Renova SP: uma experiência
Felipe de Souza Noto, Maira Francisco Rios, Paulo Emílio Buarque Ferreira
A Prefeitura de São Paulo, em parceria com o Instituto dos Arquitetos do Brasil, ao
propor o “Concurso Público Nacional de Arquitetura e Urbanismo: Renova SP” tinha como
principal objetivo a contratação de projetos de arquitetura e urbanismo para 22 Perímetros
de Ação Integrada (P.A.I.) do município. Após a experiência do concurso Morar Carioca1, em
que foram julgadas propostas metodológicas para urbanização das favelas do Rio de
Janeiro, essa era uma oportunidade de colocarmos em prática algumas soluções ali
esboçadas, sobre territórios pré-definidos pelo edital. Assim, a partir de análises sobre o
potencial de intervenção de cada uma das áreas propostas, nos colocamos o desafio de
buscar soluções para dois perímetros contíguos, juntos à Reserva da Cantareira, no
extremo norte do município, área com graves problemas socioambientais. Um terceiro
perímetro, com complexas condições urbanísticas, por sua localização e por uma imbricada
situação fundiária nos chamou a atenção. Dessa forma, ao eleger os P.A.I. Cabuçu de Baixo
4 e 5 e Jardim Japão, procuramos identificar problemas comuns, além de termos realizado
uma exaustiva pesquisa sobre as especificidades de cada uma das áreas.
A necessidade de pensar a favela não como um problema isolado – de eliminar
moradias em área de risco ou viabilizar a regularização fundiária com mínima urbanização –
nos motivou a imaginar o concurso como possibilidade de atuação sobre o território,
sugerindo alterações estruturais no desenho da cidade que inclua os moradores dessas
áreas e que dê conta da demanda colocada: a integração dos assentamentos precários à
cidade formal. Dessa forma se colocavam como desafios maiores a definição de obras
prioritárias, recuperação ambiental de beiras de córregos e encostas, eleição de moradias a
serem removidas – sempre a partir de critérios técnicos – e consequente reassentamento
dessas famílias em unidades novas – a serem construídas sempre dentro do próprio
perímetro –, além da qualificação urbanística do espaço livre público nesses territórios.
De forma bastante sucinta, as propostas apresentadas ao Concurso Renova SP para
as três áreas podem ser assim descritas:
1
O “Concurso Morar Carioca – Conceituação e Prática em Urbanização de Favelas” (IAB-RJ e Prefeitura Municipal do Rio de
Janeiro) selecionou 40 propostas de metodologias de intervenção em favelas no Rio de Janeiro. A ação da municipalidade visa
a urbanização de todas as favelas do Rio de Janeiro passíveis de intervenção até 2020. Nossa proposta, premiada, foi
desenvolvida pela mesma equipe do Renova SP, além dos arquitetos José Baravelli, Renata Moreira, Tais Tsukumo e Carlos
Gomide (estagiário), além dos consultores Ana Ancona, Anaclaudia Rossbach, Gabriel Blanco, Ana Paula Bruno e Ana Paula
Barreto.
A] P.A.I. Cabuçu de Baixo 5
A ocupação urbana junto à Serra da Cantareira ultrapassou o limite desejável.
Procuramos rever seus limites, a partir de diretrizes colocadas pelo Plano Diretor Estratégico,
com a recuperação da biomassa em áreas de ocupação recente.
Propusemos, portanto, a implantação de novos equipamentos de fronteira com o
intuito de garantir a preservação e educação ambiental. Foi sugerida a requalificação do
sistema viário principal, aliado a um sistema de espaços verdes composto por: Parque
Linear do Córrego Bananal, Caminho Verde sob a Linha de Transmissão, Parque da
Brasilândia e Parque Pedreira Clara Nunes.
A reestruturação e adequação das vias, escadarias e ruas internas, com criação de
áreas livres, busca estabelecer continuidade da malha urbana e reforçar centralidades.
Prevê-se, ainda, melhoria da conexão norte-sul, com criação de nova via coletora na antiga
pedreira.
