CONFLITO DE INTERESSES EM SÃO FRANCISCO DE PAULA / RS: IMPACTOS DA SILVICULTURA SOBRE O TURISMO. UMA ABORDAGEM A PARTIR DA PAISAGEM, CULTURA E IDENTIDADE TERRITORIAL Carla HIRT. UFRGS. Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Geografia - [email protected] Antônio Carlos CASTROGIOVANNI. UFRGS - Professor Doutor do curso de Pós-Graduação em Geografia – [email protected] . Resumo: Atualmente, no estado do Rio Grande do Sul, a silvicultura vem se mostrando cada vez mais presente na economia e na paisagem. No município de São Francisco de Paula, a paisagem - aqui trabalhada considerando o seu caráter social - é um elemento fundamental para o desenvolvimento do Turismo. Estas paisagens vem sendo modificadas em função do aumento das áreas destinadas ao florestamento, causando sérios impactos visuais na paisagem regional. A compreensão da distribuição espacial destes dois fenômenos (silvicultura e atrativos turísticos) se faz necessária para que se possa planejar adequadamente o espaço geográfico, de forma que uma atividade não venha a prejudicar a outra no futuro. Portanto, este trabalho tem por objetivo analisar a disposição espacial das áreas destinadas à cultura do Pinus no município de São Francisco de Paula, para avaliar os impactos nos locais já destinados ao Turismo. Para isso, buscamos analisar como o avanço da cultura de Pinus atua como agente transformador da paisagem e, por conseqüência, da identidade territorial. Palavras-Chave: Geografia, Turismo, Silvicultura, Paisagem, Identidade. Resumé: Les impacts de la sylviculture dans les activités reliés au tourisme à São Francisco de Aaula / RS. l´importance de la question culturel et de l´identité territorial: Actuellement, dans l'état du Rio Grande do Sul, la sylviculture vient si montrant chaque fois plus présent dans l'économie et le paysage. Dans la ville de São Francisco de Paula, le paysage - travaillé ici sur son caractère social - est un élément de base pour le développement du tourisme. Ces paysages viennent étant modifié en fonction de l'augmentation des secteurs destinés au forestation, causant des impacts visuels sérieux dans le paysage régional. La compréhension de la distribution de l'espace de ces deux phénomènes (sylviculture et les attractions touristique) sont nécessaires pour projeter en adéquaion l'espace géographique, de la forme qui une activité ne vienne pas pour nuire les autres dans l'avenir. Portant, ce travail a pour objectif l'analyse de la disposition du espace des secteurs destinés à la culture du Pinus dans la ville de São Francisco de Paula, pour évaluer les impacts dans les endroits dejà destinés au tourisme. Pour ceci, nous recherchons analyser comme l'avance de la culture du Pinus agit en tant qu'agent de transformation du paysage et, par conséquence, de l'identité territoriale. Mots-clé : Tourisme, Sylviculture, paysage, culture, identité Introdução O Brasil hoje é o líder mundial na produção de florestas folhosas e de florestas coníferas. Atualmente, no Rio Grande do Sul, a silvicultura vem se mostrando cada vez mais presente na paisagem e na economia. As espécies do gênero Pinus sp. - oriundas principalmente do sudeste dos Estados Unidos - se adaptaram muito bem no sul do país e vêm sendo plantadas no Brasil há mais de um século (BACKES e IRGANG, 2004). Estas espécies têm apresentado importância comercial singular, pois são largamente utilizada na indústria moveleira, causando aqui impactos econômicos positivos. Além da expansão da silvicultura, outro fato que está se tornando cada vez mais presente na economia gaúcha é o crescimento da atividade turística. No município gaúcho de São Francisco de Paula, estes fatores ocorrem simultaneamente e vêm causando muitas divergências de opinião. Devido à expansão da silvicultura, é possível constatar mudanças significativas na paisagem, podendo vir a descaracterizá-la em seus aspectos mais próprios, o que pode se transformar em um inconveniente para os atrativos turísticos locais. Para analisarmos os impactos da silvicultura no Turismo local, buscamos abordar as questões pertinentes a estes fenômenos em toda sua complexidade, contextualizando o local dentro da lógica global. Seus impactos não devem ser analisados da forma linear causa – conseqüência; mas sim dentro de uma lógica sistêmica de multidimensionalidades que interagem. Por se tratar de uma abordagem que se aproxima da complexidade, para trabalhar o conflito