FRANCISCO JOSÉ DOS SANTOS1
MOTORISTA
30 ANOS DE TRABALHO
Transportadora Ramthum
Idade: 49 anos
Nascido em: Quixadá - CE
Esposa: Maria Izaltina
Filhos: Francisco José dos Santos Filho, Francisco José Wellington, Maria Lidiane,
Danielle e Anderson
Comecei minha vida de motorista com meu pai. Ele era caminhoneiro. Eu era
criança e estudava, mas nas férias viajava com ele. Com mais ou menos uns treze
anos de idade, deixei de estudar e passei a viajar sempre com ele. Fui gostando
demais da profissão. Painho gostava muito de índio. Na porta do caminhão, ele
colocava a fotografia de um índio. E punha nome nos carros: tinha um que era
“Cacique”, outro que era “Pajé”.
Escolhi ser caminhoneiro por causa do Painho. Aprendi a profissão com ele, que
estava sempre do meu lado, e com muita força de vontade. Mas Painho não me
incentivava nessa escolha, não. Ele preferia que eu estudasse para seguir outra
carreira. Só que eu gostava de ser caminhoneiro e ainda gosto muito. Somos nós
mesmos que escolhemos nosso destino...
Em 1974 passei a trabalhar com carteira e a viajar para mais longe, para São
Paulo, para Manaus... Rodei Brasil afora com Painho desde 1974 até 1980. Eu
viajava daqui para Teresina e levava oito dias só para chegar lá. Para Belém eram
1
Depoimento à , na manhã do dia 17 de dezembro de 2003, na . Transcrito em de abril de 2004, Patrícia
Menezes.
trinta dias de estrada de chão, naqueles carrinhos Ford ou Chevrolet. Não eram
carros sofisticados como os de hoje. Eu achava gostoso. Hoje, tudo é rápido.
Quase todas as estradas têm asfalto e em um instante a gente já está lá. Naquele
tempo, eram trinta e cinco dias para chegar em São Paulo e mais trinta e cinco
para voltar. Setenta dias! Hoje, a gente tira três dias para São Paulo e volta em
mais três.
Eu e Painho não éramos contratados por empresa. Tratávamos o frete com o
cliente. Tinha muito armazém e nosso serviço era como um comércio. O freguês
dava o endereço para a gente entregar a carga. Geralmente, a volta já estava
acertada. Eram vários tipos de mercadorias. Levávamos óleo e trazíamos leite ou
sabão. Na saída, o freguês já acertava o frete de ida e de volta. Mas o combustível
era por conta do dono do caminhão. Eu e Painho levávamos até tambor cheio
atrás, porque naquele tempo os postos de gasolina eram muito distantes. As
coisas eram menos ágeis do que são hoje. Saíamos com a carga e andávamos no
ritmo que Deus quisesse. Lembro que eu e Painho sempre transportávamos para
Governador Sampaio. De lá a gente trazia Leite Ninho, carne de Sol – que hoje
eles chamam de carne de charque – e aquele feijão mulatinho que tinha por lá.
Era mais fácil, mais descansado. Quando chegávamos no destino, estava sempre
tudo bem. O que valia era a boa vontade de entregar tudo direitinho. Hoje, as
cargas têm data certa para entregar, tem horário. Tudo é controlado!
Sinceramente, eu prefiro como era antes.
Os caminhoneiros eram muito unidos e as estradas eram mais seguras. Eu fazia
comida na estrada. Tinha tudo na gaveta do caminhão. Levava arroz e feijão e
comprava carne e óleo no caminho. O pessoal levava também vara de pescar,
tarrafa, anzol. Então parava para pescar e fisgava peixe em um instante. Era bom,
porque as estradas eram ruins e dava para descansar um pouco enquanto
pescava. No caminhão tinha um fogãozinho de duas bocas. Quando acabava o
gás, a gente cortava mato e fazia lenha. Cozinhava assim mesmo.
Os caminhoneiros andavam em comboio. Eram três ou quatro carros, um atrás do
outro, para poder dar assistência aos outros. Quando era para dormir,
encostávamos os carros paralelos no acostamento. Então, armávamos a rede de
uma carroceria para a outra e dormíamos ali. Em tempo de chuva, colocávamos a
lona por cima... Era como uma caverna para dormir. E fazíamos uma fogueirinha
para espantar as muriçocas. Há uns dez anos atrás, a vida na estrada era
totalmente diferente. Hoje, os caminhoneiros param em um posto de gasolina e se
trancam no carro com um ventiladorzinho para dormir como uma banana
enfurnada, de tanto medo de assalto.
