Foto: Vera Huszar agoa Comprida (Macaé-RJ) Foto: L. P. Nielsen nº 35 (3) Dezembro de 2006 Coelastrum microporum Foto: Alex Enrich-Prast Editor Alex Enrich-Prast [email protected] Editores Executivos Luiz Fernando Jardim Bento Breno Alves Guimarães-Souza Luana Queiroz Pinho Humberto Marotta Ana Lúcia Santoro Ângela Manzolillo Sanseverino [email protected] SBL 2005 - 2007 Presidente Ricardo Motta Pinto Coelho [email protected] Primeira Secretária Renata Panosso [email protected] Primeiro Tesoureiro Marcos Callisto [email protected] Vice Presidente Antônio Fernando M. Camargo [email protected] Segunda Secretária Andrea Figueiredo [email protected] Segundo Tesoureiro Luís Maurício Bini [email protected] Mensagem do presidente .................................61 Mensagem do Editor do Boletim .....................62 Mensagem do Editor da Acta...........................63 Artigos ................................................63 Métodos e Equipamentos ...................67 Tópicos Especiais................................73 Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) nº 35(3) Dezembro de 2006 Mensagem do Presidente Prezados Limnólogos, O último trimestre de 2006 foi marcado por grandes realizações no âmbito da SBL. O fato mais importante nesse período foi, sem dúvida alguma, a formalização do acordo judicial entre a SBL e a AMV-Eventos que foi a responsável pela organização da estrutura logística do X CBL, em Ilhéus. Esse acordo foi celebrado no dia 08 de dezembro de 2006, em uma audiência de conciliação perante a Dra. Maria Verônica Moreira Ramiro Furtado, juíza de direito titular da 1ª Vara Cível da Comarca de Salvador. A SBL foi representada pelo seu presidente e pelo advogado Dr. Felipe Fernandes Ribeiro Maia (OAB/MG 90.457). A ação foi interposta pela AMV Eventos contra a SBL e o seu atual presidente, em fevereiro de 2006 tendo em vista o não reconhecimento, por parte da antiga diretoria da SBL, do acordo firmado entre o presidente do comitê organizador do X CBL e aquela agência prestadora de serviços. Essa pendência exigiu, por parte da atual diretoria, um considerável esforço para que pudéssemos chegar ao acordo ora firmado. Eu estou convicto de que o acordo foi vantajoso para a SBL, pois dos R$ 71.006,30 bloqueados pela justiça a partir da conta da SBL no BB, a sociedade irá pagar apenas R$ 45.000,00. Por outro lado, os principais termos do acordo firmado com a AMV- Eventos foram respeitados e, dessa forma, foram preservados, em nível máximo possível os interesses das partes envolvidas. Em minha avaliação, dois aspectos em relação a essa pendência devem ser ressaltados: (a) A SBL está agora livre de quaisquer pendências judiciais e pode, portanto, iniciar o processo de captações de novos recursos visando, sobretudo, o XI CBL (Macaé, Agosto de 2007); (b) A SBL tem agora os recursos necessários não só para terminar a atual gestão, mas também apoiar de imediato uma série de demandas de curto prazo em relação ao XI CBL. Outra boa notícia que temos para compartilhar com os sócios da SBL é a inclusão da Acta Limnologica Brasiliensia no Portal da CAPES (http://www.periodicos.capes.gov.br/ portugues/index.jsp). Essa inclusão é o resultado não somente da consolidação de nosso portal (4.500 acessos, desde julho de 2006), mas reflete o aumento de qualidade do periódico oficial da SBL, coordenado pelo seu editor chefe Raul Henry (UNESP, Botucatú). Esse portal certamente dará um salto vigoroso na visibilidade de nosso periódico. Para que os sócios da SBL tenham uma idéia do que isso representa, basta considerar que, o portal de periódicos da CAPES contou com 4,6 milhões de consultas nos quatro primeiros meses de 2006 (segundo informações da CAPES). Outro passo importante para a consolidação de nosso portal (http:// www.sblimno.org.br) foi a inclusão de todo o acervo de boletim oficial da SBL. Agora, os visitantes de nosso site poderão acessar desde o boletim número 01, editado em 1983 até o boletim número 35 editado em setembro de 2006. Essa ação contribui não só para a preservação da memória da SBL, mas, sobretudo, porque disponibiliza um novo instrumento para agilizar o intercâmbio de informações relevantes para o desenvolvimento da Limnologia brasileira. E, num breve futuro, serão disponibilizadas todas as atas da sociedade, o que deverá ajudar a toda a administração da sociedade tornando, por exemplo, a transição de diretorias algo menos traumático. A SBL também promoveu uma vigorosa ação junto a todos os sócios da sociedade visando o pagamento das anuidades de 2006. Enviamos correspondências a todos os sócios com as boletas de pagamentos já impressas. Essa ação rendeu excelentes resultados estando hoje o índice de inadimplência bastante reduzido. Durante o processo de envio de mala direta aos sócios, percebemos que os seus dados cadastrais Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 61 estão muito defasados. Dessa forma, solicitamos a todos os sócios que atualizem seus dados cadastrais no portal ou, se preferirem, nos enviem diretamente via e-mail (e-mail: [email protected]) os seus dados de endereço, telefone e e-mail devidamente atualizados. O recadastramento periódico de todos os nossos sócios é importante, pois é através desses cadastros que a SBL mantém um contato direto com os seus sócios. Estive ainda representando a SBL na solenidade comemorativa dos 55 anos da Capes no Palácio do Planalto, realizada no dia 08/11/2006. Nessa solenidade, além das premiações das melhores teses de doutoramento realizadas pelos seus respectivos bolsistas, a CAPES ainda entregou a premiação Anísio Teixeira a pesquisadores que ser destacaram no cenário da produção de C&T no Brasil, em 2006. Dentre os agraciados, a Profa. Dra. Ana Lúcia Gazolla, ex-presidente da ANDIFES. Ela deu um grande apóio à área de pós-graduação em sua gestão, como reitora da UFMG, e, em particular, ao curso de PG em Ecologia, Conservação e Manejo da Vida Silvestre que coordenei durante esse mesmo período. Hoje, ela ocupa uma posição de grande destaque no escritório da UNESCO no Brasil. Essa minha viagem a Brasília foi custeada com recursos do meu grupo de pesquisas aqui na UFMG. No dia 18/12/2006, estivemos, o Prof. Francisco Esteves (UFRJ) e eu, reunidos com a Dra. Gabriele Althoff, diretora Geral do Deutscher Akademischer Austauch Dienst - DAAD, tradicional órgão de fomento de capacitação e pesquisa da República Federal Alemã. Além de cordial e extremamente agradável, a nossa reunião foi muito produtiva. A Dra. Althoff nos propôs a idéia de organizar um evento conjunto SBL/DAAD por ocasião do XI Congresso da SBL em Macaé. Esse evento teria lugar no NUPEM/UFRJ, começando um dia antes do início do XI CBL propriamente dito. O DAAD traria para esse evento pesquisadores da Alemanha e países da A.L. além de limnólogos doutores, ex-bolsistas do DAAD atualmente trabalhando no Brasil. O DAAD ainda irá ainda custear um livro, a ser editado possivelmente em inglês, que traria não somente as contribuições dos ex-bolsistas do DAAD, mas também de outros pesquisadores especialmente convidados. Pelo montante a ser alocado pelo DAAD, essa já é sem dúvida alguma uma das maiores contribuições já acertadas para o XI CBL. Gostaria de finalizar essas palavras desejando a todos os limnólogos do Brasil bem como a seus familiares um feliz natal e um 2007 pleno de realizações e novas conquistas. Que 2007 seja também um ano cheio de grandes realizações para a nossa querida SBL. Ricardo Motta Pinto Coelho [email protected] Universidade Federal de Minas Gerais Mensagem do Editor do Boletim Chegamos ao final de 2006 e cumprimos nossa meta de publicar três volumes do Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia (BSBL). O trabalho não foi pequeno, mas tivemos muito prazer em realizálo. O mérito de termos conseguido terminar estes volumes é dos muitos autores que colaboraram com textos, mensagens, ajuda e sugestões; a eles deixo aqui meus sinceros agradecimentos. Ao longo deste tempo o BSBL tem passado por modificações com o intuito de se tornar cada vez mais informativo e interessante, e esperamos que aos poucos este objetivo seja alcançado. Na seção Tópicos Especiais desta edição do BSBL o tema é Fitoplâncton. Agradeço especialmente a Profa. Dra. Vera Huzsar, que além de redigir um excelente artigo, nos ajudou com ótimas sugestões. Lembro a todos que a seção Tópicos Especiais da próxima edição será sobre Microbiologia Aquática, e gostaríamos de convidar a todos os interessados a colaborar com textos e sugestões. Para garantir que o Boletim possa ter sua periodicidade, nós convidamos alguns pesquisadores a escrever artigos, pois as submissões espontâneas ainda são, infelizmente, pouco representativas. Desta forma gostaria novamente de reforçar o convite a todos para participar do Boletim. Despeçome desejando um feliz 2007, com muita paz, saúde e alegrias. Alex Enrich-Prast [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 62 Mensagem do Editor da Acta Limnologica Brasiliensia O volume 18(2), 2006 acaba de ser publicado e distribuído (em 01 de novembro). Infelizmente, o número de colegas, sócios da SBL, e por conseguinte “amigos” da ACTA, é ainda muito pequeno. Até o presente momento (dia 08 de novembro), o número de pessoas que renovaram a sua anuidade (ano 2006) ou afiliaram-se a SBL, é de somente 44 (quarenta e quatro). Exortamos os leitores desta nota, que ainda não o fizeram, a participar mais ativamente da SOCIEDADE BRASILEIRA DE LIMNOLOGIA. Uma das obrigações dos sócios é manter a sua anuidade em dia. Em contrapartida, recebe os exemplares publicados de ACTA LIMNOLOGICA BRASILIENSIA (este ano, enviei aos 44 colegas 3 números : 17(4), 2005; 18(1) e 18(2), 2006). Estamos preparando o terceiro número de 2006, cuja publicação está prevista para o inicio do próximo ano. O atraso deve-se ainda, em parte, ao número reduzido de manuscritos submetidos para publicação (até o dia 08 de novembro, o total em 2006 é de 42 trabalhos). Por outro lado, isto tem permitido a publicação (quando aprovado) em tempo relativamente curto (cerca de 9 meses). Dois fatores limitantes à submissão de artigos para publicação podem ser identificados. O primeiro é a língua inglesa, mas impossível de mudar se desejamos que os nossos trabalhos tenham grande impacto, inclusive internacional (Somente para lembrar ACTA tem conceito Qualis A para as áreas de Meio Ambiente e Zootecnia e Recursos Hídricos). Um esforço deve ser feito por todos visto que inglês é a língua científica. O outro fator é a cobrança de R$ 20,00 (vinte reais) por página impressa. Talvez, num futuro próximo, esta taxa de contribuição dos autores para a publicação de seus artigos possa ser reduzida ou mesmo eliminada, caso tenhamos êxito no pleito feito junto ao CNPq recentemente (agosto de 2006) para um auxilio a publicação. Mesmo assim, insisto junto a todos os associados da SBL, jovens e veteranos, prestigie a SUA revista, submetendo artigos para publicação. Lembrem-se que a pesquisa está encerrada com a publicação dos dados de nossos relatórios e teses. Além disso, é obrigação social disponibilizar os dados de nossas investigações para todos os componentes da Sociedade. Afinal, é com o recolhimento das taxas e impostos pagos por todos, que recebemos bolsas e financiamentos para os nossos projetos. Raoul Henry [email protected] UNESP- Botucatu Artigos CRIAÇÃO DA ASSOCIAÇÃO SUL-AMERICANA PARA A ÁGUA - GWP AMÉRICA DO SUL No dia 27 de outubro de 2006 foi criada a Associação Sul Americana para a Água (GWP América do Sul), como resultado da Assembléia Geral dos Membros da Associação Mundial para a Água (GWP, segundo sua sigla em inglês), realizada na sede da Associação Latino Americana de Integração – ALADI, em Montevidéu – Uruguai. Sua presidência será exercida pela Venezuela e o seu Secretariado Regional será sediado no Brasil, ambos por um período de dois anos. A Associação conta com 105 membros de 10 países da região. Durante esta Assembléia foi firmada a Ata Constitutiva – Estatutos, que define como objetivos: o Promover a gestão integrada dos recursos hídricos, desenvolvendo uma agenda regional que atenda às principais prioridades identificadas para a região; Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 63 o o Facilitar o intercâmbio de informação e o desenvolvimento de capacidades nos âmbitos de sua competência; Apoiar a criação de novas associações nos países (Country Water Partnership CWP), assim como fortalecer as associações existentes. A Associação também conjugará esforços para a concretização dos planos de trabalho nacionais, sub-regionais e regionais, que favoreçam a participação dos principais atores da gestão integrada de recursos hídricos, e que atendam seus problemas e requerimentos fundamentais, procurando contribuir com o fortalecimento da governança dos recursos hídricos da região e com a construção de visões compartilhadas. A Associação propiciará, também, a criação de espaços para o diálogo e a promoção de debates, fóruns, seminários e demais iniciativas abertas e neutras, dirigidas à aplicação eficiente de políticas e estratégias voltadas à gestão integrada de recursos hídricos. Inicialmente, a Associação será dirigida por um Comitê Diretor Regional formado pela Parceria Brasileira pela Água, pelo Fórum Peruano da Água, pela Câmara Uruguaia de Membros da Associação Mundial para a Água e pela Associação Venezuelana para a Água, com o apoio do Secretariado do GWP na Suécia. Por decisão unânime, o Comitê Diretor da Associação será presidida por Diego Díaz Martin, Presidente da ONG venezuelana VITALIS e Chefe do Departamento de Estudos Ambientais da Universidade Metropolitana, que manifestou que “uma nova esperança para o trabalho conjunto e coordenado surge na América do Sul da parte do GWP, para promover a gestão integrada dos recursos hídricos, e desenvolvimento sustentável da região, a conservação dos ecossistemas, a mitigação da pobreza, o melhoramento de qualidade de vida e a justiça sócio-ambiental efetiva”. A América do Sul possui 26% dos recursos hídricos do mundo, ocupando 12% da superfície terrestre, no qual confere uma especial relevância global. Espera-se que, na medida em que se estabeleçam novas associações nacionais para a água, as mesmas se incorporem a esta instância de coordenação regional, esperando agrupar a maior quantidade de atores-chave para a gestão integrada de recursos hídricos a nível regional, entre os quais se destacam órgãos governamentais, empresas privadas, comunidades locais, universidades, associações de usuários e meios de comunicação, entre outros. Gisela Damm Forattini [email protected] Agência