: não cremos no culto de todos esses semi-deuses [...]44. A biografia política, tal qual a História Política, teve também seu apogeu no século XIX, como foi explicado anteriormente. Entretanto, hoje, de acordo com Levillain, ela “é um modo de escrita da história fortemente hierarquizado. Ela pode ser probatória45”. Atualmente, percebo que, por meio do levantamento bibliográfico e da disponibilidade de novas fontes, novos sujeitos ganham significados, pois novos métodos, assim como o olhar do historiador, modificam-se ou se aprimoram, o que justifica os usos e as formas de leitura na composição da pesquisa e da escrita: eis que o método está indissoluvelmente vinculado à opção teórica do gênero biográfico! De acordo com Levillain, na biografia, o método legitima a teoria, e desta 43 LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 176. BRAUDEL, Fernand. Escritos sobre a História. São Paulo: editora Perspectiva, 1978, p. 23. 45 LEVILLAIN, Philippe. Idem. p. 174. 44 35 comunhão pode se extrair a qualidade do trabalho46. Dependendo do ponto de vista do historiador pode-se valorizar, a partir das suas fontes e indícios, o tipo de biografia a ser constituída ─ literária, jornalística ou histórica, e direcionando seu enfoque para os campos da pesquisa histórica: política, cultural, econômica, político-econômica, etc. Segundo Ginzburg47, toda escrita historiográfica é uma narrativa elaborada a partir de indícios, que, quando dispostos diante do exercício da pena do historiador, deixam brechas, as quais, preenchidas pelas possibilidades, configuram uma narrativa sempre dotada de um grau de inventividade. A este respeito, Schmidt salienta que: “O importante é que nestes momentos de “invenção” sejam sinalizados ao leitor através da utilização de expressões como “provavelmente”, “talvez”, “é possível”, etc.48”. Seguindo a trajetória e os trabalhos de historiadores como: Carlo Ginzburg, Natalie Davis, Keith Jenkins, Reinhart Koselleck, Durval Muniz de Albuquerque Júnior, Philippe Levillain, Benito Bisso Schmidt, entre outros, com os quais concordo, pode-se dizer que as biografias, inseridas nestas brechas do debate, por compartilhar das artimanhas, tanto daquilo que é histórico, como daquilo que é ficcional, é objeto de reflexões de qual seria a medida ideal entre a referência à documentação e a inventividade sensibilizadora do leitor, no exercício da escrita de uma biografia. Contudo, o gênero da escrita biográfica, ampliadas as áreas de investigação e pluralizados os marcos conceituais, procura mostrar que tais reflexões são produzidas através de jogos de significação, cultura, relação político-econômico e relações de poder, por referir-se a um “sujeito” que de fato existiu ou existe, tem sua natureza postulada por pistas, vestígios, assim por historiografia. Se se quiser pensar a redefinição dual história x ficção da biografia é preciso dedicarse à compreensão do intrincado e nebuloso processo de delimitação das fronteiras entre o que era Literatura, o que era História e o que era Biografia, desencadeado a partir do início do século XIX. Neste sentido aprecio a posição de Albuquerque Junior: O termo invenção tem aparecido com insistência nos títulos de livros, teses e dissertações que são escritos pelos historiadores, nos últimos anos, substituindo expressões caras aos profissionais da História como as de: formação, 46 LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 165-176. GINZBURG, Carlo. “Provas e possibilidades à margem de II ritorno de Martin Guerre de Natalie Zenon Davis”. In: A micro-história e outros ensaios. Lisboa: DIFEL, 1989, p. 179-202. 48 SCHMIDT, Benito Bisso. “A biografia histórica: o “retorno” do gênero e a noção de “contexto”. In: GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos; PETEREN, Silvia Regina Ferras. SCHMIDT, Benito Bisso e XAVIER, Regina Céli Lima [Org.]. Op. cit. p. 121-129. 47 36 desenvolvimento ou análise. [...] ao refletir sobre o significado do uso constante do termo invenção para nomear os nossos trabalhos bem como o trabalho de outras áreas, reflito sobre as mudanças paradigmáticas que vêm ocorrendo no saber histórico, nos últimos anos. Creio que a idéia de invenção indica uma certa maneira de conceber o trabalho do historiador, indicia um modo de se relacionar com o passado, com os documentos, com a memória, com a temporalidade, com a escrita mesma da História, que diz muito da diferença entre as concepções vigentes, nesta disciplina, contemporaneamente daquelas que foram hegemônicas em outros momentos. [...] é composta por um conjunto de textos dedicados a discutir um tema dos mais debatidos e polêmicos em nossa área, nos últimos anos, ou seja, a relação entre História e Literatura. Este debate tem sido feito, pelos historiadores, quase sempre, no sentido de defender a autonomia de nosso campo de trabalho, reafirmando a diferença entre história e literatura, num comportamento defensivo em que a clara defesa de um campo de saber mal disfarça a luta pelo poder no interior da academia. [...] Talvez seja porque a discussão da relação entre História e Literatura, na verdade, traz com ela a discussão do próprio estatuto do saber histórico do seu caráter científico ou não. A discussão em torno do texto do historiador se abre para questões como as características particulares da própria narrativa em História, seu caráter poético ou não; traz com ela a questão da importância do estilo na própria construção do argumento defendido pelo historiador, ou seja, questiona as idéias sobre fato histórico, sobre o objeto e os sujeitos históricos, prevalecentes em nosso campo. A questão da verdade em História também é impactada por essa discussão à medida que nos leva a problematizar a distinção entre fato e ficção, que durante quase dois séculos assegurou a separação entre o campo literário e o campo historiográfico49. Permanecendo e persistindo na linha desses autores, no domínio das ditas biografias literárias, normalmente, trata-se de uma questão de ponto de vista, e a hierarquia dos fatos depende da escolha do autor que a partir de uma personalidade, se debruça em harmonizar o “essencial” e o “acessório”. Assim, usando criatividade, em meio a fatos conhecidos, faz surgir de sua criação o enredo de sua narrativa. Em outras palavras, o literato goza de uma margem generosa de abstrações acerca do objeto estudado, não sendo exigível a exposição dos registros de suas certezas. Suas certezas gozam, assim, de uma “imunidade poética”. Nas palavras de Levillain: [...] nesse domínio, tudo é uma questão de ponto de vista, e a hierarquia dos fatos 49 JUNIOR ALBUQUERQUE, Durval Muniz. Historia: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da história. Bauru, SP: Edusc, 2007, p. 11-12. 37 depende da escolha do autor. Foi por isso que a biografia literária encontrou em geral sua unidade pelo estilo que consiste em harmonizar o essencial e o acessório segundo um discurso em que os efeitos determinam a construção do sentido50. Quanto às afamadas biografias jornalísticas, a despeito de terem margem de abstração um pouco mais reduzida que os trabalhos de Literatura, já que de certa forma se vinculam à “realidade jornalística”, ainda padecem de rigor na exposição de suas fontes, que ao contrário do que acontece na escrita histórica, podem ser omitidas. Ademais, a atividade do jornalista, em busca das “verdades”, não obedece, de regra, a nenhuma reflexão crítica, estando seu olhar solto, ao sabor das curiosidades privadas, tão ao gosto do grande público51. Têm, estes dois gêneros, alguns pontos de interseção com a biografia histórica? É justamente nas diferenças em que se ressalta o caráter metodológico da biografia histórica, comprometida com as fontes. A relação da Literatura e do Jornalismo com a História de vida ─ análise e exaltação das características do protagonista, num modo cronológico, visando a mostrar as relações entre as circunstâncias e a personalidade ─ é menos comprometida com as fontes que o olhar do historiador: A fortiori, a biografia baseada em arquivos justificava a narração, e a descrição e o imaginário organizava a representação do personagem. Não é com base no biografado que se dividem as biografias literárias e as biografias históricas, nem com base na escrita, o que equivale a dizer no estilo, e sim com base na parte de ficção que entra nas primeiras e deve ser proibida nas segundas por razões de método52. Neste sentido, em uma abordagem histórica, a História de vida [narrativa e factual] é condição sine qua non para a realização de uma biografia, funcionando como uma fonte “totalizante”, surgida da construção e integração dos registros e dos fatos da existência do protagonista, pois só a partir dessa História é que se pode criar a linha de estudo do objeto. É ela definidora do objeto do trabalho, apontando o lugar social do personagem, suas redes de sociabilidade, suas relações de poder, bem como sugerindo o tempo cronológico, compreendido pela possibilidade do indivíduo ser, reagir e interagir. 50 LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 152-153. SCHMIDT, Benito Bisso. “Construindo Biografias... Historiadores e Jornalistas: Aproximações e afastamentos”. Estudos Históricos. vol. 10, n° 19, p. 03-22. Rio de Janeiro: FGV, 1997. 52 LEVILLAIN, Philippe. Idem, p. 155. 51 38 A respeito da definição e das distinções entre “História de vida” e “Biografia”, Francisca Lúcia Nogueira de Azevedo, se posiciona: Do ponto de vista metodológico, deve-se observar inicialmente a diferença entre história de vida e biografia. Embora ambas trabalhem na reconstituição de trajetórias individuais, apresentam especificidades próprias. Escrever uma biografia não é o mesmo que realizar um trabalho de reconstrução de uma trajetória de vida, a qual consiste primordialmente na coleta de depoimentos. No entanto, é importante ressaltar que história de vida não é apenas a ordenação cronológica dos fatos vividos pelo indivíduo, deve-se entender que o sistema no qual se insere o ator tem também sua macro-história, e, nesse sentido, os fatos arrolados devem ser avaliados no contexto dos processos sincrônicos e diacrônicos da rede real de relações sociais, que localiza o personagem dentro do grupo. Em outras palavras, história de vida, não realiza apenas coleta e concatena os acontecimentos da vida de um indivíduo, mas busca também o significado desses acontecimentos. Embora a biografia não se restrinja a história de vida, a construção de uma biografia não pode prescindir das histórias de vida53. Portanto, difere a História de vida da biografia histórica, embora mantenham entre si uma intrínseca relação de dependência. Aquela, construída a partir da observação do outro, concatena-se através dos fatos e seus significados, denotando as subjetividades do indivíduo, tornando-se fomento insubstituível para a biografia. Essa, apropriando-se da História de vida, aproveita-se da individualidade então revelada, para atuar na confluência entre o indivíduo que age no particular e o indivíduo que interage na sua rede de sociabilidade. Digo que, enquanto a História de vida levanta a individualidade, a biografia histórica conjuga este dado com o que o biografado representou e vivenciou na sociedade. Trabalha o historiador na passagem e no entrecruzamento do privado para o público, levando em conta o somatório da historicidade do indivíduo e o significado de sua concatenação com o papel social desempenhado pelo personagem e a ele atribuído historicamente. Com base neste raciocínio, a “reflexão biográfica” e histórica sobre Francisco Paulo de Almeida tem pressuposto “inédito": a “falta” de domínio e exposição de sua História de vida, a “falta” de informações e significados sobre seu lugar social, contrariando sua intensa participação política, social, cultural, nos acontecimentos de sua época. Ressalto, claro, que 53 AZEVEDO, Francisca Lúcia Nogueira de. “Biografia e gênero”. In: GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos; PETEREN, Silvia Regina Ferras. SCHMIDT, Benito Bisso e XAVIER, Regina Céli Lima [Org.]. Op.cit., p. 131146. 39 por se tratar de uma “reflexão biográfica" e histórica, necessita-se da revisão da História de vida em seu holos [o todo], já que o personagem, a despeito de sua participação, não é caracterizador de uma época ou “criador de uma era. Nesses casos, de “reflexão biográfica” do indivíduo, a História de vida e o locus do personagem passarão a ser do conhecimento do leitor, tal a intensidade de sua participação política, social e cultural. Além disso, os fatos e significados poderão ser explicados pelas lacunas, sem prejuízo para a narrativa histórica. Outro aspecto relevante da biografia histórica é a abordagem do lugar social do personagem, pois a historicidade do contexto é de extrema importância para o exercício de crítica e questionamentos a serem atendidos pelo trabalho. A “reflexão biográfica” não se restringe aos dados referentes ao protagonista, sendo imprescindível traçar o perfil do holos, mesmo porque o indivíduo, na escrita biográfica, não deixa de ser produzido pelo contexto histórico e social, ao mesmo tempo em que participa da construção dos mesmos. Na composição da trajetória de Francisco Paulo de Almeida, destaco as variantes que podem ser encontradas para sua reflexão biográfica. A partir de um determinado momento, esteve ao lado e relacionou-se com os demais oligarcas cafeeiros do século XIX; pertenceu à nobreza brasileira, bem como construiu redes de sociabilidade, o que traduz especial condimento para a delimitação das relações de poder e das suas bases no século XIX. Nessa trajetória de Francisco Paulo de Almeida, vale a pena notar que a reflexão histórico-biográfica, como opção teórica, abre novas possibilidades para o estudo do fenômeno histórico social: o indivíduo e seu exercício de liberdade, o homem em série, sujeito universal, impotente e passivo, como descrito por Levillain: “Precisamente: a história política, “por excelência domínio aleatório”, como salientava François Furet, podia ter como função principal, na história contemporânea francesa, narrar a liberdade dos homens 54”. Tal instrumento, construído com o rigor necessário, é especial e único para a confluência entre a macro e a micro-história. Ainda segundo Levilain: Neste raciocínio, mesmo que os advogados metodológicos da história política não cheguem a esse ponto, a biografia reassume uma função a meio caminho entre o particular e o coletivo, exercício apropriado para identificar uma figura num meio, examinar o sentido adquirido por uma educação distribuída a outros, segundo os mesmos modelos, analisar as relações entre desígnio pessoal e forças convergentes ou concorrentes, fazer o balanço entre o herdado e o adquirido em todos os domínios55. 54 LEVILLAIN, Philippe. Op.cit., p. 164-165. Idem, p. 165. 55 40 Na linha de Levillain, existe, ainda, outro aspecto a ser enfocado como sustentação teórica do trabalho: o desafio do tempo. A biografia histórica, centralizada no personagem, assimila/trabalha e analisa o tempo de existência. Mas é necessário enxergar na fonte primeira da história de vida mais do que o tempo cronológico, para demarcar o tempo vivenciado ─ compreendido e entendido como o tempo compartilhado e arrebatado com e dentro das redes de sociabilidade, relações de poder e mudanças do personagem, carregado de subjetivações. Esta distinção, entre o factual e o político, não caracteriza o abandono por parte do historiador de nenhum dos dois “tempos”, visto que ele trabalha com ambos. Ao contrário, exige a contemplação da percepção subjetiva do tempo, analisando suas transformações, sem abandonar a contextualização cronológica. Dessa forma, ainda com ele: Como destacou Michel Zeraffa em La révolution romanesque, a nova interpretação da pessoa, isto é, a “dominante subjetiva”, não correspondeu apenas ao refinamento da análise psicológica, à denúncia da máscara das convenções burguesas e à desumanização do mundo, mas à afirmação da autonomia do indivíduo da sociedade56. Assim, proponho a reflexão biográfica do tempo de Francisco Paulo de Almeida, admitindo a distinção e a simultaneidade do tempo do indivíduo e da coletividade, que embora ocorram concomitantes, são absorvidos de forma diferenciada absolutamente perceptível na trajetória do protagonista, como expõe muito bem Levillain: “Entendida nesse sentido, a biografia pode ser um empreendimento de homologação seja do conhecimento adquirido, seja das idéias prontas sobre um homem, seja das relações entre um sistema político e a coletividade57. Ciente de que o conhecimento histórico não é absoluto, podendo modificar-se a cada nova descoberta e apostando neste conceito de biografia política, é que passo, doravante, para outra fase, indicando o caminho adotado para desvendar e mostrar a constituição desse tempo vivido por Francisco Paulo de Almeida. 56 Sobre modernismo e individualismo, ver. LEVILLAIN, Philippe. Op. cit., p. 168. Idem, p. 165. 57 41 1.4. Relações de poder e redes de sociabilidade. Como é dito por muitos, “no que se refere àquilo que nós mesmos não podemos vivenciar, devemos recorrer à experiência de outros”. Observações como essas cabem perfeitamente neste trabalho, se considerar que encontrei poucas referências sobre o biografado na historiografia nacional. Com base nas ferramentas e nos dados que possuo, e através do aprofundamento das pesquisas realizadas, trato de abordar, embora com riscos, inspirado na escrita de Ginzburg e pelo paradigma indiciário, a trajetória e as histórias de Francisco Paulo de Almeida: “[...] por trás desse paradigma indiciário ou divinatório, entreve-se o gesto mais antigo da história intelectual do gênero humano: o caçador agachado na lama, que escruta as pistas da presa58”. Reconheço algumas limitações quanto ao acesso mais acurado aos documentos, não disponibilizados nas instituições públicas, onde pesquisei até o momento. Por isso, faz-se necessário lançar mão de alguns eixos metodológicos, propostos por Ginzburg e que considero fundamentais para o meu trabalho: identificar e analisar os indícios e rastros deixados nas relações de familiares e amizades, compondo sua rede de sociabilidade. Essa opção metodológica requer do pesquisador a observação, a atenção, a valorização e o questionamento dos chamados fatos miúdos, ínfimos, às vezes obscuros no ritmo do cotidiano social. A utilização do método indiciário no cotidiano social pode fazer realçar nas pesquisas dois eixos de fundamental importância para as análises e significações das ações e situações observadas: primeiro, permite apreender as relações herdadas e construídas por Francisco Paulo de Almeida e vários outros capitalistas, fazendeiros, nobres, etc., e as formas de circulação das redes de poder na organização do cotidiano social; segundo, realça os fatores socioculturais e históricos que afetam a dinâmica das redes de sociabilidade e das relações de poder, renegando a idéia de uma instituição, cujas práticas são sempre de fundo mecânico e reprodutor das relações sociais já legitimadas pelas classes dominantes. Ainda a respeito das 58 GINZBURG, Carlo. Op. cit., 1989a, p. 154. 42 relações de poder, é necessário destacar que as utilizo e as articulo a partir de determinada concepção, nas palavras de Roberto Machado: Daí a importante e polêmica idéia de que o poder não é algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que se possui ou não. Não existe de um lado os que têm o poder e de outro aqueles que se encontram dele alijados. Rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim práticas ou relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona. E que funciona como uma maquinaria, como uma máquina social que não está situada em um lugar privilegiado ou exclusivo, mas se dissemina por toda a estrutura social. Não é um objeto, uma coisa, mas uma relação59. Como pode ser percebido, optei por focalizar Francisco Paulo de Almeida através do olhar do outro, e para tanto, busco nas suas redes de sociabilidade e em suas relações de poder estudar, analisar e escrever esta ─ reflexão biográfica ─. Também, busco rastros e vestígios nas relações de parentesco, compreendidas neste trabalho como as consanguíneas, de sacramento [casamento e compadrio], como também os vínculos societários e de amizade, componentes das suas relações de poder. Sobre as relações de poder, cabe, mais uma vez, retomar as palavras de Machado: [...] sob esta perspectiva, não será indiscutível que aquilo que poderíamos chamar de condições de possibilidade políticas de saberes específicos, [...], podem ser encontradas, não por uma relação direta com o Estado, considerado um aparelho central e exclusivo de poder, mas por uma articulação com poderes locais, específicos, circunscritos a uma pequena área de ação, [...]60. As relações de parentesco e de amizade, formadas como laços familiares consangüíneos ou constituídos e compreendidos através do casamento e do compadrio, eram estratégias de extrema importância na sociedade brasileira do século XIX61, principalmente porque visava a permanência e a não dispersão dos bens acumulados, além de favorecer e fortalecer a extensão da influência familiar em diversas áreas/campos de atuação, privilegiando cada vez mais as relações de poder constituídas e delas usufruindo. Nessa 59 MACHADO, Roberto. “Por uma genealogia do poder”. In: FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Org. e Trad. Roberto Machado. 23ª ed. ─ Rio de Janeiro: Edições Graal, 2007, p. xiv. 60 Idem, p. xi. 61 Sobre a importância dos laços familiares e compadrio ver: MATTOSO, Katia Maria de Queirós. Ser escravo no Brasil. 3. ed. 2. reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 2003, p.131-134; COSTA, Emília Viotti da. Da monarquia à república: momentos decisivos. 7. ed, São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999, p. 289; CASTRO, Hebe Maria da Costa Mattos Gomes de. Das cores do silêncio: os significados de liberdade no sudeste escravista ─ Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995, p. 61- 80; STEIN, Stanley. Grandeza e decadência do café no Vale do Paraíba. São Paulo: Brasiliense, 1961, p. 151-165, e outros. 43 perspectiva, a criação de laços de solidariedade era possibilitada pelas condições econômicas, sociais e políticas, onde diversos fatores contribuíam para a efetivação desses laços. Para esta abordagem, utilizo a noção de “relações de poder”, e para tanto, recorro à escrita de Foucault, através da formulação introdutória de Machado, que apresenta tais relações como um instrumento de análise capaz de explicar a produção dos saberes, descartando, assim, uma teoria geral do poder. Para Machado o poder não é considerado uma realidade que possua uma essência que ele procuraria definir por suas características universais. O poder não existe como algo unitário ou global, possuindo formas díspares, heterogêneas, em constante transformação62. Porém, discutir essas questões sobre o poder, as relações de poder, suas redes, mecanismos e estratégias significa sair do terreno do imóvel, do estabelecido, do único e do indivisível. Significa arriscar-se num terreno movediço, sobre o qual as certezas teriam de ser implodidas, para dar lugar ao imponderável, ao movimento, ao vir a ser. No rastro de Machado, muitas vezes, procuro agarrar-me a imagens estáveis, imutáveis, que proporcionariam maior segurança, entretanto, aprendo que “O poder não é um objeto natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída historicamente63”. Ocupar posições nos enunciados vazios remete para outra questão discutida por Foucault: a relação entre discurso e poder, que se dá na perspectiva de não entender o saber como o outro do poder, mas como seu correlato. O discurso é necessariamente movido por uma vontade de poder e o poder exige o reconhecimento daquilo e daqueles que devem ser governados e regulados. Porém, é importante destacar a ressalva feita por Foucault quanto ao entendimento estreito das relações de poder que as narrativas críticas apregoam e que atribuem sempre à classe dominante ou ao Estado. Analisando essa relação, ele diz para: Não tomar o poder como um fenômeno de dominação maciço e homogêneo de um indivíduo sobre os outros, de um grupo sobre os outros, de uma classe sobre as outras; mas ter bem presente que o poder desde que não seja considerado de muito longe não é algo que se possa dividir entre aqueles que o possuem e o detêm exclusivamente e aqueles que não o possuem e lhe são submetidos. O poder deve ser analisado como algo que circula, ou melhor, como algo que só funciona em cadeia. Nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou um bem. O poder funciona e se exerce em rede. 62 MACHADO, Roberto. Op. cit., p. x. Idem, p. x-xi. 63 44 Nas suas malhas os indivíduos não só circulam mas estão sempre em posição de exercer este poder e de sofrer sua ação; nunca são o alvo inerte, ou consentido do poder, são sempre centros de transmissão64. Outro pressuposto é o de que o poder pode ser exercido de forma relacional e estratégica, especificamente utilizada por Francisco Paulo de Almeida em sua trajetória65. A prática do poder de forma relacional e representativa implica construir relações interpessoais, em ambiente de mútua confiança, de clareza e de respeito pelas especificidades das atribuições de cada um, as quais foram coletiva e conjuntamente constituídas. Isso permite uma relação justa e equânime entre todos, na qual uma posição de intransigência só justificará o individualismo, vaidades pessoais e a desagregação. Segundo Machado: “A idéia básica de Foucault é de mostrar que as relações de poder não se passam fundamentalmente nem ao nível do direito, nem da violência; nem são basicamente contratuais nem unicamente repressivas66”. Tal abordagem permite novas considerações: 1) Como um homem negro, em um período e espaço considerado restrito e escravagista, conseguiu alcançar posições sociais, políticas e econômicas consideradas “próprias” aos homens brancos? 2) Como foi possível, neste contexto histórico, a compra ou agraciamento do título de barão e quais suas implicações? 3) Quais as circunstâncias para o silêncio ou a ausência de informações específicas sobre ele? Por que, nas raras vezes em que é citado, aparece somente como o Barão de Guaraciaba, sem referência e com omissão da sua condição “racial” e descendência? 4) Tenho ciência de que outros/as negros/as romperam as fronteiras impostas pela alta sociedade branca brasileira do século XIX, tais como: Francisco Ge de Acayaba Montezuma [Visconde de Jequitinhonha e Ministro de Estado do Império em mais de um gabinete]; André Rebouças; José do Patrocínio, Luiz Gama, Francisco de Paula Brito, Regina Angelorum [escrava da família Breves que após a morte da esposa do Conde [Russo] de Haritoff, torna-se esposa dele, herdando o título de Condessa de Haritoff], portanto, como identificar, dentro do contexto histórico da vida de Francisco Paulo de Almeida o que permitiu ou possibilitou o baronato? 