Prefeitura Municipal De Porto Alegre Administração Popular Secretaria Municipal da Cultura Prefeito Raul Pont Vice – Prefeito José Fortunati Secretaria Margarete Moraes Coordenador da Memória Cultural Ana Meira Equipe Técnica: Marion Kruse Nunes - Historiógrafa – Coordenadora Mário Fernandes Coutinho – Historiógrafo Paulo Ricardo Muniz – Historiógrafo Estagiários : Alexandre Gomes Amaro - História Douralina Oliveira da Silva – Geografia Genismar Luiz Bordim Borges – História Paulo de Tarso D´Avila Neves - Sociologia Colaboração Equipe de Patrimônio Histórico e Cultural Elisabete Breitman – Historiógrafa Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho: Berenice Ana Toson - Historiógrafa Mara Regina Castanho - Historiógrafa Museu de Porto Alegre : Vera Lúcia Thaddeu – Arqueóloga Fotos : Leopoldo Plentz Assistente: André Chassot Texto: Marion Kruse Nunes Revisão Baiard Brocker Editor: Susana Gastal AGRADECIMENTOS Ao DEMAHB pôr Ter franqueado aos pesquisadores o acesso à documentação escrita Aos Moradores da restinga, abaixo relacionados ,que por seus depoimentos e permissão para que entrássemos em suas casas ,tornaram possível este trabalho . Adelina Ubatuba de Assis , Airton Policarpo , Alessandra Chaves Padilha ,Alexandre Gomes Amaro, Ana Pereira Severo , Anauro Mendonça Rocha , André Tupinanbá Baptista da Silva, Antônio Vicente dos Santos , Argentino Canett, Armedorina Maria Oliveira, Carlos Antônio da Cruz Pereira , Cintia Regina Garibalde Teixeira , Clóvis Basto Berneira, Deyse Lopes , Dirce Conceição Gomes , Dirce Dornelles dos Santos , Elda Costa , Elói Moreira dos Santos , Eurídice , Eva Oliveira da Silva , Firmo Ribeiro , Francis Fabiane de Oliveira Lemos , Gê Lopes , Gilberto Aguiar , Glessi Vitória Ribeiro , Guacira Souza , João Carlos Peil Schwonk ,João Francisco Rodrigues Cardoso , Jacemira da Rosa ,Júlia Rodrigues Lourenço , Júlio César Pinto de Freitas , Jurandy Mathias , Liduina Francisca Lopes, Liu Nunes Fraga, Luis Ayala, Luis Carlos Paiva de Freitas , Maria Clara, Maria Eloirdes da Rosa, Maria Oliveira dos Santos , Maria Teresinha Dutra, Maria Vieira Bueno, Maria Vitória de Souza, Mauro Sérgio Pinto, Miguelina da Costa Barbosa , Nadir Gonçalves Texeira , Noiara Garcia de Moraes, Naura Maria Lopes, Nelson, Otacílio Ferreira de Freitas, Padre Ângelo gaio, Raul Paz , Rosemeri Maffei Silveira , Septembrino Bond, Sérgio, Sílvio Barcelos da Rosa Sirlei, Sônia Maria Barbosa, Antônio , Thais Bernardes Marçal, Vilson Roberto Gomes . APRESENTAÇÃO Quando assumimos a Secretaria Municipal da Cultura, em 1989, Coordenada de Memória Cultural programou o projeto Memória dos Bairros, como integrante da proposta de descentralização cultural. Propositadamente , optamos por esta designação ao projeto, contrapondo-o à indêntica proposta desenvolvida pela Prefeitura de São Paulo, na segunda metade dos anos 80. Lá, publicaram-se monografias premiadas em concurso .Iniciativa meritória, diga – se de passagem, só que mostrando uma visão unilateral, passível de contestação apenas de parte daqueles que se dedicaram a estudar profundamente tais bairros ou que vivenciaram e/ou vivenciam a realidade dos mesmos . Nossa proposta difere, ao incluir o próprio morador do bairro., tornando – o sujeito da sua história . Através de metodologia de pesquisa oral, entrevistador e entrevistado unem suas forças para resgatar o passado, para compreender o presente e para projetar o futuro .A rica fonte, que são os depoimentos colhidos, estará à disposição da comunidade Porto Alegrense para que surjam versões as mais diversas sobre nossos bairros, adicionando a versão dos moradores a documentação primaria escrita ou iconográfica. Fruto desta experiência pioneira, nasce este primeiro depoimento, de autoria da professora Marion Nunes, coordenadora do projeto, que como não poderia deixar de ser, é contundente , emocionado e enriquecido pelas fotografias de José Leopoldo Plentz .Orgulhosos pelo trabalho, nós da Secretaria Municipal das Cultura, e fundação Educacional, Social e comunitária, que nos apoio nesta iniciativa ,unido-nos a população da Restinga, para comungar o lançamento da publicação MEMÓRIA DOS BAIRROS - RESTINGA, resultado do nossos esforço comun. Luiz Paulo de Pilla Vares ANTECEDENTES HISTORICOS O problema da subhabitação em Porto Alegre vem de longa data, mas se agravou a partir da década de 40, com o incremento do processo de industrialização. A expansão da industria ocasionou, no campo, a mecanização da lavoura. Esta mecanização, aliada à exploração de mão-de-obra rural, expulsou do mercado de trabalho milhares de agricultores, que, sem perspectivas, voltaram-se para a cidade em busca de melhores condições de vida, atraídos, também, pela industrialização emergente. “... Eu trabalhei numas granjas. Fazia taipa, fazia barranco, fazia valetão para fazer o açude para plantar arroz. Eu plantava arroz adiante de Pelotas. Eu era um homem.” Maria Oliveira Santos Outro fator que contribuiu para o êxodo rural foi a criação da CLT - Consolidação das Leis do Trabalho, que não contemplou o trabalhador do campo. Os migrantes chegavam a Porto Alegre cheios de sonhos e perspectivas de melhores condições de vida. Deparavam-se com uma triste realidade: a industria requeria mão-de-obra especializada. Restava, então, o agricultor, a marginalidade social e econômica na capital, sujeitando-se a humilhação de aceitar o que a cidade lhe oferecia, que era o subemprego como biscateiro, catador de papeis, etc. “ Eu trabalhava como domestica, depois nos mudamos para uma granja, ai eu comecei a trabalhar na roça, mato, lavração, fazer taipa, arrancar raiz, trabalhar com pá, picão e machado.” Julia Rodrigues Lourenço “Me marido tirava papel de sete bancos. Tinha de ir cedo, das cinco e meia as oito horas, para levar aos dormitórios e de lá para fabricas.” Maria Oliveira dos Santos Surgiam, assim , as malocas em Porto alegre. Embora muitos viessem com algum dinheiro para adquirir sua moradia, a ausência de oferta de emprego fez com que as poucas economias trazidas fossem esgotadas na luta pela sobrevivência. Desta maneira, o surgimento das malocas em Porto Alegre esta diretamente vinculado ao êxodo rural. Não se constituindo em aglomerados de ladrões