Nacional de Águas Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 64 O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO PLANO de abordagem, quais sejam: BRASILEIRO DE RECURSOS HÍDRICOS A iniciativa do Governo Brasileiro, por meio da Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente - SRH/MMA, de valorizar o estabelecimento de processos de planejamento de médio e longo prazos, caracteriza-se de suma importância para a continuidade, fortalecimento e integração de políticas públicas correlatas e para o norteamento das ações do Estado. O plano brasileiro de recursos hídricos, denominado Plano Nacional de Recursos Hídricos - PNRH vem ao encontro desta ação estratégica, sendo que as bases conceituais para a sua construção estão alicerçadas nos fundamentos, objetivos e diretrizes gerais de ação, previstos na Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei Federal nº 9.433/97), destacando: a reafirmação da domínio público das águas; a prioridade para o consumo humano e para a dessedentação de animais, em situações de escassez; os usos múltiplos das águas; o seu valor econômico; a bacia hidrográfica como unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos; a descentralização e a participação social no processo de gestão; a utilização integrada e sustentável da água; os conceitos de integração e articulação, tanto do ponto de vista dos processos sócio-ambientais, quanto políticos e institucionais. O Plano Nacional de Recursos Hídricos foi aprovado pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, instância máxima do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, por meio de sua Resolução No. 58, de 30 de janeiro de 2006. É composto por quatro volumes: Panorama e Estado dos Recursos Hídricos do Brasil; Águas para o Futuro: Cenários para 2020; Diretrizes; e, Programas Nacionais e Metas. Dada a dimensão do País, assim como as diversidades física, biótica, sócio-econômica e cultural das regiões hidrográficas brasileiras, foram adotadas duas vertentes de análise: uma nacional e outra regional, integradas e interdependentes. Na vertente nacional se organizaram os temas e questões estratégicas, de abrangência nacional, voltados para efetivar a gestão integrada dos recursos hídricos, decorrentes de três linhas · linha vertical – incorpora a análise das variáveis resultantes da interação do âmbito regional para todo o País, na qual destacamse os temas e questões regionais de importância nacional. São temas organizados de forma a explicitar a problemática da água e a sua inter-relação com o processo de ocupação regional e a conseqüente pressão sobre os biomas e ecossistemas; · linha horizontal – agrega temas e questões de pertinência nacional, voltados para a inserção global e macrorregional do Brasil, próprias às articulações com outros países, à Política Nacional de Recursos Hídricos no Quadro Administrativo Brasileiro, à articulação da política de recursos hídricos com outras políticas públicas, e à articulação com setores intervenientes; · linha transversal de análise – fornece elementos voltados para a incorporação efetiva dos Municípios ao processo de gestão das águas, em vista da necessidade de articular o planejamento municipal (Planos Diretores, ordenamento do uso e ocupação do solo, zoneamento ambiental) com o planejamento de recursos hídricos. No tocante à vertente regional, questões de caráter estritamente regionais ou locais integram o estabelecimento de visões regionais para os recursos hídricos, nas 12 Regiões Hidrográficas brasileiras. Essa reflexão prospectiva possibilita estabelecer as prioridades regionais, assim como a inserção macrorregional da região estudada, em vista das possíveis articulações com regiões vizinhas. Dois aspectos básicos, distintos e interdependentes, foram também considerados para o estabelecimento do escopo metodológico do PNRH: a participação social e o estabelecimento de uma base técnica consistente para subsidiar as discussões e as deliberações quanto ao Plano. Nesse contexto, destaca-se que a construção participativa e descentralizada do Plano Nacional de Recursos Hídricos amplia e alarga o universo dos participantes para além do Conselho Nacional de Recursos Hídricos e das Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 65 Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 66 respectivas Câmaras Técnicas relacionadas ao tema, em especial a Câmara Técnica do Plano Nacional de Recursos Hídricos. Dessa forma, reforçando as atribuições do Conselho Nacional de Recursos Hídricos de aprovar e acompanhar a execução do Plano em todas as suas etapas de desenvolvimento, esse procedimento visa sinalizar ao Conselho sobre a capilaridade das ações delineadas, imprimir maior legitimidade e compromissos com a implementação do Plano, assim como dar conseqüência às orientações por ele apontadas e estabelecidas. Portanto, o Plano Nacional de Recursos Hídricos apoiou-se em uma base técnica como subsídio aos debates, que envolveram aproximadamente 7.000 pessoas. Esta base técnica compôs o conjunto de informações necessárias para a estruturação dos conteúdos do Plano, sendo composta pelo Documento Base de Referência - DBR (SRH/ANA, 2005), pelo conjunto de dez estudos nacionais realizados pela Agência Nacional de Águas – ANA, pelos doze Cadernos Regionais de Recursos Hídricos desenvolvidos em articulação com doze Comissões Executivas Regionais – CERs, e tendo como foco a análise da dinâmica das 12 Regiões Hidrográficas brasileiras e de suas relações com os recursos hídricos, pelos cinco Cadernos Setoriais de Recursos Hídricos, que apresentam uma análise da dinâmica dos principais setores usuários de recursos hídricos e de suas relações com a água, e pelos relatórios das quatro Oficinas Temáticas, das três Oficinas Setoriais e do Seminário Nacional de Diretrizes e Programas, ocorridos entre os meses de março de 2004 e novembro de 2005. Com o intuito de imprimir um enfoque mais estratégico a esse processo de planejamento, empregou-se a metodologia de prospectiva exploratória para a construção de cenários, de maneira a possibilitar a explicitação de futuros alternativos prováveis para os recursos hídricos nacionais, considerando o período de 2005 a 2020. À luz das bases conceituais apresentadas, e em consonância com as Metas de Desenvolvimento do Milênio e com os preceitos definidos na Agenda 21 brasileira, o PNRH tem como objetivo geral: de diretrizes e políticas públicas, voltadas para a melhoria da oferta de água, em quantidade e qualidade, gerenciando as demandas e considerando a água um elemento estruturador para a implementação das políticas setoriais, sob a ótica do desenvolvimento sustentável e da inclusão social. O Plano foi desenvolvido com uma visão de processo, voltado para subsidiar o SINGREH na construção de um ciclo virtuoso do planejamento-ação-indução-controleaperfeiçoamento, apresentando um caráter dinâmico e contínuo, apoiado em um processo de monitoramento, avaliação e atualizações periódicas, incorporação do progresso ocorrido, bem como de novas perspectivas, decisões e aprimoramentos que se fizerem necessários. É nesse sentido que contará com revisões quadrienais, além de um Sistema de Gerenciamento Orientado para Resultado – SIGEOR, visando ao monitoramento e avaliação da implementação do Plano. Marcos Neves [email protected] Secretaria de Recursos Hídricos/ Ministério do Meio Ambiente Métodos e Equipamentos Métodos moleculares para análise de comunidades microbianas em ambientes aquáticos: III. DGGE. SEQÜÊNCIAS DO MESMO TAMANHO Inicialmente desenvolvida para análises de mutações, a técnica de DGGE (eletroforese em gel com gradiente de desnaturantes) foi posteriormente ajustada e utilizada para análises de comunidades microbianas por Muyzer et al. (1993. Appl. Environ. Microb. 59 (3): 695-700) . Estabelecer um pacto nacional para a definição Desde então vem sendo amplamente utilizada e Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 67 é hoje considerada uma técnica importante para DGGE esta banda se apresentará. Tais estudos em ecologia microbiana. Nesses estudos, características da DGGE são apresentadas na regiões de DNA das diferentes espécies figura 2. microbianas presentes em uma determinada comunidade, previamente amplificadas por PCR, são separados com relação a suas seqüências de bases nucleotídicas ao invés de seu tamanho (como em um gel de agarose). É necessário que um dos iniciadores apresente uma região rica em G+C (grampo G-C) para impedir a total desnaturação da dupla fita do DNA durante a eletroforese. Ver esquema da figura 1. Seqüências com mesmo tamanho Figura 2. Esquema ilustrativo do processo de desnaturação das sequências de DNA em suas regiões ricas em timina e adenina por possuírem ligações mais fracas (apenas duas pontes de hidrogênio), com relação às ligações entre citosina e guanina (que são três). Separação de bandas por diferenças na porcentagem de AT e GC. Figura 1. Diferença entre a eletroforese em gel de agarose e o DGGE. Separação de bandas por diferenças de porcentagem de AT e GC na técnica de DGGE. No esquema, os géis contém as mesmas amostras, mostrando o comportamento de migração em ambas as técnicas. Esta técnica consiste em um gel de poliacrilamida contendo um gradiente crescente de uréia e formamida (desnaturantes). Esses agentes desnaturantes favorecem o rompimento das ligações (pontes de hidrogênio) entre os nucleotídeos, provocando a abertura das fitas. Variações nas seqüências nucleotídicas levam a uma diferença nas condições de desnaturação e as moléculas com diferentes seqüências vão cessar sua migração em posições diferenciadas no gel. À medida que as fitas de DNA vão se abrindo, sua mobilidade no gel vai diminuindo até o momento em que esta cessa. Regiões com maiores concentrações de timina e adenina possuem ligações mais fracas (duas pontes de hidrogênio) em contraste com ligações entre citosina e guanina (três pontes de hidrogênio). Portanto, pode-se dizer que quanto mais rica em GC for a seqüência, mais abaixo em um gel de A metodologia para o preparo de um gel de DGGE consiste em uma série de etapas a serem seguidas, que estão apresentadas a seguir: · Preparar uma solução de poliacrilamida (6%) e outra contendo 100% de desnaturantes (uréia 7M e 40% de formamida) e deixar à temperatura ambiente antes do início da montagem do gel. · Alinhamento das placas: o Limpar as placas com álcool não diluído para desengordurá-las (usar algodão e não papel, pois o resíduo do papel pode emitir fluorescência em exposição à luz ultravioleta). o Montar as placas com os espaçadores e os grampos conforme esquema da figura 3. o Alinhar no encaixe posterior do “Rack” (todos os componentes devem estar bem secos). o Inserir o papel e apertar os parafusos, segurando os grampos Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 68 o na parte inferior, e assegurando que o papel se encontra solto (figura 4). Retirar do rack, e conferir se o alinhamento ficou correto. Figura 3. Esquema mostrando a posição das placas com os espaçadores e grampo. Medida da espessura Figura 4. Esquema de encaixe das placas, espaçadores e grampos no rack. · Para encaixar as placas no rack: o Colocar o pino lateral do rack voltado para cima e puxar. o Encaixar as placas com os grampos no rack com os vidros sobre a borracha cinza para vedar o sistema. o Empurrar o pino e girar para baixo, prendendo. · Preparo do gradiente desnaturante: o Separar uma solução sem desnaturante para solução stacking (4 ml para 01 gel) o 13 ml da solução desnaturante de menor concentração / 13 ml solução de maior concentração. o Separar 03 tubos de 50 ml para os dois gradientes e para a solução 0% de desnaturantes (“stacking”). o Lavar as seringas, as mangueiras de silicone e a agulha. o Preparar a solução de persulfato de amônio (APS) (0,1g / 1ml). o Adicionar o corante (30 uL Corante Dcode –Dye), sem glicerol – em 13 mL da solução com maior concentração de desnaturantes. o Preparar as duas soluções, acrescentando o APS e o TEMED rapidamente para evitar a polimerização do gel na seringa. o APS: 60 uL + TEMED (30 uL) o Agitar as duas soluções o Puxar as soluções com as respectivas seringas. o Empurrar o êmbolo para tirar o ar da seringa e da mangueira. o Encaixar as duas seringas no “gradient maker”: § Solução com <% desnaturante no encaixe frontal do suporte. § Solução com >% desnaturante no encaixe posterior do suporte o Apertar os parafusos. o Colocar as mangueiras das 2 seringas na agulha e encaixar a agulha entre as placas de vidro (figura 3). o Afastar o “gradient maker” antes de colocar as seringas nos encaixes e girar o disco para que os êmbolos das seringas empurrem as soluções. o A solução com alta concentração de desnaturantes contém o corante. o Encaixar o pente. o Acrescentar as mesmas concentrações de TEMED e APS em um volume pequeno da solução sem desnaturantes, para a formação da solução “stacking”, e aplicar na cuba com pipeta de volume 1 mL. o Esperar polimerizar por aproximadamente 2 horas. Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 69 Figura 5. Organização do equipamento para a formação do gradiente de desnaturantes. · · · Montagem do Equipamento para realização da eletroforese: o Colocar as placas contendo o gel na armação do aparelho de DGGE. o Se for utilizar só 1 gel, montar as placas sem espaçador, e encaixar no suporte traseiro. o Pré-aquecer o tampão TAE 1x ( trisacetato, pH 8,3). 1x até 60 ºC, aplicando uma corrente de 75V(précorrida para lavagem do gel). o Na aplicação das amostras, usar o corante com glicerol para alterar a densidade da amostra em relação ao tampão. o Usar a seringa com agulha fina e longa. o As condições de corrida, tempo e voltagem serão específicos para cada análise a ser realizada. Tirar o gel do tampão e deslocá-lo do vidro cuidadosamente, adicionado solução tampão delicadamente. Colocar em um suporte (por exemplo: “gel handler”). Nesta etapa, a revelação do gel pode ser feita por dois tipos de métodos, por impregnação com solução de nitrato de prata ou por complexação com compostos fluorescentes. O primeiro revela o gel com formação de bandas com cor negra visível a olho nu. O segundo apresenta fluorescência após excitação com luz ultravioleta. A análise dos géis de DGGE é realizada através da comparação dos perfis de bandas das diferentes amostras. Em Ecologia, estudam-se, principalmente, diferenças espaciais e temporais de amostras ambientais, assim como entre diferentes condições abióticas. Essas análises podem ser feitas através de construção de matrizes que possibilitam o estudo estatístico dos perfis. Apesar das inúmeras vantagens, esta técnica apresenta algumas limitações ou desvantagens como a possibilidade de comigração de bandas, subestimando a diversidade de microrganismos presentes. Portanto, seu emprego depende dos objetivos do estudo e de uma adaptação metodológica, para melhor aplicação nos estudos de ecologia microbiana. Porém seu diferencial com relação Figura 6. Encaixe das placas com o gel na armação. Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 70 a outras técnicas de “fingerprinting” é que através PROCEDIMENTOS da eluição das seqüências de uma determinada banda pode ser submetida a um seqüenciamento. Antes de todo o procedimento, deve-se Esta técnica que será apresentada na próxima calcular qual o volume total de 14C será usado edição do boletim. (p. ex.: para um procedimento com total de 50 frascos e acrescentando-se 0,5 mL de 14C, então, Natália Oliveira Franco o volume total será de 25mL de solução [email protected] radioativa de 14C).Sendo assim, armazena-se todo o volume de de solução radioativa de 14C Cláudia Duarte da Cunha em um só frasco (não em ampolas [email protected] separadamente) para homogeneização, reduzindo o erro padrão na hora da leitura no Alexandre Soares Rosado cintilador. [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro (a) No Campo: Recomenda-se a obtenção de amostras das diferentes profundidades referentes às distintas faixas de penetração de luz de cada ambiente. Estimativas das Taxas de Produção Para cada profundidade escolhida, recomendaPrimária Fitoplanctônica pelo Método se a amostragem de 4 frascos de boro-silicato (p. ex. do tipo Winkler de 125 mL) preenchidos do Carbono 14 com água do ambiente e devidamente vedados. Dentre esses frascos, 2 são claros (réplicas), 1 é Um dos métodos mais tradicionais para escuro (ou recoberto com uma folha de papel estimativa das taxas de produção primária alumínio para impedir a entrada de luz) e 1 fitoplânctonica (PPF) é baseado no uso de carbono controle (explicado mais adiante). Os frascos radioativo de massa atômica 14 (14C), cuja meia escuros (onde não ocorre fotossíntese devido à vida é de aproximadamente 5760 anos. A ausência de luz) constituem branco experimental utilização desse isótopo radioativo permite (zero), cuja taxa de incorporação de 14C é estimar a produção fitoplânctonica a partir das relacionada a outros processos que não a taxas de incorporação de carbono inorgânico pelas produção fitoplanctônica e deve ser, portanto, algas em suspensão na coluna d’água (Wetzel & descontada da taxa detectada nos frascos claros Likens, 2000. Limnological Analyses, 3ºed). A (ver fórmula na seção cálculos). estimativa da produção fitoplanctônica com uso Primeiro, deve-se preencher metade do de 14C é baseada no pressuposto de que as frasco com a água do local, adicionando-se em porcentagens de assimilação de 12C (isótopo mais seguida 0,5 mL da solução radioativa de 14C (p. abundante de carbono) e de 14C em relação à sua ex. 10µCi/mL). A solução mais comum para esse disponibilidade são proporcionais (Steelman fim é bicarbonato de sódio (NaH14CO ) em uma 3 Nielsen, 1951. Nature 167: 846-885): concentração final de 2 a 5 microcurie/mL (µCi/ mL). Essa solução radioativa deve ser adicionada 14 C assimilado = 12C assimilado cuidadosamente e da forma menos concentrada 14 C disponível 12C disponível possível. Posteriormente, completa-se com água do ambiente até o volume final do frasco, de Apesar da extensa utilização desse método, maneira a evitar a presença de bolhas no seu a sua utilização demanda uma série de interior. Os frascos vedados contendo a água do procedimentos técnicos muitas vezes não reunidos ambiente e a solução radioativa de 14C devem em uma única fonte bibliográfica. O objetivo deste ser cuidadosamente rotacionados para melhor artigo foi descrever detalhadamente o protocolo homogeneização da solução radioativa e, em de estimativa da produção primária seguida, acondicionados na mesma profundidade fitoplanctônica pelo método do 14C. onde seu conteúdo foi amostrado. Para cada profundidade amostrada, também se deve Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 71 incubar um frasco para o controle (T0), o qual é fixado com formol logo após a adição do 14C. Uma eventual taxa de incorporação de 14C no controle deve ser descontada das taxas detectadas nos frascos claros e escuros, pois não é advindo da atividade biológica (ver fórmula na seção cálculos). Após o tempo de incubação (geralmente em torno de 3 a 4 horas ao longo do fotoperíodo), todos os frascos são fixados com formol em concentração final de 2% no frasco de Winkler para acabar com atividade biológica até a mensuração de 14C (Roland, F., 1995. Produção Primária Fitoplanctônica em um Lago Amazônico Impactado por Rejeito de Bauxita (Lago Batata, Pará). Tese doutorado. São Carlos). Dessa forma, as taxas diárias de produção primária podem ser estimadas a partir de várias incubações até completar o período de presença de luz. O tempo de incubação em torno de 3 a 4 horas é importante para reduzir artefatos resultantes do uso de frascos isolados da coluna d’água, especialmente esgotamento de nutrientes ou o crescimento bacteriano e de algas nas paredes do frasco, os quais causam erros nos resultados. (b) No laboratório: Para mensuração de 14C em cada frasco, retira-se uma alíquota de 50mL para filtração em membranas de 0,45µm (pode-se também usar um gradiente de porosidade de filtros para amostrar a produção das diferentes classes de tamanho do fitoplâncton). A filtração pode ser realizada a partir de um kit do tipo Sartorius acoplado a uma bomba de vácuo [pressão máxima de 380mmHg/ 0,5 atm (Wetzel & Likens, 2000. Limnological Analyses, 3ºed)]. São reservados os 5mL do filtrado e o próprio filtro no qual foram filtrados os 50mL. O filtrado indica o quanto do 14C absorvido pela fotossíntese foi excretado pelo fitoplâncton sob a forma de compostos orgânicos. Em seguida, são realizadas etapas distintas tanto para o filtro como para o filtrado: (Moutin & Raimbault, J. Marine Syst., 33: 273288, 2002). Depois disso, acomoda-se os vial com os filtros e o HCl dentro de uma dessecador por 24h para a evaporação do ácido. Ao final, adiciona-se 10mL do líquido de cintilação (ex. AQUASOL ou cocktail Bray) no vial e aguardase 24h para a contagem no cintilador (Lohrenz, et al., 1992. J. Plankton Res., 14(2): 201-221). O filtro se refere ao 14C incorporado em biomassa pelo fitoplâncton durante a fotossíntese. - Filtrado: Recolhe-se o material filtrado em um vial. Adiciona-se 1mL de HCl 6M, em seguida levase para um agitador orbital por 12 horas para a evaporação do ácido (Morán & Estrada, 2002. Deep-Sea Res. Pt. II, 49: 769-786). Este procedimento tem por objetivo expurgar todo carbono inorgânico para a contagem somente do 14 C incorporado e posteriormente excretado pelo fitoplâncton. Ao final, adiciona-se 15mL do líquido de cintilação no vial e aguarda-se 24h para a contagem no cintilador. O filtrado se refere ao carbono orgânico dissolvido liberado pelo fitoplâncton durante a fotossíntese. Para a determinação do estoque de 14C (atividade total do 14C adicionado e disponível para incorporação biológica), três amostras são filtradas imediatamente após a inoculação do 14C para determinação de tal atividade. Retiram-se 250µL de cada amostra, coloca-se em um vial e acrescentam-se 250 µL de etanolamina. Para a contagem acrescentam-se 2,5mL de água MilliQ e depois os 10mL do líquido de cintilação (Lohrenz, et al., 1992. J. Plankton Res., 14(2): 201-221). CÁLCULOS Com a leitura no cintilador de cada categoria de frascos incubados e os valores em DPM (desintegrações por minuto), aplica-se a seguinte fórmula para a obtenção do valor final (Roland, F., 1995. Produção Primária Fitoplanctônica em um Lago Amazônico - Filtro: Coloca-se o filtro dentro de um vial, em Impactado por Rejeito de Bauxita (Lago Batata, seguida cobre-se o filtro com 0,5mL de HCl 0,5M Pará). Tese doutorado. São Carlos): Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 72 Os fatores da fórmula são descriminados a seguir: 12 Cassimilado (resultado final) é expresso em mgC / m3 . d; O 14Cassimilado consiste do seguinte cálculo (DPMclaro – DPMcontrole) – (DPMescuro – DPMcontrole), sendo que o fator DPMclaro consiste na média dos valores da tréplica de frascos incubados em cada profundidade. O 14Cestoque precisa ser corrigido para o volume filtrado para as outras amostras filtradas (5mL), deste modo, multiplica-se por 5 e divide-se por 0,25 para achar o valor de DPM referente ao volume filtrado padrão. 12Cdisponível consiste no valor de CO2 total da água [ou pelo método da alcalinidade (Carmouze, J. P., 1994. O metabolismo dos ambientes aquáticos. Ed. FAPESP: São Paulo.) ou por cromatografia gasosa], multiplicado por 12 para conversão à mg/L. A constante 1,06 refere-se à diferença no tempo de assimilação do 14C em comparação ao 12C. Isto se deve a pequena diferença de massa entre os isótopos, sendo o 14C assimilado 6% mais devagar que o 12C. K1 consiste no valor de correção do volume (volume do frasco-0,5)/volume filtrado; K2 é o fator de correção do tempo de incubação (de horas para dia); K3 fator dimensional para conversão de mg/L para mg/m3 (multiplicar por 1000). Devem-se fazer os cálculos tanto para o filtro como para o filtrado, pois a estimativa da taxa de produtividade primária fitoplanctônica seria a soma desses dois fatores. O resultado final pode ser convertido para 2 m , afim de se fazer comparações da produção do sistema com outros ambientes aquáticos (uma relavante revisão de ecossistemas aquáticos brasileiros: Bassoli, F. 2006. Produção fitoplanctônica em ecossistemas límnicos brasileiros: síntese e cenário atual. Dissertação de mestrado. UFRJ.). Sendo assim, deve plotar os valores em mgC.m-3.d-1 com os valores de cada profundidade amostrada. Em seguida, deve-se integrar o perfil gerado para se obter um valor integrado da produtividade da coluna d’água como um todo, isto é, correlacionando os valores de produtividade primária e as respectivas profundidades das faixas de luminosidade, a área embaixo da reta do gráfico obtido será o valor integrado de produtividade primária fitoplanctônica. Apesar de muito difundido, o método do 14C não possui precisão absoluta, sendo que o mesmo pode superestimar de 10% a 20% (ou até mais) a produção primária líquida, visto que a taxa de assimilação dos isótopos do carbono varia com o estado trófico do ambiente (Peterson,1978. Limnol. Oceonogr. 23(1):179-184). - Destino do material radioativo O descarte de resíduos deve obedecer aos limites impostos pela CNEN na norma NE 6.05 – Gerência de Rejeitos Radioativos em instalações radioativas. (http:// w w w. c n e n . g o v. b r / s e g u r a n c a / n o r m a s / ne_605.pdf). É importante ressaltar que qualquer pesquisador que queira utilizar material radioativo para pesquisa deve recorrer a CNEM para certificação e realização de cursos para tal atividade. Breno Alves Guimarães-Souza [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro Humberto Marotta [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro Maurício Petrucio [email protected] Universidade Federal de Santa Catarina Tópicos Especiais Fitoplâncton Regulação da Produção Primária Fitoplanctônica em Lagos e Reservatórios O fitoplâncton, comunidade constituída por algas microscópicas, é responsável pela produção de matéria orgânica na zona pelágica de lagos e reservatórios. Deve-se distinguir produção de produtividade primária pelo fitoplâncton. O primeiro termo refere-se à quantidade de energia fixada na fotossíntese das algas, enquanto que o segundo envolve o processo, i.e., são incluídos componentes espacial (área ou volume de medida) e temporal (intervalo de tempo no qual a medida é efetuada). Assim, a produtividade refere-se à energia fixada por unidade de área (ou volume) e tempo. Além disso, pode-se Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 73 distinguir também produção/produtividade bruta de líquida. Nesta última, a energia gasta na respiração do fitoplâncton é subtraída da quantidade fixada por atividade fotossintética. Basicamente, dois métodos são usualmente empregados na medida da produção de matéria orgânica pelo fitoplâncton: a evolução do teor de oxigênio em frascos transparentes e escuros e a fixação de carbono radioativo. Uma descrição detalhada dos métodos pode ser encontrada em Calijuri & Santos 2004 (Em Bicudo & Bicudo (eds), Amostragem em Limnologia, RiMa Editora, São Carlos, p.321-341) e Bassoli & Roland, 2005 (Em Roland et al. (eds), Lições de Limnologia, RiMa Editora, São Carlos, p.173-191). O uso dos dois métodos na prática não produz medidas confiáveis de respiração. O método do O 2 dissolvido não permite obter o consumo exclusivo do gás na respiração do fitoplâncton visto que as amostras de água confinada nos frascos contém outros elementos da biota aquática (zooplâncton e bactérias). Por outro lado, o método do 14C não produz medidas de respiração pelas comunidades de algas. Desta forma, no primeiro método (método do oxigênio) é preferível exprimir a fixação de energia em termos de produtividade primária bruta, enquanto no segundo método (método do carbono radioativo), produz-se um dado quantitativo intermediário entre produtividade bruta e líquida (Talling & Lemoalle 1998. Ecological dynamics of Tropical inland waters, Cambridge University Press, Cambridge, x+441p.). As algas constituem uma comunidade que, por definição não apresenta capacidade de movimentação própria (exceto os fitoflagelados) e, portanto, para se manterem na zona eufótica (Zeu) – zona iluminada que, por convenção, se estende até uma profundidade correspondente a 1% da intensidade luminosa de superfície (I0) – devem apresentar estruturas morfológicas com razão área/volume elevada, que diminui a velocidade de sedimentação a que estão sujeitas, ou,podem apresentar vesículas gasosas (aerótopos), como no caso das cianofíceas, para ascender na coluna de água. A turbulência da água na Zeu (gerada por ação do vento) é também um mecanismo importante para manter as algas na região mais superficial de lagos e reservatórios. Entre os fatores reguladores da produção primária fitoplanctônica, a radiação fotossintética ativa (PAR, radiação dentro do espectro de 400 a 700 mm de comprimento de onda) se revela de primordial importância. A radiação fotossintética ativa varia com a latitude, estação do ano, período do dia e interceptação atmosférica (presença / ausência de nebulosidade). Ao incidir sobre lagos e reservatórios, uma perda por reflexão ocorre na dependência do ângulo de incidência e das condições da superfície (turbulência – ondas e, calmaria). Ao penetrar na água, a PAR apresenta mudança de direção (refração), absorção e dispersão, o que determina uma extinção (atenuação vertical). Assim, pode-se calcular o coeficiente de extinção (Ke) na Zeu através da seguinte equação: 1 Ke = (ln I 0 - lnI ) 1 ( Ζ 0 − Ζ1 ) onde (Z0 - Z1) seria a extensão da Zeu (pode ser estimada como aproximadamente 3xZDS ; ZDS = profundidade de desaparecimento do disco de Secchi) e I0 e I1, respectivamente, intensidades da PAR medidas na superfície e na profundidade limítrofe entre Zeu e Zafótica). Como o ambiente (lago e reservatório) pode, durante o ano, apresentar-se estratificado termicamente, é importante avaliar a extensão da Zeu na coluna da água (inteiramente inserida no epilimnio, prolongando-se até o metalímnio e, às vezes, atingindo a parte superior do hipolimnio). Em caso de isotermia, a zona de mixtura (Zmix) pode potencialmente atingir o fundo de ecossistema (Zmax) durante os episódios de ventania, e as algas estão mantidas na Z eu . Assim, são importantes as razões Zeu/Zmix e Zeu/Zmax como parâmetros secundários para interpretação dos dados obtidos. Se a Zeu é um local adequado para a produção fotossintética, a biomassa fitoplanctônica da Zeu por unidade de área -2 (S eu B, mgChl.