UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS – CCSA
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA – DEPEC
FÁBIO SANTOS NASCIMENTO
A EVOLUÇÃO DA ENERGIA EÓLICA NO BRASIL NO CONTEXTO DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (2004-2012)
NATAL – RN
2012
FÁBIO SANTOS NASCIMENTO
A EVOLUÇÃO DA ENERGIA EÓLICA NO BRASIL NO CONTEXTO DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (2004-2012)
Monografia apresentada como exigência para
obtenção do grau de Bacharel em Ciências
Econômicas da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte.
Orientador:
Prof. Dr. Denílson da Silva Araújo
NATAL – RN
2012
Seção de Informação e Referência
Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Central Zila
Mamede
Nascimento, Fábio Santos
A evolução da energia eólica no Brasil no contexto do
desenvolvimento sustentável (2004-2012) / Fábio Santos Nascimento.
– Natal, RN, 2012.
148 f. : il.
Orientador: Denílson da Silva Araújo.
Monografia (Bacharelado) – Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de
Economia. Curso de Graduação em Economia.
1. Energia Eólica – Monografia. 2. Desenvolvimento Sustentável
– Monografia. 3. Fontes Renováveis de Energia – Monografia. I.
Araújo, Denílson da Silva. II. Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. III. Título.
RN/UF/BCZM
CDU 621.548
FÁBIO SANTOS NASCIMENTO
A EVOLUÇÃO DA ENERGIA EÓLICA NO BRASIL NO CONTEXTO DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (2004-2012)
Monografia apresentada como exigência para
obtenção do grau de Bacharel em Ciências
Econômicas da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte.
Aprovada em: _____/ _____/ ______
Banca Examinadora:
__________________________________
Prof. Dr. Denílson da Silva Araújo
Orientador – UFRN
___________________________________
Prof. Dr. Marconi Gomes da Silva
Examinador – UFRN
A meus pais, Beuva e Francisco: amor,
esforço e empenho na formação de quem sou.
AGRADECIMENTOS
Agradecer sempre é um momento complicado. Exige da nossa memória a lembrança de todos
que passaram na nossa vida e a criação de hierarquia (muitas vezes injusta) nos
relacionamentos. Como nem sempre cumprimos a contento, vou citar apenas alguns mais
próximos:
À minha querida Layanne, por dedicar amor e carinho a nós e, nos últimos meses, paciência e
compreensão comigo;
A meus pais, Beuva e Francisco, por ser manterem presentes mesmo à distância, motivandome e acreditando sempre no meu potencial;
À minha irmã, a jornalista Valéria Nascimento, pelo incomparável apoio moral e afetivo e,
ainda, pela revisão textual deste trabalho;
Aos meus grandes amigos, Joe e Mateus, por estarem presentes em todos os momentos
especiais da minha vida (mesmo à distância);
Ao amigo e orientador, Denílson Araújo, verdadeiro mestre no sentido mais nobre do termo,
pelo incentivo e pela confiança. Sua dedicação e sua paciência no ensinamento dos mais
variados assuntos ultrapassam as linhas desta monografia;
Ao professor Marconi Gomes da Silva, por contribuir no aprimoramento desta pesquisa e
dedicar parte de seu precioso tempo na participação da banca examinadora;
Aos companheiros do curso de Ciências Econômicas, especialmente Bruna, Cristina, Iúlius,
Ramílson e Túlio, por compartilharem momentos bons de aprendizado;
Aos professores do Departamento de Economia, por partilharem conhecimento e
experiências. E, ainda, toda compreensão com as minhas ausências durante alguns momentos
do curso;
A familiares e amigos, somente com muito carinho e amizade para compreender todas as
minhas ausências.
“O desenvolvimento não é apenas um processo
de acumulação e de aumento de produtividade
macroeconômica, mas principalmente o caminho
de acesso a formas sociais mais aptas a estimular
a criatividade humana e responder às aspirações
da coletividade”.
(Celso Furtado, 1920-2004)
NASCIMENTO, Fábio Santos. A evolução da Energia Eólica no Brasil no contexto do
Desenvolvimento Sustentável (2004-2012). Monografia (Bacharel) – Curso de Ciências
Econômicas, Departamento de Economia, UFRN. Natal, 2012.
RESUMO
Diante das discussões sobre mudanças climáticas e eficiência energética, a importância das
energias renováveis ganha destaque no debate internacional. Atualmente, vários países vêm
investindo para ampliar a participação das fontes renováveis na composição das suas matrizes
energéticas. No Brasil, dado o seu grande potencial eólico, a geração de energia elétrica a
partir do vento tem se destacado entre as fontes alternativas de energia. A introdução de
inovações no setor, bem como o aumento da participação de empreendedores privados, tem
contribuído para o rápido crescimento da atividade eólica no Brasil. No entanto, a adoção de
políticas de fomento, muitas vezes baseadas em subsídios, levou à discussão dos benefícios
sociais e econômicos decorrentes dessa tecnologia. Desse modo, este trabalho analisa o papel
da Energia Eólica na expansão do setor elétrico brasileiro e a contribuição dessa tecnologia
para o Desenvolvimento Sustentável do país. Para cumprir com os objetivos propostos,
utiliza-se como metodologia a pesquisa qualitativa do tipo exploratória, através de pesquisa
bibliográfica e documental, com o uso de dados secundários. Como resultado, verificou-se
que a utilização dessa fonte energética, em detrimento das fontes tradicionais de geração de
energia elétrica, acarreta em benefícios socioeconômicos e ambientais. Por fim, conclui-se
que o aproveitamento do grande potencial eólico nacional é crucial para a manutenção de uma
matriz elétrica limpa e renovável, que possibilite o Desenvolvimento Sustentável do país e
garanta a sua segurança energética.
Palavras-chaves: Energia Eólica; Desenvolvimento Sustentável; Fontes Renováveis de
Energia.
NASCIMENTO, Fábio Santos. A evolução da Energia Eólica no Brasil no contexto do
Desenvolvimento Sustentável (2004-2012). Monografia (Bacharel) – Curso de Ciências
Econômicas, Departamento de Economia, UFRN. Natal, 2012.
ABSTRACT
Given the discussions on climate change and energy efficiency, the importance of renewable
energy gained prominence in the international debate. Currently, several countries have been
investing to expand the share of renewables in its energy matrix composition. In Brazil, given
its huge wind potential, the generation of electricity from wind has emerged among the
alternative sources of energy. The introduction of innovations in the sector, as well as
increased participation of private entrepreneurs has contributed to the rapid growth of wind
activity in Brazil. However, the adoption of policies encouraging, often based on subsidies,
led to a discussion of the social and economic benefits resulting from this technology. Thus,
this paper analyzes the role of wind energy expansion in the Brazilian electric sector and the
contribution of this technology for the sustainable development of the country. To meet its
objectives, it is used as a qualitative research methodology of the exploratory type, through a
literature review and documentary, using secondary data. As a result, it was found that the use
of this energy source, rather than traditional sources of electricity generation, leads to
socioeconomic and environmental benefits. Finally, it is concluded that the use of large
national wind potential is crucial for maintaining a clean and renewable energy matrix,
enabling the sustainable development of the country and ensure its energy security.
Keywords: Wind Power; Sustainable Development; Renewable Energy Sources.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Extração de recursos e lançamento de dejetos pelo sistema econômico.................46
Figura 2 – Fluxos de matéria e energia pelo sistema econômico..............................................55
Figura 3 – O efeito estufa..........................................................................................................64
Figura 4 – Esquema simplificado de um gerador eólico...........................................................75
Figura 5 – Diferentes tamanhos de aerogeradores e suas principais aplicações.......................76
Figura 6 – Economia da energia eólica.....................................................................................86
Figura 7 – Mapa eólico brasileiro.............................................................................................98
Figura 8 – Distribuição estadual da capacidade eólica instalada no Brasil (2012).................108
Figura 9 – Distribuição estadual da indústria eólica no Brasil (2012)....................................112
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Oferta interna de energia – Brasil (1940-2010).....................................................70
Gráfico 2 – Oferta interna de energia elétrica por fonte – Brasil (2010)..................................71
Gráfico 3 – Capacidade instalada de geração eólica no mundo (1996-2011)...........................80
Gráfico 4 – As dez maiores capacidades instaladas no mundo em 2011..................................81
Gráfico 5 – Evolução dos aerogeradores (1985-2010).............................................................82
Gráfico 6 – Previsão do mercado de energia eólica no mundo (2012-2016)............................83
Gráfico 7 – Distribuição do custo de capital em um sistema de geração eólica.......................85
Gráfico 8 – Custos da geração eólica em relação à velocidade do vento e à taxa de retorno de
capital....................................................................................................................87
Gráfico 9 – Preço da eletricidade no Reino Unido para diferentes fontes (2012)....................88
Gráfico 10 – Custos de geração de eletricidade na União Europeia em 2015 e 2030..............90
Gráfico 11 – Exemplo ilustrativo do custo social da energia...................................................91
Gráfico 12 – Desenvolvimento das tecnologias de energia renovável.....................................92
Gráfico 13 – “Sazonalidade inversa” da energia eólica no Nordeste......................................100
Gráfico 14 – Fator de capacidade médio da geração eólica para países selecionados em 2009
(%) ....................................................................................................................101
Gráfico 15 – Evolução da capacidade instalada de energia eólica no Brasil (2005-2012)....102
Gráfico 16 – Perspectiva de crescimento da energia eólica no Brasil....................................106
Gráfico 17 – Distribuição estadual dos parques eólicos no Brasil (2012)..............................109
Gráfico 18 – Participação de mercado das empresas produtoras de Energia Eólica (2012)...110
Gráfico 19 – Histórico de preços da energia eólica no Brasil: PROINFA x Leilões..............114
Gráfico 20 – Custo da energia eólica – LCOE (R$/MWh) ....................................................115
Gráfico 21 – Custo Marginal de Operação médio dos principais subsistemas para o
Brasil.............................................................................................................117
Gráfico 22 – Estimativa da redução de emissões de CO2 a partir da energia eólica no
Brasil...............................................................................................................130
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – A energia eólica é a fonte mais econômica entre as energias renováveis..............93
LISTA DE SIGLAS
ABEEólica – Associação Brasileira de Energia Eólica
ACL – Ambiente de Contratação Livre
APA – Área de Proteção Ambiental
BEN – Balanço Energético Nacional
BM&F – Bolsa de Mercadorias e Futuros
BNB – Banco do Nordeste
CBEE – Centro Brasileiro de Energia Eólica
CCGT – Combined Cycle Gas Turbines
CCX – Chicago Climate Exchange
CDE – Conta de Desenvolvimento Energético
CDM – Clean Development Mechanism
CELPE – Companhia Energética de Pernambuco
CEPAL – Comissão Econômica para América Latina e Caribe
CEPEL – Centro de Pesquisa de Energia Elétrica
CER - Certified Emission Reduction
CMMAD – Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento
CMO – Custo Marginal de Operação
COP – Conference of Parts
CRESESB – Centro de Referência para Energia Solar e Eólica Sérgio de Salvo Brito
CVU – Custo Variável Unitário
DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
DS – Desenvolvimento Sustentável
ECX – European Climate Exchange
EE – Economia Ecológica
EPE – Empresa de Pesquisa Energética
EWEA – European Wind Energy Association
FINEP – Financiadora de Estudos e Projetos
GEE – Gases de Efeito Estufa
GIZ – Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit
GWEC – Global Wind Energy Council
GWP – Global Warming Potential
IDEMA – Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande
do Norte
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IEA – International Energy Agency
INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
IPCA – Índice de Preços ao Consumidor Amplo
IPCC – Intergovernamental Panel on Climate Change
IPTU – Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana
IRENA - International Renewable Energy Agency
ISEE – International Society for Ecological Economics
ISS – Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza
IUCN – International Union for Conservation of Nature
Kh – Capital humano
Kn – Capital natural
Kp – Capital produzido
Ks – Capital social
LCOE – Levelised Cost of Energy
LER – Leilão de Energia Reserva
LFA – Leilão de Fontes Alternativas
MceX – Montréal Climate Exchange
MCT – Ministério de Ciência e Tecnologia
MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
MEB – Matriz Energética Brasileira
MMA – Ministério do Meio Ambiente dos Recursos Hídricos e da Amazonas Legal
MME – Ministério de Minas e Energia
O&M – Operação e Manutenção
OECD – Organisation for Economic Co-operation and Development
OIE – Oferta Interna de Energia
ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico
ONU – Organização das Nações Unidas
P&D – Pesquisa e Desenvolvimento
PCH – Pequena Central Hidrelétrica
PIA – Produtor Independente Autônomo
PIB – Produto Interno Bruto
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
PROEÓLICA – Programa Emergencial de Energia Eólica
PROINFA – Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica
RCE – Reduções Certificadas de Emissões
SECTEC – Secretaria de Ciência Tecnologia e Meio Ambiente do estado de
Pernambuco
SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
Sfra – Sustentabilidade fraca
Sfor – Sustentabilidade forte
SPE – Sociedades de Propósito Específico
SIN – Sistema Interligado Nacional
TCX – Tianjin Climate Exchange
TJRN – Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte
UFPE – Universidade Federal de Pernambuco
UNCED – United Nations Conference on Environment and Development
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organisation
UNFCCC – United Nations Framework Convention on Climate Change
UNEP – United Nations Environment Programme
VET – Valor Econômico Total
WANEB – Wind Atlas for the Northeast of Brazil
WTP – Willingness-To-Pay
LISTA DE SÍMBOLOS
CH4 – Metano
CO2 – Dióxido de Carbono
N2O – Óxido Nitroso
O3 – Ozônio
LISTA DE UNIDADES
GW – Gigawatt
kW – Quilowatt
m²/GWh – Metros quadrados por Gigawatt-hora
MtCO2e – Milhões de Tonelada Métrica de Dióxido de Carbono Equivalente
M€ – Milhões de Euros
MW – Megawatt
Tep – Tonelada equivalente de petróleo
TWh – Terawatt-hora
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 16
2 NO BERÇO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL .......................................... 24
2.1 A Construção do Conceito de Desenvolvimento ........................................................ 24
2.2 Discussões sobre a temática da Sustentabilidade ....................................................... 30
2.3 A Economia Ambiental Neoclássica: Reminiscências do Passado no Tempo
Presente .......................................................................................................................... 34
2.3.1 A Economia da Poluição: uma nova Roupagem Neoclássica na discussão do
Meio Ambiente e do Desenvolvimento Econômico ............................................. 35
2.3.2 A Economia dos Recursos Naturais: uma Tentativa de Desvencilhamento dos
Postulados Ortodoxos ............................................................................................ 37
2.3.3 Critérios Neoclássicos de Sustentabilidade .......................................................... 40
2.4 A Economia Ecológica: antítese aos Postulados Ortodoxos no tratamento do
binômio Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico........................................... 42
2.5 Desenvolvimento Sustentável: algumas considerações complementares sobre a
temática .......................................................................................................................... 47
3 ENERGIA, DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE .......................................... 49
3.1 Energia e Desenvolvimento .......................................................................................... 49
3.2 Energia e Meio Ambiente ............................................................................................. 51
3.3 O Protocolo de Quioto e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo: a Agenda
Internacional.................................................................................................................. 54
3.4 A Matriz Energética Brasileira (1940-2010)............................................................... 57
3.5 Energia Eólica: aumento da capacidade de Oferta de Energia Limpa ................... 61
3.5.1 Energia Eólica: Fatos e Mitos ............................................................................... 64
3.6 Panorama Mundial da geração de Energia Eólica .................................................... 67
3.7 A Energia Eólica posta em xeque ................................................................................ 72
4 A ENERGIA EÓLICA NO BRASIL ................................................................................. 82
4.1 A Gênese e o Potencial do Setor .................................................................................. 82
4.2 A capacidade instalada de Energia Eólica em Operação .......................................... 88
4.3 Programas de Incentivo à Produção e os Leilões de Energia Eólica no Brasil ....... 90
4.4 Desenvolvimento do Setor Eólico no Brasil: Diversificação das Fontes Energéticas
......................................................................................................................................... 94
4.5 O Custo da Energia Eólica no Brasil ........................................................................ 101
4.6 O Mercado de Créditos de Carbono ......................................................................... 104
4.7 O Desenvolvimento Sustentável no Brasil ................................................................ 107
4.7.1 Dimensão Econômica e Social do assim chamado Desenvolvimento Sustentável
................................................................................................................................ 108
4.7.2 Dimensão Ambiental do Desenvolvimento Sustentável no Brasil.................... 116
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................... 125
16
1 INTRODUÇÃO
A Revolução Industrial, no final do século XVIII, marcou o início de uma nova era
para a maioria das nações. Em decorrência da referida Revolução, ocorreram um crescimento
acelerado da população e um intenso processo de urbanização das cidades, que causaram um
grande aumento da demanda por serviços energéticos. Ademais, a modernização das cidades e
a própria expectativa de elevação nos padrões de vida e no conforto levaram a uma maior
pressão para a utilização dos recursos energéticos. Seja pelo aumento das necessidades de
transporte ou pela maior demanda de serviços industriais e comerciais, a demanda global por
energia seguiu, desde então, em ritmo acelerado de crescimento.
Nas sociedades modernas, o desenvolvimento econômico esteve sempre mais
associado à produção de riqueza do que à sua distribuição. O padrão de riqueza, até então
adotado, ficou marcado pelo consumo material desregrado e pelo uso intensivo das fontes
energéticas, sobretudo daquelas oriundas de recursos fósseis. Convém ressaltar que o aumento
da demanda energética fóssil acarreta em alterações climáticas do planeta, em virtude da
emissão de gases de efeito estufa, com efeitos prejudiciais à saúde humana, ao meio ambiente,
à agricultura e aos recursos hídricos.
Ao final da década de 1960, o debate sobre a incompatibilidade entre desenvolvimento
e meio ambiente se acirrava na comunidade internacional. A utilização irracional de recursos
não-renováveis seria responsável por uma inevitável degradação ambiental com proporções
catastróficas e rápida debilitação das condições de vida na biosfera. Desse modo, muitos
pesquisadores e estudiosos defendiam a tese de que o planeta entraria em colapso caso os
países em desenvolvimento seguissem os passos dos países desenvolvidos no consumo
desenfreado dos recursos do planeta.
Nesse contexto, a Organização das Nações Unidas (ONU) reuniu um grupo de
especialistas na Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento
(correspondente em inglês a UNCED) para propor uma nova forma de se pensar o
desenvolvimento. Assim, surgiu o conceito de Desenvolvimento Sustentável, publicado pela
primeira vez no relatório dessa Comissão intitulado “Nosso Futuro Comum” que representava
a capacidade de se desenvolver no presente sem comprometer as necessidades das gerações
futuras. Portanto, Desenvolvimento Sustentável significa equilibrar as três componentes do
meio ambiente: o natural/ecológico, o social e o econômico.
Um dos principais temas discutido na Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre o
Desenvolvimento Sustentável realizada este ano (2012) no Brasil, foi a prosperidade
17
econômica com proteção ao meio ambiente e inclusão social. Nesse sentido, o debate sobre
produção energética e fontes renováveis de energia foi o grande destaque da Conferência, pois
energia é um atributo fundamental para o desenvolvimento de uma nação.
Para Ferreira & Ferreira (1992), a insustentabilidade da sociedade contemporânea
decorre de quatro fatores principais: o primeiro é o crescimento populacional e a concentração
espacial da população vivenciada nos últimos anos; o segundo fator é a redução do suporte
aos recursos naturais; o terceiro refere-se à utilização de sistemas produtivos que utilizam
tecnologias poluentes e de baixa eficiência energética; o último fator é a adoção de um
sistema de valores que propicia a expansão ilimitada do consumo material.
Dessa maneira, para que o almejado Desenvolvimento Sustentável possa ser
alcançado, é necessária a adoção de políticas que reduzam o uso de combustíveis fósseis,
ampliem a utilização de fontes renováveis de energia e aumentem a eficiência na utilização
dos recursos e na conservação de energia. Logo, qualquer ação que venha a promover uma
dessas componentes é um passo importante rumo a uma sociedade verdadeiramente
desenvolvida.
Ferreira & Ferreira (1992) mostraram que, para os países periféricos, é muito difícil
falar em desenvolvimento ecologicamente correto, pois, nesses países, o produto da
exploração intensiva dos recursos naturais visa saldar compromissos financeiros
internacionais. Desse modo, segundo os referidos autores, o modelo de desenvolvimento na
América Latina não é sustentável sob o ponto de vista ecológico, social ou ambiental, pois
seus efeitos são destrutivos tanto para os sistemas naturais quanto para a sociedade.
Diante dessa situação, os países periféricos deveriam seguir um modelo de
Desenvolvimento Sustentável com enfoque num paradigma endógeno. Somente assim, seria
possível alcançar um desenvolvimento sustentado, planejado de modo participativo e que
mobilizasse, ao máximo, os recursos potenciais das economias regionais (CALVANCANTI,
1995).
Segundo Gvces & Iedi (2010), o caminho da sociedade global rumo a um modelo de
Desenvolvimento Sustentável passa pela transição para uma economia mais inclusiva do
ponto de vista social e mais eficiente na sua relação com o meio ambiente. Nesse processo de
transição, um conceito-chave refere-se às inovações. A inovação sustentável é aquela que
gera, ao mesmo tempo, resultados econômicos, sociais e ambientais positivos.
A inovação sustentável é a introdução (produção, assimilação ou exploração) de
produtos, processos produtivos, métodos de gestão ou negócios, novos ou significativamente
melhorados para a organização e que traz benefícios econômicos, sociais e ambientais
18
comparados com alternativas pertinentes. Nessa concepção, é necessário avançar em
benefícios líquidos e não somente reduzir impactos negativos. Além disso, a condição
“comparação com alternativas pertinentes” é essencial ao conceito de inovação sustentável,
pois os benefícios esperados devem ser significativos, ou não negligenciáveis, nas três
dimensões da Sustentabilidade.
Contudo, dados da Agência Internacional de Energia (correspondente em inglês a
IEA) mostraram que as principais fontes de energia ainda são de origem fóssil, não renovável
e poluente como o petróleo, o carvão e o gás natural. Em 2009, cerca de dois terços da energia
consumida no mundo foi proveniente de tais fontes. Desse modo, o atual modelo de produção
e consumo de energia mostra-se incompatível com o Desenvolvimento Sustentável das
nações.
Para reverter esse quadro, muitos países têm investido em fontes renováveis de energia
para geração elétrica não-poluente de maneira a reduzir os impactos ambientais e ampliar a
oferta de energia. Nesse aspecto, o crescimento verificado, nos últimos anos, é notável, porém
a participação dessas fontes na oferta total de energia ainda é muito reduzida.
Apesar da prioridade do debate internacional sobre energias renováveis, a transição
para uma matriz energética global mais renovável não ocorrerá de forma abrupta, pois a
dinâmica que sustenta o modelo energético atual é difícil de ser revertida. Os principais
motivos são o elevado nível de consumo material e energético tanto nos países centrais quanto
nos periféricos (nesses em menor escala); a infraestrutura energética não-renovável já se
encontra estabelecida, planejada para o longo prazo e com uma intensa inversão de capital; a
crescente demanda global por serviços energéticos e o crescimento populacional.
De acordo com Sachs (2007), a História da humanidade é marcada por revoluções
energéticas sucessivas, que ditam o ritmo da produção e da alocação do excedente econômico.
Nenhuma dessas grandes revoluções aconteceu por esgotamento do recurso energético, mas,
devido à identificação de uma nova fonte de energia com qualidades superiores e custos
inferiores, isto é, que fossem mais eficientes e mais baratas. Nos últimos anos, a utilização de
recursos renováveis procedentes de diversos ciclos da natureza tem se destacado em virtude
dos efeitos do aquecimento global e de conflitos geopolíticos envolvendo fontes fósseis.
No Brasil, aproximadamente três quartos da Oferta Interna de Energia Elétrica provêm
de hidrelétricas. Entretanto, o país enfrenta sérias dificuldades com a expansão hidroelétrica
atualmente. Como a maior parte das opções existentes para novas hidrelétricas está localizada
na Amazônia, sua utilização enfrenta elevados custos de produção e distribuição, além de
forte oposição dos grupos ambientalistas. Assim, dada à perspectiva de crescimento da
19
demanda energética nacional, os combustíveis fósseis devem aumentar sua participação na
matriz elétrica brasileira, resultando num aumento das emissões de gases de efeito estufa do
país.
Nesse contexto, as fontes renováveis de energia desempenham um papel muito
importante, especialmente no atendimento aos objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
Entretanto, para alcançar um padrão energético compatível com esse novo modelo de
desenvolvimento, é necessária a ação do Estado para acelerar o progresso de novas
tecnologias ao longo da cadeia de inovação de energia. Dutra (2007) sinalizou que, para o
desenvolvimento de fontes alternativas no mercado de energia elétrica, são necessárias
políticas específicas para superar as diversas barreiras ao amadurecimento tecnológico dessas
fontes e à sua inserção no mercado convencional.
O desenvolvimento das energias renováveis não se limita ao atendimento de
aspirações ambientalistas. Através da ampliação do uso dessas fontes, o país poderá
diversificar a sua matriz energética e reduzir a dependência de combustíveis fósseis,
“altamente influenciados” por um cenário político internacional cada vez mais instável. Desse
modo, o desenvolvimento de fontes renováveis de energia contribui para a segurança
energética do país.
Entre as energias renováveis, a Energia Eólica se destaca por possuir vantagens
comparativas em relação às demais fontes; seu principal recurso (o vento) é gratuito e
ilimitado, sua produção não gera resíduos e o tempo de instalação de uma usina eólica é
relativamente pequeno; além disso, é mais barata do que a energia solar, seu principal
concorrente, especialmente nas aplicações em áreas remotas que não podem ser interligadas à
rede elétrica.
A Energia Eólica também apresenta vantagens adicionais devido às externalidades
positivas geradas. A expansão desse setor possibilita o desenvolvimento de uma indústria
eólica no país com desdobramentos para outros setores da economia. Além disso, a
implantação de parques eólicos em regiões não-urbanizadas requerem obras de infraestrutura,
que resultam em melhorias significativas para a comunidade local.
A adoção de políticas nacionais para o desenvolvimento da Energia Eólica no país
pode introduzir inovações no setor que permitirão a redução dos custos de implantação dos
parques eólicos e tornarão essa fonte ainda mais competitiva diante das outras fontes de
geração de energia. A tecnologia de inovação é o principal vetor para o desenvolvimento do
setor eólico mundial. Assim, a Energia Eólica surge como alternativa energética limpa e
20
renovável que possibilita o desenvolvimento de novas tecnologias no país e a redução de
diferenças regionais em relação ao acesso à eletricidade.
A existência de uma legislação específica para o desenvolvimento das fontes
alternativas de energia é crucial para que o uso dessas tecnologias se dissemine. Segundo
Barroso Neto (2010), os custos da energia elétrica gerada por fontes eólicas têm apresentado
redução nos últimos anos devido a basicamente quatro fatores: introdução de técnicas mais
eficazes, aquisição de aprendizado, economia de escala e redução dos custos de
financiamento.
Nessa conjuntura, alguns programas governamentais foram instituídos para incentivar
a Energia Eólica no Brasil. Criado em resposta à crise de Energia Elétrica em 2001, o
Programa Emergencial de Energia Eólica (PROEÓLICA) previu a implantação de 1.050
megawatts (MW) até dezembro de 2003. Em seguida, o Ministério de Minas e Energia
(MME) instituiu o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica
(PROINFA), que incentivava não apenas a fonte eólica, mas também as pequenas centrais
hidrelétricas e as térmicas à biomassa.
A partir do PROINFA, o Brasil conseguiu ampliar a participação da Energia Eólica na
matriz elétrica nacional e multiplicar a capacidade instalada dessa fonte no país. Os últimos
empreendimentos contratados pelo Programa entraram em operação no fim de 2011. Ao total,
foram implantados 41 projetos de Energia Eólica, que juntos adicionaram quase 1.200 MW à
capacidade instalada brasileira (ELETROBRAS, 2011).
Os resultados dos programas governamentais de fomento à Energia Eólica podem ser
medidos não apenas pela ampliação da capacidade instalada do país, mas também pela queda
dos preços dessa energia no mercado interno. De acordo com o relatório “Tendências Globais
em Energia Sustentável”, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(PNUMA), o Brasil possui hoje a menor tarifa do mercado para a Energia Eólica do mundo
que coloca essa fonte de energia em concorrência direta com as fontes tradicionais. Para o
diretor-executivo do PNUMA, Achim Steiner, o governo brasileiro tem grande capacidade de
desenvolver programas de incentivo à energia limpa e competir no mercado internacional (O
GLOBO, 2012).
Diante desse cenário, o problema de pesquisa que se pretende enfrentar refere-se à
abordagem teórica do Desenvolvimento Sustentável mediante a utilização das fontes de
energia renovável. Para tanto, procurar-se-á responder a seguinte pergunta de pesquisa: De
que maneira a Energia Eólica contribui para o Desenvolvimento Sustentável no Brasil?
21
Desse modo, o objetivo geral deste trabalho é analisar o papel da Energia Eólica na
expansão do setor elétrico brasileiro e a contribuição dessa tecnologia para o
Desenvolvimento Sustentável no país. Além do objetivo principal, procura-se esclarecer o
tema tendo como guia os seguintes objetivos específicos:
a) apresentar as concepções sobre Desenvolvimento e Sustentabilidade à luz das
diferentes Escolas do Pensamento Econômico;
b) contextualizar as mudanças no modelo de consumo energético, justificando a
importância da utilização das energias renováveis, entre elas a eólica;
c) apresentar a evolução da Matriz Energética Brasileira e as perspectivas futuras
sobre a participação da Energia Eólica;
d) descrever as políticas nacionais de fomento à utilização da Energia Eólica;
e) analisar a evolução dos custos da Energia Eólica no Brasil bem como sua
competitividade diante de outras fontes energéticas;
f)
avaliar os efeitos do Desenvolvimento do Setor Eólico no país sob a Ótica do
Desenvolvimento Sustentável.
Com base nos fundamentos da Economia Ecológica, a hipótese fundamental deste
trabalho é que a Energia Eólica pode contribuir de maneira significativa para o atendimento
aos objetivos nacionais sobre o Desenvolvimento Sustentável. Para alcançar esse fim, são
necessários incentivos à produção e medidas para atração de investimentos no setor tanto na
geração de energia quanto na fabricação de equipamentos. A criação de um ambiente de
mercado favorável para a expansão do setor eólico poderá atrair indústrias para o país. O
desenvolvimento da indústria eólica nacional poderá atender tanto o abastecimento do
mercado interno quanto a demanda de outros mercados, especialmente a América Latina,
região na qual o Brasil já lidera a produção de Energia Eólica.
O uso da Energia Eólica como fonte alternativa renovável acarreta em benefícios
energéticos sob o ponto de vista da diversificação da Matriz Elétrica Nacional, além de trazer
benefícios econômicos quanto ao aproveitamento dos recursos naturais para um
desenvolvimento sustentado da indústria local. Além dos benefícios citados, há o
desenvolvimento sob o aspecto social em virtude da geração de empregos e novos
profissionais envolvidos nas mais diversas áreas de abrangência da Energia Eólica.
Sob essa perspectiva, a justificativa deste trabalho encontra-se na necessidade de
reunir as informações mais recentes sobre o atual estado da arte da Energia Eólica no Brasil.
