ISSN 141J-3555 Rev. bras. fisioter. Vol. 9, No. 3 (2005), 373-376 ©Revista Brasileira de Fisioterapia DESENVOLVIMENTO E TESTE DE SUPORTE DE PESO CORPORAL INSTRUMENTALIZADO PARA O TREINO DE MARCHA EM ESTEIRA Roesler, H., Canavezzi, A., Bonamigo, E. C. B. e Haupenthal, A. Laboratório de Pesquisas em Biomecânica Aquática, Centro de Educação Física, Fisioterapia e Desportos, Universidade do Estado de Santa Catarina- UDESC, Florianópolis, SC Correspondência para: Helio Roesler, Centro de Educação Física, Fisioterapia e Desportos, Laboratório de Pesquisas em Biomecânica Aquática- CEFID/UDESC, Rua Paschoal Simone, 358, CEP 88080-350, Coqueiros, Florianópolis, SC, e-mail: [email protected] Recebido: 8/3/2005- Aceito: 30/6/2005 RESUMO Objetivo: O objetivo deste trabalho foi testar a funcionalidade do sistema de suporte de peso corporal (SPC) instrumentalizado e medir a quantidade de suporte de peso durante o treinn de marcha em esteira. Método: No SPC instrumentalizado foram inseridas duas células de carga, uma tipo anel para medição da força vertical e outra tipo viga retangular para medição da carga no suporte manual. Somando-se as forças das células tem-se a carga total do SPC durante a marcha. Para testar a funcionalidade do sistema foi realizado ensaio com um paciente com paralisia cerebral diplégica. Resultado: Este paciente que possuía autonomia de 33 passos sem apoio conseguiu realizar o ensaio nas velocidades de I ,O km/h a 3,5 km/h, caminhando por I O min. Foi conseguida a mensuração da quantidade de peso suportada pelo instrumental durante todo o ensaio. Com base nas aquisições, pode-se ver que o porcentual suportado está continuamente variando com a locomoção do paciente. A utilização do SPC instrumentalizado durante o treino de marcha gerou algumas vantagens: saber o valor e a variação ela porcentagem de peso, gerar retroalimentação para o paciente e armazenar dados para o acompanhamento do paciente e de sua evolução ou para compará-lo aos outros pacientes. Conclusão: O equipamento desenvolvido funcionou eficazmente e foi possível mensurar a força durante a marcha com SPC na esteira. Ficou caracterizado que esta força não é constante e varia também com o aumento da velocidade ela marcha. Palm'l'as-chave: instrumentação, suporte de peso corporal, marcha. ABSTRACT Development and testing of an instrumented body weight support system for gait training on treadmill Ohjective: To test the functionality of an instrumented bocly weight support (BWS) system and to measure the amount of weight support during gait training on a treaclmill. Method: Two Joaci cells were insertecl in the instrumented BWS system: one ring-type cell for measuring the vertical force and another rectangular bar-type cell for measuring the load on the hand support. By summing the forces in the cells, the total load on the BWS system during gait can be obtained. To test the functionality of the system, a test was done using a patient with diplegic cerebral palsy. Results: This patient, who had autonomy of 33 steps without support, achieved speeds o f 1.0 km/h to 3.5 km/h in the test, anel walked for I O min. Measurement o f the quantity o f weight supported by the equipment throughout the test was achieved. From the data acquired, it could be seen that the percentage supportecl was continually varying with the patient's locomotion. The use of the instrumented BWS system during the gait training generated some aclvantages: knowledge of the weights and their percentage variations; feedback for the patient; and the ability to store data for following up the patient's progress or making comparisons with other patients. Conclusion: The BWS system developed worked efficiently and it was possible to measure the force during gait on the treadmill with the system. It was found that this force was not constant and also varied with increasing gait speed. Key words: instrumentation, body weight support, gait. Roesler, H. et ai. 374 INTRODUÇÃO Suporte de peso corporal (SPC) é um sistema de suspensão que reduz a força resultante entre as forças gravitacional e de suspensão, diminuindo a carga sobre o aparelho musculoesquelético durante o treino de marcha em esteira. Esse sistema está sendo empregado para pacientes com AVC,ulesão medular,' Parkinson' e paralisia cerebral.x A ampla utilização dessa técnica de reabilitação devese à facilidade para o treino da marcha e à satisfação dos pacientes durante o tratamento. A porcentagem inicial de suporte para o trabalho na esteira ainda não está estabelecida. Além disso, na maioria dos trabalhos com SPC a quantidade de suporte é avaliada antes de o paciente começar a caminhar, não sendo analisada a quantidade de suporte enquanto o paciente está caminhando. H·' A partir disso, o estudo teve por objetivo testar a funcionalidade do sistema de SPC instrumentalizado e medir a quantidade de suporte de peso durante o treino de marcha em esteira. Para tanto, o equipamento desenvolvido apresenta duas células de carga. Uma célula avalia a quantidade de apoio manual e a outra, a quantidade de suporte vertical. O apoio manual é um recurso utilizado pelos pacientes porque favorece a manutenção da atividade, embora possa alterar o padrão da marcha e dificultar o ganho de reações de equilíbrio. 