-a.m ) é a chave para compreender a dinâmica da produção. Os conteúdos máximos de biomassa na zona eufótica [SeuB]Max, variam entre 185 e 370 mgChl.a2 m- (Talling & Lemoalle op. cit.). O emprego de um dos dois métodos para medir a produção de matéria orgânica por populações fitoplanctônicas, confinadas em frascos incubados em vários níveis de intensidade luminosa na Zeu, permite a obtenção de perfil vertical, que mostra 3 regiões distintas: uma de inibição da luz próxima à superfície, outra de Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 74 saturação e a terceira de limitação por luz. Há controvérsias sobre a primeira região (fotoinibição), visto que pode ser resultado de artefato de experimentação (frascos mantidos na superfície durante todo o tempo de incubação) ou decorrente de sedimentação de algas como as diatomáceas, ou um excesso de luz. A intensidade luminosa de saturação (Ik) leva à taxa máxima de produção fotossintética volumétrica (Amax em mgO 2 .m -3 .h -1 ou mgC.m -3 .h -1 ), que é principalmente devido à biomassa variável (B) de algas. A taxa específica por unidade de biomassa fmax (Amax/B) ou capacidade fotossintética apresenta grande variação, função da composição das algas, de sua densidade celular, de sua “saúde”, do suprimento de nutrientes e CO2 e da temperatura. A partir dos dados volumétricos de produção (gO2 ou gC.m-3.h-1) na Zeu,, pode-se obter por integração a taxa de produção por unidade de área (SA,em gO2 ou gC.m-2.h-1) em períodos curtos (geralmente 4 horas, medição feita no intervalo entre 10 e 14 horas), e estimar a taxa diária (SSA, gO2 ou gC.m-2.dia-1) assumindo um fotoperíodo de 9 (±1) horas, para grande parte de lagos e represas tropicais (Talling & Lemoalle op. cit.). A produtividade primária por área (SA) pode ser estimada baseada na razão da produtividade volumétrica máxima (Amax) e coeficiente de extinção vertical da luz (Ke), como demonstrado para lagos africanos (Talling 1965. Int. Rev. ges. Hydrobiol. 50: 1-32). Baseado nos valores de SA e Ke de cada mês durante 3 anos sucessivos, uma correlação positiva significativa foi encontrada entre SA e Amax/Ke para a Represa de Jurumirim, São Paulo (Henry et al. 2006. Braz. J. Biol. 66(1B): 239-261). Outro parâmetro correlacionado com a produtividade primária integrada (SA) é o conteúdo médio em biomassa fitoplanctônica na Z eu . Para a Represa de Jurumirim, a correlação entre SA e ZeuB foi baixa (r = 0.22; P>0.05; n = 36) e, portanto, a quantidade de biomassa na Z eu é um preditor pouco consistente da produtividade primária por área, como também aconteceu para alguns lagos africanos (Talling & Lemoalle op. cit.). A produtividade em muitos lagos parece depender da temperatura (ex. Ganf 1972. Em Kajak & Hillbricht-Illkowska (eds), Productivity problems of freshwaters, Krakow, Polish Scientific Publication.). A despeito da variabilidade seasonal da temperatura média da água na Zeu na Represa de Jurumirim (Henry et al. op. cit.), nem a produção fotossintética por área (SA) nem a produtividade volumétrica máxima (Amax ) apresentaram correlação significativa com o fator temperatura. Um segundo grupo de fatores afetando a produtividade primária é o dos nutrientes. Uma atenção especial tem sido voltada para o nitrogênio e fósforo, macronutrientes universais presentes na água em diferentes formas (orgânicas e inorgânicas) sob disponibilidade variável, e, na sílica, de especial importância para as diatomáceas. O carbono inorgânico, necessário para elaboração dos compostos orgânicos via fotossíntese, deve merecer também um exame minucioso de sua disponibilidade em forma adequada para as algas. Além desses quatro elementos quantitativamente importantes, outros designados como micronutrientes, visto as concentrações extremamente baixas na água e necessidades pequenas para a biomassa fitoplanctônica, devem ser cogitados como fatores limitantes/controladores da produtividade primária. Portanto, revela-se necessário conhecer a disponibilidade ambiental dos nutrientes para as algas, envolvendo escala temporal e espacial (horizontal e vertical). Uma maneira de saber se a biomassa apresenta-se com quantidades adequadas de macronutrientes é avaliar a razão C:N:Si:P, que deveria ser de 106:16:16:1 (Razão de Redfield) em situação ideal. Segundo Talling & Lemoalle (op. cit.), quatro abordagens distintas podem ser empregadas para identificação e detecção dos nutrientes limitantes: a) avaliar as concentrações na água (quantidades absolutas e razões); b) composição em elementos da biomassa fitoplanctônica (razão C:N:P); c) experimentos de enriquecimento da água e medição da resposta das algas, em relação a crescimento e d) respostas fisiológicas do fitoplâncton em experimentos de curta duração. Um revisão recente de dados no Brasil sobre este tópico (limitação por nutrientes) foi feita por Huszar et al. 2005 (Em Roland et al. op. cit.). A mudança da limitação por nutriente pela limitação por luz é sem dúvida freqüente em muitas águas tropicais turvas, como lagos costeiros rasos polimíticos, lagoas marginais em planície de inundação com pulsos laterais de água unimodais (Amazônia) ou plurimodais (ex. Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 75 planície do Mogi Mirim, São Paulo). Ambientes alimentados por tributários, como represas e alguns lagos, recebem carga de sedimentos com variabilidade sazonal, que pode determinar modificação temporal na Zeu, em especial na zona de influência dos rios. Ecossistemas com tempo de residência baixo “comportam-se” como verdadeiros rios e, nestes ambientes, a disponibilidade luminosa na água talvez é um fator mais importante no controle da produtividade do que os nutrientes. A produtividade primária pelo fitoplâncton em represas teoricamente é mais elevada na região intermediária entre as zona de influência dos rios e a zona de “lacustre” próxima à barragem (Thornton et al. 1990. Reservoir Limnology: ecological perspectives, John Wiley & Sons, New York, 246p.). Entretanto, este é um modelo que nem sempre é verdadeiro, visto que as represas variam grandemente entre si em tempos de residência e configuração espacial (medida através do índice de desenvolvimento da margem). Na Represa de Jurumirim, num “braço” lateral ao corpo principal obtivemos (Henry 1998. Rev. Bras. Biol. 58(4): 571-590) maior produtividade primária por área em relação às regiões intermediária e lacustre do sistema (Henry 1993. Rev. Bras. Biol. 53(3): 489-488). Como conclusão, vários são os fatores reguladores da produtividade primária pelo fitoplâncton, que atuam de forma isolada ou em combinação. Por isto os estudos de produção fotossintética são extremamente fascinantes. Raoul Henry [email protected] UNESP- Botucatu Ecologia do Reservatórios Fitoplâncton em Os ambientes aquáticos estão sujeitos a grande variabilidade temporal, traduzida por freqüentes reorganizações na abundância relativa e composição das espécies fitoplanctônicas, resultantes das interações de variáveis físicas, químicas e biológicas. As causas dessas seqüências têm sido suportadas tanto pela abordagem do equilíbrio, que defende a coexistência de espécies limitadas por diferentes recursos, como pela do não-equilíbrio, que considera a variabilidade ambiental facilitadora da coexistência de espécies que compartilham os mesmos recursos. A hipótese do distúrbio intermediário (proposta por Connel 1978. Science 199: 1302-1310 e amplamente tratada em Sommer et al. 1993. Em Padisák et al. (eds), Intermediate disturbance hypothesis in phytoplankton ecology, Develop. Hydrobiol. 81: 1-7 para o fitoplâncton), que tenta explicar o “Paradox of Plankton” (Hutchinson 1961. Am. Nat. 95: 137-145), tem sido mais utilizada, pois aborda os dois aspectos na mesma teoria. Segundo Reynolds (1993. Hydrobiologia 249: 151-171), essa hipótese pode representar uma expressão, racional e madura, de interações entre o movimento progressivo interno para a organização da comunidade e a manutenção do equilíbrio energético; ou, a variabilidade ambiental estocástica imposta aos sistemas biológicos. A maioria dos sistemas pelágicos é extremamente vulnerável às mudanças climáticas, de forma que as condições subaquáticas são instáveis e as vantagens em oportunidades de hábitats são descontínuas para as diferentes espécies. Na verdade, esta é outra forma de dizer que, geralmente, a organização da comunidade é frágil e primitiva, porque o sistema é freqüentemente desorganizado (Reynolds 1997. Vegetation processes in the pelagic: a model for ecosystem theory, Ecology Institute, Oldendorf, 371p.). Em geral, os pesquisadores em dinâmica da comunidade fitoplanctônica consideram a instabilidade física da coluna de água, o principal fator controlador das mudanças na estrutura das comunidades (diversidade, dominância e biomassa). Normalmente, a composição de espécies fitoplanctônicas é influenciada por inúmeros fatores bióticos e abióticos, como: mistura da água, radiação solar, temperatura, nutrientes (macro e micro), substâncias tóxicas, microrganismos, parasitas e herbívoros (Reynolds 1997 op. cit.). Em reservatórios, além dessas variáveis e da hidrodinâmica diferenciada em função da localização, morfometria e principal finalidade do sistema, deve-se considerar os “pulsos” devidos ao ciclo Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 76 hidrológico: a precipitação rege os sistemas operacionais da barragem, que determinam os diferentes tempos de retenção da água no reservatório, os “pulsos” de material em suspensão e de nutrientes, ciclagem de materiais e a perda de biomassa. As influências do Homem são relacionadas à economia local, manejo da bacia hidrográfica e usos do reservatório. Segundo Straskraba et al. (1993. Em Straskraba et al. (eds), Comparative reservoir limnology and water quality management, Kluwer Academic Publishers, Dordrecht, p.169-212), este último é mais importante quando o desenvolvimento econômico na bacia hidrográfica modifica não somente a qualidade da água, mas também a hidrologia da região. A qualidade da água é afetada pelos usos da terra e quantidades de poluentes que entram no reservatório. Como conseqüência, os reservatórios desenvolvem características específicas, que resultam numa mistura de influências globais, locais, naturais e do Homem, e que determinam a estrutura das comunidades fitoplanctônicas. As interações entre aquecimento solar, mistura pelo vento e correntes contribuem para a heterogeneidade espacial e a variabilidade temporal de sistemas ecológicos. Como os sistemas aquáticos reagem a mudanças internas e externas, em escalas espaciais e temporais, a estabilidade deve ser definida em termos dinâmicos, numa sucessão com alternância de momentos instáveis e estáveis. Talvez, somente assim, possamos admitir a verdadeira condição de equilíbrio. Um reservatório reúne propriedades de um rio, como um sistema de fluxo, e de um lago, no qual sua morfometria determina o efeito da ação do vento e dos mecanismos de circulação da água por ele induzido, os efeitos de trocas térmicas e os gradientes verticais e horizontais que culminam na sua compartimentalização. A natureza dendrítica de um reservatório, com tributários que apresentam águas com características diferentes devido, principalmente, ao uso e ocupação das bacias hidrográficas, contribuem para a heterogeneidade espacial (Straskraba et al. op. cit.). As organizações horizontais e verticais dos sistemas aquáticos não são independentes e têm características fundamentais comuns. O intercâmbio assimétrico de partículas em suspensão e organismos vivos ou mortos, através de qualquer fronteira arbitrária, permite distinguir subsistemas ou compartimentos com funções complementares. A multiplicidade de compartimentos interagindo dá ao conjunto propriedades homeostáticas. Sendo assim, a heterogeneidade horizontal da comunidade fitoplanctônica está intimamente ligada a fatores morfométricos do ambiente, como a entrada de tributários, a disponibilidade de recursos, principalmente nutrientes, e a ação do vento. Na entrada dos tributários, a maior concentração de material em suspensão e a turbidez limitam a produtividade primária fitoplanctônica pela diminuição da disponibilidade de radiação fotossinteticamente ativa subaquática. O inverso ocorre em direção à região central do sistema e próximo à barragem, onde há maior penetração da radiação fotossinteticamente ativa devido a menores concentrações de material em suspensão. Nessa região, mais profunda, a produtividade fitoplanctônica pode ser limitada pela disponibilidade de nutrientes. Em pesquisas com populações de fitoplâncton, os autores têm enfatizado as agregações horizontais em escalas de metros a quilômetros. Assim o tamanho do “patch” parece ser decisivo. Para Reynolds (1997 op. cit.), o tamanho do “patch”, cuja dinâmica seria relevante para a aplicação da Hipótese do Distúrbio Intermediário, deveria ser da ordem de 100 Km2. Mas, vale ressaltar, que a difusão no ambiente aquático é um mecanismo que une as escalas temporal e espacial em ambas dimensões, horizontal e vertical. O ambiente pelágico é estruturado em um mosaico de diferentes microhábitats, a heterogeneidade ambiental com diferentes espécies na comunidade fitoplanctônica, que possuem diferentes taxas de crescimento. A instabilidade física do sistema aquático, principalmente em função da formação