e assassinos. A maloca foi a solução encontrada para um problema que vai tomando proporções gigantescas: o desemprego. No período compreendido entre 1940 e1950, o êxodo rural representou mais de 70% do aumento da população em Porto Alegre. Em vários pontos da cidade, cresceu o numero de vilas formadas por casebres. Elas refletem as desigualdades sociais geradas pela relação capital/trabalho no modo capitalista de produção, uma vez que o surgimento e a proliferação dessas “ vilas marginais” está diretamente ligado ao fator mão -de- obra, enquanto mecanismo acionador da dinâmica capitalista de exploração da força de trabalho. Nestas vilas, que atingiram proporções gigantescas nas décadas seguintes, foi sendo formado um “exército de reserva” de mão-de-obra, que passou a funcionar como regulador de salários, principalmente na área da construção civil. Por esta razão as vilas se localizavam no centro da cidade ou em bairros próximos do centro, permitindo maior flexibilidade de vir, seja à procura de trabalho ou para o deslocamento para esse trabalho, em especial as mulheres que trabalhavam como empregadas domesticas. “ Eu trabalhava na limpeza, tinha dias de faxina e só vinha para casa dormir. Eu lavava para gente que precisava fazer uma coisa ou outra.” Adelina Ubatuba de Assis Foi neste contexto de proximidade dos locais de trabalho que surgiram as vilas Theodora, Ilhota e dos Marítimos, modificando a paisagem urbana e demonstrando aos poderes públicos as condições que o modelo capitalista impõe. A Prefeitura, sendo um dos braços desse sistema, ao invés de buscar soluções para o problema, optou por alternativas que acabaram agravando ainda mais a subsistência da população marginalizada. No momento em que a política administrativa encaminhou-se para a transferencia da população marginalizada para áreas distantes do perímetro urbano, sem a infra-estrutura necessária, ficou caracterizada a intenção de esconder as contradições do sistema. Um sistema desenvolvimentista, que utilizava ate mesmo slogans “Remover para Promover”, para escamotear suas intenções capitalistas, abstendo-se responsabilidades que estas mesmas populações lhe conferiram. Quando, em 30 de dezembro de 1965, a Lei n.º 2902 cria o DEMHAB – Departamento Municipal de Habitação, abriu-se caminho para as primeiras remoções de famílias das vilas Theodora, Marítimos, Ilhota e Santa Luzia. Elas foram transferidas para um local distante vinte e dois quilômetros do centro do centro urbano, denominado Restinga. O Termo significava, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, “pequeno arroio com as margens cobertas de mato, sanga”. Realmente por ali passava o Arroio do Salso. A maneira traumatizante e brutal como eram feitos os deslocamentos demonstra quais as intenções do poder publico com o slogan “Remover para Promover”. As populações a serem removidas não eram consultadas, mas surpreendidas pela violência moral a que eram submetidas. “ Na vila Theodora, perto dos Navegantes, era outro convívio. Todo mundo lá, num certo sentido, era inocente. La dentro nunca teve assalto. Na época, eu tinha meus quatro anos mais ou menos, o leiteiro chegava e botava o leite na porta, carne o açougueiro botava, o padeiro também e nunca ninguém mexeu. Assalto, nem se ouvia falar. (...) Nos tiraram de lá, despejaram todo mundo.” André Tupinamba B. da Silva OS PRIMEIROS MORADORES Os primeiros moradores da Restinga, hoje Restinga Velha, além de serem violentados no seu direito a opção quanto ao destino que se lhes apresentou, foram, também, agredidos pela usurpação de parte de seu único patrimônio, a maloquinha. “ Quando eu vim pra Restinga eu ganhava mil e poucos de pensão e ainda comprei uma maloquinha porque a que eu tinha na outra vila era bem grande, mas quando viemos eles deram a metade da minha maloca para outra senhora, que não tinha, dizendo que iriam me dar uma casa. Ate hoje não me deram nem uma telha. Me botaram num chalezinho de duas pecinhas bem pequenas e, a noite, para dormir, a criançada tinha que botar todas as coisas na rua pois não tinha lugar. Então, daquele pinguinho que eu ganhava, comprei uma maloquinha maior onde estou ate hoje.” Eva Oliveira as Silva A preocupação do poder publico com a reorganização urbana usou um método coerente com a lógica do capitalismo, ou seja. O feio não deve ser mostrado. O feio tem que ser jogado para bem longe e nada melhor que a mata virgem da Restinga, sem estrada, sem água, sem luz, sem escola, sem atendimento medico, sem nada, apenas uma sanga. Nos estávamos lá na Ilhota, lá perto da Praça Garibaldi, do Centro (...) Foi de lá que eles nos trouxeram nessa época. Chegaram aqui, nos largaram e depois de duas semanas eles vieram para levantar a casinha. Nos estávamos numa barraquinha e nos viemos num caminhão da prefeitura (...) Eles avisaram que todos viriam para ca e quando nos viemos, eles chegaram (...) disseram que nos éramos obrigados a vir porque tinham que entregar as terras para fazerem escritórios (...) No começo, quando eu vim para ca, eu ia trabalhar, me sentava na Praça Garibaldi e ali eu chorava que nem sei, para não vir embora para casa (...) Maria Eloirdes da Rosa “ Não tinha rua. Era uma picada que nos fizemos para botar as casas. A gente derrubou aquelas arvores e fomos botando as casas. Quando eu vim tinham três casa, o resto tudo era mato.” Julia Rodrigues Lourenço “ Não tinha nada. Eram as primeiras três ruas que estavam abrindo e nos passamos trabalho aqui que nem os cachorros passam hoje (...) Tinha um ônibus da prefeitura que levava de manha cedo e trazia só de noite. Não tinha outra condução de jeito nenhum.” Eva Oliveira de Souza “ O inicio foi triste. Não tinha água, não tinha luz e os refrigerantes que agente comprava, nos fazíamos um buraco bem fundo no chão e colocava ali as frutas e os refrigerantes para ficarem bem geladinhos. (...) Os homens iam trabalhar as cinco da manhã e vinham só a noite. Não tinha outro ônibus e seis meses o ônibus foi de graça, depois fizeram abaixo-assinado para pagar, pra vir mais ônibus. E conseguimos. Num tantinho entraram três ônibus pra nos.” Maria Vitoria de Souza “ Eu ia trabalhar e deixava a casa fechada porque era deserto (...) De noite, quando eu