Por se tratar de um setor incipiente no país e ao mesmo tempo muito dinâmico, alguns poucos
22
trabalhos anteriormente elaborados encontravam-se desatualizados em virtude dos recentes
desenvolvimentos experimentados pelo setor.
Além disso, é preciso a realização de estudos que avaliem os impactos da Energia
Eólica à luz das modernas teorias da Economia Ecológica e do Desenvolvimento Sustentável,
temas centrais nas discussões internacionais sobre o desenvolvimento no século XXI. É
importante também que sejam analisados os efeitos da Energia Eólica sobre as economias
regionais, pois aquela pode se tornar um novo elemento dinâmico para essas economias.
A metodologia utilizada neste trabalho foi a pesquisa qualitativa do tipo exploratória,
através de pesquisa bibliográfica e documental com a utilização de dados secundários.
Segundo Creswell (2007), o propósito de utilizar a pesquisa qualitativa, de caráter
exploratório, é a investigação de um tópico quando suas variáveis e bases teóricas são
desconhecidas.
Para tanto, os instrumentos utilizados neste trabalho foram as pesquisas do tipo
bibliográfica e do tipo documental. A diferença entre os dois tipos de pesquisa refere-se à
origem das fontes. Enquanto a pesquisa bibliográfica utiliza-se de material já elaborado por
outros autores, a pesquisa documental utiliza-se de materiais que ainda não receberam
tratamento analítico ou que já foram processados, mas podem receber outras interpretações
como tabelas, relatórios de empresas etc. (GIL, 2002).
A pesquisa bibliográfica foi realizada através de consulta a livros e artigos técnicos e
científicos. Justifica-se essa escolha pela necessidade de agrupamento dos elementos teóricos
sobre o tema através das contribuições de alguns autores na área de estudo especificada. A
pesquisa documental, por sua vez, foi realizada através da análise de relatórios, tabelas e
gráficos fornecidos por instituições renomadas de caráter nacional ou internacional. Para o
método de pesquisa, foi escolhido o dedutivo, o referencial teórico e analítico construído para
ampliar o entendimento sobre o tema e responder a problemática levantada.
O trabalho está divido em cinco capítulos, incluindo esta introdução enumerada como
capítulo um. O capítulo dois apresenta a fundamentação teórica do trabalho a partir da
exposição dos conceitos de Desenvolvimento, Sustentabilidade e Desenvolvimento
Sustentável sob a ótica de diferentes Escolas do Pensamento Econômico. Nesse capítulo,
ainda são apresentadas as duas principais correntes ambientais dentro da Ciência Econômica,
a saber: a Economia Ambiental Neoclássica e a Economia Ecológica.
O terceiro capítulo mostra a relação entre Energia e Desenvolvimento, bem como os
impactos da produção de energia sobre o Meio Ambiente. A discussão recente sobre o
Protocolo de Quioto e o Mercado de Carbono também estão incluídas nesta seção, além de
23
uma breve discussão sobre a Matriz Energética Brasileira. O capítulo se encerra com a
exposição da tecnologia eólica – as vantagens e os desafios, o panorama mundial e as
perspectivas de crescimento do setor.
No quarto capítulo, é apresentado o setor eólico brasileiro: o surgimento do setor; o
potencial dessa tecnologia no país; a evolução da capacidade instalada e a queda dos preços;
os programas de fomento e o novo marco regulatório; a composição da indústria eólica
nacional. No final do capítulo, é feita uma análise sobre os impactos do desenvolvimento
desse setor sob a perspectiva das teorias de Desenvolvimento Sustentável.
Ao término, as considerações finais são apresentadas com base no referencial teórico
adotado e utilizando-se de toda a abordagem anterior acerca da temática do Desenvolvimento
Sustentável a partir da utilização da fonte eólica.
24
2 NO BERÇO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
2.1 A Construção do Conceito de Desenvolvimento
A preocupação com o Desenvolvimento tem suas raízes mais profundas na gênese da
Ciência Econômica. Ainda que, de maneira preliminar, a referida preocupação pode ser
encontrada nos escritos clássicos de Adam Smith, David Ricardo, Thomas Malthus e Karl
Marx. Nessa literatura, o desenvolvimento era uma questão fundamental, em que pese o fato
deste ponto, na Teoria do Desenvolvimento Econômico, ancorar significativa polêmica1.
Essas representam as chamadas “teorias clássicas do desenvolvimento” (MANTEGA &
REGO, 2002).
Para a Escola Clássica, Desenvolvimento é visto como sinônimo de crescimento
econômico. Baseado no método idealista-racionalista, essa corrente acredita que o bem estar
da sociedade seria alcançado a partir da soma do bem estar dos seus indivíduos, que seriam
guiados pelo egoísmo existente em cada um. Em Smith, o Desenvolvimento Econômico das
nações ocorreria de forma natural, quando o governo não intervisse, a partir do constante
aumento da produtividade das manufaturas, do comércio exterior e da agricultura. Observe-se
que o positivismo comteano cimentava de forma expressiva, à exceção de Karl Marx, as
correntes clássicas do pensamento econômico.
Nos trabalhos de Malthus e Ricardo, o Desenvolvimento da sociedade está relacionado
com o aumento da produção e da renda nacional que seriam obtidos a partir dos investimentos
feitos pelos capitalistas. O crescimento da população seria um segundo determinante para o
desenvolvimento da nação, pois, aquele está relacionado com a taxa de crescimento do
investimento e o nível dos salários dos trabalhadores. Assim, a taxa de crescimento da
população deveria ser menor que a taxa de crescimento da produção.
Nas obras de Stuart Mill e Marshall, eles ampliaram a ideia de Desenvolvimento. Pela
primeira vez, no pensamento econômico, o Desenvolvimento da nação não estava ligado
somente ao crescimento da produção, mas possuía um caráter social. Nesse novo aspecto, a
educação tem um papel fundamental. Essa permitiria um aumento da eficiência do trabalho
que impactaria na poupança, elevando os investimentos e a riqueza do país. Além disso,
influenciam o Desenvolvimento desse capital humano, o tamanho e a qualidade de vida da
1
Quanto à polêmica que se faz referência ver, com atenção, Furtado (2009).
25
população. Portanto, algumas variáveis não econômicas também deveriam ser objetivos das
políticas de Desenvolvimento Econômico.
Para Marx, o desenvolvimento está associado à sucessão de etapas históricas bem
definidas. Nessa visão, a História humana é apresentada como uma sucessão de modos de
produção, movida pelas contradições que se estabelecem entre forças produtivas e relações de
produção ou entre base econômica e superestrutura, cujo último estágio seria o comunismo.
Portanto, o Desenvolvimento seria um caminho natural após a superação dessas fases. Nos
termos de Marx (MARX, 2002, p. 16-18 apud BONENTE, 2011, p. 3-4):
[...] ‘o país desenvolvido não faz mais do que representar a imagem futura do menos
desenvolvido’, ou mesmo, ‘uma nação deve e pode aprender de outra. [...] não pode
ela suprimir, por saltos ou por decreto, as fases naturais de seu desenvolvimento’.
Schumpeter (1997), por sua vez, vai divergir de Marx ao elaborar uma Teoria do
Desenvolvimento focada nas atividades do empresário, o empreendedor inovador. Em sua
teoria, o conceito de Desenvolvimento Econômico está associado à ideia de inovação
tecnológica e rompimento do fluxo circular. Esse autor definiu um papel essencial para os
fatores técnicos e sociais (de organização social) na dinâmica da economia. Nesse sentido, o
crescimento da produção dependeria das mudanças verificadas nos fatores de produção, na
tecnologia e no ambiente sociocultural.
Schumpeter também critica a posição dos economistas clássicos e neoclássicos, que
consideravam o desenvolvimento econômico determinado exclusivamente por fatores ligados
à produção. Para esses autores, o ritmo de desenvolvimento dependeria do grau de utilização e
da taxa de aumento dos diversos tipos de fatores produtivos, não avaliando o impacto de
forças sociais e políticas (SCHMIDT FILHO, 2011).
A função de produção schumpeteriana pode ser escrita da seguinte forma: Y = f (K, N,
L, S, U), onde Y representa a produção; K, os meios de produção; N, os recursos naturais; L,
a força de trabalho; S, o fundo de conhecimento da sociedade; U, o meio ambiente
sociocultural. Os três primeiros fatores seriam os componentes de crescimento, que
apresentam uma variação lenta e gradual, enquanto que os dois últimos seriam responsáveis
pelo desenvolvimento, isto é, por “saltos” e descontinuidades verificados no sistema
econômico. Portanto, “S” e “U” são os fatores mais importantes na concepção schumpeteriana
de Desenvolvimento Econômico (ADELMAN, 1972).
Fica evidente aqui a distinção feita por Schumpeter entre Desenvolvimento e o simples
Crescimento Econômico. Enquanto o Crescimento estava associado ao aumento da renda per
capita, o Desenvolvimento envolvia transformações sociais e políticas. O Desenvolvimento é
26
um fenômeno distinto, “é uma mudança espontânea e descontínua nos canais do fluxo,
perturbação do equilíbrio, que altera e desloca para sempre o estado de equilíbrio previamente
existente” (SCHUMPETER, 1997, p. 75). Além disso, segundo o mesmo autor: “as causas e
[...] a explicação do desenvolvimento devem ser procuradas fora do grupo de fatos que são
descritos pela teoria econômica” (Idem).
Com o fim da II Guerra Mundial e a crise do colonialismo, inicia um período de
grande expansão do sistema econômico capitalista, que ficou conhecido como the Golden Age
of Capitalism (os Anos Dourados do Capitalismo). O período ficou marcado pela excepcional
prosperidade das economias capitalistas avançadas e por um grande otimismo referente às
possibilidades de superação do atraso econômico dos países subdesenvolvidos.
Nesse cenário, acreditava-se que os benefícios econômicos da divisão internacional do
trabalho seriam estendidos a todas as nações e que os países subdesenvolvidos de produção
primária seriam contemplados mediante o intercâmbio internacional. No entanto, Prebisch
(2000) mostrou que o mainstream econômico da época estava errado, pois, baseava-se na
falsa premissa que o fruto do progresso técnico tenderia a se distribuir de forma equitativa por
toda a coletividade através da queda dos preços e do consequente aumento da renda.
Durante os “Anos Dourados”, a modernidade da civilização ocidental passa a ser
encarada como um fenômeno universal, um estágio social que todas as nações deveriam
atingir, pois correspondia ao pleno desenvolvimento da sociedade democrática que uma parte
dos vitoriosos identificava com o liberalismo norte-americano e inglês e, outra parte, com o
socialismo russo. Assim, surgem vários trabalhos dedicados à análise destes temas sob o título
de “Teoria do Desenvolvimento” (SANTOS, 2002).
A principal característica desses trabalhos era a concepção de Desenvolvimento como
a adoção de normas de comportamento, atitudes e valores identificados com a racionalidade
econômica moderna. Essa racionalidade caracterizava-se pela busca da produtividade
máxima, pela geração de poupança e pela criação de investimentos que levassem à
acumulação permanente da riqueza dos indivíduos e, consequentemente, de cada nação
(SANTOS, 2002).
Em 1960, a Teoria do Desenvolvimento alcançou seu ponto mais radical com a
publicação da obra de Rostow intitulada “Etapas do Crescimento Econômico”. Nesse
trabalho, Rostow define todas as sociedades pré-capitalistas como tradicionais. Para ele, as
maiores causas do retardo econômico estariam nos baixos níveis de poupança e na ausência
de uma classe empresarial dinâmica em alguns países (MANTEGA & REGO, 2002).
27
Sob essa perspectiva, um país entraria na fase de Desenvolvimento quando ocorresse
um brusco aumento da taxa de investimento na difusão do sistema de produção baseado na
fábrica moderna. Esse fenômeno ficou conhecido, na literatura, como take-off (a decolagem)
de Rostow. Assim, a questão do Desenvolvimento tornou-se um modelo ideal de ações
econômicas, sociais e políticas interligadas, que ocorreriam em determinados países sempre
que se dessem as condições ideais à sua “decolagem” (MANTEGA & REGO, 2002;
SANTOS, 2002).
Uma característica compartilhada entre todos os autores citados é a visão do
Subdesenvolvimento como uma ausência de Desenvolvimento. O atraso dos países
subdesenvolvidos era explicado a partir dos obstáculos existentes a seu pleno
Desenvolvimento ou sua Modernização. No entanto, essas teorias enfraquecem com a
incapacidade do capitalismo de reproduzir experiências bem-sucedidas de desenvolvimento
em suas ex-colônias. Mesmo países com taxas de crescimento econômico elevadas como os
latino-americanos estavam limitados pela profundidade da sua dependência política e
econômica no cenário internacional.
Em oposição à visão dominante, surge uma nova corrente de pensamento de caráter
heterodoxo e oriunda dos países do sul. As novas ideias surgem da Comissão Econômica para
América Latina e Caribe (CEPAL) que desenvolve uma Teoria Desenvolvimentista
Estruturalista. Os trabalhos da CEPAL, coordenados por Raul Prebisch, tinham um enfoque
tanto holístico quanto histórico, analisando as disparidades nos termos de troca e as diferentes
formas de dependência entre os países do centro e da periferia.
A abordagem da CEPAL focava um desequilíbrio fundamental no relacionamento
entre centro e periferia e as implicações disso para a capacidade de acumulação de capital da
região. Enquanto os países centrais exportavam bens manufaturados, a América Latina
tornava-se exportadora de commodities, com uma taxa de crescimento da produtividade muito
inferior à indústria manufatureira. Desse modo, tende a ocorrer uma deterioração dos termos
de intercâmbio em detrimento das commodities produzidas na periferia do sistema capitalista.
Para os cepalinos, a alternativa para os países da periferia seria uma estratégia de
desenvolvimento conduzida pelo Estado, que promovesse a industrialização através da
política de substituição de importações (MELLO, 2006).
A crítica à visão cepalina é feita pela Escola da Dependência, que propôs novos
diagnósticos e novas medidas de Desenvolvimento sob uma perspectiva mais política e
sociológica. Conforme mostrou Santos (2002), podem se distinguir três correntes nessa
Escola: os estruturalistas, os neomarxistas e os interdependentes.
28
O primeiro grupo é formado por cientistas sociais ligados à CEPAL, que fazem uma
autocrítica relacionada às limitações de um projeto de Desenvolvimento Nacional Autônomo.
Nesse grupo, incluem-se os trabalhos de Oswaldo Sunkel, Aníbal Pinto, os contemporâneos
de Celso Furtado e a obra final de Raul Prebisch (“O Capitalismo Periférico”). Para essa
corrente, o Desenvolvimento não diminuía os vínculos de dependência, pois a cadeia
produtiva dos países periféricos continuava com defasagem tecnológica e os rumos políticos
ainda refletiam um processo histórico de consolidação dos interesses das elites conservadoras.
A corrente neomarxista afirma que Desenvolvimento e Dependência resultam de uma
dinâmica internacional desigual, própria do funcionamento do modo de produção capitalista
que, nesta corrente, é por natureza desigual e combinado2. Nessa perspectiva, o
Desenvolvimento Capitalista ocorre à custa da subordinação das economias nacionais
dependentes. Logo, o subdesenvolvimento resultaria diretamente da natureza das relações
espaciais dentro do sistema capitalista global. Compõem esse grupo, entre outros, os seguintes
autores: André Gunder Frank, Rui Mauro Maurini, Theotônio dos Santos e Vânia Bambirra.
O terceiro grupo, formado por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto,
apresentam-se numa corrente marxista mais heterodoxa, pois aceitam o papel positivo do
Desenvolvimento Capitalista, não sendo necessário o socialismo para alcançar o
Desenvolvimento. Esta corrente defende que Desenvolvimento e Dependência deveriam ser
analisados sob a ótica da estrutura social de cada nação, resultado da integração entre grupos e
classes sociais. Para esses autores, é possível corrigir a rota do desenvolvimento-dependente
através de uma reorientação na esfera política, pois, dessa maneira, a ação de novos agentes
no mercado interno permite impulsionar o processo de desenvolvimento de forma menos
desigual.
Na década de 1990, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)
lança o “Índice de Desenvolvimento Humano” (IDH) para evitar o uso exclusivo da
supremacia econômica como critério de medição do desenvolvimento das nações. Assim, para
oferecer um contraponto ao Produto Interno Bruto (PIB) per capita, foi criado o IDH para
avaliar o progresso das nações em três dimensões básicas do Desenvolvimento Humano:
Renda, Saúde e Educação.
Portanto, sob a ótica do PNUD, Desenvolvimento está relacionado com a
possibilidade de as pessoas viverem uma vida longa e saudável com acesso a educação e um
padrão decente de vida. O Desenvolvimento, inclusive, vai além da esfera econômica,
2
Sobre o assunto consultar Fernandes (1975).
29
incluindo também a ação política como a proteção dos direitos humanos e o aprofundamento
da democracia (PNUD, 2012).
Besserman (2005) fez uma ressalva sobre o IDH, pois, como todo indicador, possui
grandes limitações. Para ele, o IDH não considera muitas variáveis importantes e combina
medidas que podem mudar rápido – como frequência escolar e renda per capita – com
medidas que exigem maior tempo para mudanças – como analfabetismo e esperança de vida.
Segundo esse autor, esta é uma das razões que explicam as duras críticas feitas ao IDH. Veiga
(2008) mostrou que o IDH sinaliza uma perspectiva de algumas dimensões básicas do
Desenvolvimento, porém este indicador deve ser completado por meio da análise de dados de
outros indicadores subjacentes.
Conforme pôde ser visto até aqui, não há um consenso sobre o conceito de
Desenvolvimento, o seu significado ou como esse pode ser medido. A Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (correspondente em inglês a
UNESCO), inclusive, no Relatório da Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e
Sociedade, relatou que esse é um dos fatores do agravamento da situação da vida do planeta.
O próprio Furtado (1974, p. 75-76) faz um alerta sobre isso ao afirmar que:
[...] a ideia de desenvolvimento econômico é um simples mito. Graças a ela tem sido
possível desviar as atenções da tarefa básica de identificação das necessidades
fundamentais da coletividade e das possibilidades que abre ao homem o avanço da
ciência, para concentrá-lo em objetivos abstratos, como são os investimentos, as
exportações e o crescimento.
Veiga (2008, p. 56) afirmou que “ninguém duvida de que o crescimento econômico é
um fator muito importante para o desenvolvimento”. No entanto, o autor chama atenção que,
no Crescimento, a mudança é quantitativa; enquanto, no Desenvolvimento, ela é qualitativa.
Apesar de intimamente ligados, os dois termos não são a mesma coisa, podendo, até se
manifestarem de forma completamente independentes. Observe-se que existem pesquisas que
apontam com significativa força científica para a possibilidade empírica (casos estilizados) de
ambos os fenômenos se apresentarem de forma completamente independentes. Conforme
mostrou Romeiro (1999), as constatações reveladas pela crise dos anos 1980 derrubaram a
ideia de que crescimento econômico era condição necessária e suficiente para o
Desenvolvimento Socioeconômico. O Brasil também se mostrou como um caso
paradigmático no qual o Crescimento Econômico por si só poderia ser terrivelmente
excludente.
Por fim, será apresentada a visão de Desenvolvimento que será utilizada neste
trabalho. A abordagem escolhida é de um dos autores que mais se dedicou ao assunto ao
30
longo das últimas seis décadas, o economista Ignacy Sachs. Na compreensão do supracitado
cientista social, o Crescimento não traz automaticamente o Desenvolvimento tampouco a
felicidade. Ao contrário, a situação mais comum é a do Crescimento pela desigualdade com
efeitos sociais perversos: a acumulação de riqueza nas mãos de uma minoria com a
simultânea produção de pobreza maciça e deterioração das condições de vida. Nos casos
extremos, ter-se-ia a presença de “crescimento com desdesenvolvimento” (SACHS, 2001).
Segundo o referido autor, não se trata de uma oposição entre Crescimento e
Desenvolvimento. Pelo contrário, o Crescimento Econômico continua sendo uma condição
necessária para o Desenvolvimento. No entanto, aquele deve ser repensado para que se
adeque aos objetivos socialmente desejáveis e que minimize os impactos ambientais
negativos. Somente através de taxas mais elevadas de crescimento econômico será possível
acelerar a reabilitação social, pois, numa economia periférica, é mais fácil operar nos
acréscimos do produto nacional do que na distribuição de bens e renda.
2.2 Discussões sobre a temática da Sustentabilidade
Até meados do século XX, os impactos ambientais resultantes da atividade econômica
não pareciam constituir, pelo menos em termos globais, uma ameaça ao bem-estar da
humanidade. A disponibilidade de recursos naturais do planeta não era considerada como um
fator limitante à expansão da economia mundial. Mueller (2007) sinalizou que não era
considerada a hipótese de que o meio ambiente pudesse constranger o funcionamento do
sistema econômico. Pelo contrário, admitia-se que a natureza estaria sempre disponível para
fornecer à humanidade seus recursos naturais gratuitos.
No entanto, a partir do final da década de 1960, surgiam na comunidade internacional,
as discussões sobre a incompatibilidade entre Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente.
As principais críticas dos ambientalistas se concentravam no padrão de Desenvolvimento
Socioeconômico vigente que se baseava na utilização intensiva de recursos naturais e fontes
energéticas não-renováveis. Diversos livros e conferências apontavam para um cenário de
catástrofe no qual a exaustão dos recursos naturais estabeleceria limites à continuidade do
crescimento econômico, levantando a tese do “crescimento zero” (ALMEIDA, 2002;
AMAZONAS, 2001).
Em contrapartida à posição anterior, que ficou conhecida por “neomalthusiana”, um
grupo de países em desenvolvimento reivindica seu “direito ao crescimento” na Conferência
de Estocolmo (1972) promovida pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
31
(correspondente em inglês a UNEP). O debate, então, polarizou-se entre posições de
“crescimento zero” dos ambientalistas e de “direito ao crescimento”, baseadas na visão
neoclássica do mainstream econômico.
Sob uma perspectiva conceitual, o debate ocorreu entra a visão pessimista dos
ambientalistas na qual o Desenvolvimento Econômico e tecnológico implicaria na exaustão
dos recursos naturais, sendo esses limitantes físicos ao Crescimento Econômico e a visão
otimista dos “desenvolvimentistas” na qual o Desenvolvimento Econômico e Tecnológico
traria a superação dos limites impostos pelas restrições ambientais. Portanto, se, para os
ambientalistas, os critérios ambientais de Sustentabilidade deveriam controlar a atividade
econômica; para o mainstream, os danos ambientais deviam ser considerados externalidades,
sendo necessária a valoração destas para internalizá-las nos custos econômicos dos agentes
(AMAZONAS, 2001).
A preocupação com a preservação do meio ambiente combinada com a melhoria das
condições socioeconômicas da população fez surgir o conceito de Ecodesenvolvimento que,
posteriormente, seria substituído pelo de Desenvolvimento Sustentável. A concepção do
conceito
de
Ecodesenvolvimento
parte
da
crítica
à
visão
economicista
e
ao
desenvolvimentismo3, tratando-os como reducionismo econômico e principais causadores dos
problemas sociais e ambientais (MUELLER, 2007).
O termo Ecodesenvolvimento foi formulado por Maurice Strong, secretário-geral da
Conferência de Estocolmo-72, e largamente difundido por Ignacy Sachs a partir de 1974
(MONTIBELLER-FILHO, 2008). Nessa visão, um efetivo Desenvolvimento só era possível
se o Desenvolvimento Econômico ocorresse compativelmente à preservação ambiental. A tese
do Ecodesenvolvimento constitui um marco do avanço da visão ambientalista, pois, a
preocupação ambiental deixa de ser vista como obstáculo e passa a fazer parte do
Desenvolvimento Econômico (AMAZONAS, 2001).
Montibeller-Filho
(2008)
mostrou
que
essa
nova
concepção
significa
o
Desenvolvimento Endógeno, baseado em suas próprias potencialidades, sem criar
dependência externa e tendo por finalidade “responder a problemática da harmonização dos
objetivos sociais e econômicos do desenvolvimento com uma gestão ecologicamente prudente
dos recursos e do meio” (SACHS apud MONTIBELLER-FILHO, 2008, p. 51).
3
O economicismo, sendo uma visão unilateral da realidade, não considera as demais visões da sociedade,
enfocando somente a produção e a produtividade econômica. No plano prático, a visão economicista implica
na concepção de políticas de desenvolvimento embasadas apenas no crescimento da economia – não levando
em conta os aspectos sociais e ambientais – chamada aqui de desenvolvimentismo (MONTIBELLER-FILHO,
2008, p. 49).
32
Essa definição torna clara a preocupação com aspectos sociais e ambientais, no mesmo
nível dos econômicos. Assim, o Desenvolvimento seria voltado para as necessidades sociais
mais presentes referentes à melhoria da qualidade de vida de toda a população com o cuidado
de preservar o meio ambiente e as possibilidades de reprodução da vida com qualidade para as
gerações que sucederão. Na citação de Sachs (apud MONTIBELLER-FILHO, 2008, p. 52):
“trata-se de gerir a natureza de forma a assegurar aos homens de nossa geração e das gerações
futuras a possibilidade de se desenvolver”.
Portanto, o Ecodesenvolvimento é um projeto de civilização na medida em que evoca
um novo estilo de vida com valores próprios, um conjunto de objetivos definidos socialmente
e visão de futuro. A partir dessa configuração geral, Sachs desenvolve o que chama de as
“cinco dimensões de Sustentabilidade do Ecodesenvolvimento”: Sustentabilidade Social,
Econômica, Ecológica, Espacial E Sustentabilidade Cultural (MONTIBELLER-FILHO,
2008).
Posteriormente, como uma derivação do Ecodesenvolvimento, surge o conceito de
Desenvolvimento Sustentável (DS). Utilizado, primeiramente, pela União Internacional pela
Conservação da Natureza (correspondente em inglês a IUCN), o conceito Desenvolvimento
Sustentável e Equitativo foi colocado como um novo paradigma, tendo como princípios:
integrar conservação da natureza e Desenvolvimento; satisfazer as necessidades humanas
fundamentais; perseguir equidade e justiça social; buscar a autodeterminação social e respeitar
a diversidade cultural; manter a integridade ecológica (MONTIBELLER-FILHO, 2008).
Em 1987, a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD)
retomou o conceito de DS no relatório “Nosso Futuro Comum”, dando-lhe a seguinte
definição:
O desenvolvimento sustentável é aquele que atende às necessidades do presente sem
comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas próprias
necessidades. Ele contém dois conceitos-chave: o conceito de “necessidades”,
sobretudo as necessidades essenciais dos pobres do mundo, que devem receber a
máxima prioridade; a noção das limitações que o estágio da tecnologia e da
organização social impõe ao meio ambiente, impedindo-o de atender às necessidades
presentes e futuras (CMMAD, 1991, p. 46).
Portanto, sob essa perspectiva, para que o Desenvolvimento Econômico seja efetivo, é
necessário o equilíbrio sobre o tripé Crescimento Econômico – Ecologia – Equidade Social,
não sendo possível que aquele ocorra somente em um país ou que se desconsidere as fortes
assimetrias internacionais.
No entanto, alguns autores como Haavelmo e Hansen (1991 apud MONTIBELLERFILHO, 2008, p. 57) apontaram contradições na tese do Desenvolvimento Sustentável da
33
maneira como é apresentada no relatório Nosso Futuro Comum. Para esses autores, a proposta
básica de “produzir mais com menos” implicaria em aceitar que o padrão de consumo vigente
no mundo industrializado pode ser mantido, expandido e difundido globalmente; que
prevalece o status do consumidor e que a tecnologia será capaz de produzir cada vez mais
utilizando menos recursos (otimismo tecnológico).
Esse otimismo tecnológico implicaria em assumir que as restrições naturais impostas
pelo meio ambiente poderiam sempre ser superadas pela tecnologia. Sob essa perspectiva, no
limite, o aumento da produtividade proporcionaria a economia absoluta de recursos através da
substituição artificial de recursos naturais e a eliminação de qualquer resíduo oriundo da
produção.
Maimon (1992 apud MONTIBELLER-FILHO, 2008, p. 57) apontou algumas
diferenças entre os conceitos Ecodesenvolvimento e DS. O primeiro foca o atendimento das
necessidades básicas da população através da utilização de tecnologias apropriadas a cada
ambiente e partindo do mais simples ao mais complexo; enquanto que o DS enfatiza a política
ambiental, a responsabilidade com gerações futuras e a responsabilidade comum com os
problemas globais.
Mueller (2007) relatou que a noção de DS estaria muito próxima do critério de
eficiência de Pareto, pois, nesse sentido, é admitido que muitos podem ganhar, porém exige
que ninguém perca – sejam os atuais ricos, os atuais pobres ou as gerações futuras. No
entanto, cabe ressaltar que se trata de uma equação dificilmente solucionada através do
capitalismo liberal adotado atualmente.
De uma maneira geral, pode-se considerar que a ideia de DS está associada à
motivação natural no desejo de perpetuação da humanidade e da vida em geral. Apesar das
diferentes conceituações de Sustentabilidade, Ecodesenvolvimento e DS, há um requisito
ético de perpetuação que unifica essas concepções. Sob essa perspectiva, isso significa uma
utilização ética dos recursos ambientais; uma ética de perpetuação denominada “uso
sustentável” (AMAZONAS, 2002).
Com o avanço e a consolidação da temática ambiental, o DS passa a fazer parte da
agenda de formuladores e gestores de políticas, dos movimentos ambientalistas e dos meios
científicos e acadêmicos. Desse modo, há um consenso sobre a necessidade de intervenção e
direcionamento do processo de Desenvolvimento Econômico de maneira a conciliar eficiência
econômica, desejabilidade social e prudência ecológica. Ocorrem divergências, entretanto,
sobre os mecanismos de intervenção, sobretudo, em relação ao entendimento do inevitável
trade-off entre Crescimento Econômico e meio ambiente. Assim, surgem as duas principais
34
correntes ambientais dentro da Ciência Econômica4: a Economia Ambiental Neoclássica,
representada pelo mainstream econômico, e a Economia Ecológica, formada por
pesquisadores de diversos ramos da ciência.
2.3 A Economia Ambiental Neoclássica: Reminiscências do Passado no Tempo Presente
A
Economia
Neoclássica
fundamenta-se
nos
princípios de
individualismo
metodológico, utilitarismo e equilíbrio, entendendo o Bem-Estar (Welfare Economics) como
finalidade última das relações econômicas. Nessa abordagem, o sistema econômico é
compreendido em função de uma racionalidade de maximização das utilidades individuais
que determinam o uso ótimo ou eficiente dos recursos em equilíbrio. Contudo, a racionalidade
neoclássica não guarda compromisso com a racionalidade associada à ideia de
Sustentabilidade. Enquanto o “uso ótimo” atende a critérios de eficiência, o “uso sustentável”
refere-se a critérios de equidade (AMAZONAS, 2002).
Conforme visto anteriormente, até fins da década de 1960, o mainstream econômico,
de tradição neoclássica, não reconhecia que problemas ambientais pudessem interferir
sistematicamente no funcionamento eficiente de mercado. Mueller (2007) mostrou que essa
postura se justificava enquanto era reduzida a escala da economia, contudo, a partir dessa
década, ficou evidente que externalidades ambientais são parte normal e inevitável dos
processos econômicos.
O conceito de Externalidades foi criado por Pigou, no início do século XX, para
expressar falhas produzidas pelo funcionamento do mercado. Além do conceito, esse autor
propôs um método pelo qual se pudesse corrigir ou compensar essas externalidades. O
conceito de Externalidades é o que fundamenta o pensamento neoclássico nas questões
relacionadas à problemática ambiental (MONTIBELLER-FILHO, 2008).