5) Quais as especificidades históricas desse sujeito e suas ligações com o contexto social, político e econômico da época? Quais as implicações da posse do título de baronato no Brasil, sobretudo no final do século XIX? Quais eram as benesses e suas implicações? Quais as especificidades de ser negro e barão no Brasil do século XIX? O que essas considerações 64 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Org. e Trad. Roberto Machado. ─ Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 183. 65 O leitor entenderá melhor esses exercícios do poder no capitulo três. 66 MACHADO, Roberto. Op. cit., p. xv. 45 nos sugerem e para onde nos remetem sobre essa época, seus costumes e relações sociais? 6) Finalmente, o que significa, ou melhor, o que significou para um negro estar presente nessa alta-roda política e social? De fato, até que ponto pode-se afirmar que ser barão possibilitou a integração do sujeito com esses grupos? Ele fazia, de fato, “parte” desses espaços, desses cenários sociais e políticos da época? Como avaliar a intensidade e o grau de pertencimento e interação? Como era recebido e como recebia nos nobres salões, por ocasião de eventos sociais? São muitas questões a serem respondidas. Diante de tal pluralidade, provavelmente posso recorrer à opção indicada por Schmidt: Talvez seja mais proveitoso, e está é uma questão para o debate, “deixar-se guiar pelo indivíduo estudado”. Suas experiências, relações sociais, interpretações do mundo, metáforas, posturas diante do amor e da amizade, etc. [...], puxando, a partir dele, outros fios: os espaços de sociabilidade por onde circulava e como estes podem ter influenciado, as leituras realizadas e sua reelaboração pessoal, os códigos de moral da época e suas interpretações/manipulações próprias, etc.67. Buscar e relatar as estratégias e trajetórias de Francisco Paulo de Almeida é permanecer atento aos mínimos e ínfimos detalhes e possibilidades que aparecem às vezes na busca, às vezes sem querer. Cada informação, por insignificante que seja, possibilita que o protagonista seja repensado e reconstruído constantemente. Dar significado a Francisco Paulo de Almeida, ou a qualquer protagonista, requer a busca constante de fontes que permitam pistas e indícios e, através delas, seus cruzamentos ou até paralelismo e comparação com outros personagens é que procuro construir a História desse personagem, através desta dissertação. Para buscar responder a tais questões o segundo passo é identificar e explorar na análise as influências, as possibilidades e os limites do contexto da História na vida do protagonista. Para isso, no segundo capitulo, trabalharei o recorte compreendido entre 1826, seu nascimento, até 1860, período em que o mesmo desponta no Médio Vale do Paraíba Sul Fluminense. Para dar conta desse desafio, parto de alguns documentos: Certidão de Batismo, inventário de seu pai, sua mãe, seus padrinhos avós, bem como as redes de sociabilidades em que os mesmos estavam ligados. Para tanto, utilizo, recorrentemente, as pistas e os indícios 67 SCHMIDT, Benito Bisso. Op.cit.2000, p. 121-129. 46 deixados por esses documentos. Além disso, em relação ao contexto, busco privilegiar a conjuntura do século XIX no Brasil, bem como, a ocupação demográfica no Vale do Paraíba do Sul Fluminense, retornando as redes de sociabilidade e relações de poder, de maneira mais aprofundada, mapeando as poucas famílias nas quais determinadas relações se constituíram e predominaram. 47 2. DE UM POSSÍVEL INÍCIO: artes, ofícios e tropas décadas de 1820 a 1860. Como pode um historiador biografar um indivíduo, ou narrar sua vida? Esta questão continua perseguindo a historiografia e, principalmente, os estudiosos que optaram pela análise de um determinado personagem. Isso pode ser visto e compreendido na vasta produção acadêmica dedicada ao estudo de indivíduos e nas “pistas” que cada particular ensaio aponta acerca desse tipo de análise. Baseando-me na chamada História vista de baixo de Ginzburg, na intersecção entre a micro-história de Francisco Paulo de Almeida e o contexto das mudanças, reformas e dos ambientes que acompanharam e constituíram o século XIX, procuro demonstrar através de inventários, certidões de batismos, testamentos, apontamentos genealógicos que, ao contrário de minha hipótese inicial, Francisco Paulo de Almeida nasceu em uma estrutura social e familiar razoavelmente bem posicionada na Comarca do Rio das Mortes, em São João Del Rei, exatamente no Arraial de Lagoa Dourada. Esse cruzamento de fontes, além de possibilitar uma análise da chamada “redes de sociabilidade”, permite tanto a “apreensão dos pensamentos e anseios” desse personagem, como um levantamento de seus caminhos, apropriações/absorções com o meio em que ele interage e a construção das relações de poder, realizadas nessa e por essa trajetória. Além disso, os estudos de Ginzburg apontam alguns caminhos e reflexões sobre a escrita da História e seus desafios, apresentando, assim, possibilidades de análise acerca da cultura e, especialmente, do indivíduo histórico. O caminho até aqui percorrido indica as “orientações” teórico-metodológicas do trabalho, entretanto, muito ainda falta para explicar, explorar, analisar e considerar na trajetória de Francisco Paulo de Almeida. Para tanto, não devo me restringir a “revelar” somente o protagonista, mas relatar e problematizar seus atos, fatos, bem como o contexto, as racionalidades ─ razões influentes ─ e as estratégias que regularam e permitiram suas relações sociais e pessoais. Neste sentido, conforme ressalta o historiador Carlos Antonio Aguirre Rojas: Pero el historiador, para acometer una biografía como verdadera ‘obra de arte’ tiene que tomar aquellos individuos que para ser explicados exigen necesariamente la explicación de lo que llamaríamos contexto, es decir, de su medio y de su época, 48 reconstruyendo entonces desde estos parámetros lo que sería una estricta biografía realmente histórica68. No decorrer da pesquisa/investigação que constitui este capítulo, no período compreendido entre o nascimento de Francisco Paulo de Almeida até seu ingresso na oligarquia cafeeira do Médio Vale do Paraíba Sul Fluminense, aproximadamente, em 1860, percebi muitos silêncios, por não localizar fontes concretas. Entretanto, com o objetivo de preencher o vácuo deixado por essas fontes, busco nas pistas e indícios elementos para preenchimento desse vazio. Para tanto, neste capítulo, utilizo como estratégia a trilha de Carlos Ginzburg: Se as pretensões de conhecimento sistemático mostram-se cada vez mais como veleidades, nem por isso a idéia de totalidade deve ser abandonada. Pelo contrário: a existência de uma profunda conexão que explica os fenômenos superficiais é reforçada no próprio momento em que se afirma que um conhecimento direto de tal conexão não é possível. Se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios – que permitem decifrá-la. [...] Essa idéia, que constitui o ponto essencial do paradigma indiciário ou semiótico, penetrou nos mais variados âmbitos cognoscitivos, modelando profundamente as ciências humanas69. 2.1. Síntese biográfica e laços sociais de berço. Inicio com informações fornecidas por Marciano Bonifácio Pinto Filho70, médico memorialista da cidade de Três Rios ─ Rio de Janeiro, fio condutor do começo deste trabalho, e com dados coletados no decorrer da pesquisa. A partir deles apresento uma síntese biográfica: 68 AGUIRRE ROJAS, Carlos Antonio. “La biografía como género historiográfico algunas reflexiones sobre sus posibilidades actuales”. In: SCHMIDT, Benito Bisso [Org.]. O biográfico: perspectivas interdisciplinares. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000, p. 25. 69 GINZBURG, Carlo. “Sinais: raízes de um paradigma indiciário”. In: Mitos, emblemas, sinais: Morfologia e História. Tradução: Frederico Carotti. ─ São Paulo: Companhia das Letras, 1989a, p. 177-178. 70 PINTO FILHO, Marciano Bonifácio. A História de Três Rios e de seus vultos importantes, 1853-1992. Rio de Janeiro: Netuno, 1992, p. 143-144. 49 Francisco Paulo de Almeida, negro, filho de português com uma negra, nasceu a 10 de janeiro de 1826, no Arraial de Lagoa Dourada, Comarca do Rio das Mortes, em São João Del Rei – Minas Gerais e faleceu a 09 de fevereiro de 1901, na casa de sua filha, situada a Rua Silveira Martins, 81 ─ Catete ─ Rio de Janeiro, aos 75 anos, sendo sepultado no Cemitério São João Batista71. Casou-se com dona Brasilia Eugenia da Silva Almeida, com quem teve 19 filhos, sendo dez vivos por ocasião de seu falecimento, cinco homens e cinco mulheres: Matilde, Adelaide, Cristina, Adelina, Serbelina, Paulo, Artur, Mário, Francisco e Raul. Na escalada social, conseguiu conquistar e ascender diversas posições nos meios sociais agrícolas, financeiros e comerciais em: Mar de Espanha e Juiz de Fora em Minas Gerais; Valença, Conservatória, Paraíba do Sul, Três Rios, Vassouras, Petrópolis, no estado do Rio, e na Corte. Nas palavras de Pinto Filho, “Iniciou sua vida em sua terra natal como ourives, especializado na confecção de botões de colarinho e como exímio violinista, suplementava seus ganhos tocando em enterros, ganhando dois vinténs e uma vela de sebo72”. Dedicou-se ao negócio de tropas, viajando de Minas pela estrada geral que passava por Valença – RJ. Em 1860, comprou sua primeira fazenda no Arraial de São Sebastião do Rio Bonito, então 3º distrito da freguesia de Nossa Senhora da Glória de Valença, depois a fazenda de Santo Antônio do Rio Bonito e Conservatória, e fazenda Veneza, no mesmo município de Valença – Rio de Janeiro. Posteriormente, a de Santa Fé em Mar de Espanha – Minas Gerais, Três Barras na atual cidade de Três Rios – Rio de Janeiro, Fazenda Boa Vista na cidade de Paraíba do Sul – Rio de Janeiro, Santa Clara [sic] e Piracema ambas na cidade de Rio Preto – Minas Gerais. Na República, adquiriu a fazenda Pocinho, da família Faro, em 14 de janeiro de 1897, por 180:000$000, entre os municípios de Vassouras e Barra do Piraí – Rio de Janeiro. A fazenda de Três Barras, quando do falecimento da Baronesa de Guaraciaba, por febre amarela, foi vendida ao Dr. José Cardoso de Moura Brasil, em 19 de abril de 1890. Na Corte, possuía uma confortável casa na Tijuca [Rua Moura Brito], e em Petrópolis, onde costumava veranear, um belo palacete [Palácio Amarelo] no centro da cidade, cujo prédio serve atualmente de sede do Legislativo Municipal. 71 Conforme Registro do Livro 10 de CP folha 75 do Cemitério São João Batista, Jazigo Perpétuo nº 3433P, Quadra 41. 72 PINTO FILHO, Marciano Bonifácio. Op. cit., p. 143-144. 50 Em 1870, dedicou-se ao negócio de importação e exportação, situada na antiga Rua de Bragança, 31, na Corte. Participou da construção da Estrada de Ferro de Santa Isabel do Rio Preto, cujos trilhos atravessavam as terras de sua propriedade na fazenda Veneza. No dia 21 de novembro de 1883, assistiu à inauguração na presença de D. Pedro II; em sua homenagem, quando faleceu, foi dado o nome de Paulo de Almeida à estação ferroviária situada na sua antiga fazenda Veneza. Participou, como sócio fundador, do Banco Territorial e Mercantil de Minas Gerais [1887] e do Banco de Crédito Real de Minas Gerais [1889]. Conforme atesta o professor Antonio Lopes Sá, o grupo de fundadores do Banco Territorial e Mercantil de Minas Gerais e do Banco de Crédito Real de Minas Gerais, foram fundadores e responsáveis pela criação da Companhia Mineira de Eletricidade, primeira Usina Hidrelétrica da América do Sul [1889]; da Academia de Comércio [1891]; participaram da fundação da Companhia de Juta, em 1894, da Cooperativa Construtora de Minas Gerais, da Sociedade Promotora da Emigração em Minas Gerais, do Diário de Minas [1888]73 e da Companhia Agrícola Industrial Mineira [1890]. Em Valença ─ Rio de Janeiro prestou relevantes serviços à Santa Casa de Misericórdia, como benemérito, tendo sido seu Provedor no biênio 1882-1884. Durante os últimos anos/dias de sua vida viajava freqüentemente à Europa, permanecendo por longo tempo em Paris; além disso, teve contatos e aproximações com a princesa Isabel e o Conde D’Eu. Procurou dar aos filhos a melhor das educações, inclusive, encaminhando alguns a Paris para estudar. Às filhas fez estudar piano, segundo instrumento de sua devoção. De acordo com seu inventário, deixou para os filhos somente dinheiro, e para as filhas as duas fazendas por ele conservadas. A fazenda Pocinho ficou para as filhas Matilde e Adelina [esta representada pela filha Nair] e a de Santa Fé para as filhas Cristina e Adelaide. Além disso, deixou netos: Dr. Luiz de Almeida Pinto, cirurgião em Valença [Hospital da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença], e Dr. Hélio de Almeida Pinto, cirurgião em Vassouras, diretor do Hospital Eufrásia Teixeira Leite [Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Vassouras], falecido em 1979. Em Três Rios, filhos de Mário, nove netos: 73 SÁ, Antonio Lopes. Origens de um Banco Centenário: História econômica, administrativa, financeira e contábil do Banco de Crédito Real de Minas Gerais S/A. Elaboração e criação de texto Prof. Antonio Lopes Sá. Fonte de pesquisa: Acervo do Museu do Credireal em Juiz de Fora - MG. Revisão: LєF Publicidade. Versão para o inglês por Soneide Alves Caetano. Fotos e cromos: Alfredo de Castro. Coordenação Geral: Assessoria de Comunicação Social Banco de Crédito Real de Minas Gerais – Prof. Marcello Cortizo Sacchetto e equipe. Juiz de Fora - MG: Credireal, 1989. 51 Mario, Ricardo, Jorge, Eurico, Nilo, Silvio, Geraldo, Marta e Elza. Nilo e Silvio foram grandes proprietários, donos de várias fazendas e muitas cerâmicas. Ainda construindo sua síntese biográfica, e buscando mapear a construção de seus laços sociais de berço, dou continuidade à análise de sua trajetória a partir da sua certidão de batismo da Paróquia da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Prados em Minas Gerais74, onde consta que, aos vinte e cinco dias do mês de janeiro de 1826, na Capela da Lagoa Dourada, filial desta matriz de Prados, o Reverendo Capelão Francisco Pereira de Assis, batizou solenemente e pós os óleos a Francisco Paulo de Almeida, nascido a dez de janeiro de 1826, filho legítimo de Antonio José de Almeida e Palolina. Foram seus padrinhos: Claudino de Souza e Silva e Barbara Joaquina. Parte do Livro de Registro de Batismo século XIX. Igreja de N. S. das Mercês. São João Del Rei – MG. Cabe salientar que, embora D. Palolina conste como sua mãe, em sua minuta de inventário ele se declara filho legitimo de Dona Galdina Alberta do Espírito Santo, primeira esposa de seu pai. D. Galdina apesar de não ser sua mãe de sangue, assume o papel de “mãe de consideração”, conforme atesta o documento abaixo: 74 Livro de Registro de Batismo século XIX. Igreja de N. S. das Mercês. São João Del Rei – MG. Certificada as folhas 135.I do livro nº 8 de assentamentos de batizados. 52 Trecho de uma minuta de testamento feita pelo Barão, datada de 9 de março de 1895 [Rio de Janeiro] 75. Declaro que professo a Religião Católica Apostólica e Romana em cuja fé tenho vivido e espero com a graça de Deus morrer. Sou natural e fui batizado na Freguesia de Santo Antonio da Lagoa Dourada, Província hoje Estado de Minas Gerais. Sou filho legítimo de Antonio José d’Almeida e de Dona Galdina Alberta do Espírito Santo, ambos já falecidos. Casei-me em única núpcias com Dona Brasilia Eugenia d’Almeida, falecida em dois de junho de mil oitocentos oitenta e nove. Do nosso consórcio, sujeito ao regime de comunhão de bens, ficaram onze filhos: Adelaide, casada com Antonio Maximino Pinto; Christina, casada com Joaquim Pinto de Sousa; Adelina, casada com Joaquim Silva Magalhães; Francisco; Brazilia; Mario; Seberlina, Arthur, Paulo e Raul76. 75 Foto cedida por Monica de Souza Destro. Trecho de uma minuta de testamento feita pelo Barão, datada de 9 de março de 1895. [Rio de Janeiro]. [Trecho grifado por mim]. 76 53 Seus padrinhos de batismo Claudino de Souza e Silva e Bárbara Joaquina [de Jesus]77, cujas pistas indicam estarem socialmente ligados à família do Marquês de Valença, são pai e mãe de Dona Galdina Alberta do Espírito Santo, esposa do pai de Francisco Paulo de Almeida. Ainda a este respeito, observo que ele foi declarado como filho no inventário de D. Galdina e como neto no inventário de Dona Barbara Joaquina, que faleceu em 02/07/1847. Buscando compreender através das redes de sociabilidade o início da ascensão de Francisco Paulo de Almeida, cabe fazer a ligação do local e das pessoas que estavam ao redor por ocasião do falecimento de Dona Barbara Joaquina, sua avó: ela faleceu na casa da morada, fazenda Boa Vista, em Lagoa Dourada, do Coronel Manuel Rodrigues Chaves pertencente a genealogia das Famílias Miranda e Resende, origem do Marquês de Valença, onde se achava o Reverendo Joaquim Gonçalves Lara, da genealogia do Bandeirante Sebastião Raposo Pinheiro Tavares “O caçador de esmeraldas” família de grande influência em São Paulo e Sul de Minas. Seu pai, Antonio José de Almeida, quando faleceu, em 16 de dezembro de 1875, deixou vinte filhos, sendo Francisco Paulo de Almeida o primogênito. Além disso, manteve relacionamento, constatado com quatro mulheres. D. Palolina; D. Galdina Alberta do Espírito Santo [1ª esposa]; Dona Maria Lima de Jesus e; Dona Minelvina Magdalena Almeida, com quem contraiu núpcias, após o falecimento de sua primeira esposa78. Em 1842, aos dezesseis anos, Francisco Paulo de Almeida recebeu da partilha de bens de Dona Galdina Alberta do Espírito Santo a quantia de 257$ 254 [duzentos e cinqüenta e sete mil, duzentos e cinqüenta e quatro réis]. Nove anos depois, já aos vinte e cinco anos, na partilha de bens de Dona Barbara Joaquina [de Jesus], ele é contemplado com a quantia de 99$011 [noventa e nove mil e onze réis]. Entretanto, por ocasião da partilha de bens de seu pai, ele, aos cinqüenta anos, abre mão de sua parte da herança em favor de suas irmãs Romualda e Anita, além de não receber a quantia de 937$020 [novecentos e trinta e sete mil e vinte réis]79 da dívida “contraída por seu pai” com ele, conforme abaixo: Pagamento efetuado por Francisco Paulo de Almeida, pelo funeral do pai: 1. 77 João José Veloso 130$960. Em alguns momentos no desenrolar de seu inventário o escrivão acrescenta ao seu nome o sobrenome “de Jesus”. 78 Inventário de Antonio José de Almeida. 1876, cx. 294. Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico Nacional. São João Del Rei – MG. 79 Idem. 54 2. Tesoureiro da Irmandade N. S. das Merces (acompanhar corpo) 10$000; Outros, totalizando 237$000. O irmão Antonio José de Almeida, ingressou nesta Irmandade de São João Evangelista a 25 de dezembro de 1819. Faleceu a 16 de dezembro de 1875, decorridos 55 anos. Total da dívida com a Irmandade 31$200. Recibo de dívida com Francisco Paulo de Almeida 765$500. Total da dívida com Francisco Paulo de Almeida 937$02080. Nesse sentido, embora ainda não tenha conseguido identificar a atividade do pai, Sr. Antonio José de Almeida, constato que Francisco Paulo de Almeida nasceu sob o amparo de uma rede de relacionamento social compartilhando e usufruindo relações com o Judiciário, a nobreza e os agricultores, tendo seu polo principal na Comarca do Rio das Mortes, Arraial de Lagoa Dourada, freguesia de São João Del Rei em Minas Gerais. O pai de Francisco Paulo de Almeida pertenceu à Irmandade de São João Evangelista, tendo ingressado em vinte e cinco de dezembro de 1819. Pertenceu também à Irmandade de Nossa Senhora das Mercês81. Provavelmente, essa ligação com as Irmandades tenha facilitado para Francisco Paulo de Almeida tocar violino nos velórios, uma vez que, para tanto, necessitava da autorização da Irmandade administradora da capela e cemitério. Além disso, considero como um rastro marcante e facilitador de seu ingresso e atuação na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença – Rio de Janeiro. Cabe ressaltar que as Irmandades da Misericórdia mantinham o monopólio dos serviços funerários em Portugal e em suas colônias, mantendo-o após a independência do Brasil, o que lhe garantia sua maior fonte de renda, ou seja, todo ritual pertinente ao funeral, obrigatoriamente, deveria ser “autorizado” e “concedido” através da Irmandade82. Francisco Paulo de Almeida nasceu na atual cidade de Lagoa Dourada, Comarca do Rio das Mortes, Freguesia de São José Del Rei [atual São João Del Rei] Minas Gerais, entretanto, na época de seu nascimento ela era apenas um Arraial [acampamento de tropas], vindo a ser elevada à categoria de cidade somente no século XX. 80 Idem, p. 36, 36v, 39, 43 e 58. [constatei uma diferença de 65$480, que vem a ser exatamente 50% do valor pago a João Veloso]. 81 Sobre essa Irmandade ainda não consegui localizar sua data de ingresso. 82 Posteriormente, retornarei a esse assunto, quando falar do período 1882-1884, em que Francisco Paulo de Almeida foi Provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença-RJ. 55 Embora mulato ─ filho de pai branco e mãe preta ─, termo hoje considerado pejorativo [filho de mula] por algumas das atuais entidades representativas da etnia negra, retrato Francisco Paulo de Almeida como um negro retinto83, conforme verificado nas fotografias de família. Casou-se com Dona Brasília Eugenia da Silva Almeida, mulher branca, com quem teve 19 [dezenove] filhos. Por ocasião de seu falecimento, em 1901, dez filhos estavam vivos, cinco mulheres e cinco homens: Mathilde de Almeida [1865 - 1931]; Adelaide de Almeida [1861 - ?]; Christina de Almeida [1862 - 1944]; Avelina; Seberlina de Almeida [1880 - 1922]; Paulo de Almeida [Guaraciaba] [1884 - 1935]; Arthur de Almeida [Guaraciaba] [1878 - 1942]; Mário; Francisco Paulo de Almeida [1873 - 1916] e Raul de Almeida [Guaraciaba] [1886 - 1946]. Segundo relato de dois descendentes do barão84: Mônica de Souza Destro e Gil Carvalho Paulo de Almeida, toda a família tinha o sobrenome Almeida. Porém, após a morte do barão, os filhos, homens, discordaram do inventário, brigando judicialmente pela herança. A partir dessa dissidência, alguns membros da família passaram a adotar o sobrenome do título nobiliárquico “Guaraciaba”. De acordo com Pinto Filho85, Francisco Paulo de Almeida iniciou sua vida profissional como ourives e, posteriormente, como tropeiro. Provavelmente, esta opção se explique pela influência da rede de sociabilidade na qual ele nasceu, pela exploração aurífera e pelas passagens de tropas que abrangia a localidade de seu nascimento, e suas adjacências [na Comarca do Rio das Mortes] ─ Lagoa Dourada, São João Del Rei, Tiradentes, Prados, etc. Como no século XIX a produção aurífera diminuiu drasticamente, restou como opção para aqueles que já possuíam algumas posses a criação de gado e a produção agrícola: para outros, restou a busca na vida campestre, através da agricultura de subsistência, ou a produção de 83 O termo correto a ser utilizado seria de “mulato”, uma vez que, o mesmo era mestiço, porém, de acordo com o relato de: KAMEL, Ali. Não somos racistas: uma reação aos que querem nos transformar numa nação bicolor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006, p. 24: “[...] É engraçado relembrar um episódio famoso ocorrido em 1994, no início da campanha eleitoral. Em resposta a Oreste Quércia, seu oponente, que o acusara de ter as “mãos brancas”, um eufemismo para acusá-lo de nunca ter pego no trabalho pesado, o então candidato Fernando Henrique declarou: “O candidato disse que eu tinha as mãos brancas. Eu, não. Minhas mãos são mulatinhas. Eu sempre brinquei comigo mesmo, tenho o pé na cozinha. Eu nunca disse outra coisa, eu não tenho preconceito”. [...] Ao contrário de gerar solidariedade de “raça”, a declaração de Fernando Henrique caiu como uma bomba no Movimento Negro, que ameaçou processá-lo por considerar os termos em que se expressou “pejorativos” e “preconceituosos”. “Só se ele é filho de mula. Mulatinho é o cruzamento com mula, não com negro”, chegou a declarar Sueli Carneiro, do Instituto da Mulher Negra”. [grifo meu]. 84 Informações transmitidas através de Email. De acordo com relato dos mesmos, o processo de litígio, encontrase na jurisdição de Juiz de Fora Minas Gerais. 85 PINTO FILHO, Marciano Bonifácio. Op. cit, p. 143-144. 56 trabalho artesanal, uma das opções seguida por Francisco Paulo de Almeida na produção de botões de ouro para colarinho. Francisco Paulo de Almeida apresenta indícios de domínio na arte musical, através do violino, o que vem apresentar rastros e pistas de que o biografado tenha adquirido uma educação aprimorada dentro dos padrões disponíveis no século XIX. Percebe-se, assim, que escrever biografia não é tarefa das mais fáceis. Nem bem comecei a escrever e já falei e pesquisei vários Francisco’s Paulo de Almeida ─ homem, negro, pai, marido, nobre e trabalhador ─, com várias subjetividades e identidades. A esse respeito, ocorrem-me as palavras de Stuart Hall, para o qual: O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas86. Dando continuidade aos laços sociais de berço, o Reverendo Joaquim Gonçalves Lara e Dona Bernarda de Proença Lara pertencem à árvore genealógica do Bandeirante Sebastião Raposo Pinheiro Tavares. Quanto ao Coronel Manuel Rodrigues Chaves, descobri que foi Juiz de Paz na Comarca do Rio das Mortes, freguesia de São João Del Rei, e que pertence a genealogia das famílias Miranda e Resende. O envolvimento de Francisco Paulo de Almeida com os indivíduos pertencentes a essa genealogia torna-se relevante. Considerando que diversos sujeitos dessas famílias emigraram de Minas Gerais para a região do Médio Vale do Paraíba, entre os personagens vale destacar: Adelaide Augusta Franco de Miranda e Damaso José Barroso de Carvalho [da família da Condessa de Rio Novo e Viscondessa de Entre-Rios] com influência e destaque no Arraial de Entre-Rios [Atual cidade de Três Rios] na cidade de Paraíba do Sul-RJ; José Ildefonso de Souza Ramos e Dona Henriqueta Carolina dos Santos [Barão de Três Barras, Visconde de Jaguari] padrinhos do filho do futuro barão de Guaraciaba e, consequentemente, seus compadres, também com influências na Corte e no Vale do Paraíba Sul Fluminense e Domingos Custódio Guimarães [Barão e Visconde do Rio Preto], personalidade com 86 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós modernidade / Stuart Hall; tradução Tomaz da Silva, Guaracira Lopes Louro ─ 11. ed. ─ Rio de Janeiro: DP&A, 2006, p. 13. 57 influência na Corte e na cidade de Valença-RJ87, com o qual o protagonista manterá relações de sociedade comercial e na Cia. Estrada de Ferro do Médio Vale do Paraíba. Como em qualquer biografia, é necessário articular o contexto social e geográfico com o sujeito, mostrando em que medida o contexto permite o sujeito e, de outro lado, em que medida esse sujeito participa da construção desse mesmo contexto. Essa preocupação torna-se importante para o entendimento das teias de relacionamento e dos acontecimentos políticos vivenciados por Francisco Paulo de Almeida. A esse respeito, faz-se necessário ressaltar as palavras de Schmidt: Normalmente se diz que uma boa biografia é aquela que “insere” o indivíduo no seu contexto. Mesmo que essa não seja a intenção, tal afirmativa supõe que o biografado mantenha uma relação de exterioridade com a época em que viveu, como se o contexto fosse uma tela pronta e acabada, onde se colariam os personagens88. Neste sentido, “se não temos informações mais precisas sobre tal ou qual acontecimento ou período de vida do biografado, podemos construir hipótese a partir do nosso conhecimento do contexto89”. Mas qual seria esse contexto? Utilizo, para este capítulo, como estratégia, o desenvolvimento profissional exercido por Francisco Paulo de Almeida, buscando nele explicações para os vácuos deixados. Conforme orienta Schmidt: [...] os biógrafos não devem se fixar na busca de uma coerência linear e fechada para a vida de seus personagens, mas que precisam sim apreender facetas variadas de suas existências, transitando do social ao individual, do inconsciente ao consciente, do público ao privado, do familiar ao político, do pessoal ao profissional, e assim por diante, sem tentar reduzir todos os aspectos da biografia a um denominador comum90. Assim, passo a buscar, na vida profissional exercida por Francisco Paulo de Almeida, pistas e indícios que me permitam explicar sua trajetória inicial. 