vinha, era escuridão e eu perdia a rua (...) Caminhava, caminhava e olhava, assim no escuro. Não era (...) Caminhava pro outro lado, não era. E perdia umas cinco seis vezes, quando trouxeram pra ca (...) O ônibus era ralado (...) nos, as quatro e meia tinha que estar na parada pra ir pró centro. (...) Assim, de manhã me levantava, olhava a Estrela D′Alva e seguia reto. Quando via, o ônibus vinha vindo.” Maria Oliveira dos Santos “ Água não tinha. Água vinha de quinze em quinze dias com a pipa, mas a gente não tinha vasilhas pra botar a água e passava sede (...) Depois achamos água aqui numa figueira. Ate com a figueira terminara, com o calçamento desapareceu (...) Abrimos um poço com as mãos e dali nos tirávamos água, mas era água, era barro. Nos botávamos um pano em cima do balde ou lata e derramava o barro, porque ali tinha escorpião, tinha tudo que era bicho.” Julia Rodrigues Lourenço “ A água nas esquinas e a luz era só nas ruas e nem era em todas as ruas, só nas esquinas(...) Quando eu vim para ca, já tinha ônibus. (...) tinham só dois ou três e o pessoal marcava com pedrinha e quando ouvia o barulho do ônibus, saia correndo. As vezes alguém tirava a pedrinha dali e botava outra, pra botar outra pessoa naquele lugar. (...) Vinha outro mais vivo, tirava aquela pedrinha dali, botava outra no lugar e dava uma bagunça que só vendo.” Miguelina da Costa Barbosa “ Não tinha assistência medica também . A única coisa que vinha era um carro pra bater chapa do pessoal, do pulmão, só isso. Negócio de médico, tudo, a gente tinha que ir ao centro.” Julia Rodrigues Lourenço “ Naquele tempo nem medico tinha. Morria uma pessoa ai, sem recurso porque não tinha medico, não tinha nada. Não tinha condução pra levar (...) Naquela época eu ainda era gente, eu era mais sã. (...) Eu fiquei mais doente ainda depois que vim para ca, (...) me ralei toda.” Eva Oliveira dos Santos “ Muito chazinho. (...) Era chá naquela época, chá e não tinha nada. Se adoecia aqui, tu tinhas que mandar para a cidade.” Antônio Vicente dos Santos Apartir de então, as famílias decidiram que só organizando poderiam, através da pressão, adquirir poder para exigir o mínimo do que lhes havia sido prometido. Os poucos benefícios que começaram a usufruir nasceram das reivindicações feitas em abaixo-assinados e idas aos meios de comunicação. Nestes casos estão uma escola de primeiro grau - a José do Patrocínio – conquistada pela comunidade há vinte anos atras. “ Não tinha escola e nos fomos na radio pedir pra eles mandarem um colégio pra ca (...) Então nos arrumamos. Eles desmancharam um colégio pra fazer outro novo e trouxeram o que era mais velho pra ca.” Maria Vieira dos Santos Enquanto aguardavam a construção da escola, as mulheres conseguiram, com a presença constante nas rádios, três maquinas de costura. Com as maquinas, elas ganhariam uma ocupação. As aulas de corte e costura foram ministradas por freiras, trazidas pelo padre da vila. O padre, alem de exercer as atividades sacerdotais, era também o conselheiro daquelas famílias que lutavam contra a adversidade habitacional, social, econômica e cultural, num núcleo que as autoridades teimavam em classificar como urbano, mesmo estando localizando numa área eminentemente rural, sem ficar ruborizados de vergonha. As pessoas simples, puras e ingênuas que foram levadas para a Restinga não desanimaram. Foram enganadas no seu sonho e esperança de um mundo melhor para si e seus filhos, mas através da pressão junto a Prefeitura, conseguiram algumas melhorias. As vezes, mesmo as melhorias transformavam-se em decepção. Como a rede d′água, tão desejada, que foi instalada, mas nunca conectada as casas. “ Pois quando eles botaram água na Restinga não foi direto dentro de casa. Foi torneira na rua. (...) Formava aquela fila que era a coisa mais triste. O que chegava por ultimo (...) as vezes tinha que ir embora pra casa e não conseguia levar água. Maria vitoria de Souza Muitos outros depoimentos poderiam exemplificar o que era a Vila Restinga, no inicio de sua ocupação. Mas, talvez, a redundância de lamentos e sacrifícios vividos pelos primeiros moradores não se torne necessária para obtermos algumas conclusões sobre esse período. A falta de água, de energia elétrica, de escolas, de postos de saúde por si só depõe contra aqueles que, sob falhas administrativas, mantém uma postura voltada tão somente para a manutenção de privilégios e regalias a uns poucos e desprezo ou indiferença pela grande maioria. A prática administrativa dos governos, repensáveis pela implantação da Vila Restinga, reflete seus compromissos unicamente com os interesses políticos, econômicos e financeiros. A Vila Restinga aparece nos documentos oficiais da época como um amontoado de quadros estatísticos. Os primeiros moradores removidos para a Restinga propiciaram aos responsáveis pelo projeto “ Remover para Promover” a necessária promoção política para encaminhá-los aos parlamentos estaduais e municipais. A solução das precariedades e falhas do projeto ficou sob responsabilidade da população. EVOLUÇÃO DA VILA De 1966 foi iniciado o processo de remoção das primeiras malocas, até 1971,não houve um processo de desfavelamento ou preocupações com a melhoria da nas condições de vida da população da Restinga . População que aumentava a medida que novas remoções eram feitas pelo pode público ,ao mesmo tempo em, que famílias, sem condições de arcar com os cursos da moradia em Porto Alegre, iam, para lá por ser a única opção . Em geral, eram atraídas pelas promessas de casa própria. “Minha mãe procurou casa. Como não tinha meios de pagar aluguel ,ela foi na Prefeitura porque sabia que ela doava terrenos já com casinhas ,aqui. (...) Eles tinha prometido nos dar uma casa, que eram casinhas populares (...)Quando viemos para cá isso ainda foi prometido mas não tinha, nem estavam fazendo ainda . Nós fomos parar num banheiro de um metro quadrado onde ficava a bica .