Como resposta às pressões para incorporar a problemática ambiental em seu esquema
analítico, a Economia Neoclássica elaborou duas diferentes abordagens para tratar dessas
questões: a Economia dos Recursos Naturais e a Economia da Poluição. Enquanto a primeira
analisa o meio ambiente como provedor de recursos, a segunda considera os recursos
ambientais como receptor de rejeitos. Nesse contexto, é possível observar a relação do sistema
econômico com o meio ambiente a partir da Figura 1.
4
Existem ainda outras correntes de pensamento como o Ecomarxismo e a abordagem Institucional apresentada
por Amazonas (2001); contudo, dado o enfoque deste trabalho, serão mostradas aqui somente as teorias
principais sobre o tema.
35
Figura 1 – Extração de recursos e lançamento de dejetos pelo sistema econômico
Fonte: Cavalcanti (2012, p. 41)
2.3.1 A Economia da Poluição: uma nova Roupagem Neoclássica na discussão do Meio
Ambiente e do Desenvolvimento Econômico
A Economia da Poluição surgiu como um desdobramento direto da Teoria Neoclássica
do Bem Estar e dos Bens Públicos, elaborada por Pigou em 1920. O foco dessa teoria é a
distinção entre custos privados e sociais, isto é, no fato de que a atividade econômica privada
pode gerar custos ou benefícios transferidos socialmente a terceiros.
Essa abordagem foca o meio ambiente na sua função de receptor de resíduos dos
processos produtivos, definindo os danos ambientais (poluição) como externalidades
negativas. O caráter de bem público dos bens naturais permite que o agente causador do dano
(o “poluidor”) não internalize em suas obrigações esses custos sociais ambientais. Assim, os
custos sociais marginais diferem dos custos privados marginais, levando a uma distinção entre
a quantidade socialmente ótima e a quantidade privada ótima. Essa situação configura-se
como uma falha de (não falha do) mercado cuja solução, sob a ótica neoclássica, é a criação
de mecanismos institucionais de controle capazes de promover a internalização desses custos
no cálculo econômico dos agentes. Exemplos desses instrumentos de controle são a taxação e
as licenças de poluição (AMAZONAS, 2002; ANDRADE, 2010).
Basicamente, em suas linhas gerais, essa é a formulação padrão da Economia da
Poluição. No entanto, Amazonas (2001) chamou atenção para alguns aspectos dessa visão
geral no que se refere à Sustentabilidade. O primeiro aspecto é o fato de essa teoria associar as
externalidades somente aos casos de poluição, isto é, os recursos ambientais como receptores
de outputs indesejáveis dos processos produtivos. O uso dos recursos ambientais como
matérias-primas (inputs para a produção) também significam custos sociais, dada à
possibilidade de exaustão desses recursos e o decorrente comprometimento da
36
Sustentabilidade. Esse mesmo autor denominou esses custos como “custos sociais de
oportunidade”, pois são custos sociais dispersos intertemporalmente para as gerações futuras.
O segundo aspecto trata-se dessa abordagem ser fundamentalmente estática, não
tratando o problema intertemporalmente. Como a questão da Sustentabilidade é inerentemente
intertemporal, tem-se um problema já na gênese dessa teoria. Em síntese, a questão é que essa
abordagem não foi construída a partir do critério de Sustentabilidade para a determinação do
uso adequado dos recursos ambientais.
O último aspecto é apresentado como a questão mais fundamental: refere-se à
determinação dos valores dos custos e dos benefícios ambientais. A crítica feita é que, nos
modelos neoclássicos, todos os valores econômicos são expressões das preferências dos
indivíduos que não se constituiriam a base adequada para o tratamento da problemática
ambiental e da Sustentabilidade. O referido autor argumentou que:
[..] os indivíduos da geração corrente não possuem conhecimento suficiente e não
necessariamente possuem um comportamento de desejo altruísta suficiente para
manifestar em suas preferências valores que efetivamente correspondem ao
atendimento da Sustentabilidade ambiental e a justiça para com as gerações futuras
(AMAZONAS, 2001, p. 22)
Nesse ponto, deve ser observado que o espaço, ou seja, o meio ambiente, na leitura
neoclássica, é uma “instituição” totalmente passiva, apenas receptáculo de iniciativas
individuais ou coletivas onde deve automaticamente se adaptar5. Sobre esse aspecto Mueller
(2007) reforçou a crítica a essa teoria e afirmou que a Economia Ambiental Neoclássica se
apoia numa “hipótese ambiental tênue”. Essa corrente de pensamento trata o sistema
econômico como um meio externo passivo o qual se pode poluir em maior ou menor grau,
com reações previsíveis e reversíveis. Com isso, chegar-se-ia em um nível ótimo de poluição
que seria ambientalmente sustentável mesmo num horizonte temporal mais extenso. No
entanto, Mueller (2007, p. 326) destacou que:
[...] não parece plausível supor que os indivíduos sabem avaliar fria e
calculadamente as consequências de suas escolhas na determinação de níveis ótimos
de poluição. É difícil imaginar que os agentes econômicos conheçam os intricados
impactos da poluição sobre o meio ambiente, especialmente se considerado um
horizonte temporal mais extenso.
Esse autor também registrou que a Economia Ambiental Neoclássica, em seus estudos
de problemas da poluição, está basicamente voltada aos problemas de economias com
5
Sobre a não estaticidade espacial consulte-se Coraggio (1987).
37
mercados relativamente desenvolvidos. Nessa perspectiva, supõe-se que as atividades
potencialmente poluidoras continuarão a se restringir aos poucos países desenvolvidos, nos
quais esse fenômeno poderia ser mantido constante.
Em face ao exposto, verifique-se que a Economia Ambiental Neoclássica supõe a
manutenção do status quo atual no qual a expansão econômica está restrita aos países
capitalistas avançados e a uns poucos recém-chegados. Somente, nesse contexto, seria
possível sustentar o paradigma da poluição ótima no qual os instrumentos de política
poderiam ser eficientes para se manter a poluição sob controle.
No entanto, como visto anteriormente, um dos requisitos básicos para o DS é a
redução nas disparidades distributivas entre os países do Terceiro e do Primeiro Mundo.
Nesse sentido, houve poucos avanços nas discussões da Economia Ambiental Neoclássica e,
portanto, este referencial teórico mostra-se inadequado aos objetivos propostos neste trabalho.
2.3.2 A Economia dos Recursos Naturais: uma Tentativa de Desvencilhamento dos
Postulados Ortodoxos
A segunda abordagem neoclássica, a Economia dos Recursos Naturais, considera o
meio ambiente sob a ótica de provedor de recursos para os processos produtivos. Nessa
abordagem, busca-se responder algumas questões como: qual o padrão ótimo de uso desses
recursos? Qual o manejo adequado dos recursos renováveis? Qual a taxa ótima de depleção de
um recurso não-renovável? Como manejar adequadamente um recurso renovável que pode ser
exaurido por extração excessiva? Além disso, procura-se verificar se a disponibilidade
limitada de alguns desses recursos tornar-se-á um obstáculo à expansão do sistema
econômico.
Como o estoque de recurso natural pode ser extraído hoje ou preservado para extração
futura, sob a ótica da Economia dos Recursos Naturais, a questão da utilização dos recursos
naturais é um problema de alocação intertemporal de sua extração. Essa alocação poderia ser
obtida através da maximização do valor presente dos ganhos obtidos com a extração do
recurso ao longo do tempo. Assim, ao utilizar os conceitos de Custo de Oportunidade E
Procedimento de Desconto, seria determinado o nível ótimo ou a taxa ótima de extração.
Através desse procedimento, argumenta-se que um recurso exaurível terá sido utilizado ao
longo do tempo da melhor forma socialmente possível, isto é, de forma “socialmente ótima”.
No caso dos recursos renováveis, inclui-se, no modelo, um fator de reposição do recurso seja
esse fator natural ou devido à reciclagem (AMAZONAS, 2002; ANDRADE, 2010).
38
A formulação básica da Economia dos Recursos Naturais provém da proposição de
Hotelling, em seu artigo de 1931 The Economics of Exhaustible Resources, na qual diz que,
em equilíbrio, o valor de uma reserva de determinado recurso deve crescer a uma taxa igual à
taxa de juros. Assim, Solow (1974 apud AMAZONAS, 2001, p. 29) descreveu essa
proposição:
A única maneira pela qual um depósito de recurso deixado no solo pode produzir um
retorno corrente para seu proprietário é por sua apreciação em valor. [...]. Como os
depósitos de recursos naturais possuem a propriedade peculiar de não render
dividendos enquanto estiverem no solo, em equilíbrio o valor do depósito de um
recurso deve estar crescendo a uma taxa igual à taxa de juros. Como o valor de um
depósito é também o valor presente de suas vendas futuras, após a dedução dos
custos de extração os proprietários do recurso devem esperar que o preço líquido do
minério cresça exponencialmente a uma taxa igual à taxa de juros. Se a indústria
mineradora é competitiva, o preço líquido é o preço de mercado menos o custo
marginal de extração. [...]. Se a indústria é mais ou menos monopolista, como é
frequentemente o caso na indústria extrativa, será o lucro marginal - receita marginal
menos custo marginal - que deverá estar crescendo, e esperando crescer,
proporcionalmente à taxa de juros.
Portanto, o aumento progressivo da escassez de um recurso faz aumentar seu preço. Se
se espera que o valor do estoque desse recurso cresça, haverá então uma motivação para que
este não seja extraído agora, mas num momento posterior. Esse custo de oportunidade
intertemporal é chamado de renda de escassez. Matematicamente,
desconto ou taxa de juros,
=
onde r = taxa de
= variação de preço e p = preço (AMAZONAS, 2001).
Um elemento importante presente nessa teoria é o papel da tecnologia em gerar
substitutos aos recursos exauríveis. Sob esse prisma, o recurso deixará de ser extraído quando
a tecnologia de substituição tornar-se viável devido ao aumento do preço do recurso
exaurível. Assim, não há uma preocupação com as diferenças de natureza dos recursos
naturais, pois a relação desses com o capital produzido pelo homem é de substituibilidade;
não, de complementaridade, o que, a rigor, faz com que problemas ligados à exaustão do
capital natural sejam irrelevantes (AMAZONAS, 2001; ANDRADE, 2010).
A teoria básica fundada na regra de Hotelling apresenta limitações referentes à
dimensão do problema do uso dos recursos naturais. Amazonas (2001) destacou duas ordens
de fatores para que essa regra não promova uma utilização sustentável desses recursos:
insuficiência/inexistência de conhecimento e informação acerca do presente e do futuro;
existência de assimetrias privado/social, isto é, externalidades, que constituem “valores
ambientais” não incorporados. Portanto, a Regra de Hotelling contribui para a discussão da
formação de preços de mercado dos recursos naturais, mas não possibilita alcançar o objetivo
da Sustentabilidade e da justiça com as gerações futuras. Por essa razão, não rompe com os
39
postulados mais ortodoxos, mas lhe dão apenas um maior grau de sofisticação na
apresentação do problema: Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico. Note-se que não
atinge a discussão de equidade social. Dessa forma, não coopera para o desenvolvimento da
Teoria do Desenvolvimento Sustentável.
Dadas as limitações da formulação básica de Hotelling para o uso socialmente ótimo
dos recursos naturais, autores neoclássicos propuseram alterações no modelo anteriormente
exposto de maneira a equacionar as assimetrias sociais entre gerações existentes no uso desses
recursos. Os principais mecanismos utilizados foram o ajuste das taxas de desconto e a
inclusão das externalidades.
Segundo Amazonas (2001), a própria Economia Neoclássica reconhece que as taxas
de desconto utilizadas nas decisões privadas correntes não se adequam a uma utilização social
intergeracionalmente justa dos recursos naturais. Contudo, não há consenso entre os teóricos
se poderia haver alguma taxa de desconto social ou se o desconto simplesmente não se aplica
às decisões sociais. O referido autor afirmou que a assimetria entre custos privados e custos
sociais pode se entendida como um caso de externalidade negativa. Nas palavras do autor:
Quanto maior a taxa de desconto, é porque maior é o custo em não realizar o
consumo de dado capital no presente e deixá-lo para o futuro, Bem, se há indicação
de que as taxas de desconto sociais são menores que as taxas de desconto privadas, e
se o que se utiliza são estas últimas, isto significa que, do ponto de vista social, os
custos de não se realizar o consumo dos recursos no presente e deixá-los para um
consumo futuro estão sendo sobrestimados. Isso significa portanto que, ao se
realizar o desconto para cobrir esses custos, efetivamente se esta transferindo custos
sociais para o futuro, ou seja, estão sendo geradas externalidades para as gerações
futuras (AMAZONAS, 2001, p. 35, grifo do autor).
Assim, a inclusão das externalidades ou “valores ambientais” pode ser vista como a
mais importante modificação do modelo intertemporal básico, visando o uso socialmente
adequado dos recursos. Amazonas (2001) citou que isso representa uma convergência entre a
Economia dos Recursos Naturais e a Economia da Poluição em função do problema da
Sustentabilidade.
A valoração ambiental neoclássica baseia-se na expressão em termos monetários de
um dano (ou benefício) ambiental em termos da utilidade, bem-estar ou preferências
individuais a esse associado. Como não há preços de mercado para a maioria dos bens
ambientais, essa valoração baseia-se no conceito de “Disposição-a-Pagar” (Willingness-ToPay – WTP). Para os bens ambientais, a WTP corresponde ao valor monetário que o
indivíduo estaria disposto a pagar para garantir um benefício ou para prevenir um dano
ambiental.
40
Nesse contexto, Pearce e Turner (1990, p. 129-137 apud AMAZONAS, 2001, p. 23)
apresentaram o importante conceito de Valor Econômico Total (VET). Para esses autores, o
VET de um bem ou serviço ambiental deve incorporar o valor de uso atual; o valor de uso
futuro (valor de opção) e o valor de existência. Esse último é um valor intrínseco presente na
natureza, não sendo associado a nenhum uso atual ou futuro e representa a utilidade obtida
pelo indivíduo advinda apenas do desejo que certo recurso ambiental exista.
Como o VET não pode ser mensurado a partir das relações de mercado, a Economia
Neoclássica desenvolveu várias técnicas na tentativa de se encontrar valores apropriados aos
bens e serviços ambientais, objetivando subsidiar a adoção de medidas e formulação de
políticas. Não obstante, na maior parte das vezes, não é possível estimar separadamente as
parcelas correspondentes a valor de uso, valor de opção e valor de existência. Isso devido à
dificuldade em operacionalizar os conceitos de modo a identificá-los em separado
(MARQUES & COMUNE, 2001).
Amazonas (2001) criticou o modelo intertemporal com a inclusão dos valores
ambientais, argumentando que, a rigor, não faz sentido falar-se em Sustentabilidade nesse
modelo. Nada garante que o “ótimo social”, resultante da maximização das utilidades dos
agentes da geração corrente, implique em que as utilidades das gerações futuras serão
mantidas sustentavelmente. Fica claro que os preceitos básicos neoclássicos de
individualismo e utilitarismo são insuficientes para determinar uma utilização sustentável dos
recursos ambientais. Dessa forma, a questão da Sustentabilidade deve ser vista por outros
critérios, externos aos procedimentos de otimização.
2.3.3 Critérios Neoclássicos de Sustentabilidade
Não obstante a inclusão de externalidades determinadas pelas preferências individuais,
os procedimentos de otimização intertemporal não bastam para estabelecer um uso sustentável
dos recursos naturais. Logo, a Economia Neoclássica adotou critérios adicionais (exógenos)
para estabelecer algum tipo de constância intergerações. Esses critérios, conhecidos como
critérios de Sustentabilidade, apresentam-se como restrições nos procedimentos de otimização
intertemporal.
Antes disso, é necessária a distinção das diferentes categorias que compõem o capital
total. O capital produzido (Kp) é o capital físico gerado e acumulado pelo sistema econômico;
compreende as máquinas e os equipamentos que uma sociedade dispõe em determinado
momento do tempo. O capital humano (Kh) envolve a capacitação e as habilidades da força
41
de trabalho da sociedade em dado momento do tempo. O capital social (Ks) inclui a base
institucional da sociedade em dado momento do tempo. O capital natural (Kn) inclui tanto os
estoques de energia de baixa entropia e de materiais que a natureza coloca a disposição da
humanidade quanto os estados biofísicos existentes no meio ambiente em determinado
momento do tempo (MUELLER, 2007).
Existem diferentes hipóteses sobre o grau de substituibilidade entre os diferentes tipos
de capital, sendo essas hipóteses que determinam os critérios de Sustentabilidade conhecidos
como Sustentabilidade Fraca (Sfra) e Sustentabilidade Forte (Sfor). As divergências entre
esses dois critérios referem-se, em especial, à importância dada ao capital natural para o
Desenvolvimento Sustentável.
A visão da Sustentabilidade Fraca supõe que o capital total e o produto podem crescer
de forma quase ilimitada através da substituibilidade entre Kp e Kn. Se o capital natural
tornar-se escasso ao longo do processo de expansão econômica, o preço relativo dos seus
serviços aumentará, ocorrendo sua substituição pelo capital produzido. Para que ocorra essa
substituição entre os capitais, é necessário que os mercados funcionem bem e sinalizem a
necessidade da substituição. Além disso, o progresso técnico exerce papel importante nessa
substituição (MUELLER, 2007).
O adjetivo fraca que acompanha esse critério de Sustentabilidade refere-se à admissão
que o estoque de Kn pode ser declinante ou mesmo exaurido desde que este declínio seja
contrabalanceado pelo acréscimo do estoque de Kp. Logo, o elemento a ser sustentado e que
deverá ser transmitido às gerações futuras é a capacidade de produzir da economia e não
qualquer componente específico do capital. Portanto, nessa visão, “uma economia sustentável
é uma economia que cresce economicamente” (AMAZONAS, 2001, p. 45, grifo do autor).
O critério de Sustentabilidade Forte apresenta-se nos trabalhos dos autores da chamada
Escola de Londres (London School) como Pearce, Barbier e Markandya (AMAZONAS,
2001). Essa visão centra-se na ideia de que a substituibilidade entre Kp e Kn é limitada e que
o estoque de recursos naturais que deve ser constante no tempo. Para Pearce e Turner,
Sustentabilidade refere-se a “como deveríamos tratar os ambientes naturais de modo a que
eles possam realizar seu papel em sustentar a economia como fonte de um padrão de vida
aprimorado” (1990, p.43 apud AMAZONAS, 2001, p. 46, grifos no original).
Assim, para que se possa manter constante o Kn, os autores propõem duas regras: a
taxa de extração dos recursos renováveis deve ser menor que sua taxa de regeneração; a
produção de resíduos deve se manter abaixo da capacidade de assimilação do ambiente. Essas
regras servem como critério geral, mas não se aplicam aos recursos exauríveis; nesse caso, as
42
duas regras sofrem as seguintes alterações: a redução dos estoques de recursos exauríveis
deve ser compensada por um aumento de recursos renováveis; um mesmo padrão de vida
deve ser assegurado mesmo com a redução dos estoques de exauríveis pelo aumento da
eficiência no uso destes (AMAZONAS, 2001).
Com efeito, os recursos exauríveis não podem ter seus estoques mantidos se são
utilizados. No entanto, a Sustentabilidade Forte pode assumir a possibilidade de substituição
interiormente ao Kn, dentre recursos exauríveis e renováveis. Nesse aspecto, a manutenção do
capital natural supõe a perfeita substituição entre Kn exaurível e Kn renovável. Barbier e
Markandya (1990 apud AMAZONAS, 2001) propuseram um modelo de otimização
intertemporal no qual “os recursos exauríveis são extraídos à taxa em que os renováveis
podem substituí-los (o que no longo prazo implica uma taxa de exaustão zero do recurso
‘composto’)” (Idem, p. 48, grifos do autor).
Por fim, Amazonas (2001) expôs sua crítica à incompatibilidade dos critérios de
Sustentabilidade Forte com a otimização neoclássica. A ideia de se manter Kn constante leva
a uma incompatibilização entre estoque “ótimo” e estoque “sustentável”. No caso dos
recursos renováveis, é possível manter o Kn constante através de uma taxa de extração ótima
que maximizará a utilidade desses bens ambientais. Entretanto, para os recursos exauríveis,
Kn constante implica que o estoque a ser mantido é o existente, não havendo espaço para a
determinação de algum estoque ótimo baseado nas preferencias individuais.
2.4 A Economia Ecológica: antítese aos Postulados Ortodoxos no tratamento do binômio
Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico
A Economia Ecológica (EE) é uma corrente de pensamento contemporânea
estruturada formalmente, em 1989, com a fundação da International Society for Ecological
Economics (ISEE) e o periódico Ecological Economics (ANDRADE, 2010). No entanto, suas
ideias fundamentais se originam nos trabalhos de Kenneth Boulding, Herman Daly e
Georgescu-Roegen ainda nas décadas de 1960 e 1970 (AMAZONAS, 2009).
Uma das principais características da EE é o seu caráter transdisciplinar, analisando de
forma integrada os sistemas econômico e ecológico. Por ser a Economia um processo físico,
os autores dessa corrente fundamentam-se nas duas primeiras leis da Termodinâmica – Lei de
Conservação e Lei de Entropia – e nos fluxos materiais e energéticos (throughput) para a
análise de suas implicações e consequências na dinâmica do sistema econômico. Essas Leis
43
implicariam na escassez, considerada o principal problema da Economia, logo recursos
escassos, matéria e energia deveriam ser alvos das análises econômicas.
Sob essa ótica, a Economia é percebida como um subsistema de um ecossistema maior
– finito e materialmente fechado, mas aberto ao fluxo de energia solar – que impõe limites à
expansão da Economia. Entretanto, se, por definição, um subsistema não pode ser maior que o
sistema que o contém, seu tamanho em relação ao todo não tem por limite máximo o sistema,
mas sua capacidade de carga (carrying capacity) dada por limiares de resiliência
ecossistêmica6. Fica evidenciada aqui a Primeira Lei da Termodinâmica (Conservação) que
estabelece as quantidades de matéria e energia do Universo como constantes, não podendo ser
criadas ou destruídas. Logo, a base material sobre a qual a Economia se reproduz é finita, não
sendo possível a sua expansão contínua (ANDRADE, 2010; ROMEIRO, 2012).
O ponto de partida para essa discussão é o trabalho de Boulding (1966 apud
AMAZONAS, 2009) no qual ele destaca a moderna economia caracterizada cada vez mais
pela redução das fronteiras abertas dos recursos materiais (“Economia Cowboy”) e
aproximando-se de uma situação de um sistema fechado e circular em termos materiais
“Economia Espaçonave”. Romeiro reproduziu a analogia feita por Boulding da “Economia
Cowboy” e da “Economia Espaçonave”:
Na primeira, o subsistema econômico – o cowboy nas grandes planícies – não tem
massa crítica o suficiente para provocar algum impacto ecossistêmico irreversível
importante; na segunda, o tamanho do subsistema econômico – a tripulação da
espaçonave – é suficientemente grande para colocar em risco a sua própria
sobrevivência se os recursos disponíveis não forem manejados cuidadosamente
(2012, p. 78, grifo no original).
Herman Daly (1996 apud ROMEIRO, 2012), principal seguidor de Boulding (1966
apud ROMEIRO, 2012), propôs uma Economia em estado estacionário (steady-state
economy), caracterizada não pela estagnação, mas por um processo de desenvolvimento
marcado pela redução progressiva do crescimento material mediante um avanço tecnológico
que traria uma geração de serviços econômicos cada vez maior com uma utilização de
recursos naturais exauríveis cada vez menor. Os resíduos totais gerados pela exploração dos
recursos naturais, num dado período de tempo, não poderiam ultrapassar a capacidade de
carga da Terra, sendo o crescimento zero a única maneira de impedir que isso aconteça. Para
Daly (1996 apud ROMEIRO, 2012), a humanidade caminha para uma situação em que o
problema central do Desenvolvimento será o abandono do Crescimento Econômico em troca
6
Em Ecologia, resiliência é a capacidade de recuperação de um sistema após o sofrimento de um distúrbio.
44
do Desenvolvimento da Qualidade de Vida, o que implica, mais uma vez, na possibilidade de
abandonar o associativismo automático aos fenômenos de Crescimento e Desenvolvimento
Econômico (AMAZONAS, 2009).
Assim, nessa perspectiva, não há como substituir serviços ecossistêmicos essenciais
por capital, pois os recursos naturais são complementares ao capital e/ou trabalho. O
progresso técnico é visto como essencial para aumentar a eficiência na utilização dos recursos
naturais, elevando radicalmente a produtividade no uso desses recursos e reduzindo
significativamente a geração de resíduos.
O clássico trabalho de Georgescu-Roegen (1971 apud ANDRADE, 2010) inspira-se
na Segunda Lei da Termodinâmica (Entropia) para chamar atenção que todo o processo
produtivo é a transformação de energia e matérias de baixa entropia para alta entropia, isto é,
a energia dissipada não é mais disponível para a realização de trabalho útil. Esse autor
sinalizou que o sistema econômico sofre necessariamente um processo de aumento de
entropia, pois o uso de energia de baixa entropia fornecida pelo Sol deve ser acrescido do
emprego do capital energético da Terra (energia na forma de combustível fóssil acumulada na
crosta terrestre). Desse modo, a natureza entrópica dos fenômenos evidenciaria a
inevitabilidade da escassez dos recursos, em especial numa perspectiva de longo a
longuíssimo prazo (NASCIMENTO, 2012).
Na figura 2, é possível observar a relação do sistema econômico com o ecossistema
global, extraindo baixa entropia, usando-a e devolvendo alta entropia.
Figura 2 – Fluxos de matéria e energia pelo sistema econômico
Fonte: Ayres & Nair (1984 apud FUKS, 2012, p. 106).
45
A Economia Ecológica não se opõe ao uso de recursos do capital energético à
disposição da humanidade, a crítica é feita ao uso irresponsável desses recursos e a
desconsideração dos limites da base física que sustenta o sistema econômico. Godard (1992
apud ROMEIRO, 2012, p. 80-81) observou que o ponto de equilíbrio neoclássico, dado pela
“poluição ótima”, não é um ponto de equilíbrio ecológico, pois a capacidade de assimilação
do meio é ultrapassada (em virtude da permanência da poluição). Assim, poderia haver uma
“destruição líquida”, não considerada pelos agentes, porque aquela não afeta o bem-estar no
curto prazo.
No mecanismo de ajuste da Economia Ambiental Neoclássica, a tecnologia e as
preferências são tomadas como parâmetros não físicos que determinam uma posição de
equilíbrio onde se ajustam as variáveis físicas das quantidades de bens e serviços ambientais
usados (a escala). A EE propõe uma alteração nesse processo de maneira que as variáveis de
ajuste (quantidade de bens e serviços ecossistêmicos a serem utilizados) tornem-se parâmetros
físicos de Sustentabilidade Ecológica que determinam variáveis não físicas como a tecnologia
e as preferências. Portanto, dada à tecnologia, as preferências dos agentes passam a ser
limitadas pela escala (ROMEIRO, 2012).
Segundo Daly (1993 apud ANDRADE, 2010, p. 17), uma escala ecologicamente
sustentável é aquela em que o fluxo de throughput está dentro da carrying capacity e a escala
ótima é aquela que maximiza a diferença entre wealt (os estoques de benefícios) e illth
(malefícios) acumulados através do crescimento ou iguala os benefícios marginais e os
malefícios marginais do crescimento econômico. No entanto, a determinação de uma escala
considerada sustentável só pode ser realizada através de processos coletivos de tomada de
decisão, tendo em perspectiva a aplicação do Princípio da Precaução7.
Constanza et al. (1997, p.79 apud FUKS, 2012, p. 110-111) fez um resumo dos quatro
pontos de consenso da Economia Ecológica. A saber:
a) o planeta é um sistema termodinamicamente fechado, que não cresce do ponto de
vista da matéria. O sistema econômico é um subsistema do ecossistema global,
portanto há um limite na magnitude de transumo que podemos obter e lançar no
meio ambiente;
7
O Princípio da Precaução é a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do
conhecimento, não podem ser ainda identificados. Este Princípio afirma que, na ausência da certeza científica
formal, a existência de um risco de um dano sério ou irreversível requer a implementação de medidas que
possam prever este dano (GOLDIM, 2002).
46
b) respeitar os limites citados na alínea anterior, há perspectiva de um futuro
sustentável para o planeta, com alta qualidade de vida para todos, tanto seres
humanos como de outras espécies;
c) na análise de sistemas complexos como a Terra, em qualquer escala no tempo e
no espaço, a incerteza é grande e irreduzível, sendo certos processos irreversíveis.
Consequentemente, é necessário adotar uma postura de precaução;
d) as instituições e o gerenciamento devem ser proativos, resultando em políticas
adaptativas e de implementação simples, baseadas numa sofisticada compreensão
dos sistemas aos quais se referem e reconhecendo plenamente as incertezas
subjacentes.
Em relação à Sustentabilidade, essa é o componente central da preocupação e da
motivação da Economia Ecológica. Com efeito, alguns autores a denominam como Economia
da Sustentabilidade ou Economia da Sobrevivência em virtude do seu foco na preservação das
oportunidades das gerações futuras (MUELLER, 2007). Enquanto a Economia Ambiental
Neoclássica tenta incorporar o conceito de DS em sua estrutura analítica, a EE evolui a partir
da própria concepção de Desenvolvimento Sustentável e Sustentabilidade EconômicoAmbiental.
No entanto, as avaliações da EE sobre o futuro da humanidade tendem a ser
pessimistas. Essa corrente acredita que os estilos de desenvolvimento ora prevalecentes
podem vir a sacrificar de várias maneiras a capacidade das gerações futuras de atender às suas
necessidades. Assim, o funcionamento atual da economia global não seria sustentável e a
adoção de trajetória sustentável exigiria mudanças profundas nos estilos de Desenvolvimento.
Diante do exposto, pode-se concluir que o DS trata-se de um processo de melhoria do
bem-estar humano baseado numa produção material que garante o conforto da sociedade e
que seja compatível com os limites termodinâmicos do planeta. Nessa perspectiva, como
mostrou Romeiro (2012), é necessário alcançar um Estado Estacionário no qual o crescimento
do consumo de bens materiais como fator de emulação social é substituído pelo crescimento
cultural, psicológico e espiritual. Essa é a visão da Economia Ecológica sobre o
desenvolvimento. Um processo de desenvolvimento como liberdade, tal como definido por
Sen (1999 apud ROMEIRO, 2012), que envolve melhorias permanentes das condições
necessárias para a realização plena da capacidade que as pessoas têm de florescer.
47
2.5 Desenvolvimento Sustentável: algumas considerações complementares sobre a
temática
Foi visto até aqui que não há consenso entre as diferentes correntes de pensamento
sobre os conceitos de Desenvolvimento, Sustentabilidade e Desenvolvimento Sustentável. Em
relação ao futuro da sociedade e à exploração dos recursos naturais, as posições vão desde o
“otimismo tecnológico” dos neoclássicos ao “pessimismo cético” dos ecológicos.