87 Para aprofundamento no tema da genealogia consultar: REZENDE, Arthur. Genealogia Mineira; LEME, Silva. Genealogia Paulistana e LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. Nobiliarquia Paulistana histórica e genealógica. 88 SCHMIDT, Benito Bisso. “A biografia histórica: o “retorno” do gênero e a noção de “contexto””. In: Questões da teoria e metodologia da história. [Org.], Cezar Augusto Barcellos Guazelli, Sílvia Regina Ferraz Petersen, Benito Bisso Schmidt e Regina Célia Lima Xavier. ─ Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000a, p. 123. 89 Idem, p. 126-127. 90 SCHMIDT, Benito Bisso. “Luz e papel, realidade e imaginação: as biografias na História, no Jornalismo, na Literatura e no Cinema. In: SCHMIDT, Benito Bisso. Op. cit. 2000, p. 63. 58 2.2. Música e Ourivesaria. De início, permaneço com Marciano Bonifácio Pinto Filho, na afirmação de que Francisco Paulo de Almeida inicia sua vida profissional como ourives, especializado na confecção de botões de ouro para colarinho, além de suplementar seus ganhos tocando violino em velório por dois vinténs e uma vela de sebo. No século XIX, os músicos, ou pessoas que tocavam instrumentos, costumavam complementar seus ganhos tocando em velórios e funerais, sempre com autorização e pagamento pela Irmandade, como explicado anteriormente. Quanto à vela de sebo, na realidade o que ocorria era que, ao final do funeral, os componentes do cortejo davam as sobras ou coto das velas ao músico91. Tal atitude se dava em função de ser a vela o meio ou tipo de iluminação mais utilizado na época, e esses restos de velas auxiliarem nos estudos noturnos, reduzindo a despesa do músico, uma vez que não precisam despender dinheiro para a compra das mesmas. A inserção de Francisco Paulo de Almeida no ramo da ourivesaria se dá no campo artesanal, visto que ele produzia botões para colarinho. No inventário da Baronesa de Guaraciaba, consta: “duas mil e quinhentas oitavas de prata92, matéria prima para confecção de jóias, o que de certa forma, confirma a atividade do protagonista nessa profissão. De acordo com a historiadora Maria Helena Brancante93, a prata e o ouro no Brasil seguem os mesmos regulamentos de Portugal, apenas com adaptações locais. De 1766 a 1815, o exercício de ourivesaria foi proibido aos pretos, mulatos e índios. O teor da prata usado era de 10 dinheiros que deviam sempre aparecer nas peças trabalhadas. Deveriam aparecer também os punções do ourives da cidade e do ensaiador. Contudo, as leis nunca foram obedecidas, nem os regulamentos seguidos. A ourivesaria proliferou dentro da clandestinidade, o que torna extremamente difícil a identificação das peças. Não se pode 91 Segundo Sr. Aloysio Viegas, estudioso da História Sacra, funcionário da Igreja Matriz de São João Del Rei – MG. 92 Inventário da Baronesa de Guaraciaba. 1889, cx. 1435. Museu da Justiça, fl. 47v. 93 BRANCANTE, Maria Helena. Os Ourives: na história de São Paulo. São Paulo: Árvore da terra, 1999. 59 dizer que no Brasil a ourivesaria fosse cópia ou reprodução da portuguesa, porém não posso também afirmar que tenha tido um estilo original, próprio. De forma geral, os modelos portugueses eram adotados, embora com adaptações regionais94. Ainda de acordo com Maria Helena Brancante, no século XVII e princípio do XVIII, época em que os mestres do Reino aqui aportavam e traziam seus ensinamentos, a cópia era quase ao pé da letra, o que leva, muitas vezes, a sérias dificuldades de identificação. É justamente a falta de marca que dá uma pista de sua origem. Porém, no momento em que a ourivesaria brasileira se viu servida de oficiais e mesmo mestres, cujas raízes mergulhavam em outras culturas [negra, índia], começam a se acentuar as diferenças. Surgem novas inspirações, porém sempre sob a tutela dos mestres portugueses. O trabalho brasileiro se caracteriza por certa ingenuidade de elementos decorativos e arrojo nas proporções, o que resulta em uma simplicidade e, ao mesmo tempo, maior vigor artístico, espontaneidade e materialidade. Um bom exemplo eram os paliteiros, nos quais os artífices brasileiros não têm a preocupação de um acabamento perfeito, porém demonstram uma exuberância de motivos e concepções. Surgem objetos extremamente típicos como cocos, balangandãs, cuia, chimarrão com sua bombilha, cabos de rebenque, esporas, cabos de punhais etc. Pode-se dizer que a prata e o ouro brasileiros, embora não tivesse a finura de acabamento, a inspiração elevada, a técnica perfeita das pratas e ouros europeus, possuía o encanto e a graça dessas mesclagem de “raças”, a atração dos trópicos e o charme da ingenuidade e da criatividade de seus ourives. Com a abertura dos portos, começaram a chegar não só mercadorias de várias partes da Europa e Ásia como também conhecimento especializado: profissionais, artistas e técnicos, que trouxeram o aperfeiçoamento de sua mão-de-obra. Brancante explica que os artífices, para exercerem seus ofícios, necessitavam “obrigatoriamente” de uma certificação emitida pela Câmara, além de serem filiados a uma corporação de oficio [ou confraria] que, anualmente, elegia o aferidor de pesos e medidas ─ ensaiador. Entretanto, a nomeação era feita e ratificada pela Câmara95. O instituto das corporações de ofício foi transplantado para a colônia e a ele estavam sujeitos todos os artífices. O aprendizado de um ofício se fazia com mestre, por prazo 94 95 Idem. 1999, p. 44-45. BRANCANTE, Maria Helena. Op. cit, p.38. 60 determinado pela maior ou menor habilidade do aprendiz. O candidato a oficial só poderia abrir tenda depois de cuidadosamente examinado pelo ensaiador. Anteriormente o exame era realizado por um juiz, acompanhado por um escrivão do ofício. O ensaiador era eleito entre oficiais do mesmo ofício; a seguir, o Presidente da Câmara deferia o juramento dos santos evangelhos aos eleitos. Depois de aprovado o candidato, a Câmara, mediante prestação de fiança, passava-lhe certidão que valia como título, e então ele poderia exercer suas artes, com obrigação de associar-se à sua corporação. A associação nas corporações de ofício, não era rigorosamente seguida, pois muitas atividades foram praticadas no Brasil fora de qualquer corporação e nem sempre as autoridades se mostraram severas em fiscalizar as agremiações existentes. Uma das razões que contribuíram para o desprestígio das ligas era a liberdade que possuía o senhor de escravos, de ensinar-lhes os artesanatos para os quais demonstrassem maior habilidade, negociando posteriormente o produto de seu trabalho. Ocorre que muitos oficiais possuíam escravos que passavam pelo aprendizado e não estavam adstritos ao regimento das corporações96. Pinto Filho afirma que Francisco Paulo de Almeida foi ourives na confecção de botões para colarinho, entretanto, não dá indícios que o mesmo tenha sido “mestre” e, como apontado anteriormente, as leis que regiam os ofícios não eram seguidas e cumpridas, tão rigorosamente97. Na Corte que veio para o Brasil havia artistas, pessoas cultas e letradas, que, com seus hábitos, culturas e costumes, mudaram a Cidade do Rio de Janeiro, para melhor acolher a Corte, propiciando a criação de escolas, bibliotecas e museus. Em 1815, O Conde da Barca, ministro de D. João VI, encarregou o francês Lebreton de organizar a Academia de Bellas Artes do Rio de Janeiro. Esse contratou vários artistas, que o acompanharam ao Brasil formando assim a chamada “Missão Francesa”, que chegou ao país em março de 1816. Estava lançada a semente para o desenvolvimento artístico e intelectual, que se espraiou por todos os ofícios. Segundo Lyra, a título de exemplificação da atuação da Arte de Ourivesaria no Brasil: A joalheria era uma atividade em expansão no Brasil naquele início do século XIX. A transferência da Corte portuguesa em 1808 e a conseqüente abertura dos portos do 96 A respeito das corporações de ofícios leia-se também Sérgio Buarque de Holanda. “A herança colonial ─ Sua degradação”. In: HOLANDA, Sérgio Buarque de [org.]. História geral da civilização brasileira. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970, t. II, vol. 1º, p. 26-29. 97 No período que estive em São João Del Rei [março de 2009], o Livro de Registro de Ofícios, do século XIX, encontrava-se em Juiz de Fora para ser restaurado, o que impossibilitou uma pesquisa mais acurada. 61 Brasil foram fatores determinantes para o dinamismo do comércio e a produção local, atraindo gente de todas as nacionalidades para o novo centro do império. Joalheiros e ourives famosos pela criatividade artística, instalados não só no Rio de Janeiro, mas também em Minas Gerais, na Bahia e em Pernambuco, confeccionavam com perfeição coroas, colares, brincos, medalhões, braceletes, fivelas, botões e presilhas, em ouro e pedras preciosas, além de caixas de rapé e póde-arroz, objetos de mesa para as famílias da aristocracia e peças sacras para as igrejas. A escritora inglesa Maria Graham (1785-1842) nos fala da “abundância de jóias de cabeça e pescoço nas mais velhas senhoras portuguesas”. Muitos outros viajantes descreveram o gosto por peças luxuosas, como “baixelas pesadas” e “jóias maciças”, nas reuniões sociais. Era comum, também, o uso de efígies de D. João VI, de D. Pedro I, da imperatriz Leopoldina, nos mais diversos adereços98. Até agora procurei apontar as relações com Francisco Paulo de Almeida, que serviram de base para suas redes de sociabilidade, bem como a forma com que ele se apropria da arte musical e da ourivesaria. Entretanto, as pistas me dão informações de que, por exercer uma profissão, com diversas variantes, na época, tenha se inserido no mundo das tropas e dos tropeiros, atividade que demonstrava ser mais rendosa e promissora para o alargamento de suas redes de sociabilidade e relações de poder. 2.3. Tropas e tropeiros. Antes da instalação das ferrovias, os transportes eram feitos através de muares. As tropas saíam de diversos pontos chegando aos portos do litoral. Cruzamento de jumento com égua, o muar era mais forte e resistente que o cavalo, capaz de transportar cargas mais pesadas em terrenos acidentados. Os muares tinham seu grande centro de comercialização nas feiras de Sorocaba - SP, onde eram adquiridos por tropeiros que ofereciam seus serviços. “E como a economia cafeeira se encontrava em [...] expansão, é possível hipotetizar um aumento 98 LYRA, Maria de Lourdes Viana. Jóia de valor inestimável, o colar da imperatriz simbolizou o ideal de realização de um Império brasileiro rico, glorioso e imponente. In: Revista de História da Biblioteca Nacional. Ed. abril de 2007. 62 também da criação de bestas em Minas [principalmente o muar Pega oriundo de Lagoa Dourada], pelo menos nos exercícios de 1842/1843 [...]99”. Alguns fazendeiros mais poderosos possuíam tropas próprias e quando essas não bastavam, contratavam tropeiros. Pelo período apontado por Lenharo, 1842/1843, Francisco Paulo de Almeida encontrava-se com 16/17 anos, idade em que o jovem, remanescente da área rural, já tropeava, chegando inclusive a chefiar tropas. Foi um período promissor para o comércio e reprodução de jumentos da raça Pega, em Lagoa Dourada, situada na Comarca do Rio das Mortes, freguesia de São João Del Rei. Existia certa facilidade, para aquisição de um plantel para a formação de tropas. Outro fato relevante que se retrata é que nesse mesmo período, com a idade de 16 anos, ele é agraciado na partilha de bens de sua mãe, D. Galdina Alberta do Espírito Santo, com a quantia de 257$254 [duzentos e cinqüenta e sete mil, duzentos e cinqüenta e quatro réis], recurso mais do que suficiente para a aquisição de muares para a formação de uma tropa. Provavelmente, esse seja um indício da formação de sua tropa e do início da sua fortuna. De acordo com Dias, a valorização das tropas no século XIX são facilitadas pelo esvaziamento do comércio de abastecimento da Corte ─ falta de estrutura para atender a demanda ─ e o papel político que os interesses regionais do Sul de Minas desempenharam no processo de construção do Estado brasileiro, nas primeiras décadas do século, entretanto, esse processo pode ser analisado, também, a partir de outra variante ─ crescimento da demanda e conseqüente escoamento da produção mineira ─. Esse processo delimita-se cronologicamente, de modo a abordar uma conjuntura, curta e transitória, favorável à diversificação da economia interna do Sul de Minas e, concomitantemente à ascensão social de novos setores das camadas dominantes, a dos produtores mineiros, que emergem nos primeiros anos da Regência, não somente na praça, mas também no cenário político da Corte100. Seguindo a linha de Dias, este setor ─ organização da produção e abastecimento dos gêneros ─ das atividades econômicas, à qual as tropas estão diretamente ligadas, foi um verdadeiro palco de conveniências para diferentes grupos das classes dominantes da Colônia, e não apenas para burocratas e monopolistas do Reino, pois também oferecia um meio de ascensão social para atravessadores e comerciantes nativos, em geral acobertados por figuras 99 LENHARO, Alcir. As Tropas da Moderação: o abastecimento da Corte na formação política do Brasil, 18081842. São Paulo: Símbolo, 1979, p. 83. 100 DIAS, Maria Odila da Silva. Prefácio, in. LENHARO, Alcir. Op. cit, p. 17. 63 proeminentes da burocracia portuguesa, tais como governadores ou ouvidores101. Tudo leva a crer que Francisco Paulo de Almeida soube aproveitar desse processo na construção de suas redes de sociabilidade. Ainda segundo essa historiadora, os primeiros sintomas da penetração dos produtos mineiros no mercado da Corte são percebidos no jogo dos interesses regionais que vão se imiscuindo na política regional e na própria política central de abastecimento. Em 1828, Bernardo Pereira de Vasconcelos discursava no Parlamento sobre a importância de isentar produtores e tropeiros mineiros dos rigores do recrutamento militar; outros políticos, representantes de interesses mineiros, como os padres José Custódio Dias e José Bento, defendiam a liberalização do comércio de abastecimento de carne. Minas Gerais, também contava com o apoio de Evaristo da Veiga102. Nesse sentido, para Lenharo: “O fator decisivo para que esta tendência se definisse foi o mercado carioca que, dilatando-se progressivamente, ainda que de forma lenta, garantiu o movimento de reorganização interna da economia do Sul de Minas103”. As tropas transportavam todo tipo de mercadoria, principalmente a de subsistência, para abastecimento da Corte, além das matérias, como o algodão para exportação. No retorno traziam sal, peixe seco, bacalhau, tecidos, ferramentas, vinho, etc., que além de abastecer as localidades por onde retornavam, aumentavam suas redes de sociabilidade. Os caminhos eram difíceis e longos, passando por picadas estreitas e tortuosas abertas no mato e cortadas por córregos. Mesmo não havendo problemas, a viagem durava vários dias; se chovia, o que era comum, as mulas empacavam, atrasando a entrega e estragando parte da mercadoria. Os reparos nas estradas eram feitos pelos escravos dos próprios fazendeiros, deslocando dessa forma a mão-de-obra de sua principal atividade na fazenda, a agricultura. A atividade de tropeiro, desde o século XVIII, assim como a cultura de açúcar, e do ouro, caracterizou a vida econômica da Colônia. Segundo Matos, as atividades das tropas provocaram importantes alterações no sistema de transporte e comunicações. Os tropeiros estabeleceram uma rede de caminhos, seguindo muitas vezes a rota das Bandeiras [como no caso de Goiás], ligando os campos de criação da área platina com Sorocaba, que sediava a conhecida feira de muares104. 101 Idem. p. 18. DIAS, Maria Odila da Silva. Op. cit, p. 17-21. 103 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 74. 104 MATOS, Odilon Nogueira de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. 4. ed. Campinas, SP: Editora Pontes, 1990, p. 31. 102 64 O trabalho das tropas muito contribuiu para a abertura de caminhos, ligando o interior ao litoral e ao centro do país, que contava com poucas opções de acesso. Além disso, transformaram tropeiros em grandes fazendeiros, chegando alguns a receber título nobiliárquico, como foi o caso de Francisco Paulo de Almeida. Lenharo destaca outros tantos homens, que inseridos no tropear, conseguiram burlar e transcender os limites sociais da época, entre eles: [...] Domingos Custódio Guimarães, mineiro de São João Del Rey e futuro Visconde do Rio Preto, no Segundo Reinado. Nos anos 20, formou uma sociedade ─ Mesquita & Guimarães ─ com o conhecido comerciante, também mineiro, José Francisco de Mesquita, futuro Marquês de Bonfim. Sua firma fazia descer de Minas grandes rebanhos destinados ao consumo da Corte. A organização das compras e remessas ficava a cargo de seu sobrinho, José Cândido Guimarães, que era seu agente de gado e proprietário na Região do Rio Preto. [...] Ainda antes de abandonar a sociedade com mesquita, Custódio Guimarães começou a comprar as primeiras terras no Rio Preto, recomendadas por seu sobrinho. Durante os primeiros anos fez compras de escravos que chegaram a totalizar 500 deles, com os quais foi se convertendo num dos maiores cafezistas da região. A enorme soma de capital despendida nestas compras de terras e escravos saíram, sem dúvida, dos negócios ligados ao abastecimento no Rio de Janeiro105. Segundo Lenharo, “os proprietários da região do Sul de Minas tinham suas próprias tropas e, em geral faziam uso do trabalho dos seus filhos”. Esse empreendimento constituía, portanto, uma extensão de suas bases familiares, fundamentadas no trabalho dos filhos. “Numa fazenda ─ relata o autor ─ um dos filhos torna-se o condutor da tropa, outro se encarrega de cuidar desta, outro das plantações, e todos, indiferentemente, ordenham as vacas e fazem queijos. Complementava a força de trabalho os agregados, geralmente ligados ao proprietário por vínculos de compadrio ou parentesco mais afastados106”. Lenharo seleciona alguns casos de tropas organizadas à base de relações familiares de trabalho: O tropeiro João Ferreira Pessoa, procedente de Minas, por Itaguahy, vinha acompanhado de seu filho Estevão Ferreira, além de 8 escravos, assegura o 105 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 76. Idem., p. 94, 95: “Os viajantes anotaram sucessivas vezes a existência de grandes famílias, concentradas em suas próprias terras, tendo à testa a figura soberana do seu chefe. Não raro se tratam de relações patriarcais rígidas, sobre as quais se definia a organização do trabalho das propriedades. Dª Joaquina do Pompeu constitui um caso ilustrativo dessa situação. Segundo Eschwege, vivia esta matriarca cercada de filhos, noras, filhas, genros e netos, totalizando umas 60 pessoas”. Pluto Brasiliensis, 2º volume, s/d, p. 281. 106 65 escriturário do citado Registro. Outros casos semelhantes a este atestam, com freqüência, pais e filhos atuando conjuntamente na direção das tropas. [...] Outra notificação declara a passagem de dois irmãos, Flavio Francisco Moreira e Romualdo José, pelo Registro de Paraíba de Serra Acima. Procediam de Minas acompanhados de 6 escravos e 1 camarada107. De acordo com Lenharo, através da idade dos tropeiros presume-se o grau de participação dos filhos nas tropas. “O Códice 421, volume 1, referente à passagem de tropeiros por Registros entre 1809/1810, fornece algumas pistas pertinentes”. Pela sua pesquisa, ocorre uma incidência maior de tropeiros de 20 a 25 anos de idade, sendo que em alguns casos, aparecem alguns com menos idade ainda: “Manuel José da Silva, natural e residente em Minas, de 19 anos, que vive de tropa solta, estatura ordinária, testa comprida, fina barba, sobrancelhas delgadas, parte para Minas por Taguahy com 1 camarada e 2 escravos que trouxera...”. “Antonio Manoel, natural e residente em Minas, de 14 anos, estatura de menor, rosto redondo, olhos pequenos, sobrancelhas delgadas, parte para Minas por Taguahy com 5 escravos que trouxera...”108. Pode causar surpresa um jovem tropeiro, de apenas 14 anos, chefiando uma equipe composta de 5 escravos. Contudo, na organização rural, com essa idade o jovem já se juntava ao mundo dos adultos, dividindo com eles as tarefas para a obtenção dos meios de sustento. No caso do tropeiro jovem a iniciação era marcante e definitiva. O tropear era tido como um trabalho rústico e desgastante e constituía-se na iniciação que possibilitava ao jovem acumular experiências e poder, estando apto a disputar outras funções a que ainda não tivera acesso109. Esses relatos, indicam que, Francisco Paulo de Almeida, provavelmente, optou pelos caminhos das tropas objetivando acumular experiências e alargar suas redes de sociabilidades, mesmo ainda jovem. Cabe salientar que, conforme suposto anteriormente, Francisco Paulo de Almeida tenha constituído sua tropa no início da década de quarenta dos Oitocentos. Ele o fez na época em que o café do Vale do Paraíba do Sul, estava alcançando sua maturidade, vindo a alcançar seu auge produtivo no ano de 1850. Considerando que o transporte, dependia exclusivamente dos tropeiros, pode-se arriscar que Francisco Paulo de Almeida desfrutou de dezoito anos de 107 Idem, p. 95. LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 96. 109 Idem. 108 66 prosperidade, dessa atividade, o que lhe proporcionou um acúmulo de capital que veio a facilitar sua participação na oligarquia cafeeira no ano de 1860. A estrutura familiar apresenta algumas características propícias de organização, funcionando no século XIX com a estrutura de uma empresa, tendo, no exemplo utilizado, o fazendeiro como presidente. Uma característica importante dessa organização é a operacionalidade instituída nas invernadas. As grandes fazendas do Sul de Minas operavam como pontos de passagem para o mercado da Corte. Isto facilitava o monopólio por seus proprietários, que comparavam, através de seus agentes, os ponteiros, a produção de extensas áreas, até mesmo de Goiás e Mato Grosso110. Essas delimitações na negociação não atingiam os invernistas intermediários. A posição ocupada na estrutura permitia-lhes adotar soluções monopolísticas, manipulando preços na compra, reduzindo-os a um nível “aceitável” para os criadores. E como revendedores [mais conhecidos como intermediários], na volta de suas tropas, mantinham o controle [caracterizando a especulação] sobre os gêneros de revenda, ficando com uma boa margem de lucros. Através de seus correspondentes, geralmente familiares ou pessoas de conhecimento muito próximo, tinham acesso às informações de oscilações de mercado, convertendo-as em lucratividade111. O que fica caracterizado por Lenharo é que no debate público que se abriu com as crises agudas de abastecimento, a responsabilidade era atribuída aos intermediários, conhecidos como “atravessadores”, “monopolistas” ou “ponteiros”. Sem a especulação dos intermediários, o custo final dos produtos não atingiria os excessos. Foram praticantes do “mercado negro”, estocando produtos e forçando a elevação dos preços112. A instalação no Rio de Janeiro da firma Mesquita & Guimarães é exemplo de como os mineiros ligados à produção de gêneros para o abastecimento na Corte se firmava. José Francisco de Mesquita, por sinal, é um típico comerciante-empresário da época, não possuía uma única prática mercantil, já que acumulava várias e diferenciadas atividades. Fixou-se na praça comercial do Rio de Janeiro113, reforçou seus vínculos comerciais com o interior de 110 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 99. Idem, p. 101. 112 Idem, p. 44-45. 113 Nascido em Congonhas do Campo, Mesquita foi para o Rio de Janeiro e ali se empregou na casa comercial de seu tio, que era abastado comerciante. Xavier da Veiga, Ephemérides Mineiras, volume IV, p. 323. Pela Verba Testamentária 18, nº 151, que se encontra no Arquivo Nacional, RJ, pode-se observar como o futuro Marquês do Bonfim manteve sólidos interesses comerciais em Minas. 111 67 Minas, de onde viera. Daí comprava algodão e outros gêneros. Remetia escravos para o interior, constituindo-se num dos principais abastecedores mineiros de escravos. Somente no ano de 1830 e 1831 exportou 94 escravos para o interior de Minas Gerais114. Francisco Paulo de Almeida, por ter ligações e sociedades com Domingos Custódio Guimarães, sócio da firma Mesquita & Guimarães, terá proximidades com José Francisco de Mesquita. Suas redes de sociabilidade, aos poucos vão aparecendo e ampliando-se, tanto que, no ano de 1870, em razão do falecimento de Domiciano Ferreira Souto e Dona Umbrelina Rodrigues Nogueira, Francisco Paulo de Almeida, sócio de Domiciano, fica com a tutoria115 de seus filhos: Joaquim Ferreira Souto e Domiciano Filho, assumindo a firma de importação e exportação, que manterá negócios com a firma Mesquita & Guimarães, como citado anteriormente. Certos artifícios usados pelos tropeiros permitiam-lhes diminuir as condições desfavoráveis de operacionalização dos negócios. Grande parte das firmas de tropas complementava seus negócios dentro do âmbito familiar, ou através de pessoas aparentadas ou de conhecimento muito próximo, de modo que não era necessário proceder a acertos de conta imediatamente após as entregas das mercadorias, o que podia ser feito após um prazo mais dilatado, um semestre ou um ano no mais das vezes ─ o que diminuía a pressão da constante falta de liquidez116. Segundo Lenharo, não era incomum o setor mercantil tentar o aumento de capitais para a diversificação dos negócios, como a compra de terras e o investimento na produção agrícola. No caso do povoamento situado entre o Sul de Minas e a Capital, comerciantes da Comarca do Rio das Mortes, particularmente de São João Del Rei, e comerciantes do Rio de Janeiro entraram por ambos os lados da região, convertendo-se nos seus principais proprietários. Dedicaram-se à produção de gêneros de subsistência, açúcar e, depois, o café117. Na agricultura e na área rural, segundo Lenharo, a tendência é a mesma na relação proprietários de terra/tropeiros, onde se denota haver complementaridade: o tropeiro aparece como um prolongamento da categoria social matriz ─ proprietário de terras ─ já que, 114 LENHARO, Alcir. Idem, p. 102. Processo de Tutela, 5779. Museu da Justiça, cx. 1803. 116 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 103. 117 Idem., p. 32. 