Fidalgos portugueses no governo geral do Estado do Brasil, 1640-17021
Francisco Carlos COSENTINO
Universidade Federal de Viçosa (Minas Gerais – Brasil)
[email protected]
O estudo da política tem se renovado há várias décadas e se tornou nos dias de hoje
uma parte reconhecida e valorizada dos estudos e pesquisas em História. Em um trabalho de
1983, reeditado em 2006, Xavier Gil Pujol assinalava que, apesar da história política nunca
ter se rendido a hegemonia da história cultural ou social, vivenciava ela, “en años recientes a
una rehabilitación”2. Esse tempo ficou para trás e, os estudos sobre “el poder es el tema sobre
el que gravita buena parte de la nueva valoración de la historia política”3, se expandem. No
âmbito dos estudos sobre o Antigo Regime, reflexões, questionamentos e revisões
importantes se propagam e ganham expressão.
Merece destaque, no campo dos estudos sobre o poder no Antigo Regime, os
questionamentos sobre a natureza das monarquias européias, particularmente as ibéricas,
destacadamente a portuguesa. A qualificação de absolutista aplicada à monarquia espanhola e
portuguesa recebeu questionamentos rigorosos e novas caracterizações, algumas elaboradas
nos anos 90 do século passado, e passam a polarizar os debates, com destaque para a
concepção de monarquia composta desenvolvida por J. H. Elliott4 para a Espanha e, mas
recentemente, a de monarquia pluricontinental que vem sendo desenvolvida para
compreensão da monarquia portuguesa5.
No caso da monarquia pluricontinental portuguesa, os estudos se multiplicam em
Portugal e no Brasil. Esse esforço conceitual se apóia em chaves historiográficas renovadas e
permitiram perceber, nos seus diversos aspectos, os grandes vínculos da história política com
a história cultural, a história social e, até mesmo, com a história econômica. Nos estudos do
político, é indispensável, para a sua compreensão refinada, a sua articulação com o cultural, o
social e o econômico6. Por isso, fazemos nossa a afirmação de Pujol quando este indica que
“hoy em dia tiene poço sentido hablar com carácter excluyente de historia política, historia
1
Esse trabalho foi possível graças aos projetos de pesquisa financiados pelo CNPq e pela FAPEMIG.
PUJOL: 2006, 79.
3
PUJOL: 2006, 87.
4
ELLIOTT: 2003, 65-91
5
Ver a esse respeito: MONTEIRO: 2009, 64-81; MONTEIRO: 2007, 19-36; FRAGOSO, GOUVEIA: 2009, 4963; COSENTINO:2011.
6
Como compreender o poder, no Antigo Regime, sem relacioná-lo aos rituais e cerimônias ou a cultura política
que lhe deu fundamento, por exemplo.
2
Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011
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Francisco Carlos Cosentino
social o historia cultural”7 pois, os “limites entre estas diversas parcelas son hoy más borrosos
que nunca”8.
Os estudos sobre a monarquia portuguesa no Antigo Regime e as diversas partes do
seu império ultramarino, particularmente das suas conquistas no Atlântico Sul, especialmente
o Estado do Brasil tem explorado diversos dos seus aspectos, entre eles, o que pretendemos
contribuir com esse trabalho, a análise e compreensão dos seus servidores mais elevados e
qualificados, os governadores gerais.
Nossa investigação a respeito dos governadores gerais do Estado do Brasil partiu de
um pressuposto no qual o cargo de governador era pequeno em poder material e social e,
aqueles que exerciam esse cargo, também ocupavam uma posição menor no interior da
fidalguia portuguesa. A pesquisa nos levou para outra direção. Os dados demonstram que os
fidalgos enviados para o Estado do Brasil como governadores gerais após 1640 eram não
apenas herdeiros de fidalgos qualificados, mas se vincularam a famílias com esse mesmo
status por meio de casamentos e, com os serviços prestados a monarquia, acrescentaram ao
que já tinham.
Nosso estudo começou com algumas certezas, entre elas a de que o estudo de
las diferecias entre las sociedades deben buscarse en gran medida en las diferentes
características de sus elites: en las relaciones entre los grupos superpuestos que las
componen, en el grado de unidad o división entre ellas, en el sistema de
reclutamiento, en la facilidad o dificultad de acceso, y en el marco ético y religioso
de sus vidas.9
A outra certeza é que “que la clase nobiliaria ocupo un papel de preeminencia en el
Antiguo Régimen”10. Com a pesquisa foi possível constatar que os fidalgos enviados para o
Estado do Brasil como governadores gerais faziam parte daquilo que Maravall qualifica como
classe dominante, ou seja “aquella que viene a ser la más amplia capa minoritaria. Son
cuantos, en mayor o menor medida, de una u otra forma, disfrutan a su favor de las posiciones
ventajosas que puede ofrecer una sociedad”11. Nossa pesquisa nos levou mais longe e
pudemos constatar que os servidores da monarquia enviados a América portuguesa
pertenciam a “la classe dirigente o „elite de poder‟ [...] grupo mucho más reducido que el
anterior”12 pois, como indica o mesmo Maravall, é uma parte das classes dominantes que
7
PUJOL: 2006, 186.
PUJOL: 2006, 186.
9
STONE: 1985, 21.
10
ATIENZA HERNÁNDEZ: 1987, 9.
11
MARAVALL: 1989, 158.
12
MARAVALL: 1989, 159.
8
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Fidalgos portugueses no governo geral do Estado do Brasil, 1640-1705
possui “mando social” que “equivale a decidir, a ordenar, a prevalecer, a avanzar” 13 como
poderemos ver na seqüência desse trabalho. Ou seja, estamos diante de um conjunto de
fidalgos que independentemente do seu ethos, conforme estudos de Nuno Gonçalo
Monteiro14, que exploraremos a seguir, desfrutavam por origem familiar, reforçado pelos seus
casamentos, de posição destacada na sociedade e na monarquia portuguesa.
Os fidalgos enviados ao Estado do Brasil como governadores gerais no pós
Restauração, independentemente do ethos da aristocracia de corte portuguesa – a idéia de casa
e de serviço do rei – sustentado num sistema de remuneração de serviços, desfrutavam de
posição cimeira resultado de suas origens familiares e dos casamentos realizados. Os serviços
prestados ao monarca em Portugal e/ou nas conquistas acrescentaram riqueza, posição social e
poder a esses indivíduos, mas não foi a sua principal razão. Eram indivíduos bem postos na
sociedade e na estrutura de poder e, com seus serviços, acrescentaram mais ao que já tinham.
O trabalho que apresentamos a seguir vai analisar os 15 governadores que governaram
o Estado do Brasil entre 1640 e 170515 destacando as suas trajetórias sociais e carreiras,
construídas por sua origem social e pelos serviços que eles e os de sua Casa prestaram a
monarquia portuguesa.
1. A origem fidalga elevada dos governadores gerais do Estado do Brasil
2.
Em outros trabalhos já analisamos o ofício de governador geral do Estado do Brasil e
constatamos serem eles oficiais régios superiores que detinham e exerciam poderes delegados
de jurisdição inferior concedidos pela cabeça do corpo político, o rei16. A gama de poderes
que eles detinham era delimitada pela natureza delegada desses poderes ou jurisdições17, e
incluíam algumas regalias transferidas pelos monarcas por meio dos regimentos e cartas
patentes entregues aos governadores18. Assim sendo, cabia aos governadores do Estado do
Brasil a supervisão administrativa e fiscal, o comando militar, a concessão de graças, a
13
MARAVALL: 1989, 159.