de interesses existente no município, buscamos analisar como o avanço da cultura de Pinus atua como agente transformador da paisagem, da cultura e, por conseqüência, da identidade territorial. Esta é uma pesquisa qualitativa exploratória, do tipo estudo de caso. A coleta de informações se desenvolve em fontes secundárias e no processamento de imagens LANDSAT-7 ETM+ com o auxílio do programa ENVI 4.2. Dessa forma pretendemos construir um trabalho que sirva como auxílio para os órgãos responsáveis pela gestão daquele espaço geográfico, para a formatação de novos produtos turísticos, e na elaboração de um zoneamento da atividade da silvicultura em São Francisco de Paula. Realizaremos entrevistas focais, com os sujeitos que trabalham com o Turismo e a silvicultura no município, e entrevistas do tipo episódica com os sujeitos turistas que freqüentam o município. Ambas com questões semi-estruturadas. Para alcançarmos respostas satisfatórias – mesmo que provisórias - pretendemos dialogar com diferentes métodos, para que estes não sejam “camisas de força”, e sim instrumentos que realmente contribuam com as necessidades da pesquisa. Não buscamos chegar a verdades absolutas sobre as questões envolvidas nesta pesquisa, e sim possibilidades de entendermos a totalidade que envolve o espaço geográfico. Assim devem surgir novas inquietações durante o percurso a ser percorrido. Uma entre as práticas metodológicas a serem empregadas é a entrevista não diretiva, como ferramenta para entendermos qual a percepção do turista em relação à paisagem que ele está encontrando no município, e saber a qual universo simbólico as pessoas se remetem ao pensar em São Francisco de Paula. A lógica global e seus efeitos no local Em sua abordagem sobre globalização, Canclini (2003), entende esta como a intensificação das dependências recíprocas, do crescimento e da aceleração das redes econômicas e culturais que operam em escala mundial sobre uma base mundial; como um produto de múltiplos movimentos, alguns contraditórios, com resultados abertos, que implicam em conexões “local-global e local-local”. A globalização contribui para reproduzir novas práticas que o mercado global impõe, segundo a lógica cíclica do consumo de massa, produção de massa, da efemeridade e descartabilidade do que é consumido, e da criação e destruição de territórios. Abordar esta lógica que se impões de forma muitas vezes vertical, se faz necessário uma vez que a silvicultura - ato de criar e desenvolver povoamentos florestais, satisfazendo as necessidades de mercado1 - é um reflexo das exigências de um mercado global que tece suas influencias nos mais variados territórios. No Brasil, as espécies do gênero Pinus são amplamente utilizadas para fins silviculturais devido principalmente ao seu rápido crescimento. A sua madeira é usada em construções leves ou pesadas, na produção de laminados, compensados, chapas de fibras e de partículas, na produção de celulose e papel, entre outros2. A partir de observações empíricas, constatamos que em São Francisco de Paula o aumento significativo das áreas destinadas a este cultivo pode estar relacionado com uma antiga prática comum no município: o corte de Araucárias – que propiciou presença de 1 2 www.ambientebrasil.com.br, acesso em 10 de julho de 2007. ______. madeireiras que, com a proibição da extração de árvores nativas em 19923, levou a um aumento significativo nas áreas de ocupadas pelo plantio desta espécie exótica para fins industriais. A silvicultura se mostra como um elemento desta lógica global que se instala nos mais variados lugares do mundo. Da capacidade dos atores hegemônicos de intervir sobre o ordenamento e reordenamento de territórios, numa escala global, resulta, entre outras coisas, uma crescente artificialidade de objetos e de ações. Esta pode gerar uma sensação de estranhamento, por parte dos indivíduos, do seu entorno (CRUZ, 2002, p. 16). A artificialidade dos objetos e das ações, podem ser entendidas como a artificialidade da paisagem, das novas práticas e do abandono de praticas tradicionais (por parte da população), que são introduzidas como conseqüência da silvicultura. Como observou Canclini (2003), a globalização não é um fenômeno que atua somente na esfera econômica, impondo novas práticas que atendam a um mercado global dentro da lógica de consumo atual. Ela atua nas mais variadas esferas, que interagem entre si e trazem consigo transformações de