LAVRADORES, ÁGUAS E LAVOURAS
Estudos sobre gestão camponesa de
recursos hídricos no Alto Jequitinhonha
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS
Reitor Clélio Campolina Diniz
Vice-Reitora Rocksane de Carvalho Norton
EDITORA UFMG
Diretor Wander Melo Miranda
Vice-Diretor Roberto Alexandre do Carmo Said
CONSELHO EDITORIAL
Wander Melo Miranda (presidente)
Ana Maria Caetano de Faria
Flavio de Lemos Carsalade
Heloisa Maria Murgel Starling
Márcio Gomes Soares
Maria das Graças Santa Bárbara
Maria Helena Damasceno e Silva Megale
Roberto Alexandre do Carmo Said
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Flávia Maria Galizoni
Organizadora
LAVRADORES, ÁGUAS E LAVOURAS
Estudos sobre gestão camponesa de
recursos hídricos no Alto Jequitinhonha
Belo Horizonte
Editora UFMG
2013
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© 2013, Os autores
© 2013, Editora UFMG
Este livro ou parte dele não pode ser reproduzido por qualquer meio sem
autorização escrita do Editor.
L414
Lavradores, águas e lavouras : estudos sobre gestão camponesa de
recursos hídricos no Alto Jequitinhonha / Flávia Maria Galizoni,
organizadora. – Belo Horizonte : Editora UFMG, 2013.
254 p. : il. – (Humanitas)
Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-423-0001-7
1. Abastecimento de água – Jequitinhonha, Rio, Vale (MG e BA).
2. Direito de águas – Jequitinhonha, Rio, Vale (MG e BA).
3. Camponeses – Jequitinhonha, Rio, Vale (MG e BA). 4. Educação
ambiental – Jequitinhonha, Rio, Vale (MG e BA). I. Galizoni,
Flávia Maria. II. Série.
CDD: 363.61
CDU: 644.6
Elaborada pela DITTI – Setor de Tratamento da Informação
Biblioteca Universitária da UFMG
DIRETORA DA COLEÇÃO Heloisa Maria Murgel Starling
COORDENAÇÃO EDITORIAL Maria Elisa Moreira
ASSISTÊNCIA EDITORIAL Eliane Sousa e Euclídia Macedo
COORDENAÇÃO DE TEXTOS Maria do Carmo Leite Ribeiro
PREPARAÇÃO DE TEXTOS Maria do Rosário A. Pereira
REVISÃO DE PROVAS Beatriz Trindade, Bárbara Dantas e Camila Figueiredo
COORDENAÇÃO E PROJETO GRÁFICO Cássio Ribeiro, a partir de
Glória Campos - Mangá
FORMATAÇÃO Heleno RF e Priscila Nardy
MONTAGEM DE CAPA Cássio Ribeiro
IMAGEM DA CAPA Fotografia de Flávia Maria Galizoni, sobre artesanato
de Adriana Gomes Xavier, comunidade de Campo Buriti (Turmalina/MG)
PRODUÇÃO GRÁFICA Warren Marilac
EDITORA UFMG
Av. Antônio Carlos, 6.627 – CAD II / Bloco III
Campus Pampulha – 31270-901 – Belo Horizonte/MG
Tel.: + 55 31 3409-4650 | Fax: + 55 31 3409-4768
www.editora.ufmg.br | [email protected]
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AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao CNPq e à Fapemig pelo apoio parceiro na
realização das pesquisas que deram origem a este livro, nas devoluções
dos resultados e na concessão de bolsas aos pesquisadores e estudantes.
Às famílias e comunidades de lavradores do Alto Jequitinhonha pelo
ânimo, carinho e didática cidadã com que receberam e ensinaram as
equipes de pesquisa sobre a natureza comum das águas.
À Fondazione Cariplo que, por meio do projeto “Acqua Sistemi
Agro-Forestali e Recupero Ambientale nel Semiarido brasiliano”,
financiou este livro.
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Um riachinho xexe, puro, ensombrado, determinado no
fino, com regojeio e suazinha algazarra – ah, esse não se
economizava: de primeira, a água, pra se beber.