Éramos a minha mãe e cinco filhos . A gente ficava naquele quadrado ali ,mal pra caramba, mas depois a Prefeitura mandou fazer as casas, foram construídas as casas.” Aírton Policarpo As casas foram sendo construídas. Eram casas de madeira, duas peças apenas, dando o seu caráter provisório. Segundo documento do DEMHAB , o projeto previas construção de casas de alvenaria , de baixo custo , para onde seria transferidas as famílias. As construção seriam custeadas por um convênio entre o DEMHAB e o BNH Banco Nacional de Habilitação . Enquanto aguardavam o cumprimento das promessas, os moradores sentiram necessidades de maior aproximação e união , tanto para reivindicar quanto para divertimento e proteção contra possíveis atos de violência . “Bailes tinha bastante. Tinha o baile do Ademar (...) e tinha o baile do falecido Niuvo. Era uma coisa calma. Era uma vila Calma. Agente podia sair de noite. Não tinha luz, não tinha nada, mas tinha perigo.” Júlia Rodrigues Lourenço “O tempo foi passando Restinga foi evoluindo . Depois veio o salão de Baile do seu Valdir . todo mundo chamava de Baile da sede . Depois veio o clube da sete facadas , porque ali morreu um cara mal. Levou sete facadas , então apelidaram o clube de sete facadas.(...) o nome eu não me lembro .(...) Tinha uma bateria e uma gaita .” Aírton Policarpo “Quando foi um dia, eu estava lavando, minha guria de quatro anos estava brincando, escutando rádio e eu lavando. Quando vi desceu um índio, um índio mesmo, com cinco flechas, mas não me assustei, pensei mais foi na guria (...) o coitado desceu ali e tomou aquela água suja. (...) Me deu adeus e foi embora. (...) Não disse nada. Aí outras não queriam lavar ali eu disse que era bobagem e sempre fiquei lavando naquele lugar.” Júlia Rodrigues Lourenço “Foi em 66 que surgiu a brigada aqui, eram dois brigadianos. Eles ditavam a lei deles aqui dentro (...). Então não se podia passar das dez horas da noite na rua, os guris não podiam jogar bola na rua, não podiam usar fundas. (...) Se pegassem um guri solto na rua, andando sozinho, às vezes eles davam chá-de-banco.” Antônio Vicente dos santos Se alguém bebia demais e perturbava em casa, esses dois brigadianos recolhiam ao posto policial, prendiam-no até o dia seguinte, quando era obrigado a limpar os valos da vila. Outras vezes faziamno limpar o valo mais sujo, aquele que substituía os esgotos inexistentes. Como vimos, o medo, o lazer e a violência se integraram e passaram a fazer parte do cotidiano da comunidade. Angustiado pelo isolamento, pela falta de perspectivas de emprego e ludibriado quanto a sua “promoção”, o grupo encontrou na igreja o apoio que tanto necessitava em diferentes momentos de sua história. “Igreja não tinha. (...) Tinha um capão de mato, que nós limpamos bem, onde tinha uma figueira bem grande e eu levava a minha mesa pra fazer o altar e pra rezar a missa. Quem conformava nós mesmo, era o padre Sérgio. Ele fazia reunião conosco, nos levava pra fora (...) pra ver se arrumava alguma coisa pra nossa igreja...” Maria Vitória de Souza “Quando eu cheguei aqui na Restinga, eu tive meu primeiro amigo, que era músico como eu e ele tinha muita amizade com esse padre Sérgio e disse: - Vamos fazer um grupo musical, um conjunto aí? – Eu então perguntei como íamos falar com o padre Sérgio. Como nós estávamos bem ensaiadinhos, fomos lá e fizemos uma apresentação. O padre gostou, se apaixonou e (...) comprou toda a aparelhagem e formamos o grupo com mais um colega. (...) Luiz Ayala “O padre Sérgio foi o primeiro pároco, depois o segundo, o padre Antônio Gasparin, e agora o terceiro sou eu (...). Então, desde a fundação da vila, a gente sempre procurou estar presente com o povo, levando a assistência espiritual, mas também ajudando na parte social desde o princípio, principalmente por ser uma gente pobre.” Pe. Ângelo Gaio E a Vila Restinga foi se desenvolvendo desordenadamente, pois, cada nova necessidade de remoção de malocas do perímetro urbano, a Restinga era o centro receptor das populações desalojadas. Urgia uma planificação e a solução foi dividir a área de 52 hectares em 16 ruas, com 46 quarteirões. Destes, 41 foram divididos em lotes, na Segunda metade da década de 70, porque devido à pobreza da população ali instalada, não havia retorno financeiro para os cofres públicos municipais. O poder público optou por dar início a um gigantesco projeto ao lado esquerdo da Avenida João Antônio da Silveira: a construção da Nova Restinga. A partir deste momento, a Vila Restinga passou a ser oficialmente denominada Restinga Velha e junto a ela se agregaram vários outros núcleos. Eram núcleos de ocupação irregular, alguns com o consentimento do proprietário da área, outros sem esse consentimento do proprietário, e transferências feitas pelo próprio DEMHAB. Assim foram surgindo o Beco do Bita, Barro Vermelho I, Barro Vermelho II, Cabriuva, Figueira, Castelo, Esperança, Santa Rita, Nova Santa Rita e Chácara do Banco. À medida em que vão se instalando, estes aglomerados já iniciavam a organização de associações de cunho reivindicatório. “Nós tínhamos invadido uma área verde da Vila Nova, mas o proprietário era um advogado de porta-de-cadeia. (...) e aí, quem tem dinheiro é quem manda. (...) Aí a Brigada nos trouxe pra um terreno baldio onde era a Esperança. Com a ajuda de alguns políticos que queriam se candidatar (...) nós não pagamos nada pelas casas, apenas água e luz. (...) Essa área aqui, a Castelo, era área verde e parece que seria construído o hospital (...) mas aí o pessoal do DEMHAB marcou o terreno e estamos aí.” Otacílio Ferreira de Freitas e Júlio Cezar Ferreira de Freitas “A maioria do pessoal que veio pra cá, eles vieram dos Eucaliptos. Foi uma invasão que fizeram nos Eucaliptos e depois, em briga com o DEMHAB e com a Brigada, eles colocaram o pessoal aqui no Barro Vermelho. (...) Eu não fiz parte da primeira associação, que era em frente a minha casa, porque o presidente era racista. (...) E aí eu comecei a me integrar com um membro da associação. Nesse meio tempo eles resolveram me chamar aqui em casa, num Domingo à tarde, pra eu ir na associação, pra concorrer. Daí eles fizeram uma chapa pra mim e até eu ganhei sem saber de nada. Foi assim que começou.” Cintia Regina G. Teixeira Ainda com referência à organização dos moradores em associações, quando ocorreu a segunda ocupação no loteamento Nova Santa Rita, este passou a contar com duas associações. Isto porque os moradores entenderam que seus problemas diferiam dos enfrentados pelos primeiros. Queremos