todas as ordens, em graus variados de local para local. Cultura e identidade Pensamos que a cultura desempenha papel fundamental como fonte de significado para os grupos sociais. Castells (2001) e Hall (2002), em suas obras, defendem que apesar de vivermos em um mundo globalizado, que aparentemente levaria a uma homogeneização cultural, existem culturas que resistem a esse movimento. Uma das conseqüências da globalização diz respeito à questão da identidade - aqui entendida como “a fonte de significado e experiencia de um povo” (CASTELLS, 2001, p. 22), algo que não é estático, fechado. Sua construção vale-se da matéria-prima fornecida por múltiplas fontes, como história, Geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, por memórias coletivas e pessoais4. É um elemento de compreensão social que está em constante formação e transformação. Identidade também aparece como o processo de construção de significado com base em um atributo cultural, ou ainda um conjunto de atributos culturais inter-relacionados, o(s) qual(is) prevalece(m) 3 4 Em 1992 a UNESCO declarou os remanescentes de Mata Atlantica como Reservas da Biosfera (RIO GRANDE DO SUL. SECRETARIA DE COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO, 2002, p. 27) CASTELLS, 2001, p. 23. sobre outras fontes de significado. Para um determinado individuo ou ainda um ator coletivo, podem haver múltiplas identidades. Essa pluralidade é fonte de tensão e contradição tanto na auto-representação quanto na ação social. (CASTELLS, 2001, p. 22) As identidades atuais podem estar sendo descentradas5, uma vez que sofrem pressões por todos os lados, ao entrar em contato com diferentes culturas. A globalização tem um efeito pluralizante sobre as identidades, produzindo uma variedade de possibilidades e novas posições de identificação, e tornando as identidades mais posicionais, mais políticas, mais plurais e diversas; menos fixas unificadas ou transhistóricas. Entretanto, seu efeito geral permanece contraditório. Algumas identidades gravitam ao redor daquilo que Robins chama de “Tradição”, tentando recuperar sua pureza anterior e recobrir as unidades e certezas que são sentidas como tendo sido perdidas. Outras aceitam que as identidades estão sujeitas ao plano da história, da política, da representação e da diferença e, assim, é improvável que elas sejam outra vez unitárias ou “puras”; e essas, conseqüentemente, gravitam ao redor daquilo que Robins chama de “Tradução” (HALL, 2002, p.86). A “Tradição” e a “Tradução” citados pelo autor é o que podemos observar em alguns casos em que aquilo que chamamos de “tradicionalismo” gaúcho, é exacerbadamente valorizado e muitas vezes acaba se tornando uma espécie de “produto” que o Turismo vende enquanto produto gaúcho. Acreditamos que a “Tradição” seriam os costumes que de fato são conservados e ainda são fontes de significado para diversas pessoas. Um fator que diversos atores sociais tentam resgatar não só no município de São Francisco de Paula, mas no Rio Grande do Sul como um todo. Já a “Tradução” pode ser observada, por exemplo, na Casa do Turista, quando as pessoas que chegam ao município são recepcionadas por músicos tradicionalistas tocando canções que fazem alusão aos costumes locais, por uma gastronomia característica, entre outros. Paisagem e cultura A pecuária extensiva - atividade tradicional do município – foi um elemento histórico importante para a conservação (em parte) das características naturais da região (campos), além de possuir intimas ligações com a cultura local (FEPAM, 2007)6. Estes fatores são fundamentais para entendermos a paisagem predominante ao longo dos anos na chamada 5 6 HALL, 2002. Ver imagem 1, em anexo região dos Campos de Cima da Serra – paisagem aqui entendida não apenas como uma unidade visível do arranjo espacial que nossa visão alcança, mas que tem memória, que compreende e só é compreendida através do processo histórico, como a paisagem tem um caráter social, pois é formada por movimentos impostos pelos grupos sociais através e seu trabalho, trocas informacionais, culturas e emoções (GASTAL; CASTROGIOVANNI,2003, p. 46). Graças aos fatores históricos de formação do município, desenvolveu-se uma população com identidade cultural marcante que deixou e deixa as suas marcas no espaço. Estas marcas são o que Milton Santos (1996) chama de rugosidades, que são as formas espaciais herdadas através das mais variadas temporalidades e