Este trabalho, contudo, fundamentar-se-á na abordagem proposta por Ignacy Sachs,
mais coerente com o tema proposto. Sobre esse autor, Veiga (2008, p. 171) afirmou ser “[...]
quem melhor soube evitar simultaneamente o ambientalismo pueril que pouco se preocupa
com pobrezas e desigualdades e o desenvolvimento anacrônico que pouco se preocupa com as
gerações futuras”. Sachs (2004 apud VEIGA, 2008, p.172) propôs a busca de soluções
triplamente vencedoras, em termos sociais, econômicos e ecológicos, eliminando o
crescimento selvagem obtido ao custo de elevadas externalidades negativas tanto sociais
quanto ambientais.
Alguns autores como Romeiro (2012) apontaram soluções de como alcançar o
crescimento sem gerar uma crise socioeconômica. Deveria ser adotada uma “macroeconomia
ambiental” que enfrentasse o problema do emprego, da desigualdade e do estímulo às
inovações tecnológicas. Algumas medidas propostas, já adotadas para as economias
canadense e britânica, são as variações nas proporções entre investimento e consumo; as
mudanças na natureza e nas condições do investimento; o maior investimento público; as
maiores restrições ambientais; o aumento do emprego mediante a redução da jornada de
trabalho; a reforma tributária neutra que penaliza o uso intensivo de recursos naturais.
Nesse sentido, uma das maneiras de minimizar os impactos ambientais sobre as
gerações futuras é a utilização de fontes de energia renováveis. O Relatório “O futuro que
queremos”, publicado pela Conferência Rio+20, propôs a iniciativa “Energia Sustentável Para
Todos” com a meta de oferecer acesso universal a um nível mínimo de serviços de energia
moderna. Outra proposta, feita nessa conferência, foi dobrar a participação da energia
renovável na matriz energética global até 2030 através da promoção do desenvolvimento e do
uso de fontes e tecnologias de energia renovável em todos os países (ONU, 2012).
A preocupação com a utilização de fontes de energia renovável não se dá pela escassez
das fontes fósseis num horizonte de médio/longo prazo, mas sim pela insustentabilidade dos
níveis de poluição gerados a partir dessas fontes. SACHS (2007) propôs que seja feita com
máxima urgência uma política voluntarista e rigorosa de redução do consumo das energias
48
fósseis para evitar mudanças climáticas deletérias e irreversíveis, causadas pela emissão
excessiva de gases de efeito estufa. A Conferência Rio+20 reforçou a ideia de que cada país
deve se esforçar para obter um desenvolvimento com baixo consumo de carbono.
Sobre a escassez das fontes de energia fóssil, Sachs (2007, p.22) afirmou que:
[...] nenhuma das transições energéticas do passado se fez por causa do esgotamento
físico de uma fonte de energia. A história da humanidade pode ser sintetizada como
a história da produção e alocação do excedente econômico, ritmada por revoluções
energéticas sucessivas. Todas elas ocorreram graças à identificação de uma nova
fonte de energia com qualidades superiores e custos inferiores. Assim aconteceu
com a passagem da energia de biomassa ao carvão e deste ao petróleo e gás natural.
Uma ressalva a ser feita sobre a contribuição das fontes de energia renovável é que só
se chegará a um desenvolvimento realmente sustentável se o número de pessoas com acesso à
energia elétrica for realmente ampliado de maneira a reduzir as desigualdades sociais
existentes no país. Não se pode permitir que a utilização das energias renováveis sirva apenas
como “eco-marketing”, sendo direcionada somente para ampliar o consumismo desenfreado
de uma restrita elite nacional que vislumbra o modelo norte-americano de desenvolvimento
como o ideal.
Vale destacar também a importância das fontes renováveis para ampliação da oferta de
energia destinada à indústria. Nesse sentido, o país poderá criar uma cadeia de “empregos
verdes”, atraindo para o país novas indústrias que procuram o rótulo de “ecologicamente
sustentável” e oferecendo novas oportunidades para a sua população, de maneira a melhorar a
qualidade de vida dos residentes e talvez reduzir a dependência dos países ricos.
49
3 ENERGIA, DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
3.1 Energia e Desenvolvimento
A energia constitui um dos itens básicos de infraestrutura necessária para o
desenvolvimento humano, além de água, saneamento, transportes e telecomunicações. Do
ponto de vista econômico, a energia é essencial para a organização econômica e social de
todos os países, definindo estratégias empresariais e políticas governamentais. Conforme
salientaram Tolmasquim; Guerreiro; Gorini (2007, p. 68): “a disponibilidade de energia nas
condições de quantidade e qualidade adequadas, a custos competitivos, tem-se constituído em
um dos mais importantes pré-requisitos para o desenvolvimento econômico das nações”.
Apesar de uma aparente relação direta e indissolúvel entre Crescimento Econômico e
consumo de energia, é possível desacoplar esses dois fenômenos. Com os dois choques do
petróleo manifestados na década de 1970, os países desenvolvidos montaram, forçadamente,
estratégias que permitiram elevar suas taxas de crescimento sem grandes incrementos no
consumo de energia. Desse modo, esses países reduziram parte de seu consumo de
combustíveis fósseis através dos efeitos de saturação no consumo de certos bens.
A intensidade energética de um determinado país é a medida da sua eficiência
energética e é obtida pela razão entre o seu consumo de energia e o seu produto econômico.
Em geral, pode-se afirmar que a eficiência energética aumenta quando é possível produzir um
bem (ou realizar um serviço) com uma quantidade de energia inferior a que era consumida
anteriormente. Igualmente, a eficiência no uso da energia aumenta quando é possível se obter
o mesmo nível de bem-estar, utilizando menor quantidade de energia. Para obter esses
resultados, faz-se necessária a adoção de algumas medidas como a melhoria das técnicas
produtivas, a alteração das estruturas setoriais da economia ou as mudanças comportamentais
da sociedade.
A evolução histórica da intensidade energética dos países industrializados mostrou um
aumento da intensidade energética à medida que a infraestrutura e a indústria pesada se
desenvolviam até o alcance de um pico, seguido por um declínio progressivo. Para os países
retardatários no processo de industrialização, como o Japão, a intensidade energética seguiu a
mesma tendência. No entanto, o pico de intensidade energética, apresentado por esses países,
foi menor que seus predecessores, indicando a adoção de processos industriais e tecnologias
inovadoras, energeticamente mais eficientes (GOLDEMBERG & LUCON, 2008).
50
No caso dos países em desenvolvimento, esses possuem intensidades energéticas mais
altas, culminando no caso dos países que exportam energia indireta (embutida em seus
produtos). Goldemberg e Lucon (2008) mostraram que, na medida em que um país se
desenvolve, sua intensidade energética cresce devido ao maior consumo e a maior presença de
indústria de bens primários para exportação como os minérios e os metais. Após essa fase,
predominam as indústrias de bens de capital, como as de máquinas e equipamentos e a
petroquímica. Por último, chegam as indústrias mais especializadas como as de softwares, a
petroquímica fina e o setor de serviços que consomem menos energia e geram um maior
produto econômico.
Contudo, Pinto JR et tal (2007) afirmaram que somente esse deslocamento industrial
não é suficiente para explicar a redução das intensidades energéticas nos países
industrializados após os choques do petróleo. O fator preponderante para essa mudança esteve
relacionado diretamente às inovações tecnológicas, que permitiram um grande aumento na
eficácia da utilização dos recursos energéticos. Esse aumento da eficácia refletiu na redução
do conteúdo energético dos produtos semi-industrializados, tais como: aço, cimento, soda
cáustica, amoníaco, polietileno, entre outros.
Até o final da década de 1980, o modelo de planejamento energético mundial adotava
estratégias orientadas pela oferta. Os recursos energéticos, até então abundantes, estavam à
disposição para satisfazer o conforto e o luxo das elites dos países desenvolvidos e em
desenvolvimento em detrimento das necessidades dos mais pobres. Desse modo, foram
implantados grandes projetos de desenvolvimento fortemente intensivos em capital e
ambientalmente indesejáveis.
Reis; Fadigas; Carvalho (2005) citaram o exemplo do setor elétrico brasileiro que fez
enormes investimentos em grandes obras de geração de energia a partir de usinas elétricas no
início da década de 1980 e deixou o país com sobra de energia elétrica por alguns anos. Para
cobrir os investimentos feitos pelas empresas estatais de energia, várias políticas de incentivos
tarifários foram implantadas para estimular as indústrias a investirem em eletrotermia8. Desse
modo, a crença de que a energia elétrica era ilimitada, aliada as baixas tarifas praticadas,
conduziram o país a grandes níveis de desperdício que culminou com o apagão energético em
2001.
Apesar da sobra de energia verificada no Brasil em períodos anteriores, um enorme
contingente de pessoas continuou sem acesso a esse precioso bem. Reis; Fadigas; Carvalho
8
Produção de calor através da eletricidade.
51
(2005) mostraram que, em pleno século XXI, aproximadamente 12% da população brasileira
ainda não possui eletricidade em casa e está privada de serviços essenciais ao bem-estar
social. Em nível global, estima-se que 30% da população não tenha acesso à eletricidade.
Ao analisar a história da relação entre energia e desenvolvimento, Reis; Fadigas;
Carvalho (2005) verificaram o crescimento autônomo de alguns setores e países em
detrimento de outros que resultou em disparidades sociais entre países e também internas a
um único país. Segundo os supracitados autores, esses problemas resultaram em elevados
níveis de dependência, desarticulação entre setores energéticos, políticas centralizadoras
baseadas unicamente na oferta de energia, inadequação às necessidades fundamentais e danos
causados ao meio ambiente.
Sobre os níveis de dependência entre países, esses derivam da não disponibilidade de
um recurso energético por parte de um país ou falta de domínio tecnológico e condições
financeiras para explorar um recurso existente. Desse modo, esse país é submetido a utilizar a
energia de maneira ineficiente e a distribuir de forma desigual esse precioso insumo.
Igualmente, o domínio dos sistemas energéticos por empresas multinacionais – em especial a
infraestrutura do petróleo – aliado aos preços exorbitantes atrelados à variação cambial levam
uma considerável parcela da população à exclusão social, pois esta não possui renda
suficiente para adquirir os serviços de eletricidade bem como os diversos bens de consumo
disponíveis no mercado.
3.2 Energia e Meio Ambiente
Desde a Revolução Industrial, no final do século XVIII, os países vêm apresentando
taxas cada vez maiores de crescimento populacional, urbanização e renda per capita. À
medida que as sociedades vão se modernizando, surgem novas e crescentes demandas por
serviços de energia, seja pelo aumento das necessidades de transporte ou pela maior demanda
de serviços industriais e comerciais.
Historicamente, o consumo de energia tem sido a principal origem de grande parte dos
impactos ambientais, seja em escala micro, como as doenças respiratórias causadas pelo uso
primitivo de lenha, ou em nível macro, como as emissões de gases de efeito estufa que
intensificam as mudanças climáticas, afetando diretamente a qualidade de vida da população.
Entre os problemas ambientais causados pela energia (diretamente ou indiretamente), têm-se a
poluição do ar, a chuva ácida, o aquecimento global, a perda de biodiversidade, a
52
desertificação, etc., que se registre de passagem, são causadores de fortes impactos negativos
na reprodução física de vastas populações, sobretudo em territorialidades subdesenvolvidas.
Um dos principais problemas ambientais do século XXI refere-se às mudanças
climáticas em nível global. Sobre esse aspecto, tem sido atribuído ao fenômeno efeito estufa a
principal causa dessas mudanças. Apesar de o efeito estufa ser um fenômeno natural e
imprescindível à vida na Terra, sua intensificação acarreta em problemas ambientais graves já
percebidos atualmente, tais como derretimento de geleiras, elevação do nível dos oceanos,
alteração no suprimento de água doce, maior número de ciclones, tempestades de chuva e
neve fortes (mais frequentes) e forte e rápido ressecamento do solo. Sobre esse fenômeno, o
esquema da Figura 3 ilustra:
Figura 3 – O efeito estufa
Fonte: http://www.rudzerhost.com/ambiente/estufa.htm. Acesso em: 12 set. 2012.
O efeito estufa resulta da concentração dos chamados gases de efeito estufa (GEE) na
atmosfera como o dióxido de carbono (CO2), o ozônio (O3), o metano (CH4) e o óxido nitroso
(N2O). Desses gases, o CO2 tem recebido atenção prioritária pela comunidade internacional,
pois o volume de suas emissões para a atmosfera representa aproximadamente 55% do total
das emissões de GEE e o tempo de sua permanência na atmosfera é de pelo menos 10 décadas
(BRASIL, 1999b).
53
Apesar de o dióxido de carbono ser o principal GEE, o metano também contribui
significativamente para o aquecimento global, pois, o seu potencial de efeito estufa
(correspondente em inglês a GWP) é 21 vezes maior que o do CO2. Dados do Painel
Intergovernamental para Mudanças Climáticas (correspondente em inglês a IPCC) mostraram
que a concentração de CO2 aumentou de 280 partes por milhão (ppm) na época pré-industrial
para 383 ppm em 2005, enquanto que a concentração média de CH4 saltou de 715 partes por
bilhão (ppb) para 1.774 ppb naquele ano. As principais fontes de emissão de CO2 são a
queima de combustíveis fósseis e o desmatamento de florestas nativas enquanto que as
emissões de CH4 ocorrem pela queima incompleta de combustíveis (IPCC, 2007 apud
Goldemberg e Lucon, 2008)
A produção de eletricidade é considerada uma das principais fontes de poluição
mundiais, principalmente devido à predominância dos combustíveis fósseis como fonte de
geração. Dados de IEA (2011a; 2011b) mostraram que, em 2009, a produção de eletricidade
foi responsável por 17,3% do consumo de energia primária mundial9 enquanto que as
emissões de CO2 desse setor foram equivalentes a 41% do total.
Além dos poluentes emitidos, devem-se considerar também os efluentes líquidos e os
resíduos sólidos oriundos das usinas de geração de eletricidade. Desses, os mais importantes
são os resíduos ácidos de minas de carvão, os vazamentos de petróleo e os rejeitos radiativos.
Os resíduos de biomassa também poderiam se constituir em problema; no entanto, têm-se
reaproveitado esses resíduos para geração de energia (Ex: bagaço da cana-de-açúcar).
Goldemberg e Lucon (2008) também sinalizaram outros problemas relacionados com
a geração de eletricidade através de usinas termelétricas. Essas usinas impactam os cursos
d’água devido ao uso consuntivo10 para resfriamento das turbinas e também à poluição
térmica gerada pelos efluentes devolvidos ao corpo d’água com temperaturas elevadas que
afetam diretamente diversas espécies de peixes.
Atualmente, as principais fontes de energia ainda são de origem fóssil, não-renováveis
e poluentes como petróleo, carvão, gás natural etc. Dados de IEA (2011b) mostraram que do
total de energia primária produzida no mundo, em 2009, quase 81% era de origem fóssil. Não
é possível a manutenção desse modelo energético por diversas razões, entre elas; destacam-se
os limites nas reservas disponíveis de fontes não renováveis, os impactos ambientais, em
9
As fontes de energia primária são aquelas obtidas diretamente da natureza ou a partir de subprodutos, de
resíduos naturais ou de processos industriais, tais como: petróleo, gás natural, carvão mineral, biomassa, eólica,
etc.
10
O uso consuntivo da água ocorre quando parte da água retirada é consumida durante seu uso. Neste caso, não
há reposição ao corpo d’água devido às perdas por evaporação.
54
especial, as mudanças climáticas, os conflitos regionais resultantes da disputa pelo controle de
reservas de petróleo e o endividamento de países periféricos que necessitam importar
derivados de petróleo.
3.3 O Protocolo de Quioto e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo: a Agenda
Internacional
Diante das evidências científicas sobre o vínculo do efeito estufa com as mudanças
climáticas, a Organização Meteorológica Mundial e o Programa das Nações Unidas para o
Meio Ambiente estabeleceram, em 1988, o Painel Intergovernamental para Mudanças
Climáticas (IPCC). A publicação do primeiro relatório de avaliação do IPCC em 1990 teve
grande repercussão na comunidade internacional e resultou na adoção da Convenção do
Clima (United Nations Framework Convention on Climate Change – UNFCCC) em 1992.
A Convenção do Clima tinha o objetivo explícito de estabilizar as concentrações
atmosféricas de gases de efeito estufa e propor medidas de redução às ameaças e aos efeitos
danosos das mudanças climáticas. Além disso, essa Convenção buscou fortalecer o trabalho
do IPCC e iniciou um processo regular de reuniões dos países signatários dessa, visando a
implementação dessas medidas – reuniões conhecidas por Conference of Parts – COP
(CEBDS, 2012).
Na terceira Conferência das Partes (COP-3), realizada no Japão, em dezembro de
1997, o Protocolo de Quioto foi apresentado para a aprovação dos países signatários. Nessa
proposta, dividiram-se os países em dois grupos e atribuíram-se as responsabilidades comuns,
porém diferenciadas desses países. Os países industrializados, Partes do Anexo I do referido
Protocolo, foram os que mais contribuíram para o impacto sobre o clima e, portanto, deveriam
assumir compromissos de redução de emissões de GEE. Para os países em desenvolvimento,
Partes não-Anexo I, os prazos de adequação seriam maiores com menores exigências e sem
metas obrigatórias de redução de emissão.
De acordo com o Protocolo de Quioto, os países do Anexo I comprometiam-se com
metas individuais e com vinculação legal de mitigação de suas emissões de GEE no período
de 2008 a 2012. As metas variavam de acordo com o país, mas, conjuntamente, visavam
reduzir em, pelo menos, 5% os níveis de emissões de 1990 (GOLDEMBERG e LUCON,
2008). Os demais países (não-Anexo I) não possuíam metas obrigatórias, pelo menos, até
2012.
55
Para que o Protocolo de Quioto entrasse em vigor, era necessária a ratificação de, pelo
menos, 55% dos países signatários e também de países que representassem, pelo menos, 55%
das emissões globais do ano-base de 1990. Apesar das discussões difíceis e complexas e de
deixar vários artigos e decisões para COPs posteriores, o Protocolo de Quioto foi aprovado.
Entretanto, os Estados Unidos, responsáveis por 23% das emissões mundiais em 1990, não
ratificaram o acordo justificando perda de competitividade econômica (CEBDS, 2012;
GOLDEMBERG e LUCON, 2008; IEA, 2011a).
Com a proposta de reduzir os custos de mitigação de emissões, o Protocolo de Quioto
estabeleceu a criação de mecanismos comerciais, chamados de Mecanismos de Flexibilização,
que possibilitariam aos países do Anexo I e às suas empresas o cumprimento de suas metas de
redução. Esses mecanismos foram: o Comércio de Emissões (Emissions Trading), a
Implementação Conjunta (Joint Implementation) e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo
(MDL)11 conhecido originalmente por Clean Development Mechanism (CDM).
Os dois primeiros mecanismos são instrumentos pelos quais um país industrializado
pode contabilizar, inclusive através de operações de compra e venda, reduções realizadas em
outro país do Anexo I. O MDL, por sua vez, permite aos países do Anexo I financiar projetos
de mitigação ou comprar os volumes de redução de emissões resultantes de iniciativas
desenvolvidas em países não-Anexo I.
A criação do MDL permitiu que países sem teto de emissões pudessem desenvolver
projetos de mitigação, receber créditos e comercializar esses créditos no mercado
internacional. Deste modo, foi criado um valor de mercado para o carbono e,
consequentemente, o chamado Mercado de Carbono que surge como resultado desses
esforços para mitigação das mudanças climáticas.
Young et tal (2000) afirmaram que, em geral, as oportunidades de redução de
emissões são mais baratas em países em desenvolvimento, o que aumenta a eficiência
econômica para o alcance das metas iniciais de redução de emissões de GEE. Como o
impacto das mudanças climáticas é global, o efeito da redução das emissões é o mesmo,
independente de onde elas ocorram. Os países em desenvolvimento, por sua vez, se
beneficiam não apenas pelo aumento do fluxo de investimentos, mas também pela promoção
aos objetivos do Desenvolvimento Sustentável.
11
O MDL foi desenvolvido a partir de uma proposta brasileira que previa a criação de um Fundo de
Desenvolvimento Limpo, constituído pelo aporte financeiro dos países desenvolvidos que não cumprissem
suas metas de redução, de acordo com o princípio do Poluidor Pagador (CEBDS, 2012).
56
A redução de emissões de GEE, obtida através de projetos do MDL, originam as
unidades de Reduções Certificadas de Emissões (RCE)12. As RCE’s, geradas por esses
projetos, podem ser usadas pelos países do Anexo I, por governos ou por empreendedores
privados, para que esses países atinjam suas metas de redução de emissões desde que seja
respeitado o objetivo de promoção ao Desenvolvimento Sustentável dos países hospedeiros.
Entre os principais projetos do MDL, destacam-se aqueles relacionados com aterros
sanitários, eficiência energética, uso de fontes e combustíveis renováveis, inovações no setor
de transportes e nos processos produtivos, uso do solo e das florestas.
O MDL apresenta-se como uma ótima oportunidade para a difusão e a aquisição de
tecnologias mais produtivas e limpas, que, em outro contexto, poderiam acarretar em custos
de transferência e aquisição bem mais altos. Por agregar valor comercial aos resultados de
mitigação, o MDL confere maior competitividade às práticas de conservação e ao uso de
fontes renováveis de energia. Em relação ao Brasil, Young et tal (2000) salientaram que esse
mecanismo envolve co-geração industrial com muitos impactos secundários positivos. Esses
autores ainda destacaram que os créditos do MDL fornecem uma oportunidade para viabilizar
as opções alternativas e retardar a adoção em larga escala da termoeletricidade. Entre essas
alternativas, destaca-se a Energia Eólica, dado o seu grande potencial de benefícios
ambientais e de desenvolvimento para o Brasil.
Sobre os projetos do MDL desenvolvidos atualmente, o Brasil ocupa a terceira posição
em número de atividades de projeto com 440 projetos (7%). A China ocupa a primeira
posição com 2.197 projetos (37%), seguida da Índia com 1.575 projetos (27%). Em relação
aos países com maiores reduções anuais de emissões de GEE, o Brasil ocupa o terceiro lugar
com uma redução de 6% do total mundial. A China encontra-se em primeiro lugar com
redução de 51%, seguida pela Índia com 19% de redução do total mundial. No Brasil, o maior
número de projetos do MDL é desenvolvido na área de geração de energia. Os projetos em
energia renovável representam 49,3% das atividades de projeto que acarretam numa redução
anual de emissão de 38,6% (BRASIL, 2010).
O prazo estipulado para vigência do Protocolo de Quioto expira ao final de 2012.
Entretanto, na COP-17 realizada em dezembro de 2011 em Durban (África do Sul), ficou
acertado que o referido Protocolo será estendido até 2017. Trinta países ratificaram o acordo,
porém Japão, Rússia, Canadá e Estados Unidos ficaram de fora (UOL, 2011). A citada
Conferência também lançou a base para um futuro acordo contra as emissões de GEE que
12
No original: Certified Emission Reduction (CER)
57
envolverá metas para todos os países após 2020 inclusive para Estados Unidos e China – os
dois maiores emissores atuais. Esse novo acordo prevê a criação de um protocolo (outro
instrumento legal ou um resultado acordado com força legal) em 2015 e que possa entrar em
vigor até 2020 (FOLHA DE S. PAULO, 2011).
3.4 A Matriz Energética Brasileira (1940-2010)
A matriz energética de um país é definida como sendo sua oferta interna de energia
discriminada quanto às fontes e aos setores de consumo. Aquela pode ser vista como um
instrumento técnico que permite ao país acompanhar os resultados das suas políticas e as
estratégias setoriais implantadas. A partir desse instrumento, é possível reajustar o processo
de planejamento do setor elétrico de maneira que a matriz energética expresse os interesses da
sociedade e reflita as políticas e as estratégias setoriais em andamento (IPEA, 2011).
Ainda sob essa perspectiva, a matriz energética permite acompanhar a evolução da
utilização das diferentes fontes de energia, de maneira a subsidiar a tomada de decisões nesse
setor. Conforme sinalizaram Tolmasquim; Guerreiro; Gorini (2007), em um mercado global,
onde as preocupações com o meio ambiente são crescentes, os países que adaptarem suas
matrizes para a utilização de recursos energéticos de baixo custo e baixo impacto ambiental
obtêm importantes vantagens comparativas. Nesse aspecto, segundo os referidos autores, o
“Brasil dispõe de condições especialíssimas de recursos energéticos renováveis e de
tecnologia para transformar suas riquezas naturais em energia e, dessa forma, agregar valor à
sua produção de riqueza” (Idem, p. 47).
A Matriz Energética Brasileira (MEB) se destaca, no cenário internacional, devido à
participação significativa de fontes renováveis. No Brasil, essas fontes representaram 44,1%
da Oferta Interna de Energia (OIE13) em 2011; enquanto que, no mundo, a participação de
renováveis foi de somente 13,2% em 2010. Ao considerar somente os países pertencentes à
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (correspondente em inglês a
OECD14), esse percentual foi de apenas 8,6% em 2011 (BRASIL, 2012; IEA, 2012).
13
A OIE é a quantidade de energia que se coloca à disposição para ser submetida aos processos de transformação
e/ou consumo final. Aquela é dada pela soma do consumo final de energia, das perdas na distribuição e na
armazenagem e das perdas nos processos de transformação de todos os tipos de energia empregados no país
(BRASIL, 2011b).
14
A OECD é uma organização internacional que reúne os países mais industrializados e alguns emergentes como
México, Chile e Turquia. Atualmente composta por 34 membros (o Brasil não faz parte), a OECD visa
promover “políticas que melhorem o desenvolvimento econômico e o bem-estar das pessoas em todo o
mundo”. Disponível em: <http://www.oecd.org/about>. Aceso em: 10 out. 2012.
58
Ao longo do século XX, especialmente a partir da II Guerra Mundial, a demanda de
energia primária no Brasil cresceu de maneira elevada. Entre os fatores que contribuíram para
essa forte expansão, destacam-se o expressivo crescimento demográfico, a acelerada
urbanização, o processo de industrialização e a construção de uma infraestrutura de transporte
rodoviário caracterizada pela alta intensidade energética. Apesar da demanda energética
crescente, o consumo per capita de energia no Brasil sempre foi muito baixo, sinalizando uma
forte tendência de concentração da renda nacional. Estima-se que, em 2030, o consumo per
capita de energia no país seja de 2.330 tonelada equivalente de petróleo (tep) por mil
habitantes, valor ainda inferior ao consumo atual de países como Portugal, Hong Kong ou
África do Sul e comparável ao consumo atual de venezuelanos e malaios (TOLMASQUIM;
GUERREIRO; GORINI, 2007).
Dados do Balanço Energético Nacional (BEN) 2011 mostraram que, de 1940 até o
início da década de 1970, a maior parte da energia produzida no país era proveniente da lenha
e do carvão vegetal, que já sinalizava um perfil de consumo energético de baixa emissão de
carbono. Apesar da liderança durante todo o período, a energia renovável reduziu sua
participação na MEB, indo de 87,2% em 1940 para 57,8% em 1970. A partir deste ano,
sobretudo, ocorreu uma expansão da oferta de petróleo e derivados – além de outros
combustíveis fósseis – e os recursos não-renováveis tornaram-se maioria na matriz energética,
chegando a 54,3% em 1980 (BRASIL, 2011b). O Gráfico 1 mostra a evolução da estrutura da
oferta de energia no Brasil no período de 1940 a 2010.
Gráfico 1 – Oferta Interna de Energia – Brasil (1940-2010)
Fonte: Brasil (2011b).
59
Cabe ainda destacar que a MEB apresenta uma clara tendência à diversificação das
suas fontes primárias. Enquanto que, em 1970, apenas duas fontes – petróleo, lenha e carvão
vegetal15 – respondiam por 85% da oferta de energia, em 2000, três fontes – petróleo, lenha e
energia hidráulica – correspondiam a 73% da energia ofertada (BRASIL, 2011b).
Tolmasquim; Guerreiro; Gorini (2007) estimaram que, para 2030, serão necessárias quatro
fontes primárias para atender a 77% da demanda energética do país. Além do petróleo e da
energia hidráulica, esses autores ressaltaram a importância da cana-de-açúcar e do gás natural
com redução da importância relativa da lenha e do carvão vegetal.
Sobre o setor elétrico brasileiro, devido a um conjunto de fatores econômicos e
geográficos, o país investiu fortemente na geração hidráulica. Tanto pela crise do petróleo na
década de 1970, quanto pelo alto potencial energético das suas bacias hidrográficas, o Brasil
fez grandes inversões em usinas hidrelétricas e, atualmente, possui uma capacidade instalada
de 119.424,96 megawatt (MW)16 da qual 65,31% provêm da fonte hidráulica (ANEEL, 2012).
Em 2010, o Brasil produziu 509,2 terawatt-hora (TWh) de energia elétrica, o
equivalente a 2,4% da produção mundial e importou 35,9 TWh que, somadas à geração
interna, permitiram uma oferta interna de energia elétrica de 545,1 TWh. Desse montante, a
geração interna hidráulica correspondeu a 74% da oferta total (BRASIL, 2011b; IEA, 2012).
Através do Gráfico 2 é possível entender a Oferta Interna de Energia Elétrica no Brasil, de
acordo com a fonte, no ano de 2010.
Gráfico 2 – Oferta Interna de Energia Elétrica por Fonte – Brasil (2010)
Fonte: Brasil (2011b).
15
O carvão vegetal é produzido a partir da lenha pelo processo de carbonização, por isso, esses dois energéticos
são considerados uma única fonte de energia primária (BRASIL, 2011b).
16
Não inclui importação (BRASIL, 2011b).
60
Dados de IEA (2012) mostraram que o Brasil ocupa a segunda posição mundial em
relação à participação da hidroeletricidade na oferta total de energia, ficando atrás somente da
Noruega. Por ser uma fonte de energia renovável e, supostamente, com baixa emissão de
carbono, a grande contribuição da hidroeletricidade tem sido apontada como um dos
principais sinalizadores da Sustentabilidade da Matriz Elétrica Brasileira. Entretanto, é
necessário ressaltar que o uso da energia hidrelétrica acarreta numa série de impactos
negativos tanto ambientais quanto socioeconômicos.
Goldemberg e Lucon (2008) mostraram que as hidrelétricas, principalmente as
grandes com capacidade instalada acima de 500 MW interferem no meio ambiente devido à
construção de grandes represas e a formação de lagos que impactam sobre os fluxos dos rios e
migração de peixes. No caso brasileiro, cerca de 20% das usinas hidrelétricas são
consideradas grandes e juntas correspondem a 80% da capacidade instalada de
hidroeletricidade (ANEEL, 2012).
Fearnside (2004) também alertou que as hidrelétricas emitem quantidades
significativas de gases de efeito estufa – CO2 e CH4. A liberação do dióxido de carbono
ocorre devido à decomposição aeróbica de biomassa de floresta morta nos reservatórios das
usinas. O metano, por sua vez, origina-se na decomposição anaeróbica de matéria nãolignificada17, sendo a maior parte emitida através da água que passa pelas turbinas e pelo
vertedouro. O autor fez um alerta que as emissões pela superfície da represa, que atualmente é
o único componente de impacto avaliado nas estimativas oficiais, respondem por uma parte
relativamente pequena do impacto total. Para a hidrelétrica de Tucuruí em 1991, o referido
autor estimou que a quantidade total de emissões18 foi de 7,0 a 10,1 × 106 toneladas de
carbono de CO2 equivalentes – emissão equivalente ao carbono liberado pelos combustíveis
fósseis na cidade de São Paulo.