salientar, também, que as áreas do Beco do Bita e Chácara do Banco não pertenciam ao DEMHAB. São áreas particulares, mas que foram incorporadas neste trabalho por participarem ativamente do cotidiano do bairro, utilizando-se também da infra-estrutura do conjunto. Dadas as péssimas condições no que se refere ao saneamento básico da Restinga Velha, devido ao aumento da população e à implantação da Nova Restinga, em 1976 foi criado o projeto “PróGente”. Seu objetivo era expandir o a rede de esgotos, o abastecimentos d’água, a pavimentação e a iluminação pública. O “Pró-Gente”, entretanto, se limitou a atender a área do primitivo loteamento Restinga Velha e o Conjunto Sargento Hollenbach, construído em 1978. Este conjunto, com 416 apartamentos, destinava-se a famílias que, na época, percebessem até cinco salários mínimos. A Vila Restinga Velha foi sobrevivendo e solidificando-se a partir de movimentos organizados pela união entre moradores e Igreja, que através de mecanismos de pressão como caminhadas, criação de comissões e o desmascaramento de políticos carreiristas, conquistou as melhorias que hoje, mal ou bem, fazem com que os moradores da Restinga Velha não abandonem a luta. CRIAÇÃO DA RESTINGA NOVA Enquanto a Vila Restinga Velha teve seu desenvolvimento a partir da luta organizada de uma população dita marginal, os órgãos públicos municipais projetavam, a partir de 1969, um grande núcleo habitacional. Este núcleo deveria ser o maior de Porto Alegre e serviria de exemplo para o Brasil, talvez sonhando transformar o país numa grande Restinga. O núcleo foi construído ao lado esquerdo da Avenida João Antônio da Silveira, que passou a ser o divisor das águas entre as duas Restingas. A área do novo plano foi dividida em cinco unidades vicinais, onde seriam construídas habitações, escolas, creches, centros de cuidados diurnos, centros de recreação e lazer, comércio, hospital, etc. Até hoje, somente quatro unidades foram concluídas. Ao contrário da Restinga Velha, na parte Nova, houve uma preocupação com que as obras fossem realizadas com a maior rapidez possível. A primeira unidade, construída a partir de 70, tem seus trabalhos concluídos em 71 e a senhora Britz Cavalheiro Rodrigues foi a primeira moradora, em 10 de setembro de 1971. Dona Britz vinha da Restinga Velha. As casas eram entregues aos moradores, à medida em que eram concluídas. A aquisição dependia de inscrição feita no DEMHAB que, através de sorteio, as entregava aos trabalhadores que percebessem até cinco salários mínimos. Entretanto, seguindo a prática do favoritismo e conseqüente clientelismo, estes critérios não foram respeitados. “Aí eu me casei e morei com a sogra os primeiros quatro anos de casamento, depois consegui essa casa. (...) A gente sempre tem um padrinho. Eu acho que isso é relacionado com amizade. Com influência a gente consegue mais fácil as coisas. (...) Aí ficou mais fácil mandar uma cartinha de recomendação através do meu patrão.” Dirce Conceição Gomes “Fui um dos primeiros a ocupar a primeira unidade. (...) O meu pai e a minha mãe atribuem que tivessem vindo porque falaram com um político influente. (...) Ainda mais que já havia sido previsto por um amigo da família que as nossas duas famílias viriam pra vila. Minha vó moraria numa esquina, nós moraríamos noutra e minha mãe trabalharia na creche.” Alexandre Gomes Amaro Muitas das pessoas que moravam na Vila Restinga Velha viam com expectativa a construção da Nova Restinga, pois elas tinham ido para lá provisoriamente, e seriam as primeiras a ocupar as casas. Entretanto, poucos puderam mudar-se para o novo núcleo, devido à alta prestação da época e por serem trabalhadores, em sua maioria, sem estabilidade empregatícia. A partir de então, a triagem era feita nas vilas periféricas, através de inscrições. Quem não pudesse arcar com ônus da prestação era jogado na Restinga Velha. “(...) porque quando foi feita essa primeira unidade, foi feita para nós, casas de material. Mas aí eu não tinha ninguém que podia se empregar. Os guris eram menores e aí faziam biscatezinho e eu fiquei com medo de não poder pagar. Quase ninguém, naquela época, quis as casinhas. E foi um erro, porque eu agora pago oitocentos e pouco de terreno por mês e as casinhas são trezentos, trezentos e poucos. Já estaria até paga.” Eva Oliveira da Silva “Isso aí foi paternalismo realmente. Foram pessoas que, de repente, se usufruíram de determinados bens públicos pra criarem culto à personalidade deles. A Restinga Velha surgiu de pessoas que aguardariam a construção de moradias mais decentes, com esgoto cloacal, água, chuveiro, com melhor infra-estrutura. Mas essas pessoas foram frustadas porque os critérios de seleção das pessoas pra morarem aqui exigiam alguns determinados requisitos que pessoas que esperavam vagas não tinham. Eram filhos do subemprego.” Alexandre Gomes Amaro “Então eu fiz o seguinte, me candidatei aqui e fui sorteado com uma casa. (...) Aí eu vim pra cá. Parece que estavam construindo a Terceira Unidade e eu me inscrevi. Através de sorte e mais um pouco, mas não vou citar o nome do candidato, tirei uma casinha.” Septembrino Bond “Eu morava na Cavalhada, em casa alugada, e o sonho do trabalhador é ter sua casa própria. A Restinga estava começando a propiciar moradia própria ao trabalhador (...) Como muitos, na Restinga, conseguimos por baixo dos panos. Acordinho. O pai conhecia um cara, tinha relação com um cara, assim por diante.” Gilberto Aguiar À medida em que as habitações foram sendo ocupadas houve o retorno financeiro aos cofres públicos, o que possibilitou a construção das demais unidades. Em 1977, estavam concluídas e ocupadas as três primeiras unidades vicinais, bem como o Centro Comunitário da Restinga. Em 81, foi a vez da quarta unidade ser complementada. O Conjunto Habitacional Monte Castelo, com 512 apartamentos, ficou pronto entre a primeira e a segunda unidade. Verificamos que a população da Nova Restinga foi aumentando conforme as casas concluídas. Na Restinga Velha, o crescimento ocorreu devido às remoções feitas para aquela área. Com as duas Restingas aumentando sua densidade demográfica por populações de origem bem diversificadas e heterogênea, houve necessidade de aumentar, também, a