No meio do caminho batia o cansaço. Então parávamos para dormir ou
tomávamos um banho de açude. Ninguém tomava nada para ficar acordado. Tudo
era mais natural. Eu acho que é por isso que Painho hoje tem oitenta e tantos
anos. Ele nunca tomou nenhum comprimido, nada. Quando dava sono, ele dizia: “Meu filho, vamos parar para dormir”. Descansávamos um pouco, umas três horas,
tomávamos um banho e voltávamos para o volante.
Levávamos muitas ferramentas no caminhão. A gente usava o cepo de três
quinas, para calçar as rodas do caminhão. Estávamos sempre calçando o
caminhão, porque as estradas eram de barro, de terra ou de piçarra. Dava receio
de chover e atolar os pneus. O cepo era de madeira, um toco grande. Nós
mandávamos fazer em Belém. Tinha também pá, enxada, picareta, cabo de aço...
Usávamos a marreta para desembeiçar pneu, ajeitar carroceria. Naquela época, a
gente tinha tempo para fazer esses acertos e continuar viagem. Eu achava ótimo!
Hoje em dia, nem precisa levar tanta coisa, porque de dez em dez quilômetros tem
um posto de gasolina. Tem borracharia, tem tudo.
Um dia desses eu estava conversando com meus irmãos e meus filhos lá em
casa. Dizia que eles não sabiam o que era a vida: “- A vida de antigamente é que
era boa! A gente saía de casa e não sabia quando ia voltar”. Telefone era a coisa
mais difícil do mundo. Só dava para se comunicar se fosse por telegrama. E
acontecia de a gente passar um telegrama de Teresina, por exemplo, e chegar em
casa junto com ele.
Quantas vezes, na época das chuvas, as estradas rompiam e nós, caminhoneiros,
passávamos cinco ou seis dias parados. Então, a gente juntava uma turma de
motoristas com carrinhos de mão e tudo para tapar o buraco, para passar madeira
e fazer caminho. E quando a estrada estava ruim, a gente fazia os desvios.
Cortava galho de pau, madeira, fazia ponte. Quando eu comecei, em 1974, em
todo canto tinha estrada de chão. Então, a gente sempre dava um jeito de fazer
caminho quando era preciso.
A lameira serve para não bater terra no carro. No nosso caminhão, a lameira não
tinha frase. Só punhamos frase no pára-choque: “Deus me ajude” ou “Deus me
guie”. Painho gostava disso. Tinha gente que enfeitava o painel do caminhão
também, mas eu nunca fiz. Só usava uma santinha de Nossa Senhora do
Perpétuo Socorro, que até hoje levo para onde for. Sou devoto de Nossa Senhora
do Perpétuo Socorro. O painel do carro é cheio de coisas... ali fica marcado tudo
do carro: velocidade, temperatura, bateria, óleo de motor... Hoje ainda tem o rádio,
mas antigamente não tinha. Era só o barulho dos grilos e as musiquinhas de sapo
cantando nas estradas. Eu acostumei: até hoje não gosto de zoada.
No carro tinha tudo o que fosse preciso usar se desse um prego e a gente tivesse
que puxar o caminhão até a próxima cidade ou até a próxima fazenda. Quando
dava o prego, um caminhoneiro ajudava o outro. Sempre tinha alguém que sabia
ajeitar o carro. Se desse para consertar na estrada, tudo bem. Senão, algum
caminhoneiro do comboio ia à próxima cidade para comprar a peça que tinha
quebrado, enquanto os outros esperavam. Depois, todos ajudavam a consertar.
Éramos unidos. Se partissem três no comboio, voltavam os três. Isso porque antes
o trabalho era mais tranqüilo e não precisava de tanta pressa. Tinha muito
trabalho, mas até parecia mais fácil, porque tinha menos pressão. Hoje, se der um
prego no caminhão, você tem que chamar o socorro imediatamente. Senão, vem o
assaltante.
A fiscalização também era muito diferente do que é hoje. Acho que os guardas da
polícia rodoviária eram mais humanos. Eles viam que a gente estava trabalhando
e eram menos desconfiados. Não tinha essas bandidagens... Em toda a vida teve
fiscalização. No posto fiscal, eles olhavam as notas e a mercadoria. Então,
carimbávamos as notas e íamos embora. Se a carga tivesse passando do peso,
ficava detida no posto. Mas isso era difícil de acontecer... Era descarregar e pesar.