Além dos problemas ambientais citados, as grandes hidrelétricas também causam uma
série de impactos socioeconômicos. Goldemberg e Lucon (2008) listaram alguns desses
problemas, entre eles estão a realocação das populações (inclusive as indígenas tradicionais)
devido ao alagamento de grandes extensões territoriais, a alteração no regime dos rios à
jusante da barragem, o assoreamento à montante da barragem, as barreiras à migração de
peixes, a proliferação de águas (Eutrofização), aguapés e mosquitos, a extinção de espécies
17
18
Plantas herbáceas das zonas de despalacamento e macrófitas (FEARNSIDE, 2004).
Inclui as emissões de superfície de metano e as emissões da biomassa acima da água de metano e de gás
carbônico (FEARNSIDE, 2004).
61
endêmicas e a perda de patrimônio histórico, arqueológico e turístico. Também devem ser
considerados os riscos associados ao rompimento das barragens.
Diante do exposto, conclui-se que a geração de eletricidade através de grandes usinas
hidrelétricas não é tão sustentável quanto parece à primeira vista. Ademais, estudos
mostraram que o consumo de eletricidade na rede brasileira deverá sofrer um aumento de
aproximadamente 52% nos próximos dez anos, chegando ao patamar de 656 TWh em 2021
(BRASIL, 2011a). Para Tolmasquim; Guerreiro; Gorini (2007), o consumo de energia elétrica
no Brasil excederá o patamar de 1.080 TWh em 2030.
Os referidos autores também mostraram que, aproximadamente, 60% do potencial
hidroelétrico a ser aproveitado concentra-se na Amazônia e, em sua maioria, em áreas de
reservas florestais, parques nacionais e terras indígenas, que envolveriam projetos de alta
complexidade ambiental. Assim, em virtude dessas restrições à expansão hidrelétrica, os
autores afirmam que a geração térmica convencional (nuclear, gás natural e carvão mineral)
ampliará sua participação na matriz elétrica nacional, causando um aumento significativo no
nível de emissões de GEE na geração de energia elétrica no país.
Nesse contexto, quais as opções disponíveis ao Brasil para expandir sua oferta de
energia elétrica com Sustentabilidade Ambiental e garantindo o atendimento da sua crescente
demanda energética? A proposta apresentada neste trabalho é aproveitar o alto potencial da
Energia Eólica no país para expandir sua oferta interna de eletricidade, de maneira
socialmente includente e ambientalmente sustentável. Na próxima seção serão apresentadas
maiores informações sobre essa fonte de energia renovável e como ela poderá contribuir para
o Desenvolvimento Sustentável do país no médio/longo prazo.
3.5 Energia Eólica: aumento da capacidade de Oferta de Energia Limpa
A Energia Eólica é definida como a energia cinética contida no vento. O vento é
gerado pelo aquecimento das massas de ar na superfície não uniforme da terra. Devido ao
aquecimento do ar nas regiões equatoriais, ele se torna mais leve e começa a subir; no polo
Norte, o efeito é inverso: o ar frio começa a descer, criando, assim, as correntes de vento.
Estima-se que, aproximadamente, 2% da energia solar absorvida pela Terra é convertida em
energia cinética do vento. Apesar de parecer pequeno, esse percentual é muito maior que a
potência anual instalada nas centrais elétricas do mundo (DUTRA, 2007).
O aproveitamento dessa energia contida no vento é feito através da conversão da
energia cinética de translação em energia cinética de rotação. Para a realização de trabalhos
62
mecânicos, como o bombeamento de água ou a moagem de trigo, utilizam-se cata-ventos.
Para a produção de energia elétrica, utilizam-se turbinas eólicas também conhecidas como
aerogeradores.
Quando se considera a utilização da Energia Eólica para a geração de eletricidade, a
característica mais importante a ser considerada é a velocidade do vento. O potencial de
geração disponível é função do cubo da velocidade; de maneira que pequenas alterações, na
velocidade do vento, podem gerar grandes mudanças no desempenho econômico de um
parque eólico. A Associação de Energia Eólica Europeia (correspondente em inglês a EWEA)
mostrou que, se a velocidade média do vento aumentar de 6 m/s para 10 m/s, a produção de
eletricidade aumentará em 134% (EWEA, 2009a). Assim, o regime do vento é fator crucial
para determinar a viabilidade técnico-econômica da produção de energia elétrica a partir da
fonte eólica.
As primeiras experiências para geração de eletricidade a partir do vento surgiram, no
final do século XIX, com a instalação dos primeiros geradores e das redes de transmissão de
eletricidade. Nesse mesmo período, ocorreu o desenvolvimento e a fabricação em série dos
motores de combustão interna de ciclos Otto e Diesel que, aliados à descoberta de grandes
reservas de petróleo, tornaram esse combustível a força motriz mais poderosa do mundo
(FRANCELINO, 2008). Entretanto, com a crise mundial do petróleo, na década de 1970, as
principais economias capitalistas buscaram fontes alternativas de energia na tentativa de
reduzir a dependência do petróleo e do carvão mineral. Desse modo, em 1976, a primeira
turbina eólica comercial foi ligada à rede elétrica pública na Dinamarca.
As preocupações com a segurança energética e com as questões ambientais envolvidas
na geração de energia elétrica ganharam destaque mundial somente na segunda metade do
século XX após os acidentes nucleares nos reatores de Three Mile Island nos Estados Unidos,
em 1979, e na cidade de Chernobyl, na ex-União Soviética, em 1986. Além disso, a busca
pela redução da emissão de gases de efeito estufa impulsionou o desenvolvimento de novas
soluções para o fornecimento de energia elétrica através de fontes de energia renováveis, em
especial a Energia Eólica.
Apesar da sua aparência simples (ver Figura 4), a tecnologia eólica é altamente
sofisticada com destaque para as áreas de controle, aerodinâmica e de materiais. Variações na
velocidade e nas direções do rotor e pás com diferentes ângulos de “ataque” permitem o
aumento da produção de energia com menos fadiga do material e menores custos de
manutenção. O desenvolvimento de materiais mais leves e resistentes possibilita a instalação
63
de grandes sistemas em mar aberto (offshore wind farms19), aumentando consideravelmente a
energia produzida e reduzindo possíveis restrições ambientais.
Figura 4 – Esquema simplificado de um gerador eólico
Fonte: http://www.eia.gov/energyexplained/index.cfm?page=wind_types_of_turbines (adaptado). Acesso em: 10
out. 2012.
O sistema de geração eólica pode ser utilizado através de três aplicações distintas: os
sistemas isolados, os sistemas híbridos e os sistemas interligados à rede. De acordo com a
finalidade do projeto, determinar-se-á o tamanho do gerador e sua capacidade de geração. Os
sistemas isolados são utilizados em aplicações de pequeno porte e, geralmente, utilizam
alguma forma de armazenamento de energia. Os sistemas híbridos são aqueles que,
desconectados da rede convencional, apresentam várias fontes de geração de energia como
turbinas eólicas, geração diesel e módulos fotovoltaicos. Esses sistemas são utilizados em
aplicações de médio à grande porte e destinam-se ao atendimento de um maior número de
usuários. Os sistemas interligados à rede, por sua vez, são utilizados em aplicações de grande
porte e possuem um elevado número de aerogeradores. Nesse caso, não se faz necessário ter
sistemas de armazenamento de energia, pois toda a geração é entregue diretamente à rede
elétrica. Na Figura 5, são apresentadas algumas aplicações dos aerogeradores.
19
Os parques eólicos offshore são aqueles instalados em mar aberto em contraste aos parques onshore instalados
na costa.
64
Figura 5 – Diferentes tamanhos de aerogeradores e suas principais aplicações
Fonte: Dutra (2008).
3.5.1 Energia Eólica: Fatos e Mitos
Entre as energias renováveis, a Energia Eólica vem se consolidando como uma das
principais fontes do século XXI, graças a algumas vantagens competitivas. Em primeiro lugar,
seu principal recurso (o vento) é gratuito e abundante em diversas regiões, além de ser uma
fonte inesgotável; em segundo, as modernas turbinas utilizadas na geração não emitem GEE
durante sua operação e não demandam água para resfriamento; em terceiro, o tempo de
construção de parques de aerogeradores é relativamente pequeno quando comparado com
outras fontes renováveis como as hidrelétricas.
Do ponto de vista ambiental, a não-emissão de dióxido de carbono na atmosfera é o
benefício mais importante da geração eólica. Dados de EWEA (2009a) mostraram que a
moderna tecnologia eólica apresenta um balanço energético extremamente favorável e as
emissões de CO2 relacionadas com a fabricação, instalação e serviço, durante todo o ciclo de
vida do aerogerador, são “recuperadas” entre três e seis meses após sua entrada em operação.
Entretanto, alguns autores sinalizam que existem impactos ambientais negativos
relacionados com a geração eólica. Esses impactos estariam relacionados com a fauna e a
ocupação da terra na região, interferências eletromagnéticas e, principalmente, impactos
65
sonoros e visuais. Nos próximos parágrafos, analisar-se-á cada um desses aspectos para se
verificar a validade desses questionamentos.
Os impactos sonoros relatados são devidos ao ruído das turbinas que podem ser de
origem mecânica ou aerodinâmica. Como solução, é utilizado um gerador elétrico multipolo
conectado diretamente ao eixo das pás que dispensa o uso de engrenagens e reduz
consideravelmente esse tipo de ruído.
Nos últimos anos, ocorreram muitos avanços no desenvolvimento tecnológico da
aerodinâmica das pás e das partes mecânicas críticas, tornando possível uma significativa
redução dos níveis de ruído nas turbinas modernas. A EWEA (2009a) mostrou que as
modernas turbinas eólicas são muito silenciosas, sendo o ruído produzido por um parque
eólico operacional, a uma distância de 230 a 300 metros, equivalente ao de uma geladeira na
cozinha.
Sobre os impactos visuais, esses decorrem do agrupamento de torres e aerogeradores
num mesmo local, os chamados parques eólicos ou fazendas eólicas. Esses impactos podem
variar bastante, dados os diferentes locais de instalação, o arranjo das torres e as
especificações da turbina. Cabe destacar que, diferentemente dos impactos sonoros, os efeitos
sobre a paisagem e os impactos visuais não podem ser medidos ou calculados e medidas de
mitigação são limitadas. Entretanto, a EWEA (2009a) relatou algumas medidas de mitigação
para prevenir e/ou minimizar os impactos visuais das fazendas eólicas:
a) projeto do parque eólico de acordo com as peculiaridades do local e a sensibilidade
para a paisagem em volta;
b) localização do parque eólico, pelo menos a certa distância das habitações;
c) seleção de cor neutra e pintura anti-refletiva para torres e pás;
d) cabos subterrâneos;
e) luzes para voos de baixa altitude somente para as torres mais expostas.
Estudo realizado pelo governo escocês, em 2008, analisou os impactos dos parques
eólicos na indústria do turismo e revisou 40 estudos da Europa, dos Estados Unidos e da
Austrália (EWEA, 2009a). Nesse estudo, os autores concluíram que a oposição mais forte aos
parques eólicos ocorre na fase de planejamento e com o tempo, após comissionamento e
operação, a aceitabilidade é maior; um número significativo de pessoas acha que há perda de
valor cênico quando um parque eólico é instalado, porém, para outras pessoas, os parques
eólicos melhoram a beleza da área; em linhas gerais, não há evidências que surgiram impactos
negativos sérios sobre o turismo.
66
Alguns estudos empíricos têm sido realizados para verificar os impactos das turbinas
eólicas sobre as paisagens naturais e seu turismo potencial. Ao analisar a experiência de duas
localidades na República Checa, Frantál & Kunc (2011) verificaram que o desenvolvimento
da Energia Eólica, não mais do que outros setores energéticos, acarretou em alguns impactos
negativos sobre a vida familiar de residentes locais.
Entretanto, ao contrário da indústria energética tradicional, as turbinas eólicas não
produzem qualquer resíduo e são construções temporárias, com fácil remoção e reciclagem
das suas partes ao fim da sua vida útil de operação. Desse modo, esses autores concluem que é
difícil, talvez impossível para as pessoas não projetarem suas próprias preferências subjetivas
ao avaliar o equilíbrio entre os impactos locais sobre a paisagem e o ambiente e os benefícios
para a comunidade local e sem impactos para mudanças climáticas globais. Em que pese o
fato de os benefícios qualitativos gerados não serem provados através de modelos
econométricos, pode-se identificá-los in loco através da elevação da qualidade de vida das
comunidades locais.
Sobre o uso da terra para a implantação das turbinas eólicas, geralmente, 99% da área
de um parque eólico típico mantém-se inalterada após sua instalação. Apesar de as fundações
das turbinas possuírem 10 m de diâmetro, essas ficam enterradas, permitindo qualquer
atividade agrícola existente ser mantida até próxima à base da torre. Os espaçamentos entre as
turbinas são a única restrição a ser feita, pois devem ser de 5 a 10 vezes a altura da torre de
modo a evitar a perturbação causada no escoamento do vento entre uma unidade e outra.
Outro impacto ambiental, associado à geração eólica, refere-se à mortalidade de aves e
morcegos nos parques eólicos. Devido à dificuldade de visualização, quando em movimento,
alguns pássaros poderiam colidir com as pás das turbinas e virem a óbito. Entretanto, o
impacto global da Energia Eólica sobre os pássaros é muito pequeno. Erickson et al. (2005
apud EWEA, 2009a) realizaram um estudo comparativo sobre a mortalidade de aves por
causas antrópicas e mostraram que apenas 0,003% da mortalidade de aves causadas por
atividades humanas pode ser atribuída ao desenvolvimento da Energia Eólica. Portanto, as
afirmações que as turbinas eólicas causam sérios impactos ambientais, devido à mortalidade
de pássaros, trata-se de um mito.
Por fim, outro impacto negativo associado à geração eólica é a possibilidade de
interferências eletromagnéticas que podem ocorrer quando a turbina eólica é instalada entre
receptores e transmissores de ondas de rádio, televisão e micro-ondas. A torre, as pás das
turbinas e/ou o gerador podem refletir parte da radiação eletromagnética numa direção de
modo que a onda refletida interfira no sinal obtido por um receptor próximo às torres.
67
Atualmente, para atenuar esse problema, os fabricantes estão utilizando materiais
sintéticos que causam um impacto mínimo sobre a transmissão da radiação eletromagnética.
O sistema elétrico também não é um problema para as telecomunicações, pois as
interferências podem ser eliminadas com um isolamento adequado da nacelle20 e boa
manutenção. As interferências nos serviços de rádio móvel também são normalmente
insignificantes.
Entretanto, a EWEA (2009a) revelou que há interferências significativas nos sinas de
televisão quando são instaladas muitas turbinas próximas de habitações. A solução é a adoção
de medidas de mitigação dessas interferências durante as fases de planejamento e implantação
da turbina sob a ótica da estação transmissora. Caso o parque eólico já esteja em operação,
algumas medidas podem ser tomadas, tais como relocação da antena, instalação de uma
antena de maior qualidade ou direcional, instalação de um amplificador, instalação de TV via
satélite ou a cabo, ou construção de uma nova estação repetidora caso a área afetada seja
muito grande. Desse modo, a Associação concluiu que a interferência nos sistemas de
comunicação é insignificante, pois, pode ser evitada através de um projeto cuidadoso dos
novos parques eólicos ou pela adoção de medidas simples a um custo relativamente baixo nos
parques já em operação.
3.6 Panorama Mundial da geração de Energia Eólica
O mercado de geração eólica tem crescido substancialmente nos últimos anos. A
capacidade instalada no mundo que, em 1990, era inferior a 2 gigawatt (GW) chegou a
aproximadamente 238 GW no final do ano passado. Somente em 2011, houve um acréscimo
da capacidade eólica mundial de aproximadamente 40 GW. Isso representou um aumento de
20% sobre a capacidade eólica do ano anterior, percentual muito acima do que qualquer outra
tecnologia renovável (GWEC, 2012a). No Gráfico 3, é apresentada a evolução da capacidade
instalada da Energia Eólica no mundo.
20
Estrutura montada sobre a torre que abriga os equipamentos de produção de energia – gerador, caixa de
velocidades, transmissão etc.
68
Gráfico 3 – Capacidade instalada de geração eólica no mundo (1996-2011)
Fonte: REN21 (2012).
Uma tendência verificada nos últimos anos é o crescimento da participação dos países
em desenvolvimento na capacidade instalada mundial. Como destacou o Conselho Global de
Energia Eólica (correspondente em inglês a GWEC), a maioria das novas instalações de
Energia Eólica está localizada, fora da OECD, em mercados emergentes. Entre esses países,
os principais motores do crescimento mundial da Energia Eólica são China e Índia. Somente
em 2011, esses países responderam por 50% da capacidade eólica adicionada (GWEC,
2012a).
Desde o ano de 2010, a China lidera o mercado mundial de Energia Eólica,
ultrapassando países tradicionais nesse tipo de geração como Alemanha e Estados Unidos. Em
2011, a China se consolidou na primeira posição e alcançou a marca de 62.364 MW de
capacidade total instalada, o que representou, aproximadamente, 26% do total naquele ano.
Atualmente, a Índia ocupa a quinta posição em termos de participação de mercado, mas
estima-se que, até 2013, ela supere a Espanha e ocupe a quarta posição (GWEC, 2012a). No
Gráfico 4, são apresentados os dez primeiros países em capacidade instalada de Energia
Eólica.
A capacidade instalada, adicionada anualmente, também cresce a taxas expressivas.
Enquanto que, em 1996, a capacidade eólica global adicionada foi de 1.280 MW, em 2011,
ultrapassou o valor de 40.500 MW. Em 2011, a China apresentou mais uma vez um
crescimento surpreendente, adicionando à sua capacidade eólica quase 18.000 MW. Esse
69
valor foi equivalente a 43% da capacidade eólica total, adicionada naquele ano (GWEC,
2012a).
Gráfico 4 – As dez maiores capacidades instaladas no mundo em 2011
Fonte: REN21 (2012).
Um dos fatores que possibilitou a expansão da Energia Eólica no mundo foi o rápido
desenvolvimento tecnológico das turbinas eólicas. Enquanto que, em 1985, o diâmetro médio
do rotor era de 15m – equivalente a uma capacidade de 0,05MW – em 2010, o tamanho do
rotor chegou a 126m, disponibilizando uma capacidade de 7,5MW (IRENA, 2012). Estima-se
que, em 2020, o diâmetro do rotor chegue a 252m com uma capacidade de produção entre 10
e 20MW (EWEA, 2009b).
Além da expansão da capacidade de geração, o aumento do tamanho das turbinas
permite que um número menor de aerogeradores seja instalado no mesmo local, acarretando
em benefícios econômicos e ambientais. A EWEA (2009b) mostrou que, para turbinas eólicas
de pequeno porte, o custo por kW é muito mais caro do que para turbinas maiores,
especialmente se a função principal é produzir eletricidade de qualidade interligada à rede.
Em parte, isso ocorre devido à necessidade das torres serem maiores em proporção ao
diâmetro para eliminar obstáculos ao fluxo de vento e escapar das piores condições de
turbulência e cisalhamento do vento próximo à superfície da terra. Ademais, para turbinas
menores, os controles, a conexão elétrica à rede e a manutenção formam uma proporção
muito maior do valor de capital do sistema.
Portanto, quanto maior a potência unitária da turbina eólica, melhor será o
aproveitamento da infraestrutura elétrica e de construção civil, produzindo ainda mais energia.
70
Igualmente, a redução do número de rotores em movimento diminui o possível impacto visual
causado pelos parques eólicos. O Gráfico 5 apresenta o crescimento do tamanho das turbinas
eólicas desde 1985.
Gráfico 5 – Evolução dos aerogeradores (1985-2010)
Fonte: IRENA (2012).
O fator-chave para o desenvolvimento do setor de turbinas eólicas e que propiciou a
busca contínua por aerogeradores de grande porte, na escala de multi-megawatt, foi o
desenvolvimento de um mercado offshore. Nesse tipo de aplicação, são requeridas turbinas
com maiores capacidades unitárias de maneira a compensar os maiores custos de
infraestrutura (fundação, coleta de energia elétrica e transmissão subaquática), reduzindo os
custos no número de unidades de acesso.
A possibilidade de instalação de centrais eólicas no mar abriu novas oportunidades
para a Energia Eólica, em especial para aqueles países onde não há terras em abundância para
a instalação de novos parques. A indústria eólica tem feito grandes investimentos no
desenvolvimento tecnológico desses parques offshore na tentativa de reduzir seus custos de
instalação e operação.
Em 2011, a capacidade total instalada das instalações offshore representou cerca de
2% da capacidade global instalada. Estima-se que, em 2020, esse percentual chegará a 10%.
Atualmente, os três maiores produtores de Energia Eólica no mar são Inglaterra, Dinamarca e
China com 2.093,7MW, 857,3MW e 258,4MW de capacidade instalada, respectivamente
(GWEC, 2012a).
71
As previsões do mercado de Energia Eólica, feitas pelo GWEC (2012a) para os
próximos anos, são um pouco sombrias quando comparadas aos anos anteriores. A crise
financeira recente atingiu os fabricantes de aerogeradores, através do excesso de oferta, que
pressionou os preços para baixo e reduziu drasticamente as margens de lucro. Além disso, há
grandes incertezas sobre o apoio federal futuro para a Energia Eólica nos Estados Unidos.
Igualmente, outras incertezas afetam o desenvolvimento global da Energia Eólica
como questões relacionadas à rede de transmissão na China, mudanças no código tributário
indiano, o ritmo de desenvolvimento offshore na Europa, problemas políticos no Oriente
Médio, entre outros.
No entanto, mesmo diante dessas adversidades, espera-se que a taxa média de
crescimento da capacidade instalada anualmente seja de, aproximadamente, 8% para os
próximos cinco anos com um forte crescimento em 2012 e um substancial decréscimo em
2013. No período de 2012 a 2016, as novas instalações deverão adicionar cerca de 255GW à
capacidade instalada mundial com uma taxa de crescimento da capacidade acumulada de
aproximadamente 16%. Esse valor é muito abaixo da média de 28% verificada nos últimos
quinzes anos, porém é substancial em tempos difíceis onde o quantum de investimento
produtivo tem sido notadamente reduzido (GWEC, 2012a). O Gráfico 6 mostra a expectativa
de crescimento da Energia Eólica no mundo para os próximos anos.
Gráfico 6 – Previsão do mercado de Energia Eólica no mundo (2012-2016)
Fonte: GWEC (2012a).
Conforme apresentado no Gráfico 6, estima-se que a capacidade total acumulada até o
final de 2016 seja um pouco abaixo de 500GW, com uma capacidade adicionada de cerca de
72
60GW. O maior impulso para a expansão da Energia Eólica nos próximos anos deverá vir de
novos mercados “emergentes” como China, Índia, Leste Europeu, África, Canadá, Austrália,
Brasil e México.
3.7 A Energia Eólica posta em xeque
Quando se discute a geração de energia elétrica a partir da fonte eólica, muitas
informações têm sido vinculadas sem o devido embasamento teórico. Especialmente, àquelas
referentes aos custos envolvidos nesse tipo de geração e às políticas de incentivo para esse
tipo tecnologia. Nesta seção, serão apresentados dados e informações recentes visando
complementar essa discussão.
Um mercado totalmente livre onde todas as fontes geradoras de eletricidade competem
em um mesmo nível, não existe em lugar algum. Em cada país, o preço da eletricidade não
depende exclusivamente dos custos de geração, mas também de diversos fatores que afetam o
mercado como os subsídios à energia e os impostos. De maneira geral, o custo de geração de
energia elétrica é composto por custos de capital (custo de construção da planta geradora e
conexão à rede), custos de funcionamento (aquisição de combustível e operação e
manutenção) e custo do financiamento (como o custo de capital é reembolsado) (BWEA,
2012).
Ao analisar os custos da Energia Eólica, a Agência Internacional de Energia
Renovável (correspondente em inglês a IRENA) selecionou os três principais indicadores:
custo dos equipamentos; custo total do projeto instalado; custo nivelado de eletricidade
(Levelised Cost of Energy21 – LCOE). Embora, diferentes medidas de custos sejam úteis em
diferentes situações, o LCOE das energias renováveis é uma medida amplamente utilizada e
que pode ser avaliada para a construção de modelos ou políticas de desenvolvimento (IRENA,
2012).
O custo de instalação de um projeto de Energia Eólica é dominado pelo custo de
capital inicial para as turbinas eólicas que, em alguns casos, pode chegar a 84% do custo total
de instalação. Os custos de capital de um projeto de geração eólica podem ser divididos em:
custos da turbina – pás, torre e transformador; custos de construção – preparação do local e
fundações para as torres; custos de interligação à rede – conexão para a distribuição local ou
21
O LCOE indica qual o nível de preços necessários para que a receita se iguale aos custos durante toda a vida
útil da planta. Ele é calculado como o valor presente do custo total do ciclo de vida de uma planta dividido
pela quantidade de energia produzida por toda vida útil da planta (IRENA, 2012).
73
transmissão em rede; entre outros custos. No Gráfico 7, são apresentados os diferentes custos
de uma típica instalação de geração eólica (onshore).
Distribuição dos Custos da Turbina
Gráfico 7 – Distribuição do custo de capital em um sistema de geração eólica
Fonte: Adaptado de Blanco (2009 apud IRENA, 2012).
Os custos de capital instalado para sistemas de Energia Eólica variam
significativamente de acordo com a maturidade do mercado e a estrutura de custos local.
Dados da IRENA (2012) mostraram que, em 2010, China e Dinamarca possuíram o menor
custo de capital para novos projetos, ficando entre US$ 1300/kW e US$ 1384/kW. Outros
países como Grécia, Índia e Portugal também apresentaram baixos custos no ano considerado.
Entre os países analisados, o Japão foi o que possuiu o maior custo de capital para novos
projetos, chegando a US$ 3024/kW em 2010.
Uma análise detalhada do mercado dos Estados Unidos mostrou que o custo de
instalação de projetos de Energia Eólica diminuiu de forma constante a partir de 1980 até
2001. A partir de então, os custos subiram em virtude do aumento dos preços de matériasprimas e de outras commodities, juntamente com sistemas de Energia Eólica mais sofisticados
e limitações da cadeia de suprimentos que aumentaram os custos das turbinas eólicas. No
entanto, a IRENA (2012) mostrou que esses custos parecem ter chegado a um pico. Para o
ano de 2010, os custos de instalação de projetos eólicos naquele país foram de US$ 2155/kW,
apenas 0,5% superior ao ano anterior. Além disso, os dados iniciais, para 2011, sugeriram
uma pequena redução nos custos de instalação, impulsionada pelo menor preço das turbinas.
74
O LCOE da Energia Eólica é dado pela soma de todos os custos de um sistema
totalmente operacional ao longo da vida útil do projeto, descontados os fluxos financeiros de
um ano comum. Os principais componentes do LCOE para a Energia Eólica incluem os
custos de capital, os custos de operação e manutenção e a produção anual de energia esperada.
Para avaliar o custo de um sistema de Energia Eólica, é necessário analisar criteriosamente
todos esses componentes durante o tempo de vida do projeto. A Figura 6 apresenta como é
formado o LCOE para um sistema de Energia Eólica.
Figura 6 – Economia da Energia Eólica
Fonte: Adaptado de IRENA (2012).
O LCOE da Energia Eólica (onshore) caiu fortemente desde a instalação dos primeiros
parques eólicos comerciais. Nos Estados Unidos, o custo da eletricidade gerada a partir do
vento caiu de aproximadamente US$ 0,30/kWh, em 1984, para cerca de US$ 0,055/kWh em
2005. Uma tendência semelhante ocorreu na Europa onde o LCOE da Energia Eólica reduziu
40% entre 1987 e 2006 para os parques eólicos onshore (IRENA, 2012).
Em escala global, a IRENA (2012) mostrou que, no ano de 2010, o preço da Energia
Eólica variou de US$ 0,05 a US$ 0,085/kWh, excluindo os impostos locais e estaduais e
dependendo do local da instalação – fatores específicos, como a velocidade do vento e o
tamanho da turbina, influenciam o nível de desenvolvimento e os custos de instalação. Para
75
projetos desenvolvidos em áreas com elevados recursos eólicos como Estados Unidos, Brasil,
Suécia e México, o LCOE já é inferior a US$ 0,068/kWh, valor comparável aos custos
médios atuais de US$ 0,067/kWh para a geração a carvão e US$ 0,056/kWh para as
termelétricas.
As autoridades públicas e os planejadores energéticos tendem a avaliar diferentes
fontes de energia com base no LCOE. Nesses cálculos, não se consideram variáveis como
inflação ou sistema de tributação. No entanto, a perspectiva de investidores privados é
diferente e considera as variáveis introduzidas pelas políticas governamentais e as mudanças
nos mercados financeiros e cambiais. Para esses investidores, o processo de tomada de
decisões do projeto deve considerar as variáveis fluxo de caixa e tempo de retorno.
Enquanto os entes públicos calculam o capital requerido ao longo da vida técnica da
turbina eólica, aproximadamente 20 anos, o investidor privado tenta recuperar o custo das
turbinas durante o período do financiamento bancário. Desse modo, a rapidez com que os
investidores desejam reembolsar os seus empréstimos aliado à taxa de retorno necessária afeta
diretamente a viabilidade de um projeto de Energia Eólica. Para um período de reembolso
curto e uma alta taxa de retorno, o preço da eletricidade gerada eleva-se conforme apresentado
no Gráfico 8.
Gráfico 8 – Custos da geração eólica em relação à velocidade do vento e à taxa de
retorno de capital
Fonte: EWEA (2009b).
Frequentemente, os custos da geração eólica têm sido comparados aos custos de outras
fontes energéticas sejam essas renováveis ou não. Contudo, para realizar este tipo de
76
comparação, deve-se inicialmente analisar todos os custos enfrentados pela indústria elétrica
convencional de origem fóssil e não-renovável, incluindo os custos sociais associados.
Segundo a EWEA (2009a), os custos da produção convencional de eletricidade são
determinados por quatro componentes: custo do combustível, custos das emissões de CO2,
custos de operação e manutenção (O&M) e custo de capital.
Dessa maneira, os benefícios de substituição da energia convencional por Energia
Eólica vão depender da participação de cada um desses componentes sobre os custos da fonte
energética comparada. Em geral, aceita-se que os custos de O&M da Energia Eólica são
bastante reduzidos, principalmente quando comparados aos enfrentados pelas usinas
convencionais. Entretanto, alguns benefícios da Energia Eólica como a não-emissão de
poluição e o combustível infinito não têm um preço universalmente aceito, o que dificulta
bastante a comparação dessa fonte com outras de origem fóssil e não-renovável.
A BWEA (2012) baseou-se nos preços da Energia Eólica em 2004 para o Reino
Unido, através dos leilões da Non-Fossil Fuel Obligation22, para comparar essa fonte com
outros tipos de combustíveis. O estudo comparou os preços da eletricidade gerada a partir de
novas usinas com diferentes tecnologias: Central Térmica de Ciclo Combinado a Gás Natural
(correspondente em inglês a CCGT); Termelétricas à Carvão; Energia Nuclear e Energia
Eólica – onshore e offshore. O Gráfico 9 apresenta o resultado desse estudo e mostra o preço
da eletricidade em penny – p (centavo de libra esterlina) por kWh.
Gráfico 9 – Preço da eletricidade no Reino Unido para diferentes fontes (2012)
Fonte: Adaptado de BWEA (2012).
