Igreja, comunidade de vida
Vera Baldez Boing
O Rio de Janeiro viveu no mês passado o retrato de uma triste realidade de abandono: a enchente
provocada pelas chuvas, que deixou a população da cidade do Rio e de Niterói chocados e perplexos. Os
índices, entre mortos e desaparecidos, chegaram a mais de quinhentas pessoas. Aqueles que
sobreviveram, encontram-se sem casa, desabrigados, com suas vidas e Deus, que na voz de muitos é
tudo que precisam para recomeçar, mesmo sem saber por onde.
As comunidades eclesiais locais assumiram para si a tarefa de lutar pela preservação dos que
sobreviveram, acomodando, em suas paróquias e capelas, famílias e órfãos da tragédia. Transformaram
os salões das capelas em centros de arrecadação e distribuição de roupas, alimentos, água, tudo que
chegava de todas as partes do estado. Igreja, Povo de Deus, sinal do amor revelado de Deus pelo seu
povo. Formaram um mutirão de mobilização pela vida, solidariedade e esperança na conquista pela terra
prometida.
O Colégio de São Bento também, como comunidade eclesial, não poderia deixar de contribuir
para fortalecer esse “exército” da mobilização pela esperança. Afinal, como membros dessa comunidade,
nos mantemos fiéis ao princípio fundamental da Regra de São Bento, “ora et labora”, reze e trabalhe.
Alunos, professores e responsáveis participaram com doações que ajudaram a amenizar a dor das muitas
famílias que buscavam retomar a vida a partir do que recebiam. No dia 15 de abril, a Pastoral, junto com
o Abade D. Roberto, visitou a região de São Gonçalo para fazer a entrega oficial de parte do que o
Colégio havia recebido como doações às vítimas da enchente. A presença de D. Abade testemunha a
universalidade da Igreja, que nos une num só corpo, na missão de serva e portadora da mensagem do
amor de Deus. Um momento único e diferente, marcado pelo sofrimento, mas unido pela experiência do
amor e da solidariedade. Não podíamos deixar de nos emocionar diante de uma realidade tão paradoxal,
como é a própria fé para os cristãos: a confiança absoluta no Deus da vida, mesmo diante da aparente
vitória da morte. Jesus venceu a morte. Ressuscitou! É Páscoa! Está vivo naqueles que permanecem na
esperança de uma vida digna. A morte não tem a última palavra, mas sim a vida que na ação de todos
promove o amor de Deus, tornando-O presente no coração dos pequenos e desalojados da nossa
sociedade.
A Pastoral do Colégio, apoiada e incentivada pela Reitoria, cresce a cada ano na tarefa de
caracterizar e visibilizar a identidade católica e beneditina do Colégio de São Bento, responsável pela
formação humanista de seus alunos. Uma tarefa de todos comprometidos com a comunidade educativa.
Tarefa que exige lucidez e discernimento nos dias atuais. É necessário não fechar os olhos para a
realidade que se apresenta injusta e desumana diante da tragédia. Como cristãos devemos nos indagar
sobre o que nos é pedido diante de Deus, que na pessoa do Filho nos sinalizou a responsabilidade com o
mundo criado, assim como com a nossa salvação, iniciada desde já na história pessoal e coletiva de cada
um de nós. É na realização de cada gesto de amor que podemos reconhecer a ação salvadora de Deus no
mundo.
Assim, através da Pastoral do Colégio de São Bento, fizemos, juntos, com toda comunidade
educativa, uma ação visível de Deus na realidade do Rio de Janeiro. Cada gesto, representado em cada
doação, afirmou que nossa comunidade está preocupada em responder às necessidades de uma ação
coletiva e solidária que dê frutos para experiências novas em nossas relações humanas. Somente com
atitudes assim poderemos ir além de nós mesmos, percebendo no outro necessitado a convocação de
Deus para construção de uma realidade mais humana.
Gostaria de terminar com as palavras de uma família, que, através de uma carta ao padre da
localidade, agradece a experiência de sentir-se cuidada e amada.
“Obrigada a todos. Aos que vi. Aos que estavam escondidos atrás de cada pão. Cada alimento. Cada roupa que nos foi
doada. Cada garrafa de água. Enfim, hoje retorno ao que sobrou de uma vida. Mas acho que não mais forte. Apenas
amando muito a todos. E esperando que Deus, apenas Ele, possa recompensar por tudo”. (o grife é meu)
(Célia Regina Barros de Freitas, Maria Luiza Barros de Freitas, Michaela, João Victor e Victor Hugo Barros de Freitas)
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O Rio de janeiro viveu no mês passado o retrato de uma triste