segurança pública, pois até então não havia policiamento extensivo. “Antes o policiamento era feito pela 4ª Companhia, situada no 1º Batalhão, da Praia de Belas. (...) O policial não morava no bairro. (...) Quando nos fixamos aqui fazíamos policiamento preventivo nas escolas. (...) Em todas Unidades aqui da Restinga, principalmente a primeira unidade da Restinga Nova e a Restinga Velha, o marginal não enfrentava, não tiroteava. (...) Naquela época quem atirava na polícia era o cara que era metido a valentão. Hoje em dia qualquer gurizinho de doze anos, treze anos, está com dois revólveres na cintura, está cheirando loló e fumando maconha.” Cabo Clóvis Bastos Berneira Apesar de todas promessas de dotar a Vila Nova Restinga com total infra-estrutura, esta ocorreu de fato no que se referia ao saneamento básico. Mas, como na Restinga Velha, continuava a falta de transporte, telefone, hospital. Para conquistá-los, a comunidade iniciou um trabalho de organização de associações por unidades vicinais. “Aí depois foi fundada a associação dos moradores da Terceira Unidade por uma reivindicação do pessoal aqui de quatro quadras. (...) Eu fiz parte da primeira diretoria. (...) Foi feita uma praça de esportes onde tem uma cancha de futebol de salão iluminada em uma cancha de bocha. (...) Em matéria de reivindicação, nós entramos no telefone comunitário ou, naquela época foi muito badalado aqui na Restinga, que o governo ia implantar centrais telefônicas comunitárias em vilas e em blocos. (...)Já ai surgiu o problema político, inclusive um diretor da CRT (...)fez promessas, ai fomos cadastrados lá também e até hoje a gente está esperando (..)Em termos de saúde nós conseguimos junto com outras associações, a AMOVIR, Barro Vermelho, Santa Rita, conseguimos o centro de Saúde, que é do município, atualmente em Belém Novo.(...) Sou dos fundadores da CONLUT que surgiu agora há pouco, mas infelizmente não conseguimos registrar a CONLUT.” Firmo Ribeiro “ Quando fundaram a Quarta Unidade, já fundaram a AMORVIR que, dependendo da pessoa que dirige, tem bom resultado. Esses ônibus, por exemplo, foi uma batalha, mas conseguimos. Também foi AMOVIR que batalhou pra que o DMLU viesse pra cá limpar a Restinga .” Naura Maria Lopes Para continuar na luta e seguir assegurando a união da comunidade de para que atendesse ao chamado quando fosse necessário, nada melhor do que propiciar atividades culturais e recreativas, uma vez que a Restinga não possuía cinema, tetro, biblioteca. Havia o centro comunitário – CECORES, com um ginásio de esportes coberto, campos de futebol espalhados por quase todas as ruas. A criação de uma escola de samba, além de mobilizar a comunidade para um novo tipo de divertimento e lazer, serviu também para conscientiza – lá de que o carnaval não deveria ser visto apenas como um bando de homem e mulheres pulando nas ruas, mas também como um mecanismo para o desenvolvimento de um tipo de cultura popular. “Quando eu chequei aqui tinha uma outra escola, era Unidos da Restinga, que não estava numa fase muito boa.(...) ai um grupo veio me procurar pra pegar a escola de samba (...)então lhe disse: - Se vocês acham que não está boa é porque vocês tem condições de fazer coisa melhor. Se vocês quiserem eu participo. – Ficamos assim (...)Em 30 de março de 1977 fizemos uma reunião e partidos para uma nova escola (...)O Estado Maior foi um novo grupo que se criou e eu fui presidente até 82.(..) Hoje tem duas escolas aqui, mas eu acho que ganha é a comunidade porque (...) uma escola vai para a avenida, seja ela de onde for, ela é um espetáculo. Seria, por exemplo, como um teatro no asfalto (..) O carnaval era considerado pela a sociedade um reduto de marginais. Felizmente conseguimos sua oficialização porque o carnaval é cultura popular.” Septembrino Bond Apesar de, no campo cultural, pouco ou quase nada Ter sido promovido pelos órgãos municipais competentes, talvez até deliberadamente, por tratar – se de um período de ditadura militar no pais, a infra-estrutura na Restinga foi sendo aprimorada. Foram implantados pequenos centros comerciais, contruidas escolas, creches, ginásio de esportes, delegacia de policia, posto de saúde. ]para que fosse viável a comunidade das obras, bem como a conservação das já existentes, foi publicado pelo DEMHAB, em 1972, as “Instruções aos Moradores”. Essas “Instruções “,no seu preâmbulo, continham uma mensagem aos moradores, coerente com a época a que nos referimos. Parte texto dizia : “PASSADO Recordando bem, antes a gente morava mal como tantos outros que vivem em barracos ou moram e peças cedidas ou alugadas. O aperto era grande (...) As casas aglomeravam-se em cima de terrenos irregulares, insalubres, contaminados . (... O sonho de um lar cheio de harmonia, paz e amor, desejo justo de toda a criatura humana, era era contaminado pelo próprio ambiente.(...) Graças a Deus, nós, moradores da nova Restinga, já não fazermos parte da marginalizados em habitação. O DEMHAB, junto como BNH, constrói casa pra valer !Se tudo continuar assim,em alguns anos todo o Brasileiro terá sua casa própria (...). Hoje Pois é, quem diria que o Projeto nova Restinga, do DEMHAB, fosse tão espetacular !Agora a gente tem tudo(..) Devemos orgulhar- nos da nova comunidade e cada um zelar pelo que é seu para que um novo bairro seja, de fato, o cartão de visitas da grande Porto Alegre. Afinal de contas, a beleza de um lugar é o espelho dos seus moradores. Não sei se todos sabem, o Projeto Nova Restinga, no seu gênero, é considerado modelo do Brasil. E já veio gente até de outros países para ver o que aqui se constrói(..). O Brasil cresce! O milagre brasileiro é pura realidade .Somos o quinto país em tamanho, o oitavo em população e o décimo primeiro em congresso e riqueza . E se o Brasil continuar nesse ritmo de desenvolvimento, bem em breve será uma das maiores potências mundiais. Mas para que isso aconteça, é necessário todo o mundo dar um durão danado(..) Agora é pegar ou pagar a casa, cuidar com carinho do que se tem. Assim, a gente acrescenta um tijolo na construção da Nova Pátria Gloriosa. DEMHAB – Vila Nova Restinga Instrução Aos Moradores Novembro - 1972 A RESTINGA HOJE Enquanto a Restinga Nova não sofreu acréscimo de