Segundo ele, “ethos ou habitus, quer dizer, um „sistema de disposições incorporadas‟ legado por anteriores
gerações, mas constantemente potenciado e redefinido no contexto das práticas sociais para as quais se orienta,
de um segmento bem definido da nobreza portuguesa, a aristocracia de corte (...)” (MONTEIRO: 2007, 84)
15
É importante ressaltar que, o perfil, a trajetória social e as carreiras dos governadores gerais enviados ao
Estado do Brasil, foram diferentes, conforme os diversos momentos históricos. Uma analise mais geral sobre os
séculos XVI e XVII está disponível em COSENTINO: 2009, 122-129.
16
Ver COSENTINO: 2009, 65-101; MENDES,COSENTINO: 2010.
17
“A jurisdição delegada é aquela „que recibe jurisdicción del principe lo es por delegación y puede ejercerla en
la universalidad de las causas singulares‟. Esse é o tipo de jurisdição, transferida por delegação régia, que era
detida pelos governadores gerais do Estado do Brasil” (COSENTINO:2010, 407).
18
Sobre as regalias e os regimentos ver COSENTINO: 2009, 203-269.
14
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presidência do Tribunal da Relação, nos momentos em que ele esteve em funcionamento, e, a
garantia dos espaços próprios de cada jurisdição, a eclesiástica, a do Tribunal da Relação, a
dos donatários e governadores das capitanias, das Câmaras Municipais, de cada súdito em
particular, inclusive a jurisdição régia, que ele representava.
É importante destacar como referência comparativa que os vice-reis espanhóis da
América, detinham mais poder efetivo e simbólico que os governadores gerais já que eles
eram representantes de “nuestra Real persona”19, pois, conforme afirma Solórzano Pereyra,
“convino que nuestros poderosos Reyes pisiesen estas imágenes suyas que viva y eficazmente
los representasen”20. Assim sendo, os vice-reis, “tienen y ejercen el mismo poder, mano y
jurisdicción que el rey los nombra y ésa no tanto delegada, como ordinária” 21 pois, “donde
quiera que se da imagen de otro, allí se da verdadera representación de aquel cuya imagen se
trae o representa”22.
a. Fidalguia e hierarquia social no Portugal dos seiscentos
Inicialmente, vamos constatar e argumentar a respeito não só da posição fidalga, mas
também socialmente elevada, daqueles que foram nomeados como governadores gerais e
enviados para a o Estado do Brasil entre a Restauração e o final do governo de D. Pedro II 23.
Nesse sentido, uma definição inicial se faz necessária, pois, nesse período, nobreza era um
termo que adjetivava uma conduta e não era utilizado para identificar um grupo social,
conforme o seu sentido contemporâneo. O termo fidalgo era o que identificava a camada
social privilegiada no Antigo Regime e significava
Filho, & de Algo, palavra castelhana, que em Portuguez significa alguma cousa.
Ao homem cavalheiro deuse este nome, para se dar a entender, que seus pays tem
herdado Algo, ou alguma cousa, de que se póde prezar, como nobreza de sangue,
ou rendas, & fazenda considerável, porque Algo também significa cousa de valor.24
Nesse mesmo sentido, Ortiz acrescenta que “en la misma raíz del nombre (hijo de
algo) se veía la exigencia de que descendiera „de limpia y noble sangue y de buenos y ricos
padres‟”25. Covarrubias chama atenção para o fato de que esse termo é próprio da Espanha e
19
Recopilacion de Leyes de los Reynos de las Índias, Tomo I, libro III, tit,II. Madrid: Inprenta Nacional del
Boletín Oficial del Estado, 1998, p. 543.
20
SOLÓRZANO PEREYRA: 1996, 2118.
21
SOLÓRZANO PEREYRA: 1996, 2119.
22
SOLÓRZANO PEREYRA: 1996, 2120.
23
Os dados trabalhados ao longo desse trabalho são oriundos de pesquisa realizada no Arquivo Nacional da
Torre do Tombo, na Biblioteca Nacional de Lisboa, na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e em obras de
genealogia.
24
BLUTEAU: s/d, tomo IV, 107.
25
DOMÍNGUEZ ORTIZ: 1992, 224.
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Fidalgos portugueses no governo geral do Estado do Brasil, 1640-1705
equivale “a noble, castizo y de antigüedad de linage”26 e ao ser “hijo de algo, significa ayer
heredado de sus padres y mayores lo que llama algo, que es la nobleza”27. O mesmo autor
ressalta ainda que, em outro sentido,
algo, vale hazienda y quantía heredada de sus passados y ganada, no en
mercancías, tratos, ventas y compras, sino de los gages y mercedes de sus reyes
hechas a ellos y a sus pasados, conservándolas y transfiriéndolas de uno en otro
sucesor; dedonde pudieron traer origen los mayorazgos y la calidad de los solares y
haziendas. 28
Podemos concluir, constatando que os fidalgos tinham essa qualidade social por
nascimento: “Fidalgo nascia-se. (...) O fidalgo transmitia a qualidade e condição aos seus
herdeiros”29. Ou, conforme indica Domínguez Ortiz, “Hidalguía es nobleza que viene a los
hombres por linaje”30. Villas Boas e Sampayo resgatando sentidos passados, afirma que a
nobreza, ou como preferimos, a fidalguia, “dividise em hereditária, Politica, ou Civil” 31,
sendo que a “hereditária He huma antiga successão de sangue de huma antiga família”32,
enquanto a “Politica, ou Civil He aquella q‟ alguém logra, não pela successão de sangue, mas
por respeito do posto, ou cargo nobre que exercita”33. Miguel Leitão de Andrada ressalta,
complementando essa caracterização, que “ao Rei somente pertence fazer nobres, e que he
isso superioridade real,e que por parte da mãi tambem se conserva nobrezas, e que os que
assistem ao Rei em seu serviço, se reputão nobres”34.
Villas Boas e Sampayo identificou no seu livro as diversas denominações utilizadas
para caracterizar a fidalguia hereditária, vinculadas as origens mais remotas dessa
qualificação de nobreza em Portugal. Essa é a fidalguia que mais nos interessa, pois, é essa
que diz respeito, como demonstraremos a seguir, aos governadores gerais enviados ao Estado
do Brasil, após 1640. Segundo Villas Boas e Sampayo, a fidalguia por origem, hereditária, é
aquela que
Os feitos heroicos dos antepassados, as Armas das Familias nobres, que por elles
ganharão os cargos grandes, que servirão, são a demonstraçaõ mais clara da
Nobreza. Dos avós se deriva esta aos descendentes, e a continuação dos annos a faz
26
COVARRUBIAS: 2003, 591.
COVARRUBIAS: 2003, 591.
28
COVARRUBIAS: 2003, 591.
29
MAGALHÃES: 1997, 415. Ainda segundo ele, mesmo os filhos bastardos obtinham esse estatuto uma vez
reconhecida a paternidade, com concordância régia, reforçando a origem herdada da fidalguia.
30
DOMÍNGUEZ ORTIZ: 1992, 171.
31
SAMPAYO: 1754, 11.
32
SAMPAYO: 1754, 11.
33
SAMPAYO: 1754, 11.