22
Non-Fossil Fuel Obligation refere-se a um conjunto de exigências feitas aos operadores da rede de
distribuição elétrica na Inglaterra e no País de Gales para compra de energia elétrica a partir da energia nuclear
e de energias renováveis (BWEA, 2012).
77
Verifica-se a partir do Gráfico 9 que, mesmo quando os custos de emissões são
ignorados, a Energia Eólica onshore ainda se mostra bastante competitiva diante das demais.
Cabe ainda destacar que os custos da Energia Eólica apresentam uma tendência de queda para
os próximos anos em diversos países enquanto que o preço do gás natural no mercado futuro
continua a subir desde a comparação feita pela BWEA. Isso implicaria em maiores custos de
geração para as centrais a gás CCGT.
Apesar dos altos custos iniciais, uma vez construído o parque eólico, não há incertezas
relativas ao futuro dos preços do seu combustível como ocorre com os combustíveis fósseis.
Awerbuch (2003 apud EWEA 2009a) mostrou que essas incertezas implicam num
considerável risco para os custos de geração futura das usinas convencionais enquanto que os
custos por kWh gerado pela Energia Eólica são praticamente constantes ao longo da vida útil
da turbina.
Desse modo, embora a Energia Eólica possa ser atualmente mais cara por kWh, essa
tecnologia pode compartilhar o portfólio das usinas de energia, assumindo o papel de
cobertura contra aumentos inesperados dos preços futuros de combustíveis fósseis. Portanto, a
constância dos custos da Energia Eólica justifica um custo relativamente maior por kWh em
comparação com os riscos dos custos futuros da energia convencional.
Na edição de 2008 do relatório World Energy Outlook, a IEA revisou suas suposições
sobre os preços do combustível e o custo de construção de novas usinas, aumentando esses
custos em suas novas estimativas. Para a União Europeia, a IEA assumiu o preço do carbono
de US$ 30 por tonelada de CO2 que acrescenta US$ 30/MWh ao custo de geração à carvão e
US$ 15/MWh ao custo de geração das centrais CCGT (EWEA, 2009b). O Gráfico 10 mostra
as estimativas da IEA sobre o custo de geração futura para carvão, gás e Energia Eólica na
União Europeia em 2015 e 2030. Sob essa perspectiva, a Energia Eólica pode se tornar mais
barata que carvão e gás natural em 2015 e 2030.
78
Gráfico 10 – Custos de geração de eletricidade na União Europeia em 2015 e 2030
Fonte: IEA World Energy Outlook 2008 (apud EWEA, 2009b).
Para se determinar os verdadeiros custos de geração da energia elétrica, o custo da
poluição e outros custos externos devem ser incluídos nos cálculos. Os custos externos são os
custos para a saúde humana e o meio ambiente que não estão refletidos nos preços de
mercado da energia elétrica. Assim, para estabelecer uma comparação justa entre as diferentes
atividades de geração de eletricidade, os custos internos e externos para a sociedade precisam
ser levados em conta.
Por essa razão, é importante identificar os efeitos externos de diferentes sistemas de
produção de energia, contabilizando seus custos. Em seguida, deve-se analisar o impacto
sobre a situação competitiva dessas diferentes tecnologias quando essas externalidades forem
incluídas nos preços. Todavia, ainda há o problema de como se determinar o preço da
poluição, pois ainda não existe um método universalmente aceito. Dessa maneira, diferentes
estudos têm sido realizados visando contabilizar os custos sociais da produção de eletricidade.
O resultado desses estudos é apresentado no Gráfico 11.
79
Gráfico 11 – Exemplo Ilustrativo do Custo Social da Energia
Fonte: EWEA (2009a).
A partir do Gráfico 11, é possível perceber que a inclusão dos custos externos dos
sistemas de energia convencionais tornam essas tecnologias menos competitivas em
comparação com a Energia Eólica. Quando essas externalidades são internalizadas, verifica-se
que o custo social da produção de energia dos sistemas convencionais é muito alto. Em
contrapartida, o custo interno da Energia Eólica é praticamente inalterado quando se incluem
as externalidades.
Quando se compara a Energia Eólica com as energias renováveis modernas, mais uma
vez aquela se destaca devido aos seus custos mais baixos de geração. Um das razões que
explica esse fato é o alto nível de desenvolvimento que a tecnologia eólica encontra-se
atualmente. A Energia Eólica está difundida mundialmente e sua produção de eletricidade
ocorre em todos os continentes do planeta. Enquanto isso, outras fontes renováveis ainda
estão em estágios iniciais de desenvolvimento ou sua tecnologia ainda é restrita a um seleto
grupo de países.
Uma importante ferramenta de previsão para analisar a redução de custos das
tecnologias de geração de energia renovável são as curvas de aprendizado (ou Curva Grubb).
Em estágios iniciais de concepção da tecnologia, os custos tendem a ser subestimados. Ao
chegar ao ponto de comercialização e implantação, os custos tendem a aumentar a partir das
avaliações de engenharia e da implementação no mundo real (HEARPS & MCCONNELL,
2011).
Após o ponto de comercialização, os custos tendem a reduzir devido a uma
combinação de fatores. Contudo, as taxas de redução de custos podem, eventualmente, reduzir
como nas tecnologias maduras. Desse modo, diferentes tecnologias podem ser mapeadas em
80
diferentes segmentos da curva. O Gráfico 12 apresenta a curva de aprendizado para as
principais tecnologias de geração de energia renovável.
Gráfico 12 – Desenvolvimento das tecnologias de energia renovável
Fonte: Hearps & Mcconnell (2011).
A Alliance Bernstein (2009) publicou um estudo comparando os custos de geração de
eletricidade a partir de diversas fontes energéticas, convencionais e renováveis para os
Estados Unidos. Nesse estudo, foram incluídos os custos fixos – construção da instalação e
interligação com a rede – e os custos variáveis – operação e manutenção. A conclusão obtida
é que a geração a partir da construção de novos parques eolicos não consegue competir com
as plantas existentes, pois, os custos fixos já foram amortizados e pagos pelos contribuintes ou
consumidores de energia elétrica.
No entanto, quando se compara a Energia Eólica com outras tecnologias em novas
construções, aquela torna-se bastante competitiva, seja com ou sem subsídios. Com subsídios
governamentais, o LCOE da Energia Eólica onshore foi de, aproximadamente, US$ 59 por
MWh nos Estados Unidos que classifica essa tecnologia como a mais econômica entre as
fontes renováveis e muito competitiva diante do carvão, gás natural e nuclear (ALLIANCE
BERNSTEIN, 2009). O Quadro 1 mostra um comparativo dos custos de geração de
eletricidade para os Estados Unidos.
81
Quadro 1 – A Energia Eólica é a fonte mais econômica entre as energias renováveis
Fonte: Alliance Bernstein (2009).
Diante do exposto, pode-se concluir que a Energia Eólica apresenta fortes vantagens
competitivas para ampliar sua participação na matriz energética dos país. A partir dessa
tecnologia, é possível ampliar a oferta de energia do país sem impactos significativos sobre o
meio ambiente. Quanto aos custos associados a este tipo de geração, atualmente, a Energia
Eólica se mostra competitiva em diversos países, além de possuir uma tendência de redução
desses custos nos próximos anos. Dessa maneira, será abordada no próximo capítulo, a
experiência brasileira com a Energia Eólica e a contribuição dessa para o Desenvolvimento
Sustentável do país.
82
4 A ENERGIA EÓLICA NO BRASIL
4.1 A Gênese e o Potencial do Setor
O interesse por fontes alternativas para a geração de energia elétrica surgiu no Brasil
no início da década de 1990 após a Conferência do Rio de Janeiro – ECO 92. Esse evento
possibilitou o início de vários projetos-pilotos no Brasil através de parcerias e acordos
firmados com Alemanha, Dinamarca e Estados Unidos. Esses projetos experimentais – que
contaram com a participação de concessionárias de energia elétrica, governos estaduais,
universidades e centros de pesquisas brasileiros – permitiram ao Brasil um grande
crescimento no aprendizado e na aplicação dessas tecnologias no contexto nacional.
Dessa maneira, no ano de 1992, foi instalado, no Brasil, o primeiro aerogerador da
América Latina, localizado no arquipélago de Fernando de Noronha/PE. O projeto foi
resultado de uma parceria entre o Centro Brasileiro de Energia Eólica (CBEE) e a Companhia
Energética de Pernambuco (CELPE) com financiamento do instituto de pesquisa dinamarquês
Folkecenter. Com potência de 75kW, a turbina eólica, instalada na ilha, chegou a fornecer
10% da eletricidade consumida, economizando cerca de 70.000 litros de diesel por ano
(SIMAS, 2012).
Nos anos seguintes, foram realizados vários encontros pelo país, visando promover o
desenvolvimento das energias renováveis, em especial a eólica e a solar. No primeiro
encontro, realizado em abril de 1994, em Belo Horizonte/MG, foram criadas as diretrizes para
o desenvolvimento dessas fontes energéticas que pretendiam desenvolver tecnologia,
estimular a indústria e atrair investimentos de capital nacional e estrangeiro.
Já, em 1996, foi realizado o III Encontro para o Desenvolvimento de Energias
Renováveis que teve como objetivo apresentar o Plano Nacional de Ação para o
Desenvolvimento de Energias Renováveis. Conforme mostrou Dutra (2001), foi prevista a
realização de oito grandes projetos nacionais para a fonte eólica com necessidade de recursos
da ordem de R$ 150 milhões23.
Os projetos desenvolvidos a partir desse Plano Nacional abordaram os seguintes
programas: Programa Nacional para Levantamento Eólico – Atlas Eólico do Brasil; geração
de eletricidade através de sistemas híbridos eólico/diesel de grande porte em regiões isoladas
do Brasil (ilhas e vilas); aplicações produtivas de bombeamento e dessalinização d’água;
23
Em valores de 1996 (DUTRA, 2001).
83
sistemas híbridos eólico/solar destinados à eletrificação rural; desenvolvimento de turbinas
eólicas adaptadas às condições de vento do Brasil; desenvolvimento de programas
computacionais e instrumentação aplicados ao projeto de sistemas e componentes;
implantação de centros e laboratórios para desenvolvimento, testes e normalização de turbinas
eólicas e seus componentes; incentivo à educação e à divulgação.
Desde o primeiro encontro ocorrido em Belo Horizonte, apontou-se a necessidade de
criação de um Centro de Referência de Energia Solar e Eólica que seria responsável pela
divulgação do desenvolvimento tecnológico. Em janeiro de 1995, o Centro de Referência para
Energia Solar e Eólica Sérgio de Salvo Brito (CRESESB) iniciou suas atividades nas
dependências do Centro de Pesquisa de Energia Elétrica (CEPEL). O CRESESB tem recebido
apoio de recursos humanos e laboratoriais do CEPEL e aportes financeiros do Ministério de
Minas e Energia (MME).
O CRESESB tem publicado diversos livros, informes e periódicos, visando disseminar
as fontes de Energia Eólica e solar no Brasil e ampliar os conhecimentos tecnológicos do
setor. Entre esses trabalhos, destaca-se o Atlas do Potencial Eólico Brasileiro publicado em
2001. Além disso, o Centro frequentemente organiza seminários, cursos básicos e avançados
sobre temas relacionados e divulga várias informações na Internet através do seu site24
(DUTRA, 2001).
Para a implantação de projetos de Energia Eólica no país e, especialmente de fábricas
locais de aerogeradores, é necessário um grande esforço em pesquisa e desenvolvimento de
máquinas e componentes adaptados às condições brasileiras. Desse modo, a partir de uma
parceria entre a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o Ministério de Ciência e
Tecnologia (MCT), o Ministério do Meio Ambiente dos Recursos Hídricos e da Amazonas
Legal (MMA), a Secretaria de Ciência Tecnologia e Meio Ambiente do estado de
Pernambuco (SECTEC) e o Banco do Nordeste (BNB), foi inaugurado, em Olinda/PE, em
março de 1996, o Centro Brasileiro de Energia Eólica (CBEE) (DUTRA, 2001).
Dutra (2001) destacou os principais objetivos e as metas estipuladas no plano de
trabalho do CBEE: pesquisar e desenvolver turbinas eólicas adaptadas às condições do Brasil;
servir de foco para os testes de campo e trabalhos a ser desenvolvidos por universidades e
outros órgãos ligados à área de Energia Eólica; fornecer dados e parâmetros para elaboração
de normas técnicas e padronizações para turbinas eólicas; testar o desempenho de turbinas
eólicas em condições reais de funcionamento; determinar as principais forças atuantes em
24
http://www.cresesb.cepel.br
84
turbinas eólicas em função das condições de vento do Brasil; validar modelos teóricos
computacionais através da análise experimental de turbinas eólicas.
Um dos projetos de maior destaque do CBEE é a caracterização dos recursos eólicos
da região Nordeste através do Atlas Eólico do Nordeste do Brasil (Wind Atlas for the
Northeast of Brazil – WANEB). Após a primeira versão desse trabalho, o Centro Brasileiro de
Energia Eólica tem se esforçado para elaborar o Atlas Eólico do Brasil, com dados do
potencial eólico para todo o território nacional.
Para se determinar a viabilidade da utilização da Energia Eólica no Brasil, diversos
estudos têm sido realizados nos últimos anos. Em 1988, um convênio entre a Eletrobras e a
Fundação Padre Leonel Franca (instituição ligada à Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro) possibilitou a publicação do primeiro Atlas do Potencial Eólico Nacional. Esse
trabalho foi o primeiro esforço para se agrupar o maior número possível de informações sobre
o potencial eólico nacional, visando diversas aplicações como a eletrificação rural através de
aerogeradores e o bombeamento de água para sistemas de irrigação e salinas (DUTRA, 2001).
Em 2001, o CRESESB publicou o Atlas do Potencial Eólico Brasileiro, estimando em
143.500MW a potência tecnicamente aproveitável do país. Essa potência total seria capaz de
produzir uma energia anual de 272,2TWh. Atualmente, as usinas eólicas em operação
possuem uma potência total instalada de apenas 1.795MW que indica o quanto o Brasil ainda
tem a expandir na geração eólica (ANEEL, 2012; CRESESB, 2001). A Figura 7 apresenta o
mapa eólico do Brasil, considerando a velocidade média anual do vento a 50 metros de altura.
Conforme dados do Atlas, as principais regiões para o aproveitamento da fonte eólica
são o Nordeste, o Sudeste e o Sul, que juntos correspondem a cerca de 90% de todo o
potencial eólico nacional. Somente a região Nordeste, participa com 53% do potencial eólico
estimado com destaque para os estados de Ceará e Rio Grande do Norte que possuem o maior
potencial.
85
Figura 7 – Mapa eólico brasileiro
Fonte: CRESESB (2001, p.27).
Entretanto, conforme mostrou o CRESESB (2010), o Atlas do Potencial Eólico
Brasileiro apresenta uma série de incertezas para algumas regiões do Brasil devido às
limitações técnicas dos modelos disponíveis na época em que foi lançado. Além disso, a
estimativa do potencial eólico foi feita considerando a tecnologia comercial da época que
envolvia medições da velocidade do vento a alturas de 50m.
O mercado de aerogeradores, por sua vez, evoluiu bastante nos últimos anos e
aumentou significativamente a capacidade das turbinas eólicas. Enquanto que, em 2001, o
diâmetro dos rotores era de aproximadamente 50m – com capacidade de 1,3MW de potência
– em 2010, os rotores chegaram a 126m de diâmetro, com capacidade de 7,5MW de potência.
Cabe ressaltar que a velocidade do vento aumenta com a altura de medição e, conforme visto
anteriormente, o potencial de geração do aerogerador é função do cubo da velocidade
(EWEA, 2009b; IRENA, 2012).
Dessa maneira, é necessária a atualização do Atlas de forma a aumentar a resolução do
mapeamento e contemplar alturas superiores a 100m, considerando os modernos
86
aerogeradores com potência acima de 8 MW. Igualmente, é necessário incluir o potencial
eólico offshore do Brasil que se constitui numa possibilidade futura de expansão do setor no
país. Nesse sentido, além de possuir mais de 7 mil quilômetros de litoral, o Brasil domina a
avançada tecnologia de prospecção, exploração e produção offshore de petróleo e gás natural.
Diante do exposto, foi celebrado um convênio entre o CEPEL e a Financiadora de
Estudos e Projetos (FINEP) para o desenvolvimento de um Atlas Dinâmico do Potencial
Eólico Brasileiro. A partir de uma plataforma de alto desempenho, o novo projeto será capaz
de monitorar e atualizar os ventos em tempo real com uma antecedência de até 72 horas. Os
dados estarão disponíveis para a sociedade através da internet (CRESESB, 2010).
No entanto, a prometida atualização do Atlas Eólico Brasileiro está atrasada e sem
previsão de publicação do material. Apesar de o documento já possuir verba liberada desde
2009, houve atrasos na execução do projeto devido à dificuldade na obtenção dos dados. Para
o diretor geral do CEPEL, Albert Melo, o sucesso do setor eólico no Brasil causou o atraso na
publicação do documento. Segundo Melo, com o sucesso da fonte, as empresas não querem
mais fornecer seus dados “nem para balizar nossos estudos” (JORNAL DA ENERGIA, 2011;
idem, 2012a).
A alternativa encontrada pelo CEPEL foi a realização de acordos institucionais. Um
convênio entre o Centro e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) foi celebrado no
primeiro semestre do corrente ano (2012) com uma expectativa de publicação da atualização
do referido Atlas até 2014.
Cabe ainda destacar uma característica importante da geração eólica no Brasil,
especialmente no Nordeste. Nessa região, a fonte eólica apresenta-se como complementar a
hidroeletricidade, sendo o período com maior regime de vento coincidente com o período de
menor precipitação de chuvas. Essa sazonalidade inversa da Energia Eólica representa um
aumento virtual da capacidade de armazenamento das hidrelétricas. No Gráfico 13, é
apresentada a capacidade de armazenamento da Bacia do Rio São Francisco e a produção
eólica do PROINFA (ABEEÓLICA, 2012a).
87
Gráfico 13 – “Sazonalidade inversa” da Energia Eólica no Nordeste
Fonte: ABEEólica (2012a).
Portanto, a geração de Energia Eólica é totalmente compatível e complementar à
matriz elétrica nacional onde predomina a hidroeletricidade. Como a produção máxima de
Energia Eólica ocorre nos períodos de menor capacidade das hidroelétricas, não é necessária,
pelo menos no curto prazo, a expansão da rede de distribuição de energia elétrica brasileira,
reduzindo, assim, os custos de instalação da nova tecnologia.
No entanto, sobre esse aspecto, deve ser feita uma ressalva. Como a maior parte da
produção de Energia Eólica está localizada na região Nordeste, uma região que historicamente
sempre importou energia elétrica, são necessários investimentos para expandir a rede de
transmissão num horizonte de médio/longo prazo. Dessa maneira, incertezas quanto às
limitações técnicas futuras a expansão do setor eólico poderão ser reduzidas, possibilitando
que novos investimentos sejam atraídos para a região.
Outro ponto que merece ser destacado é o uso da Energia Eólica em detrimento das
usinas termelétricas. Atualmente, a matriz elétrica nacional depende fortemente do regime de
chuvas. Nos períodos de baixa dos reservatórios hídricos, as termelétricas movidas a
combustíveis fósseis são acionadas de maneira a garantir a oferta de energia no período.
Como a produção eólica é mais intensa justamente nesses meses, sua utilização evita a
emissão de GEE e o alto custo de operação das termelétricas.
Ainda sobre o potencial eólico do Nordeste, a Associação Brasileira de Energia Eólica
(ABEEólica) mostrou que essa região apresenta características físicas relevantes que
garantiram uma trajetória de sucesso da Energia Eólica no Brasil. A conjunção de parâmetros
88
básicos de vento – pouca rajada e baixa turbulência – permitem o uso de rotores maiores, que
ampliam a área de alcance e produzem maiores fatores de capacidade25. Desse modo, a
geração eólica brasileira se destaca no cenário internacional por possuir um fator de
capacidade superior à média de outros países (ABEEÓLICA, 2012b). No Gráfico 14, é
apresentada uma comparação do fator de capacidade médio da Energia Eólica no Brasil com o
de alguns países da Europa.
Gráfico 14 – Fator de Capacidade Médio da Geração Eólica para países selecionados em
200926 (%)
Fonte: Adaptado de ABEEólica (2012b).
4.2 A capacidade instalada de Energia Eólica em Operação
A Energia Eólica se desenvolveu bastante nos últimos anos no Brasil. Se, em 2005, o
país possuía uma capacidade instalada em operação de apenas 29MW, em 2011, esse valor
ultrapassou a marca de 1.500MW. As razões para esse rápido crescimento do setor serão
abordadas na próxima sessão deste trabalho quando serão discutidos os programas de
incentivo às fontes de energia renovável, em especial a eólica.
Como pode ser visto no Gráfico 15, somente em 2011, o Brasil adicionou 583MW à
sua capacidade instalada, que representou um aumento de aproximadamente 63% em relação
ao ano anterior. Com essa expressiva marca alcançada, o Brasil lidera com folga a produção
25
O fator de capacidade de uma usina de geração de energia elétrica é a razão entre a produção efetiva da usina
em um período de tempo pela capacidade total máxima neste mesmo período.
26
Valores estimados para o Brasil e absolutos para os demais países (ABEEólica, 2012b).
89
de Energia Eólica na América Latina27. Em segundo lugar, ficou Honduras, país ingressante
nesse segmento, que iniciou sua produção, em 2011, com 102MW de capacidade instalada
(GWEC, 2012a).
A GWEC (2012a) destacou a expansão do mercado eólico na Argentina de
aproximadamente 79MW em 2011. Esse crescimento representou um aumento de mais de
100% da capacidade instalada total naquele país. Entretanto, apesar de possuir excelentes
recursos eólicos, o país ainda é um risco para os investidores internacionais que procuram
mercados com estabilidade e regras claras e definidas como acontece no Brasil.
Gráfico 15 – Evolução da capacidade instalada de Energia Eólica no Brasil (2005-2012)
1600
700
1400
600
1200
500
1000
400
800
300
600
400
200
200
100
0
0
Até
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Capacidade Acumulada (MW)
29
237
247
341
606
927
1509
Capacidade Adicionada (MW)
29
208
10
94
265
321
583
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de GWEC (2012a).
Ao considerar a capacidade total acumulada, o Brasil ainda ocupa a primeira posição
na América Latina com uma capacidade instalada quase três vezes superior à do México,
segundo colocado na região. Desse modo, o Brasil se confirma como grande líder no mercado
eólico latino-americano e assim deve continuar durante os próximos anos. Espera-se que, até
2016, a capacidade instalada da região chegue a quase 11.000MW, sendo o Brasil o maior
responsável por novas instalações que deverão contribuir com cerca de três quartos da
capacidade instalada adicional (GWEC, 2012a).
Sobre o mercado global de Energia Eólica, o Brasil alcançou a décima primeira
posição em capacidade adicionada em 2011, representando aproximadamente 1,44% do total
mundial. Em relação ao total acumulado, o Brasil encontra-se na vigésima posição com uma
27
A GWEC considera o México como parte integrante da América do Norte, porém, neste trabalho, as análises
foram feitas considerando aquele país como membro da América Latina (observação do autor).
90
participação de apenas 0,63% sobre a capacidade mundial. A expectativa é que, até 2016, o
Brasil amplie sua participação no mercado mundial, chegando a quase 2% da capacidade
eólica instalada no mundo (GWEC, 2012a).
4.3 Programas de Incentivo à Produção e os Leilões de Energia Eólica no Brasil
Diante da necessidade de promoção a inovações e de Pesquisa e Desenvolvimento
(P&D), muitos países adotaram políticas públicas de incentivo à produção de Energia Eólica.
No Brasil, o primeiro programa de larga escala para incentivo ao desenvolvimento da Energia
Eólica foi o PROEÓLICA criado em 2001.
O referido Programa tinha como objetivo alcançar a produção de 1.050MW de energia
a partir da geração eólica com o prazo máximo para a entrada em operação em dezembro de
2003. O Programa determinava a garantia de compra pela Eletrobras de toda energia elétrica
gerada por um período de quinzes anos. Segundo Dutra (2007), o PROEÓLICA não atingiu
os objetivos propostos em razão da falta de regulamentação de curto prazo para sua aplicação
e do consequente desinteresse dos investidores.
Após o insucesso do PROELÓLICA, foi criado o PROINFA em abril de 2002. O
objetivo desse Programa era a diversificação da Matriz Energética Brasileira através da
promoção às fontes alternativas de geração de energia elétrica, permitindo a valorização das
características e das potencialidades regionais e locais. O Programa, coordenado pelo
Ministério de Minas e Energia (MME), foi estipulado para ser implementado em duas fases.
A primeira fase do Programa garantia uma contratação de 3.300MW em projetos de
biomassa, fontes eólicas e Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCH’s), sendo 1.100MW de cada
fonte. Até a implantação do PROINFA, a Energia Eólica possuía uma potência instalada de
28MW, portanto, nesta primeira fase do programa, a fonte eólica ganhou grande impulso com
a previsão de contratação de 1422MW.
Em sua segunda fase, atingida a meta de 3.300MW, o PROINFA previu que as fontes
eólicas, as PCH’s e a biomassa atenderiam a 10% da demanda anual de energia elétrica no
Brasil num prazo máximo de vinte anos. Ao considerar que a data inicialmente prevista, para
início de operação dos projetos, foi dezembro de 2006, esta meta seria alcançada até o final de
2026 (DUTRA, 2007).
Para essa fase, o Programa incluiu um novo agente no setor: o Produtor Independente
Autônomo – PIA. Este novo agente é caracterizado como:
91
[...] aquele cuja sociedade não é controlada ou coligada de concessionária de
geração, transmissão ou distribuição de energia elétrica, nem de seus controladores
ou de outra sociedade controlada ou coligada com o controlador comum (DUTRA,
2007, p.184-185).
A participação dos demais agentes não enquadrados, na classificação PIA, era
restringida a 25% dos projetos de PCH e Biomassa e a 50% dos projetos eólicos.
Nos contratos celebrados pela Eletrobras, o preço pago pela energia teria como base o
custo médio ponderado de geração de novos aproveitamentos hidráulicos com potência
superior a 30.000kW e centrais termelétricas a gás natural. A diferença entre o valor
econômico correspondente ao custo de geração das fontes eólica, PCH e biomassa, e o preço
da energia convencional calculada pelo Poder Executivo, seria paga ao produtor independente
como forma de subsídio com recursos da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Para o sucesso do PROINFA, o governo pretendia reduzir os custos de geração das
fontes alternativas de energia através da implementação completa da primeira fase do
Programa. Contudo, isso efetivamente não ocorreu devido às prorrogações ocorridas para o
início do funcionamento dos empreendimentos contratados.
O Programa também objetivava o desenvolvimento do parque industrial no Brasil e,
para isso, estabeleceu índices de nacionalização dos equipamentos que seriam utilizados nos
projetos. Durante a primeira fase, o índice de nacionalização era de, no mínimo, 60% em
valor. Na segunda fase do Programa, esse índice cresceu para 90%, pois havia a previsão de
um grande volume de projetos em longo prazo nas três tecnologias participantes (MME,
2012).
Segundo dados da ANEEL (2012), até setembro de 2012, o Brasil possuía 82 parques
eólicos em operação que correspondiam a uma capacidade instalada de 1.747MW. A maioria
desses parques em operação foi inserida na matriz elétrica nacional através do PROINFA. No
entanto, dados da ABEEólica (2011) mostraram que, até agosto de 2011, cerca de 20% dos 54
parques eólicos contratados ainda estavam em construção. Quando começarem a produzir,
esses novos parques aumentarão a capacidade eólica instalada em 422MW.
Esse atraso no cronograma de construção dos parques eólicos é atribuído a algumas
dificuldades enfrentadas pelos novos produtores. Entre essas dificuldades, destacam-se os
altos custos e a burocracia para a obtenção ou a renovação das licenças ambientais dos
projetos; a demora na obtenção de Declaração de Utilidade Pública dos projetos; os
obstáculos na interligação à rede em particular na região Centro-Oeste; a capacidade
insuficiente da indústria nacional para atender a demanda de aerogeradores (GWEC, 2011).
92
Após muitos atrasos, os últimos empreendimentos, contratados pelo PROINFA,
entraram em operação no final de 2011. Ao total, foram implantados 41 projetos de Energia
Eólica, que juntos adicionaram quase 1.200MW à capacidade instalada brasileira. Desse
modo, o PROINFA se tornou o maior programa do mundo de incentivo às fontes alternativas
de energia elétrica, tornando-se um importante instrumento de fomento à expansão da Energia
Eólica no país (ELETROBRAS, 2011; MME, 2012).
Do ponto de vista econômico, a Energia Eólica caracteriza-se pelo elevado
investimento inicial e pelo baixo custo operacional. Desse modo, a inciativa privada só
apostará no setor quando houver um equilíbrio entre a expectativa de retorno financeiro e a
percepção dos riscos. Enquanto que a garantia de tempo para a recuperação do capital e o
acesso a financiamentos influenciam as expectativas de retorno, a modalidade de contratação
da Energia Eólica influencia decisivamente a percepção dos riscos.
Para reduzir esses riscos, pode ser adotada uma forma de contratação que considere a
produção média de energia ao longo dos anos. Uma dessas formas é o mecanismo de leilão de
energia, que tende a estabelecer um valor adequado ao equilíbrio do preço com a percepção
do risco. Desse modo, através da lei federal nº 10.848/2004, foi definido que a contratação de
energia elétrica para cobertura do consumo no ambiente regulado28 e a formação de lastro de
reserva deverão ser realizadas por meio de leilões específicos.
Ainda segundo a referida lei, a contratação de energia poderia ser feita pela
modalidade quantidade ou disponibilidade. No primeiro caso, o vendedor do contrato se
compromete a fornecer uma determinada quantidade de energia elétrica e assume os riscos e
os custos variáveis de produção. Na última modalidade, a unidade geradora se compromete a
disponibilizar uma determinada capacidade com uma receita garantida pela distribuidora que
assume os custos variáveis daquelas usinas.
O decreto nº 5.163/2004 regulamentou a lei nº 10.848/2004 e qualificou os tipos de
leilões de energia elétrica. Esses leilões ocorrem com periodicidade anual e dividem-se em
leilões de energia existente e leilões de energia nova. Os leilões de energia existente são
classificados como tipo A-1, possuem vigência entre 5 e 15 anos e objetivam a venda de
energia de empreendimentos cujo investimento inicial já tenha sido plenamente amortizado.
Os leilões de energia nova, por sua vez, são organizados sob a formatação do tipo A-3 e A-5,
28
No Ambiente de Contratação Regulada, os agentes de distribuição adquirem a energia elétrica para atender seu
mercado (consumidores cativos). No Ambiente de Contratação Livre, por sua vez, os agentes geradores,
produtores independente de energia, auto-produtores, comercializadores e importadores de energia negociam
livremente a contratação de energia elétrica por meio de contratos bilaterais com consumidores livres e
especiais.
93
possuem vigência entre 10 e 30 (de acordo com a fonte) e objetivam permitir a contratação
antecipada de energia pelos distribuidores para atendimento pleno de sua demanda estimada
de três a cinco anos à frente (C. S. SILVA, 2011).