João Guimarães Rosa, “A festa de Manuelzão”
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LISTA DE SIGLAS
Aapivaje
Associação dos Apicultores do Vale do Jequitinhonha (MG)
Amefa
Associação Mineira das Escolas Famílias Agrícolas
ANA
Agência Nacional de Águas
AP1MC
Associação Programa Um Milhão de Cisternas
AQP
Aquaporinas
ASA
Articulação no Semi-Árido Brasileiro
CAV
Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica
CEBs
Comunidades Eclesiais de Base
CESE
Coordenadoria Ecumênica de Serviço
CeVI
Centro de Voluntariado Internacional
CIPSI
Coordenação de Iniciativas Populares de Solidariedade
Internacional
CNPq
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
CONDRAF
Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural e Sustentável
CONSEA
Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
Cooapivaje
Cooperativa dos Apicultores do Vale do Jequitinhonha
COP 3
Conferência das Partes
COPASA
Companhia de Saneamento de Minas Gerais
DED
Departamento de Economia Doméstica
Emater
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
Emater/MG
Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais
EnconASA
Encontro Nacional da Articulação do Semi-Árido
EPS
Economia Popular Solidária
Fapemig
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais
FENEAD
Federação Nacional dos Estudantes de Administração
Fetaemg
Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado
de Minas Gerais
Fhidro
Fundo de Recuperação, Proteção e Desenvolvimento Sustentável
das Bacias Hidrográficas do Estado de Minas Gerais
FSM
Fórum Social Mundial
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDR
Indústria Doméstica Rural
IEF
Instituto Estadual de Florestas
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IPEA
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPT/USP
Instituto de Pesquisas Tecnológicas da Universidade de São Paulo
KZE
Katholische Zentralstelle für Entwicklungshilfe (Central Católica
de Ajuda ao Desenvolvimento)
MDS
Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MESA
Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate
à Fome MISEREOR
Obra episcopal da Igreja Católica da Alemanha para a cooperação
ao desenvolvimento
MMA
Ministério do Meio Ambiente
MRH
Micro Região Homogênea
Núcleo PPJ
Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar Justino Obers
ODM
Objetivos do Desenvolvimento do Milênio
ONG
Organização Não Governamental
ONU
Organização das Nações Unidas
OSCIP
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
OXFAN
Oxford Committee for Famine Relief (Comitê de Oxford de
Combate à Fome)
P1+2
Programa Uma Terra e Duas Águas
P1MC
Programa de Formação e Mobilização para a Convivência
com o Semiárido: Um Milhão de Cisternas Rurais
P1MC-T
Programa Um Milhão de Cisternas – Projeto de Transição
PPP
Programa de Pequenos Projetos
PNUD
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Pronaf
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar
SAFs
Sistemas Agroflorestais
Sabesp
Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo
SPSS
Statistical Package for the Social Sciences
STR
Sindicato de Trabalhadores Rurais
UE
União Europeia
UFLA
Universidade Federal de Lavras
UGC
Unidade Gestora Central
UGM
Unidade Gestora Microrregional
Unicef
United Nations Children’s Fund (Fundo das Nações Unidas para
a Infância)
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SUMÁRIO
PREFÁCIO
Andréa Zhouri
11
A ÁGUA COMO PROBLEMA: uma pequena introdução
Flávia Maria Galizoni
17
Parcerias
contexto
PRÁTICAS SOCIAIS, SOCIEDADE
CAMPONESA E POLÍTICAS PÚBLICAS:
a questão da água no Alto Jequitinhonha
Flávia Maria Galizoni
29
DESENVOLVIMENTO RURAL,
UNIVERSIDADE E EXTENSÃO:
a experiência do CAV e do
Núcleo PPJ no Vale do Jequitinhonha
Eduardo Magalhães Ribeiro
Boaventura Soares de Castro
Lílian Oliveira Daniel
39
Etnografias
águas e manejo do fenômeno da escassez
ÁGUA E VIDA NA ROÇA: uso da terra e organização do
trabalho familiar a partir da disponibilidade hídrica
em comunidades rurais do Alto Jequitinhonha
Adriana Galvão Freire
NASCENTES
Flávia Maria Galizoni
Eduardo C. Barbosa Ayres
João Antônio Gonçalves Barbosa
José Murilo Alves de Souza
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SECAS E S’ÁGUAS: alterações na dinâmica
da água no Alto Jequitinhonha
Vico Mendes Pereira Lima
ESTRATÉGIAS FAMILIARES DE
CONVÍVIO COM SEMIÁRIDO:
hierarquias de uso de águas em
comunidades rurais do Alto Jequitinhonha
Flávia Maria Galizoni
Eduardo Magalhães Ribeiro
Vico Mendes Pereira Lima
Rafael Eduardo Chiodi
Eduardo C. Barbosa Ayres
Izaías Fernandes dos Santos
André Luiz Ribeiro Lima
98
126
Aprendizagens e inovações
ÁGUAS DE FUTURO: conservação comunitária de nascentes
Flávia Maria Galizoni
Eduardo Magalhães Ribeiro
Eduardo C. Barbosa Ayres
João Antônio Gonçalves Barbosa
José Murilo Alves de Souza
ETNOBOTÂNICA E CONSERVAÇÃO DE
NASCENTES POR AGRICULTORES FAMILIARES
DO ALTO JEQUITINHONHA
Izaías Fernandes dos Santos
A EXPERIÊNCIA DO PROGRAMA UM MILHÃO
DE CISTERNAS NO VALE DO JEQUITINHONHA:
algumas reflexões
Thiago Rodrigo de Paula Assis
159
172
205
ÁGUA E COOPERAÇÃO INTERNACIONAL:
o CeVI e o tema da água
Marco Iob
234
SOBRE OS AUTORES
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PREFÁCIO
Senhores que não conhecem a terra norte mineira, presta
atenção nessa história que ela é toda verdadeira. Estudo
feito com o povo de muitas comunidades, pesquisa de
vários dias pra descobrir a verdade (...) É tudo lugar sadio,
onde nós fomos criados, nascemos e crescemos e estamos
desde os avô mais recuado (...)