34
ANDRADE: 1993, 370. Ainda segundo ele, “a nobreza se causa, ou por feitos illustres, ou por riqueza, porém
que não se presume nobreza, sem se provar. E que se prova melhor por testemunhas, parentes, vezinhos, ou
familiares, pola razão que tem de o melhor saber: e com tudo, que o que se trata como nobre, e conserva os
apellidos avoengos nobres, se presume nobre” (ANDRADE: 1993, 370)
27
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mais illustre, reconhecendose nos filhos naturalizada a gloria adquirida pelos pays
no sangue nobre que delles herdaraõ.35
Ou, com outras palavras, como a primeira ordem conferida “generosamente a todos os
fidalgos de sangue ilustre, em tal maneira que para gozar desta mercê basta se justifique dos
pais a legitimidade”36.
Após esse conjunto de argumentos, queremos destacar que aqueles enviados para o
Estado do Brasil como governadores gerais, entre 1640 e 1705, eram fidalgos por origem,
herdaram a fidalguia, pois pertenciam a famílias que possuíam bens, títulos e jurisdições
próprias de fidalgos hereditários. Ou seja, por mais que suas carreiras e serviços prestados a
monarquia tenham dado a eles mercês que os engrandeceram e ou enobreceram, a fidalguia
para eles não era algo adquirido pelas ações nobres, mas resultado de sua origem. Nasceram
todos eles de famílias fidalgas e casaram todos eles com mulheres do mesmo estrato social,
como passaremos a mostrar mais a frente. Nesse sentido, parodiando uma colocação de Villas
Boas e Sampaio – que utiliza exemplo do imperador romano Trajano – o monarca português
“escolhia para os cargos, e governo da republica, os Varoens, que tinhaõ ascendentes illustres
e procediaõ de nobreza antiga”37 e também era esse o qualificativo dos que vinham para o
Estado do Brasil como governadores. Pois, conforme Antonio Carvalho de Parada, “o offficio
dos Reys he vigiarem sobre a conservação, & governo dos seus vassallos”38 e, cabe aos
vassalos mais qualificados assistirem ao reis
na administração da justiça, & defensão do Reyno: os mais inferiores nos officios
da republica: e o restante do povo, nos, que chamamos mecanicos, sem os quais se
não pode conservar a vida politica em sua perfeição; assi que parece necessario,
que cada hum se abstenha dentro dos limites do officio pera que a natureza
criou(...). 39
Ainda segundo o mesmo Parada, “aperfeição da republica,& dos mesmos homens
consiste em cada hum se occupar no officio proporcionado a seu estado”40 nascendo a
desordem quando “em elles se abaixarẽ aos officios, que lhes não pertencem, como em
sobirem os de menor sorte aos que não conformão com sua calidade,& merecimentos” 41. Pois,
segundo Villas Boas e Sampayo a nobreza “o adorno dos reynos, o credito das Monarchias
era a nobreza dos que aprovam”42, já que,
35
SAMPAYO: 1754, 345-346.
MELO: 1995, 47.
37
SAMPAYO: 1754, 346-347.
38
PARADA: 1644, 34v.
39
PARADA: 1644, 34v..
40
PARADA: 1644, 35.
41
PARADA: 1644, 35.
42
SAMPAYO: 1754, 2
36
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Fidalgos portugueses no governo geral do Estado do Brasil, 1640-1705
Quem enobrece hua republica, quem authoriza a Corte de hu‟ principe sam os
nobres, que lhe assistem; faltarlhe todo o lustre a hua‟ republica toda magestade a
hua‟ Corte, todo o cortejo a hum Principe se lhe faltara a nobreza.43
Além dos argumentos desses autores de época com os quais acabamos de dialogar
para caracterizar a fidalguia, incorporamos a nossa caracterização dois estudos
contemporâneos que utilizaremos para sustentar nossa afirmação a respeito da posição
socialmente elevada dos fidalgos enviados para o Estado do Brasil na segunda metade do
século XVII.
Nuno Gonçalo Monteiro apresenta uma sistematização a respeito da nobreza
portuguesa que será nosso ponto de partida. Sabemos que uma sistematização como essa
possui limitações, apontada pelo próprio autor, mas deve ser valorizada pelas qualidades que,
esforços de sistematização como esse, representam. Segundo ele, podemos identificar entre a
fidalguia lusitana três categorias. Inicialmente, agrupados num amplo e pouco preciso grupo, havia
os que ele identificou como a nobreza simples e os cavaleiros de hábito que incluíam todos aqueles
que "viviam nobremente". Faziam parte desse grupo todos “os licenciados e bacharéis, os oficiais do
exército de primeira linha, milícias e ordenanças, os negociantes de grosso trato, os juizes e
vereadores de um número indeterminado de vilas e cidades”44. Essa fluida categoria social,
devido a sua desqualificação, ocasionava “uma intensa procura de outras distinções,
designadamente, dos hábitos de cavaleiro das ordens militares (para os quais se exigia prova de
nobreza, mas não de fidalguia)”45. Acima desse segmento social, estava posicionada uma categoria
intermediária constituída por alguns milhares de fidalgos, que reunia a maioria dos “„fidalgos de
cota de armas‟ e de „fidalgos de linhagem‟ (cujos ascendentes tinham recebido a carta do brasão de
armas ostentado na fachada das suas casas), com uma distribuição geográfica muito desigual, bem
como algumas centenas de fidalgos da casa real e desembargadores”46. No topo da estrutura social,
havia o que se pode nomear como a "primeira nobreza do reino". Esse grupo quase todo residia na
Corte e era formado “por cerca de centena e meia de senhores de terras, comendadores e
detentores de cargos palatinos, no cume da qual se encontrava a meia centena de casas dos
Grandes do reino”47. Complementando essa caracterização, a análise de Fernanda Olival
acrescenta elementos as características constitutivas da chamada primeira nobreza do reino ao
ordenar as tabelas remuneratórias que norteavam a concessão das mercês pela monarquia
portuguesa, indicando que
43
SAMPAYO: 1754, 2-3.
MONTEIRO: 2001, 253.
45
MONTEIRO: 2001, 253.
46
MONTEIRO: 2001, 253.
47
MONTEIRO: 2001, 253.
44
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No topo da lista eram colocadas „as villas e suas jurisdições‟, às quais se seguiam
as alcaidarias-mores (sobretudo as da Coroa e da Casa de Bragança); as comendas
efectivas cabia o 3º lugar, por ordem decrescente, vindo depois aquelas que
correspondiam só as promessas(...).48
Como incursão comparativa, na Espanha, a sua hierarquia nobiliárquica49 só adquiriu
contornos mais definidos no século XVI – “con el estatuto de la Grandeza, la creación en
masa de títulos, la burocratización de la concesión de hábitos y la cada vez más marcada
diferencia económica entre los caballeros y señores vasallos, de una parte, y los simples
hidalgos, de otra”50 – para, durante o século XVII, apresentarem de forma mais acentuada a
diferenciação “entre nobles y grandes, que en el futuro serían los únicos que en la
consideración del vulgo serían tenidos por nobles, y los caballeros e hidalgos”51. Essa
tendência também se manifestou na hierarquização que ordenava a fidalguia/nobreza em
Portugal e, a partir do reinado de D. Pedro II, as “vias de acesso á Grandeza foram-se
tornando cada vez mais estreitas”52 para nas décadas seguintes, muito poucos alcançarem essa
posição53.
