Matéria: Literatura
Assunto: impressionismo
Prof. Ibirá costa
Literatura
Impressionismo (Séc. XIX)
Raul Pompéia (1863-1895)
Obra: O Ateneu (1888)
Nasceu em Angra dos Reis, estudou no famoso Colégio Pedro II,
bacharelando-se em Direito pela Faculdade do Recife. Ocupou vários
cargos públicos. Sua sensibilidade exaltada o levou ao suicídio, após
frustrado duelo com Olavo Bilac.
Ainda que tenha escrito um livro de poemas (Canções sem metro),
uma novela (Uma tragédia no Amazonas) e tenha deixado obras inéditas,
Raul Pompéia se identifica como autor de um romance essencial de nossa
literatura: O Ateneu, que trazia como subtítulo: Crônica de saudades.
Fortemente autobiográfico, o texto parte de uma experiência pessoal
do autor num sistema de internato. Marcado de forma radical por essa
experiência, trata de recriá-la, valendo-se para isso de um personagem
chamado Sérgio. Projeção de Raul Pompéia, Sérgio enfoca, em 1ª pessoa,
o início de sua adolescência passada no internato. A narrativa constrói-se
a partir da perspectiva do Sérgio já amadurecido. E o leitor tem a visão
de um sujeito adulto que lembra de acontecimentos. Assim, o romance é
a memória adulta de uma experiência juvenil. Atente-se para o primeiro
parágrafo do texto:
“Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem
para a luta. Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me
despia, num gesto, das ilusões de criança educada exoticamente na estufa
de carinho que é o regime do amor doméstico”.
Vê-se aqui que o narrador, no presente (a idade madura), analisa os
dados do passado. Suas lembranças confundem-se com os julgamentos
que emitirá sobre a existência no educandário. Não há, pois, uma história
encadeada, um enredo propriamente dito, e sim um acúmulo de fatos,
percepções, situações e impressões, que sentem para indicar a psicologia
Literatura – Prof. Ibirá Costa
e a estrutura social do mundo do internato. O próprio tempo objetivo da
ação dissolve-se na densa subjetividade do narrador.
A Corrupção no Colégio
Sensível, Sérgio percebe, angustiado, o cair das aparências. “solitário e
solidário”, conforme análise do crítico Astrogildo Pereira, procura ligações
autênticas com os colegas. Mas o que encontra é a brutalidade, a vontade
de poder, a exploração e o homossexualismo. Todas as camaradagens são
efêmeras e dissimuladas:
Uma cáfila! (dizia Rebelo) Não imagina, meu caro Sérgio. Conte uma
desgraça ter de viver com esta gente, (...) Aí vão as carinhas sonsas,
generosa mocidade... Uns perversos. Têm mais pecados na consciência que
um confessor no ouvido; uma mentira em cada dente, um vício em cada
polegada de pele. Fiem-se neles. São servis, traidores, brutais, adulões.
Vão juntos. Pensa-se que são amigos... Sócios de bandalheira! Cheiram à
corrupção, empestam de longe.
Isto é uma multidão; é preciso força de cotovelos para romper. (...) Os
gênios fazem aqui dois sexos, como se fosse uma escola mista. Os rapazes
tímidos, ingênuos, sem sangue, são brandamente impedidos para o sexo
da fraqueza; são dominados, festejados, pervertidos como mentiras ao
desamparo. (...) Faça-se homem, meu amigo! Comece por não admitir
protetores.
Os vínculos de Sérgio com Sanches e Bento Alves estão assinalados por
esta terrível atração que, às vezes, os dominados têm pelos dominadores.
Consideravam-no principalmente pela nomeada de hercúleo. Os fortes
constituem uma fidalguia de privilégios no internato. (...).
Estimei-o femininamente, porque era grande, forte, bravo; porque me
podia valer; porque me respeitava, quase tímido, como se não tivesse
ânimo de ser amigo. Para me fitar esperava que eu tirasse dele os meus
olhos. (...) Aquela timidez, em vez de alertar, enternecia-me...
www.enemquiz.com.br
Mas a síntese da dissolução de todos os valores é Aristarco, o diretor
do colégio. Para Sérgio, ele encarna a perversidade do sistema. E o ódio,
que o narrador-adulto guarda do internato, converge para Aristarco.
Caricaturizado , tornado grotesco, sem qualquer sintoma de humanismo,
dirige o seu colégio como se fosse uma casa de comércio.
O sucesso de Aristarco origina-se dessa aparência de educador.
Mantém-na graças ao enfatuamento, brilho e violência de sua retórica. O
discurso encobre e mistifica a realidade, a linguagem serve ao poder.
