GUERRA DO VIETNÃ - ACORDO DE PARIS Intervenção e derrota dos EUA Bandeira da Frente de Libertação Nacional do Vietnã do Sul Apesar dos resultados da Conferência de Genebra, o crescimento da repulsa à presença ocidental no Vietnã e a impopularidade do imperador Bao Dai apresentavam um claro prenúncio de qual seria o resultado das eleições previstas para 1956. Por essas razões, os EUA apoiaram um golpe militar no Vietnã do Sul, depondo Bao Dai e levando ao poder o primeiro-ministro Ngo Dinh Diem, que instalou uma ditadura militar no país, cancelou as eleições e perseguiu violentamente os opositores do regime, particularmente a esquerda, que apoiava o Viet Minh. A violência do regime foi tamanha que, em menos de um ano, mais de 70 mil pessoas foram executadas. A guerrilha A resposta da população foi clara: o movimento de guerrilha contra o governo, apoiado pelo Vietnã do Norte, passou a crescer. Já em 1957 eclodiram os primeiros conflitos entre guerrilheiros comunistas e tropas fiéis ao regime de Saigon. Em dois anos, esses conflitos generalizaram-se, configurando uma verdadeira guerra civil. Ante a incapacidade do governo de Diem para conter o avanço dos comunistas, os EUA passaram a intervir diretamente no conflito. O envio de "conselheiros militares" forma eufemística, por meio da qual os EUA procuravam esconder o fato de enviar tropas para combater no conflito vietnamita - chegou a 10 mil soldados em 1962. Em 1960, criou-se a Frente de Libertação Nacional (FLN) no Vietnã do Sul, um exército de guerrilha que lutava ostensivamente, com o apoio do Vietnã do Norte, contra o governo de Saigon. Foram os EUA que deram à FLN o apelido de Vietcongue - termo que, no idioma local, significa vietnamita comunista -, numa tentativa de desmoralizar o movimento. Golpe militar A partir de junho de 1963, a reação no Vietnã do Sul contra o regime de Diem intensificou-se, tendo como manifestação mais dramática o suicídio de monges budistas, que se auto-imolavam em protesto contra o regime. A impopularidade de Diem e sua incapacidade de conter a crescente onda de protestos geraram um golpe militar no qual ele foi assassinado, assumindo o poder os generais Nguyen Van-Thieu e Cao Ky. Nesse mesmo ano, em novembro, o presidente Kennedy foi assassinado em Dallas, EUA, assumindo o vice-presidente Lyndon Johnson. Foi a partir daí que a presença norte-americana tornou-se maciça no conflito. O número de "conselheiros militares" enviados pelos EUA foi sucessivamente crescente, chegando a cerca de 500 mil soldados entre 1965 e 1968. Rock, feminismo e movimento negro Nesse período, embora timidamente no início, começaram as primeiras manifestações internacionais contra a presença dos EUA na guerra. Essas manifestações eram o sintoma de um movimento cultural que marcou os anos de 1960 e que significou a emergência de toda uma nova geração na cena política. Tratava-se da geração que nasceu nos anos da Segunda Guerra Mundial ou imediatamente após o seu final, convivendo com um mundo destruído e com o terror da Guerra Fria. Jovens nos anos sessenta, essa geração pautou sua ação pela reação contra os valores que norteavam o pós-guerra, pela negação ao discurso político tradicional e por uma atitude de contestação à moral vigente, que se traduzia numa nova maneira de se vestir, de se comportar, e por um novo gosto musical, que tinha no rock a sua grande expressão. Incorporava também uma nova postura em relação ao sexo e ao amor, provocando uma das mais intensas revoluções nos costumes em toda a história recente. Havia outros componentes nesse turbilhão social que marcou os anos sessenta. A nova condição da mulher foi um dos principais. Desde os anos da guerra, a mulher, necessária como força de trabalho, superou sua antiga condição de elemento apenas doméstico, submetida ao domínio masculino, passando a reivindicar um papel maior na sociedade. Sintoma dessa nova posição da mulher no contexto social foi a invenção e a popularização da pílula anticoncepcional, em 1958, a qual, muito além de seu significado como avanço da medicina, teve um sentido social revolucionário. Era a admissão pública do direito da mulher ao sexo independente de sua opção pela maternidade, uma afirmação da emancipação feminina ante seu próprio corpo, negando a ditadura patriarcal que marcava a sociedade. Também a questão dos negros ganhava um conteúdo explosivo. Desde o final da guerra, as reivindicações dos negros por liberdades civis vinham crescendo - e na década de 1960, dentro do clima de contestação que marcou o período, atingiram seu ponto crucial. Nos EUA, essa luta teve na figura do pastor Martin Luther King o seu maior expoente, defendendo o fim das leis discriminatórias que ainda vigoravam em grande parte do país, principalmente nos estados do Sul. De certa forma, a guerra do Vietnã catalisou todo esse clima de descontentamento e de contestação, gerando um movimento que fundia essas várias vertentes, contra a presença dos EUA no conflito. Frases como "Faça amor, não faça a guerra" ou "Esta é uma luta na qual brancos mandam negros lutar contra amarelos por uma terra que eles roubaram dos vermelhos" eram uma síntese do amplo movimento de repulsa social à guerra e à ordem vigente. Violência crescente e Acordo de Paris Ante esse movimento de contestação, o governo dos EUA procurava acelerar sua vitória, lançando mão de táticas cada vez mais violentas, como o uso de bombas de napalm (incendiárias, que provocavam imensa devastação), desfolhantes (que provocavam a queda de folhas das árvores, visando impedir que os vietcongues usassem as florestas como esconderijos) e bombardeios maciços sobre o Norte, que acabavam penalizando acima de tudo a população civil. Entretanto, as vitórias do Vietnã do Norte e dos vietcongues iam crescendo. Em janeiro de 1968, os comunistas desfecharam um ataque maciço em todo o território do Vietnã do Sul, na chamada Ofensiva do Tet, chegando a ocupar até mesmo a embaixada dos EUA em Saigon. Contra isso, o governo dos EUA lançou mão de ataques violentos contra o Vietnã do Norte, inclusive com o bombardeio da capital, Hanói. Porém, a guerra estava perdida para os EUA. A pressão crescente da opinião pública, a resistência heróica dos vietcongues e do Vietnã do Norte e também o crescente enfraquecimento do governo Nixon - cada vez mais minado por denúncias de corrupção eleitoral - fizeram com que os norte-americanos iniciassem negociações que levaram à assinatura do Acordo de Paris, em 1973, prevendo a gradual retirada de suas tropas. Em 1975, os vietcongues tomaram Saigon. As cenas dos funcionários da embaixada dos EUA fugindo pelo telhado do prédio, enquanto as tropas ocupavam a cidade, povoaram os noticiários e os sonhos de toda uma geração que teve, no Vietnã, o seu maior símbolo de resistência. *Gilberto Salomão, formado em história pela USP, é professor do Curso Intergraus e autor dos livros de história do Sistema de Ensino Poliedro.