Se fosse erro da fábrica, telefonávamos. Ou então deixávamos a carga no posto e
seguíamos viagem. Na volta, o dono da mercadoria ia resolver na Secretaria da
Fazenda.
Em 1980 tive um acidente. Foi a trinta quilômetros daqui, em Caucaia. Eu vinha
ligeiro, quando uma vaca atravessou a pista. Tentei desviar, mas como estava
com uma carga alta, ela tombou. Sorte que Painho vinha por perto, carregado de
couro. Liguei, e ele me socorreu. Mas foi só esse acidente em trinta e tantos anos
de carteira.
Pouco tempo depois deixei a estrada e fui trabalhar na Petrobrás. Trabalhava vinte
e quatro horas corridas e folgava nas outras vinte quatro horas. Enquanto isso,
meu pai comprou um caminhãozinho para fazer serviços na cidade de Fortaleza.
Nas minhas folgas, eu ia ajuda-lo no caminhão. Mas não deixei a Petrobrás. E
assim fomos levando a vida até que me casei e deixei de ajudar Painho.
Na Petrobrás eu trabalhei em carro tanque. Carregava querosene, óleo diesel,
gasolina e ia deixar nos postos. São muitos modelos de caminhão: tem o carro de
carroceria, que carrega vários tipos de carga, principalmente as mais pesadas,
como ferro e madeira. O caminhão baú também leva várias coisas, mas são mais
leves como caixas e tecidos. O caminhão tanque só leva líquido inflamável. É
gasolina, querosene, óleo diesel, tudo contado pelo litro. Eu trabalhava com essas
cargas líquidas. Era perigoso. Fiz até curso de incêndio para dirigir o carro tanque
na Petrobrás, para poder levar gás butano. Mas até para levar cola de sapateiro
tem que ter o curso de incêndio.
Deixei a Petrobrás em 1988 e comecei a trabalhar aqui, na Mercil. De 1974 para
cá, são trinta anos como caminhoneiro. É uma profissão muito boa! Sofrida, mas é
a melhor profissão que existe. Para ser amigo da estrada é preciso gostar do
verde, da paisagem, da natureza. Na estrada, o que a gente mais vê é a natureza,
que é uma coisa maravilhosa! Eu mesmo, de vez em quando, peço para fazer
uma viagem para longe. Só para relaxar e matar a saudade da natureza. Ainda
ontem eu fiz uma viagem pequena! Não tem profissão melhor que a de
caminhoneiro. A gente conhece coisas, se diverte... Está sempre aqui ou acolá.
Mas trabalha muito também. Acho que para quem gosta e tem vontade, a vida de
caminhoneiro é muito boa. Principalmente se ele for dono do próprio caminhão. Aí
ele vive sossegado, trabalha do jeito que quiser. Como empregado é um pouco
diferente, porque o caminhoneiro é mandado e sempre é puxado pelo acelerador.
Mas é assim mesmo: Todo o ofício tem uma parte de sofrimento...
A carga mudou muito desde quando comecei a trabalhar. No começo, a gente
carregava uma coisa só. Levava um caminhão cheio de madeira, ou chapéu, ou
cereal. Era uma mercadoria só na carroceria. Hoje, a carga é misturada. “Carga
fracionada”, como eles chamam. Cada caminhão viaja levando um monte de
produtos dentro. São mercadorias variadas, de todos os tipos. Só de vez em
quando acontece de a gente carregar um produto só. É raro, mas acontece. Agora
mesmo vai sair uma carga para a Grendene, só de couro. Mas em geral, a carga é
variada. Levamos de tudo. Só não carregamos carga perigosa, porque aqui não
pode.
Todos os dias eu venho carregar aqui na empresa. O horário para entrar é sete
horas, mas eu procuro chegar um pouco mais cedo, para não ter que sair
apressado. Trabalho com mais dois ajudantes. Assim que eu chego, tem um rapaz
que já me dá uma lista com a mercadoria e com os clientes que receberão a
carga. Ele já conferiu tudo. Então nós encostamos o caminhão na plataforma. O
ajudante vai trazendo as caixas para dentro do carro, e eu vou conferindo a lista
novamente. Depois ainda vem o chefe do departamento e confere de novo. São
três conferências! Uma feita pelo Feijó, outra pelo Pintor e outra por mim, dentro
do caminhão.
Depois disso, vamos fazer entregas na cidade toda. Gosto de trabalhar aqui em
Fortaleza. Só de vez em quando que peço para fazer uma entrega mais longe,
para matar a saudade da estrada. Geralmente, nessas entregas não tenho pressa.