Constatadas essas convergências, encontramos também, uma compreensão bem
assemelhada quanto a hierarquização das camadas nobres na Espanha e em Portugal e,
Antonio Domínguez Ortiz, no seu clássico estudo a respeito da sociedade espanhola dos
Seiscentos, depois de constatar as dificuldades para o estabelecimento de uma hierarquia para
a aristocracia, classifica essa camada social de acordo com a seguinte ordem: “1º Situaciones
prenobiliarias o de dudosa nobleza. 2º Hidalgos. 3º Caballeros. 4º Caballeros de hábito y
comendadores. 5º Señores de vasallos. 6º Titulos. 7º Grandes de España”54. Guardadas as
particularidades da sociedade portuguesa e espanhola, ganham relevo, ao utilizarmos as
hierarquizações apresentadas por Monteiro e Ortiz, a posição elevada e distintiva dos
comendadores, senhores de terra, títulos e grandes, muito semelhantes nas duas monarquias.
É importante destacar que as expressões “Grandes” e “Títulos”, comuns na Espanha,
quando utilizadas em Portugal, no nosso entendimento, foi tomada de empréstimo da
48
OLIVAL: 2001, 140.
A expressão “nobreza espanhola” sucita “reservas, porque no sólo en Navarra, País Vasco y La Corona de
Aragón El estamento nobiliario tenía características propias sino que en la propia Castilla había diferencias muy
notables que dimanaban de la forma en que se había efectuado la conquista y la repoblación del territorio”
(DOMÍNGUEZ ORTIZ, ALVAR EZQUERRA: 2005, 92).
50
DOMÍNGUEZ ORTIZ: 1992, 189.
51
DOMÍNGUEZ ORTIZ: 1992, 190.
52
MONTEIRO: 2007, 86.
53
Segundo Monteiro, “uma das raras vias de acesso à Grandeza foram os vice-reinados na Índia ou no Brasil,
pois na fase mais restritiva (1671-1760), cerca de metade dos títulos foram criados em remuneração daqueles
serviços. Simplesmente, como a totalidade dos nomeados eram Grandes, filhos de Grandes ou nascidos na
primeira nobreza, a abertura foi bem limitada” (MONTEIRO: 2007, 86)
54
DOMÍNGUEZ ORTIZ: 1992, 191.
49
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hierarquização espanhola sem, no entanto, alcançar todas as conseqüências que está alcança
entre os castelhanos. A Grandeza na Espanha não tem uma origem completamente definida.
Tradicionalmente sua criação foi atribuida a Carlos V em 1520, mas, tem-se notícia dela
anteriormente55. Para os titulados espanhóis a “verdadeira distinción consistió en obtener la
Grandeza de España”56, pois, os Grandes, “llegaron a constituir un grupo bien definido dentro
de la nobleza, con un peso político-social”57 expressivo, particularmente nos séculos XVI e
XVII. Covarrubias, afirma que Grande era um “Titulo de gran honor, que sobrepuja a los
demás títulos de condes, duques y marqueses; y tiene grandes preeminencias, entre otras se
cubre delante del Rey y se sienta delante del en el banco que llaman de grandes” 58. Bluteau,
ao falar de Grandeza, remete-se a fidalguia castelhana – “Começou este titulo em tempo de
Phelippe primeiro, & se renovou no reinado de Carlos V estendendose some‟te a algumas
casas grãdes, & cabeças de famílias illustres”59 – e, completa, relacionando com a sociedade
portuguesa ao destacar que “Os grandes de Portugal são os Duques, Marquezes, & Condes,
que como os Grandes de Castella, com outras muitas preminencias se cobrem diante DelRey”60.
Título é uma expressão que encontramos em Bluteau. Ele a define utilizando
colocações de João de Barros. Segundo ele, Título tem diversos significados, “debayxo do
qual estão muitas espécies de cousas, porque às vezes significa preminencia de honra, a que
chamão Dignidade, como He a de Duque, Marquez, Conde, &c.& outras vezes significa
Senhorio de propriedade”61. Em síntese, ainda segundo o verbete, “Título não He outra cousa,
senão hum sinal, & denotação do direito, & justiça, que cada hum tem no que possue, ora seja
por razão de dignidade, ora por causa da propriedade”62, por isso, conclui Bluteau, “ao titulo
da honra podemos lhe chamar Dignidade, & ao titulo da propriedade, Senhorio)”63.
Enfim, se a Grandeza na Espanha envolvia concessão régia de privilégios distintivos
no interior da fidalguia e Título em Portugal significava dignidade e senhorio, a utilização
dessas expressões, na caracterização da fidalguia portuguesa durante o Antigo Regime,
pressupõe a posse de título, privilégios e bens diversos que qualificava aquele fidalgo titulado
no cume da pirâmide social desse período.
55
DOMÍNGUEZ ORTIZ: 1992, 215.
DOMÍNGUEZ ORTIZ: 1992, 215.
57
DOMÍNGUEZ ORTIZ: 1992, 215.
58
COVARRUBIAS: 2003, 656
59
BLUTEAU: s/d, tomo IV, 121.
60
BLUTEAU: s/d, tomo IV, 121.
61
BLUTEAU: s/d, tomo VIII, 180.
62
BLUTEAU: s/d, tomo VIII, 180.
63
BLUTEAU: s/d, tomo VIII, 181.
56
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9
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O que podemos concluir, cruzando as afirmações anteriores sobre a sociedade
portuguesa e espanhola, é que a fidalguia em Portugal se ordenava de acordo com uma
hierarquização onde senhores de terra (possuidores de vilas e jurisdições), comendadores,
detentores de cargos na Casa régia, assim como de alcaidarias mores, e, logicamente, os
titulados, os Grandes do reino, que, conforme Nuno Gonçalo Monteiro, constituíram o topo da
pirâmide da aristocracia portuguesa.
Por todos esses argumentos, podemos concluir que nasceram os 15 governadores que
estudamos em berço incontestavelmente fidalgo e nesse estrato, ocupavam posição elevada
como demonstraremos a seguir. A intenção foi mapear a trajetória social, a carreira e a
inserção nos órgãos de governo da monarquia portuguesa dos governadores gerais e perceber
nos pais e avós, dos governadores e de suas esposas, o estatuto social e a sua inserção no
império ultramarino, na Casa real e nos órgãos de governo. Trabalhamos com os 15
governadores e as suas 12 esposas, pois Antonio Teles da Silva, Antonio de Sousa Meneses e
Mathias da Cunha não casaram. Com relação aos governadores que casaram mais de uma vez,
utilizamos os dados das famílias das esposas em que houve geração.
b. fidalguia hereditária: famílias e casamentos dos governadores
A primeira conclusão que apresentamos diz respeito à inconteste fidalguia herdada dos
15 governadores que estamos estudando. Para isso, vamos utilizar como um critério para
basear nossa conclusão, a posse de comendas e temos como embasamento dessa conclusão as
informações apresentadas por Fernanda Olival nos seus estudos a respeito das Ordens
Militares em Portugal e as exigências feitas para a concessão de comendas durante os séculos
XVI e XVII64. Os 15 governadores que estudamos eram, no mínimo, a terceira geração de
fidalgos e, além deles próprios, seus pais e avôs, eram comendadores de uma das três Ordens
militares de Portugal. No caso das esposas, as 12 eram filhas de fidalgos e 11, eram, além de
filhas, também netas de detentores de comendas65. Assim sendo, concluímos que no período
de vida dos pais e avós dos governadores e suas esposas, a posse de uma comenda era sinal
inequívoco, em função das exigências feitas para a sua concessão, de fidalguia. O gráfico a
seguir ilustra essas conclusões.