Além da implementação da rede de infraestrutura e drenagem junto às calhas das
vias e escadarias, indicamos a implantação dos Postos de Vizinhança como organizadores
desses sistemas, onde o padrão convencional não tem espaço adequado para chegar. Esse
reservatório elevado de água potável, com barrilete, relógios individuais de água, espaço
para armazenamento de lixo (orgânico e reciclável), reserva de incêndio e poço de absorção
pode ser articulado a outros equipamentos, criando referências espaciais na comunidade.
Intervenções nos miolos de quadra conectam vielas e eliminam pontos cegos,
propiciam obras de drenagem, provisão habitacional, espaços livres e equipamentos
públicos.
No caso em que é imprescindível o remanejamento habitacional, abre-se uma frente
de provisão habitacional, sempre no próprio perímetro. Prevêem-se novos conjuntos no
Parque da Pedreira e no loteamento Paraná. Nas moradias a serem mantidas, melhorias
habitacionais são indicadas.
A urbanização de favelas não se restringe, portanto, a casa. Deve-se associá-la aos
equipamentos e serviços coletivos. O espaço privado cresce quando associado ao espaço
público.
Cabuçu 5
B] P.A.I. Cabuçu de Baixo 4
A região do P.A.I. Cabuçu de Baixo 4, no distrito de Brasilândia, apresenta grande
complexidade de intervenção por estar situada em área de fronteira da ocupação urbana e
contar com diversas moradias em áreas risco. Ocupações precárias são observadas em
encostas e ao longo dos córregos Cabuçu, Canivete e Carumbé.
As intervenções propostas para a área contemplam as ocupações em áreas de risco,
com contenção de encostas e liberação das margens dos córregos. Espaços de lazer e uso
público devem ocupar essas áreas. Um grande parque linear a ser criado, conectando os
córregos à área de preservação ao norte do Perímetro, deve abrigar novas habitações.
Dessa forma, as áreas verdes passam a catalisar as intervenções, com integração
de equipamentos públicos existentes e a serem criados, obras de saneamento ambiental,
melhoria do sistema viário e provisão habitacional.
Áreas na fronteira da ocupação urbana, ao norte do perímetro, devem contar com
“equipamentos de fronteira”, espaços de reunião comunitária, educação ambiental, geração
de emprego e renda e ponto de apoio à preservação da Cantareira.
Em ocupações com problemas de acessos e altas densidades, prevê-se a
intervenção de miolo de quadra, com abertura de espaços livres, criação de equipamentos
públicos e conexão às redes de infraestrutura. As famílias a serem removidas nessas
quadras devem ser reassentadas em pequenas construções a serem implantadas junto aos
espaços livres criados.
A manutenção dos moradores atualmente em situação de risco na comunidade da
Brasilândia, em seu bairro de origem, ocupação que remonta a meados do século passado,
é premissa básica do projeto. Ao mesmo tempo, espera-se contribuir com o processo de
congelamento da fronteira de ocupação urbana, e inflexão do espraiamento metropolitano,
incluindo a comunidade nas ações de urbanização.
Cabuçu 4
C] P.A.I. Jardim Japão 1
O Perímetro de Intervenção Jardim Japão I se localiza em área relativamente central
na metrópole. Isolada por um triângulo viário – Marginal Tietê, Via Dutra, Fernão Dias –, a
área sofreu mutação em sua utilização, sem revisão do desenho urbano original. Uma série
de ocupações precárias se consolidou em áreas impróprias. Confinadas entre os grandes
lotes e sobre cursos d’água, essas comunidades apresentam alta precariedade habitacional.
Alguns conjuntos habitacionais apresentam os problemas inerentes a uma ocupação
monofuncional e intersticial.
Dessa forma, propõe-se a criação de uma faixa de afastamento às vias expressas
com o uso de grandes equipamentos metropolitanos, como barreira à área de uso misto, a
ser qualificada em seu miolo. A integração entre os diversos tecidos residenciais e de uso
misto por meio da inserção de novos fluxos e pontos de convergência, além de alteração na
hierarquia viária atual, deve se aliar à criação de espaços livres e equipamentos públicos, à
integração entre as duas margens do Córrego Novo Mundo e à desobstrução dos
assentamentos precários existentes.
Propõe-se a ocupação da área sujeita à incidência do Direito de Preempção com
provisão habitacional em uso misto como etapa inicial do adensamento e qualificação do
perímetro, além da inserção de um sistema de áreas livres junto aos cursos d`água a serem
recuperados, associados a equipamentos públicos e áreas de lazer.