Apesar de os ambientes de comercialização de energia elétrica terem sido
estabelecidos em 2004, somente em 2009 foi realizado o primeiro leilão exclusivo de Energia
Eólica – 2º Leilão de Energia Reserva (LER 2009). Nesse leilão, foram contratados 71
empreendimentos na modalidade quantidade de energia, que corresponderam a 1.805,7MW
de potência instalada. Os contratos de compra e venda de energia terão duração de 20 anos
com início de suprimento a partir de 1º de julho de 2012 (BRASIL, 2009).
Em 2010, o Leilão de Fontes Alternativas (LFA 2010) e o Leilão de Energia Reserva
(LER 2010) contrataram 70 projetos de Energia Eólica com uma potência total instalada de
2.047,8MW. Em volume de energia, essa capacidade correspondeu a 899MW médios. No ano
seguinte, a expansão de Energia Eólica continuou através de três novos leilões: A-3 2011,
LER 2011 e A-5 2011. Os dois primeiros contrataram 1.928,8MW de potência instalada em
78 projetos de parques eólicos enquanto que o último resultou na contratação de 39 projetos
de geração eólica com capacidade instalada total de 976,5MW (BRASIL, 2011c; idem,
2011d; idem, 2011e). No Gráfico 16, é apresentada a expectativa quanto ao crescimento da
Energia Eólica baseada nos leilões já realizados no país.
Gráfico 16 – Perspectiva de Crescimento da Energia Eólica no Brasil
Fonte: Simas (2012).
94
Os leilões de Energia Eólica de 2009, 2010 e 2011 contrataram 258 novos parques
eólicos que juntos totalizaram mais de 6.700MW de capacidade instalada. A nova capacidade
adicionada àquela já em operação elevarão a capacidade instalada em Energia Eólica total do
país para cerca de 8.000MW até o fim de 2016. A estimativa da EPE é que, até o final de
2020, a capacidade eólica instalada chegue a 11.532 MW, representando cerca de 7% da
oferta total de eletricidade no país (BRASIL, 2011f).
Cabe destacar também as novas oportunidades que estão surgindo para a Energia
Eólica no Ambiente de Contratação Livre (ACL), segmento de mercado até então
desconhecidos desse setor. Como mostrou GWEC (2012a), o aumento da competitividade e a
redução dos preços por MWh (que serão vistos nas próximas sessões) motivaram um grupo de
investidores privados a construir 18 novos parques eólicos, com capacidade total de 546MW,
para operação exclusiva no ACL.
Desde 2011, já se encontra em operação no Rio Grande do Norte, um parque eólico
com capacidade instalada de 14,4MW operando no segmento do ACL. No entanto, os riscos
associados no âmbito do ACL ainda são muito altos dada a sazonalidade e a intermitência da
geração eólica. Para mitigar esses riscos, é necessário que se definam regras para a verificação
de garantia física das usinas eólicas. Para tanto, a expansão da geração eólica no ACL
constitui-se num dos maiores desafios do setor no horizonte de curto/médio prazo
(ABEEÓLICA, 2012a).
4.4 Desenvolvimento do Setor Eólico no Brasil: Diversificação das Fontes Energéticas
De acordo com o exposto anteriormente, a geração de Energia Eólica no Brasil cresceu
consideravelmente nos últimos anos, especialmente após a implantação do PROINFA. Se
antes deste Programa o país possuía uma produção pouco expressiva, hoje, a Energia Eólica já
é uma realidade na matriz elétrica nacional. O novo marco regulatório da Energia Eólica,
composto por leilões regulares e contratos de longo prazo, possibilitou o aumento da dinâmica
do mercado com a atração de novas indústrias para o setor.
Diante desse cenário, alguns estados saíram na frente e já despontaram como os
grandes produtores de Energia Eólica no país, entre esses estados destacam-se Rio Grande do
Norte, Ceará, Bahia, Rio Grande do Sul e Santa Catarina que concentram cerca de 94% da
capacidade instalada já em operação no país. A região Nordeste, além de estar bem à frente na
produção de Energia Eólica, é a mais promissora quando se consideram os parques já
contratados e que ainda não iniciaram sua construção. Espera-se que, até 2016, quando
95
entrarem em operação os empreendimentos contratados nos leilões de 2011, a região Nordeste
possua uma capacidade instalada de aproximadamente 7.007MW que representará cerca de
80% da capacidade instalada de Energia Eólica do país. Verifica-se a partir da Figura 8 como
a capacidade instalada de Energia Eólica se distribui pelos estados brasileiros (ABEEÓLICA,
2012c).
Figura 8 – Distribuição estadual da capacidade eólica instalada no Brasil (2012)29
Fonte: ABEEólica (2012c).
Em relação ao número de parques eólicos, o Ceará atualmente lidera com 18 parques
em operação. No entanto, logo essa situação se reverterá quando os novos parques em
construção no Rio Grande do Norte iniciarem sua produção. Nos leilões de Energia Eólica já
ocorridos, esse estado vem se destacando e sempre lidera no número de projetos contratados.
Enquanto que no leilão de 2009, o Rio Grande do Norte respondeu por cerca de 36% da
capacidade instalada contratada, em 2010, esse percentual chegou a 52%. Nos leilões
realizados em 2011, a participação desse estado reduziu para 27%, mesmo assim, o estado
manteve-se na liderança da capacidade instalada contratada (CHAVES-SCHWINTECK &
NEDDERMANN, 2012). O Gráfico 17 apresenta como estão distribuídos os parques eólicos
no Brasil.
29
Atualizado até 31 de agosto de 2012.
96
Gráfico 17 – Distribuição estadual dos parques eólicos no Brasil (2012)30
120
100
80
60
40
20
0
RN CE
Contratado 60 54
RS
41
BA MA SC
34 15 1
PB
0
PE
3
PI
4
RJ
1
PR
0
SE
0
Construção 41
11
5
19
0
0
0
0
0
0
0
0
Operação
18
12
3
0
13
13
5
1
1
2
1
13
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de ANEEL (2012).
O novo formato de contratação da Energia Eólica, através dos leilões de energia,
dinamizou o mercado brasileiro. Esses leilões estimularam a concorrência entre os produtores
aqui instalados e atraíram novas empresas internacionais. O resultado obtido foi um mercado
diversificado com forte presença do capital internacional.
Dados de ABEEólica (apud GWEC, 2012b) confirmaram que, após os leilões de 2009
e 2010, o número de empreendedores de parques eólicos se diversificou bastante. A empresa
brasileira Renova lidera o mercado com 11% dos projetos contratados nesses leilões. Em
seguida, estão as empresas Energimp (brasileira31) e Iberdrola (espanhola) com 7% dos
projetos cada uma. O Gráfico 18 mostra a distribuição das empresas vencedoras dos referidos
leilões e suas respectivas participações de mercado.
Em relação aos parques eólicos em operação, as 82 usinas atuais distribuem-se entre
cerca de cinquenta empresas. A empresa com maior capacidade instalada é a Bons Ventos
Geradora de Energia (brasileira) que possui quatro parques eólicos em operação no Ceará e
representa quase 9% da capacidade instalada nacional. Em segundo lugar, encontra-se a
empresa Ventos do Sul Energia, pertencente ao grupo espanhol Enerfín, com três parques em
operação no Rio Grande do Sul e que representam 8,6% da capacidade instalada total
(ANEEL, 2012).
30
31
Atualizado até 10 de outubro de 2012.
Apesar de ser uma empresa nacional, a Energimp é controlada pelo grupo argentino Impsa.
97
Gráfico 18 – Participação de mercado das empresas produtoras de Energia Eólica
(2012)
Fonte: GWEC (2012a).
Diante do exposto, observa-se que o mercado de geração eólica mostra-se cada vez
mais concorrido com empresas de diferentes nacionalidades, disputando espaço no mercado
brasileiro. Além disso, cabe destacar que nenhuma empresa lidera isoladamente esse setor
altamente competitivo e que seus respectivos market share32 são disputados acirradamente a
cada leilão de energia.
O crescimento expressivo da Energia Eólica, verificado nos últimos anos no Brasil,
tem despertado o interesse de muitas indústrias que compõem a cadeia de fornecimento desse
setor seja para a fabricação de aerogeradores, torres ou pás de rotores (hélices). A perspectiva
do crescimento contínuo do setor eólico no país atrai novas empresas que buscam expandir
seus mercados e fugir da crise internacional recente.
Nos primeiros anos do PROINFA, existiam no país somente quatro fabricantes de
aerogeradores: a alemã Wobben e a argentina Impsa, os primeiros a se instalar em território
brasileiro, além da indiana Suzlon e da dinamarquesa Vestas. Essas indústrias foram
responsáveis por atender toda capacidade instalada em operação, bem como os novos parques
eólicos em construção durante o período. Contudo, com a demanda crescente surgida após os
leilões de Energia Eólica, diversas indústrias se instalaram no Brasil ou projetaram a
construção de novas plantas. Atualmente, o país possui oito fábricas em operação, duas em
construção e duas em fase de planejamento. Inclusive, o maior produtor de aerogeradores da
China e quarto maior do mundo, o fabricante Sinovel já opera comercialmente no Brasil desde
o ano passado (ABEEÓLICA, 2011; idem, 2012c).
32
O termo market share (“quota de mercado” – tradução literal do inglês) refere-se à fatia de mercado que uma
organização detém. Sua medida quantifica, em percentual, a quantidade do mercado dominado por essa
empresa.
98
A capacidade de produção dos primeiros fabricantes de aerogeradores aqui instalados
era de 1.100MW/ano. No entanto, com a entrada em operação das novas indústrias em
construção, a expectativa é que essa capacidade chegue a 2.000MW/ano. Além disso, com a
consolidação dos planos de investimentos em Energia Eólica, a expectativa é que a Embraer
ou um estaleiro nacional surjam no mercado como um grande fabricante nacional de
aerogeradores (GWEC, 2011).
Atualmente, não se fabricam, no Brasil, apenas as turbinas eólicas. A fabricação de
pás de rotores também é destaque com uma capacidade total de fabricação de 2.100MW/ano.
O país possui quatro indústrias em operação, instaladas em São Paulo e no Ceará, e mais duas
previstas para construção na Bahia e em Pernambuco. Nesse segmento, cabe ainda destacar a
participação da empresa brasileira Tecsis, segunda maior fabricante independente de hélices
do mundo que, em 2006, atendeu mais de 10% do mercado mundial (GWEC, 2011; idem,
2012b).
Em relação à fabricação de torres, o país possui atualmente sete indústrias capazes de
produzir acima de 810 torres por ano, o equivalente a uma capacidade de fabricação de
1.600MW/ano. Além das indústrias já instaladas, há uma nova fábrica em construção na
Bahia e outra em fase de planejamento na cidade de Santa Isabel/SP (ABEEÓLICA, 2012c;
GWEC, 2012b).
A partir da Figura 9, é possível observar como está distribuída a indústria eólica no
Brasil. Nota-se uma forte presença do capital internacional, sobretudo, nos segmentos de
maior densidade tecnológica, como a fabricação de aerogeradores. Nesse sentido, a
participação da indústria nacional ainda é bastante limitada e restringe-se, com algumas
exceções, à fabricação de torres e fundições, segmentos com menor densidade tecnológica.
No entanto, cabe ressaltar que a indústria eólica nacional vem se desenvolvendo e
incorporando tecnologia através de parcerias com o capital internacional; como exemplo,
pode ser citado o caso da indústria brasileira Aeris Energy que possui uma fábrica de pás
eólicas em operação no estado do Ceará. A instalação dessa fábrica foi viabilizada a partir de
um acordo comercial com a empresa indiana Suzlon, que é um dos maiores fornecedores de
aerogeradores no Brasil. Após essa experiência bem-sucedida, a Aeris Energy já planeja a
construção de outra fábrica, localizada no estado da Bahia e independente de outras parcerias
comerciais.
99
Figura 9 – Distribuição Estadual da Indústria Eólica no Brasil (2012)33
Fonte: Adaptado de ABEEólica (2012c).
Sobre a distribuição da indústria eólica entre os estados brasileiros, é importante
destacar alguns aspectos. Em primeiro lugar, nota-se que o maior número de fabricantes está
localizado no estado de São Paulo que não possui nenhuma produção de Energia Eólica.
Nesse sentido, verifica-se como a indústria nacional ainda está fortemente concentrada nesse
estado inclusive no segmento eólico que possui componentes de grandes dimensões e que
envolvem altos custos de transporte.
Outro aspecto refere-se à importância de políticas estaduais no desenvolvimento da
indústria eólica no país. O estado do Ceará, por exemplo, fez investimentos em infraestrutura,
como a ampliação de portos e rodovias e adotou uma política de atração de investimentos
privados que possibilitaram o desenvolvimento nesse estado do que se pode considerar um
polo industrial eólico. Esse é único estado brasileiro produtor de Energia Eólica que fabrica
praticamente todos os componentes necessários à implantação de um parque eólico.
Em relação à localização de novas indústrias, o estado da Bahia tem se destacado
graças às políticas de incentivo desenvolvidas por esse estado. Apesar de possuir somente três
33
Incluem somente os fabricantes associados à ABEEólica (ABEEólica, 2012c).
100
parques eólicos em operação, o estado possui grandes perspectivas de crescimento na geração
de Energia Eólica, pois possui mais de cinquenta projetos contratados através dos últimos
leilões de energia. Além disso, cabe ressaltar que o estado possui uma estrutura industrial já
bastante desenvolvida.
Na contramão do setor, encontra-se o Rio Grande do Norte que adotou uma postura
diferente daqueles estados citados. Apesar de o estado possuir o maior potencial eólico do
Brasil e contar com o maior número de projetos contratados nos leilões, há somente uma
indústria em operação, localizada na cidade de Parazinho que é responsável pela fabricação de
torres eólicas. Não há perspectivas quanto à instalação de novas indústrias no estado.
Como mostrou S. C. A. da Silva (2011), os principais entraves para o desenvolvimento
da indústria eólica no Rio Grande do Norte estão relacionados com a deficiência em
infraestrutura e logística, além da falta de incentivos fiscais. Desse modo, para que o estado
possa atrair novas indústrias, é necessária a adoção de políticas públicas estaduais que
eliminem esses problemas, de maneira a reduzir as incertezas futuras para os novos
investimentos e adicionar vantagens comparativas diante dos outros estados.
Sobre o desenvolvimento recente do setor eólico brasileiro, cabe destacar também a
participação da indústria nacional na cadeia produtiva do setor. Foi o desenvolvimento da
indústria nacional um dos responsáveis pelas alterações experimentadas pela indústria eólica
no Brasil, especialmente a fabricação de aerogeradores. Como mostraram Hamilton & PettersStanley (2012), o desenvolvimento desse setor proporcionou a expansão de uma cadeia local
de produtores de peças e componentes utilizados na fabricação desses aerogeradores.
Por fim, outro aspecto que deve ser mencionado sobre a expansão do setor eólico
brasileiro é o aumento da participação direta de fabricantes de aerogeradores em Sociedades
de Propósito Específico (SPE34) de novos parques eólicos. Essa participação possibilita o
aumento da capacidade de financiamento dos projetos com capital próprio, reduzindo, assim,
a dependência de fontes externas de financiamento. As experiências de outros países
mostraram que a redução da dependência de capital externo é uma das condições necessárias
para reduzir gradativamente os custos de implementação dos empreendimentos e,
consequentemente, os custos finais de energia (HAMILTON & PETTERS-STANLEY, 2012).
34
A SPE surgiu juntamente com a Lei de Parceria Público Privada (lei nº 11.079/2004) e constitui-se num
instrumento utilizado pelo Estado para orientar a alocação de recursos particulares na consecução de interesses
públicos (FÉRES, 2005).
101
4.5 O Custo da Energia Eólica no Brasil
Conforme mostrou a ABEEólica (2012b), o custo da Energia Eólica no Brasil foi
reduzido consideravelmente nos últimos anos. Se, em 2004, durante a implantação do
PROINFA, o preço da Energia Eólica ainda não era competitivo, essa situação se inverteu
após o LER 2009. Esse Leilão marcou profundamente o setor eólico no país, pois, após as
suas contratações, o setor conseguiu ampliar sua escala e os preços tornaram-se competitivos.
Os novos parques eólicos contratados, após o referido Leilão, ampliaram
significativamente seus fatores de capacidade. Enquanto que nos empreendimentos
contratados pelo PROINFA, o fator de capacidade médio era de 32%, nos projetos aprovados
no LER 2009, chegaram a 43%. Nesse sentido, verificou-se ainda um crescimento expressivo
do fator de capacidade médio nos leilões subsequentes, chegando a um pico de 51% no LER
2010. No último leilão de energia realizado (A-5 2011), o fator de capacidade médio foi de
49% (ABEEÓLICA, 2012a).
Em relação aos preços dos contratos estabelecidos, os resultados dos leilões
demonstraram uma rápida curva de aprendizagem no setor eólico. Quando comparados o
preço médio dos contratos do PROINFA com os resultantes do leilão A-5 2011, esses tiveram
uma redução de aproximadamente 66% em relação àqueles. No Gráfico 19, é feito um
comparativo entre os preços da Energia Eólica no PROINFA e nos leilões bem como os
fatores de capacidade obtidos.
Gráfico 19 – Histórico de Preços da Energia Eólica no Brasil: PROINFA x Leilões
350
60%
308,5
300
250
200
150
51%
43%
32% 167,4
45%
43%
147,2
49% 50%
50%
40%
30%
134,2
101,3
101,3
105,5
100
20%
10%
50
0
0%
PROINFA LER 2009 LER 2010 LFA 2010 LER 2011 A-3 2011 A-5 2011
Preço médio (R$/MWh)
Fator capacidade médio
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados de ABEEólica (2012a).
102
Ao considerar os dados de geração de Energia Eólica em diversos países, o Brasil se
destaca por possuir um dos menores preços por MWh no mundo. Na América Latina, o preço
da Energia Eólica brasileira está abaixo de diversos países como Argentina, Uruguai e Peru.
Quando se compara o LCOE da Energia Eólica no Brasil com o de outros países tradicionais
nesse segmento, mais uma vez o Brasil se mostra competitivo, tendo um custo inferior ao
desses países atualmente (ABEEÓLICA, 2012b; GWEC, 2011). No Gráfico 20, foi realizada
uma comparação do LCOE da Energia Eólica para diversos países.
Gráfico 20 – Custo da Energia Eólica – LCOE (R$/MWh)35
Fonte: Adaptado de ABEEólica (2012b).
São diversas as razões que explicam o desenvolvimento do setor eólico no país e sua
consequente redução nos preços praticados. Em primeiro lugar, destaca-se o desenvolvimento
tecnológico do setor que permitiu ampliar a escala de produção através de torres e
aerogeradores maiores, com consequente redução dos custos de produção. As condições
favoráveis de vento no Brasil também merecem destaque. Conforme mostrou ABEEólica
(2012a), as características de vento no país são muito superiores às encontradas na Europa e
nos Estados Unidos e isso permitiu que se obtivessem por aqui fatores de capacidade mais
elevados.
Outro fator que favoreceu a expansão do setor eólico no país foi o modelo de
contratação adotado pelo Brasil. Os leilões de energia realizados bianualmente com contratos
de vinte anos e correções através do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA36),
35
36
Considerem-se as seguintes taxas de câmbio: 2,3 BRL / EUR, e 1,8 BRL / USD (ABEEólica, 2012b)
O IPCA, calculado pelo IBGE, é o índice oficial do Governo Federal para medição das metas inflacionárias
(elaboração do autor).
103
geraram confiança nos agentes do setor, possibilitando a redução dos riscos dos investidores
privados. Além disso, o modelo de leilão adotado estimula a competição entre as empresas do
setor, através da comparação direta dos seus custos de produção, e incentiva o barateamento
do processo produtivo.
Não obstante, com a Europa e os Estado Unidos em crise, China, Índia e Brasil são
praticamente os únicos países investindo em Energia Eólica atualmente. Como China e Índia
possuem sua própria indústria e o Brasil importa cerca de 40% dos bens de capital do setor, o
setor eólico brasileiro tornou-se o único lócus de investimento no segmento, atraindo atenções
internacionais e grande disposição de investimentos estrangeiros (ABEEÓLICA, 2012a).
Diante desse cenário, é esperado que as condições de competitividade do mercado
brasileiro estimulem a formação de consórcios para concorrer aos leilões. Dessa maneira, será
possível o desenvolvimento de grandes operadores energéticos no país com menores custos
financeiros, melhor acesso a financiamentos, com ganhos significativos em economias de
escala e preços finais mais baixos (GWEC, 2012b).
Por fim, deve-se ressaltar ainda o efeito redutor da Energia Eólica sobre os preços de
mercado da eletricidade. A entrada da nova capacidade eólica instalada desloca a curva de
oferta de mercado e tende a reduzir os preços da eletricidade. Esse efeito foi estudado pelos
pesquisadores Gonzalo Sáenz de Miera, Pablo del Río e Ignacio Vizcaíno para o caso da
Espanha. Esses autores estimaram, em 2007, uma redução de preços no mercado de geração
de eletricidade na ordem de 1.300 milhões de Euros (M€), valor muito superior aos incentivos
diretos recebidos pelo setor que foram de 400 M€ (GWEC, 2011).
No Brasil, a Consultoria Excelência Energética (2011) elaborou um estudo visando
verificar esse efeito redutor da Energia Eólica sobre os preços da eletricidade. Nesse estudo, a
quantificação desse efeito é realizada comparando os níveis de preços que poderiam ser
gerados no mercado caso a nova geração eólica não estivesse em operação. Através de análise
das séries geradas pelo software Newave37, esses autores concluíram que o Custo Marginal de
Operação (CMO) é reduzido substancialmente quando se considera a operação dos novos
parques eólicos, como pode ser observado no Gráfico 21.
A partir da referida figura, observa-se uma redução significativa do CMO ao longo dos
anos, especialmente, a partir de 2012, quando se inicia a operação comercial das usinas
eólicas contratadas nos leilões de 2010. Como mostrou Excelência Energética (2011), o que
permite reduzir o custo de operação ao longo do horizonte de planejamento é a utilização de
37
O software Newave, desenvolvido pelo CEPEL, é um dos programas adotados pelo Operador Nacional do
Sistema Elétrico (ONS) para planejamento de operações no Sistema Interligado Nacional (SIN).
104
mais usinas com Custo Variável Unitário (CVU38) nulo. Ao se optar por usinas eólicas ao
invés de termelétricas (as mais caras do sistema), o custo marginal de operação é reduzido
inclusive nas séries geradas pelo Newave.
Gráfico 21 – Custo Marginal de Operação médio dos Principais Subsistemas para o
Brasil
Fonte: Excelência Energética (2011).
Os resultados desse estudo mostraram como a sociedade pode se beneficiar da redução
do CMO do sistema elétrico nacional, tomando-se, como exemplo, o ano de 2014, o CMO
reduziu-se de R$ 107,00/MWh para R$ 86,5/MWh – uma queda de 19% ou R$ 20,5/MWh.
Observa-se essa mesma tendência não somente no referido ano, mas também nos anos
subsequentes. Portanto, essa redução beneficiará os consumidores de energia, que poderão
pagar tarifas menores (EXCELÊNCIA ENERGÉTICA, 2011).
4.6 O Mercado de Créditos de Carbono
Atualmente, existem alguns mercados voluntários que comercializam créditos de
carbono. Esse mercado voluntário de carbono compreende todas as transações de crédito de
carbono que não se regem por uma obrigação regulatória de cumprimento de uma meta de
redução de emissões de GEEs. Os mercados voluntários possibilitam a entidades sem
38
O CVU é o custo decorrente do despacho de 1 MWh de energia gerada por determinada usina. Em algumas
usinas termelétricas esse custo pode chegar a R$ 1 mil/MWh enquanto que, nas eólicas, esse valor é nulo
(EXCELÊNCIA ENERGÉTICA, 2011).
105
compromisso de redução de emissões compensarem total ou parcialmente a pegada de
carbono39 associada com suas operações diárias através de créditos de carbono de projetos
altamente sustentáveis (FINANZAS CARBONO, 2012).
O mercado voluntário de carbono é mais flexível que o mercado regulado, não
possuindo prazos nem padronização como exige o mercado regulado, que possibilita menores
custos de transação e viabiliza projetos de menor escala. Entretanto, os riscos envolvidos no
mercado voluntário são maiores, implicando num preço menor pago pela redução de emissão,
pois o preço é função da credibilidade ou da integridade dos padrões (ROCHA, 2009).
A Bolsa do Clima de Chicago (Chicago Climate Exchange – CCX) foi a primeira do
mundo a negociar as RCE’s e tornou-se modelo para outros mercados de trocas voluntárias de
carbono. Além dessa, destacam-se também: a Bolsa do Clima Europeia (European Climate
Exchange – ECX); a Nord Pool Spot na Noruega; a Bolsa do Clima de Montreal (Montréal
Climate Exchange – MceX); a Bolsa do Clima de Tianjin (Tianjin Climate Exchange – TCX)
e a BM&F Bovespa no Brasil.
Dados de Ecosystem Marketplace e Bloomberg New Energy Finance (apud
FINANZAS CARBONO, 2012) mostraram que, em 2011, os projetos de energia renovável
responderam por 45% das transações no mercado voluntário de carbono, o equivalente a 35
milhões de tonelada métrica de dióxido de carbono equivalente (MtCO2e). Desse volume,
aproximadamente 23,5 MtCO2e foram provenientes de projetos eólicos, cerca de 30% do total
de créditos negociados.
A participação do Brasil no mercado voluntário de carbono merece ser destacada. O
país é o único da América Latina a sediar empresas que originam um volume significativo de
compensações. Em 2011, quinze empresas aqui localizadas negociaram, no mercado
voluntário de carbono, o equivalente a 1,3 MtCO2e. Apesar de parecer pouco, o Brasil ocupa a
quinta posição mundial em número de companhias e também em volume de emissões evitadas
(HAMILTON & PETTERS-STANLEY, 2012).
Sobre o potencial de redução de emissões da Energia Eólica no Brasil, Rocha (2009)
estimou que, considerando a potência eólica contratada na primeira fase do PROINFA, evitarse-iam as emissões de aproximadamente 14,5 MtCO2e durante os 20 anos de vigência dos
contratos. Ao se admitir o preço do RCE em US$ 15 e o dólar em R$ 2,20, a receita de
créditos de carbono seria cerca de 24 milhões de reais anualmente e de aproximadamente 480
milhões de reais no total de 20 anos.
39
A pegada de carbono é a medida do impacto das atividades humanas sobre as emissões de gases do efeito
estufa.
106
Diante desse cenário, havia o interesse pela titularidade dos créditos de carbono tanto
pelos produtores de Energia Eólica quanto pela Eletrobras. No entanto, a partir do decreto no
5.025/04, ficou subentendido que a Eletrobras poderia ser coparticipante de projetos de MDL
e que também possuiria direitos às receitas oriundas da venda de RCE’s, pois aquela concedia
garantia de compra da energia gerada pelos projetos. Além disso, o artigo 16 desse decreto
criou a conta PROINFA, administrada pela Eletrobras e composta, entre outras receitas, de
eventuais benefícios financeiros provenientes do MDL.
Para esclarecer definitivamente o entendimento sobre a titularidade dos créditos de
carbono gerados pelos empreendimentos do PROINFA, foi publicado o decreto no 5.882/06
que modificava o decreto no 5.025/04. O novo decreto concedia à Eletrobras o direito de
comercializar os créditos de carbono, sendo essa também responsável pela validação e pela
emissão de RCE’s. Além disso, os produtores que auferiram benefícios com a geração e a
comercialização de créditos no período anterior à publicação do decreto deveriam repassar os
direitos adquiridos para conta do PROINFA.
Em 2012, a Eletrobras solicitou junto à UNFCCC, órgão da ONU responsável pela
concessão de créditos de carbono, a obtenção de créditos de carbono referente a 32
empreendimentos incluídos no PROINFA, desse total, 15 projetos são referentes à produção
de Energia Eólica. Após a obtenção dos créditos e sua subsequente negociação, os valores
serão revertidos para a conta do PROINFA que reduzirá o custo do encargo cobrado nas
tarifas de energia elétrica dos consumidores brasileiros (ELETROBRAS, 2012).
Por sua vez, as empresas responsáveis pela construção e pela operação dos novos
parques eólicos contratados nos leilões poderão vender seus créditos de carbono diretamente
no mercado voluntário, auferindo assim uma receita adicional sobre a energia gerada.
Diferentemente das usinas do PROINFA, os novos empreendimentos possuem o direito de
transacionar os créditos de carbono por eles gerados, podendo antecipar a sua comercialização
junto a instituições financeiras e, assim, reduzir os custos de financiamento dos projetos.
Entretanto, os valores recebidos por esses empreendimentos referentes à venda de
créditos de carbono ainda são uma incógnita. Quando possível, as empresas mantêm em sigilo
essa informação na tentativa de enlear seus futuros concorrentes. Contudo, quando se trata de
empresas de capital aberto, não é possível ocultar essas informações dos seus investidores.
Como mostrou reportagem do Jornal da Energia (2012b), a Renova Energia
estabeleceu um contrato com o banco alemão Deutsche Bank para venda de créditos de
carbono referentes aos seus projetos eólicos do leilão de 2010. Apesar de o negócio ter sido
107
firmado em agosto de 2011, a transação só foi divulgada ao mercado em 25 de julho de 2012
quando a empresa comunicou à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre a operação.
Segundo a Renova, o valor a ser creditado pelo banco é formado por uma parte préfixada e por um percentual do preço de mercado spot40. Caso as usinas produzam a mesma
quantidade contratada, a empresa deverá receber aproximadamente R$ 2,2 milhões de receita
adicional por ano. No caso dos empreendimentos resultados do LER 2009, a receita oriunda
da venda dos 365 mil créditos de carbono poderá render R$ 2,7 milhões à companhia. A
Renova também deverá negociar os créditos referentes às usinas que participaram dos leilões
de 2011. Nesse caso, estima-se que essa comercialização poderá resultar para a empresa uma
receita adicional de R$ 1,9 milhões por ano (JORNAL DA ENERGIA, 2012b).
4.7 O Desenvolvimento Sustentável no Brasil
Nesta seção, será discutido de que maneira a Energia Eólica pode contribuir para o
Desenvolvimento Sustentável do país. Como visto no capítulo 1 deste trabalho, para que uma
nação se desenvolva de forma sustentável, é necessário que haja um Crescimento Econômico
sustentado, com respeito ao meio ambiente e que seja socialmente includente. Essas três
componentes são o tripé de sustentação do Desenvolvimento Sustentável no século XXI, hoje
não apenas um conceito, mas um item de discussão na agenda internacional de todos os
países.
Quando se trata de avaliar o Desenvolvimento Sustentável dos países, alguns autores
utilizam os chamados “índices de Sustentabilidade” para avaliar as diferenças nos
comportamentos das nações em relação ao seu desenvolvimento. Esses índices procuram
quantificar as mudanças ocorridas no país e referenciá-las ao nível das variáveis obtidas em
1991, ano base do Protocolo de Quioto. No entanto, como o setor eólico ainda é muito
incipiente no Brasil, carece de uma base de dados suficiente para uma análise quantitativa
precisa.
Desse modo, será feita, neste trabalho, uma análise qualitativa da evolução do setor
eólico no Brasil e o impacto dessa no desenvolvimento do país, sempre considerando o
desenvolvimento em seus três aspectos – econômico, ambiental e social. Para isso, serão
analisados alguns trabalhos desenvolvidos por outros autores que estudaram aspectos
específicos sobre os desdobramentos do desenvolvimento do setor eólico no país.
40
Mercado de commodities em que os negócios são realizados com pagamento à vista e entrega imediata de
mercadorias.