64
65
Ver a esse respeito: OLIVAL: 1997, 11-18; OLIVAL: 2001; e, OLIVAL: 2009, 151-174.
Essa é a conclusão que podemos tirar no estágio atual da nossa pesquisa.
10 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011
Fidalgos portugueses no governo geral do Estado do Brasil, 1640-1705
Governadores gerais do Estado do Brasil e esposas: comendas de pais e avós
A origem fidalga não se fundamenta apenas nesses dados, mas também, pelo
cruzamento com outros dados. Inicialmente destacamos que entre os familiares dos
governadores gerais e de suas esposas encontramos diversos pais e avós que exerciam funções
e detinham cargos próprios das camadas fidalgas, com influência nas dinâmicas decisórias da
corte e do governo da monarquia significativas.
Para começar, 21 membros das famílias dos governadores (14) e da sua esposa (7)
eram alcaides mores. De acordo com Bluteau, alcaide “significa o que tem a seu cargo a
guarda do Castelo, ou fortaleza (...)”66. Sua importância, por isso a referência feita a eles no
trabalho de Fernanda Olival mencionado anteriormente, decorre do fato de que “Jurava o
Alcaide môr fidelidade nas mãos dos Reys, com tão austera, & escrupulosa religiam, que a
mais leve omissão na defensa de sua praça, se castigava como crime de lesa magestade” 67. A
responsabilidade pela defesa, fazia dos alcaides indivíduos que tinham nas mãos regalia –
poderes próprios dos reis a eles delegados – por isso prestavam nas mãos do monarca pleito &
menagem68. Sua importância fez com que dispusesse “D. Afonso 5º que os Alcaides fossem
66
BLUTEAU: s/d, tomo I, 217.
BLUTEAU: s/d, tomo I, 217.
68
Essa postura da monarquia portuguesa já era identificada durante o período medieval, como constatou José
Mattoso. Segundo ele, “o rei utilizou os esquemas feudais para estabelecer laços pessoais com alguns nobres,
sobretudo com os cavaleiros da sua mesnada, os governadores das terras e os alcaides” (MATTOSO: 1988, 145).
A homenagem e o juramento de fidelidade formam regulamentados em Castela, através do Fuero Real e Las
Siete Partidas, códigos elaborados durante o reinado de Afonso X, o Sábio. Rui de Pina e Álvaro Lopes de
Chaves, cronistas portugueses que viveram no século XV, início do século XVI, descreveram a forma e o
conteúdo que o preito & menagem adquiriu em Portugal. Rui de Pina, na sua Crónica de D. João II, escrita
provavelmente durante o reinado de D. Manuel I, descreveu a forma das menagens dos alcaides e como D. João
II padronizou esse juramento. Os mesmos cronistas trataram do conteúdo do preito & menagem. A sua fórmula
67
Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011
11
Francisco Carlos Cosentino
fidalgos de pay, & Mãy, & que vivessem sempre nos seus castellos, & fallecendo algum, lhe
succedesse o parente mais chegado, que estivesse no castello (...)”69. Ou seja, além da
importância econômica das alcaidarias, indicada por Bluteau70, temos o posicionamento social
e político dos alcaides, fidalgos de pai e mãe, detentores do comando de castelos e fortalezas.
É importante sinalizar para o fato de que, além dos seus parentes – sejam os dos governadores
ou os da sua esposa – constatamos serem 6 dos governadores que estamos analisando,
detentores também de alcaidarias, e muitas delas, acompanhadas de comendas (terras com
rendimento)71.
Títulos, alcaidarias, presença no Conselho de Estado e na Casa Real dos familiares dos governadores e de suas esposas
GOVERNADORES
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
D. Jorge de Mascarenhas
Antonio Teles da Silva
Antonio Teles de Meneses
D. João Rodrigues de Vasconcelos e Sousa
D. Jerônimo de Ataíde
Francisco Barreto de Meneses
D. Vasco de Mascarenhas
Alexandre de Sousa Freire
Afonso Furtado de Mendonça
Roque da Costa Barreto
Antonio de Sousa Meneses
D. Antonio Luís de Sousa
Mathias da Cunha
Antonio Luis da Câmara Coutinho
João de Lencastre
Conselho de Estado
Governador
Esposa
Cargos na Casa Real
Governador
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Governador
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Alcaidaria
Esposa
X
X
X
X
X
Títulos
Esposa
X
X
X
X
X
Governador
X
Esposa
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Um número significativo de parentes dos governadores e das suas esposas eram
possuidores de título. Foram 21 parentes, entre pais e avós, com 6 titulados para os parentes
dos governadores e 15 para os da sua esposa. Nesse aspecto é possível inferir uma estratégia
de engrandecimento. O casamento e a associação com a família das esposas contribuíram para
engrandecer os maridos.
Os dados apresentados permitem dar conteúdo a afirmação feita anteriormente sobre a
origem fidalga dos governadores, dos seus pais e avos, assim como das famílias de suas
era basicamente a mesma, conforme o costume oriundo do reinado de Afonso V (retratado por Chaves) e
regulamentado por D. João II para os alcaides mores, como relatou Rui de Pina. Ver: PINA: 1989, 13; e,
CHAVES: 1983, 115.
69
BLUTEAU: s/d, tomo I, 217.
70
Segundo ele, “os direitos dos Alcaides mores erão as carceragens, as penas das armas prohibidas, & as dos que
mal vivião, & dos excommungados, forcas, tabolagens, casas de venda, & nos lugares maritimos, os das barcas,
& dos navios que se carregassem no porto, conforme a tonelagem, dous soldos por cada huma. Alem destes
direitos, em muitas partes tinhão grassas rendas de herdades, & de proprios aplicados às Alcaidarias”
(BLUTEAU: s/d, tomo I, p.217).
71
São eles: D. João Rodrigues de Vasconcelos e Souza, Francisco Barreto de Meneses, D. Vasco Mascarenhas,
Afonso Furtado de Mendonça, D. Antonio Luis de Souza Telo de Meneses e D. João de Lencastre .
12 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011
Fidalgos portugueses no governo geral do Estado do Brasil, 1640-1705
esposas. Entretanto, ainda articulando as definições de Monteiro e Olival, outras informações
reforçam essa conclusão e acrescentam outros componentes ao esforço de conhecer a origem
social e as carreiras seguidas por esses servidores da monarquia portuguesa. É relevante a
presença dos parentes dos governadores e das suas esposas no Conselho de Estado e muito
significativa era a sua presença na Casa Real. No Conselho de Estado são 14 parentes, 9 dos
governadores e 5 de suas esposas. O Conselho de Estado, como principal órgão sinodal da
monarquia portuguesa, dava aos que estavam presentes no seu interior, além de prestígio,
poder e influência nas decisões de governo.