115 68 frequentemente, além de dar conta da produção o proprietário é ele mesmo o comercializador dos seus próprios produtos118. Pode ser caracterizado, segundo Lenharo, que no nível da identificação social, ocorra o mascaramento dessa categoria menor ─ o tropeiro ─ menos valorizado pela categoria proprietário rural. Os políticos representantes do setor abastecedor, quando em ascensão social e política, mostravam-se como proprietários, enaltecidos por títulos acadêmicos ou eclesiásticos. “O tropeiro e comerciante, que muitos eram ou tinham sido, por ser categoria social menos nobre, passavam, sub-repticiamente, nos registros da memória histórica, para o ocultamento119”. Esta atividade vai assumir um caráter político da integração Centro-Sul. Para Lenharo, tratava-se do processo de articulação mercantil estabelecido entre a área produtora e o mercado consumidor, pelas vias de comunicação existentes entre os dois extremos, sendo efetivada a partir do fluxo regional excedente, absorvido pelo mercado carioca120. Conforme argumentação de Lenharo, a própria colonização do Vale do Paraíba e a expansão do café propagaram-se com os recursos oriundos do setor mercantil de subsistência. Novas rotas e caminhos foram abertos e melhorados, facilitando o desbravamento e a ocupação, visando a propiciar maiores facilidades aos tropeiros121. Mapa do Caminho Velho e do Caminho Novo122· 118 Idem. LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 32. 120 Idem, p. 28. 121 Idem, p. 29. 122 Disponível:http://images.google.com.br/imgres?imgurl=http://www.espeschit.com.br/historia/image/cami nho_novo.jpg&imgrefurl=http://www.espeschit.com.br/historia/historia/caminho_novo/&usg=__qmXuRfTm f1Zc08wqRMnuFNbVF8g=&h=454&w=374&sz=27&hl=ptBR&start=1&tbnid=wOIBsBm91J8NcM:&tbnh=128&tbnw=105&prev=/images%3Fq%3Dcaminho%2Bvel ho%26gbv%3D2%26hl%3Dpt-BR%26sa%3DG, acesso em 30 out. 2008. 119 69 Em relação a essas rotas e caminhos, o início dos Setecentos contava apenas com o chamado “Caminho Velho”, ou “Caminho das Guaianás”, que, partindo de Parati, atravessava a Serra do Mar e, passando por Taubaté e Guaratinguetá, alcançava Minas Geais. No século XVIII, foi aberto o chamado “Caminho Novo”, por Garcia Rodrigues Paes, que transpunha a Serra do Mar e, através de Pati do Alferes, Paraíba do Sul e Paraibuna, chegava a Minas Gerais. Esta nova via ganhou inúmeras variantes, como o Caminho de Bernardo Proença e o Caminho de Terra Firme, entre outras123. Conforme Stein: Com a expansão do café e da atividade comercial entre Minas e os portos costeiros, o município de Vassouras vangloriava-se de ter pelo menos seis estradas provinciais 123 MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Os donos da terra. Um estudo sobre a estrutura fundiária do Vale Paraíba fluminense, no século XIX. 1979. 185 f. Dissertação de Mestrado [História Social] ─ Universidade Federal Fluminense ─ RJ, 1979, p. 52-54. 70 paralelas atravessando o município em direção à serra do Mar e descendo às planícies do Rio: Estrada de Marcos da Costa, do Pilar, do Verneck, do Commercio, da Polícia e a Estrada do Rodeio124. O constante movimento das tropas de mulas por essas estradas ─ movimento do qual Francisco Paulo de Almeida participou e cujos indícios apontam ser dessa atividade a origem de sua fortuna ─ trouxe inúmeros posseiros à região, atraídos pelas possibilidades de comercialização de gêneros de primeira necessidade para os viajantes. Conforme citado anteriormente, nessas estradas surgiram ranchos, estalagens e vendas que floresceram em toda a sua extensão. Pastagens e roças formaram-se rapidamente, garantindo o milho, alimento indispensável aos animais de carga, e ainda a cana-de-açúcar, feijão, arroz, mandioca e café. Essas roças, associadas à criação de porcos e outros animais, asseguraram o abastecimento das caravanas que levavam produtos importados para a região das minas, de lá retornando abarrotadas de ouro para a metrópole, a ser escoado através dos portos do Rio de Janeiro125. Os caminhos abastecedores do Rio de Janeiro, no início do século XIX, eram os mesmos que abasteceram as Minas do século XVIII. Foram criados sobre as trilhas deixadas pelos índios, reaproveitadas pelos pioneiros, quase sempre sob estímulo das autoridades. Outras vezes e contra a lei, diversas trilhas marginais foram abertas. “O Caminho Novo, com suas variantes ─ Caminho do Couto e Caminho de Terra ─ constituíam os instrumentos de comunicação regional, servindo de canal de veiculação para os gêneros que abasteciam o mercado das Gerais, oriundos do porto do Rio de Janeiro126”. Nesse povoamento inicial, em que a região do Vale do Paraíba funcionou apenas como passagem entre um centro produtor e outro distribuidor, pouco interesse houve por uma fixação efetiva. As primeiras propriedades foram basicamente essas roças de mantimentos estabelecidas em posses. Entretanto, Lenharo levanta uma questão: [...] por que as estradas do Comércio e da Polícia, os projetos mais ambiciosos desta etapa administrativa, dirigiam-se para a Comarca mineira do Rio das Mortes, e qual a importância estratégica para a Corte, uma vez seu principal núcleo abastecedor? [...] Não é difícil perceber-se a importância dessas vias para a normalização do 124 STEIN, Stanley Julian. Vassouras: um município brasileiro do café, 1850-1900. ─ Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 129, nota 67. 125 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 46. 126 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 58. A rota principal do Caminho Novo partia do porto de Estrela e passava por Petrópolis, antes de atingir Encruzilhada, onde as duas outras variantes se encontravam. A estrada ficou pronta por volta de 1724, sob a orientação do sargento-mor Bernardo Soares Proença, e durante 140 anos tornou-se o caminho preferido dos viajantes. Após as passagens do Paraíba e do Paraibuna vinha o registro de Matias Barbosa; Juiz de Fora, Barbacena, de onde se alcançava São João Del Rey e Vila Rica, vinham a seguir. 71 abastecimento da Corte. O que precisa ser assinalado, no entanto, são os aspectos condicionantes que envolveram a construção destas vias de abastecimento127. Anteriormente à construção dessas estradas, a região já possuía duas outras que a conectavam à Capital: a estrada Ocidente, no Sul da Comarca, que os mineiros utilizavam para seguir na direção do Rio ─ São Paulo, que findava perto de Lorena, pela Serra da Mantiqueira e, a parte Oriental da região, os caminhos para São João Del Rey, com acesso direto ao Caminho Novo, que por sua vez, direcionava para os portos de Estrela e Pilar na baía de Guanabara, ou se ligava ao Rio de Janeiro através do caminho de terra128. O sistema de concessão de terras pela metrópole, a partir do século XVI, as chamadas sesmarias, destinava-se a tornar produtivas as terras devolutas da colônia. Para tanto, eram doadas a homens de muita posse e família, que reunissem as qualificações necessárias à instalação de cultivos, entre elas um número suficiente de escravos. Eram normalmente impostas algumas condições, raramente respeitadas, como apenas uma sesmaria para cada beneficiado, a ser cultivada em prazo determinado, e limitada, no caso da Capitania do Rio de Janeiro, a meia ou uma légua de extensão, sendo vedada a membros do clero129. Segundo Lenharo, no Vale do Paraíba fluminense, a ocupação se fez através da concentração das sesmarias para poucos proprietários, funcionários da Corte, ou comerciantes de destaque, ou pessoas que tivessem laços mais estreitos com eles. Saint-Hilaire escandalizou-se com a conivência e permissividade entre o governo e seus altos funcionários na distribuição das sesmarias: “O rico conhecedor do andamento dos negócios, tinha protetores e podia fazer bons negócios; pedia-se para cada membro de sua família e assim alcançava imensa extensão de terras... Manuel Jacinto (futuro Marquês de Baependi), empregado do tesouro, possui perto daqui (Valença) 12 léguas de terras concedidas pelo Rei130”. Em algumas das sesmarias concedidas na área do Vale do Paraíba, foram instalados engenhos voltados para a produção de açúcar, rapadura e aguardente, no caso dos maiores; ou apenas aguardente, naqueles menos providos de mão-de-obra escrava, configurando as primeiras fixações efetivas na região. 127 Idem, p. 63. Idem. 129 MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Op. cit., p. 6; 26-30. 130 SAINT-HILAIRE, 2ª Viagem do Rio de Janeiro a Minas Gerais e a São Paulo, Belo Horizonte, Itatiaia/USP, 1974, tradução de Vivaldi Moreira, p. 24. Apud LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 65. 128 72 A desagregação da economia de mineração condenou à estagnação, ao retrocesso e ao isolamento inúmeros centros, antes efervescentes, em Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. Nas últimas décadas do século XVIII, conforme Noya Pinto, a produção média anual caiu à metade. As caravanas, segundo relatos de viajantes, por volta de 1815, sem ouro, passavam agora carregadas com toucinho, algodão, queijo, café e açúcar, vindas de Minas Gerais, ressaltando-se a participação de São João Del Rei; Tiradentes, Prados e Lagoa Dourada, em lotes de 220 a 250 mulas131 ─ a quantidade de muares, torna-se relevante pelo fato de que o tropeiro destacava-se pelo número de mulas que compunham sua tropa. Para terminar com a desagregação e a estagnação da economia mineira, o Regente buscou na integração do Centro-Sul a resposta para fazer frente a esse quadro que implicava mudanças. Ainda que seus objetivos de integração não se consolidassem, posteriormente, fazer-se a montagem material do novo Estado independente132. Manuel Jacinto Nogueira da Gama e sua rede familiar são o exemplo da permissividade apontada. Como deputado e escrivão do Real Erário beneficiou-se de grande abundância de terras, “distribuídas” por D. João VI. José Ignácio Nogueira da Gama, seu irmão, entre as doações, mais as terras herdadas e compradas, somava, segundo Taunay, aproximadamente 17 sesmarias, quase 20 mil hectares das melhores terras virgens em solo mineiro e fluminense133. Acrescentem-se as terras que Manuel Jacinto recebeu em São João Marcos e Valença, aquilata-se o poderio econômico da família134. Manuel Jacinto Nogueira da Gama, mais tarde vai fazer parte da família dos Carneiro Leão, composta por Paulo Fernandes Viana, intendente da polícia, proprietário [por concessão] de grande quantidade de terras na região de Valença. Este clã usurparia imensa mancha de terras que se estendia do Vale do Paraíba Fluminense até a Zona da Mata mineira135. Esse império explica um dos porquês da construção da estrada da Polícia, cujo traçado, antes de alcançar o Sul de Minas, servia às propriedades dessa família. Enquanto a 131 NOYA PINTO, Virgilio. Op. cit., p. 128. LENHARO, Alcir. Idem, p. 66. 133 TAUNAY, Afonso de E. História do café no Brasil. v. 5º, tomo III, p. 180-181. 134 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 67. 135 Idem. 132 73 Junta do Comércio levava adiante o projeto da estrada do Comércio, a Intendência da polícia, cujo chefe era Paulo Fernandes Viana, realizava, simultaneamente, o seu próprio projeto136. Todas as pistas indicam ser a Junta do comércio o lugar privilegiado de trocas de favores [redes de sociabilidade, familiares, compadrio, relações de poder, etc.]. Através dela João Rodrigues Pereira de Almeida [futuro Barão de Ubá] fez prevalecer seus interesses pessoais. Como proprietário da região de Ubá, próxima a Vassouras, ampliou suas posses graças à requisição de terras. Grande comerciante no Rio de Janeiro e deputado da Junta do Comércio, valeu-se de sua posição determinando sobre o projeto da estrada que, obedecendo a atalho mais antigo, servia muito próximo às suas propriedades137. A trajetória de Custódio Ferreira Leite [futuro Barão de Aiuruoca] é também significativa e serve de modelo, por ter correlação com a trajetória de Francisco Paulo de Almeida. Oriundo de São João Del Rey, enveredou-se na região de Vassouras, trazendo, posteriormente, um número substancial de seus familiares. Antes de se tornar um dos primeiros cafeicultores de Mar de Espanha, na Zona da Mata mineira, dedicou-se ao serviço de obras públicas, consertando e abrindo estradas, construindo pontes, etc. Os cabedais, provenientes desses serviços, lhe permitiram unir-se à construção da fase final da estrada da Polícia. Tirou proveito disso ao empregar lucrativamente seus escravos nos trabalhos da estrada138. Os sujeitos mencionados convergem no modo como a política e o comércio se emaranharam aos destinos da organização, econômico-administrativa do Centro-Sul. Obtiveram, em graus maiores ou menores, através de uma política de permuta com o Estado, benefícios particulares consideráveis, além do que, graças à prestação de serviços públicos, foram, alguns, agraciados com a nobiliarquia. Essas redes de relação social, política e econômica, identificam um dos traços fundamentais da formação do Estado nessa etapa de transição. Por isso, Estado, oligarquia e setores produtivos, por exemplo: comércio e empresas, constituíam alianças a fim de produzir suporte político-burocrático, através de favores em troca da prestação de serviços necessários à construção de suas bases materiais, estabelecendo uma relação de poder de via dupla. 136 Idem. Idem, p. 67-68. 138 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 68. 137 74 Valendo-se de todos os artifícios disponíveis, tanto Custódio Guimarães como Francisco Paulo de Almeida passam da condição de tropeiro, para a de fazendeiro, graças aos conhecimentos e acúmulo de capital obtido pelo abastecimento de gêneros para o Rio de Janeiro, na atividade de tropeiro. Entretanto, Lenharo faz uma observação crítica de bastante relevância quando salienta que no conjunto da bibliografia, mesmo nas biografias e nas memórias de famílias proprietárias atreladas ao abastecimento, são raras as indicações encontradas que permitam redimensionar o tropeiro na sociedade rural. A categoria tropeiro, dentro da família produtora de gêneros mercantis de subsistência, aparece enfocada de modo móvel e oscilante. Fora dela, e em contexto mais amplo, há que se destacar a visão distorcida ─ rude, ignorante, etc. ─ que tem sido construída em relação ao tropeiro. Muito desta visão está inalterada, até hoje, com origem, em grande parte, nos relatos de viajantes. As reproduções de suas observações enfatizam o comportamento dos tropeiros como inferior aos níveis sociais de um proprietário comum. O que explica porque alguns tropeiros, ao alcançarem posições sociais e políticas de destaque, procuraram de alguma forma, fazer silêncio sobre sua origem. Dentro dessa perspectiva, o principal dado explicativo cabe, sem dúvida, ao avanço da oligarquia cafeeira que passou a ofuscar o setor abastecedor. No plano político, o setor proprietário de café juntou as principais lideranças e centralizou o poder, passando os outros setores da classe proprietária a se formarem com ele. Apesar de a mineração ter recuado como atividade organizadora do espaço em São João Del Rei, a posição de cabeça da comarca e suas funções comerciais articulando-se às rotas do mercado interno das Minas não permitirão a retração do núcleo. Ao contrário, no final do século XVIII, até meados do século XIX, verifica-se um processo substantivo de migrações internas, com fluxos direcionados desde os núcleos mineradores originais, especialmente da Comarca de Ouro Preto, para a Comarca do Rio das Mortes. Mesmo não sendo São João Del Rei o destino fundamental desses fluxos, a dinamização do Sul de Minas como um todo refletiria diretamente no crescimento da importância da praça comercial de São João Del Rei Isso se dá com mais força, em particular, depois da vinda da Corte para o Rio de Janeiro, em 1808, exatamente pela falta de gêneros alimentícios para abastecimento da Cidade 75 e por conta da projeção de suas funções enquanto entreposto na rota do abastecimento da capital. Lenharo realça que: É conhecido que, com a crise da mineração, as áreas mineradoras refluíram, reorganizando-se economicamente através da produção de subsistência. O que não tem sido enfatizado suficientemente, no entanto, é que o Sul de Minas teve um desdobramento peculiar. De fato, esta região conheceu um reforço em sua estrutura econômica, já alicerçada na produção mercantil de gêneros de subsistência. Atividades de produção, portanto, que não se relacionavam com tendências de involução ou regressão econômica; pelo contrário, tratava-se de produção mercantil de gêneros de subsistência, mas voltada para fora, em busca de mercados139. O movimento centrífugo de populações após a mineração também favoreceu a ocupação das terras virgens que mediavam Minas ao litoral, especialmente as terras férteis do Vale do Paraíba. Pode-se destacar dois tipos de pioneiros que por ai surgiam: os posseiros, com suas pequenas roças de produtos de primeira necessidade, voltados para o comércio miúdo à beira das estradas, que povoaram rapidamente a região 140. Um outro tipo de agricultor fixava-se em condições de melhor segurança: ocupavam terras em função da prestação de serviços públicos já realizados ou a realizar; abriam trechos de estradas, ou se prestavam a fornecer alimentos para tropas e tropeiros, pastagens para os animais, ou abriam pousos e vendas necessários à organização do tráfico mercantil141. O café, introduzido no país no início do século XVIII, no Estado do Pará, oriundo das Antilhas, era, até os primórdios do século XIX, cultivado em toda parte ─ não por todas as famílias ─, porém apenas para consumo interno, em hortas, quintais e pomares. No Rio de Janeiro foi plantado e aclimatado a princípio nos seus arredores: na baixada fluminense [Magé, Itaboraí, Maricá, São Gonçalo], nas encostas das montanhas [matas dos morros da Tijuca e de Laranjeiras], espraiando-se também pelo litoral [Angra dos Reis, Mangaratiba]142. 139 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 73. A pressão sobre a terra tornou-se insuportável para posseiros na medida em que migrantes garantidos com títulos de sesmarias foram ocupando s região. O atento Saint-Hilaire descreveu com acerto o que estava pensando: “Os pobres que não podem ter títulos, estabelecem-se nos terrenos que sabem não ter dono. Plantam, constroem pequenas casas, criam galinhas, e quando menos esperam, aparece-lhes um homem rico, com título que recebeu na véspera, expulsando-os e aproveita o fruto do seu trabalho”. Saint-Hilaire. Op. cit., p. 24. 141 STEIN, Stanley Julian. Op. cit., p. 12 e 13. 142 CANABRAVA, Alice P. “A grande lavoura”. In: HOLLANDA, Sergio Buarque de. [dir.]. História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II, 4. vol., Declínio e Queda do Império. 1974, p. 85-137. 140 76 Os tropeiros, em suas idas e vindas, tiveram seu papel no processo de expansão da lavoura de café143 para o Vale do Paraíba, que passaram a ser cultivada lado a lado com o milho e a cana, em diferentes tipos de relevo e de solo. Segundo Stein: Um contemporâneo da migração de café para os planaltos afirmou que muitas mudas de café foram levadas da fazenda do Padre Antonio do Couto da Fonseca, na região de Campo Grande. Francisco Freire Allemão, “Quaes são as principais plantas que hoje se acham aclimatadas no Brazil”? Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro XIX [1856]. p. 5. Na Recopilação, estava registrado que tropeiros, na sua viagem de retorno ao planalto, “passavam pela [fazenda de] Padre Antonio do Couto para carregar seus animais com mudas de café”144. A observação e a experimentação acabaram por demonstrar as condições ideais para a sua cultura: solos férteis, chuvas regulares, encostas bem drenadas, entre 300 e 1200 metros de altitude. Claro que estas condições eram ideais para a época, porém, mais tarde seria verificado o esgotamento das terras e os problemas ocasionados por esse tipo de plantação em encostas, com temperaturas entre 16 e 32 graus centígrados, sendo desaconselháveis as áreas próximas a manguezais e as temperaturas elevadas. Em busca de tais condições, o café subiu a Serra do Mar, irradiando-se pelas terras mais altas do curso médio do Paraíba145, em direção às Minas Gerais, e pelas encostas meridionais da Mantiqueira, tomando, em seguida, o rumo do oeste paulista. A topografia favorável e as altitudes médias entre 500m e 600m; as temperaturas médias anuais em torno de 20 graus centígrados; as chuvas bem distribuídas em verões com precipitações fortes, entre novembro e março, época da floração; e em invernos secos, possibilitando a estiagem necessária à colheita, a secagem e o beneficiamento; os excelentes solos de massapés, aliados à disponibilidade de terras, compuseram um quadro extremamente favorável para a expansão da nova cultura. A virada do século XIX assistiu à intensificação da procura por terras nessa região. Dentre os antigos posseiros, alguns obtiveram concessões de sesmarias, outros legitimaram suas posses, desde que fossem validadas de forma tranqüila, sem distúrbios. Muitas das 143 LENHARO, Alcir. Op. cit., p. 23-39. STEIN, Stanley Julian. Idem, p. 28. 145 AB’SABER, Aziz Nacib e BERNARDES, Nilo. Op. cit., p. 74-79. “O médio Vale do Paraíba”: “Em sentido amplo compreendemos por médio Vale do Paraíba toda área drenada por esse rio desde o seu grande cotôvelo, em Guararema até a zona em que, recebidas os primeiros afluentes de importância [Piabanha-Prêto e ParaíbunaPrêto], começam grandes corredeiras denunciadoras de sua rápida descida do planalto”. Utilizo neste trabalho, parte do conceito denominado pelo autor como “médio vale inferior”, abrangendo somente as cidades compreendidas da atual Barra do Piraí à atual Três Rios. 144 77 antigas roças de mantimentos transformaram-se em sítios, porém mantendo a característica de produção de gêneros voltada para o consumo local. De novas ou de antigas sesmarias surgiram às primeiras fazendas de café, simples e rústicas, quer desmembradas, quer incorporadas a terras vizinhas, concentradas nas mãos de umas poucas famílias, advindas, na sua maioria de Minas Gerais, destacando-se as localidades de São João Del Rei [Comarca do Rio das Mortes] e Barbacena. “De volta das minas e das cidades situadas nas estradas, que haviam florescido no negócio de mineração, vieram àqueles que enriqueceram os contingentes de Barbacena e de São João d’El Rey [...]146”. Francisco Paulo de Almeida, tropeiro e dono de tropa, dispunha de capital e de um conhecimento privilegiado, através de suas viagens e redes de relacionamento, em relação a terras existentes e disponíveis ou devolutas, na divisa do Sul de Minas Gerais e o Vale do Paraíba Fluminense, o que fará com que, na segunda metade dos Oitocentos, comece a fazer parte das oligarquias cafeeiras, como será visto posteriormente, através da compra de fazendas produtoras de café, principalmente na região de Mar de Espanha – MG, Paraíba do Sul e Valença no Rio de Janeiro. O Tropeiro, não raras vezes, ou era fazendeiro ou viria a ser. Tratava-se de uma atividade rendosa. A tendência era de que se constituíssem sociedades para diminuição dos custos e das perdas, fora que, também, recebiam mercadorias de outros fazendeiros, aumentando, desta forma os lucros. O que ocorre é que a atividade de tropeiro tinha ou passava a ter um caráter de complementaridade, pois quando o mesmo não era fazendeiro, suas viagens pelos caminhos que levavam tanto a Corte como para São Paulo, davam-lhes oportunidades de conhecerem terras que permaneciam sem “donos”, ou cujos donos não tinham como mantê-las, com este conhecimento ele logo adquiria terras, preferencialmente onde fosse passagem de tropas. A segunda década do século XIX, em todo o Vale do Paraíba, foi marcada por um notável incremento da produção cafeeira, graças à alta cotação do produto no mercado internacional, que estimulou consideravelmente o seu cultivo. Se, por volta de 1822, o café ocupava o segundo lugar nas exportações brasileiras, com 19,6%, precedido apenas pelo açúcar, entre 1830 e 1840 esse valor subiu para 28,6%, acelerando a cultura intensiva. Em meados do século chegou a 50%, na posição de primeiro produto de exportação, e entre 1870 146 STEIN, Stanley Julian. Op. cit., p. 33-34. 78 e 1880 alcançou 61,5%. Efetivamente o café se tornara uma nova fonte de riquezas, possibilitando a recuperação econômica do país. PERÍODO 1821-1830 1831-1840 1841-1850 1851-1860 1861-1870 1871-1880 1881-1890 PRINCIPAIS PRODUTOS DE EXPORTAÇÃO 1821-1890 (% na receita das exportações) CAFÉ AÇÚCAR ALGODÃO BORRACHA COUROS E PELES 18,4 30.1 20,6 0,1 13,6 43,8 24,0 10,8 0.3 7,9 41,4 26,7 7,5 0,4 8,5 48,8 21,2 6,2 2,3 7,2 45,5 12,3 18,3 3,1 6,0 56,6 11,8 9,5 5,5 5,6 61,5 9,9 4,1 8,0 3,2 OUTROS 17,2 13,2 15,5 14,3 14,8 11,0 13,2 Fonte: Singer, 1989, 355 apud Silva, 1953 & Vilela & Suzigan147 Uma série de medidas acompanhou e viabilizou esse surto: a abertura das estradas do Comércio [1813] e da Polícia [1820], garantindo o escoamento das exportações; a fundação em 1832 da Sociedade Promotora da Civilização e Indústria, na Freguesia de Vassouras; a elevação de Paraíba do Sul, Valença e Vassouras à categoria de vila, em 1833, quando esta última já contava com fazendas que possuíam entre 500.000 e 800.000 cafeeiros. Em 1835, foi autorizada a concessão de privilégios para a construção de estradas de ferro por particulares. Em 1852, foram inauguradas as primeiras linhas de telégrafos; e, finalmente, em 1854, a tão esperada estrada de ferro, proporcionando rápida ligação com a Corte e fluência no escoamento do café até os portos de embarque, complementada em 1861 pela expansão rodoviária, através da abertura da Estrada União Indústria148. Em 1859, foram abertas sucursais do Banco Comercial e Agrícola em diversas cidades do Vale do Paraíba, ocorrendo assim a sustentação necessária à nova empresa, dando, de acordo com Stein, destaque para determinada localidade no Vale do Paraíba149. Segundo Eduardo Silva: Em meados do século XIX, a acumulação sem precedentes de terras e escravos, as novas instalações produtivas nas fazendas, a construção de “palácios” e igrejas, a compra de títulos, a importação de objetos de luxo, etc., assinalavam o sucesso da incorporação da estrutura escravista ao mercado internacional capitalista enquanto produtor da sobremesa café150. 147 Fonte: Singer, 1989, 355 apud Silva, 1953 & Vilela & Suzigan. Apud ARIAS NETO, José Miguel. “Primeira República: economia cafeeira, urbanização e industrialização. In: O tempo do Brasil excludente: da Proclamação da República à Revolução de 1930. Organização de Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado, ─ 2ª Ed. ─ Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. ─ [O Brasil Republicano; v. 1], p. 201. 148 Sobre as estradas de ferro e as S/A, voltarei ao assunto no terceiro capítulo. 149 STEIN, Stanley Julian. Op. cit., p. 14. 150 SILVA, Eduardo. Barões e escravidão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Brasília: INL, 1984, p. 138-139. 