que, no presente, assumem novas funções, sendo muitas vezes produtos turísticos. Como exemplo, citamos uma antiga casa de capataz no hotel fazenda Capão do Ipê, atualmente é utilizada como hospedagem para o publico turista que busca contato com a cultura local e com os símbolos significativos desta cultura. Em função de lógicas externas, que aqui são representadas principalmente pela silvicultura e pelo Turismo – uma vez que estes tomam as proporções atuais não por outro motivo, se não para abastecer um mercado que obedece à lógica global – a paisagem do município vem se transformando significativamente, assim como as atividades diárias de muitos proprietários que se dedicam para estas práticas econômicas7. Cultura, paisagem e os fatores naturais são elementos importantes para o Turismo do município, que tem no Turismo rural e no Turismo ecológico as suas bases mais sólidas. Em visita a São Francisco de Paula, pudemos observar que boa parte da paisagem se encontra fortemente modificada em função da introdução da silvicultura, principalmente junto às estradas e a alguns dos principais atrativos do município, como o Passo do “S”, o Parque da Cachoeira, entre outros. As espécies do gênero Pinus, por serem árvores de grande porte, acabam por atuar como parede, impedindo que a visão alcance o horizonte. Segundo Berque (1998) a paisagem é o reflexo da sociedade na qual se vive, das relações que as pessoas aí estabelecem com a natureza; É um cenário que está carregado de lembranças históricas cuja significação é apreendida pouco a pouco, no qual aprendemos a nos orientar. Seu papel, na aquisição de conhecimento, reflexos e atitudes é muito importante. A paisagem, portanto, se configura como sendo uma das matrizes da cultura, além de ser, também, o lugar onde a os grupos sociais e as atividades humanas gravam sua marca. 7 Ver imagem 2, em anexo. Os grupos sociais, ao desenvolverem suas práticas diárias, imprimem suas marcas no espaço que ocupam. Estas marcas acabam por se transformar em um fator de identidade do grupo social, sendo, desta maneira, conseqüência e causa da identidade territorial que se desenvolve historicamente. Ainda segundo Berque (1998, p. 84), paisagem existe, “em primeiro lugar, na sua relação com um sujeito coletivo: a sociedade de que a produziu, que a reproduz, e a transforma em função de uma certa lógica”. Neste trabalho, as novas formas de uso do solo que vem se alterando ano após ano - em função da desvalorização da pecuária extensiva, expressam estas novas relações da paisagem com a sociedade. Para discutir cultura, buscamos também a contribuição de Cosgrove (1998, p. 101). O autor cita três maneiras pelas quais a Geografia Cultural moderna aborda a questão. Primeiramente relaciona cultura com consciência: “A cultura não é algo que funciona através dos seres humanos; pelo contrário, tem que ser constantemente reproduzida por eles em suas ações, muitas das quais são ações não-reflexivas, rotineiras da vida cotidiana[...]”. Como exemplo cita fatos comuns ao dia-a-dia, como o de baixarmos o tom de voz ao entrarmos em uma igreja. A cultura é aqui tida como “determinada por e determinante da consciência e das práticas humanas”. Ao relacionar cultura com natureza, o autor destaca que: Qualquer intervenção humana na natureza envolve sua transformação em cultura, apesar de esta transformação poder não estar sempre visível, especialmente para um estranho8. Com relação a esta colocação, nos questionamos se a intervenção causada pela silvicultura na natureza envolve sua transformação em cultura ou na cultura. Ou seja, a silvicultura, assim como a pecuária, será apropriada pela população local, resultando em fonte de significados, ou resultará somente no enfraquecimento dos laços culturais atuais? Esta é uma inquietude para ser investigada. “Revelar os significados na paisagem cultural exige a habilidade imaginativa de entrar no mundo dos outros de maneira autoconsciente e, então, re-presentar esta paisagem num nível no qual seus significados possam ser expostos e refletidos” 9. Assim como Castells (2001, p. 24) afirma que “a construção social da identidade sempre ocorre em um contexto marcado por relações de poder”, Cosgrove coloca que uma maneira pela qual a Geografia Cultural moderna pode abordar a questão cultural, é na relação existente entra cultura e poder: 8 9 COSGROVE (1998, P, 102) Ibid.,p. 103. [...] o estudo da cultura está intimamente ligado ao estudo do poder. Um grupo dominante procurará impor sua própria experiência de mundo, suas próprias suposições tomadas como verdadeiras, como a objetiva e válida cultura para todas as pessoas. O poder é expresso e mantido na reprodução da cultura. Isto é melhor concretizado quando é menos visível, quando as suposições culturais do grupo dominante aparecem simplesmente como senso comum. Isto é as vezes chamado de hegemonia cultural (COSGROVE. 