Títulos, alcaidarias, presença no governo e na Casa real dos familiares dos governadores e de suas esposas
Conselho de Estado
Casa Real
Família das esposas
TOTAL DE ESPOSAS
Alcaidarias
Família dos Governadores
TOTAL DE GOVERNADORES
Títulos
0
5
10
15
20
Soma-se a isso, perceber, como estavam as famílias próximas do monarca,
particularmente pelo número expressivo de membros das famílias dos governadores e de suas
esposas em funções na Casa Real. São 23 incidências de parentes das famílias dos
governadores (13) e de suas esposas (10) no exercício de diversas funções nomeadas como da
Casa Real. Pedro Cardim afirma que “a expressão „Casa Real‟ concede uma ênfase especial à
pessoa régia, à sua familia e às relações mais ou menos formalizadas que o rei estabelecia
com os que se encontravam próximo dele”72. Essa proximidade, além de mais uma vez
comprovar a fidalguia dos governadores, traz a cena um dado bastante relevante, pois, não
podemos esquecer que, nessa época, era muito importante a possibilidade de
comunicar directamente com a pessoa régia, pois tal podia materializar-se na
capacidade de influenciar o arbítrio do rei, assim como na possibilidade de receber
recompensas mais avultadas pelos serviços prestados.73
Ou seja, essa proximidade das famílias com os monarcas – no Conselho de Estado e
nos ofícios da Casa Real – permitia acesso privilegiado ao monarca e condições bem
72
CARDIM: 2002, 17.
CARDIM: 2002, 25.
73
Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011
13
Francisco Carlos Cosentino
favoráveis de requerer mercês para as suas Casas. Além de todos os outros dados e das
carreiras percorridas pelos governadores, que os fez merecedores de mercês e
acrescentamentos sociais, acredito que podemos também explicar a nomeação de Antonio
Teles de Meneses e de Mathias da Cunha, dois exemplos que retiramos dos 15 governadores
que estamos analisando, por essa proximidade dos seus familiares com a monarquia, como
mostraremos a seguir.
Antonio Teles de Meneses é um exemplo de governador geral do Estado do Brasil dos
primeiros anos da dinastia dos Braganças74. Começou sua carreira de serviços durante o
governo dos Felipes, serviu na Ásia e foi capitão das naus da Índia75 além de ter participado
de duas armadas, entre elas a de Restauração da cidade da Bahia 76. Aderiu aos Braganças
tendo sido nomeado para o Conselho de Estado77 em março de 1641, antes da sua nomeação
para o Estado do Brasil. Era também do Conselho de Guerra, conforme dito por sua carta
patente de governador78 e, como muitos outros fidalgos portugueses desse período, participou
da guerra contra a Espanha e alcançou a patente de mestre de campo general do exército do
Alentejo79. Obteve o engrandecimento ao receber a promessa de título de conde de Vila
Maior, que foi realizada em seu irmão, Fernão Teles da Silva, devido sua morte quando
retornava para Portugal depois de exercer o governo geral na América portuguesa. Entretanto,
não podemos ignorar a influência de sua Casa na corte, apesar dessa carreira de serviços
prestados a monarquia portuguesa, quando constatamos serem seu pai e avô paterno,
mordomos mores e vedores da fazenda, assim como seu avô materno, ter sido vedor da
fazenda dos últimos monarcas de Avis. Eram também, todos eles, pai, avô paterno e materno,
ainda, do Conselho de Estado, desenhando uma presença na corte régia portuguesa
significativa e relevante para sua carreira.
Mais explícita, no aspecto que estamos analisando, as conseqüências da presença na
casa real dos familiares, foi a trajetória de Mathias da Cunha, personagem pouco conhecido,
mas que teve uma carreira na monarquia e no império português adequada a sua origem social
e coerente com a posição de sua Casa.
Matias da Cunha fez carreira militar tendo participado das principais batalhas contra a
Espanha conforme indicado em documentação do Registro Geral de Mercês. Começou no
Entre Douro e Minho como
74
Ver a esse respeito, COSENTINO: 2009, 122-134
ANTT – Chancelaria de Felipe III, Livro 29, fol. 219v.
76
ANTT – Chancelaria de Felipe III, Livro 29, fol. 219v.
77
ANTT – Chancelaria de D. João IV, Livro 13, fol. 122.
78
ANTT – Chancelaria de D. João IV, Livro 10, fol. 354v.
79
ANTT – Chancelaria de D. João IV, Livro 13, fol. 122.
75
14 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011
Fidalgos portugueses no governo geral do Estado do Brasil, 1640-1705
capam de cavallos arcabuzeiros, e de capam de cavallos courassas de comissário gal
da cavalaria, e de Mestre de campo do terço da armada real desde o anno de 658
athe o de 667 achandose a principio na prova do Minho nos exércitos q‟ fizerão
opozição ao inimigo (...).80
Na província do Alentejo ocupou, entre outros, o cargo de capitão de couraças e
governador da cavalaria de Campo Maior, participando das batalhas que finalizaram a guerra
da Restauração e levaram a paz com a Espanha, tais como a
batalha do Amexial e recuperação de Evora, procedendo em tudo como devia. O
anno de 664 se achar na toma do Castello de Majorga (...) Valença de Alcantara. E
finalmte o anno de 665 na batalha de Montes Claros co‟ igual resolução (...).81
Provavelmente, esses serviços explicam, em parte, a sua nomeação para a Capitania do
Rio de Janeiro82 que governou entre 1675 e 1679. Ao retornar a Portugal recebeu a comenda
de São Miguel de Linhares da Ordem de Cristo83 e continua sua carreira militar sendo por
“sua magestade nomeado general de artilharia da província de Entre Douro e Minho e
governador da mesma província (...)”84. Foi feito do Conselho de Estado85 por D. Pedro II,
com todos os privilégios daqueles que fazem parte desse colegiado e, em 1687, foi nomeado
para o governo geral do Estado do Brasil86.
Ao lado dessa carreira construída na guerra contra a Espanha após a Restauração,
muito recorrente para a fidalguia nesse contexto da monarquia portuguesa, não podem ser
ignoradas as relações familiares e a inserção social e política da Casa da qual fazia parte
Mathias da Cunha. Ele era neto, por parte de seu pai 87, de “Luis da Cunha fº deste Hmo da
Cunha soccedeo no Morgado de payo Pires e na mais casa de seo pay” 88 e de “D. Joanna de
Meneses fª de Bernardim Ribeiro Pacheco capam das Naos da India e gor da Mina e de Maria
de Meneses fª de Manoel de Mes Camareiro mor do infante D. Duarte”89. Pelo lado de sua
mãe, D. Antonia da Silva, ele era neto de “d. Antam de Almada Sor dos Lagares del rey e gor
80
ANTT - Registro Geral de Mercês de D. Pedro II, Livro 2(1), fl. 286 (5 de março de 1683).
ANTT - Registro Geral de Mercês de D. Pedro II, Livro 2(1), fl. 286 (5 de março de 1683).
82
ANTT – Chancelaria de D. Afonso VI, Livro 42, fol. 126 - 126v.
83
Na margem esquerda do documento existe uma averbação na qual está dito: “Ao dto Mathias da Cunha frz S.
A. mce por Alva de 2 de julho de 682 da comenda de São Miguel de Linhares da Ordem de Cristo em duzentos e
sessenta mil reis de q‟ He de lote co‟ penção de quarenta mil reis (...)”.A dita comenda é do “Arcebispado de
Braga q‟ vagou pella condeça de Penalva” (ANTT - Registro Geral de Mercês de D. Pedro II, Livro 2(1), fl.
286).