e destruição da estratificação térmica e quantidade de radiação solar subaquática, bem como seus efeitos na densidade da água, produtividade e disponibilidade de nutrientes, são fatores diretamente envolvidos na distribuição descontínua do fitoplâncton. A extensão da mistura vertical é uma das medidas mais relevantes para se avaliar os efeitos Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 77 ambientais sobre esses organismos. Verticalmente, segundo Calijuri (1999. A comunidade fitoplanctônica em um reservatório tropical (Barra Bonita, SP), Tese de livredocência, São Carlos, 211p.), a relação entre profundidade da zona eufótica (Zeu) e da zona de mistura (Zmix) é altamente significante para o fitoplâncton, pois fornece uma comparação entre os tempos que os organismos permanecem em condições de claro e escuro. Assim, se Zmix ≥Zeu, o que freqüentemente ocorre na região mais profunda do reservatório de Barra Bonita, significa que a mistura vertical transporta o fitoplâncton através de gradientes de radiação fotossinteticamente ativa, levando-o a permanecer parte do fotoperíodo no escuro. Mas quando Zmix >> Zeu, o pequeno período de exposição à radiação solar pode ser limitante ao crescimento do fitoplâncton. Ao contrário, quando Zeu > Zmix, por exemplo, em reservatórios profundos e com águas transparentes, o processo fotossintético sofre ajustes, mas ocorre durante todo o fotoperíodo. Caso as profundidades de mistura sejam pequenas ou as águas muito claras, Zeu/Zmix se aproximará de 1. Normalmente, esta situação é encontrada em reservatórios sob condições de mistura total. As escalas de tempo do movimento vertical na camada de mistura da superfície interagem fortemente com as características fotossintéticas do fitoplâncton. Em escalas de segundos e minutos, as flutuações na disponibilidade de radiação solar subaquática, causadas pela mistura vertical, são igualadas pelas respostas de fluorescência das células e pelas respostas fotossintéticas. As respostas das células, circulando em um epilímnio bem iluminado, devem ser primariamente em nível bioquímico, através da alteração na fluorescência, metabolismo do carbono, fotorespiração e produção do glicolato. A diferenciação das características fotossintéticas refere-se diretamente ao padrão de circulação da água nos sistemas. Assim, reservatórios rasos e bem misturados, como por exemplo a represa do Lobo (Broa), exibem pouca ou nenhuma diferença nos padrões fotossintéticos no sentido vertical. Em reservatórios tropicais, as maiores diferenças são sazonais, principalmente entre período seco e chuvoso, em decorrência do aumento de material em suspensão na época de maior precipitação. As escalas de tempo apropriadas para observações em sistemas aquáticos são ditadas por uma variedade de periodicidades, impostas por características ambientais físicas, químicas e biológicas. Espécies diferentes respondem, diferentemente, a estímulos externos iguais, e a evolução ou coexistência das espécies é explicada em termos de uma maior eficiência ou adaptação de cada espécie a uma combinação de características ambientais. A produção primária e a biomassa da comunidade fitoplanctônica são controladas por mecanismos bióticos e abióticos. As variáveis abióticas tais como radiação solar, mistura da água e disponibilidade de nutrientes estabelecem a produtividade potencial. A produtividade real é determinada pela estrutura da cadeia alimentar, amplamente dependente das interações interespecíficas. Em reservatórios tropicais, a variação sazonal da produção primária é controlada por: 1. variáveis climáticas, como radiação solar e vento, que determinam a estrutura térmica e os padrões de circulação da água e, conseqüentemente, a disponibilidade de nutrientes na zona eufótica. 2. variáveis hidrológicas, como precipitação, que determinam os períodos de maiores e menores vazões, diferentes tempos de retenção e flutuações no nível da água no reservatório durante o ciclo hidrológico. Decorrente da precipitação, em alguns reservatórios, pode ser observado um aumento substancial na concentração de sólidos em suspensão, responsáveis por diferenças significativas na disponibilidade de radiação subaquática e contribuição de fósforo para o sistema. Além disso, devem ser consideradas as perdas de fitoplâncton por sedimentação e vazões. 3. variáveis biológicas, como respostas autogênicas (flutuação endógena intrínseca resultante de “pulsos” de atividade) e alogênicas, e interações entre organismos planctônicos favorecendo as perdas de fitoplâncton (predação e parasitismo). Segundo Kimmel et al. (1990. Em Thornton et al. (eds), Reservoir Limnology, Wiley Interscience Publication, p.133-194), a produtividade e biomassa da comunidade fitoplanctônica em reservatórios são dependentes Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 78 de uma série de fatores inter-relacionados, que são, por sua vez, uma função dos regimes climáticos e hidrológicos, do tamanho e morfometria dos sistemas, natureza e volumes das vazões afluente e efluente além da estrutura da teia alimentar. Mudanças longitudinais na morfologia do reservatório e do tempo de retenção resultam em diferenças no fluxo, na profundidade de mistura, na concentração de material em suspensão e nutrientes, e na disponibilidade de radiação solar subaquática. A distribuição de tamanho dos organismos fitoplanctônicos é importante nas determinações da direção e da magnitude dos fluxos de carbono e de energia na zona eufótica de sistemas pelágicos, e via sedimentação, na zona afótica e no sedimento. O elo microbiano da cadeia aumenta a eficiência do metabolismo do sistema através da reciclagem rápida e da redução das taxas de afundamento, diminuindo, portanto, a perda de nutrientes da zona eufótica. De acordo com Wehr et al. (1994. Microb. Ecol. 27: 1-7), sistemas cujas importâncias relativas de picoplâncton autotrófico são elevadas, apresentam taxas de perdas reduzidas. Comparações de distribuição de tamanhos de organismos autotróficos planctônicos, em vários reservatórios com diferentes estados tróficos, indicaram que organismos pequenos (menores que 20 ìm) dominam a produtividade nesses sistemas. Os padrões de distribuição de tamanho do fitoplâncton são associados às condições tróficas do ambiente. Assim, espera-se que organismos picoplanctônicos e nanoplanctônicos sejam mais importantes em reservatórios oligotróficos, enquanto que células maiores, nos eutróficos. Mas, somente o estado trófico do sistema é insuficiente como indicador da importância desses organismos. Vários autores concordam que a predominância de organismos menores reflete a turbulência do sistema. Embora os processos de mistura da coluna de água de um reservatório favoreçam o predomínio de organismos solitários, deve-se considerar que a abundância de morfotipos não se relaciona apenas à física (turbulência, mistura vertical), mas também à química (concentrações de nutrientes) e às propriedades biológicas (predação) do ambiente. Entre todos os possíveis fatores que podem alterar a estrutura da comunidade, a estabilidade física do ecossistema parece ser hierarquicamente mais importante. Alguns autores afirmam que em condições de mistura turbulenta, outros fatores como, disponibilidade de nutrientes e interações da comunidade perdem o sentido. O tempo de retenção pode ser considerado uma das principais variáveis no entendimento de reservatórios, pois a variação dele afeta a distribuição e disponibilidade de nutrientes, bem como a dinâmica da comunidade fitoplanctônica. No Brasil, grandes reservatórios são construídos para gerar energia elétrica. Neles, as vazões vertida e turbinada causam complexidade espacial e temporal durante a operação. As oscilações no nível trófico desses sistemas, no que se refere principalmente a produtores primários e nutrientes, devem relacionar-se com as variações no tempo de retenção da água. O ciclo sazonal do fitoplâncton é perturbado por flutuações no nível da água e modificações no fluxo impostas pela operação da barragem que, geralmente, é irregular nas escalas sazonal e diária. Assim, nesses sistemas a dinâmica do fitoplâncton parece ser dominada pela exclusão competitiva e distúrbios. Em pequenas escalas temporais, as condições de nãoequilíbrio resultantes de distúrbios físicos (por exemplo, mistura pelo vento) levam ao aumento da diversidade de espécies e coexistência que, talvez, possam ser explicadas pela hipótese do distúrbio intermediário. Maria do Carmo Calijuri [email protected] Universidade de São Paulo Ecologia do Fitoplâncton em Lagoas Costeiras Sistemas lagunares representam, em termos mundiais, 13% dos ambientes costeiros, caracterizando-se por acumular matéria orgânica e apresentar alta produtividade e biomassa, tanto autotrófica como heterotrófica (Barnes, R. S. K. 1980. Coastal lagoons. The natural history of a neglected habitat, Cambridge University Press, Cambridge, 106p.). Estes sistemas são ambientes de pouca profundidade, o que associado aos ventos freqüentes, comuns nas áreas costeiras, Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 79 quase sempre garantem uma homogeneidade para a coluna d’água. Além disso, são constantemente impactados por ação antropogênica e, em termos mundiais, encontram-se, na maioria dos casos, em processo de eutrofização (Kjerfve, B. 1994. Em Kjerfve, B. 1994 (ed.), Coastal lagoon process, Elsevier Oceanography Series n° 60, Amsterdam, p.1-8). O processo de eutrofização, assim como a qualidade da água em geral, depende criticamente de fatores como circulação da lagoa, troca de água com o oceano, tempo de residência da água, dentre outros. As lagoas costeiras localizadas em áreas urbanas muitas vezes apresentam um processo acelerado de eutrofização devido ao aporte direto de nutrientes, proporcionado pela população local. Além disso, a ocupação das áreas marginais destes ambientes proporciona assoreamento e conseqüente redução do espelho d’água. O fitoplâncton é o principal produtor primário da região limnética das lagoas costeiras, sendo, portanto, importante elo no fluxo energético destes ecossistemas aquáticos. Vários são os fatores que intervêm na dominância de determinados grupos de algas na coluna d’água, dentre os quais destacam-se a disponibilidade de nutrientes e luz, a condição de mistura da massa d’água e, em especial nos sistemas lagunares, destaca-se a importância da salinidade. Embora o Brasil apresente uma extensa área costeira, que se estende do estado do Amapá ao Rio Grande do Sul, perfazendo cerca de 7.367 km, o estudo sobre o fitoplâncton de lagoas costeiras em nosso território tem se concentrado nas regiões Sul e Sudeste, em especial nos estados do Rio Grande do Sul e do Rio de Janeiro. Um elevado número de lagoas costeiras ainda permanece intacto quanto ao conhecimento do fitoplâncton, embora muitas já estejam recebendo forte influência antrópica. Com base na atual literatura, constata-se que a dominância de determinada espécie ou grupo taxonômico nas lagoas costeiras está associada a dois fatores principais, que são a concentração de nutrientes e salinidade. Estudos sobre o fitoplâncton de lagoas costeiras brasileiras têm apontado para a abundância/dominância de formas nanoplanctônicas em geral, com dominância de cianobactérias, diatomáceas e flagelados. Dessa forma, são freqüentes os registros de flagelados, incluindo dinoflagelados (Akashiwo sanguineum na Lagoa da BarraMaricá, RJ; Prorocentrum minimum na lagoa Rodrigo de Freitas, RJ), Cryptophyceae (Cryptomonas na lagoa Rodrigo de Freitas, RJ), Raphidophyceae (Chattonella subsalsa na lagoa da Barra-Maricá, RJ) e Chrysophyceae (na lagoa de Saquarema, RJ), de diatomáceas como na lagoa Imboassica em Macaé (Chaetoceros spp., Cyclotella choctawhateeana, Synedropsis roundii), e também são comuns as florações de cianobactérias (Synechocystis aquatilis nas lagoas de Saquarema, Barra-Maricá, Rodrigo de Freitas, RJ; Synechococcus sp. nas lagoas de Saquarema, Imboassica e Barra-Maricá, RJ; Microcystis aeruginosa, Microcystis spp. e Planktothrix sp. na lagoa de Jacarepaguá, RJ e Cylindrospermopsis raciborskii na lagoa Imboassica). Cabe mencionar o registro de floração de Chlorococcales (clorococcales) (Chlorela vulgaris, Chlorela vulgaris var. autothrophica na lagoa da Barra-Maricá, RJ). Muitas dessas florações estão envolvidas em eventos de mortandade extensiva de peixes, quer por serem tóxicas, quer por provocarem abrupta depleção do oxigênio dissolvido com sua decomposição. As florações de cianobactérias, quando tóxicas, acrescentam maior prejuízo ao ambiente por representarem um risco à saúde pública, através do consumo do pescado contaminado. A recorrência de Microcystis aeruginosa, produtora de microcistinas, em lagoas costeiras brasileiras, vem sendo observada na lagoa dos Patos, RS, e na lagoa de Jacarepaguá, RJ. Tal fato expressa o registro de cepas halotolerantes de cianobactérias tóxicas, que vêm expandindo sua área de distribuição para ambientes salobros. Eventos de mortandade maciça de peixes em lagoas costeiras não são raros e encontram registro predominantemente no verão. Embora as condições do ambiente nesse período do ano (alta temperatura, diminuição da solubilidade do oxigênio dissolvido – O.D., aporte de chuvas) contribuam para a redução da disponibilidade do O.D., alguns registros foram associados à ocorrência de florações de cianobactérias e dinoflagelados. Na lagoa da Barra-Maricá, mortandade de Brevoortia tyranus (Savelha) foi associada à floração de Synechocystis aquatilis, Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 80 45 N-Nitrato N-Amônia 40 35 µM 30 25 20 15 10 5 a) 0 M.aeruginosa Clorofícea 28/05/97 30/04/97 03/04/97 06/03/97 06/02/97 08/01/97 11/12/96 12/11/96 15/10/96 b) 16/09/96 10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 21/08/96 5 ind. X 10 / ml que através de bioensaios mostrou-se tóxica, produtora de microcistina (Azevedo & Carmouze 1994. Rev. Hydrobiol. Trop. 27(3): 265-272). A lagoa Rodrigo de Freitas também registrou mortandade de peixes relacionada às florações de Synechocystis aquatilis, Jaagnema subtilissima ou Prorocentrum minimum; entretanto, todos os bioensaios realizados tiveram resultados negativos (FEEMA 2005. Relatório de Qualidade de Água da Lagoa Rodrigo de Freitas (20032005)). Como exemplo da relação entre salinidade e trofia com a comunidade fitoplanctônica em lagoas costeiras, cita-se o ocorrido na lagoa Imboassica em Macaé-RJ. Esta lagoa, em condições mesohalina e oligo-mesotrófica, apresentou dominância de flagelados nanoplanctônicos, pequenas diatomáceas, em especial Cyclotella choctawhateeana e