J. Japão
Além das propostas para os perímetros, colocava-se como exigência do concurso a
apresentação de propostas de provisão habitacional para três terrenos existentes. A cada
uma dessas áreas foi atribuída uma menção especial. O texto a seguir apresenta a proposta
para conjunto habitacional na região do Tucuruvi, premiado com uma dessas menções.
Área de Provisão Antonio Sampaio
A construção da habitação é a oportunidade maior de se desenhar a cidade. Áreas
de provisão devem compreender o tecido urbano em que são inseridas, de modo a
complementá-lo e transformá-lo. O desafio é evitar ilhas de exclusão e a criação de uma
categoria apartada da morfologia urbana; o quanto possível, pensar o próprio edifício como
elemento de fronteira entre público e privado.
Trazer o passeio público para o interior dos lotes, multiplicar vias e caminhos e,
portanto, a vida urbana. Desenhar as áreas de convivência – programa fundamental à
habitação coletiva – em duas condições: a praça da rua (em que se formalizam acessos,
endereços e a notícia da vida comunitária para o restante da cidade) e a praça do conjunto
(reclusa, e garantida aos moradores).
A área de provisão Antonio Sampaio apresenta condições topográficas únicas,
permitindo acesso principal por via em cota superior, a partir da qual se sugere uma praça
pública e grande escadaria que conecta dois níveis do bairro. O acesso principal, pela via
Comandante Antonio Sampaio, abriga térreo comercial, e apartamentos especiais, além dos
acessos à edificação proposta em nível intermediário, solução clássica que dispensa o uso
de elevadores.
Cria-se, assim, importante conexão de cotas e espaço a ser apropriada pela
comunidade do bairro. O edifício, então, desenvolve-se serpenteando o terreno, moldandose à topografia e aos elementos organizadores do espaço urbano – aqui, as vias e esquina.
Outra praça, essa de uso dos moradores, é criada no miolo de quadra, tomando partido da
topografia e criando pequena área verde condominial.
A. Sampaio
A discussão proposta pelo Renova SP pode ser um pequeno passo na construção de
uma política pública de enfrentamento à insalubridade urbanística desses assentamentos,
que se insere na discussão maior sobre um modelo de cidade que atenda a requisitos
mínimos de justiça social, com redução do processo de espraiamento, revisão da matriz de
transportes e democratização do acesso a terra urbanizada. O desafio se coloca no seu
prosseguimento, na forma como as comunidades se colocarão frente a esse processo e na
capacidade de o poder público pôr em prática ações sugeridas pelos arquitetos que se
propuseram a esse debate.
Autores do Projeto / Equipe:
Paulo Emílio Buarque Ferreira, Felipe de Souza Noto, Maira Francisco Rios, Jordana Alca
Barbosa Zola, Mariana Alves de Souza, Guilherme Moreira Petrella, Mirela Cristina Faria
Caetano (estagiária de arq.), Gabriel Esteves Ribeiro (estagiário de arq.), Fernando
Dimiranda Boari (estagiário de arq.), Daniele Queiroz os Santos (estagiária de arq.)
Felipe de Souza Noto. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo (2001) e mestrado em História e Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (2007). É professor de Projeto e Desenho da Escola da Cidade desde
2003, professor de Projeto e Desenho Urbano do Centro Universitário Senac desde 2011 e sócio da B Arquitetos Ltda, em
atividade desde 2004, onde desenvolve projetos de arquitetura e urbanismo.
Maira Francisco Rios. Arquiteta e Urbanista formada em 2001 pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
e pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (Porto, Portugal, 1997/1998). É professora do curso de graduação
em Arquitetura da Escola da Cidade desde 2003. Desenvolve mestrado em Projeto de Arquitetura na FAU/USP.
Paulo Emilio Buarque Ferreira. Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2002).
Mestre na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, na área HABITAT (2007). Atualmente é
pesquisador da Universidade de São Paulo, sócio-diretor do escritório B Arquitetos e professor na Universidade Paulista. Tem
experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Arquitetura e Urbanismo, atuando principalmente nos
seguintes temas: urbanismo, projeto de arquitetura. 
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Renova SP: uma experiência Felipe de Souza