84
ANTT - Índice do Conselho de Guerra (Decretos 1640-1670) - SANTOS, C.el H. Madureira de. Catálogos
dos decretos do extinto Conselho de Guerra (na parte não publicada pelo General Claudio de Chaby).1º. vol.,
reinados de D. João IV a D. Pedro II. Lisboa: Gráfica Santelmo, 1957 (2 de maio de 1685)
85
Mercê régia feita por carta de 1 de março de 1687 (ANTT – Chancelaria de D. Pedro II, Livro 17, fol. 365365v.).
86
ANTT – Chancelaria de D. Pedro II, Livro 17, fol. 370 - 371.
87
Seu pai foi “tristam da Cunha O Mao fº deste Luis da Cunha foi aleijado socedeo no Morgado e casa de seu
pay” (BNL – Coleção Pombalina, cod. 315. Famílias de Portugal [Manuscrito] letras diversas, fol. 210).
88
BNL – Coleção Pombalina, cod. 315. Famílias de Portugal [Manuscrito] letras diversas, fol. 209/210.
89
BNL – Coleção Pombalina, cod. 315. Famílias de Portugal [Manuscrito] letras diversas, fol. 209/210.
81
Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011
15
Francisco Carlos Cosentino
das armas na província da Estremadura e de D. Isabel da Silva em ttº de Almadas da casa de
Abranches”90. Completa esse quadro, a posição do irmão primogênito de Mathias da Cunha,
Manoel da Cunha, que “sucedeo no Morgado e casa de seo pay, foi vedor da rainha D. Maria
Frca 1ª mer del rey D. Pedro 2º”91 e foi casado com “Frnca de Albuqueque Dama da raynha D.
Luiza mer del rey D. João 4º e fª de Martim Correa da Silva Alcayde mor de Tavira e de D.
Violante de Albuqueque em ttº de Correas Alcaydes mores de Tavira”92. Acreditamos que se
a carreira e os merecimentos obtidos por Mathias da Cunha explicam as mercês recebidas e os
cargos ocupados, as posições ocupadas pela sua Casa desempenharam, não temos dúvida,
papel relevante representando, até mesmo, estratégia familiar de acrescentamento adotada
para secundogênitos, como o governador que estamos estudando.
As informações que sistematizamos anteriormente nos permitem concluir serem os
governadores gerais enviados ao Estado do Brasil não só fidalgos de origem hereditária, mas
membros da camada mais elevada da fidalguia portuguesa no século XVII. Assim sendo, a
elevada qualificação desses servidores da monarquia portuguesa no Estado do Brasil
acompanhou o crescimento da importância dessa conquista no interior do império português
que, parafraseando o que disse Vitorino Magalhães Godinho em trabalho de referência, o
império português conquanto ainda permaneça oriental, durante o século XVII, por um lado,
está se tornando crescentemente sul-atlântico, por outro, e, a qualificação dos servidores
enviados para o cargo cimeiro na principal conquista do Atlântico Sul, demonstra isso.
2. Os governadores gerais do Estado do Brasil, perfil social e carreira: algumas
conclusões.
Entre 1640 e 1705 foram nomeados para o Estado do Brasil 15 governadores gerais,
excluídos os diversos governos colegiados interinos constituídos em função da falta, por
razões diversas, do governador nomeado pelo rei. Todos os 15 governadores como
constatamos anteriormente não apenas eram fidalgos hereditários, mas, faziam parte de Casas
que ocupavam posição social das mais elevadas na sociedade portuguesa de sua época.
90
BNL – Coleção Pombalina, cod. 315. Famílias de Portugal [Manuscrito] letras diversas, fol. 210. Segundo
Sousa, “D. Antaõ de Almada seu primo com irmão, [era] Senhor de Pombalinho e dos Lagares delRey junto a
Lisboa, Comendador dos dous terços de S. Vicente de Vimioso na Ordem de Christo, Embaixador
Extraordinário delRey Dom Joaõ IV.(de quem foy hum dos principaes Acclamadores) a Carlos I. Rey de
Inglaterra” (SOUSA: 2007, Tomo X, 363).
91
BNL – Coleção Pombalina, cod. 315. Famílias de Portugal [Manuscrito] letras diversas, fol. 210.
92
BNL – Coleção Pombalina, cod. 315. Famílias de Portugal [Manuscrito] letras diversas, fol. 210.
16 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011
Fidalgos portugueses no governo geral do Estado do Brasil, 1640-1705
Quando em outros trabalhos analisamos as carreiras, as trajetórias sociais e
constatamos o engrandecimento dos fidalgos enviados ao Estado do Brasil, podemos agora
potencializar essas constatações seja em função das suas origens familiares, seja analisando as
trajetórias dos governadores, o que passamos a fazer em seguida, ressaltando alguns aspectos
de suas carreiras.
GOVERNADORES
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
D. Jorge de Mascarenhas
Antonio Teles da Silva
Antonio Teles de Meneses
D. João Rodrigues de
Vasconcelos e Sousa
D. Jerônimo de Ataíde
Francisco Barreto de Meneses
D. Vasco de Mascarenhas
Alexandre de Sousa Freire
Afonso Furtado de Mendonça
Roque da Costa Barreto
Antonio de Sousa Meneses
D. Antonio Luís de Sousa
Mathias da Cunha
Antonio Luis da Câmara
Coutinho
João de Lencastre
TOTAL
Cargos
no
Império
Cargos
em
Portugal
Funções
na Casa
Real
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Presença nos
Conselhos
Cargos Militares
Estado
Guerra
Patentes
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
10
4
5
X
Comendas
Títulos e
promessas
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Alcaides
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
11
11
14
6
15
9
Em primeiro lugar, todos os governadores estudados eram detentores por herança ou
por merecimento, em troca dos serviços prestados, de comendas. Soma-se a isso que, pelo
menos, 1/3 dos governadores estudados possuíam senhorios de terra e ainda, que 60 % deles
tinham por herança, ou receberam durante suas vidas, títulos e promessas de títulos, alguns
realizados em herdeiros, como pode ser visto no quadro acima. As comendas, os senhorios e
os títulos posicionavam esses governadores numa posição social cimeira na sociedade
seiscentista portuguesa. A posse de comendas, de senhorios jurisdicionais e de títulos,
envolvia, além da posição social, rendas significativas, ainda mais se considerarmos que, as
três distinções, muitas vezes, eram usufruídas simultaneamente.
A segunda constatação importante é que a conjuntura de guerra após Restauração
bragantina interferiu significativamente no perfil social desses fidalgos e por isso constatamos
que, 14, entre os 15 governadores, percorreram carreiras e tiveram cargos militares. Foram
serviços prestados nas fronteiras portuguesas, na guerra contra os espanhóis, desempenhando
funções e ocupando patentes entre as mais elevadas, ou seja, todos foram mestres de campo
generais e, uma parte deles, exerceu a posição mais elevada desse momento que era o de
governador de armas de província. Ainda sobre a hierarquia militar é importante assinalar
que, conforme Villas Boas Sampayo,
Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011
17
Francisco Carlos Cosentino
O cargo de General, de Mestre de campo General, de General da Cavallaria, da
Artelharia, e outros postos, por rasão dos quaes se entrega o Exercito, ou partes
principaes delle a quem os possue, são nobilíssimos. E posto que vemos que
semelhantes cargos se provem de ordinário em pessoas da primeira qualidade, e
nobreza, quando algum da fortuna, e estado humilde os chegar a alcançar, logrará
também a mesma nobreza.93
Merece destaque nessa análise que estamos fazendo da trajetória dos governadores
gerais do Estado do Brasil a participação nos conselhos régios. A maioria dos governadores
gerais do Estado do Brasil nesse período foram nomeados para o Conselho de Estado ou para
o Conselho da Guerra94. A nomeação para os Conselhos aconteceu em diferentes momentos:
antes e no momento de sua nomeação como governador geral e durante sua estada no governo
ou quando do seu retorno a Portugal.