Chroococcus microscopicus. Já no período em que as águas da lagoa apresentaram condições oligohalina e eutrófica-hipereutrófica, foram registradas florações de cianobactérias filamentosas e de uma diatomácea penada, S. roundii (Melo 2001. Fitoplâncton da lagoa Imboassica (Macaé, RJ-Brasil): Flora, estrutura de comunidade e variações espaciais e temporais, Tese de Doutorado, PPGE-UFRJ, Rio de Janeiro, 163p.). A dominância de cianobactérias também tem sido freqüentemente associada, na literatura, à baixa turbulência, baixa luminosidade, baixa razão zona eufótica/zona de mistura, alta temperatura, baixo CO 2 /alto pH, altas concentrações de P-total, baixa concentração de N-total e de nitrogênio inorgânico dissolvido, estratégia de estocagem de fósforo, habilidade em minimizar herbivoria e de regulação da flutuação. Na lagoa de Jacarepaguá-RJ, a redução da disponibilidade de N-Nitrato e aumento de NAmônia foi acompanhada pela substituição da dominância de clorococcales pela de M. aeruginosa (Fig. 1 a,b). Análises de correlação, inversa entre N-Amônia e chorococcales (r= 0,33; p<0,05, n=34) e direta entre N-Nitrato e chorococcales (r= 0,72; p<0,05, n=27) e entre cianobactérias e N-Amônia (r= 0,42; p<0,05, n=34) confirmaram a importância da oferta de nitrogênio para o controle dos grupos dominantes no fitoplâncton nesse ambiente. Por outro lado, a dominância de Figura 1: a) Flutuação temporal dos valores de N-Nitrato e N-Amônia (µM) e b) da densidade populacional de Microcystis aeruginosa e Clorofícea (ind. X 105 .ml-1) na lagoa de Jacarepaguá no período de agosto/1996 a maio/ 1997. diatomáceas tem sido associada à turbulência da água, baixa disponibilidade de luz e altas concentrações de sílica. Este elemento, constituinte das frústulas das diatomáceas, foi apontado como principal fator determinante da marcada flutuação temporal de florações de Synedropsis roundii na lagoa Imboassica, que em cerca de um mês variou de mais de 180.000 ind.mL-1 a números próximos de zero ou não detectado, pelo método empregado (Ultermöhl) (Fig. 2). Além da disponibilidade de sílica, no período em que foi registrada a floração desta diatomácea as condições da lagoa eram oligohalinas e eutrófico-hipereutrófica, apresentando florações também de cianobactérias. Quanto aos flagelados em geral, cabe destacar a estratégia nutricional mixotrófica, favorável ao seu crescimento em ambientes submetidos a impacto de origem doméstica, ricos em matéria orgânica. O desenvolvimento de formas de resistência, que se mantêm em dormência no sedimento, é outra característica vantajosa desse grupo, uma vez que as lagoas costeiras são ambientes rasos e sujeitos a Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 81 200 350 160 300 140 120 250 100 200 80 150 60 SiSR ind.ml-1 *10-3 Interação Entre Fitoplâncton, Zooplâncton e Peixe: Herbivoria e Reciclagem de Nutrientes 400 Ind.ml-1 SiSR 180 100 40 36770 36708 36647 36586 36526 36465 0 36404 0 36342 50 36251 20 Figura 2: Flutuação temporal dos valores de SRSi (µM) e da densidade de Synedropsis roundii (ind.ml-1) na lagoa Imboassica no período de abril/1999 a setembro/2000. freqüente ressuspensão do sedimento em função de constantes ventos costeiros. Em síntese, alguns aspectos merecem destaque quanto ao fitoplâncton de lagoas costeiras brasileiras, entre estes: 1) a maioria dos estudos está restrita a poucas regiões geográficas; 2) a dominância de cianobactérias, diatomáceas e flagelados; 3) o crescente registro de algas potencialmente tóxicas, geralmente associado ao processo de eutrofização. Considerando que a população brasileira está concentrada nas áreas costeiras, que o adensamento populacional nas regiões próximas às lagoas favorece o processo de eutrofização destes corpos d’água e que os estudos sobre o fitoplâncton de lagoas costeiras concentram-se em poucos estados, percebe-se a necessidade de investir em novos estudos sobre estes organismos ao longo de toda a planície costeira brasileira. Tais estudos buscariam assegurar o levantamento de informaçõesaasobre a biodiversidade de algas supostamente remanescente destes ambientes, tendo em conta as profundas modificações ocasionadas pela eutrofização, dentre as quais destaca-se o desenvolvimento crescente de algas potencialmente tóxicas. Patrícia Domingos [email protected] Universidade do Grande Rio / Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente Sérgio Melo [email protected] Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas CONSIDERAÇÕES GERAIS Os consumidores do topo podem, indiretamente, afetar os produtores primários na base da cadeia alimentar devido a seus efeitos sobre os consumidores intermediários – controle descendente. Sabe-se, atualmente, que a influência desses predadores sobre os organismos produtores não está limitada ao controle dos consumidores intermediários já que eles também influenciam a reciclagem de nutrientes dos ecossistemas – controle ascendente. Peixes planctófagos podem exercer efeito direto sobre o fitoplâncton através da herbivoria ou indireto, através da predação seletiva sobre o zooplâncton e pela reciclagem de nutrientes (Attayde, J.L. & Hansson, L.A. 2001. Limnol. Oceanogr. 46: 1001-1012, Vanni, M.J. & Layne, C.D. 1997. Ecology 78: 21-40). Os peixes se alimentariam de algas maiores e possibilitariam o rápido desenvolvimento das espécies pequenas. Como os peixes também atuariam como predadores do zooplâncton, o efeito sobre o fitoplâncton de maior tamanho seria potencializado, reduzindo sua biomassa. Estudos têm mostrado que a importância da excreção de nutrientes por peixes, principalmente planctófagos, é maior em sistemas oligotróficos, podendo ser um importante mecanismo controlador da comunidade fitoplanctônica, quando o zooplâncton hebívoro encontra-se em pequenas densidades (Jeppesen, E. et al. 2002. Aquat. Ecosyst. Health Manag. 5 (1): 31-43). Em lagos eutróficos, o fitoplâncton e as bactérias são menos limitados por nutrientes e o controle descendente, através da predação dos peixes sobre o zooplâncton pode ser o principal mecanismo direcionador para essas comunidades. O controle descendente, entretanto, é mais importante quando o peixe é um predador visual, consumindo de forma eficiente os organismos zooplanctônicos maiores e possibilitando o aumento da biomassa fitoplanctônica. Apesar da importância, poucos são os estudos em ambientes tropicais rasos com predominância de peixes onívoros (Lazzaro, X. et al. 2003. Freshwater. Biol. 48: 649-668). Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 82 Considerando essas abordagens, foram feitos experimentos com mesocosmos no Lago Monte Alegre, Ribeirão Preto, SP, para avaliar a influência do zooplâncton e do zooplâncton peixes sobre o fitoplâncton, em termos de abundância e composição. As hipóteses testadas envolveram a influência da herbivoria e da reciclagem de nutrientes pelo zooplâncton e pelos peixes. Tilapia rendalli adulta foi utilizada no experimento por ser planctófaga, consumindo principalmente fitoplâncton (Arcifa, M. & Meschiatti, A. 1996. Acta Limnol. Brasil. 8: 221229). O Lago Monte Alegre (21º 11’S, 47º 43’W) situado no Campus da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, encontra-se no limite entre os climas tropical e tropical de altitude, com duas estações climáticas bem marcadas: uma seca e fria - maio a setembro - e outra chuvosa e quente - outubro a abril. A área do lago é de cerca de 7 ha. com profundidade máxima de 5 m e média de 2,9 m, não sendo a barragem manejada, funcionando como um pequeno lago e sofrendo pouca influência antrópica. do cilindro (tipo bastidor), para impedir a entrada do zooplâncton total; foi tecnicamente impossível evitar a entrada de poucos rotíferos, principalmente Keratella spp. no tratamento B. Em ambos os tratamentos e no ambiente foram analisados o fito- e o zooplâncton, clorofila-a, produtividade primária por C14, sedimentação de material em câmaras suspensas dentro dos mesocosmos e no lago e limitação por nitrogênio e fósforo. Os tratamentos foram monitorados duas vezes por semana durante 25 dias. Doravante o tratamento A será considerado como zoo+ e B como zoo-. -Experimento sobre a influência de peixes e zooplâncton sobre o fitoplâncton A influência de peixes e zooplâncton, sobre o fitoplâncton foi testada neste experimento a partir de dois tratamentos com três réplicas cada um. Ele foi realizado no verão de 1999, de forma semelhante ao experimento anterior, sendo que os cilindros do tratamento A continham além do fitoplâncton e zooplâncton, um espécime adulto do peixe ciclídeo Tilapia rendalli. O tratamento B continha fitoplâncton METODOLOGIA e baixa densidade de rotíferos. O experimento foi monitorado duas vezes por semana durante -Experimento sobre influência do 18 dias. O lago foi também monitorado durante zooplâncton sobre o fitoplâncton os dois experimentos. Esse experimento foi realizado na época de inverno (1998) e avaliou a influência do CONSIDERAÇÕES FINAIS zooplâncton sobre a dinâmica da comunidade fitoplanctônica. Os mesocosmos foram -Zooplâncton x fitoplâncton constituídos por cilindros de plástico com A densidade fitoplanctônica média não capacidade de cerca de 2500 L, que foram foi significativamente diferente no início entre colocados na região pelágica do lago, presos a os dois tratamentos, mas ao final do experimento flutuadores, fixos ao fundo, e cobertos por uma ela foi significativamente maior no tratamento rede de malha larga para evitar a entrada de outros B (zoo-) (p=0,037, Fig.1). No ambiente, a organismos (detalhes do método em Arcifa, M. densidade aproximou-se da encontrada no & Guagnoni, W. 2003. Acta Limnol. Brasil. 15: tratamento A (zoo+). A maior contribuição para 75-79). Foram realizados dois tipos de tratamentos a densidade total do fitoplâncton durante o com três réplicas cada. experimento, nos dois tratamentos e no ambiente Os cilindros do tratamento A foi das clorofíceas. No final do experimento (25° (fitoplâncton total + zooplâncton total) foram dia), cianofíceas, crisofíceas e diatomáceas preenchidos com água do lago filtrada em rede apresentaram densidades significativamente de 1 mm de malha, colocada na sua boca (tipo maiores em B (p=0,003, p=0,036 e p=0,005). A bastidor), para evitar a entrada das larvas de fração de tamanho <20 µm contribuiu com cerca caoborídeos e o efeito de predação. Para o de 80% para a densidade total do fitoplâncton tratamento B (fitoplâncton + rotíferos) os cilindros ao longo do experimento nos dois tratamentos e foram preenchidos do mesmo modo, porém a água no ambiente. No 1° dia do experimento, a foi filtrada por rede de 60 µm, acoplada na boca densidade da fração de tamanho entre 20-30 µm Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 83 foi significativamente maior em B (zoo-) e da fração >60 µm, em A. No último dia do estudo, as frações de 30-60 mm e >60 µm foram significativamente maiores no tratamento B (p=0,007 e p=0,004). Clorofila a e produtividade primária não diferiram entre os tratamentos ao final do experimento (Fig. 2). Fiugura 1: Densidade fitoplanctônica (ind/mL) ao longo do tempo nos tratamentos A (zoo+) B (zoo-) e no ambiente (Amb). Figura 2: Produtividade primária fitoplanctônica (mgC/ m3/h) concentração de clorofila-a (mgC/L) nos tratamentos A (zoo+) B (zoo-) e no ambiente (Amb). nitrogênio e fósforo no período de experimento de inverno, o fitoplâncton só não apresentou maior aumento possivelmente por limitação de outros fatores como temperatura e luminosidade. O aumento de 6,4x na densidade de algas, ocorrido no tratamento A no meio do experimento, coincidiu com queda de 90% na densidade de filtradores maiores como os cladóceros Daphnia gessneri e D. ambigua. Ao final do experimento houve praticamente substituição desses dois cladóceros por outro, Simocephalus mixtus, que normalmente é litorâneo. -Zooplâncton e peixe x fitoplâncton Após 18 dias de experimento as densidades fitoplanctônicas se mantiveram semelhantes ao 8o dia no tratamento B (zoopeixe-), continuando a aumentar no tratamento A (zoo+ peixe+), atingindo 7,3x a densidade média do 1o dia, com diferença significativa entre os dois tratamentos (p= 0,003; Fig. 3). Clorofíceas contribuíram mais para a densidade do fitoplâncton durante todo o estudo no tratamento A e no ambiente. Ao final do experimento, clorofíceas contribuíram significativamente mais no tratamento A (p=0,029) e zignemafíceas no tratamento B (p=0,019). Com relação ao tamanho das algas fitoplanctônicas, no primeiro dia de estudo, não foram observadas diferenças significativas entre as densidades totais das diferentes frações de tamanho nos dois tratamentos. Ao longo do experimento, a fração entre 20-30 µm não foi significativamente diferente, mas as frações <20 µm, 30-60 µm e >60 µm foram significativamente maiores em A, a partir da metade do estudo. A perda de fitoplâncton por sedimentação foi semelhante entre os tratamentos no final do estudo (3,8 e 4,9 g m -2 dia -1 em A e B, respectivamente). Não houve diferença significativa entre as densidades zooplanctônicas entre os dois tratamentos, porém a composição diferiu, com microcrustáceos presentes em A e somente algumas espécies de rotíferos em B. A tendência de aumento do fitoplâncton no tratamento B (zoo-) manteve-se durante o experimento, o que não ocorreu no ambiente e no tratamento A (zoo+). A explicação poderia ser a menor pressão de consumo do fitoplâncton por Figura 3:Densidade fitoplanctônica (ind/mL) ao longo rotíferos em densidades relativamente baixas em do tempo nos tratamentos A (zoo+ peixe+) B (zoo-, peixeB (zoo-). Não tendo havido limitação de ) e no ambiente (Amb). Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 84 Próximo ao final do experimento as médias de clorofila-a e produtividade primária foram significativamente maiores no tratamento A (p=0,013, p=0,49, respectivamente; Fig. 4). No ambiente, ocorreu diminuição da produtividade primária e um pequeno aumento da concentração de clorofila-a ao longo do tempo. Figura 4: Produtividade primária fitoplanctônica (mgC/ m 3 /h) e concentração de clorofila-a (mgC/L) nos tratamentos A (zoo+, peixe+) B (zoo-, peixe-) e no ambiente (Amb). A densidade total do zooplâncton no tratamento A (zoo+ peixe+) foi significativamente maior do que em B (zoo- peixe-) ao longo de todo o experimento (p< 0,003-0,040). Foi observada contribuição significativamente maior de cladóceros e copépodos ao final do estudo no tratamento A em comparação com B (zoo- peixe) (p=0,021 e p=0,022, respectivamente). A densidade total dos rotíferos não foi significativamente diferente ao longo do tempo em cada um dos dois tratamentos. A taxa de sedimentação média foi de 158,0 -2 -1 g m d no tratamento A (zoo+ peixe +), sendo significativamente superior à observada em B (zoo- peixe-) (87,1 g m-2d-1). No ambiente o valor foi próximo ao encontrado em B (71,5 g m-2d-1). A presença de peixe no tratamento A, no verão, fez grande diferença para as comunidades planctônicas. A tilápia adulta alimenta-se principalmente de fitoplâncton no lago (Arcifa, M. & Meschiatti, A. 1996. Acta Limnol. Brasil. 