população recentemente, pois não foram construídas novas unidades, nem os prédios projetados para a Quinta unidade vicinal, a Restinga Velha foi sendo ocupada por novos aglomerados. “ Recebi informações de que estavam dando terrenos para quem tivesse invadido varias vezes a Restinga (...) Nos invadimos uma área verde e a policia começou a tirar todo mundo. Ai, pessoas da Restinga começaram a lutar pra que fosse conseguida uma área para o pessoal que estava em área verde se mudar. Ai conseguiram este loteamento que não era nem Cabriúva ainda. (...) Eram duzentos e quinze lotes, mas acho que uns foram tirados. Tinha áreas que não davam pra construir, porque tinha pedras e crateras.” Rosane Trindade Gomes “Isso aqui era sede de um banco, daí surgiu o nome chácara do Banco. Isso aqui era de herdeiros e depois eles venderam pra nos. Aqui não tem nada com o DEMHAB, e particular, foi diretamente com o dono.” Jurandy Mathias Os novos aglomerados, alguns em áreas que não eram do DEMHAB, formam aos poucos se organizando em associações e se aproximando dos núcleos mais antigos, porque dependiam da mesma infra-estrutura de saneamento básico, transporte, saúde. “ Nossa associação começou a se formar em 81, mas apareceu a partir de 82. (...) Então nossas conquistas foram fruto do trabalho da associação com a comunidade em geral. Nos buscamos pra ca a água, a energia elétrica. A nossa primeira conquista foi a abertura das ruas, porque não tinha ruas trança Jurandy Mathias Hoje, a Restinga, que havia sido projetada para abrigar, no máximo, cinqüenta mil pessoas, esta com uma população de cento e cinqüenta mil pessoas. Os dados são das associações comunitárias e do DEMHAB. Junto a Restinga Velha temos as Vilas Santa Rita, Barro Vermelho, Figueira, Cabriúva, Chácara do Banco, Marina, Castelo, Bita, Elo Perdido, Pitinga, Flor da Restinga, Vila Particular e o conjunto de apartamentos Silvio Hollenbach. Na Nova Restinga, além das quatros unidades vicinais, existe os conjuntos Monte Castelo, na Segunda unidade, e Loureiro da Silva e Angico, na Quarta unidade. Abrigando 10% da população de Porto Alegre, os problemas da Restinga são hoje bem maiores no que se refere à violência, a recreação e lazer, ao mercado de trabalho, a educação e aos transportes. O que inicialmente seria um núcleo habitacional, e hoje um dos bairros mais populosos da cidade. Cabe a administração publica solucionar esses problemas, que não foram criados pela comunidade, e sim, impostos por um sistema pelo qual ela não e responsável, mas vitima. “ Não, cadeia não tem. Aqui todas prisões que a PM faz aqui na Restinga e na área de ação dela, que e a primeira quadra que a gente chama, primeira quadra corresponde a uma companhia, que ela pega desde o Posto do Bolonha ate a divisa com Itapuã, são levadas para a delegacia, se os infratores forem maiores, e para o DIPAME, se forem menores.” Cabo Clovis Bastos Berneira “ Nos tentamos combater a violência onde ela mais estava existindo, em torno da Restinga Velha. Porque a própria renda do pessoal que mora ali e baixa. A situação econômica deles e muito precária, então a tendência e aumentar a criminalidade. Há uma grande necessidade. Os pais, por exemplo, saem pra trabalhar e deixam os filhos em casa. Isso gera o que? Amizades. Os filhos, estando sozinhos, vão procurar amigos. E, a partir daí, e o primeiro passo pra que ele entre no crime. (...) Na Nova Restinga a criminalidade em menor proporção porque aqui na Restinga Nova, por exemplo, o pessoal já possui uma casa melhor, uma melhor condição de vida. (...) São funcionários públicos, tem emprego fixo, então, a daí, eles tem uma estabilidade, ate emocional, maior do que os outros que vivem numa instabilidade emocional, porque a maioria e operário da construção civil e há uma rotatividade muito grande de empregos. (...) Isso ai pode ocasionar, eventualmente, um desespero na pessoa e ela entra pra criminalidade. Silvio Barcelos da Rosa Filho Inspetor de Policia “ O lazer ? Tem aos domingos jogo de futebol pra quem gosta. Praçinha pras crianças, e só o que tem aqui. (...) Pra nos, mais adultos, e só caminhar por ai porque não tem outro divertimento. Se aqui na Velha Tivesse um clube ou uma sede pra nos divertimos, mas não tem. Se construíssem um cinema, lojas de lazer, porque pra ir num cinema ou ver lojas temos que ir ao centro.” Maria Eloirdes e Jocenira da Rosa “ Lazer, pra mim aqui, e o nosso divertimentozinho nas reuniões dos idosos. A gente se junta as terças-feiras, conversamos, tomamos chá. Pra mim, e só isso ai meu lazer.” Maria Teresinha Dutra No plano original de criação da Nova Restinga havia a previsão de ser criado ali um Distrito Industrial. Na proposta do Distrito Industrial, porem, não era mencionada a preocupação com geração de empregos para a população local e sim a de abrir determinadas industrias perturbadoras do bemestar dos moradores do perímetro urbano. “A gente prioridade inicial será dada as empresas industriais situadas, atualmente, em locais não permitidos pelo Plano Diretor de Porto Alegre e que, pelos seus efluentes líquidos, gasosos ou sonoros causam incômodos em áreas residenciais localizas próximas a sua atual situação. Na Restinga, ao contrario, tais empresas disporão de toda a infra-estrutura necessária a não perturbarem a população la residente.” DEMHAB ADOTA SISTEMA DE COMPUTAÇÃO DE DADOS “ A gente ate e favorável, só que dentro de dois critérios: que p próprio movimento popular aqui da Restinga possa definir que tipos de fabrica tem que vir pra ca devido ao problema da ecologia e da mão-de-obra. Esses são os dois critérios. A mão-de-obra tem que ser daqui.” Gilberto Aguiar “ No sentido do trabalho vai melhor, mas no sentido climático já vai mudar. Pode não ser grande poluidora do ar mas um mínimo que sair de poluição já vai estragar toda aquela estrutura que já estragada porque se tu subires em cima do morro, num dia de sol claro, tu vês que em cima da vila fica uma nuvem, tipo uma névoa. Eu acho melhor, aqui dentro da vila, um distrito agrícola, tem terra pra fazer isso. (...) Um monte de verduras que da em descida de morro. E eles não enxergam isso. (...) e o aluguel, pra quanto vai subir ? E a condução, pra quanto vai ? André