1 Com o treino, o suporte vertical pode suprimir a necessidade do suporte manual, permitindo uma marcha mais funcional Rev. bras . .fisioter. e facilitando a transferência para o solo. Somando-se as forças das duas células, é medida a carga total do SPC durante a marcha. MATERIAIS E MÉTODOS Suporte de Peso Corporal O sistema de SPC consta de uma estrutura tubular de duralumínio fixa ao solo e à alvenaria, esteira ergométrica, colete e arreios, suporte regulável para ligação do colete com o cabo de sustentação, uma catraca para regulagem do suporte e um apoio de mão (Figura I). Para a instrumentação foram inseridas duas células de carga extensométricas. Uma tipo anel no cabo de sustentação, mensurando o suporte de peso corporal, e outra tipo viga retangular submetida à flexão foi projetada para o apoio de mão (detalhe Figura I). Para a construção da célula de carga do tipo viga retangular foi utilizada uma barra de aço ( 140 x 25,4 x 9,5 mm). A célula tipo anel foi confeccionada em aço (8 mm de espessura com 32 mm de raio interno). Em ambas foram utilizados quatro extensômetros de resistência do tipo folha uniaxiais, formando ponte de Wheatstone completa, de modo a não sofrer influência da temperatura. Para aquisição foram utilizados: placa CIO-EXP-BRIDGE e conversor A/D CIODAS-16Jr, ambos da Computer Boards e software de aquisição e processamento de dados SAD32. 6 Detalhe célula tipo viga retangular Figura 1. Visão geral do suporte de peso corporal instrumentalizado Vol. 9 No. 3, 2005 Suporte de Peso Corporal Calibração do Sistema a medição do peso total do sujeito ou o suporte total (I 00% ). Do número 2 até o 3 foi realizado um teste de caminhada para o ajuste da quantidade de suporte e velocidade da esteira (aproximadamente 3 minutos). O número 3 representa o início do ensaio com 20% de suporte e velocidade de I ,O km/h. Os números 4 a 8 indicam o restante do ensaio, quando foi realizado aumento de 0,5 km/h a cada 50s, aproximadamente, até alcançar a velocidade de 3,5 km/h, máxima suportada pela paciente. Após o número 8 foi diminuída a velocidade da esteira. Os números de 3 a 8 representam recortes da curva original da célula em anel. Esses recortes foram realizados para a visualização dos instantes de aumento da velocidade da esteira. O sistema de aquisição também permitiu a visualização de detalhes na variação do SPC. Esses dados estão apresentados no detalhe da Figura 2, onde também está a representação da soma dos dois sinais para a avaliação de toda a carga que auxilia na sustentação do paciente. Foi conseguida a mensuração da quantidade de peso suportada pelo instrumental durante todo o ensaio e em nenhum instante os valores máximos atingidos pelo sujeito ultrapassaram os limites físicos para os quais as células de carga e o suporte foram construídos e calibrados. Com variação da velocidade (I ,O km/h a 3,5 km/h), houve aumento na quantidade de peso suportada pelo instrumental (iniciou em 23%, elevando-se até 40% em 3,5 km/h). Na Tabela I observam-se as quantidades média, máxima e mínima de suporte, o desvio-padrão e a variação na porcentagem de suporte corporal em cada velocidade. A calibração foi realizada por meio da medição de pesospadrão aferidos anteriormente em uma balança digital com precisão de O, I g. Dessa forma, foram verificadas a linearidade e a repetibilidade do sistema. As calibrações foram realizadas três vezes para cada célula, em dias diferentes. A célula tipo anel ficou com sensibilidade de I N, a célula tipo viga ficou com sensibilidade de O, I N e os desvios de linearidade ficaram menores que I%. A força máxima admissível para a célula tipo anel é de I 000 N e para a célula tipo viga retangular, de 700 N. Procedimento Experimental Após a aprovação do Comitê de Ética da UDESC, foi realizado o ensaio com uma paciente com paralisia cerebral diparética, sexo feminino, idade de 14 anos que apresentava deambulação independente, porém instável, necessitando de apoios ocasionais (autonomia de 33 passos sem apoio). Durante todo o ensaio (dez minutos), a taxa de aquisição foi de 600 Hz por canal. Após aquisição, os sinais foram calibrados e foram destacadas etapas do ensaio. RESULTADOS Na Figura 2 está a curva de força da quantidade de SPC. Pode ser visto que a coleta durou 600 s (I O min.). Nessa figura, o número I indica a ausência de carga no suporte. Do I até o 2 ocorreu o ajuste do sujeito no suporte (colocação do colete e orientação, aproximadamente 2 minutos). O número 2 indica 275 â~~~ 250 225 200 17s 150 Soma do SPC com olllpolo de mão //\\ . ,-/ 1 • ••c \ ~ :~:t! .f 7s 50 2 400 360 320 .s 280 C1l e- 240 o LL. 200 160 120 375 !