A monarquia portuguesa, desde os primeiros reinados, procurou funcionar recorrendo
ao conselho dos vassalos95, reunidos pelo chamado do rei. Integrados à Casa Real, faziam
parte do "governo do reino" e auxiliavam os monarcas no desempenho das diversas tarefas
relacionadas ao exercício do ofício régio, realizando as tarefas relacionadas com a “vida
política” do reino. A formalização do Conselho de Estado96 ocorreu durante a regência do
cardeal D. Henrique (1562), e o seu ordenamento através de regimento ocorreu, em setembro
de 1569, no reinado de D. Sebastião97. Bluteau caracterizou-o com simplicidade, afirmando
que,
Na Corte de Portugal, he huma junta, que se compõem de Ecclesiasticos, &
Seculares, as mayores dignidades do Reyno, como Arcebispo de Lisboa, Inquisidor
Geral, Marquezes, & Condes, & outros fidalgos, anciãos, & authorizados, sem
numero certo; onde se tratão as cousas mais importantes do governo do Reyno, da
paz, & da guerra, & provimento dos Arcebispados, Bispados, & Comendas, de que
El-Rey he presidente.98
O Conselho de Estado desempenhou funções consultivas e decisórias. Reunia-se no
Palácio Real ao menos três dias por semana, no mínimo por duas horas, não tinha um número
determinado de membros e empregava a votação como sistema para tomada de decisões. Nem
sempre o rei estava presente e, nesses casos, cabia ao Secretário de Estado99, recolher as
93
SAMPAYO: 1774, 138.
O Conselho de Guerra foi criado após a Restauração, ainda em dezembro de 1640. Reformulado em 1643,
passou a ser constituído por três conselheiros nomeados pelo rei, podendo participar nas suas sessões qualquer
conselheiro de Estado (SUBTIL: 1998, 162).
95
CARDIM: 1998, 22.
96
Ver a esse respeito: HESPANHA:1994, 247-248; SUBTIL: 1998, 85-86
97
R. A. B, p. 141-142 e, B.A – 51 – VIII – 42. fl. 51-51v.
98
BLUTEAU: s/d, tomo II, 473.
99
Com a “criação do Conselho de Estado, vemos figurar nas sessões deste Conselho, embora sem voto, um dos
secretários do rei, ao qual compete por turno tomar nota das resoluções para as apresentar ao monarca
(Regimento dado por D. Sebastião em 8 de Setembro de 1569)” (MERÊA: 1965, 7).
94
18 Congresso Internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime | Lisboa 18 a 21 de Maio de 2011
Fidalgos portugueses no governo geral do Estado do Brasil, 1640-1705
opiniões e informar ao rei. Os "Fidalgos do Conselho" representavam as diversas
sensibilidades existentes na aristocracia e no clero português, sendo, por isso mesmo, para a
monarquia polissidonal portuguesa, uma caixa de ressonância dos diversos interesses das
elites seculares e eclesiásticas lusitanas durante o Antigo Regime100.
A análise das cartas de nomeação para o Conselho de Estado demonstram que a
indicação para esse conselho, era acompanhada de honra, acrescentamento e privilégios. Na
de Roque da Costa Barreto, que tomamos como exemplo, encontramos a afirmação de que,
“me praz e hey por bem de o faser do meo Cons o. e qro q com o do titto do meo Conso. goze
das preleminecias e perrogativas q. per ele lhe competem e jurara na minha chra aos stos
evanjelhos q. me dara Conso fiel e verdado e tal como deve q. eu lho mandar (...)”101. Ser
membro do Conselho de Estado não só pressupunha uma posição honorifica, mas também
gozar “das preleminecias e perrogativas”102 próprias do cargo. É importante destacar que,
conforme indica Bluteau, “Fidalgos do Conselho não se acrescentão ordinariamente por foro
de pays, há de preceder mercê do Príncipe”103.
Assim sendo, ser membro do Conselho de Estado, mais do que ocupar uma posição
honorifica, significava ter influência e poder. Esse papel pode ser percebido através da leitura
do regimento elaborado por D. João IV em 1645 que retratam uma situação que, acima do
momento em que foi elaborado o regimento, reproduz uma prática que se repetia. No
regimento o monarca ressalta a posição elevada ocupada pelos conselheiros afirmando que
e porque os Conselheiros de Estado que o Direito chama a mesma cousa com os
Reis, e verdadeiras partes de seu corpo, tem mais precisa obrigação, que tôdos os
outros Ministros meus de me ajudar, servir e aconselhar com tal cuidado, zêlo, e
amor, que o govêrno seja muito o que convém ao serviço de Deus, conservação de
meus Reinos e benefício comum, e particular de meus Vassalos(...).104
Como conclusão final, esse trabalho nos permite afirmar sobre os governadores gerais
do Estado do Brasil entre 1640 e 1705 que a origem social e os títulos possuídos por suas
famílias e pelas famílias de suas esposas, acrescidos das mercês obtidas por esses fidalgos
graças aos serviços prestados por eles a monarquia lusitana, demonstram a elevada
qualificação social desses fidalgos hereditários e os colocam, ao contrário do que se supunha,
100
“Do Conselho de Estado, dizia-se que era o órgão onde „assistem os mayores homens do Reyno‟ e, valendose desta reputação, ao longo dos anos que se seguiram à Restauração, este Conselho exigiu que todas as questões
governativas passassem por ele” (CARDIM: 2002, 30-31).
101
ANTT – Chancelaria Afonso VI. Livro 38, p. 345v. ou ANTT - Registro Geral das Mercês. Chancelaria de
Afonso VI. Livro 29, p.117v.-118.
102
ANTT – Chancelaria Afonso VI. Livro 38, p. 345v. ou ANTT - Registro Geral das Mercês. Chancelaria de
Afonso VI. Livro 29, p.117v.-118.
103
BLUTEAU, op. cit. vol.V, p. 579.
104
R. F. A., p. 144 ou B.A – 51 – VIII – 42. fl. 52v.
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não como pequenos nobres, mas como membros da mais elevada fidalguia portuguesa do seu
tempo. Além disso, a presença nos conselhos régios, na corte e no governo português desses
governadores e de muitos dos seus parentes, demonstra também que além de indivíduos
socialmente qualificados eram fidalgos politicamente influentes. Dito isso, constatamos a
importância social e política desfrutada pelos que serviram a monarquia portuguesa na
conquista americana, aspecto só recentemente destacado pela historiografia, assim como a
própria importância que essa conquista, juntamente com o Atlântico Sul estavam adquirindo
nessa complexa e instável conjuntura da segunda metade dos seiscentos. Não como colônia, a
conquista americana de Portugal, ao se congregar ao império ultramarino português, como
parte crescentemente importante de sua monarquia pluricontinental foi lugar de prestação de
serviços dos mais socialmente qualificados fidalgos lusitanos.
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Fidalgos portugueses no governo geral do Estado do Brasil, 1640-1705
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