Não gosto de andar atrasado, não. Não gosto de esquentar a cabeça. Trabalho
com calma. Mas não fico jogando conversa fora enquanto não terminar meu
serviço. Toda a vida fui assim. Se saio daqui com dez entregas para fazer, sempre
faço as dez. Divido meu dia direitinho. “- Às tantas horas, estarei ali. Depois,
estarei acolá...” Sei o que fazer na minha programação. Se acontecer um atraso,
aviso pelo rádio: “- Olha, esse cliente não estava e não deu para entregar. Vou
seguir em frente.” Pronto. Anoto na prancheta e sigo meu roteiro.
É preciso avisar pelo rádio se acontecer qualquer atraso. Não dá para esperar
pelo cliente o dia todinho, porque posso atrasar a entrega das outras encomendas.
Aviso e deixo a entrega que não fiz para o fim do dia. Os clientes recebem a
mercadoria, assinam e carimbam o conhecimento e também anotam nele o
horário que a gente chegou. No fim do dia, voltamos para cá e prestamos as
contas das entregas com os conhecimentos assinados.
Tem dias que fazemos vinte ou trinta entregas, se as empresas forem todas por
aqui mesmo, no subúrbio de Fortaleza. Mas se for para Maracanaú, para Caucaia
ou para essas bandas mais longe, dá para fazer umas oito ou dez. Depende
muito...
Trabalho de segunda à sexta-feira. Se tiver entrega para sábado, recebo extra.
Gosto daqui e tenho uma grande amizade por meus colegas, graças a Deus.
Saímos sempre juntos, somos bons amigos mesmo. O salário também é bom: dá
para manter a família. Além disso, temos o almoço, a merenda e a diária, que
recebemos além do ordenado. Só pagamos as multas. Eu já levei multa e sempre
tive que pagar. Temos também o descanso. Onde estivermos, paramos por duas
horas para descansar todos os dias. Às vezes, quando não dá para descansar,
então acabamos o dia mais cedo. É bom. Se não estivesse bom, eu tinha que sair,
não é?
Os meninos daqui que viajam para longe têm um trabalho mais puxado. Eles têm
data determinada para chegar com a carga. Ás vezes, as estradas podem estar
ruins, mas o dono da mercadoria não quer nem saber de conversa... Ele quer a
carga entregue no dia certo e acabou história. Acho que essa é a maior dificuldade
dos caminhoneiros hoje em dia.
Tem caminhoneiros que ultrapassam o dia e a noite viajando por causa disso. Fica
muito cansativo! Chegam a perder três ou quatro horas de sono só para chegar no
horário. E como somos empregados, temos que respeitar o horário. Mas acho que
se as estradas estivessem melhor conservadas, nem isso seria problema para o
caminhoneiro. Do jeito que os caminhões de hoje são possantes, não ia ter
problema com horário, nem nada de ruim, não! Carro bom tem demais. Só falta
estrada boa. No Triângulo, ontem, gastei uma hora e meia para percorrer oitenta
quilômetros de lá para cá. É buraco demais! Tomara que esse novo presidente dê
um jeito nas estradas, porque carro bom é o que não falta!
Eu sinto saudade da estrada, já disse. Apesar de ter mudado muito e o trabalho
ter ficado mais apressado, ainda é muito bom. Ainda dá para descansar na
estrada, quando chega o sábado ou o domingo. É só encostar em um canto e
descansar. Aqui não. É o tempo todo trabalhando...
Nas horas de folga, fico em casa. Gosto de estar com meus netos e de criar umas
coisinhas que tenho por aí. Sempre faço isso nos fins de semana.
Acho que a desconfiança aumentou muito nesses trinta anos. Antigamente, se o
cliente me desse um carro e falasse: “- Francisco José, deixe essa carga para mim
em tal lugar”, ficava tudo resolvido. Nem precisava saber onde eu morava. Ele
ficava despreocupado, porque confiava em mim. Hoje em dia, para carregar um
caminhão, você tem que informar todos os seus dados e ainda o pessoal fica
desconfiado. Colocam radar em cima do caminhão e ficam controlando onde você
parou, onde você está. Então você fica o tempo todo controlado pelo satélite. Se
você pára no posto, é acompanhado. Se você vai almoçar, está sendo
acompanhado. Até se você der uma carona, o pessoal já fica sabendo, pelo rádio.