79 Vassouras, que posteriormente se tornaria a “Capital do Café”, bem demonstrou, à época, a dimensão desse surto expansionista: se em 1822, ano da resolução que pos fim à doação das sesmarias, ainda havia áreas devolutas em seus limites, em 1843 já não havia mais nenhum pedaço de terra disponível em toda região151. Em meados do século, o Vale do Paraíba estava intensamente ocupado e inteiramente voltado para a produção do café. No Brasil, principalmente após a vinda da família Real, duas atividades assumem posições estratégicas nas relações de sociabilidade ─ os Tropeiros e os Caixeiros Viajantes ─ pelas circunstâncias da atividade, que exigia um deslocamento permanente, contato com pessoas de diversas classes sociais, transmissão das notícias e dos acontecimentos da Corte e o contato com as fazendas e, principalmente, com os fazendeiros do interior, onde em alguns casos, chegava-se a ter um relacionamento quase ‘familiar’. Provavelmente, e as fontes fornecem este indício, Francisco Paulo de Almeida tenha optado ou sido influenciado por esta atividade em função do centro das exportações mineiras terem sua sede na Comarca do Rio das Mortes, praça comercial de São João Del Rei. Minas Gerais organizou sua economia regional, durante o período aurífero, na produção de gêneros de subsistência. Com a crise da mineração e consequente refluxo demográfico das áreas mineradoras, o escoamento do excedente ficou prejudicado, obrigando os produtores a sairem em busca de mercados fora da região, em conformidade com o exposto adiante. Com a vinda da Corte para o Brasil ─ com a economia ainda voltada para a exportação dos produtos, da agricultura de subsistência, adicionada a monocultura e a alteração dos costumes influenciados pelo consumo da Corte ─ a produção de gêneros alimentícios torna-se escassa, aumentando o volume e a movimentação de tropas entre o sul de Minas e o Rio de Janeiro: “O fator decisivo para que esta tendência se definisse foi o mercado carioca que, dilatando-se progressivamente, ainda que de forma lenta, garantiu o movimento de reorganização interna da economia do Sul de Minas152”. Essa escassez da produção alimentícia, juntamente com o aumento da demanda de exportação do café, fez com que parte da oligarquia cafeeira, buscasse métodos para melhor 151 152 MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Op. cit., p. 22; 43 e 69. MUNIZ, Célia Maria Loureiro. Op. cit., p. 74. 80 aproveitamento de suas plantações, dessa forma, desde 1850, os jornais já anunciavam modernas máquinas de beneficiamento, incluindo a limpeza, separação e lavagem do grão colhido, maceração, despolpamento, secagem, separação das impurezas, escolha e classificação. Francisco Paulo de Almeida, conforme Inventário da Baronesa de Guaraciaba, manteve em suas três fazendas todas as modernidades disponíveis para seu melhor funcionamento. As modernidades se faziam necessárias, considerando a escassez de mão-de-obra e atendimento às etapas pelas quais o café passava nas várias formas de armazenamento. Nas fazendas, na produção, utilizavam-se barris ou balaios. Das fazendas para as cidades, era acondicionada em sacos, a princípio de couro e mais tarde de aniagem. Nos armazéns do comissário eram feitas as misturas para a exportação atendendo aos gostos dos consumidores, sendo o café acondicionado em sacos próprios para a exportação153. Esses tipos de armazenamento faziam-se necessários para o deslocamento, pois conforme as plantações de café avançavam para o interior, os custos do transporte cresciam. O difícil percurso pela Serra do Mar só era possível mediante essas tropas. Além do mais, quando a safra era muito farta muitas vezes as tropas não conseguiam escoá-la. A solução encontrada seria a ferrovia154. No decorrer deste capítulo, apontei as circunvizinhanças de Francisco Paulo de Almeida, que serviram de base para suas redes de sociabilidade. Mencionei, ainda, o funcionamento da arte da ourivesaria e da música e das tropas e tropeiros no século XIX no Brasil. No decorrer da dissertação sobre as tropas e tropeiros, fica bem claro a proximidade do exercício desta atividade com a posição do fazendeiro, chegando a alguns momentos a se confundirem, como já havia acontecido com o Visconde do Rio Preto e, a seguir, com Francisco Paulo de Almeida. 153 MATOS, Maria Izilda S. Trama e poder: um estudo sobre as indústrias de sacaria para o café. 4. ed. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999. O crescimento da produção cafeeira exigia grande quantidade de sacaria para o café, isso estimulou a indústria de sacaria. 154 Tema a ser explorado no próximo capítulo. 81 3. REDES DE SOCIABILIDADE E RELAÇÕES DE PODER. Para produzir e analisar o que chamo de reflexões biográficas sobre um sujeito e seu contexto histórico optei em focalizar algumas redes de sociabilidade e determinadas relações de poder pelo sujeito e com ele constituídas. Para isso, busquei, anteriormente, tratar do desdobramento da empresa organizada para o abastecimento da Corte, a busca e a ampliação de suas bases para o mercado consumidor. Tratei dos problemas e dos domínios da formação desse movimento ─ ao qual o protagonista pertencia ─, em que proprietários e negociantes, atuando no mercado, ganharam poderes de intervenção no comércio distribuidor. Assim, as negociações direcionadas para a comercialização dos seus próprios produtos buscavam mecanismos para tratar de questões de aparelhamento ─ ocupação de cargos públicos com influência nas questões pertinentes à concessão para a construção de estradas, isenção/redução de impostos, entre outros ─, visando melhorar os efeitos e as próprias relações de poder através de suas influências em suas diversas etapas de 82 operação ─ itinerário, projeto, custo e viabilização ─, para valorização das suas terras, escoamento e comercialização de sua produção. Ao falar sobre a empresa de abastecimento, na qual se insere o tropeiro e o dono de tropas, percebi ser tênue a linha que separa a atividade do tropeiro para a do fazendeiro. A esse respeito, conforme salienta Lenharo, em certos momentos nem existia, ou nem era diferenciada, considerando que o ocupante dessas atividades, ao se encontrar em posição superior, negava essa passagem em sua história de vida. Talvez por isso, provavelmente por causa desse costume, Francisco Paulo de Almeida só aparecerá inserido na oligarquia cafeeira em 1860, no Município de Valença – RJ. Prosseguindo, procuro, por meio de certas colocações, explicar a inserção e integração de Francisco Paulo de Almeida na oligarquia cafeeira do Médio Vale do Paraíba, a partir da cidade de Valença, juntamente com outros proprietários do Sul de Minas, que assim como ele partiram da Comarca do Rio das Mortes estabelecendo-se no Vale do Café no Sul Fluminense. Desta forma, continuo enfatizando as diferentes etapas de sua trajetória pelas suas redes de sociabilidade e pelas relações de poder, construídas através das alianças e sociedades. 3.1. Um pouco do Médio Vale do Paraíba no século XIX. O Caminho Novo, depois de atravessar o rio Paraíba do Sul, dirigia-se para Barbacena e para as regiões auríferas de Minas Gerais. Ao longo de seu curso, organizaram-se diversos “registros de controle” em Mathias Barbosa, Simão Pereira e Juiz de Fora, que, nesse início de século, começavam muito a se desenvolver, com a chegada do café. A paisagem do Médio Vale do Paraíba, continuava coberta de densa floresta, que valorizava suas terras, propiciando madeira para a construção de Fazendas e, após o desmatamento, terra de primeira qualidade para o plantio do café. Por isso, para ela deslocaram-se mineiros, fluminenses ou portugueses atraídos pela expansão do café. Esses centros, além da cidade de Mar de Espanha, assim como Além Paraíba, São João Nepomuceno, Sant’Ana do Deserto, localizados na Serra da Mantiqueira, constituem a região denominada Zona da Mata mineira. Esses núcleos tiveram grande ascendência, nesse período, graças às fazendas de café, tornando-se vilas, depois 83 cidades. Especial destaque deve ser dado à cidade de Juiz de Fora, cujo crescimento foi especialmente notável, após a abertura da estrada de rodagem União e Indústria entre Petrópolis e Juiz de Fora, em 1861, por iniciativa de Mariano Procópio Ferreira Laje155. Coincidindo o início da cultura cafeeira com o esgotamento das jazidas de ouro de Minas Gerais, antigos mineradores vêm para o Vale, nesse início do século XIX. Na maioria, eram pessoas abastadas, que adquiriram terras, desmataram-nas, e nelas organizaram fazendas. De fato, a empresa cafeicultora exigia certo capital para aquisição e montagem da fazenda, além da compra da mão-de-obra escrava. Os cafeicultores, formadores de grandes e poderosos clãs rurais, futuros Barões do Café, são originários de Minas Gerais em sua grande maioria. Entre eles, se encontra Estevão Ribeiro de Resende, futuro marquês de Valença, vindo do Arraial de Lagoa Dourada, na Comarca do Rio das Mortes, com fazendas e grande descendência no município de Valença. Igualmente se estabeleceu na mesma região o protagonista, futuro barão de Guaraciaba, oriundo do Arraial de Lagoa Dourada. A família de ambos, Marquês de Valença e Barão de Guaraciaba, têm seus laços a partir da avó do protagonista. Dessa forma constituíram-se na mesma região, personagens que mais adiante, compartilharão laços e sociedades com Francisco Paulo de Almeida, entre eles: – Manoel Jacinto Nogueira da Gama, futuro marquês de Baependi, oriundo de São João Del Rei, na Comarca do Rio das Mortes. Radicou-se e foi chefe de clã avultado em Rio das Flores; – Domingos Custódio Guimarães, futuro visconde do Rio Preto, proveniente também de São João Del Rei; – Os irmãos Teixeira Leite, vindos dessa cidade mineira, radicaram-se e participaram da fundação da vila de Vassouras; – Custódio Leite Ribeiro, futuro barão de Aiuruoca [tio dos irmãos Teixeira Leite, e em parte responsável por sua vinda para o Vale], personagem com atuação de apoio a diferentes áreas, organizando fazendas, fundando capelas, casas de caridade e 155 TELLES, Augusto Carlos da Silva. O Vale do Paraíba e a arquitetura do café. Rio de Janeiro: Capivara, 2006, p. 53. 84 participando da construção de uma estrada para acesso à Zona da Mata Mineira [estrada da Polícia]156. Dentro do Vale do Café do século XIX, três localidades se destacaram e contribuíram de forma diferenciada para a influência política, social e econômica da região ─ Valença, Paraíba do Sul e Vassouras. Em Valença como as terras eram extremamente ricas, houve um grande acúmulo de patrimônio nas suas imediações. Os fazendeiros deram especial apoio ao centro urbano, permitindo um grande desenvolvimento. A partir de Valença, foram criadas outras povoações, como Rio das Flores, Barra do Piraí, etc. Paraíba do Sul teve seu início no local da travessia do Rio do Paraíba, junto ao assentamento que Garcia Rodrigues Paes Leme criara para abrir o Caminho Novo. Entretanto, ao contrário do que ocorreu em Valença, não houve interesse dos fazendeiros dessa região pelo seu núcleo urbano, e a vila não se desenvolveu tão prontamente. A partir dela outras localidades foram criadas, entre elas a cidade de Três Rios. Já a vila de Vassouras foi constituída a partir da extinção da vila de Paty do Alferes. O local onde foi implantada a vila de Vassouras era parte da sesmaria de Vassouras e Rio Bonito. Diversas localidades foram, lentamente, nas últimas décadas do século XIX, emancipando-se da Cidade destacando-se: Mendes, Rodeio [Paulo de Frontin], Macacos [Paracambi] e Belém [Japeri]. Paty do Alferes foi à última a ser emancipada na década de noventa do século XX. O exercício das atividades de tropeiro possibilitava, em seus trajetos ao comércio da Corte, o estabelecimento de contatos, em todos os níveis, o que facilitava o estabelecimento de uma rede de sociabilidade expansiva. Além disso, o conhecimento do espaço geográfico percorrido e os contatos estabelecidos nesse itinerário, permitiam e forneciam conhecimentos para a aquisição de terras férteis para a produção agrícola, mais especificamente, “o café”, tornando possível, inclusive à Francisco Paulo de Almeida, a aquisição de terras e, consequentemente, seu ingresso na oligarquia cafeeira do século XIX. 3.2. As fazendas e a relação de compadrio. 156 TELLES, Augusto Carlos da Silva. Op. cit., p. 43-44. 85 Como já foi dito, Francisco Paulo de Almeida desenvolveu atividade de ourives, músico e tropeiro. Presume-se, pelos documentos redigidos e assinados na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença, no inventário da Baronesa de Guaraciaba, como na sua minuta de inventário, que não se tratava de um analfabeto. Outra suposição, apontada em documentos: ele teria ao menos, um razoável entendimento do idioma francês, pois mandou alguns filhos estudar naquele país e, no final dos Oitocentos, costumava viajar constantemente para a França, até porque, um dos seus filhos, além de estudar na Europa, casou-se com a filha do Cônsul uruguaio na França. Por tudo isso, o acúmulo dos conhecimentos adquiridos acabou facilitando seu ingresso no mundo do comércio, e da tida como alta sociedade. Assim, Francisco Paulo de Almeida começa a ser visto e a ganhar destaque na região do Médio Vale do Paraíba na segunda metade do século XIX, adquirindo as fazendas: Veneza, no distrito de Conservatória, cidade de Valença - RJ; Santa Fé, na cidade de Mar de Espanha em Minas Gerais e Três Barras na atual cidade de Três Rios – RJ, todas adquiridas anteriormente à proclamação da República. Entretanto, o médico memorialista Marciano Bonifácio Pinto Filho indica que ele também possuía fazendas no Arraial de São Sebastião do Rio Bonito, além da de Santo Antônio do Rio Bonito. Embora essas propriedades estejam situadas no distrito de Conservatória, não foram localizados registros que apontem sua existência, pelo menos até a última década do século XIX, por isso, pressuponho que o memorialista ao citá-las, confundiu-as com a fazenda Veneza, uma vez que, após a sua venda, ocorreram desmembramentos de suas terras, das quais surgiram novas propriedades e as terras citadas são fronteiriças a atual fazenda Veneza. Neste momento, algumas observações são necessárias. Na trajetória da pesquisa são raros os documentos encontrados redigidos pelo próprio Francisco Paulo de Almeida. Além dessa constatação, outra deve ser ressaltada: apenas eventualmente seu nome é citado em jornais da época, nem mesmo a historiografia apresenta referência a ele, o que dificultou, um pouco, o presente trabalho. Para dar conta dessa problemática, busco através de personagens que viveram no mesmo contexto, com trajetórias semelhantes, uma analogia, referências e pistas possíveis, nas e pelas relações de poder e redes de sociabilidade, possibilitadas e constituídas por eles. 86 Além disso, dentro dessas semelhanças, busco a utilização de estratégias e mecanismos constituídos que possibilitaram e permitiram tanto para Francisco Paulo de Almeida, como para os demais fazendeiros contemporâneos, passarem da condição de tropeiro para a de latifundiário da produção cafeeira do Médio Vale do Paraíba do Sul Fluminense. É certo que todas essas fazendas possuem uma história e um contexto relativo à sua compra e sua importância produtiva para a região. Por exemplo, a fazenda Veneza será objeto de exploração quando me referir à construção da Estrada de Ferro, assim como a fazenda Santa Fé. Por outro lado, a Três Barras permitirá uma forte relação pessoal e social entre Francisco Paulo de Almeida e o seu dono, o visconde de Jaguari, o que possibilita parte da proposta do trabalho, ou seja, identificar e analisar as relações de poder e sociabilidade, exercidas através, com e a partir do compadrio. Assim, essas relações são compreendidas, essencialmente, como mecanismos e estratégias de fortalecimento político, social e de aumento do patrimônio financeiro, possibilitadas através das relações de compadrio, no campo político e religioso. Compadrio que, por sua vez, instituiu novas relações de poder construídas por Francisco Paulo de Almeida. O memorialista de Paraíba do Sul, Pedro Gomes da Silva157, ao relatar sobre a fazenda das Três Barras, analisa o compadrio do protagonista com José Ildefonso de Souza Ramos, relação corroborada pelo inventário da sua esposa a viscondessa de Jaguari, que deixa parte de sua herança para o filho de Francisco Paulo de Almeida, que era seu afilhado. A história da fazenda, juntamente com a herança deixada pela viscondessa para o filho do Barão, é significativa e demonstra as relações de poder ali presentes e constituídas. Essa significação é percebida quando Francisco Paulo de Almeida foi eleito provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, havendo indícios, de que sua eleição teve a influência do Visconde de Jaguari e do comendador Domingos Teodoro de Azevedo. Cabe salientar que, eventualmente, evidenciarei e formularei uma sinopse de alguns personagens, com seus títulos, cargos e demais conquistas. Faz-se necessária essa exposição em face dessas pessoas participarem das redes e relações das qual Francisco Paulo de 157 SILVA, Pedro Gomes da. Capítulos de História de Paraíba do Sul. Rio de Janeiro: Cia. Brasileira de Artes Gráficas, 1991, p. 158-161. 87 Almeida também participará. Por tudo isso, posso começar focalizando as relações estabelecidas com o Visconde de Jaguari. Mas, quem foi esse visconde e qual sua importância? “O barão de Três Barras e 2º visconde com grandeza de JAGUARI foi José Ildefonso de Souza Ramos, que nasceu na cidade de Baependi, Minas Gerais, em 28 de setembro de 1812, e faleceu no Rio de Janeiro, em 23 de julho de 1883, na fazenda das Duas [sic, Três] Barras. Casou-se com Henriqueta Carolina de Souza Ramos. Bacharel em direito pela Academia de São Paulo, em 1834, foi Presidente das Províncias do Piauí, em 1843, de Minas Gerais, em 1848, e de Pernambuco, em 1850. Ministro da pasta da Fazenda no 11° Gabinete de 1852, do Império no 16° Gabinete de 1861, da Justiça no 24° de 1870. Deputado Geral pela Província do Piauí na 6ª Legislatura de 1845 a 1847 e pelo Rio de Janeiro na 8ª e 9ª legislaturas de 1850 a 1856. Era Senador por Minas Gerais nomeado em 1853 e Presidente do Senado de 1874 a 1881. Foi Provedor da Santa Casa de Misericórdia, sócio do IHGB do Conselho de S. Magestade, Conselheiro de Estado em 1870, Grande do Império, Grã-Cruz das Imperiais Ordens de Cristo e da Rosa 158”. [grifo meu]. Segundo Carvalho, “O compadrio estabelecia um vínculo de mão dupla159” no caso de Francisco Paulo de Almeida com o Visconde de Jaguari, posso citar, a título de exemplo, a influência de José Ildefonso de Souza Ramos, na Irmandade do Rio de Janeiro e de Valença, para eleger o protagonista a provedor da Santa Casa de Valença. Em contrapartida, com a morte do Visconde, Francisco Paulo de Almeida vai dar total assistência à viúva e sua comadre, no comando da fazenda Três Barras. “Nesse sentido, é interessante destacar que o compadrio vinculava não apenas indivíduos, mas famílias. E isso era válido para os dois pólos da relação: tanto o padrinho passava a se relacionar com os parentes dos afilhados como estes se inseriam na parentela daquele160”. A História da fazenda Três Barras inicia-se a partir de Antonio Cordeiro da Silva, português, possuidor de muitos escravos, sem terras próprias. No decorrer do século XVIII e parte dos Oitocentos, ela foi objeto de disputas por demarcação rumos/limites, demandas [ações judiciais] numa clara demonstração de confronto com seus vizinhos, perdurando até o 158 Sinopse biográfica de José Ildefonso de Souza Ramos. Disponível: http://sfreinobreza.com/Nobj.htm, em 22/09/2007. 159 CARVALHO, José Murilo de. In:_____ [Org.]. BRÜGGER, Silvia Maria Jardim. Escolhas de padrinhos e relações de poder: uma análise do compadrio em São João Del Rei (1736-1850). Nação e cidadania no Império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, P. 338. 160 Idem, p. 332. 88 final dos anos trinta do século XIX161. Após diversas disputas, a propriedade passou a pertencer ao coronel José Joaquim dos Santos. Após o falecimento desse, a fazenda das Três Barras passou a José Ildefonso de Souza Ramos, advogado, casado com sua filha Henriqueta. O Visconde de Jaguari por sua vocação política, pouco tratava da fazenda, que esteve mesmo alguns anos sem lavouras. Passava a maior parte de seu tempo no Rio de Janeiro e morreu na Fazenda Três Barras em 1883, deixando-a para a esposa, que não tinha como dirigi-la. Por isso, conforme salienta Pedro Gomes da Silva: Por algum tempo tomou a direção da fazenda o compadre e vizinho Firmino [sic][Francisco] Paula de Almeida, barão de Guaraciaba, que morava do outro lado do Paraíba na fazenda de Santa-Fé, município de Mar de Espanha, e acabou a adquirindo, desenvolvendo rapidamente lavouras e criações e instalando moderna aparelhagem para beneficiar café. Mas pouco depois faleceu a baronesa de Guaraciaba ali de febre amarela e o barão, desgostoso, nunca mais voltou as Três Barras, vendendo-a ao médico José Cardoso de Moura Brasil a 19 de abril de 1890162 . Por que, somente por algum tempo, Francisco Paulo de Almeida tomou a direção da fazenda Três Barras? Como dito anteriormente, “O compadrio estabelecia um vínculo de mão dupla163”, o que justifica sua intervenção no comando da fazenda, uma vez que, sua comadre, a viscondessa de Jaguari, não tinha como dirigi-la. Além disso, ele era proprietário da fazenda Santa Fé, que estava separada da propriedade da Três Barras, apenas pelo encontro dos rios Piabanha e Paraibuna, o que facilitava a administração e seu transito entre as fazendas. Posteriormente, constatando-se que a Viscondessa não tinha como comandar a fazenda e não tendo contraindo novo matrimonio, que pudesse colocar alguém à frente da produção, vende a fazenda ao compadre Francisco Paulo de Almeida. Cópia do Recibo de quitação da fazenda Três Barras164 161 SILVA, Pedro Gomes da. Op. cit. Idem. 163 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit., p. 338. 164 Cópia do Recibo de quitação da fazenda Três Barras, cedida por Mônica de Souza Destro, trineta de Francisco Paulo de Almeida. 162 89 A liderança política, no século XIX, era, na maioria das vezes ou quase sempre, formada por um grupo heterogêneo, constituída por um pequeno mais influente segmento de fazendeiros. Numericamente insignificante, os fazendeiros e seus parentes dominavam cada paróquia, efetivamente, através das eleições. Entre os fazendeiros, algumas famílias ou clãs exerciam um papel dominante nos negócios dos municípíos. Francisco Paulo de Almeida parece se inserir nesse quadro de relações e sociabilidades, buscando e construindo espaços nas relações sociais e políticas, associando-se a Marcelino de Brito Ferreira de Andrade [visconde de Monte Mário], rico fazendeiro de café em Juiz de Fora, coronel da Guarda Nacional, rico empresário, fundador do Banco de Crédito Real de Minas Gerais e vereador em Juiz de Fora; José Júlio Pereira de Morais [1.º Visconde de Morais], fidalgo da Casa Real [28.2.1891], grão-cruz da Ordem de Cristo e do Mérito Industrial, Comendador da Ordem da Rosa [do Brasil], presidente do gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro e da beneficência Portuguesa, da mesma cidade, tendo-o também 90 sido da grande comissão Pró-Pátria165 [1891], grande industrial, negociante e filantropo e, durante muitos anos, chefe da colônia portuguesa na capital do Brasil, para constituição do Banco Territorial e Mercantil de Minas Gerais166, [1887-1892]; Banco de Crédito Real de Minas Gerais, O Credireal [1889-1997], quando foi absorvido pelo Banco Bradesco e a “Companhia Agrícola Industrial Mineira” [empresa especulativa ou produtiva?167], na cidade de Juiz de Fora. Associou-se, ainda, ao Comendador Domingos Teodoro de Azevedo Júnior, genro do visconde de Rio Preto, membro da Irmandade da Santa Casa, Presidente da Estrada de Ferro de Rio das Flores e, Carlos Justiniano das Chagas, político, que assinou a 1ª Constituição republicana [1891]. Como já dito, da mesma forma que Custódio Guimarães, Francisco Paulo de Almeida passa, na segunda metade dos Oitocentos, da condição de tropeiro para a de fazendeiro. ocorrida graças aos conhecimentos adquiridos e ao acúmulo de capital com o abastecimento de gêneros para o Rio de Janeiro, obtidos na sua antiga profissão. Adquiriu a propriedade no “arraial de São Sebastião do Rio Bonito”, “Santo Antônio do Rio Bonito” e Veneza [1860], todas na freguesia de Valença – RJ; Santa Fé em Mar de Espanha – MG; Piracema – MG; Boavista em Paraíba do Sul – RJ e Três Barras [1883] em Três Rios – RJ. Nas propriedades adquiridas anteriormente, somou-se, já na República, da família Faro, em 14 de janeiro de 165 HISTÓRIA DA SOCIEDADE HISTÓRICA DA INDEPENDÊNCIA DE PORTUGAL 1861 a 1940. Compilada por: E. A. Ramos da Costa. Lisboa 1940, p. 3. Disponível em: http://www.ship.pt/pdf/ramos_costa.pdf, acesso em 26 de junho de 2009: “A colectividade Comissão Central 1.º de Dezembro de 1640 iniciou os seus trabalhos patrióticos em 16 de Maio de 1861./Com acentuado e persistente espírito de patriotismo e de puro nacionalismo, durante uma vida de trabalho ininterrupto de 79 anos, conseguiu impor-se à consideração dos Altos Poderes do Estado, recebendo este, por vezes, a sua colaboração sincera e desinteressada, conforme se verifica no decorrer da sua longa história./Em 1927 para que o título não ferisse certas susceptibilidades foi resolvido, unanimemente pelos seus sócios, modificarem-se os seus segundos estatutos, datados de 6 de Agosto de 1980, transformando-se na actual Sociedade Histórica da Independência de Portugal. Durante muitos anos ignorou-se a existência desta tão antiga e benemérita colectividade. Muitos portugueses e quási toda a geração moderna desconhecem a sua existência e muito principalmente ignoram a sua acção, altamente patriótica e muito nacionalista, desenvolvida para prestigiar o nome de Portugal, contrariando todas e quaisquer ideias que tendam a ferir a dignidade da nossa Nação livre e independente”. 166 A falência do Banco Territorial em Juiz de Fora provocou a perda de economias de muitos correntistas. A corrida aos caixas, na expectativa de retirar algum recurso para amenizar o prejuízo iminente, gerou tumultos e conflitos, chegando ao ponto de solicitação de reforço policial externo. De acordo com o jornal Pharol, de 12 de julho de 1892: “Vinda de Ouro Preto ontem a esta cidade uma força do 31º Batalhão, composta de 50 praças, sob o comando do Capitão Laurindo Costa. Segundo fomos informados, a referida força foi requisitada para vir garantir o prédio em que funciona o Banco Territorial de Minas Gerais, contra o assalto que, segundo noticiamos ontem, constava ter sido premeditado por pessoas do povo que têm interesse naquele estabelecimento”. 167 As sociedades anônimas de Juiz de Fora do setor industrial, inauguradas na conjuntura do Encilhamento se diferenciaram das outras abertas em outras conjunturas, pois foram pioneiras na formação de sociedades anônimas industriais com iniciativa de capital local, sendo necessária uma análise mais detalhada para se verificar quais empresas foram empreendimentos direcionados à prática de especulação, firmas fictícias, ou se elas foram firmas concretas e produtivas, contribuindo para o desenvolvimento local. 