Se engana direitinho quem pensa que é tudo igual, em cada
banda do rio cada um é cada qual. Cada qual tem seu
sistema de carpir, plantar e colher, os jeitos são diferentes,
não é fácil de entender.
Cordel dos atingidos pela barragem de Irapé, 1997.
Esses trechos extraídos do cordel sobre comunidades rurais
atingidas pela barragem de Irapé, no Vale do Jequitinhonha,
nos idos anos de 1990, prenunciam, em fina sintonia, o que
nos apresentam os autores de Lavradores, águas e lavouras:
estudos sobre gestão camponesa de recursos hídricos no Alto
Jequitinhonha. Por certo, a coletânea reúne reflexões amadurecidas ao longo das experiências de pesquisa e extensão do Núcleo
de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar (PPJ) com técnicos
e lavradores do Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica
(CAV) e o parceiro Centro de Voluntariado Internacional (CeVI).
O foco é o conhecimento e a gestão da água por camponeses do
Alto Jequitinhonha, nordeste de Minas Gerais, região conhecida
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e estigmatizada como o “Vale da Miséria”. Esse estigma, construído por olhares distantes à luz da ideologia urbano-industrial
do desenvolvimento que nos dita como deve ser a vida boa de
ser vivida, não se sustenta aos olhares de quem, do terreno, se
presta à laboriosa tarefa de compreender e traduzir os jeitos
diferentes e complexos de ser, fazer e viver na região.
As experiências de lavradores, pesquisadores e técnicos
nos ensinam que os ambientes variam e, com eles, as águas e
as formas com que as famílias de agricultores e comunidades
rurais as utilizam, regulam, distribuem e conservam. Ademais,
as etnografias mostram como as experiências sensíveis e
metódicas elaboraram inovações a partir das tradições, numa
tessitura complexa e desafiadora que, calcada na prática, lança
olhos para o futuro, rumo à sustentabilidade.
A observação sistemática e a experimentação dos ambientes possibilitaram entre as comunidades de agricultores um
aprendizado na prática, no sentido de Tim Ingold, que revela a
construção de um sofisticado conhecimento em relação aos seus
ambientes de viver. A aparente aridez e destituição do meio, a
partir de uma aproximação metódica, faz emergir um complexo
universo que resulta do entrelaçamento das gentes com os lugares,
configurando a sociobiodiversidade da região.
Em um meio classificado como característico de clima semiárido, a água assume lugar central e está em disputa. Como de
resto, em muitos lugares do mundo, a água está no cerne dos
conflitos ambientais da atualidade. Mas o debate contemporâneo sobre a “escassez” de recursos, sobretudo a escassez da
água, permite a contestação da ideia naturalizada de que isso
seja um fenômeno de origem apenas física e geológica. Análises
antropológicas, como as de Marshall Sahlins, desde os anos de
1970, ensinam que, para além de um componente físico-natural,
a escassez de recursos é fenômeno social e politicamente construído, resultado de escolhas culturais e de disputas políticas
entre grupos humanos.
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No Brasil, a recente história acerca da “escassez” de água
remete, entre outros, ao fenômeno da modernização conservadora da agricultura. No caso do Jequitinhonha, esse fenômeno
remonta à década de 1970, quando programas de desenvolvimento fomentados pelo governo, por meio de incentivos e
benefícios fiscais, levaram para a região as empresas de eucalipto.
Com base numa perspectiva político-econômica, voltada para a
exportação de commodities, e tributária de uma visão do cerrado
como meio destituído, física e socialmente, as monoculturas
de eucalipto foram instaladas nas chapadas, ocasionando a
destruição da vegetação nativa com consequente expropriação
e grilagem das terras comunais. Essa tomada da chapada pela
exploração industrial do eucalipto, de resto, uma planta exógena,
teve ainda como efeito a intensificação do uso da terra nas grotas
e o desmatamento da vegetação nativa nos mananciais e em suas
áreas de recarga, como analisam os autores.