8: 221-229) e a taxa de filtração avaliada experimentalmente em laboratório variou de 0,09 ± 3,6.106 a 1,66 ± 0,83.106 células/g/h, sendo a medida nos mesocosmos de 5,5 ± 3,6.106 células/ g/h (A. J. Meschiatti não publ.). A taxa de filtração nos mesocosmos foi superestimada, pois não foi descontada a perda de algas por consumo pelo zooplâncton e por sedimentação. Um cálculo aproximado do consumo de algas/tilápia/dia nos mesocosmos resultou em uma perda de cerca de 20% do total de algas. Mas, a reciclagem de nutrientes principalmente pelos peixes suplantou a herbivoria no tratamento A (zoo+ peixe+), ocasionando aumento da densidade do fitoplâncton e da biomassa em clorofila a. A pressão menos intensa de herbivoria sobre o fitoplâncton no tratamento B (zoo- peixe-), dada a virtual ausência de herbívoros zooplanctônicos mais eficientes (microcrustáceos) deve ter sido a causa do aumento do fitoplâncton. Porém, o crescimento parece ter sido estabilizado em B pela limitação de nutrientes, uma vez que estes não estavam sendo repostos pelo sedimento (mesocosmos isolados do fundo) e a reciclagem de nutrientes pelos consumidores planctontes ter sido menos eficiente do que a do peixe. A limitação de nitrogênio, existente no início do experimento, acentuou-se no tratamento B (zoo- peixe-). A presença de peixe e zooplâncton mais abundante e diversificado no A, contribuindo com nutrientes através da excreção, possivelmente minimizou a limitação de N mas não a eliminou, pois o consumo pelo fitoplâncton deve ter sido muito elevado, considerando-se as altas densidades atingidas. A influência do peixe, através da reciclagem de nutrientes, foi superior à do zooplâncton nos experimentos no Lago Monte Alegre. Em outros estudos experimentais também foi encontrada uma forte relação entre a biomassa e a estrutura fitoplanctônicas e a presença de peixes, que influenciaram a dinâmica e fluxos de nitrogênio e, principalmente, de fósforo (Vanni, M. et al. 1997. Ecology 78: 1-20). No Reservatório de Americana, experimentos mostraram que os peixes afetaram a densidade, a biomassa e a composição do fitoplâncton (Arcifa, M. et al. 1986. Hydrobiologia 139: 49-58; Northcote, T. et al. 1990. Hydrobiologia 194: 31-45). Estes últimos autores atribuíram os resultados obtidos ao efeito “cascata” via predação seletiva, mas levantaram a possibilidade da reciclagem de nutrientes ter sido, também, uma via de influência muito importante. Dessa forma, a queda na herbivoria pelo zooplâncton, propiciada pela predação seletiva de herbívoros maiores e mais eficientes pelos peixes, não seria a única explicação para o crescimento fitoplanctônico observado. Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 85 A tilápia adulta no Lago Monte Alegre tem um modo diferente de se alimentar do plâncton com relação ao dos peixes dos outros estudos mencionados, pois é um filtrador que bombeia a água e não um predador visual. Ela é capaz de coletar algas de 2 a 200 mm de tamanho e espécies zooplanctônicas pequenas e grandes como Bosmina e Daphnia (Arcifa, M. & Meschiatti, A. 1996. Acta Limnol. Brasil. 8: 221229). Sua possível influência sobre a estrutura zooplanctônica seria diferente da de um predador visual, pois sua seletividade depende do escape da presa à correnteza de água de bombeamento. Assim, não seria de se esperar nos experimentos no lago o efeito “descendente” via seletividade de presas maiores ou mais visíveis pelo peixe. Nos experimentos realizados no Lago Monte Alegre, um peixe por réplica do tratamento A ficou acima da abundância da tilápia e da de peixes em geral no ambiente. Assim, a influência do peixe foi potencializada, resultando em um efeito muito evidente. Tentando transplantar as conclusões para o lago, pode-se prever que a herbivoria exercida por tilápia e a reciclagem de nutrientes seriam muito menores. Por outro lado, outras espécies de peixes no lago, que não são planctófagas, poderiam afetar o fitoplâncton somente através da reciclagem de nutrientes. O efeito do zooplâncton não foi potencializado no início dos experimentos, uma vez que ele foi introduzido nos mesocosmos A como estava no ambiente. Mas a ação de herbivoria de filtradores mais eficientes, como os cladóceros maiores, pode ser notada quando o peixe está ausente, como no experimento feito no inverno. Em conclusão, no Lago Monte Alegre, o zooplâncton parece exercer maior influência sobre o fitoplâncton via herbivoria (efeito descendente) e os peixes via excreção (efeito ascendente). Lúcia Helena Sampaio da Silva [email protected] Museu Nacional - UFRJ Marlene Sofia Arcifa [email protected] Universidade de São Paulo Cinaobactérias em Águas para Abastecimento Público e o Cumprimento da Legislação Brasileira INTRODUÇÃO As atividades humanas levam a usos múltiplos dos recursos hídricos e embora essas atividades variem de acordo com a ocupação da bacia de drenagem e com a organização econômica e social da região, geram impactos e deterioração da qualidade da água e interferem na quantidade de água disponível. Como conseqüência desses impactos, é comum a verificação da incidência de florações de microalgas e cianobactérias, que podem provocar um aumento no custo de tratamento da água e levar a graves conseqüências relacionadas à saúde pública. Vários gêneros e espécies de cianobactérias que formam florações podem produzir toxinas (cianotoxinas), as quais apresentam efeitos danosos para a biota aquática, podendo atingir também a saúde humana. As cianotoxinas até agora caracterizadas podem ser incluídas em três grandes grupos, de acordo com suas estruturas químicas: os peptídeos, os alcalóides e os lipopolissacarídeos. Entretanto, por sua ação farmacológica, as duas principais classes de cianotoxinas são as neurotoxinas (anatoxina-a, anatoxina-a(s) e saxitoxinas) e hepatotoxinas (microcistinas, nodularina e cilindrospermopsina). Intoxicações de populações humanas pelo consumo oral de água contaminada por cepas tóxicas de cianobactérias já foram descritas em países como Austrália, Inglaterra, China e África do Sul. No Brasil, o trabalho de Teixeira et al. (1993. Bulletin of PAHO, 27(3): 244-253) descreve uma forte evidência de correlação entre a ocorrência de florações de cianobactérias, no reservatório de Itaparica (Bahia) e a morte de 88 pessoas, entre as 200 intoxicadas, pelo consumo de água do reservatório, entre março e abril de 1988. Entretanto, o primeiro caso confirmado de mortes humanas causadas por cianotoxinas ocorreu no início de 1996, quando 130 pacientes renais crônicos, após terem sido submetidos a sessões de hemodiálise em uma clínica da cidade de Caruaru (PE), passaram a apresentar um Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 86 quadro clínico compatível com uma grave hepatotoxicose. Desses, 60 pacientes vieram a falecer até 10 meses após o início dos sintomas. As análises confirmaram a presença de microcistinas e cilindrospermopsina, no carvão ativado utilizado no sistema de purificação de água da clínica, e de microcistinas em amostras de sangue e fígado dos pacientes intoxicados. Além disso, as contagens das amostras do fitoplâncton do reservatório que abastecia a cidade demonstraram uma dominância de gêneros de cianobactérias comumente relacionados com a produção de cianotoxinas (Azevedo, S.F.M.O. et al., 2002. Toxicology. 181: 441-446) Em termos globais, os relatos clínicos dos danos para a população humana, pelo consumo oral de toxinas de cianobactérias em águas de abastecimento, indicam que esses danos acontecem como conseqüência de acidentes, desconhecimento ou deficiência na operação dos sistemas de tratamento da água. Como resultado, esses relatos são parcialmente estimados e as circunstâncias originais são freqüentemente de difícil definição. Em muitos casos, as cianobactérias causadoras dos danos desaparecem do reservatório antes que as autoridades de saúde pública considerem uma floração como o possível risco, pois são geralmente desconhecedoras dos danos resultantes da ocorrência de florações de cianobactérias e, portanto, assumem que os processos de tratamento da água usuais são capazes de remover qualquer problema potencial. Entretanto, várias toxinas de cianobactérias, quando em solução, são dificilmente removidas através de um processo convencional de tratamento, sendo inclusive resistentes à fervura. Em regiões agricultáveis, ou áreas densamente povoadas, ocorre muitas vezes o aparecimento de florações constantes de cianobactérias em reservatórios de abastecimento público e, usualmente, as autoridades de meio ambiente tentam controlar as florações com aplicação de diferentes algicidas. Este método provoca a lise desses organismos, liberando as toxinas freqüentemente presentes nas células para a água bruta do manancial. Tais ações podem causar exposições agudas às toxinas. Além disso, há evidências que populações abastecidas por reservatórios que apresentam extensas florações podem estar expostas a baixos níveis de toxinas por longo período. Essa exposição prolongada deve ser considerada como um sério risco à saúde e, portanto, é importante que os efeitos crônicos de exposições prolongadas por ingestão oral de baixas concentrações de cianotoxinas sejam avaliados, tanto do ponto de vista epidemiológico como toxicológico. No Brasil, as florações de cianobactérias vêm aumentando em intensidade e freqüência e, atualmente, é possível visualizar-se um cenário de dominância desses organismos no fitoplâncton de muitos ambientes lênticos brasileiros, especialmente durante os períodos de maior biomassa e/ou densidade. Esta dominância é marcante, sobretudo em reservatórios e em vários deles o predomínio de cianobactérias durante grande parte do ano tem sido observado. Dentre os gêneros mais freqüentemente observados nas florações de cianobactérias no Brasil, destacam-se Microcystis e Cylindrospermopsis, descritos na literatura como potencialmente produtores de hepatotoxinas e/ou neurotoxinas. C. raciborskii vem se tornando uma das espécies de cianobactérias de maior interesse para os pesquisadores, em parte pelo seu potencial de produzir toxinas e formar florações, mas principalmente pelo aumento do número de relatos de sua ocorrência nos últimos 7 anos em ecossistemas aquáticos continentais de regiões tropicais, subtropicais, e mesmo temperadas, de diferentes países . No Brasil, há registros dessa espécie em 11 Estados e no Distrito Federal, sendo importante ressaltar que florações tóxicas de espécies deste gênero já foram registradas em vários ecossistemas aquáticos brasileiros das regiões Nordeste, Sudeste e Sul. A grande maioria das cepas tóxicas de C. raciborskii, até agora isoladas de ecossistemas aquáticos brasileiros, demonstraram produzir saxitoxinas. Portanto, a análise e estudos com esse grupo de neurotoxinas, em amostras de água para consumo humano, estão se tornando de extrema importância. Em muitos reservatórios, inclusive em alguns recém construídos, este gênero já é dominante, atingindo um número de células muito acima dos limites máximos aceitáveis na água captada para abastecimento público, para não conferir risco para a saúde humana. Cabe ainda ressaltar que, devido à alta estabilidade e solubilidade dessas saxitoxinas, certamente Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 87 processos de bioacumulação na biota aquática podem estar ocorrendo, podendo configurar uma outra rota de intoxicação humana. (Azevedo, S.F.M.O. 2005. Em Chorus, I (ed), Current approaches to cyanotoxin risk assessment, risk management and regulations in different countries, Federal Environmental Agency. Berlim.). Por outro lado, florações de cianobactérias produtoras de microcistinas já foram confirmadas em vários reservatórios das regiões Nordeste, Centro Oeste, Sudeste e Sul, já tendo sido também detectada a presença dessa hepatotoxina, em níveis acima dos limites máximos aceitáveis, em várias amostras de água tratada, distribuída pelos sistemas de abastecimento público. Além disso, já foi demonstrada uma rápida bioacumulação de microcistinas em peixes de uma lagoa costeira fluminense com florações tóxicas de cianobactérias, evidenciando uma nova rota potencial de intoxicação humana. Essa bioacumulação foi confirmada por estudos em laboratório. Devido ao aumento da ocorrência de florações de cianobactérias tóxicas no Brasil e considerando os aspectos relacionados aos problemas ambientais e de saúde pública, fica evidente a necessidade de se prever, controlar e, se possível, evitar a ocorrência dessas florações, especialmente assumindo-se que a qualidade da água é um fator limitante para o desenvolvimento econômico e social do país. A prevenção de florações de cianobactérias é a abordagem mais racional a ser adotada pelos responsáveis pelo uso de um manancial, para evitar os problemas potenciais de toxicidade e de gosto e odor na água, causados por essas florações. Infelizmente nenhuma técnica de prevenção é simples e antes de qualquer opção a ser selecionada é necessário considerar-se as informações já disponíveis sobre as variáveis físicas, químicas e biológicas do ambiente aquático. Em janeiro de 1990 foi publicada pelo Diário Oficial da União a portaria no 036 do Ministério da Saúde. Essa portaria que substituía a de no 056, apesar de algumas inovações, ainda não contemplava o arcabouço de parâmetros químicos e biológicos necessários a um controle mais efetivo da qualidade da água a ser distribuída à população. Com a edição da portaria no 1469 em 19 de fevereiro de 2001, alguns desses parâmetros como os orgânicos incluindo a microcistina passaram a ser exigidos. Parâmetros hidrobiológicos como a identificação e a contagem de cianobactérias passaram então a serem exigidos no controle. Além da inclusão de novos parâmetros, foram alteradas as freqüências para a realização das amostragens daqueles já existentes como a colimetria. Todos os laboratórios de companhias de abastecimento de água, sistemas autônomos municipais e empresas privadas teriam até três anos para efetivarem a implantação desses parâmetros. Somado a isso, outros parâmetros de controle ficaram enquadrados dentro das recomendações, dentre eles, as análises químicas para