Um trabalho insano! (dizia Aristarco) Moderar, animar, corrigir esta
massa de caracteres onde começa a ferver o fermento das inclinações,
encontrar e encaminhar a natureza na época dos violentos ímpetos:
amordaçar excessivos ardores; retemperar o ânimo dos que se dão por
vencidos precocemnete; espreitar, advinhar os temperamentos; prevenir
a corrupção; (...) prevenir a depravação dos inocentes; espreitar os sítios
obscuros; fiscalizar as amizades; desconfiar das hipocrisias; ser amoroso,
ser violento, ser firme; triunfar dos sentimentos de compaixão para ser
correto; proceder com segurança, para depois duvidar; punir para pedir
perdão depois... (...) Ah, meus amigos, concluiu ofegante, não é o espírito
que me custa, não é o estudo dos rapazes a minha preocupação... É o
caráter! Não é a preguiça o inimigo, é a imoralidade! Aristarco tinha para
esta palavra uma entonação especial, comprida e terrível, que nunca mais
esquece quem a ouviu de seus lábios. “A imoralidade”.
E recuava tragicamente, crispando a mão. Ah! mas eu sou tremendo
quando esta desgraça nos escandaliza. Não! Estejam tranqüilos os pais!
No Ateneu, a imoralidade não existe. Velo pela candura das crianças, como
se fossem não digo meus filhos: minhas próprias filhas!
www.enemquiz.com.br
Literatura – Prof. Ibirá Costa
O adolescente Sérgio descobre a falsidade da linguagem de Aristarco.
O adulto Sérgio, inventariando o passado no colégio, leva a hipocrisia das
falas de Aristarco até os limites da Sordidez.
Mário de Andrade reparou que ninguém parece escapar à corrupção
que domina o colégio. Professores, colegas, funcionários, etc. Mesmo Ema,
esposa de Aristarco, dada pelo narrador como uma caricatura generosa, é
envolvida num clima de difuso erotismo em seu contato com Sérgio. Um
adolescente, Franco, por sua fragilidade e fracasso nos estudos, trona-se
o bode expiatório do colégio. Sérgio aproxima-se dele e descobre que,
inclusive, o fraco está contaminado pela perversidade.
Também Sérgio se corrompe: “Tornei-me um animalzinho ruim”.
Sofre o condicionamento do meio, torna-se vítima do sistema. O que não
impede, conforme observação do crítico Alfredo Bosi, de se converter em
promotor, pois seu texto tem o alcance de uma poderosa acusação contra
o Internato.
A linguagem e a Classificação
A narrativa de Raul Pompéia filia-se à chamada “prosa artística”,
desenvolvida na França pelos irmãos Gongourt. Trabalhada de maneira
intensa, com grande força plástica e sonora, despreza a noção realista de
simplicidade e despojamento, buscando em comparações e metáforas
a sua expressividade. O tom requintado de sua fabricação dá-lhe certo
artificialismo. No caso de O Ateneu, a “escritura artística” transforma-se
muitas vezes em retórica, o que prejudica a fluência do texto.
Raul Pompéia já foi incluído na estética naturalista. A idéia da corrupção
do meio percorre o seu romance. Mas a diluição da objetividade narrativa
implica um radical afastamento dos princípios daquele movimento. Alguns
consideram a narrativa como realista, usando os mesmos critérios para a
classificação da obra de Machado de Assis. Achou-se a delimitação vaga
demais, até que o Impressionismo entrou em voga. Hoje, a maioria da
crítica considera O Ateneu como um relato impressionista.
www.enemquiz.com.br
O Impressionismo foi um estilo que teve o apogeu nas últimas décadas
do século XIX; no campo das artes plásticas, principalmente. Seu princípio
básico é o de que todo e qualquer conhecimento racional e objetivo da
realidade é precedido de uma sensação. Ou seja, de uma impressão sobre
essa realidade.
O Ateneu supera uma formulação real/naturalista, pois apresenta um
narrador cheio de emotividade. Sérgio, adulto, quer rememorar com
objetividade as experiências do menino. Porém, à medida que ele recorda
o passado, este começa a voltar com força e vida e, de repente, o adulto
é tragado pelas impressões do menino que duram, persistem na alma do
adulto. E O Ateneu converte-se na pura expressão das emoções de Sérgio.
As impressões são demasiadamente intensas para que ele seja impessoal.
Daí o caráter impressionista de seu romance.
Espaço
A obra é claramente dividida em dois espaços: fora e dentro do colégio. O
primeiro é visto como ambiência do mundo natural. O segundo funciona
como rito de iniciação, acontecimento traumático por meio do qual ocorre
a passagem do universo infantil para o adulto, espaço para a formação do
homem. O Ateneu, contudo, em vez de formar, deforma o homem. Trata-se
de uma formação às avessas, ou seja, o que se espera de uma instituição é
subvertido por uma educação bárbara. O ensino no colégio é determinado
por um espaço no qual impera o ideal da força sobre os mais fracos. Tempo
O tempo é dividido em tempo psicológico e tempo vivido. O primeiro
é o da memória, manuseado pelo narrador da maneira que lhe vem na
consciência. Assim, na narração temos os episódios que ficaram na memória
narrativa do autor. Já o tempo vivido se circunscreve linearmente aos dois
anos de internato vividos pelo protagonista. Isso garante complexidade à
obra e confere maior densidade a sua leitura.
www.enemquiz.com.br
Download

Matéria: Literatura Assunto: impressionismo Prof. Ibirá costa