91 1897 por 180:000$000 [cento e oitenta contos de réis], a fazenda do Pocinho, localizada na Estrada Ypiranga entre os municípios de Vassouras e Barra do Piraí – RJ. Para os objetivos aqui propostos, as fazendas são o marco inicial na exploração de parte da proposta do trabalho, ou seja, para identificar e analisar redes de sociabilidade. Assim, vê-se que: essas redes, compreendidas, essencialmente, como mecanismos e estratégias de fortalecimento político, social e de aumento do patrimônio financeiro, possibilitaram relações de compadrio, no campo político. Compadrio que, por sua vez, instituiu novas relações de poder construídas por Francisco Paulo de Almeida. Sobre as relações de poder, esclareço que concordo com a percepção de Machado comentando a noção de poder de Foucault: “[...] o poder não é algo que se detém como uma coisa, como uma propriedade, que se possui ou não. Não existe de um lado os que têm o poder e de outro aqueles que se encontram dele alijados. Rigorosamente falando, o poder não existe; existem sim práticas ou relações de poder. O que significa dizer que o poder é algo que se exerce, que se efetua, que funciona. E que funciona como uma maquinaria, como uma máquina social que não está situada em lugar privilegiado ou exclusivo, mas se dissemina por toda a estrutura social. Não é um objeto, uma coisa, mas uma relação168”. Dessa forma, em função das fazendas muitas relações tornaram-se possíveis no Médio Vale do Paraíba Sul Fluminense. Em meados dos Oitocentos, essa região encontra-se no apogeu de sua produção, e as estradas e meios de transportes, as tropas, já não conseguiam atender a demanda da produção. Buscando soluções, o Império e as oligarquias cafeeiras vão encontrar nas ferrovias a resposta para o escoamento e agilidade no transporte de suas mercadorias, centrada, principalmente, no café. 3.3. Estrada de Ferro do Vale do Paraíba Sul Fluminense. 168 MACHADO, Roberto. “Por uma genealogia do poder”. In FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Org. e Trad. de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, XIV. 92 A implantação de ferrovias no Brasil resultou de um conjunto de medidas governamentais que vieram a favorecer a modernização de alguns setores do país, especialmente o cafeeiro. Dentro dessas medidas, destacam-se: o protecionismo alfandegário; as facilidades para importação de maquinaria; a isenção de impostos, conferidas a alguns setores; a política de emissões; a concessão de créditos; e a lei Euzébio de Queiroz, que determinava a extinção do tráfico negreiro. O Brasil, em meados do século XIX, era um país cafeeiro, com a produção concentrada nas províncias fluminense e mineira e a exportação através da capital do Império, no porto do Rio de Janeiro. Portanto, neste contexto, os cafeicultores dessa região, ainda adeptos do escravismo, pressionavam o governo para conseguir um meio de transporte mais moderno que aliviasse o café das tropas de mulas, único modo até então de escoar a lavoura cafeeira dos centros produtores até os portos do fundo da Baía de Guanabara. Também o tropeiro, assim como o dono das tropas de cargas, pressionava para não perderem a exclusividade no transporte interior-porto e vice-versa. Como o transporte através das tropas era composto, quase sempre, por escravos, a escassez dessa mão-de-obra, a partir de 1850, com a Lei Euzébio de Queiroz, deu embasamento aos fazendeiros para reivindicarem uma estrada de ferro. Concomitantemente, ao proibir o tráfico negreiro essa Lei possibilitou que o capital empregado nessa atividade fosse direcionado para outras atividades, a facilitar o escoamento de suas produções. Internamente, o crescimento de exportações levou à maior atividade econômica, através da criação de novas empresas comerciais, industriais e de serviços, num momento de liberação de capitais, até então aplicados no tráfico e na mão de obra escravista, conforme visto, a partir de 1850. Não apenas o interesse dos fazendeiros de café, mas também dos exportadores e comerciantes localizados no Rio de Janeiro, deu sentido às linhas de ferro, isto é, do centro produtor para o centro exportador, ou seja, da área agrícola produtora de café para a cidade ─ porto exportador e importador de bens de consumo. Dentro de uma visão ampla, esses foram os fatos ocorridos na constituição da Estrada de Ferro D. Pedro II. Entretanto, neste trabalho, a proposta é analisar sua ligação complementar, a Estrada de Ferro no médio Vale do Paraíba, mais precisamente a partir de 1850, quando começaram a surgir as primeiras linhas ferroviárias. 93 A estrada de ferro acompanhou de perto o caminho traçado pelos cafezais. Francisco Paulo de Almeida, assim como outros fazendeiros do café, não ficou alheio a esse fenômeno. De acordo com as pistas e os documentos históricos disponíveis, alguns cafeicultores fizeram investimentos em ações ou organizaram Sociedades Anônimas, para a construção de determinados segmentos da ferrovia. Assim fez o protagonista, contribuindo para a construção da Companhia Estrada de Ferro Santa Isabel do Rio Preto, cujos estatutos foram aprovados pelo Decreto nº 7549, de 22 de novembro de 1879, no qual consta doação de terras para sua construção, sendo a inauguração em 21 de novembro de 1883, na presença de S.M. D. Pedro II. Com relação a essa inauguração, pressupõe-se que foi nessa ocasião que D. Pedro II, referiu-se, pela primeira vez, a Francisco Paulo de Almeida pela alcunha de “Guaraciaba”. Esse termo, ao pé da letra, significa cabelo de sol ou da cor do sol. Entretanto as fontes fotográficas não confirmam que Francisco Paulo de Almeida tivesse o cabelo da cor ferruginosa, que justificasse esse codinome. Ainda sobre tal significado, cabe salientar que, de acordo com a historiografia, D. Pedro II foi um estudioso do idioma indígena, principalmente o tupi, conforme constatado por Schwarcz: “O próprio imperador, inspirado por essa voga, além de propor a criação de gramáticas e dicionários, começa a estudar o tupi e o guarani, que lhe seriam muito úteis durante os litígios com o Paraguai, [...] 169”. De acordo com Antônio Geraldo da Cunha170 várias são as conotações aplicadas a esse termo, sendo: Guaraciaba s. f.: guaracigâ, guaracigobâ, guaracigaba, guaraciça, 6 guueracicam, goaracyaba, guoraciyaba, 8 coaracy oaba, coaracy beraba, coaracy-aba, Guaracy-aba [<T. *Kuarasï´aua < Kuara´sï ‘sol’ + ´aua ‘cabelo’ ~VLB II 120: sol = coaracig. Ib. I.61: cabelo da cabeça = Aba]. O padre Fernão Cardim (v. abon. C 1584) faz distinção entre guaracingâ ‘fruta do sol’ (<T. *Kuarasï´a < Kuarásï ‘sol’ + ï´ua ‘fruta’), guaracigabâ ‘cobertura do sol’ (<T. *Kuarasïo´ua) e guaracigaba ‘cabelo do sol’ (<T. * Kuarasï´aua). Igualmente interessantes são as referências do padre Simão de Vasconcelos (v. abon. 1663) as formas goaracyaba e goaraciyaba, as quais etimologicamente idênticas, são por ele atribuídas a duas espécies distintas de beija-flor. Refira-se por fim que o autor do Aviário Brasílio (v. abon. 1800) destaque coaracy oaba ‘cabelo do sol’ de coaracy beraba ‘resplendor do sol’. (...). 169 SCHWACZ, Lília Moritz. As barbas do imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 131. 170 Dicionário histórico das palavras portuguesas de origem Tupi / Antônio Geraldo da Cunha; prefácio-estudo de Antonio Houaiss. ─ São Paulo: Melhoramentos: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1978. 94 Essa variedade de expressão ─ morfológica e semanticamente correlatas ─ por que foram designadas algumas espécies da pequena ave, deve sem dúvida, à admiração que causaram aos indígenas e aos primeiros colonizadores europeus as cores brilhantes, resplandecentes e incomparavelmente belas dos beija-flores. Como se vê, várias são as interpretações atribuídas ao termo Guaraciaba. Entretanto, ouso arriscar que ao aplicar essa alcunha a Francisco Paulo de Almeida, S. M. M. Imperador D. Pedro II não tinha a intenção simplista de chamá-lo de homem do cabelo de sol, fogo ou outro adjetivo. Trilhando outra variante do idioma Tupi ─ o idioma Tupi possuía diversos dialetos ─, na qual a palavra Guará significa “lobo” e, aba significa “pai espiritual”, o que poderia vir a significar “pai/senhor das espertezas”, senhor da astúcia, ardiloso, adjetivos mais condizentes com as histórias e trajetórias do protagonista. Findo esse esclarecimento sobre a origem da alcunha Guaraciaba, passo a destacar a construção da Estrada de Ferro do Médio do Vale do Paraíba, bem como das suas associações, com a oligarquia cafeeira de Valença, desconstruindo a idéia de que a constituição da Estrada de Ferro do Vale do Paraíba ficou centrada na disputa de duas famílias: a Faro e os Teixeira Leite. O café, em 1836, tinha seu grande centro no Vale do Paraíba Sul Fluminense. Depois de uma passagem nos arredores da cidade do Rio de Janeiro, a cafeicultura subiu a serra rumo ao Vale do Paraíba Sul Fluminense, tanto por esse como, também, pelos seus inúmeros afluentes, ocupando a paisagem serrana fluminense. Ao longo do Médio Vale do Paraíba surgiram as mais importantes fazendas de todo o século XIX, assegurando para a província do Rio de Janeiro situação privilegiada na História do Brasil Imperial. Ali se localizaram os principais barões do café, com grande participação na atividade política e econômica da época. Era a nobreza do café ou, talvez, mais corretamente, segundo França, aquela “burguesia galardoada com títulos de nobreza171”. No Vale do Paraíba Sul Fluminense, o café alterou a fisionomia geográfica, demográfica, social, política, cultural e econômica da região, criando paisagens próprias, balizando o povoamento, fazendo nascerem cidades, abrindo zonas pioneiras, desenvolvendo 171 FRANÇA, Ary. A marcha do café e as frentes pioneiras. Rio de Janeiro, 1960. Escrito para servir de “guia” de uma excursão realizada por ocasião do XVIII Congresso Internacional de Geografia [Rio de Janeiro, 1956]. 95 o centro urbano, propiciando o aparecimento das ferrovias, criando uma unidade sócioeconômica bem definida como a fazenda do café172: Ela [a fazenda de café] não é uma instituição meramente econômica, mas, além disso é, sobretudo, um traço cultural da vida social [..]. O café não representa apenas uma riqueza, significa antes de tudo, um sentido de vida. Podemos mesmo falar da civilização do café, pois ele criou hábitos, fixou aspecto, determinou destinos, moldou consciências, interferindo, em última análise, de forma decisiva, na estruturação da sociedade [...] contemporânea173. A partir de meados dos Oitocentos, o panorama político-econômico do Brasil já se afigurava bem mais favorável e propício a empreendimentos grandiosos como o ambicionado pela Lei Feijó. A situação política encontrava-se mais estável em virtude do restabelecimento da ordem pública interna, acrescida da Lei Eusébio de Queirós, determinando a extinção do tráfico de escravos. Dessa forma, os capitais empregados no comércio ficaram disponíveis, também, para serem direcionados para outras áreas como a formação de Sociedades Anônimas, empresas financeiras e bancárias, etc. O início da segunda fase da História ferroviária do Brasil foi marcado pela Lei nº 641, de 26 de junho de 1852, sancionada em moldes mais práticos e objetivos que a lei anterior. Abriu-se uma nova era de prosperidade para o país na segunda metade do século, refletindo-se nos mais variados setores da vida nacional, alavancando a economia e o desenvolvimento do país. Apresentada com maior praticidade do que as leis anteriores, abrangendo concessões de “favores” mais reais, como o privilégio de zona e a “garantia de juros”, encerram-se a fase de tentativas e das experiências iniciais, e efetivamente começa a construção de linhas férreas no país. Diferentemente da “Lei Feijó”, não mais se refere a toda a rede, aplicando-se à ligação da Corte com as capitais das províncias de Minas Gerais e São Paulo. O caminho seguido não representava o fim das concessões para outras regiões e outras linhas: não se tratava de um ato impeditivo, simplesmente transferia para o Legislativo a aprovação sobre a conveniência da estrada projetada, bem como da disponibilidade orçamentária para a sua construção. 172 MATOS, Odilon Nogueira de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Pulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. 4. ed. ─ Campinas: Pontes Editores, 1990, p. 56. 173 BAPTISTA FILHO, Olavo. A fazenda de café em São Paulo. Rio de Janeiro: Serviço de informação do Ministério da Agricultura, 1952, p. 5. 96 A nova lei impedia a utilização da mão-de-obra escrava na construção das estradas. Em compensação, aos trabalhadores nacionais ofertavam benesses como a isenção do recrutamento militar, bem como a dispensa do serviço ativo da Guarda Nacional. Tais medidas demonstram claramente como o governo imperial empenhava-se politicamente para que a ferrovia vingasse. A primeira concessão data do mesmo ano de assinatura da lei, 1852, entregue a Irineu Evangelista de Souza, ligando o Rio de Janeiro ao Vale do Paraíba Fluminense, e posteriormente, a Minas Gerais, através de um trajeto alternado: por mar, do Rio até o porto de Mauá na baía da Guanabara; por estrada de ferro, de Mauá até a raiz da Serra da Estrela; por estrada de rodagem, daí até Petrópolis e novamente por estrada de ferro de Petrópolis em diante. Não se pensava em vencer a íngreme subida com as máquinas a vapor, pois as técnicas, existentes ou conhecidas na época ainda não o permitiam, sendo somente conhecidas essas técnicas no ano de 1853. O primeiro trecho ferroviário do país só veio a ser inaugurado em 30 de abril de 1854. Compreendia um pouco mais de quatorze quilômetros, com o percurso de Mauá até a estação de Fragoso, alcançando a raiz da Serra dois anos depois. Enquanto se estudava um meio de vencer a serra, a ferrovia encontrava na estrada até Petrópolis e, daí em diante a União e Indústria174, para o transporte das mercadorias do 174 História das Rodovias. A Estrada União e Indústria: Em 1854, o Comendador Mariano Procópio Ferreira Lage recebeu a concessão, por 50 anos, para a construção de custeio de uma estrada que, partindo de Petrópolis, se dirigisse à margem do Paraíba. Nascia assim, a estrada União e Indústria, cujo nome é o mesmo da empresa que havia sido criada e cuja receita provinha da cobrança de pedágio por mercadoria, mais precisamente por burro carregado. Os trabalhos tiveram início em 12 de abril de 1856 e a placa, que registrava a presença do Imperador D. Pedro II e Família Imperial, ainda pode ser vista no início da atual Av. Barão do Rio Branco. O primeiro trecho pronto ligava Vila Teresa a Pedro do Rio, numa extensão de 30,865 metros era inaugurado em 18 de abril de 1858. Dois anos depois, de Pedro do Rio a Posse, numa extensão de 13 km. Finalmente, em 23 de junho de 1861, D. Pedro II, sua família e vários representantes ilustres da Corte e da Cia. União e Indústria, inauguravam a primeira rodovia brasileira macadamizada, unindo Petrópolis a Juiz de Fora, percorrendo seus 144 km, à fantástica velocidade de 20 km/h nas diligências da época. A importância da estrada gerou o primeiro guia de viagens do Brasil, escrito pelo fotógrafo do Imperador, o francês Revert Henrique Klumb, intitulado: "Doze Horas em Diligência - Guia do Viajante de Petrópolis a Juiz de Fora", editado em 1872, descrevendo com palavras e fotografias a fantástica viagem. A estrada original foi sendo alterada e absorvida em alguns trechos pela atual BR 040, obrigando o motorista a alternar trechos da antiga estrada com a nova, para percorrer a União e Indústria. Da antiga estrada ainda restam várias pontes e construções, com destaque para a Ponte de Santana, em Alberto Torres, recentemente restaurada. A Ponte das Garças, em Três Rios, e a antiga estação de Paraibuna, em Comendador Levy Gasparian (Mont' Serrat), construída em 1856 para a muda de animais das diligências, que atualmente abriga o Museu Rodoviário, onde é possível entender melhor a história da União e Indústria e o rodoviarismo brasileiro. Atravessando a Ponte de Paraibuna, que une o Rio de Janeiro a Minas Gerais, é possível apreciar o imponente Paredão de Paraibuna, obra da natureza que testemunhou a epopéia da construção da primeira rodovia brasileira. Disponível em: http://www.estradas.com.br/histrod_uniaoindustria.htm, acesso em 27 de junho de 2009. 97 interior. Mas a construção dessa estrada demorou em demasia e a ferrovia ficou limitada a servir apenas o trecho do Rio de Janeiro a Petrópolis, o que, economicamente, não oferecia interesse em relação aos lucros como também, não atendia ao escoamento da produção cafeeira. Só a partir de 1863 viu-se prolongada, pois a transposição da serra antes de meados do Oitocentos era empreitada quase impossível. Mais ainda: além de difícil, não se recomendava para uma linha que deveria servir à zona cafeeira, uma vez que as maiores fazendas de café encontravam-se a oeste de seu eixo, localizadas no Médio Vale do Paraíba ─ da cidade de Resende à cidade de Três Rios. No decorrer da discussão sobre a subida da Serra para Petrópolis, a construção da linha que deveria atender ao escoamento das safras produzidas no Médio Vale do Paraíba, duas famílias, de acordo com o relato de historiadores como Taunay, Stanley Stein, Odilon de Mattos, e memorialistas como Ignácio Raposo, travavam um embate pela concessão e aprovação de seus projetos: Enquanto se construía a 1ª Seção da Estrada, duas importantes famílias com ideais opostos, lutavam denodadamente por trás dos bastidores, a fim de conseguir que este grande melhoramento lhes fosse o mais útil possível. Eram essas famílias a Faro e a Teixeira Leite175 [residentes no Médio Vale do Paraíba]. Diante desse contexto surge a idéia e o projeto para outra ferrovia, encabeçada pelo chamado Movimento de Vassouras, tendo os Teixeira Leite à frente e que se realizou na Estrada de Ferro D. Pedro II. Acresce-se que, por razões de comercialização com as casas intermediárias, havia mais interesse em fazer partir a estrada de ferro da própria cidade do Rio de Janeiro e não de um dos portos do interior da baía da Guanabara, como ocorreu com a estrada de Mauá. Dessa forma, de acordo com Taunay, a origem da Estrada de Ferro Dom Pedro II está ligada aos nomes dos Ottonis e dos Teixeira Leite, que, junto com Mauá, podem ser considerados os pioneiros da História ferroviária do Brasil, conforme citado por Stein, Odilon de Mattos, Antônio Raposo, Leoni Iório e outros. Foram, aliás, os Texeira Leite que reclamaram da Lei 641 de 1852, autorizando a garantia de juros de 5% para uma estrada de ferro partindo do Rio de Janeiro e bifurcando-se, além da serra, para Minas Gerais e São Paulo, 175 RAPOSO, Ignácio. História de Vassouras. Niterói, SEEC, 1978, p. 129. 98 Era uma família rica, influente e considerada [os Teixeira Leite] e seus créditos concorreram para facilitar a associação de capitais. Não pareciam animados do simples desejo de ganhar dinheiro, mas possuídos de ambição da glória de prestar ao país um bom serviço. Contando com a concessão, fizeram despesas, relacionaram-se com capitalistas, fizeram vir dois engenheiros que, à custa deles, futuros concessionários, instituíram um reconhecimento da Corte até à margem do Paraíba176. Sobre a participação dos Teixeira Leite à frente do chamado “Movimento de Vassouras”, Taunay, cita a escrita de Cristiano Ottoni: “Não se pode pensar na origem da Estrada de Ferro D. Pedro II, sem que, ao espírito, acuda, como idéia, a cidade de Vassouras [...] Foram os homens ilustrados de Vassouras [...] os protagonistas que se puseram em luta contra a incredulidade dos nossos maiores estadistas177”. A essa descrença não fugiam algumas das mais proeminentes figuras da política imperial. É conhecida a frase de Bernardo Pereira de Vasconcelos: “É a estrada de ouro, não de ferro: carregará no primeiro dia do mês toda a produção e ficará trinta dias ociosa 178”, ou então, a do Marquês do Paraná, respondendo aos vassourenses: “Caísse do céu prontinha a estrada que todos desejam e a renda não seria bastante para o custeio179”. Também na cidade de Vassouras, gerava desconfiança e incredibilidade esse empreendimento. Segundo o barão de Paty do Alferes, citado por Stein: Não obstante, muitos fazendeiros do Vale do Paraíba permaneciam indecisos, temendo a drenagem financeira com a construção da ferrovia. [...]. Muitos fazendeiros de Vassouras duvidaram que algum dia o difícil projeto fosse realizado. “Em 10 anos a ferrovia já deverá ter ultrapassado a serra do Mar em busca de pontos onde possa receber nossos produtos”, redigiu o Barão do Paty ao seu comissário. “Ainda tenho dúvidas disso. Nossas esperanças muitas vezes não se realizam, e os homens não mudam180”. Entretanto, os Teixeira Leite ─ Joaquim José, João Evangelista e Francisco José e um parente afim, Caetano Furquim de Almeida ─, com extensos investimentos financeiros junto a fazendeiros locais e casas intermediárias do Rio, deram sobrevida ao projeto. Mantinham 176 TAUNAY, Afonso de E. História do café no Brasil. v. 4, p. 400. Idem, p. 401. 178 FARIA, Alberto de. Mauá. Rio de Janeiro, 1925, p. 454. 179 Idem, 180 Barão do Paty para Bernardo Ribeiro de Carvalho, 1854[(?]. Em documentos referentes a família Werneck, Arquivo Nacional. Apud STEIN, Stanley Julian. Vassouras: um município brasileiro do café, 1850-1900. ─ Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p. 133-142. 177 99 esperanças de que a sua iniciativa trouxesse a concessão para a construção da ferrovia181. Certamente Joaquim José Teixeira Leite compreendeu as prerrogativas comerciais: a ferrovia passando pelo centro do município exigiria uma estação central que serviria como ponto de baldeação de carga e passageiros vindos da cidade do Rio de Janeiro e das províncias vizinhas de são Paulo e Minas, que poderia ser explorada pela família. A Estrada de Ferro Dom Pedro II, que atravessa o Vale do Paraíba Sul Fluminense foi construída depois de 1855, mas os Teixeira Leite não conseguiram sua concessão, e os engenheiros americanos decidiram transpor as montanhas costeiras para alcançar as terras planas ao longo do rio Paraíba em Barra do Piraí, desviando-se do centro do município de Vassouras. De Barra do Piraí, em direção ao Leste passando pelo município de Vassouras, os trilhos seguiam as margens do Paraíba com paradas em Ypiranga, Vassouras, Commercio e Ubá ─ uma série de estações que contornavam o perímetro norte de Vassouras, deixando para trás o centro comercial e agrícola182. Essa decisão veio em conseqüência da disputa entre os Teixeira Leite pela vitória do plano do Morro Azul e os Faro, pela do plano do Ribeirão dos Macacos, cada um com suas argumentações. Os Teixeira Leite acusavam os Faro de só quererem a realização deste último plano porque valorizaria as suas propriedades, quase todas localizadas à margem do Paraíba. Idênticas acusações faziam os Faro aos Teixeira Leite. Mas estes se defendiam alegando que os primeiros estudos da estrada tinham sido feitos por sua conta, e estavam eles, portanto no direito de serem beneficiados pela via férrea. Tratava-se de famílias riquíssimas e poderosas, contando os Teixeira Leite com as famílias Correia e Castro, Avelar, Werneck, Furquim de Almeida e muitas outras, e os Faro com todos os fazendeiros situados à margem do Paraíba, com o formidável prestígio do principal Barão do Rio Bonito e a proteção de inúmeros políticos do império. Como dito, privilegiou-se o trajeto que beneficiava Barra do Piraí e que fora proposta pela família Faro183. Essa relação de poder e de forças, segundo a historiografia disponível, dá indícios de que o interesse se dava, somente, em função das famílias Teixeira Leite, representando Vassouras, e a família Faro representando “Barra do Piraí” [sic]. Nesse sentido, cabe alguma ressalva, “não percebida” ou “sem relevância” para os estudiosos e escritores sobre a Estrada 181 Os membros da família contrataram engenheiros ingleses para fazer o levantamento topográfico de um possível trajeto. Ottoni, Esboço histórico, p. 6 e José Matoso Maia Forte, “A Fazenda do Secretário”, p. 11-12. 182 STEIN, Stanley Julian. Idem. 183 RAPOSO, Ignácio. Op. cit., p. 129-130 100 de Ferro D. Pedro II e a oligarquia cafeeira do Vale do Paraíba Sul Fluminense: em primeiro lugar, Barra do Pirai só seria elevada à condição de município em 10 de março de 1890; em segundo lugar, a família Faro pertencia a Vila de Valença, que se emancipou em 29 de setembro de 1857; e em terceiro lugar, descrevem e especificam os nomes das relações mantidas pelos Teixeira Leite, mas omitem os nomes “dos fazendeiros situados à margem do Paraíba”, cita-se o barão do Rio Bonito, que era um Faro e deixam de mencionar os nomes dos “inúmeros figurões do Império”. Cabe ressaltar que, concomitantemente à disputa política pela trajetória da Estrada de Ferro do Médio Vale do Paraíba, outros fatores influíram pela opção do trajeto proposto pela família Faro, com apoio dos fazendeiros do lado direito do Rio Paraíba. Primeiramente, devo dizer que no decorrer deste período, 1850-1860, na disputa do trajeto dessa Estrada de Ferro, o barão do Rio Bonito [um Faro] já havia ocupado o cargo de presidente da Província, por quatro vezes. Nesse mesmo período o chamado Movimento Vassourense, encabeçado pelos Teixeira Leite, no ano de 1854, havia frustrado os planos de Nabuco de Araújo de fazer a reforma judiciária, em nome de uma suposta liberdade de imprensa em uma cidade que só iria conhecer a imprensa trinta anos depois184. Além disso, não se pode esquecer que os fazendeiros do lado direito do Rio Paraíba pertenciam à elite tanto rural como da Corte, como demonstro mais adiante. De fato, a família Faro contava com o apoio “dos fazendeiros situados à margem do Paraíba”, sendo um deles Francisco Paulo de Almeida com quem formará sociedade na Cia. Estrada de Ferro Santa Izabel do Rio Preto: 184 Para aprofundamento no assunto ver: NABUCO, Joaquim. Um Estadista do Império: Nabuco de Araújo. 4ª ed. [1 vol.], Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar S.A., 1975; PINTO, Jorge. Fastos vassourenses. [Esboço] ─ Bedesch ─ imprimiu, 1910; 101 Previous (p. 88) | Next (p. 90) | 300-dpi TIFF image | AGRICULTURA 1872, p. 89185 A Estrada de Ferro Santa Izabel do Rio Preto cortava todo o sudoeste e noroeste do município de Valença, constituindo o ramal de Barra do Piraí. Essa estrada, dentro do município de Valença, percorre os distritos de Ipiabas, Conservatória e Santa Izabel do Rio Preto, numa trajetória total de 85 quilômetros e 500 metros, até a ponte do Zacarias, sobre o Rio Preto, nas divisas com o Estado de Minas Gerais, de onde prossegue dirigindo-se a Santa Rita do Jacutinga, município mineiro, ligando o ramal de Valença com os ramais da “Oeste de Minas”, em Bom Jardim. A construção da Estrada de Ferro Santa Izabel do Rio Preto foi realizada por iniciativa e capitais privados, através de um consórcio fundando a Cia. Estrada de Ferro Santa Izabel do Rio Preto S/A, tendo Francisco Paulo de Almeida186 como um dos acionistas, assim como João Pereira Darrigue Faro ─ 2º barão do Rio Bonito. A Lei nº 2155, de 15 de dezembro de 1875, concedeu privilégio de 90 anos para a construção de uma linha ligando Barra do Piraí a Santa Izabel do Rio Preto. Para tal, foi organizada a “Companhia Estrada de Ferro Santa Isabel do Rio Preto”, sendo seus estatutos aprovados pelo Decreto nº 7549, de 22 de novembro de 1879187. Essa estrada foi inaugurada a 21 de novembro de 1883, com a presença do Imperador. Nas palavras de Iório: A primeira localidade a atingir essa estrada no município de Valença é a Parada de Prosperidade, distante de Barra do Piraí 17 kms. Depois de percorrer oito quilômetros surge a estação de Pandiá Calógeras, antiga “Ipiabas”. Avançando o 185 Estrada de Ferro Santa Isabel do Rio Preto. Disponível: http://wwwcrljukebox.uchicago.edu/bsd/bsd/u1959/000093.html, Previous (p. 87) | Next (p. 89) | 300-dpi TIFF image | AGRICULTURA 1872, p. 88. Acesso em 21 de outubro de 2008. 