1998, pp. 104-105). Com relação à colocação, ficam algumas inquietações. Cremos que, impor sua cultura para todas as pessoas, não significa que fatores culturais das classes dominadas não sejam absorvidos. Como exemplo, cito os costumes do chimarrão e do pinhão, que são hábitos herdados de populações indígenas que habitavam a região nordeste no Rio Grande do Sul e que, ao entrarem em conflitos com os imigrantes, foram sendo exterminadas. Outro fator que considero instigante é que a pecuária extensiva se caracterizou por ser a principal atividade econômica da classe dominante na região. Hoje esta atividade está enfraquecida e desvalorizada economicamente, e a silvicultura parece surgir como a nova prática econômica das classes dominantes. Assim surge outra inquietude: as transformações culturais impostas por essa nova atividade atingirão em que nível o espaço geográfico de São Francisco de Paula? Sobre o Turismo e suas múltiplas relações A Organização Mundial do Turismo define Turismo como as atividades realizadas pelas pessoas durante viagens e permanência em lugares diferentes do seu local de residência habitual, por um período de tempo consecutivo inferior a um ano, para ócio, negócios e outras finalidades. “Todo lugar, objeto ou acontecimento de interesse turístico que motiva o deslocamento de grupos humanos são classificados como atrativos turísticos10” (BENI, 1998, p.271). A expansão das atividades turísticas e, conseqüentemente, o aumento de sua importância para o estudo da formação e das transformações do espaço geográfico, têm sido um fator que se mostra cada vez mais relevante para pesquisas e estudos no cenário científico. O setor turístico tem se mostrado como uma atividade que manifesta tendências expansivas a nível mundial, tanto em termos quantitativos quanto econômicos. É uma das atividades que mais benefícios econômicos tem gerado para a população envolvida.” 10 Grifo nosso Para Ruschmann (1997, p. 14), os principais fatores que contribuíram para a expansão do setor turístico ao longo dos tempos foram, entre outros, o aumento do tempo livre, em conseqüência da racionalização e do aumento da produtividade nas empresas, e a diminuição na jornada de trabalho; o acesso mais facilitado a automóveis por parte da população; o aumento na renda de amplas camadas da população, que passaram a destinar parcelas crescentes dos rendimentos em lazer; o aumento no número de empresas prestadoras de serviços relacionados com o Turismo, como organização roteiros turísticos e comercialização de pacotes de viagens; o aumento da urbanização em conseqüência da industrialização, que faz com que um número cada vez maior de pessoas viagem a procura do “verde”. Portanto, o desenvolvimento do Turismo ao longo dos anos esta intimamente ligado a um sistema em que a otimização da produção e a capacidade de transformar os mais variados fatores em mercadoria são fundamentais para a sua manutenção. O desenvolvimento deste sistema gerou transformações nas relações sociais e na própria relação do homem com o espaço que ocupa. Em sua análise sobre a condição humana, Hannah Arendt (1997) toca em questões interessantes para serem analisadas. Segundo a autora, enquanto na antiguidade os sujeitos buscavam a esfera pública11 fundamentalmente como pessoas, para entrar em contato umas com as outras, na modernidade, o que podemos observar é que as pessoas vão à esfera pública como compradores, fabricantes para entrar em contato com produtos que podem ser consumidos e / ou vendidos. O poder que mantém coeso esse mercado de trocas em que se transformou a esfera pública não é a potencialidade que surge quando estas se unem na ação do discurso, e sim a soma dos poderes de troca.12 Muitas pessoas encaram o Turismo como uma face desta transformação que as relações humanas vêm sofrendo ao longo da história. Neste trabalho, sustentamos que não é o Turismo, mas sim o sistema capitalista em que vivemos – e todas as atividades econômicas exploradas de acordo com sua lógica - que transforma paisagens, tende a acelerar a dinâmica das culturas, redefinir identidades, religiões, símbolos, e criar novas mercadorias para serem consumidas. Para isso a necessidade da realização de planejamento desta atividade, que leva uma imensidão de sujeitos a se deslocarem no espaço. 