A partir da década seguinte, nos anos de 1980, a situação é
ainda mais agravada pelos projetos de barragens hidrelétricas
que passam a demandar as áreas das grotas e fundos de vales,
ocasionando, assim, um verdadeiro encurralamento da população, agora pressionada nas chapadas pelas monoculturas de
eucalipto e nas grotas pelas hidrelétricas.
Esse contexto, resultado de opções econômicas que visaram
ao atendimento a grandes interesses exportadores, marcam
o conflito pela água em um panorama mais geral no Vale
do Jequitinhonha. As comunidades atingidas pela barragem
de Irapé, por exemplo, lutaram durante duas décadas pelo
reconhecimento dos seus direitos. Em que pese a força e a
resiliência organizativa dessas comunidades que conduziram
à celebração de um TAC – Termo de Ajustamento de Conduta
–, considerado modelo para outras situações, pode-se observar entre os grupos reassentados que inúmeras dificuldades
relativas à quantidade e à qualidade da água permanecem (um
relato mais detalhado do caso pode ser encontrado no Mapa
dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais, disponível em
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<www.conflitosambientais.mg.lcc.ufmg.br>). O mesmo pode
ser dito em relação às comunidades que não foram reconhecidas como grupos atingidos e que permaneceram à jusante
do empreendimento. Elas perderam a agricultura de vazante
e tiveram, portanto, o seu sistema alimentar comprometido.
Há uma luta na justiça, desde 2006, para que essa situação
seja reconhecida, responsabilidades sejam atribuídas e medidas
reparadoras sejam tomadas. Além de a vazão do rio obedecer
atualmente às necessidades da hidrelétrica e impedir de forma
dramática a agricultura certa da vazante, nota-se o secamento
das nascentes pelo eucalipto e o receio dos moradores em relação à qualidade da água do rio, que agora passa pela barragem
antes de chegar até o local das moradias.
Ora, os autores nos ensinam que no Alto Jequitinhonha os
domínios ambientais se diversificam e são hierarquizados em
meios de cultura, carrasco, campo, capão, chapada; as águas
também se diferem e são classificadas de diversas formas. Elas
podem ser águas pequenas e grandes, finas e grossas, águas
paradas e que correm. As águas têm, pois, significados diversos,
sendo usadas para diferentes fins, fato que deu origem a regimes
regulatórios que não estão escritos em leis, mas correspondem a
normas compartilhadas por todos através do universo cultural.
Dessa forma, as águas dos rios são águas grandes, boas para
irrigação, banho, lavagem de roupas, dessedentação dos animais
etc., mas impróprias para o consumo humano. Essa impropriedade se agrava ao se considerar que elas também passam agora
pela barragem, tornando-se águas que “passam por ferros e não
correm como dantes”. O aviltamento da situação se complexifica ainda pela consideração do significado moral da água para
os moradores: a água é um bem da natureza, dom de Deus e,
portanto, algo que não pode ser negado. Como entender, então,
governantes e juízes que negam água à população?
Apesar do conflito de fundo ocasionado por projetos de
desenvolvimento, em geral, alheios às condições ecológicas dos
lugares, e de os arranjos societários que os forjam ensejarem
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batalhas que são travadas em longos anos de luta por direitos,
em outras frentes os moradores experimentam simultaneamente
arranjos e alternativas criativas possíveis em meio às adversidades. Os autores fazem um balanço das experiências de extensão
universitária, num diálogo franco que pensa a universidade, a
democracia, as instituições e as políticas públicas. Alertam sobre
a necessidade de se compreenderem as diferentes combinações
existentes entre ambiente, sistemas de produção e comunidades, para então articular projetos ajustados às perspectivas
e necessidades de cada região. A aparente informalidade das
relações sociais e dos processos políticos no Alto Jequitinhonha
se manifesta em laços de territorialidade, de pertencimento, de
apego à localidade e à família, advertem.
Refletir sobre as formas de apropriação e gestão da água,
dizem os autores, implica
não só pensar em uma gerência integrada dos recursos hídricos
na sociedade, mas, principalmente, conhecer os diversos modos de
administrar e usar esses recursos, as diferentes culturas de lidar com
a água, para então pensar em articulá-las. Sem esse conhecimento, o
que se verá será exclusão de parcelas da população rural do acesso e
do processo de regulação das prioridades de uso dos recursos hídricos.
Assim, antes de ser considerado um lugar problemático, o Alto
Jequitinhonha deve ser considerado um lugar diferente, e os programas
de desenvolvimento voltados para esse público também deveriam ser
específicos, considerando os recursos disponíveis e as técnicas usadas
por esses agricultores.
Conhecimento sobre os fazeres e os saberes do local, participação destes nos projetos de futuro do próprio grupo são princípios
que estão na base para a justiça ambiental, a sustentabilidade
aberta a caminhos criativos e a construção de uma sociedade
verdadeiramente desenvolvida.
Andréa Zhouri
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