Tupinamba dos Santos No que diz respeito ao ensino, aos transportes e saúde, a Restinga hoje esta melhor equipada, mas longe das aspirações da comunidade. E justificável, por exemplo, o fato de não existir hospital num bairro de cento e cinqüenta mil pessoas, considerando-se que o atendimento a saúde e dever do Estado. As palavras do padre Gaio, que atua no bairro, expressam muito bem a maneira como num sistema capitalista, onde as contradições são a tônica de sua própria sobrevivência, as coisas devem ser conduzidas. “ e hoje em dia, por exemplo, também como papel da Igreja nos estamos tentando (...) organizar a comunidade pra que procure buscar a solução dos problemas que existem aqui na vila, porque eu acho que só através da organização do povo que a gente pode chegar a solução disso. (...) Aqui na paroquia surgiram varias iniciativas no campo social, por exemplo, a comissão de saúde reivindicando melhor assistência medica, ambulância para atender os três postos de saúde. (...) E também trabalhar, quem sabe, pra futuramente a gente construir um hospital. (...) Eu acho que a igreja tem que estar presente. Eu estou acompanhando a vila desde 75. Então, desde aquele tempo a gente via um crescimento. Quando eu vim só tinha a primeira e a Segunda unidades, hoje a terceira e a Quarta unidades (...) e a gente vê que tem condições de crescer mais ainda. (...) E a gente tentar conscientizar o povo que tem que se organizar cada vez mais, pra reivindicar. (...) Agora, eu acho que aquilo que prejudica muito essa caminhada (...) e que por trás de tudo isso existe mais o interesse político - partidário. No tempo de eleição todo mundo aparece e depois não aprece mais ninguém. Ate mesmo as associações e entidades servem como comitês eleitorais (...) e isso faz com que a comunidade se divida. (...) Eu acho que a gente tem que conscientizar a comunidade de que trabalho comunitário, partidário e uma outra coisa.” Pe. Angelo Gaio COSIDERAÇÕES FINAIS “ C onhecer e trabalhar com a comunidade da Restinga representou um crescimento pessoal e profissional ao grupo, à medida em que nos levou a reflexões profundas sobre a necessidade de reformulação de conceitos e valores, no trato com o ser humano. Contamos que não é em partir de seus anseios, suas necessidades e seu cotidiano, elas, juntamente com os órgãos gabinetes que tecnocratas devem planejar e planificar projetos a serem desenvolvidos junto às comunidades, mas sim que primeiro as pessoas devem ser ouvidas e, a responsáveis, traçarão as diretrizes dos seus destinos e do seu modus vivendi”. Isso não acontece na Restinga. Hoje, com uma população três vezes maior do que o projeto “ Renovar para Promover ” estabelecia, ela apresenta contrastes e contradições entre a Velha e a Nova, iniciando pelo próprio espaço ocupado por ambas, cujo divisor de águas é a Avenida João Antônio da Silveira. Esses contrastes e contradições levaram a uma discriminação da população de uma área contra a população de outra. As duas dificilmente se integram e, como vimos no depoimentos, até mesmo no que se refere ao lazer. O CECORES não consegue cumprir sua função de centro aglutinador de atividades conjuntas da comunidade do bairro, pois é considerado elistista pela população da restinga velha. Isso se explica por serem os moradores da parte velha pessoas mais pobres, operários com nível de instrução inferior ao dos funcionários públicos, profissionais liberais, professores e estudantes universitários da Nova Restinga. “ Existe preconceito. TU moras na Nova eu morro na Velha, aquela coisa do ser humano. Ele se sente mais rebaixado morando na velha porque até o ônibus, por exemplo, foram apartados.(...) Existe Restinga Velha e Restinga Nova, bem que uma linha de ônibus poderia fazer tanto a Velha como a Nova.” Ayrton Policarpo “ Olha, não é querer puxar a brasa pro assado da gente e nem querer menosprezar as pessoas. Mas tem gente na Velha que é brabo.(...) Acho que a maioria do pessoal não quer vir pra cá por causa daquele pessoal da Velha.(...) E tem outra coisa também. Os meios de comunicação, principalmente o jornal, quando acontece uma coisa lá na Restinga Velha, eles botam que aconteceu na Restinga, pra eles é uma coisa só.” Naura Maria Lopes e Gê E enquanto o desenvolvimento da Nova Restinga vai se caracterizando pela presença cada vez maior de automóveis, os traçados das ruas vão desmantelando a paisagem natural. Na Velha Restinga cristaliza – se a presença do cavalo, da carroça e as belas figueiras, preservadas pelos moradores, dando ao local uma imagem interiorana na aridez do asfalto. Prefeitura Municipal De Porto Alegre LEI N.º6571 Denomina Bairro Restinga as atuais Vila Pitinga, Vila Restinga Nova, Vila Restinga velha, Vila Mariana, Barro Vermelho, Chácara do banco, Vila Flor da Restinga, Vila Monte Castelo e Vila Santa Rita e dá outras providências O PREFEITO MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE. Faço saber que a câmara Municipal aprovou e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º - Ficam denominadas Bairro Restinga as Vilas Restinga Nova, Restinga Velha, Vila Monte Castelo, Vila Santa Rita, Vila Mariana, Vila Flor da Restinga, Barro Vermelho, Chácara do Banco, Costa Gama e Vila Pitinga. Art.2º Bairro Restinga a área compreendida nos seguintes limites: do encontro até a Estrada do João Antonio da Silveira da AV. Edgar Pires de Castro com a Estrada Costa Gama, indo por esta no sentido Norte até a Estrada Octávio Frasca. Por esta até a Estrada do Rincão e pela Estrada do Rincão até a Estrada João Antônio da Silveira. Deste ponto por uma linha reta, seca e imaginaria, até o marco geodésio do Morro São Pedro. Deste marco, por uma linha reta, seca e imaginaria ,até a esquina da AV .Edgar Pires de Castro com a Estrada Francisca de Oliveira Vieira, indo, finalmente, pela AV. Edgar Pires de Castro até encontrar a Estrada Costa Gama. Art.3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação . Art.4º - Revogam- se as disposições em contrário. PREFEITURA MUNIC9IPAL DE PORTO ALEGRE,08 de janeiro de 1990. Olivio Dutra, Prefeito. Newton Burmeister, Secretário Municipal de ObraS E Viação. Registre – se e publique- se. Tarso Genro, Secretário do Governo Municipal, respondendo.