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O Curupira perdeu a força do mito, artigo de Raimundo Nonato Brabo Alves | Portal EcoDebate
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O Curupira perdeu a força do mito, artigo de Raimundo Nonato
Brabo Alves
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Curupira. Imagem: fotosimagens.net
[EcoDebate] O Curupira é uma entidade mitológica do folclore brasileiro. Tão antiga que o
Padre José de Anchieta já o citava em 1560. Sua lenda alerta ao povo brasileiro da proteção
das matas e dos animais. Dizem que ele emite assovios horripilantes para assustar e
confundir caçadores que não respeitam o período de procriação dos animais, que caçam além
do que necessitam para se alimentar e também protege as florestas dos lenhadores que
derrubam árvores de forma predatória. O Curupira tem os pés virados para traz para
confundir com suas pegadas os malfeitores que ao segui-lo, se afastam cada vez mais para o
centro da floresta e são confundidos com ilusões que os deixam perdidos e enlouquecidos.
No tempo de José de Anchieta eram apenas os caçadores e lenhadores. Hoje além deles são
madeireiros, barrageiros, mineradores, garimpeiros, agronegociadores e principalmente
legisladores que se o Curupira como entidade da floresta não conseguiu inspira-los, já perdeu
ha muito seu poder de proteção contra os demais atores de destruição da floresta, tanto da
Mata Atlântica quanto da Amazônia.
O Curupira perdeu feio a batalha no Congresso Nacional com o novo texto do Código Florestal
aprovado em primeira instancia na Câmara e no Senado. O “novo código” cujas emendas
ameaçam as APPs e as matas ciliares e anistiava os desmatadores que em desrespeito a lei
não preservou suas reservas florestais, se constitui em retrocesso segundo a comunidade
científica e de ecologistas, preocupados com os crescentes desequilíbrios ambientais.
Na floresta propriamente dita, o Curupira já não tem mais poder para confundir e demover de
seus objetivos os barrageiros, que com o início das obras de Belo Monte anunciaram o start
para a construção de dezenas de barragens na Amazônia. Hoje é crítica a cheia do Rio
Madeira entre o conflito de interesses dos consórcios de Santo Antônio e Girau, inundando e
isolando a cidade de Porto Velho e municípios vizinhos, no estado de Rondônia. Outras
barragens estão sendo construídas removendo centenas de comunidades indígenas e
tradicionais de suas terras e inundando milhares de hectares de solo e floresta, com toda a
sua biodiversidade ainda desconhecida.
Não tem mais poder o Curupira de impedir o avanço do agronegócio de monocultivos sobre as
pequenas propriedades de agricultores familiares, que ao vendê-las a preços aviltantes aos
grandes grupos empresarias, se tornam assalariados das mesmas empresas,
comprometendo a cadeia produtiva de inúmeros cultivos como a o da mandioca, produto
altamente ligado à cultura amazônida, provocando a instabilidade de oferta e de preço como
no ano anterior, comprometendo a segurança alimentar da região.
O Curupira há muito não consegue mais confundir os garimpeiros e mineradores que com
equipamentos mais sofisticados multiplicam por muitas vezes a velocidade de exploração dos
minerais da Amazônia a ponto de suplantar a capacidade de degradação natural de seus
rejeitos tóxicos, transferindo como herança para às futuras gerações, verdadeiros
“cemitérios” de metais pesados nas proximidades da maior bacia hidrográfica do planeta.
Os mitos e lendas da Amazônia, tal como o Curupira, vem sendo triturados e liquefeitos pelas
serras, turbinas, fornos e engrenagens que nos últimos 50 anos promovem o
“desenvolvimento” da Amazônia. Quanto mais se fala em sustentabilidade a impressão que
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O Curupira perdeu a força do mito, artigo de Raimundo Nonato Brabo Alves | Portal EcoDebate
fica é a de que menos se pratica. Espero que haja tempo para uma reflexão da sociedade
sobre o futuro que queremos, para que nossos mitos e lendas tenham algum significado para
as futuras gerações.
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Raimundo Nonato Brabo Alves é Pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental
EcoDebate, 28/02/2014
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