186 Inventário da Baronesa de Guaraciaba. 1889. Ministério de Justiça, cx 1435, RG: 13568. 187 RODRIGUEZ, Helio Suêvo. A Formação das Estradas de Ferro No Rio de Janeiro: O resgate da sua Memória. Rio de Janeiro: Copyright © by Hélio Suêvo Rodriguez, p. 125. 102 trem mais 10 kms., encontra-se a estação de Paulo de Almeida nome dado em homenagem ao Barão de Guaraciaba [Francisco Paulo de Almeida]. Em seguida, a parada Desvio Gomes, nome conferido àquela localidade em homenagem ao fazendeiro Adolfo de Carvalho Gomes. Depois de um percurso de cerca de 8 kms, surge a estação de Conservatória, denominação que recorda a histórica “Conservatória dos índios”. Essa estação é a mais antiga da região e foi inaugurada em 1883. Depois de um percurso de 10 kms, vem a estação de Pedro Carlos, nome que relembra o antigo e ilustre engenheiro da E. F. Santa Izabel do Rio Preto. Mais adiante surgem as paradas Leite de Souza e Andrade, para depois prosseguir o trem cerca de 6 kms com destino à estação de Santa Izabel do Rio Preto. Prosseguindo, o trem alcança o estribo Jacuba, para finalmente atravessar a ponte do Zacarias, sobre o rio Preto, na divisa com o Estado de Minas Gerais. No trecho da Rede Mineira [antiga Estrada de Ferro Santa Izabel do Rio Preto], compreendido entre Barra do Piraí e Santa Rita, nenhuma obra de arte se constata merecedora de especial menção. Há, porém, dois túneis, ─ um, nas proximidades de Pandiá Calógeras e outro, na entrada da vila de Conservatória. A um quilômetro de Pedro Carlos encontra-se uma ponte em arco, solidamente construída e com cerca de 100 metros de comprimento da aba de uma montanha à outra. Da estação de Paulo de Almeida em diante, devido à extranha natureza do terreno, o trem serpenteia por escarpas imensas, parecendo atirar-se a intermináveis abismos, quando em dado momento nos surpreende o infinito cenário de longínquas serranias que, ao longe, em território mineiro, se descortinam, deslumbrando188 Francisco Paulo de Almeida cedeu terras da Fazenda Veneza para colocação dos trilhos que seguem em direção à Santa Isabel do Rio Preto. Posteriormente, será feita uma homenagem póstuma ao dar seu nome Paulo de Almeida à estação inaugurada em terras da fazenda. Esse ato, simbólico, indica certo reconhecimento e valorização da figura do protagonista, inclusive na República, uma vez que a estação foi construída e inaugurada após o seu falecimento. Francisco Paulo de Almeida tem seu interesse voltado para a construção da estrada de ferro pelo mesmo motivo que outros fazendeiros do Médio Vale do Paraíba, ou seja, o escoamento da produção de café. Entretanto seu interesse não seguirá somente esta empreitada: nesse sentido vai associar-se com Manoel Antonio Esteves tanto na firma exportadora Esteves & Filhos, como também na Companhia Estrada de Ferro União Valenciana. 188 IÓRIO, Leoni. Valença de ontem e de hoje: subsídios para a História do Município de Marquês de Valença, 1789-1952. Valença-RJ: [s, n], 1953, p. 233-234. 103 Segundo Raimundo César de Oliveira Mattos, Manoel Antonio Esteves, ao morrer em 1879, aos 66 anos de idade, deixou onze filhos, sendo oito ainda menores de idade. De acordo com seu testamento, elaborado em 10 de maio de 1879, Esteves deixava a quantia de 4 contos de réis à Santa Casa de Misericórdia de Valença, da qual foi provedor, em um gesto típico dos afortunados do século XIX. Todo o restante de sua herança deixou como capital de giro para a sociedade Manoel Antônio Esteves & Filhos, ficando seus sócios obrigados a dividirem semestralmente os lucros, em partes iguais, a todos os seus onze filhos, enquanto estes vivessem, e depois aos filhos deles. Declarou, entre seus haveres, terras, plantações, estabelecimentos rurais, escravos, títulos de dívidas, ações de companhias, propriedades em Valença, a estação de Esteves na Estrada de Ferro União Valenciana e a dita sociedade comercial189. Na vila de Valença, a primeira sugestão sobre a construção de uma estrada de ferro, surge: “Na sessão de 16 de fevereiro [1841], quando leu-se um parecer sobre o projeto do engenheiro Cezar Candolino sobre a construção de uma estrada de ferro que partindo da Capital do Império, se dirigisse a S. João d’El Rei, passando por Valença 190”. Entretanto, como dito anteriormente, a tecnologia para que os trilhos subissem a serra só se tornaria acessível na segunda metade do século XIX. Além disso, ainda não havia surgido um consenso aglutinador dos fazendeiros valencianos. Dessa forma o projeto foi rejeitado. A retomada da idéia de um ramal ferroviário em Valença-RJ surge em 1862, sendo que a 8 de janeiro de 1863, em sessão da Câmara é feito o primeiro manifesto por João Batista de Araújo Leite em favor da construção de uma ferrovia ligando Valença a Desengano, mais tarde Juparanã, ramal da Estrada de Ferro D. Pedro II que fazia a ligação com a capital. Foi criada uma comissão composta pelos fazendeiros do lado direito do Rio Paraíba sendo: Presidente da Câmara Domingos Custódio Guimarães, Barão do Rio Preto e mais tarde Visconde, Peregrino José da América, futuro Visconde de Ipiabas, [...], a fim de interceder perante o Governo Imperial para que fosse construída esta ramificação191. 189 MATTOS, Raimundo César de Oliveira. Manoel Antônio Esteves ─ o cotidiano de um comerciante/cafeicultor do Vale do Paraíba fluminense através da Epistolografia. História e-História. Publicação organizada com apoio do NEE ─ Núcleo de Estudos Estratégicos / Arqueologia. São Paulo: UNICAMP. ISSN 1807-1783, atualizado em 26 de junho de 2009. Disponível em: http://www.historiaehistoria.com.br/indice.cfm?tb=artigos, acesso em 26 de junho de 2009. 190 IÓRIO, Leoni. Op. cit., p. 80. 191 Idem, p. 218-219. 104 Em 1866, o governo concede o privilégio, pelo espaço de 90 anos à Companhia União Valenciana que se obrigava a construir essa estrada de ferro, ficando encarregado da construção o engenheiro Herculano Ferreira Pena, e tendo como principais patrocinadores Manoel Antônio Esteves, Domingos Custódio Guimarães, o Barão do Rio Preto, e Francisco Paulo de Almeida192. Esta seria a primeira ferrovia construída no Brasil em bitola estreita. Através do decreto número 3.945, de 11 de setembro de 1868, foi dada a autorização para o início da obra de construção da Estrada de Ferro União Valenciana. Em 19 de outubro deste mesmo ano foram designadas as bases tarifárias desse ramal e, em 04 de fevereiro de 1869, teve início sua construção. A Companhia, com sede em Valença teve como seu primeiro presidente Manoel Antônio Esteves. Com a presença do Imperador D. Pedro II, a Estrada de Ferro União Valenciana foi aberta ao tráfego em 18 de maio de 1871, ligando Valença a Desengano [Juparanã] e daí, através do ramal da Estrada de Ferro D. Pedro II ao Rio de Janeiro. Essa vitória deveu-se aos esforços da Câmara Municipal de Valença e a Manoel Antônio Esteves, que viria a ser condecorado com a Comenda da Ordem da Rosa193. Além dessas associações, o protagonista vai participar da sociedade para a construção da Estrada de Ferro ligando Rio das Flores a Valença, juntamente com Domingos Custódio Guimarães, o Barão do Rio Preto; já na Estrada de Ferro União Indústria, que ligava a cidade de Petrópolis a Entre-Rios [atual município de Três-Rios]. Os trilhos vão passar pela Fazenda de Três-Barras e Santa-Fé, sendo que a primeira só irá pertencer a Francisco Paulo de Almeida a partir de 1883. Como pode ser percebido, Francisco Paulo de Almeida mantinha uma rede de sociabilidades bem complexa no que se refere ao social, econômico e político, abrangendo, nesse contexto o perímetro compreendido entre Valença-RJ e Mar de Espanha-MG. Outro fato que não pode passar despercebido é que a História do Vale do Paraíba Sul Fluminense carece de uma reformulação. É necessário que ocorra esta revisão ─ da macrohistória para a microhistória ─ para que outras histórias, olhares, sujeitos e acontecimentos apareçam para análise e estudo. 192 Conforme ações da empresa listadas no Inventário da Baronesa de Guaraciaba. 1889. Ministério de Justiça, cx 1435, RG: 13568. 193 IÓRIO, Leoni. Op. cit., p. 218-219. 105 Os personagens, citados até esta fase, constituintes das redes de sociabilidade e relações de poder de Francisco Paulo de Almeida, direta ou indiretamente, contribuirão para seu ingresso no mundo das Irmandades, principalmente através de sua relação de compadrio com José Ildefonso de Sousa Ramos [Barão de Três Barras e 2º Visconde com grandeza de Jaguari] e sua rede de sociabilidade com o Barão do Rio Bonito e o Barão do Rio Preto, entre outros. 3.4. Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença ─ RJ. A importância social e política de se pertencer a uma Irmandade, bem como o ingresso na Ordem da Misericórdia, propiciaram a Francisco Paulo de Almeida aumento de suas relações sociais e políticas através dos contatos e convívios inerentes ao cargo de provedor que ocupou nessa instituição. Através desse cargo, ele passa a desfrutar, com certa frequência, do contato com D. Pedro II, a Princesa Isabel e o Conde D’Eu, nas solenidades de inauguração e atos filantrópicos proporcionados por essa Instituição. Além disso, teve as portas abertas e facilitadas na elite da cidade e com os nobres da Corte que pertenciam às Irmandades ou as prestigiavam. Este prestígio adquirido pelo ingresso na Irmandade agregado à sua ocupação no cargo de seu Provedor e o incentivo proporcionado por D. Pedro II aos seus membros e benfeitores, conforme descrito adiante forma um dos meios facilitadores para seu ingresso na nobreza brasileira. “O ingresso na Irmandade da Misericórdia significava o reconhecimento social das posses e a possibilidade de ampliá-las, já que os créditos bancários e comerciais abriam-se 106 para o associado194”. O cargo de Provedor geralmente era ocupado por políticos influentes, nobres titulares ou ricos comerciantes. A Santa Casa de Misericórdia foi criada visando acolher e alimentar os presos, os pobres, curar os doentes, asilar os órfãos, sustentar as viúvas, enfim, para ser a casa a serviço dos mais carentes, sem assistência e abandonados. Ao longo do século XIX e nas primeiras décadas do seguinte, as assistências hospitalares continuaram a ser realizadas em grande parte pelas Santas Casas, fundadas e mantidas pelas Irmandades da Misericórdia. Sem contar com o auxílio governamental, essas Instituições viviam da caridade pública, muito incentivada na época do reinado de Dom Pedro II [1840–1889], através dos títulos nobiliárquicos e as comendas que o Imperador concedia aos homens e mulheres que faziam generosos donativos às Irmandades. O governo Imperial e Provincial, embora não subvencionassem as Misericórdias, concediam-lhes vantagens e benefícios como a isenção de impostos, taxas, selos e o privilégio da organização de loterias, cuja renda proveniente da venda de bilhetes era aplicada no custeio das Santas Casas. A Irmandade da Misericórdia entre os séculos XVIII e XIX foi também mantenedora dos lazaretos instalados no país, que eram hospitais de quarentena, nos quais se recolhiam os leprosos. A assistência médica era prestada por facultativos contratados pela Câmara Municipal ou pelo Governo da Província. Esses lazaretos foram extintos somente no século XX, quando os governos dos estados criaram os hospitais-colônias, onde os doentes de hanseníase passaram a ser obrigatoriamente confinados195. A despesa proveniente do cuidado de grande parte dos enfermos era de responsabilidade da instituição, fornecendo-lhes toda a assistência médica e espiritual, além do sustento durante a internação. Entretanto, alguns doentes arcavam com os custos de sua estadia e dos remédios e cuidados necessários à cura, pagando ao hospital da Irmandade uma diária. 194 COIMBRA, Luiz Octávio. Filantropia e racionalidade empresarial (a Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro de 1850 a 1920). Revista do Rio de Janeiro. Niterói, 1, n° 3, p. 41-51, mai/ago. 1986. [BCOC]. 195 COSTA, Elisa Maria Amorim de. A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença (1838-1889). Vassouras-RJ: Dissertação de mestrado na Universidade Severino Sombra, 1997, p. 50-90. Ver também: ZARUR, Dahas Chade. Uma velha e nova História da Santa Casa. 3. ed. Rio de Janeiro: Copyright by Dahas Zarur, 1985 [1991]. 107 No caso de internação de escravos, cobrava-se uma diária ao seu respectivo senhor, mais os custos com os medicamentos fabricados na botica do hospital e, se fosse preciso, as despesas com o funeral do paciente. De fato, o socorro prestado pelo hospital aos escravos quase nunca era pago pelos seus donos que, em última instância, acabavam doando o cativo à Irmandade196. Os recursos da Santa Casa para manter o Hospital provinham em parte destes pagamentos, além de certos privilégios concedidos pela realeza, como o monopólio do aluguel de esquifes e, principalmente, dos legados e doações feitas por particulares, que deixavam imóveis e dinheiro para a Irmandade em troca da celebração de missas pela sua alma, ou mesmo doações de pessoas que, tendo usufruído do atendimento do hospital e sem condições de arcar com a despesa do tratamento, deixavam os poucos bens que possuíam para tentar ressarcir a instituição de alguma forma. Contudo, essas doações e legados eram considerados insuficientes para manter equilibradas as contas da Santa Casa, o que dificultava a administração do hospital e das outras instituições mantidas pela confraria [asilo, abrigo de meninas, etc.]. A distribuição de esmolas a pessoas pobres ou que, em algum momento, se encontrassem em dificuldades econômicas, foi uma das formas mais diretas de auxílio prestado pela Santa Casa. Os necessitados que desejassem obter a ajuda da Irmandade deviam encaminhar uma petição à Mesa, que passava a averiguar a respeito do solicitante junto aos padres de suas paróquias, a fim de confirmar o estado de desamparo em que se achavam e a honestidade em que viviam condições essenciais para que pudessem receber as esmolas oferecidas pela instituição, que poderiam ser em dinheiro, roupa ou até mesmo abrigo. Ressaltei, até o momento, a importância social e política de se pertencer a uma Irmandade, mais notoriamente no século XIX. Assim, com seu ingresso na Irmandade, Francisco Paulo de Almeida, além de ter destacada sua participação social, aumenta sua teia de relações possíveis através dos contatos e convívios políticos, inerentes ao cargo de destaque que ocupava na Irmandade. Fora isso, tem as portas abertas e facilitadas na elite da cidade e com os nobres da Corte que pertenciam às Irmandades, ou as prestigiavam. A constatação desses prestígios pode ser ratificada, conforme Zarur, através do Compromisso da Misericórdia estabelecendo que os Provedores fossem: 196 COSTA, Elisa Maria Amorim de. Op. cit., p. 50-90. Ver também: ZARUR, Dahas Chade. Op. cit. 108 [...] homens de autoridade, prudência, virtude, reputação e idade, de maneira que os outros irmãos possam reconhecer como cabeça e lhes obedeçam com mais facilidade; e ainda que por todas as sobreditas partes o mereça, não poderá ser eleito de menos idade de quarenta anos197. Pertencer, no século XIX, a uma Irmandade, e mais ainda à sua direção, proporcionava ao investidor do cargo grande expressão política, social e econômica, dentro da sociedade, de acordo com Elisa Maria Amorim de Costa: A Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença assumia na comunidade local um destacado papel, não só por suas funções assistenciais, mas pelo entrosamento de sua administração com a dos negócios públicos. As sucessivas administrações da Irmandade da Santa Casa de Valença deram provas de criatividade e adaptação na busca de meios para a sobrevivência da Instituição e na maneira de superar conflitos políticos, sociais e religiosos198. “Os irmãos eram obrigados a aceitar qualquer cargo na Irmandade, sem remuneração, salvo legítimo impedimento. O cargo de Provedor obrigatoriamente cabia a um fidalgo. Era um meio de se utilizar o prestígio da nobreza, em favor da Instituição 199”. Isso indica que, mesmo antes de obter o título de nobreza [1887], Francisco Paulo de Almeida, já desfrutava de certo prestigio no grupo social mais abastado e influente. No período compreendido entre 1879 e 1883, José Ildefonso de Sousa Ramos, visconde de Jaguari consta como Provedor da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro. Quase simultaneamente, seu compadre, Francisco Paulo de Almeida inicia-se na Irmandade, sendo eleito para o biênio 1882-1884. José Ildefonso de Sousa Ramos, conforme a Ata de Fundação da Irmandade da Santa Casa de Valença, datada de 02 de julho de 1838, consta como seu fundador, além de ter sido Presidente da Câmara Municipal de 1841 a 1844 e exercer o cargo de Provedor da Irmandade de Valença de 1845 a 1848. Além disso, Francisco Paulo de Almeida entra para ocupar o cargo deixado por um de seus sócios, o comendador Domingos Teodoro de Azevedo Junior [1880-1882]. Durante a sua administração, Francisco Paulo de Almeida ativou a criação do Asilo de meninas desvalidas. Recebeu, em 07 de setembro de 1882, O Conde d’Eu e a Princesa Isabel que visitaram a Santa Casa. Esse é um dos momentos e/ou o indício do seu contato com os 197 ZARUR, Dahas Chade. Op. cit., p. 34. COSTA, Elisa Maria Amorim de. Op. cit., p. 18-19. 199 Idem, p. 30. 198 109 membros da família imperial. Cabe, ainda, ressaltar que o protagonista cobriu, em todas as ocasiões, as despesas com as visitas, além de cobrir, em diversos períodos, o déficit existente na contabilidade da Irmandade200. A relevância social e política de ser membro da Irmandade podem ser ratificadas pela conclusão de Costa: “... até os dados biográficos de cada Provedor ou Irmão citado, que os mesmos já eram possuidores de crédito e prestígio, não só social como político. Muitos eram ricos fazendeiros, nobres, comerciantes e vários chegaram a exercer cargos públicos ou políticos no município, na Província e mesmo em outras Províncias201”. Esse prestígio adquirido pelo ingresso na Irmandade, agregado a sua ocupação no cargo de seu Provedor, sua aproximação junto à Princesa Isabel e ao Conde D’Eu, acrescido aos incentivos proporcionados por D. Pedro II aos seus membros e benfeitores, conforme descritos anteriormente formam os indicadores que facilitaram sua participação na nobreza brasileira. 3.5. O título nobiliárquico. Em sua terceira regência, iniciada em 5 de janeiro de 1887. As relações entre a Princesa Isabel e o Ministério de Cotegipe eram tensas, embora aparentassem ser cordiais. No decorrer desse período até a renúncia do gabinete escravocrata do barão de Cotegipe, a Princesa concedeu diversos títulos nobiliárquicos a diversas pessoas próximas a ela, talvez como mecanismo de confronto com o Barão, conforme consta da correspondência 202 [transcrita abaixo] entre Gusmão Lobo e o Barão do Rio Branco. Considerando que Francisco 200 Ata da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença – RJ, biênio 1882-1884. Museu da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença – RJ 201 COSTA, Elisa Maria Amorim de. Op. cit., p. 92. 202 Correspondência entre Gusmão Lobo e o Barão do Rio Branco Cadernos do CHDD / Fundação Alexandre de Gusmão, Centro de História e Documentação Diplomática. ─ Ano3, n.5. ─ Brasília, DF: A Fundação, 2004, p. 162-165. Disponível em: http://chdd.funag.gov.br/cadernos/pdfs/cadernos_do_chdd_05.pdf, acesso em 18/06/2009. 110 Paulo de Almeida, obtém o título nesse período, pressuponho estar correta a indagação de Pinto Filho, sobre sua aproximação com a Princesa Isabel: Data: 30/06/1888 Meu caro Juca É esta a notícia do banquete à qual me referi, há dias. Estou que a coisa terá saído ao seu contento. Mande sempre notícias. Suavizam-me o trabalho e dão interesse ao Jornal. M[ota] Maia não me escreve, há muito. Sei que lhe terá faltado o tempo e a vontade, em razão do desastre, mas devia ele lembrar-se da necessidade, agora mais premente do que nunca, de não consentir que a conjectura ande à rédea solta em objeto tão melindroso. Tenho procurado disfarçar a coisa, a princípio transcrevendo o telegrama do Figaro que V. mandou (e do qual suprimi o que era menos conveniente) e, depois, com duas linhas de pouco valor mandadas pelo Picot, compondo uma carta que creio ter-lhe mandado. Sem este artifício o Jornal teria feito mau papel. Não avaliou bem M[ota] M[aia] o alcance da interrupção. Carapebus tem mandado, dia por dia, notícias para o Diário, não se julgando portanto obrigado a reservas quanto a fatos de notoriedade. A comitiva errou sempre com o seu sistema de mentira ou de verdade incompleta e velada, não pressentindo o médico quanta responsabilidade por tal modo acarretava para si. Eis agora o triste desfecho! Ocultou-se o diabetes quando era grave; ocultaram-se perturbações que devem ter sido numerosas – qual a de Marselha de que ninguém falou – : e de repente sobrevém a catástrofe que, mais ou menos, Peter tinha anunciado. Nunca me enganei de todo, meu caro. Sempre tive por autêntica a conversação de Peter com o Dermeval, o qual não poderia ter a audácia, o despudor nem o talento de inventar aquilo. Tenho esse Peter por indiscreto e ganhador. Ele queria ter missão do governo ou do parlamento para aferir da mentalidade do Imperador; é o que se depreende das suas palavras. Mas a verdade é que se declarou perdido o enfermo e está perdido. Foi acaso? Foi coincidência triste? Agora mesmo consta que Charcot declarou destruído o sistema nervoso do enfermo – e nada sabemos de fonte pura nem saberemos até que nos chegue outro telegrama como o que nos disse: Só Deus pode ainda arranjar tudo. O que fez com que a maluca da princesa ande a repetir que as rezas sempre valeram ao Pai. Ela e o conde, e a camarilha, estiveram com efeito em oração ao Sacramento por 24 horas, revezando-se em quartos de ½ hora, preenchidos sobre joelhos, e confessaram-se e comungaram todos, lembrando cada um a sua mesma eficaz oração, assim a modo de mezinha de curandeiro. Toda a camarilha tem sido baronizada com grandeza, Dória, Ramiz, Salgado, e outro. Tamandaré, conde no seu último aniversário, foi marquês ao cabo de 111 meses. Tosta, barão com grandeza203; dama, a senhora; marqueses, o Muritiba204 e Paranaguá205; viscondessa, a Suruí206; Penha207, Gávea208, uma avalanche de mercês. E nenhum destes nomes houve parte nas coisas da Abolição! O Ministério, para fazer o que quer, recebe ordens da princesa sem discuti-las. O requinte da subserviência! Educam assim uma moça voluntariosa e de nenhum critério para a qual está caminhando velozmente um grande trono que d. Pedro julgou poder consolidar com suma astúcia, firmeza e retidão de espírito, patriotismo e desinteresse. Esta é a opinião geral. Não há estadista que tenha pela princesa nem a simpatia mais leve. Com a abolição criou muitos inimigos e nenhuma dedicação. Quanto a mim, que não valho nada, o bem que tenho dito dela após o 13 de maio – é dupla homenagem ao Pai e à abolição. Em suma, meu caro Barão de grandeza incomparável a estas de aluvião, a monarquia tem os dias contados. Morto o Imperador, o desmoronamento não se demorará. É ainda ele que, mesmo sem nervos, está sustendo este edifício nos enfraquecidos ombros. Eu não valho nada; tenho-me por homem fora de combate. Mas lá vai o meu programa: não pretendo montar guarda à república nem acompanhar a monarquia ao exílio. Forma de governo é coisa de ordem secundária: quem tem uma constituída, deve tratar de mantêla, mas mudada que seja por outros, fique para sempre mudada. Todo seu Fr. Co A concessão de títulos consolidou a importância de Francisco Paulo de Almeida em seu grupo social, suficientemente prestigioso para figurar ao lado daqueles outros [fazendeiros, políticos, principalmente, e mais financistas, banqueiros, comerciantes e, em 203 N.E. ─ Manuel Vieira Tosta Filho [Bahia, 1839 – ?, 1922], segundo barão de Muritiba. Formado em ciências jurídicas e sociais pela Faculdade de São Paulo (1860), desembargador da Relação da Corte, foi o último Procurador da Coroa, Soberania e Fazenda Nacional. 204 N.E. ─ Manoel Vieira Tosta [Vila da Cachoeira, BA, 1807 – Rio de Janeiro, RJ, 1896], barão [1855], conde [1872] e marquês [1888] de Muritiba. Ministro do Supremo Tribunal de Justiça, desembargador da Relação da Corte, deputado e senador [1851], presidiu as províncias de Sergipe [1844], Pernambuco [1848] e Rio Grande do Sul [1855]. Ocupou as pastas de secretário de Estado dos Negócios da Marinha [1851], dos Negócios da Justiça [1859], dos Negócios da Guerra [1868]. Foi membro do Conselho de Estado, do Conselho de S. Majestade e do Conselho Grande do Império. 205 N.E. ─ João Lustosa da Cunha Paranaguá [Piauí, 1821 – Rio de Janeiro, RJ, 1912] segundo visconde [1882] e segundo marquês [1888] de Paranaguá. Delegado de polícia, deputado, presidente das províncias do Maranhão e de Pernambuco, senador; foi ministro e secretário de Estado dos Negócios da Justiça [1859], dos Negócios da Guerra[(1866], interino dos Negócios da Marinha [1879-1880], dos Negócios da Fazenda [1882] e dos Negócios Estrangeiros [1885 e 1868]. 206 N.E. ─ Carlota Guilhermina de Lima e Silva [Rio de Janeiro, RJ, 1817 – 1894], viscondessa de Suruí, dama honorária da imperatriz e irmã do duque de Caxias e do conde de Tocantins. 207 N.E. ─ Maria da Penha de Miranda Montenegro, viscondessa da Penha, filha dos viscondes de Vila Real da Praia Grande, casada com seu primo João de Sousa da Fonseca, o barão e visconde da Penha. 208 N.E. ─ Maria Amália de Mendonça, viscondessa da Gávea, casada com Manuel Antônio da Fonseca Costa, barão e visconde da Gávea. 112 menor escala, médicos, professores e escritores, membros do corpo diplomático, oficiais do exército e marinha], formadores da nobreza brasileira. O total de 1.211 títulos ad personam foram dados, prioritariamente, aos fazendeiros entre os quais, apenas cinco titulares, usaram o cafeeiro em seus brasões. Foram eles os Barões: de Avelar e Almeida, Bemposta, Vargem Alegre, Silveiras e o Visconde de Aguiar Toledo. Outros dezoito titulares usaram o ramo de cafeeiro em seus brasões. Depois dos fazendeiros foram agraciados os ocupantes de cargos públicos, os comerciantes, os negociantes, os intelectuais e, por fim, os capitalistas. O título de barão de Guaraciaba foi concedido a Francisco Paulo de Almeida no dia 16 de setembro de 1887 por merecimento e dignidade209, por decreto em carta régia, assinada por S. A. Imperial, a Princesa Isabel, na ausência do seu Augusto Pai S. S. D. Pedro II, referendado pelo Ministro de Estado dos Negócios do Império, deputado Manuel do Nascimento Machado Portela. As características da nobreza brasileira diferenciavam-se profundamente da nobreza portuguesa, embora fossem, ambas, baseadas nas mesmas disposições legais e costumes. Os títulos nobiliárquicos brasileiros não eram hereditários, valendo somente em vida. Entretanto, mesmo depois do advento da República, quando foram revogados todos os títulos nobiliárquicos, os detentores dos mesmos, continuaram a assinar e ser chamados pelo mesmo. O intuito era evitar a continuação dos privilégios, embora mantivesse uma instituição tradicional. Diferentemente de Portugal, onde os títulos não podiam ser comprados, embora, na maioria das vezes, a dádiva viesse acompanhada de soberbas doações para fins de utilidade pública, ou para conseguir vantagens políticas, saldar obrigações pessoais ou silenciar determinadas solicitações. Quanto a esse procedimento, mantenho certa controvérsia, considerando que a concessão do título nobiliárquico acarretava taxas altíssimas na sua regularização: [...]