É muito sofisticado. Antes, você podia parar de rodar ao meio dia e dormir até
duas ou três da tarde. Depois você tirava o atraso. Podia até rodar a noite todinha
e não tinha medo de ladrão. Hoje não tem mais tranqüilidade.
E os caminhoneiros também não devem confiar em todo o mundo. Eles estão
sempre rodando e conhecem muitos lugares e pessoas diferentes. Tem muita
amizade, mas, do jeito que as coisas estão, não dá para confiar em qualquer um
que a gente encontre por aí. É muito perigoso. Segurança é um problema sério na
vida do caminhoneiro. As ambições são muito grandes, os ladrões perseguem os
caminhoneiros. Se, pelo menos, tivesse estradas melhores, já facilitava muito,
porque quando o carro cai em um buraco, os ladrões podem aparecer.
Por outro lado, os caminhões tiveram 1.000 por cento de melhoria. Só que acho
que isso não ajudou muito o trabalhador, não. Tudo ficou muito mais rápido.
Antigamente, o trabalho era mais lerdo, mais roceiro. Mas era um lerdo em que
tudo dava certo a até parecia que o trabalho era menor. Com essa rapidez de hoje
acontecem muitos acidentes. Hoje tem que ter muito cuidado para não virar, não
bater.
Então as responsabilidades do caminhoneiro são muitas. E não é só com a carga,
não. Tem que cuidar do caminhão, respeitar os carros que cruzam com a gente,
respeitar os pedestres... O motorista trabalha por muitos. Mas vale a pena. Não
existe dificuldade quando a gente gosta do que faz. Dificuldade é fazer uma coisa
sem ter gosto por ela! Pode ser até que alguma coisa incomode, mas se você
trabalha por gosto, sempre dá prazer. Não adianta ficar se mal-dizendo se houver
algum problema. Tem que continuar a batalha, porque a vontade, quem faz, é a
gente mesmo. É certo que às vezes as coisas não dão muito certo e a gente fica
apavorado. Então tem que ter paciência, voltar e fazer tudo de novo. Isso não é só
com os caminhoneiros, mas com todas as coisas da vida. Paciência. Se eu fosse
ficar me lamentando todas as vezes que fiquei parado na estrada porque o
caminho rompeu... Não daria certo.
Trabalhar com caminhão, para mim é um divertimento! Não tem nada melhor que
a natureza, a vegetação, tomar banho de açude, pescar... Eu nunca bebi na
estrada, nunca fiquei em bagunça para ir em festas de postos, essas coisas. Mas
se eu parasse em uma fazenda, por amizade... aí eu dava valor! Pescar, comer
peixe fresco! Até hoje eu gosto disso. Mas tem colegas que gostam de brincar, de
namorar. Eu acho que isso atrapalha um pouco.
Nenhum caminhoneiro é igual. Tem sempre um que é mais desenrolado que o
outro, que tem a cabeça mais fria. Isso é bom. Por exemplo: se o carro quebra na
estrada, o motorista pode ficar apavorado e correr para telefonar para a empresa.
Ele não consegue raciocinar. Mas se ele tiver a cabeça fria, ele pode dar um jeito
no carro, para puxar até chegar na empresa. Eu gosto muito de ajeitar uma caixa
de marchas, um diferencial. Eu pinto, desamasso. Aprendi tudo isso na estrada e
nas horas de folga. E tem que ter jogo de cintura nas situações. Às vezes, a gente
pode até escolher um caminho mais longo, mas onde sabe que a estrada está
melhor. Daí chega mais rápido. O que é longe se torna mais perto.
Sabe, o que eu gostaria é que os caminhoneiros fossem mais unidos, como eram
antigamente. Aí a profissão ia ser ótima! Hoje, ninguém se ajuda mais na estrada.
Todos querem mais ágeis que os outros e não se preocupam com os colegas. Se
der um prego na estrada, eles viram a cara! No meu tempo, todo mundo ajudava a
sair do sufoco. E se visse uma pessoa precisando, dava carona com o maior gosto
do mundo. Agora não dá mais para fazer isso. Aconteceu comigo ontem mesmo:
eu vinha de Quixeramobim e vi uma senhora e um rapaz na beira da pista. Só que
já era de noite e tive medo de parar. Tive pena, mas não parei... às dez e meia da
noite? Podia ser assalto. A gente não sabe mais em quem confiar, não é? Acho
que a solidariedade, a disposição de ajudar e entender o outro diminuiram muito
entre os caminhoneiros.
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