2º DOMINGO DA PÁSCOA ANO B 12.04.2015 O Evangelho de São João – do qual acabamos de ouvir um trecho famoso – foi escrito com o objetivo de suscitar e fortificar a fé em Jesus Cristo, Deus e homem, morto e ressuscitado para a nossa salvação. Sabemos que o termo “mundo”, nesse Evangelho, não se refere tanto à realidade material, à terra ou ao universo, mas indica tudo aquilo que é inimigo de Deus, de Seu Reino e da fé. Podemos dizer que “mundo”, no Evangelho de João, representa, sobretudo, uma mentalidade que se opõe a Deus e à obra salvadora de Jesus Cristo, como também indica uma prática decorrente dessa mentalidade. Em resumo, “mundo” é a descrença e a proposta de um estilo de vida orientado por essa descrença. Nesse sentido, o “mundo” sempre foi e sempre será um adversário da fé cristã. Mas parece bastante evidente que os nossos tempos superam todas as épocas anteriores em matéria de incredulidade. O ateísmo é relativamente recente em termos históricos. Existe hoje um ateísmo militante, e até fanático, que se apresenta com muitas caras diferentes, às vezes com uma fisionomia “simpática”, às vezes “filosófica”, às vezes “científica”, muitas vezes raivosa, e sempre arrogante. Entretanto, a oposição à fé cristã não é necessariamente ateia. Nem sempre brota de uma negação da existência de Deus. Nos nossos dias, no Oriente Médio e na África, por exemplo, grupos extremistas constituídos por pessoas que acreditam em Deus estão massacrando e perseguindo cruelmente milhares de cristãos, unicamente por serem cristãos. Nos tempos de Jesus, aqueles que se opuseram a Ele, e o condenaram, acreditavam em Deus. Em contrapartida, neste democrático, plastificado e esterilizado lado oeste do planeta, o Ocidente ex-cristão, no qual o nosso Brasil está inserido, o “mundo”, no sentido de São João, atua principalmente por meio de pessoas e entidades que quase nunca negam a existência de Deus, ou mesmo que se dizem seguidoras de Cristo, mas que não creem na Igreja, separando assim o inseparável, Cristo e a Igreja, o Esposo e a Esposa, ou, ainda, separando a Cabeça e os membros do Corpo do Cristo Total, na expressão de Santo Agostinho. A “religião” (por assim dizer) torna-se individualista, fantasiosa, uma construção mental feita sob medida para cada um, sem exigências de nenhum tipo e perfeitamente adaptada ao vazio espiritual e ético da nossa civilização moderna. O cristianismo, porém, não é uma doutrina, uma filosofia religiosa ou moral, mas é um fato, um acontecimento, uma Pessoa que mudou toda a história humana. A doutrina cristã consiste em explicar esse fato (na medida do possível), e a moral cristã é uma decorrência normativa lógica desse fato para a vida prática. Ter fé, para nós, cristãos, não é acreditar em determinadas ideias abstratas, mas crer em um fato: o Filho eterno de Deus assumiu a nossa humanidade em Jesus Cristo (um personagem histórico), que sofreu, morreu e ressuscitou para a nossa redenção. E como crer nesse fato ocorrido há dois mil anos? Pelo testemunho daqueles que viram, ouviram, tocaram e conviveram com Jesus, não apenas enquanto em Sua vida mortal, mas também enquanto ressuscitado. Graças a São Tomé, que colocou suas mãos nas chagas gloriosas de Jesus, e aos demais Apóstolos que igualmente O viram e tocaram, nós, que não O vimos nem tocamos, podemos acreditar, com toda segurança, que o Senhor ressuscitou. Acreditamos no testemunho deles porque foi acompanhado de muitos prodígios e, mais ainda, porque a maioria dos Apóstolos deu a própria vida como garantia da verdade desse testemunho. Em outras palavras, ter fé cristã é crer no testemunho dos Apóstolos, aqueles homens que o próprio Jesus escolheu para serem as colunas de Sua Igreja. Ora, os Apóstolos também não estão mais aqui fisicamente. Como, então, crer neles? Sem dúvida, eles deixaram por escrito o seu testemunho, inspirado pelo Espírito Santo, que nós denominamos Novo Testamento. Mas esses escritos, se lidos de maneira apenas privada e subjetiva, podem (e são) interpretados de mil maneiras diferentes e contraditórias. Nesse caso, como ter a garantia absoluta de acesso ao testemunho autêntico dos Apóstolos? Essa garantia nos é dada apenas pela Igreja, particularmente pelos sucessores diretos dos Apóstolos, os bispos, em comunhão com o sucessor do primeiro deles, o bispo de Roma, o Papa, sucessor do Apóstolo Pedro. Não obstante nossas fraquezas pessoais e comunitárias, essa fé sólida (porque fundamentada em fatos, não em elucubrações humanas), que recebemos da Igreja, nossa Mãe, nos faz resistir a todas as tentações de descrença, de dúvida, e nos norteia em nossa prática de vida cotidiana, fazendo-nos rejeitar as propostas do mundo que são contrárias ao amor a Deus e ao próximo. Ouvimos na Segunda Leitura: “Quem é o vencedor do mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?” (1Jo 5,5). Na Eucaristia podemos tocar em Jesus crucificado e glorioso (em mistério, em sacramento, mas realmente), podemos ouvir a Sua palavra, e, com Tomé, professar a fé, dizendo: “Meu Senhor e meu Deus!” (Jo 20,28).