. O decreto imperial não bastava, porém, para que o novo titulado tivesse o direito de usar o título; o pagamento de taxas para o recebimento da carta de mercê nova, e seu respectivo registro em livro, era necessário para completar a legalização dos tramites. [...]. Nessa data, as cartas de mercês para títulos de tratamento custavam pequenas fortunas: [...]; barão 750$000. [...]. Além disso, gastos adicionais, com papeis e tramitação, ultrapassavam por vezes o preço do próprio selo, como revela a tabela 209 Conforme consta no documento original. 113 anexa ao Armorial brasiliense,de Aleixo Boulanger, com os preços vigentes em 2 de abril de 1860:210. Os custos para se obter a concessão do título eram em contos de réis e tinham, mantendo-se a hierarquia da qualificação da nobreza, os seguintes valores pela tabela de 02 de abril de 1860: • Para Barão, 750$000 [setecentos e cinqüenta mil contos de réis]; • Para Visconde, 1:025$000 [hum milhão e vinte e cinco mil contos de réis]; • Para Conde, 1:575$000 [hum milhão, quinhentos e setenta e cinco mil contos de réis]; • Para Marquês, 2:020$000 [dois milhões e vinte mil contos de réis]; • Para Duque, 2:450$000 [dois milhões, quatrocentos e cinqüenta mil contos de réis]. • Além disso, havia mais os gastos adicionais de: 366$000 [trezentos e sessenta e seis mil contos de réis], para a papelada necessária a concessão e 170$000 [cento e setenta mil contos de réis] para o Brasão211. Para proteger esses titulares, o uso indevido dos seus títulos ou brasões foi enquadrado como crime de estelionato em 1871, dando pena de cadeia para o culpado. A nobreza brasileira, ao contrário do que ocorria em Portugal, não obtinha certos privilégios, tais como: assento automático no Senado, não gozava de isenção de impostos ou de outros privilégios financeiros. A obtenção do título tornava-se vantajosa em função do acesso à determinada rede de sociabilidade, e permitia novas relações de poder, colocadas mais em circunstâncias formais: prestígio social, entrada facilitada à Corte Imperial e certa consideração nos círculos econômicos e políticos. Entretanto, acima da qualificação de nobreza concedida a Francisco Paulo de Almeida, o que mais se caracteriza é sua participação e adaptação às modificações que iam ocorrendo tanto na política como na economia, compartilhando diretamente ou indiretamente das inovações que surgiam naquela época. 3.6. O sistema financeiro e as Sociedades Anônimas. 210 211 SCHWACZ, Lilia Moritz. Op. cit., p. 171-172. Idem. 114 No ano de 1870, Francisco Paulo de Almeida inicia-se como empresário, dedicando-se à importação e exportação. Seu estabelecimento esteve funcionando na antiga Rua Bragança, 31, na Corte, em sociedade com o fazendeiro e Capitão da Guarda Nacional da Legião de Valença, Domingos José da Silva Nogueira, e Domiciano Ferreira Souto, dono da fazenda Cachoeira, todos da freguesia de Valença – RJ. No ano de 1879, com o falecimento de Domiciano Ferreira Souto e sua esposa D. Umbrelina Nogueira, Francisco Paulo de Almeida vai ser nomeado tutor dos orfãos, Joaquim Ferreira Souto e Domiciano Filho, atendendo às vontades de seu sócio, sendo permitida a emancipação de Joaquim no ano de 1883212. Esse procedimento ratifica os indícios de confiança e dos laços de sociabilidade construídos por Francisco Paulo de Almeida. Com a República, associou-se com: José Júlio Pereira de Morais [1º Visconde de Morais], Marcelino de Brito Ferreira de Andrade [Visconde de Monte Mário], Domingos Teodoro de Azevedo e Carlos Justiniano das Chagas na constituição da Companhia Agrícola Industrial Mineira, entre outras, como a Companhia Estrada de Ferro Santa Isabel. Assim, em 1890: 212 Processo de Tutela. Museu da Justiça, Rio de Janeiro, cx. 1803. 115 Julho 30 Sôb a denominação de “Companhia Agrícola Industrial Mineira”, está sendo incorporada pelo Banco Territorial e Mercantil de Minas, uma companhia agrícola com o capital de dez mil contos. São Incorporadores, o Visconde de Monte Mário, barão de Guaraciaba, Visconde de Morais, Domingos Teodoro de Azevedo e Carlos Justiniano das Chagas. Á Cia vai adquirir as seguintes fazendas: Santa Fé, Piracema, Piedade, Passo da Pátria, Aliança, Fundão, Palmital, Bom Jardim, Sobrado, Pedra Asul e Venesa213. Considerando que, no final dos Oitocentos, o café no Médio Vale do Paraíba está em decadência, principalmente pelo esgotamento das terras e da não renovação das matas, muitos fazendeiros vão diversificar seu capital e Francisco Paulo de Almeida, não fugindo da tendência, se torna sócio fundador do Banco Territorial e Mercantil de Minas e do Banco de Crédito Real de Minas Gerais. O Banco de Crédito Real de Minas Gerais “O Credireal” foi criado em janeiro de 1889, na sede do Diário de Minas, jornal de propriedade dos fundadores do banco na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais. Os fundadores do Credireal foram donos e responsáveis por diversos investimentos em Minas Gerais, sendo que, com relação ao banco, a sua criação teve a finalidade de fornecer recursos à lavoura, notadamente à de café, através de garantias reais, ou seja, em base de hipotecas. Nesse sentido, consta no livro de comemoração do centenário do Banco de Crédito Real de Minas Gerais: O grupo de fundadores do Credireal, conhecedor do mundo financeiro e econômico e consciente do prestígio de que desfrutava na Corte, vislumbrou no auxílio à atividade rural a oportunidade que não deveria perder. O meio circulante do dinheiro necessitava de organizações racionais e, principalmente, específicas que obtivessem do erário imperial recursos para apoio à lavoura. Assim, a iniciativa dos fundadores do Banco (Visconde de Monte Mário, Barão de Santa Helena, Visconde de Assis Martins, Visconde de Carandaí, Visconde de Itatiaia, Visconde de Lima Duarte, Barão D’Avelar Resende, Barão de Guaraciaba e Barão de São João Del Rei), pela relevante influência de seus membros junto à Corte, tinha maior receptividade que mesmo grandes e imediatos recursos financeiros, porquanto associava fatores positivos, que levariam aos meios desejados214. 213 Efemérides de Juiz de Fora ─ por Antônio Armando Pereira ─ nº 65, ANO DE 1890. Republicação na Gazeta Comercial, ANO XXXII, Juiz de Fora –quinta-feira, 25 de agosto de 1956. 214 SÁ, Antonio Lopes. Origens de um Banco Centenário: História econômica, administrativa, financeira e contábil do Banco de Crédito Real de Minas Gerais S/A. Elaboração e criação de texto Prof. Antonio Lopes Sá. Fonte de pesquisa: Acervo do Museu do Credireal em Juiz de Fora - MG. Revisão: LєF Publicidade. Versão para o inglês por Soneide Alves Caetano. Fotos e cromos: Alfredo de Castro. Coordenação Geral: Assessoria de Comunicação Social Banco de Crédito Real de Minas Gerais ─ Prof. Marcello Cortizo Sacchetto e equipe. Juiz de Fora - MG: Credireal, 1989, p. 40. 116 Entretanto, para funcionamento do banco, necessitava-se da obtenção da Carta de Autorização junto à Fazenda Imperial. Nesse sentido, a questão da burocracia jurídica, aliada à lenta e resistente atuação dos Conselheiros eram fatores que adiavam a sua inauguração, porém essas dificuldades foram contornadas conforme o livro do centenário: “[...] Concordamos, contudo, com o competente historiador e museólogo José Tostes de Alvarenga Filho, que atribui a aprovação do funcionamento ao prestígio dos fundadores junto a Dom Pedro II [...]215”. Posteriormente, com o advento do encilhamento, ele e seus sócios vão constituir a Companhia Agrícola Industrial Mineira. O encilhamento foi a política financeira de estímulo à indústria, adotada por Rui Barbosa, quando ministro da Fazenda [novembro de 1889 a janeiro de 1891], após a proclamação da República. Baseava-se no incremento do meio circulante com a criação de bancos emissores [tendo como lastro não libras-ouro, mas títulos da dívida pública], cujos empréstimos teriam de ser aplicados apenas no financiamento de novas empresas industriais [e não na agricultura]. Por isso, incentivou-se intensamente a criação de sociedades anônimas, incitando o público a investir seu capital na indústria e no comércio. Francisco Paulo de Almeida participa desse quadro de relações e sociabilidades, buscando e construindo espaços nas relações sociais e políticas, associando-se a Marcelino de Brito Ferreira de Andrade [visconde de Monte Mário], rico fazendeiro de café em Juiz de Fora, coronel da Guarda Nacional, rico empresário, fundador do Banco de Crédito Real de Minas Gerais e vereador em Juiz de Fora; José Júlio Pereira de Morais [1.º Visconde de Morais], fidalgo da Casa Real [28.2.1891], grã-cruz da Ordem de Cristo e do Mérito Industrial, Comendador da Ordem da Rosa [do Brasil], presidente do gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro e de beneficência Portuguesa, da mesma cidade, tendo-o também sido da grande comissão Pró-Pátria, grande industrial, negociante e filantropo e, durante muitos anos, chefe da colônia portuguesa na capital do Brasil; Comendador Domingos Teodoro de Azevedo Júnior, genro do visconde de Rio Preto, membro da Irmandade da Santa Casa e, Carlos Justiniano das Chagas, político que assinou a 1ª Constituição republicana [1891]. Percebo, até o presente momento, que a rede de sociabilidades formada por Francisco Paulo de Almeida estava sempre ligada aos grandes latifundiários, capitalistas, políticos e, 215 SÁ, Antonio Lopes. Op. cit., p. 41. 117 quase sempre, com títulos nobiliárquicos. Entretanto, ao adquirir uma propriedade na cidade de Petrópolis – RJ, ele irá enfrentar o primeiro empecilho, e, por que não dizer, um grande enfrentamento público, constatado na presente pesquisa. 3.7. O Palácio Amarelo. O Palácio Amarelo, atual sede do Legislativo de Petrópolis – RJ é o eixo de embates e querelas com o Legislativo, iniciadas a partir da aquisição do imóvel pelo Barão de Guaraciaba. Enquanto o imóvel pertencera a José Carlos Mayrink da Silva Ferrão, servidor da Casa Imperial, não ocorreu nenhuma manifestação da Câmara para sua aquisição. Desde sua formação, a Câmara Municipal de Petrópolis tinha a intenção de adquirir um imóvel para instalar o Paço Municipal. Por motivos ainda não esclarecidos pelas fontes, somente após a venda do imóvel para o Barão de Guaraciaba é que a Câmara percebe que o Palácio seria o local ideal para suas instalações. Inicia-se, a partir de então, um enfrentamento por meio de vários mecanismos que movimentará relações de poder e de forças do e no Município de Petrópolis – RJ, até a segunda metade do ano de 1894. Petrópolis, na época do Império, foi local de preferência para a construção de casas de verão. Considerada Cidade Imperial, os nobres e pessoas de posse transformaram a Cidade em local de veraneio. Assim ocorreu com José Carlos Mayrink da Silva Ferrão, servidor da Casa Imperial, que adquiriu terreno na vizinhança do Palácio Imperial e construiu um solar que passará para a história como uma das mais pitorescas e elegantes residências de Petrópolis na segunda metade do século XIX, denominada Palácio Amarelo. Após o falecimento de José Carlos Mayrink da Silva Ferrão, a viúva, Maria Emília Bernardes Mayrink, vendeu o solar em 13 de fevereiro de 1891 para Francisco Paulo de Almeida, que mesmo após o advento da República, continuava a ser tratado como Barão de 118 Guaraciaba, conforme se constata na informação anterior do Jornal de Juiz de Fora: Gazeta Comercial, publicado no ano de 1955216. O legislativo fez uma proposta de compra a Francisco Paulo de Almeida que a negou prontamente. Essa recusa sugere, inclusive nesse embate de forças, não só poder para se colocar contra a proposta, como resistência ao poder instituído. Lembro que em 17 de junho de 1891, quatro meses após a aquisição do Palácio pelo Barão, a municipalidade ─ que no período em que Mayrink era proprietário, nunca havia manifestado sua intenção de adquirir o imóvel ─ autorizou o Dr. Antônio Neves da Rocha e o arquiteto Achem Naval a constituírem e explorarem no terreno onde hoje se localiza a Praça Visconde Mauá, um mercado público para abastecimento da cidade. O projeto do mercado fracassou, porém a Câmara não se deu por vencida e, a 15 de novembro do mesmo ano negociava com M. de Teelier a instalação de um “kursal” no mesmo local. A palavra correta é “Kursaal” que corresponde a um edifício para congressos e exposições [contemporânea], no século XIX, provavelmente lugar para apresentações. O que se deduz é que o Legislativo tinha a intenção de pôr a prova não só a paciência do Barão de Guaraciaba, como também testar sua força nesse embate. Porém esse projeto, também, não vingou. Fracassadas suas estratégias para obtenção do imóvel, a Câmara resolveu abalar de vez as convicções do Barão e, através do vereador José Tavares Guerra, apresentou um projeto de Lei que autorizava empréstimos para a construção, no terreno em frente ao Palácio, do novo Paço Municipal. O projeto é imediatamente aprovado sendo sancionado pela Resolução número 25 de 10 de abril de 1894 e, já no dia 14 de abril do mesmo ano, a Gazeta de Petrópolis publicava edital abrindo concorrência para a construção do edifício. As propostas seriam recebidas no dia 17 de maio, às 13 horas, estando às plantas, condições da obra e bases de orçamento à disposição na Câmara. Nessa relação de força e de poder, a iniciativa da Câmara, de fato, consegue abalar e esmorecer o posicionamento do Barão de Guaraciaba, a ponto de ele mesmo propor, no dia 11 de junho de 1894, a venda de seu Palácio. O que ocorre é que a construção de um prédio no terreno em frente ao Palácio, tiraria todo o glamour e esplendor que o mesmo representava, 216 Ver p.113. 119 deixando de ter sentido a sua posse. Entretanto, como afirmei anteriormente, este trabalho foi construído dentro do campo das possibilidades permitidas, e nesse episódio, pode ficar demonstrado, também que a venda pode ter sido ocasionada pela impossibilidade de Francisco Paulo de Almeida dar continuidade a este enfrentamento, falta de forças e de poder político etc. No dia 05 de julho de 1894, o Barão de Guaraciaba e o Presidente do Poder Legislativo, vereador Hermogênio Silva e o tabelião Gabriel José Pereira Bastos, lavraram a escritura do terreno localizado nos prazos de terra da Fazenda de Petrópolis, de números 127, 128 e 129, fazendo testada para a Praça Visconde de Mauá e formando uma superfície de 1.275 braças quadradas. A resolução de número 27 da Câmara Municipal dava autorização à administração pública para adquirir o imóvel, autorizando o empréstimo da ordem de 160:000$000 [cento e sessenta contos de réis]. Francisco Paulo de Almeida, não encontrou empecilhos intransponíveis em praticamente nenhum de seus investimentos, mas com certeza, não em todos. Por exemplo, com a República, a Força do Estado, de outro Estado e de outra sociedade começaram, aos poucos, a surgir. A partir de então, outras batalhas se constituiriam, novas relações de poder se conformariam. Ou seja, isso lembra, conforme Foucault, “[...] que o poder não se dá, não se troca nem se retoma, mas se exerce, só existe em ação, como também da afirmação que o poder não é principalmente manutenção e reprodução das relações econômicas, mas acima de tudo uma relação de força217”. A História de vida do Barão de Guaraciaba, pela sua trajetória, aponta rastros que indicam uma visão apropriada de seu tempo, das relações próprias de sua sociedade e dos atributos necessários para nela estar e transitar. Nessa sociedade, além do poder econômico, para se situar, para estar, para se manter e para se relacionar com a sociedade, era preciso se preocupar com a instrução, com os aspectos culturais e sociais. Por isso, suas filhas, além do programa de estudos preconizado pela Lei Nacional de 15 de outubro de 1827, que instituiu a instrução pública para meninas em todo o Império brasileiro [leitura, escrita, quatro operações de aritmética, gramática de língua nacional, os princípios da moral cristã e de doutrina da religião católica, apostólica e romana, bem como as prendas que servem à economia 217 FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. [org. e trad.] Roberto Machado ─ Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, p. 175. 120 doméstica], estudaram piano, o segundo instrumento de sua devoção. Os filhos, como muitos meninos de famílias abastadas, foram enviados para estudar na França [Paris]. Nos últimos anos de sua vida, Francisco Paulo viajou constantemente para Paris. Faleceu em 09 de fevereiro de 1901, na casa de sua filha Adelina, situada à Rua Silveira Martins, 81, foi sepultado no Cemitério São João Batista longe da Baronesa que foi sepultada no Cemitério de Bemposta, distrito de Três Rios–RJ. Em vida, desfez-se de quase todos os seus bens, deixando de herança a fazenda Pocinho e a fazenda Santa Fé para suas filhas. Para os homens deixou dinheiro em espécie. Assim, no transcorrer deste capítulo, procurei apresentar informações, pistas e dados sobre a trajetória de Francisco Paulo de Almeida, indícios da formação de suas redes de sociabilidade e de suas relações de poder. Desta forma, busquei quebrar e romper o silêncio historiográfico sobre ele, abrindo espaços para muitas outras histórias possíveis. Por isso, considero que a escrita e o silêncio têm as mesmas características e que ambos, tanto o discurso quanto o silêncio, seja um exercício de poder. CONSIDERAÇÕES FINAIS DE UMA TRAJETÓRIA DE PESQUISA. 121 O caminho até aqui trilhado permite algumas considerações finais sobre as histórias e os contextos históricos de Francisco Paulo de Almeida [1826-1901]. As informações, dados e pistas obtidas durante a pesquisa foram cruzadas e articuladas com histórias de vida, com relações de poder e com redes de sociabilidades, não esquecendo que se trata de uma reflexão permitida pela História política. No complexo campo investigativo da pesquisa, pude detectar o que fora percebido por Foucault: “o objeto não espera nos limbos a ordem de que vão liberá-lo e permitir-lhe que se encarne em uma visível e loquaz objetividade; ele não preexiste a si mesmo, retido por algum obstáculo aos primeiros contornos da luz, mas existe sob as condições positivas de um feixe complexo de relações218”. Em primeiro lugar, é preciso retornar a discussão teórico-metodológica em torno do Histórico Político, no qual, contar a vida de alguém é ser o observador da história, às vezes com um microscópio e, outras, com um telescópio, é ficar atento aos detalhes. Ao aceitar o desafio de pesquisar e narrar histórias de uma vida, tornou-se necessário um aprofundamento no debate teórico sobre as formas de como fazê-lo, adquirindo conhecimentos sobre o que tem sido escrito sobre as grandezas e as misérias que a História política e a biografia perpassaram do século XIX para a contemporaneidade. Dentro desta perspectiva, constituí o primeiro capítulo, mostrando as diversas fases pelas quais passaram a História Política e a biografia, sendo que dentro da linha biográfica procurei mostrar suas diversas constituições, bem como suas aproximações e apropriações de outras disciplinas, e seus distanciamentos no trabalho com as fontes suas leituras e possibilidades. A partir desta discussão, utilizo e torno possível o trabalho a partir do método indiciário, proposto por Ginzburg, articulado com determinada noção de poder, ou melhor, de relações de poder: em seu aspecto relacional e microfísico, presentes em obras de Foucault. Em relação ao capítulo dois, enfoquei os diversos contextos e condicionamentos da sociedade em que o protagonista se criou e viveu e, assim como, um possível papel do “acaso”, pequenos fatos e incidentes para os quais não existem, ou melhor, não se conhecem, 218 FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber. 7 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 50. 122 ainda, explicações. Olhar para o outro é olhar para si mesmo, no que tenho de igual, parecido ou diferente, nos mais variados níveis. Dessa forma, os problemas de investigação de uma vida são riquíssimos, pois defrontam com tudo que constitui a própria existência e a dos que a cercam. E que obrigam a perceber e aceitar a grande quota de mistério que sempre existe em cada vida. Ao estudar Francisco Paulo de Almeida no período compreendido, entre 1826 e 1860, é importante ressaltar que a pesquisa revelou dados e informações sobre o início da sua vida profissional, mas de forma hipotética, pois apesar de enfrentar o problema de se trabalhar com a história de uma vida, na inevitável cronologia linear dos fatos que realmente se sucedem, deve-se evitar que a vida da pessoa pareça unidirecional, isto é, pareça ter tido um percurso único, convergindo para uma única direção, o destino final. Outro fator problemático foi lidar com a “falta” de bibliografia sobre a História da Ourivesaria no Brasil. Entretanto, vencer estes desafios foi gratificante, considerando que pela ausência de subsídios, fui obrigado a repensar minha escrita e meu discurso, para que mesmo de forma coadjuvante não se criasse um lapso na vida do protagonista, fazendo com que ele surgisse do “nada”. Aliás, ter consciência das minhas limitações, do tempo e da pesquisa, obrigou-me a buscar novos conhecimentos e a modificar e adaptar a escrita de acordo com os dados. Ainda neste segundo capítulo, começo a apontar as pistas e indícios de que Francisco Paulo de Almeida, assim como outros indivíduos provenientes da Comarca do Rio das Mortes, no Sul de Minas Gerais utilizaram-se dos diversos mecanismos disponíveis ─ intermediação de mercadorias, especulação, etc. ─ para constituírem seus cabedais. A insistente pesquisa e a busca de conhecimento é que fizeram com que eu descobrisse a existência de documentos, como o Livro de Registro de Ofícios, o livro escrito pela historiadora Maria Helena Brancante: Os Ourives na história de São Paulo, que muito contribuiu para a compreensão da arte desse ofício e dos materiais por eles utilizados, sendo que alguns deles, constam do inventário da Baronesa de Guaraciaba, indicando que Francisco Paulo de Almeida, realmente, exerceu esse ofício. Falar sobre tropas e tropeiros apontou para os meandros e mecanismos utilizados para a construção de estradas com importância e destaque para a posição política e cargo público ocupados, que aprovavam a abertura de rotas, caminhos e estradas, bem como redução de 123 impostos e benesses para os donos de tropas e tropeiros, de acordo com seus interesses pessoais. Por fim, no que diz respeito ao capítulo três, lembro as contribuições da pesquisa a partir da abordagem da participação do protagonista na oligarquia cafeeira, e na construção da Estrada de Ferro no Médio Vale do Paraíba, desconstruindo o mito e o paradigma de que a Estrada de Ferro no Médio Vale do Paraíba teve como centro, a disputa entre a família Faro, de Valença e, a família Teixeira Leite, de Vassouras. O trabalho filantrópico de Francisco Paulo de Almeida através da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Valença, sua participação no sistema empresarial e financeiro, seu pertencimento à nobreza através do título de baronato e “perseguição” por parte do Legislativo da cidade de Petrópolis – RJ, as fontes comprovam todo esse envolvimento, mas nota-se, por outro lado, um certo “silêncio”. Pelo histórico de viagens internas e externas, efetuadas pelo sujeito, pressuponho a existência de correspondências, pelo menos com os filhos que estavam em Paris, principalmente com seu filho [homônimo] Francisco Paulo de Almeida que, de acordo com a certidão de casamento, teve seu matrimônio realizado na França, em 22 de julho de 1897, com Concepcion Carmen Felicia Bardino, filha do cônsul do Uruguai na França, Don Laureano. Além disso, as fontes apontam sua rede de sociabilidades, entretanto, ainda não fornecem detalhes de como funcionava de fato esse mecanismo. Muitas questões merecem um trabalho mais profundo, até porque, algumas delas, por si já dariam matéria a outras dissertações, como é o caso do sistema bancário e das empresas de sociedade anônima, que estiveram envolvidas diretamente na política do encilhamento de Rui Barbosa [onde muitas empresas foram concebidas como fachada] e o caso do Banco Territorial e Mercantil de Minas Gerais, presidido pelo Sócio de Francisco Paulo de Almeida, o Visconde de Monte Mário, que decreta falência em 1892, sendo encampado pelo Banco de Crédito Real de Minas Gerais, presidido, também pelo próprio Visconde de Monte Mário. Considero cumprida esta etapa deste trabalho, esperando ter contribuído para o debate historiográfico, entretanto, como foi dito anteriormente, a pesquisa e o trabalho não terminam aqui, muito pelo contrário, trata-se do início de uma longa jornada. Não posso negar que Francisco Paulo de Almeida, em sua trajetória, esteve presente em diversas atividades, iniciando-se como ourives e finalizando sua vida como empresário pertencente à nobreza e à elite do Brasil do século XIX. Entretanto, a pesquisa me direcionou 124 para a participação do sujeito, também, em atividades político-econômicas, de vulto e importância no Brasil do século XIX. Dessa forma, esse trabalho evidencia mais indagações, questionamentos e problematizações do que conclusões, daí ser um ponto de partida, de onde pretendo dar continuidade e aprofundamento ao trabalho já realizado. Finalizando esta etapa, posso concluir que essa pesquisa e o consequente trabalho produzido possibilitaram conhecer “um pouco” sobre o protagonista. Ainda existem muitos dados e informações a serem pesquisados e estudados. Sua vida não pode estar simplificada no trabalho aqui apresentado; ao contrário, pois até onde o tempo, as oportunidades, as fontes e a memória permitirem, muitos detalhes enriquecedores poderão ser apresentados, muito falta a ser explorado e muito ainda a ser produzido, visto que nenhuma História está por si só, pronta e acabada. REFERÊNCIAS 125 1. Fontes 1.1.Inventários/Processos Inventário de Antonio José de Almeida. 1876, cx. 294. Instituto do Patrimônio Histórico, Artístico Nacional. São João Del Rei – MG. Inventário de Barbara Joaquina [1851]. IPHAN. São João Del Rei – MG. Inventário da Baronesa de Guaraciaba. 1889. Ministério de Justiça. Museu da Justiça ─ RJ, cx 1435, RG: 13568. Inventário de Francisco Paulo de Almeida [barão de Guaraciaba] [1901]. Décima primeira pretoria do Rio de Janeiro – RJ. Inventário de Galdina Alberta do Espírito Santo [1842]. IPHAN. São João Del Rei – MG. Processo de Tutela, 5779. cx. 1803. 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