11 Sobre esfera pública, trago algumas colocações da autora: “tudo o que vem a público pode ser visto e ouvido por todos e tem a maior divulgação possível” (ARENDT, 1997, p. 59). “A esfera pública, enquanto mundo comum, reúne-nos na companhia uns dos outros e contudo evita que colidamos” (ARENDT, 1997, p. 62). 12 Grifo da autora. (Adam Smith, citado em ARENDT, 1997, p. 222) O Turismo deve ser entendido diante e toda a sua complexidade. Ele pode ter se potencializado graças a um sistema que se encarrega de transformar tudo em mercadoria, inclusive as relações. Mas o Turismo também deve ser encarado como uma “válvula de escape”, um refúgio dos impactos psicológicos da vida urbana, uma vez que este proporciona vivências diferentes, onde as pessoas se “desarmam” e estão abertas a entrar em contato com novas experiências, novas pessoas e novos pensamentos. Diferente da individualização e alienação que é comum no cotidiano das grandes cidades. No município em questão, o Turismo também surge como uma possibilidade para a população local que, trabalhando com esta atividade, possibilita a manutenção da paisagem, da cultura e da identidade territorial. Então surge a seguinte inquietação: a comunidade local estaria preparada para um Turismo de maiores proporções, mesmo que se aproxime da sustentabilidade ou não? Uma abordagem sobre território Outro fator importante para ser analisado parece ser o conflito de interesses que pode estar se formando no município em questão, uma vez que a silvicultura é uma atividade que vem causando muita polêmica. Isso nos leva a uma discussão sobre a própria conceituação do da formação territorial, uma vez que esta é reflexo também das relações de poder que se manifestam em um lugar. Neste trabalho, abordamos o conceito de território como o trabalhado por Guy D. Meo (1998), que o define como testemunha de uma apropriação às vezes econômica, ideológica e político (social portanto) do espaço por grupos que se dão uma representação específica de eles mesmos, a sua história, sua singularidade. Afirma que este ocorre no tempo presente, sendo utilizado nas práticas cotidianas, e é referência da identidade. Segundo o autor, a memória carrega no espaço seu campo simbólico. Portanto, o território é encarado como sendo construído no tempo presente, mas com a influencia de diversas temporalidades, assim como o processo de identidade territorial tem raízes no passado, mas emerge dos desafios da atualidade. O autor atribui quatro qualidades suplementares ao território: 1. O sentimento de pertença à identidade coletiva. O território descrito a partir dos dados (espaciais) da Geografia, inserido dentro de cada grupo, ou mesmo vários grupos sociais de referência. 2. É a sua dimensão política. O território traduz um modo de controle do espaço garantindo a especificidade e a permanência, a reprodução dos grupos humanos que o ocupam.. 3. Constitui, em terceiro lugar, um notável campo simbólico, no arranjado que as sociedades sucessivamente têm investido nele. Alguns de seus elementos, instaurados em valores patrimoniais, contribuem para fundar ou endurecer o sentimento de identidade coletiva das pessoas que o ocupam. A territorialidade simbólica reveste mais uma importância social caso se admita que um grupo social não pode nascer, sobreviver, e ficar consciente de si mesmo sem se apoiar sobre as formas visíveis do espaço. Desta maneira o território identidade tornase um potente instrumento de mobilização social. 