· Í' I 1 r, \ :~ ;C." ~v_ r. /' _/ \/ APo~o·de ~ão -'""~ 25 . '-;;;80~3 ,-;;;7s~so;:;4~so::;--,4,2;;;-s~so:õC4,s;-;,s;;:;04-;;,7s'""s"-os7.so"'s•..,..j2s 2 Tempo (s) '' 100 200 Tempo (s) Figura 2. Curva de força da célula de carga em anel durante todo o ensaio. I -tara do sistema, 2- peso do sujeito, 2 a 3- teste de caminhada para ajuste do suporte, 3 -início do ensaio com 20% de SPC e I ,O km/h de velocidade, 4 a 8 são as outras etapas em que a velocidade foi aumentada em 0,5 km/h até o 8, quando estava a 3,5 km/h. A cor preta representa os instantes em que as forças foram analisadas, a cor cinza entre as etapas foi quando ocorreram os aumentos da velocidade e a adaptação do sujeito à nova carga. No detalhe: curva de força da célula de carga em anel (força suspensão ou SPC), célula de carga tipo viga retangular (apoio de mão), força total de suporte (soma do SPC com apoio de mão). Esta figura é um detalhe da etapa 7 do ensaio. Rev. bras .. fisiorer Roesler, H. et a/. 376 Tabela 1. Resultados para um paciente em termos das características do suporte. Velocidade km!h 1,5 Número de chamada na Figura 2 Suporte médio (N) Suporte máximo (N) Suporte mínimo (N) Desviopadrão (N) Porcentagem média de suporte(%) 3 76,0 146.7 23,1 28,9 23 4 92.2 158.1 21,2 28,9 28 2 5 110,2 206,7 30,5 37.4 33 2.5 6 122,3 241,5 19,0 47,3 37 3 7 126,6 238,2 14,7 53.1 38 131 ,I 275.2 8 porcentagem. = % *km/h =quilômetro por hora, N =Newton, 8,4 63,3 40 3,5 DISCUSSÃO CONSIDERAÇÃO FINAL No primeiro ensaio realizado viu-se que o equipamento é funcional, isto é, as cargas são mensuradas e analisadas facilmente. Como no trabalho de Schindl et al.,"' a paciente sentiu-se confortável no equipamento e demonstrou grande motivação na realização do ensaio. Ficou I O minutos na esteira (conseguia caminhar apenas 33 passos sem apoio), sem relatar cansaço ou desconforto com o equipamento. No trabalho de Sullivan et a/. 1 foi relatado o tipo de apoio de mão oferecido aos pacientes. Com a medição da célula de carga, pode-se ter melhor acompanhamento da evolução da marcha por meio da diminuição da força de apoio até o paciente não necessitar mais desse suporte manual. Com base nas aquisições deste trabalho (Figura 2 e Tabela I). pode-se ver que esse porcentual está continuamente variando com a locomoção do paciente. A grande variação que ocorreu na quantidade de peso corporal suportado não era esperada e não é relatada na literatura. Fica a dúvida sobre o que cada autor queria dizer com a variável "porcentual de peso corporal", isto é, se era o porcentual máximo, mínimo ou médio, ou, ainda, se os autores tinham realmente a noção de que esses valores possuíam essa variação durante a marcha na esteira. A mensuração da quantidade de suporte durante o treino de marcha com SPC na esteira gerou algumas vantagens: saber o valor da porcentagem de peso e sua variação durante a marcha, gerar retroalimentação (jeedback) para o sujeito que está no processo de reabilitação da marcha por meio da possibilidade de avaliar a força de suspensão do suporte e a evolução no suporte manual e poder armazenar dados para o acompanhamento do paciente e de sua evolução ou para compará-lo aos outros pacientes. O equipamento de suporte de peso corporal desenvolvido funcionou eficazmente para o sujeito analisado e mensurou-se a força vertical durante a marcha com SPC na esteira. Ficou caracterizado que essa força não é constante e varia também com o aumento da velocidade da marcha. Sugere-se analisar a marcha de um número maior de sujeitos no SPC instrumentalizado para no futuro serem criados procedimentos de reabilitação de marcha com SPC na esteira. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS I. Sullivan KJ, Knowlton BJ. Dobkin BH. Step training with body weight support: effect o f treadmill speed and practice paradigms on post-stroke locomotor recovery. Arch Phys Med Rehabi 2002; 83: 683-91. 2. Barbeau H, Visintin M. Optimal outcomes obtained with bodyweight support combined with treadmill training in stroke subjects. Arch Phys Med Rehabil 2003; 84: 1458-65. 3. Pratas EJ, Holmes A, Qureshy H. Johnson A, Lee D, Sherwood AM. Supported treadmill ambulation training after spinal cord injury: a pilot study. Arch Phys Med Rehabil 2001: 82: 82531. 4. Miyai I, Fujimoto Y, Veda Y, Ueda Y. Yamamoto H. Nozaki S, Saito T, Kang J. 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