a identificação e quantificação de saxitoxinas e cilindrospermopsina. Em 27 de março de 2004, foi editada pelo Ministério da Saúde a portaria no 518 com pequenas modificações em relação à 1469, mas que estendia o prazo de implantação por mais um ano. O objetivo principal desse trabalho é o de apresentar como está a situação do atendimento à então portaria 518 pelos laboratórios das companhias estaduais de saneamento, enfatizando onde há a necessidade da locação de recursos em treinamento e infraestrutura para que se efetue o seu cumprimento. MATERIAIS E MÉTODOS Coleta e análise dos dados Através da câmara técnica de controle da qualidade da água da Associação das Empresas de Saneamento Básico Estaduais – AESBE foi realizada uma pesquisa entre 23 companhias de saneamento o que representa 88,5% dos estados da confederação e o Distrito Federal. Essa pesquisa foi dividida em duas partes, a primeira delas foi feita com o preenchimento de um formulário pelos responsáveis dos respectivos setores de controle de qualidade das companhias. Nesse formulário, cujo objetivo principal era o de catalogar as informações sobre a implantação das análises de cianobactérias e cianotoxinas, trazia informações sobre o número de sistemas operados, o tipo de captação de água (superficiais como represas, rios, córregos, açude ou poços), o tipo de tratamento empregado e a ocorrência de cianobactérias e cianotoxinas. Já o segundo formulário trazia informações sobre as análises bacteriológicas referindo-se principalmente à Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 88 população abastecida, à freqüência de amostragem e à metodologia utilizada para o controle. Nesse formulário também foram colhidas informações sobre a realização das análises de flúor, metais pesados e orgânicos como os pesticidas. Ambos os formulários foram elaborados pelo grupo de trabalho da câmara técnica da AESBE responsável pelo apoio em consultorias e serviços técnicos, e estão disponibilizados no site da AESBE (www.aesbe.org.br). Nos gráficos apresentados a ordem, família e gêneros estão expressos alfanumericamente. RESULTADOS PRELIMINARES Das 23 empresas para onde foi enviado o primeiro formulário, em 14 estados e no distrito federal é realizado o monitoramento hidrobiológico nos mananciais, seja através de laboratórios próprios ou através de terceiros. Através da Tabela I é possível verificar como estava a situação do atendimento à legislação, no período de agosto de 2005 a agosto de 2006, quanto ao monitoramento de ocorrência de cianobactérias. De acordo com a avaliação das informações dos formulários preenchidos foi possível compilar quais eram os gêneros mais comuns nas diversas captações de água das companhias de saneamento, nas amostragens realizadas no período de agosto de 2005 a agosto de 2006 Através da Figura 1 é possível verificar quais são os gêneros predominantes em cada uma das captações (foram citadas também a ordem Chroococcales e a família Nostocaceae). DISCUSSÃO Verificou-se um predomínio de espécies dos gêneros Anabaena (80%), Cylindrospermopsis (80%), Microcystis (90%) e Oscillatoria (50%) em aproximadamente todas as amostras de água das captações das estações de tratamento das companhias estaduais de saneamento. Ressaltou-se também a presença do gênero Synechocystis no monitoramento realizado pela companhia de água do Espírito Santo. Se considerarmos que já há citação bibliográfica no Brasil para a produção de cianotoxinas para todos os gêneros mencionados, cuidado maiores devem ser adotados pelos órgãos produtores de água potável quando da ocorrência dos mesmos. Além disso, devido possivelmente à falta de especialistas em taxonomia ou a indisponibilidade de técnicas moleculares na maioria dos laboratórios das companhias, dentro da classificação do gênero Tabela I: Situação do atendimento à portaria no 518 no que se refere à análise de cianobactérias pelas companhias de saneamento estaduais até agosto de 2006. Legenda: NR: Não realiza; NI: Não informado; RM: Regiões metropolitanas. Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 89 Legenda: 1a: Anabaena; 2a: Aphanizomenon; 3a: Aphanocapsa; 4a: Aphanothece; 5c: Chroococcales; 6c: Coelomoron; 7c: Cylindrospermopsis; 8c: Cylindrospermum; 9g: Geitlerinema; 10g: Gloeocapsa; 11g: Gomphosphaeria; 12j: Jaaginema; 13k: Komvophoron; 14l: Limnothrix; 15l: Lyngbya; 16m: Merismopedia; 17m: Microcystis; 18n:Nostocaceae; 19o: Oscillatoria; 20p: Phormidium; 21p: Planktothrix; 22p: Planktolyngbya; 23p: Pseudoanabaena; 24r: Radiocystis; 25r: Raphidiopsis; 26s: Spirulina; 27s: Synechococcus; 28s: Synechocystis e 29t: Tychonema. Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 90 Microcystis podem estar sendo confundidos outros. O gênero Radiocystis, que é facilmente identificado como Microcystis, vem sendo catalogado em diversas regiões do país e todas as cepas até o momento avaliadas produzem microcistinas. Contrariamente, para o gênero Sphaerocavum, facilmente confundido com o gênero Microcystis, há poucos registros de cepas produtoras de microcistina. Outra consideração que deve ser levada em conta, é a de que o gênero Cylindrospermopsis, até então produtor de neurotoxinas, pode ser facilmente confundido com outros da família Nostocaceae, quando o seu heterocito terminal não está expresso. A maioria dos laboratórios que fazem o monitoramento hidrobiológico, realiza também as análises de cianotoxinas, principalmente aquelas que podem ser detectadas através de kits imunoenzimáticos (microcistinas e saxitoxinas). A cromatografia líquida de alta eficiência ainda é uma técnica um pouco empregada na maioria dos laboratórios. Por isso, um maior investimento em recursos humanos e equipamentos deve ser despendido pelos órgãos competentes. Para as próximas etapas desse trabalho espera-se um levantamento das técnicas empregadas pelos laboratórios para as análises de nutrientes com os respectivos resultados, além do tipo de tratamento empregado em cada estação. Com isso, será possível estabelecer critérios mais seguros para a previsão de florações e redução das concentrações de cianotoxinas nas diversas etapas do tratamento. AGRADECIMENTO Os autores agradecem ao esforço de todos os técnicos que trabalham nos laboratórios das companhias de saneamento pelo levantamento e fornecimento dos dados. Fernando Antônio Jardim [email protected] Laboratório Central da COPASA Fernando Antônio Jardim [email protected] Laboratório Central da COPASA Sandra M.F.O. Azevedo [email protected] Universidade Federal do Rio de Janeiro Uma Breve Reflexão Sobre a Ecologia do Fitoplâncton Continental no Brasil “A importância do fitoplâncton está fora de questão...” (Reynolds, 1984. The ecology of freshwater phytoplankton, Cambridge University Press, 384p.) É inequívoco o reconhecimento da importância que as comunidades planctônicas assumem na estrutura e funcionamento dos ecossistemas aquáticos. O papel do fitoplâncton, em particular, por dominar a vida pelágica que abrange 70% da superfície terrestre, está fora de questão (Reynolds, C.S.R. 1984. The ecology of freshwater phytoplankton, Cambridge University Press, 384p.). Um simples indicador desta relevância em águas continentais pode estar no número de espécies que compõem esta comunidade. Dentre as mais de 14 mil espécies de algas de água doce, estimada a partir dos registros de Bourrelly (1981-90. Les algues d´eaux douce; initiation a la systematique. Tomes 1,2,3. Éditions Boubée.), cerca de 4 a 5 mil estão presentes no plâncton (Reynolds, 2006. The Ecology of Phytoplankton (Ecology, Biodiversity and Conservation), Cambridge University Press, 535p.). O objetivo desta nota é compartilhar com os leitores do Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia uma breve reflexão sobre alguns pontos relevantes no que diz respeito à Ecologia do Fitoplâncton Continental no Brasil. Reflexões e sínteses detalhadas foram realizadas em momentos anteriores. Cabe salientar, por exemplo, os estudos de: i) Barbosa et al. 1995 Em: Tundisi, J.G., Bicudo, C.E.M & MatsumuraTundisi, T. (Org.), Limnology in Brazil, Rio de Janeiro, p.19-35.), livro este publicado por ocasião do XXVI Congresso Internacional de Limnologia realizado em São Paulo, onde foi apresentada uma síntese dos estudos sobre ecologia do fitoplâncton no Brasil; ii) Huszar & Silva 1999, Limnotemas, Rio de Janeiro, v. 2, p. 1-22) no qual é fornecida uma bibliografia comentada sobre os 50 anos de estudos ecológicos do fitoplâncton no Brasil; e iii) Bozelli & Huszar 2003. Limnotemas, Rio de Janeiro, v. 3, p.1-15) que analisaram o estágio do conhecimento das comunidades planctônicas em geral no Brasil, expondo algumas reflexões sobre Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 91 as carências nesta área do conhecimento e apontando direcionamentos para futuras atividades de pesquisa. Três tipos de lacunas nos estudos das comunidades planctônicas no Brasil foram apontados por Bozelli & Huszar 2003. Limnotemas, Rio de Janeiro, v. 3, p.1-15): lacunas de Informação, lacunas por tipo de ambiente e lacunas regionais. Para o fitoplâncton, em particular, as lacunas de informação referiam-se à carência de estudos sobre produção primária e biomassa das populações e ao quase completo desconhecimento da fração picoplanctônica (0,22 µm). Os distintos procedimentos metodológicos de amostragem (seletivos ou não seletivos) e o conhecimento, então ainda incipiente sobre ecologia de cianobactérias, considerando a importância crescente deste grupo de algas por seu forte vínculo com a saúde pública, eram também tópicos pouco abordados. No que diz respeito a lacunas relativas aos tipos de ambientes – rios, lagoas costeiras, pantanal e outros lagos naturais (que não lagoas costeiras e lagos de inundação) surgiam como ecossistemas ainda com escasso conhecimento, se comparados a reservatórios e lagos de inundação. Regionalmente, a concentração maciça de estudos na região sudeste do Brasil configuravase em uma nítida disparidade regional que precisava ser minimizada, urgentemente, através de estímulo e indução, por parte de agências financiadoras, para a intensificação dos estudos nas demais regiões do país. Poucas modificações ocorreram desde as ponderações levantadas por Bozelli & Huszar 2003. Limnotemas, Rio de Janeiro, v. 3, p.1-15), algumas das quais, no entanto, foram relevantes. O grave problema metodológico de amostragem com rede, com discussão dos dados como se fosse relacionado ao fitoplâncton total, cada vez é menos freqüente. A evolução do conhecimento sobre cianobactérias no país é inequívoca, estando fortemente relacionada ao reconhecimento da relevância para a saúde pública (Portaria 518 do Ministério da Saúde, 25/ 03/2004). Estudos levando em conta biomassa fitoplanctônica (biovolume ou peso fresco) também começam a ser mais freqüentes no país. Por outro lado, permanece ainda incipiente o conhecimento da fração picoplanctônica; e os estudos sobre produção primária não retomaram os níveis de décadas anteriores. No que diz respeito ao conhecimento de diferentes tipos de ecossistemas, pôde-se observar um significativo avanço nos estudos sobre ecologia do fitoplâncton em lagoas costeiras. Muito, no entanto, permanece por ser feito no que diz respeito à ecologia do fitoplâncton de rios e de lagos de inundação, especialmente os do pantanal. Apesar de todas as ações das agências financiadoras, o forte desbalanço regional com concentração de estudos no sudeste do Brasil ainda é uma realidade. Uma breve busca sobre as informações existentes, ainda que subestimada, no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq (http://www.cnpq.br/gpesq), utilizando o termo fitoplâncton como palavra chave, mostra a existência de apenas 65 grupos de pesquisa, 48 dos quais com atuação em sistemas aquáticos continentais. Os 48 grupos vinculam-se sobre tudo a grande área de Ciências Biológicas (36) e os demais às grandes áreas de Engenharia e Ciências Agrárias. 52% dos grupos atuam nos seis estados das regiões Sul e Sudeste, encontrando-se os demais distribuídos pelos outros 21 estados do país. Outros pontos importantes emergem desta reflexão. Há que se desenvolver estudos experimentais em ecologia do fitoplâncton, abordar o foco ainda tímido sobre as questões teóricas e incrementar a visibilidade da produção nacional. A limnologia experimental no Brasil foi objeto de uma síntese realizada por Arcifa et al. (1995 Em: Tundisi, J.G., Bicudo, C.E.M & Matsumura-Tundisi, T. (Org.), Limnology in Brazil, Rio de Janeiro, p.257-281). Os principais estudos experimentais existentes relacionados ao fitoplâncton buscavam identificar os fatores limitantes ao crescimento fitoplanctônico. Mais recentemente, experimentos sobre interações tróficas, ainda que de maneira modesta, têm sido conduzidos por alguns grupos de pesquisa. Fazse necessário tanto incrementar estes tipos de experimento como realizar ensaios delineados para possibilitar a definição de parâmetros, visando modelagem matemática de processos. A abordagem ainda incipiente de questões teóricas dentro da ecologia do fitoplâncton no Brasil faz com que a maioria da produção bibliográfica restrinja-se a trabalhos descritivos. Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 92 Perguntas objetivas a serem respondidas, desenvolvimento de estudos correlacionados às teorias ecológicas gerais e às teorias específicas para o fitoplâncton, possibilitando uma limnologia preditiva devem fortemente ser buscados pelos ecólogos do fitoplâncton no Brasil. Este ponto vincula-se intimamente com o ponto mais crucial que a ecologia do fitoplâncton vive hoje no Brasil: a visibilidade internacional de sua produção científica. Esta visibilidade obviamente está vinculada à qualidade da produção, a qual vem sendo meta prioritária das agências de fomento e de avaliação no país. Os indicadores desta qualidade vêm sendo aperfeiçoados no contexto internacional, bem como nos sistemas de avaliação. Os índices buscam uma forma de expressar quantitativamente a qualidade da produção científica. Embora inúmeras críticas possam ser feitas aos critérios pelos quais são definidos os fatores de impacto das revistas científicas, esta é uma realidade no momento da qual não podemos nos esquivar. Dessa forma, as ações dentro da especialidade Ecologia do Fitoplâncton devem seguir a direção da qualidade da produção, tornando visíveis as pesquisas realizadas no país e a contribuição relevante que as regiões tropicais podem trazer para as questões teóricas em Ecologia de um modo geral. Vera Huszar [email protected] Museu Nacional - UFRJ Boletim da Sociedade Brasileira de Limnologia - nº 35 (3) 93