4. A importância do tempo longo, da história em matéria de construção simbólica dos territórios, retém a atenção da maior parte dos autores. Ressalta a necessidade que o espaço tem da espessura o do tempo, das repetições silenciosas. Na acepção a mais ampla e a mais global, o território multidimensional participa de três ordens distintas: a) na ordem da materialidade, da realidade concreta desta Terra, a realidade geográfica do mundo e como esta registra a ação humana e transforma-se pelos seus efeitos; b)A psyché do individual, onde a territorialidade identifica-se. O emocional e présocial do Homem a Terra como um relatório a priori; c) a ordem das representações coletivas, sociais e culturais, que conferem-lhe seu sentido e se regeneram quando entram em contato com o universo simbólico cuja base fornece referencial. O território, encarado como de natureza multiescalar, possui diferentes escalas no espaço geográfico. Com relação à territorialidade, esta [...] é um uso historicamente mutável do espaço, especialmente uma vez que é socialmente construída e depende de quem está controlando quem e porque. É um componente geográfico, chave para compreender como a sociedade e o espaço são interconectados (SACK, 1986, p.03).” Ainda segundo Sack (1986), a territorialidade humana envolve, basicamente, três processos interligados: a classificação das coisas por área, o que conduz à delimitação de zonas; a comunicação da territorialidade ao outro. “Territorialidade pode ser simples de comunicar porque requer somente um tipo de símbolo – a fronteira” (p.32); e um esforço para manter o controle sobre o acesso à área ou ao que a cerca. Em observações empíricas, pudemos verificar como a questão territorial pode contribuir para a análise de fatores que podem estar contribuindo para o acirramento das territorialidades, uma vez que diversos atores sociais divergem de opinião com relação a este assunto, devido aos pesos diferentes que dão às questões ambientais, econômicas e sociais envolvidas, ou até mesmo por excesso de (des)informação. Além disso, pode-se perceber uma preocupação das pessoas que dependem economicamente do Turismo, uma vez que estas temem que, em função das mudanças na paisagem, a procura dos turistas pelo município diminua. Sobre as respostas Por e tratar de uma pesquisa em fase inicial, os conhecimentos construídos foram elaborados a partir de fontes secundárias e de práticas empíricas. Nas primeiras atividades de campo já foi possível observarmos uma mudança bastante acentuada na paisagem, caracterizada pelo aumento das áreas de monocultura de Pinus, em detrimento das áreas com campo nativo e capões. Com relação às questões referentes as mudanças de identidade e aos fatores culturais, não acreditamos que alcançaremos respostas definitivas, uma vez o tempo necessário para diagnosticá-las é superior ao tempo de duração deste trabalho. Novas inquietações devem surgir. Considerações sobre a pesquisa Os fatores socioculturais são importantes para compreendermos a complexidade do produto turístico da área que desejamos estudar. O Turismo é uma combinação complexa de inter-relacionamentos entre produção e serviços, em cuja composição se integram uma pratica social com base cultural, com herança histórica, a um meio ambiente diverso, cartografia natural, relações sociais de hospitalidade, troca de informações interculturais. O somatório desta dinâmica sociocultural gera um fenômeno recheado de objetividade/subjetividade, consumido por milhões de pessoas, como síntese: o produto turístico. (MOESCH, 2000, p. 9) Acreditamos que o Turismo possa ser uma alternativa econômica viável que, se realizado com o planejamento adequado, propicie a preservação da paisagem e os fatores culturais da população do município. Assim pensamos serem necessário estudos sobre os impactos que a atividade do florestamento essências exóticas podem vir a causar nas atividades relacionadas à paisagem e, portanto ao Turismo local. REFERÊNCIAS: ARENDT, Hannah. A condição humana. Tradução de Roberto Raposo. 8.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997[1958]. BENI, Mário Carlos. Análise estrutural do Turismo. São Paulo: SENAC, 1998. BERQUE, A. Paisagem Marca, Paisagem Matriz: Elementos da Problemática para uma Geografia Cultural. In: CORRÊA, R. L.; ROSENDAHL, Z. Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998. pp. 84 – 91. CANCLINI, N. G. A Globalização Imaginada. São Paulo: Ed. Iluminuras, 2003. CASTROGIOVANNI, A. C. Turismo x Espaço: reflexões necessárias na pósmodernidade. In: GASTAL, S; CASTROGIOVANNI, A . C. (Org). Turismo na PósModernidade: (des)inquietações. Porto Alegre. EDIPUCRS, 2003. p. 43 – 50. CLAVAL, Paul. Geografia Cultural: O Estado da Arte. In: ROSENDAHL, Z.; CORRÊA, R.L. (Org). 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Anexos: 1 – Paisagem típica em propriedade que explora a pecuária extensiva. Foto: Carla Hirt 2- Diferença na paisagem causada pelos diferentes usos do solo. Foto: Luiz Fernando Mazzini Fontoura 3 – Localização do município de São Francisco de Paula / RS