108
4.7.1 Dimensão Econômica e Social do assim chamado Desenvolvimento Sustentável
Em geral, novos investimentos produtivos em uma região acarretam efeitos diretos e
indiretos sobre as economias local e regional. Com a Energia Eólica, não seria diferente. A
implantação de um novo projeto eólico afeta diretamente o local de instalação, através da
compra de bens e serviços, pela geração de renda sobre o uso da terra, impostos e empregos.
Existem ainda os efeitos indiretos, mais difíceis de serem quantificados, mas que se podem
incluir o aumento do poder de compra na região e sua consequente dinamização da economia
local.
O primeiro efeito direto a ser destacado refere-se à renda obtida pelas famílias
proprietárias de terras que arrendam parte de seu terreno para a instalação de parques eólicos.
Para instalar as turbinas eólicas em um terreno, os empreendedores necessitam comprá-lo ou
arrendá-lo. Em geral, opta-se pela última opção, tendo em vista a redução do investimento
inicial, algo muito significativo nos projetos eólicos que são naturalmente intensivos em
capital.
Para os PIAs, em especial, o arrendamento beneficia o fluxo de caixa do projeto.
Como os pagamentos aos proprietários da terra (royalties) são distribuídos ao longo do
projeto, a fase inicial desse não se torna excessivamente onerosa, o que poderia causar sua
inviabilidade econômica. Além disso, o pagamento fracionado equilibra os retornos
financeiros do projeto, incorporando-se aos custos fixos de produção de energia.
O fato de as turbinas eólicas ocuparem somente uma pequena área do terreno
evidencia que é desnecessária a compra do terreno. Como mostrou ADECE (2009), as
turbinas eólicas ocupam, no máximo, 4% das áreas requeridas para um projeto de Energia
Eólica. Além disso, as estruturas físicas e as estradas ocupam somente uma fração do terreno,
sendo compatíveis com outras atividades anteriormente desenvolvidas no local como a
agricultura, a pecuária e o lazer.
Para os produtores de Energia Eólica, sejam concessionárias ou PIAs, não há o
interesse em expandir seus negócios para finalidades agrícolas. Desse modo, não é necessário
comprar todo o terreno para o desenvolvimento de um projeto de Energia Eólica e o
arrendamento torna-se benéfico para ambas as partes. Estima-se que, no Brasil, cada torre
renderá aos proprietários de terra entre R$ 5 mil e R$ 8 mil por ano, através de contratos de
arrendamento de 25 a 35 anos, prorrogáveis por igual período (VALOR ECONÔMICO,
2011).
109
A renda extra auferida pelas famílias, resultado dos royalties dos parques eólicos,
beneficia não somente os proprietários de terra, mas toda a comunidade local em virtude dos
efeitos multiplicadores proporcionados pelo aumento de renda desses proprietários. Além
desses efeitos multiplicadores, existem aqueles associados aos empregos diretos gerados e à
receita fiscal obtida pelos governos municipais. Juntos, esses efeitos atuam como um novo
elemento dinâmico da economia local, propiciando novas oportunidades para toda a
comunidade.
Em relação à receita fiscal obtida pelos municípios, trata-se basicamente do
recebimento de dois tributos: o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial
Urbana (IPTU) e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS). Em muitas
localidades, os empreendimentos eólicos são aqueles que mais contribuem para a arrecadação
do município. Esse aumento significativo no recolhimento de impostos poderá ser revertido
em benefícios para a comunidade como escolas, hospitais, creches, entre outros.
Quanto aos empregos diretos gerados pela Energia Eólica, esses podem ser agrupados
em três categorias de acordo com o volume de empregos gerados, a natureza temporal e o
nível de especialização. A primeira categoria é a de Desenvolvimento Tecnológico e abrange
as etapas de P&D e fabricação de equipamentos. A segunda categoria é a de instalação e
descomissionamento de usinas que inclui as etapas de planejamento, gestão de projetos,
transporte e construção de usinas. A última categoria é a de Operação e Manutenção (O&M) e
inclui, além dessas, a geração e a distribuição de energia (SIMAS, 2012).
A primeira categoria, em geral, apresenta um volume de empregos médio quando
comparada com as demais, mas de natureza estável e com o nível de especialização muito
alto. Sobre os empregos em P&D relacionados com a Energia Eólica, não há muita literatura a
respeito. No entanto, como a indústria eólica no Brasil caracteriza-se basicamente como
montadora de projetos desenvolvidos por suas matrizes internacionais, essa etapa não é muito
significativa para a geração de empregos no país.
Porém, como alertou a ABEEólica (2012a), são necessários investimentos em P&D,
no Brasil, para desenvolver tecnologias adaptadas às condições meteorológicas e ambientais
do país. Além disso, a construção de uma rede de pesquisa em Energia Eólica, com diversos
centros integrados, possibilitará a certificação de aerogeradores, a implantação de campos de
testes de aerogeradores e a consolidação da indústria eólica brasileira através de inovação
tecnológica.
A produção de equipamentos, por sua vez, já apresenta diversos estudos abordando a
temática do emprego. Essa etapa exige uma qualificação alta, mas não há tanta dificuldade
110
para contratação. A maior demanda é por técnicos na área industrial com especialidade em
mecânica, elétrica e eletrônica, que recebem treinamento adicional dentro da própria empresa.
Atualmente, a indústria eólica possui mais de 12 mil postos de trabalho na fabricação de
aerogeradores (ABEEÓLICA, 2012c; SIMAS, 2012).
As atividades que compõem a segunda categoria são normalmente de curto prazo ao
longo do projeto, contudo são aquelas que geram o maior volume de empregos. A etapa de
desenvolvimento de projetos, por exemplo, demanda profissionais especializados de diversas
áreas, pois se trata de um processo interdisciplinar que envolve aspectos técnicos,
econômicos, legais e ambientais. Os empregos gerados nessa etapa normalmente se localizam
juntos aos grandes centros e distantes da localização das usinas.
Por sua vez, a etapa de construção de um parque eólico é a que gera o maior número
de empregos para as comunidades locais. Nessa etapa, diversos postos de trabalho são criados
para trabalhadores da construção civil, eletricistas, técnicos de instalação de aerogeradores,
operadores de máquinas pesadas, profissionais de segurança do trabalho, supervisores e
coordenadores de obra. O número de vagas ocupadas pela comunidade local varia de acordo
com o nível de qualificação da população residente.
A construção de parques eólicos envolve ainda as seguintes atividades: transporte e
armazenamento dos equipamentos utilizados – pás, torres e nacelles; abertura de rodovias e
construção de infraestrutura; montagem de aerogeradores; cabeamento e interligação à rede
elétrica. O transporte dos equipamentos da fábrica até as usinas é feito normalmente através
do meio rodoviário com empresas especializadas nesse tipo de transporte41.
Para atender a demanda anual esperada de 2GW, serão necessários cerca de 1.000
turbinas, 1.000 torres e 3.000 pás eólicas.
equipamentos,
serão
necessárias
Estima-se que, para transportar todos esses
aproximadamente
10.000
viagens
rodoviárias
(ABEEÓLICA, 2012c). No estado do Ceará, a ADECE (2009) estimou que um projeto eólico
de 50MW gera entre 800 e 1.200 empregos ao longo da sua fase de construção que dura, em
média, 6 anos. A expectativa da ABEEólica (2012c) é que, até 2016, serão criados cerca de
vinte mil empregos diretos na construção de parques eólicos.
Sobre a categoria de O&M, além dessas atividades, estão incluídas a geração e a
distribuição de energia. Os empregos gerados são os únicos de caráter permanente, mas, num
volume abaixo do apresentado pelas outras categorias. O número de pessoas empregadas
41
A resolução nº 11/2004 do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) regulamenta o uso
de rodovias federais e exige que o transporte de cargas com dimensões de largura, comprimento ou peso que
excedam os limites permitidos deve ser feito por viaturas e escoltas credenciadas.
111
dependerá do tamanho do projeto, da sua estrutura administrativa e das práticas trabalhistas
do país.
Como mostrou a ADECE (2009), nos países em desenvolvimento, o volume de
empregos de O&M gerados nos projetos eólicos é superior àqueles alcançados pelos países
desenvolvidos. A razão disso é o baixo custo da mão de obra e os recursos limitados dos
meios de comunicação naqueles países que resulta numa operação mais intensiva em mão de
obra. Enquanto que, nos Estados Unidos, cerca de um emprego em tempo integral é criado
para cada 5MW de capacidade instalada; no Brasil, essa relação é de aproximadamente 1 (um)
emprego para cada 0,6MW.
As atividades de O&M podem ser realizadas diretamente no parque (in situ) ou
remotamente (ex situ) quando executadas a partir de um centro de operações. As atividades in
situ empregam predominantemente mão de obra local, geralmente de baixa qualificação, em
atividades como monitoramento local, inspeção geral dos parques e aerogeradores e
atividades de apoio – segurança, limpeza e cozinha. As atividades ex situ abrangem o
monitoramento da operação e a disponibilidade dos aerogeradores à distância e a realização
de manutenção corretiva e de emergência.
A manutenção do parque é realizada pelos fabricantes dos aerogeradores durante os
cinco primeiros anos subsequentes ao início de operação da usina. Após esse período, o
proprietário do parque decide pela contratação dos serviços do próprio fabricante ou de uma
empresa especializada.
O setor eólico brasileiro, porém ainda carece de mão de obra especializada. Para
mitigar esse problema, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) assinou um
acordo com a Cooperação Alemã para o Desenvolvimento (correspondente em alemão a GIZ)
com o objetivo de capacitar mão-de-obra para trabalhar nesse setor. A expectativa é formar
500 profissionais até 2014 nas áreas de planejamento, instalação, construção, operação e
manutenção de parques eólicos. O SENAI e a GIZ pretendem investir cerca de US$ 2 milhões
no projeto que será oferecido em nove estados do país: Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco,
Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Santa Cataria e São Paulo (SENAI,
2011).
Em relação aos efeitos indiretos decorrentes do desenvolvimento da Energia Eólica em
uma região, podem-se destacar a geração de empregos indiretos e de empregos induzidos. Os
empregos indiretos são aqueles gerados por outras atividades ligadas à cadeia de suprimento
de bens e serviços. Os efeitos induzidos, por sua vez, surgem, na economia, a partir do efeito-
112
renda que aumenta o poder de compra da comunidade local, diversifica sua economia e
amplia o uso de recursos nativos.
Simas (2012) estimou o quantitativo de empregos gerados nos setores que fornecem os
insumos consumidos na fabricação de equipamentos e na construção de parques eólicos. Os
principais insumos utilizados nessas etapas são brita, areia, cimento, aço, resina, fibra de
carbono, ferro, cobre, plástico e alumínio. A referida autora concluiu que, ao longo do ciclo
de vida da Energia Eólica, o número de empregos-ano42 indiretos por MW gerados é de cerca
de 3,0 para as torres de aço e de, aproximadamente, 3,5 para torres de concreto.
Sobre os empregos induzidos, esses são mais difíceis de ser quantificados. Todavia, é
notório que a instalação e a operação de um projeto eólico demandam bens e serviços locais,
tais como equipamentos e materiais de construção; ferramentas e suprimentos de manutenção;
alimentação e vestuário para os trabalhadores. Outros serviços de apoio como contabilidade,
bancos e assistência jurídica também são necessários. A ADECE (2009) estimou que projetos
de Energia Eólica, desenvolvidos no Ceará, pagam anualmente R$ 8 mil por turbina eólica
para as empresas locais, referente ao consumo desses bens e serviços.
Entretanto, vale ressaltar que a demanda por bens e serviços locais não provêm
unicamente dos empreendimentos eólicos. As famílias também ampliam seu consumo devido
ao aumento da renda proveniente dos empregos adicionais e da receita dos arrendamentos. O
faturamento
dos
cartórios
também
aumenta
como
resultado
dos
registros
dos
empreendimentos no município. Todos esses agentes estimulam os ciclos de gastos no
município que têm efeitos positivos e multiplicadores sobre a renda da comunidade local.
Por fim, deve-se destacar que a diversificação incrementada na base econômica do
município garante maior estabilidade à economia local. A maioria dos parques eólicos
brasileiros está localizada em municípios com uma economia pouco dinâmica ou de dimensão
única. Desse modo, essa diversificação reduz os efeitos associados aos ciclos econômicos,
produzidos por uma indústria específica, localizada na região, pela agricultura ou pelo
turismo.
Quanto aos impactos sociais, observou-se que a implantação de um projeto de Energia
Eólica e o desenvolvimento da indústria associada ocasionam diversos impactos sociais para o
país e, principalmente, para a comunidade local. Como será visto adiante, diversas
externalidades positivas podem ser associadas ao desenvolvimento da Energia Eólica no
42
Empregos-ano é uma medida sinalizadora do número de postos de trabalho ocupados para a atividade durante
o período de um ano. Essa abordagem é muitas vezes utilizada para empregos temporários (SIMAS, 2012).
113
Brasil. Essas externalidades possibilitaram melhorias significativas nas comunidades onde
foram instalados parques eólicos.
A extensão desses potenciais impactos dependerá do tipo de indústria a ser instalada e
das dimensões do projeto eólico. Para a comunidade local, os principais impactos sociais se
refletem na cultura e nos costumes locais, no uso da terra, na infraestrutura e nos sistemas de
emergência e de educação. Além disso, como a maioria dos parques eólicos brasileiros está
localizada em áreas rurais, esses impactos podem ser ainda mais significativos.
Os impactos sobre a cultura e os costumes locais são difíceis de ser quantificados,
porém algumas considerações precisam ser feitas. Em geral, as populações rurais tendem a ser
mais homogêneas que as residentes em áreas urbanas. Desse modo, quando um parque eólico
é instalado numa área rural, a mão de obra qualificada empregada (externa à comunidade) traz
costumes e práticas sociais diferentes que podem vir a chocar com os padrões estabelecidos
pela comunidade local. Além disso, a migração de grandes contingentes de trabalhadores para
pequenos municípios pode acarretar num aumento da violência e da prostituição na região.
Todavia, esses aspectos negativos, contrários à implantação de parques eólicos na
região, são contornados através de medidas de fácil adoção. Em primeiro lugar, cabe destacar
que a construção de projetos de Energia Eólica tem duração média de apenas seis meses e que
as atividades de operação e manutenção podem ser realizadas por mão de obra local. Desse
modo, os impactos do estresse cultural sobre qual a população local é submetida são
temporários e de alcance bastante limitado.
Em segundo lugar, ainda não há notícias sobre o aumento da violência e da
prostituição nos municípios que receberam empreendimentos eólicos, em que pese o fato de
não se ter estatísticas que permitam analisar profundamente a ocorrência desses transtornos.
No entanto, dada às condições de pobreza e baixa escolaridade vivenciada por alguns desses
municípios, é necessária a atenção das instituições, sobretudo as governamentais e a adoção
de políticas públicas para prevenir possíveis impactos sociais negativos.
Desse modo, avalia-se de forma positiva o balanço dos impactos culturais do
desenvolvimento da Energia Eólica junto a essas comunidades. Como mostrou Bergman et al.
(2006 apud SIMAS, 2012) em estudo feito na Escócia, a população rural tem maior percepção
dos benefícios sociais das energias renováveis do que a população urbana. Nesse aspecto,
convém registrar o posicionamento do Senhor Cláudio Francisco Dourado, lavrador e
morador de Sumidouro – município baiano contemplado com projetos de Energia Eólica – em
entrevista ao informativo Bahia Oportunidades (BAHIA, 2011, p. 7): “aprendi muita coisa
com a vinda da empresa. Hoje, sei conversar, pois nem isso a gente sabia”.
114
Sobre o uso da terra, a instalação de parques eólicos causa diversos impactos sociais
que merecem ser discutidos. O primeiro impacto negativo, apontado por alguns críticos,
refere-se à especulação imobiliária causada pela súbita valorização das terras. Um dos fatores
que mais contribuiram para o aumento da especulação imobiliária nesses municípios foram as
exigências feitas pelo governo federal para habilitar produtores a participar dos leilões de
energia.
Para participar desses leilões, o produtor interessado deve ter realizado medições do
potencial eólico do local pretendido durante 12 meses. Desse modo, as propriedades,
localizadas numa região com perspectiva de geração de Energia Eólica, tendem a se valorizar
bastante mesmo antes da instalação de qualquer empreendimento. Isso é um fato
inquestionável, contudo algumas ressalvas devem ser feitas.
Em geral, as populações rurais não têm pretensões de sair das suas residências no
campo e ir para outras localidades, exceto quando se veem forçadas a isso por questão de
sobrevivência da sua família. A situação do rural brasileiro verificada nos últimos anos mostra
uma realidade parecida na qual os pequenos produtores enfrentam grandes dificuldades em
competir num mercado dominado pelo agronegócio.
Essa situação dificulta bastante a sobrevivência dos pequenos produtores no campo
junto com suas famílias, além disso existe a pressão cada vez maior dos latifundiários para
que esses produtores vendam suas terras. Dessa maneira, o que resta para esses pequenos
produtores é entregarem suas terras por valores irrisórios e migrarem para as cidades em
busca de novas oportunidades de reprodução social.
Portanto, o desenvolvimento da Energia Eólica representa uma nova oportunidade
para os pequenos produtores. Como a escolha do local de instalação dos parques eólicos é
feita a partir de critérios técnicos, os pequenos produtores também são beneficiados. Além
disso, o pagamento do arrendamento da terra e dos royalties da produção é feito diretamente
ao proprietário da terra. Desse modo, os pequenos produtores podem se manter no campo e
sustentar suas famílias com dignidade, graças a essa renda extra obtida.
Ainda sobre o uso da terra, cabe destacar como o desenvolvimento da Energia Eólica
pode promover a regularização fundiária em algumas regiões. Para atrair novos
empreendimentos eólicos, alguns estados têm procurado regularizar suas áreas nãodocumentadas, pois essa é uma exigência para os empreendimentos participarem dos leilões.
115
Somente na Bahia, a Coordenação de Desenvolvimento Agrário desse estado afirmou que
existem mais de 300 processos de regularização fundiária de terra devoluta43 (BAHIA, 2011).
Uma possível crítica ao recebimento desses royalties refere-se à possibilidade de os
agricultores abandonarem sua produção e tornarem-se rentistas. Sobre esse aspecto, a
experiência já mostrou que, de fato, isso não acontece. Como mostrou a reportagem do Valor
Econômico (2011), uma das principais preocupações dos pequenos agricultores, antes da
assinatura dos contratos de arrendamento, é saber se ficarão impedidos de cultivar a terra.
Sobre isso, não há impedimentos, pois a geração eólica, como mencionada anteriormente,
convive harmonicamente com outras atividades anteriormente estabelecidas no local como a
agricultura, a pecuária e o lazer.
A instalação de parques eólicos também afeta, de maneira significativa, a
infraestrutura da região e das comunidades locais. Sob uma perspectiva macro, o
desenvolvimento da Energia Eólica requer investimentos em infraestrutura e na ampliação de
portos, estradas e rodovias. Destarte, pode ser citado, como exemplo o Terminal de Contêiner
de Salvador que investiu R$ 180 milhões na sua expansão com a aquisição de novos
equipamentos, reforço e dragagem do cais, além de obras de pavimentação e edificações.
Essas ações visaram incrementar a capacidade operacional do Terminal Portuário, de maneira
a atender plenamente os 52 novos parques eólicos previstos para serem instalados no estado
da Bahia (BAHIA, 2011).
Sob uma perspectiva micro, os impactos sociais para as comunidades locais se
refletem sobre o uso da água, saneamento, estradas, habitação e coleta de lixo. Para essas
comunidades, o desenvolvimento da infraestrutura local resulta em mudanças permanentes em
seu habitat natural. Em geral, essas mudanças são vistas de maneira positiva pela população
local.
Em virtude do uso de concreto na construção dos parques eólicos, esses projetos
demandam uma grande quantidade de água. Na maioria das vezes, a solução encontrada é a
abertura de poços para a captação da água necessária ao empreendimento. Destarte, em
regiões semiáridas como o interior do Nordeste, esses poços abertos durante a fase de
construção podem ser aproveitados para o consumo da população local. Como mostrou Simas
(2012), em João Câmara/RN, o poço aberto para a construção do Parque Eólico Morro dos
Ventos será disponibilizado para a comunidade local que poderá utilizá-lo mediante a
administração da Prefeitura.
43
Propriedades públicas que nunca pertenceram a um particular, mesmo estando ocupadas.
116
A necessidade de transporte de máquinas e equipamentos, bem como o aumento do
tráfego de veículos durante a fase de construção de um parque eólico, exige a abertura de
novas estradas e/ou o alargamento e a pavimentação de outras já existentes. Os efeitos
positivos dessas obras são evidentes, pois a abertura de novos caminhos ou a pavimentação de
estradas antigas possibilita desenvolvimentos futuros para a região, além disso uma estrada
mais larga pode tornar a viagem mais segura para motoristas e pedestres.
Contudo, alguns moradores que residem às margens dessas estradas podem não querer
melhorias nas mesmas, pois temem um aumento no tráfego local. Essas preocupações dos
moradores são válidas e, por isso, faz-se necessária a realização de estudos sobre o
comportamento do tráfego local antes e depois da instalação do empreendimento. Quando
necessário, medidas mitigadoras devem fazer parte do processo de desenvolvimento do
projeto.
Atualmente, os empreendedores responsáveis pela construção dos parques eólicos têm
adotado práticas inovadoras do ponto de vista do relacionamento com a comunidade. Como
mostrou ABEEólica (2012a), diversos programas de bem-estar social são continuamente
realizados durante a construção do parque. Entre esses programas, cabe elencar os seguintes:
campanhas de vacinação, educação ambiental, atendimento médico e odontológico, medicina
preventiva e qualificação profissional.
No interior da Bahia, uma parceria entre a prefeitura e a empresa Desenvix,
responsável pela implantação de um complexo eólico no município de Brotas de Macaúbas,
possibilitou que a população adquirisse carteiras de identidade e de trabalho, além disso a
empresa pretende incentivar o arranjo produtivo no município de maneira a melhorar o plantio
da mandioca – principal atividade local. O objetivo é a construção de uma casa de farinha
onde a mandioca possa ser beneficiada e as famílias possam trabalhar (BAHIA, 2011).
4.7.2 Dimensão Ambiental do Desenvolvimento Sustentável no Brasil
Sob a perspectiva ambiental, diversos efeitos positivos podem ser relacionados como
resultado do desenvolvimento da Energia Eólica no Brasil. Entre esses, o mais importante se
refere à redução de emissões de GEE. Como mostrou Rocha (2009), para os projetos de
geração de energia elétrica através de fontes renováveis, a questão central é determinar os
níveis de emissões evitadas. Em geral, essa redução das emissões pode ocorrer tanto na
construção – quando se substitui uma instalação que, de outra forma, teria sido construída –
quanto na operação – quando afeta a operação de usinas atuais e/ou futuras.
117
Como visto anteriormente, a geração de eletricidade a partir da fonte eólica em
substituição às poluentes termelétricas possibilita uma significativa redução das emissões de
CO2. Enquanto que a operação dos parques eólicos não apresenta emissões de GEE, as
atividades de produção e transporte de pás e torres geram apenas 9g de CO2 equivalente por
kWh. Isso representa somente 1% das emissões médias de uma usina térmica a carvão
(MOREIRA, 2012).
Em estudo feito pela Consultoria Engenho (2012 apud ABEEÓLICA, 2012d),
algumas simulações foram realizadas sobre as emissões de CO2, a partir da geração de energia
elétrica, de acordo com as previsões do Plano Decenal de Expansão de Energia. Num
primeiro cenário, estimam-se as emissões de CO2 sem a operação das usinas eólicas.
Posteriormente, as estimativas são feitas substituindo-se as usinas térmicas a carvão pelas
centrais eólicas. O resultado obtido é apresentado no Gráfico 22 e mostra uma redução média
anual de 17Mton de CO2 equivalente. Destarte, fica evidente como a participação da Energia
Eólica é crucial para a redução de emissões do setor elétrico brasileiro.
Gráfico 22 – Estimativa da Redução de Emissões de CO2 a partir da Energia Eólica no
Brasil
Fonte: ABEEólica (2012d).
Sobre a ocupação espacial dos parques eólicos, como citado anteriormente, somente
uma pequena fração do terreno é requerida para a instalação das torres. Por sua vez, a área
ocupada pela fundação de cada torre varia entre 13 e 20m². Entretanto, como as fundações
118
ficam normalmente enterradas, as atividades agrícolas e a vegetação nativa do local podem
ser mantidas até próximo à área da base da torre (MOREIRA, 2012).
Quando se compara a Energia Eólica com outras tecnologias, em relação ao uso da
terra, deve se considerar o ciclo de combustível total em cada caso. Nessa perspectiva, a
Energia Eólica ainda é a que requer um menor espaço para produzir a mesma quantidade de
eletricidade. Como mostrou Terciote (2002), a terra requerida em 30 anos pela Energia Eólica
varia entre 800 e 1.335 metros quadrados por gigawatt-hora (m²/GWh). Enquanto isso, outras
tecnologias como a solar e a carvão estão acima de 3.500m²/GWh.
Em relação aos impactos sobre a flora, qualquer novo empreendimento instalado numa
região não urbanizada acarretará em supressão da vegetação nativa. No caso da Energia
Eólica, esse impacto é menor e ocorre, somente durante a implantação dos parques, nos locais
onde ficam localizados os canteiros de obras e as aberturas de acesso e sondagens. Para
mitigar esse impacto, os órgãos estaduais fiscalizadores (autarquias ligadas às Secretarias de
Estado do Meio Ambiente) impõem certas exigências para a concessão das licenças
ambientais.
Em geral, esses órgãos exigem que seja feito o resgate da flora da região após a
execução dos serviços de instalação dos parques eólicos. Dessa maneira, a empresa
responsável pela instalação, retira as plântulas44 do local, realiza o cultivo em viveiros e faz o
replantio nos locais afetados após a conclusão dos serviços. Entretanto, como não é possível
resgatar todos os indivíduos de todas as espécies das áreas impactadas, a recuperação da flora
é realizada com base no resgate dos recursos genéticos e não de toda diversidade vegetal da
área (RENOVA ENERGIA, 2012).
Os impactos sobre a fauna das regiões onde há produção de Energia Eólica é
relativamente pequeno. Nesse aspecto, os principais danos estão relacionados com a
mortandade de aves e morcegos tanto migratórios quanto residentes. Entretanto, estudo,
realizado por Sovernigo (2009), mostrou que, apenas nos parques eólicos de Osório/RS,
foram verificadas mortes de morcegos insetívoros (durante os meses quentes) e, em menor
escala, de aves residentes que colidiram com a linha de transmissão dos parques.
Atualmente, os órgãos ambientais realizam estudos aprofundados durante as fases de
localização e implantação e o monitoramento do parque após a entrada em operação. O
objetivo desses estudos é evitar que os parques eólicos se instalem nas rotas de aves
migratórias, reduzindo, assim, os já escassos impactos negativos dessa tecnologia.
44
Plântula é a condição do embrião vegetal já desenvolvido (após a germinação) e ainda contido na semente.
119
Para mitigar os efeitos sobre os morcegos, alguns parques eólicos, localizados no
interior da Bahia, já adotaram práticas inovadoras. Estudos mostraram que os voos dos
morcegos acontecem no entardecer e pouco antes do amanhecer, pois é nesse horário que a
presença do seu alimento (insetos) é maior. Desse modo, os operadores dos parques eólicos
optaram por reduzir em 15% a velocidade dos aerogeradores nesses horários, possibilitando
aos morcegos a capacidade de evitar um choque com as hélices (O ECO, 2012).
Por fim, deve ser feita uma última ressalva sobre a localização dos parques eólicos e
os possíveis impactos ambientais resultantes. Os órgãos ambientais estaduais devem estar
atentos aos projetos que possam interferir em áreas de preservação ambiental ou afetar
negativamente as populações locais, como exemplo, podem ser citados os polêmicos projetos
localizados nas proximidades da Chapada Diamantina na Bahia e na cidade de Galinhos no
Rio Grande do Norte.
No primeiro caso, os projetos estão localizados na região do Boqueirão da Onça,
região de caatinga e no Parque Estadual do Morro do Chapéu, região serrana. Os
ambientalistas defendem que seja criado, na região do Boqueirão da Onça, um parque
nacional para a preservação deste bioma, que é exclusivamente brasileiro. Enquanto isso, na
área do Morro do Chapéu, um decreto teria extinguido o parque estadual que perderia sua
condição de unidade de preservação.
A decisão de extinção do parque foi revogada somente após a ação do Ministério
Público Estadual que solicitou a manutenção do parque e a redefinição das unidades de
conservação. Atualmente, o debate está na criação de uma Área de Proteção Ambiental (APA)
e na nova poligonal do parque estadual que possibilitará o uso pacífico dos recursos naturais e
a convivência das torres eólicas com o turismo ecológico (O ECO, 2012).
No município de Galinhos, por sua vez, os moradores protestam contra a instalação de
um parque eólico sobre as dunas da região. A cidade que vive do turismo, da pesca e da
extração do sal, está dividida sobre a instalação dos aerogeradores. Moradores, ligados a
atividades turísticas, reivindicam que os aerogeradores não sejam instalados nas dunas e que a
área seja preservada e transformada numa APA. O parque eólico, por sua vez, deveria ser
transferido para outra área (UOL, 2012a).
O Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte
(IDEMA) autorizou a instalação do parque eólico, mas uma ação civil pública impetrada pelo
Ministério Público Estadual suspendeu as obras sob a alegação de irregularidades na
concessão das licenças. Entretanto, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN)
revogou a suspensão e autorizou a continuidade das obras de instalação do parque eólico.
120
Para a magistrada do TJRN, que prolatou a sentença, a obra teria um impacto
ambiental pequeno e os parques eólicos poderiam ser instalados em região de dunas, como
ocorreu no Ceará. Segundo a decisão, o estudo de impacto ambiental apontou a área escolhida
como a mais propícia para a instalação do parque eólico. Além disso, a paralisação do
empreendimento estaria gerando elevados prejuízos para a empresa (TRIBUNA DO NORTE,
2012).
Diante do exposto, verifica-se a necessidade de ampliar o debate acerca da localização
dos parques eólicos. Antes de emitida a licença ambiental prévia, audiências públicas
deveriam ser realizadas com os empreendedores responsáveis, os órgãos ambientais e a
comunidade local para que a decisão de localização fosse tomada a partir de um acordo entre
as partes. Dessa maneira, evitar-se-iam prejuízos para ambas as partes: os empreendedores
não teriam suas obras paralisadas e seu planejamento atrasado e a comunidade seria
comunicada a tempo de discutir medidas mitigadoras.
121
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho buscou analisar o desenvolvimento recente da Energia Eólica no Brasil,
que vivenciou um rápido crescimento nos últimos anos. A tecnologia eólica evoluiu bastante
no país e destacou-se entre as fontes renováveis não hidráulicas. A partir de políticas
governamentais de fomento e condições favoráveis de mercado, essa tecnologia tornou-se
uma das fontes mais competitivas do país quando se trata de novos empreendimentos
energéticos.
Em virtude da recente crise financeira que abalou o setor eólico mundial, grandes
empresas do setor buscaram novos mercados emergentes com o intuito de diversificar seus
investimentos e assegurar os seus lucros. Nesse sentido, muitos investimentos estrangeiros
foram direcionados para o Brasil. Isso possibilitou o surgimento de uma indústria eólica no
país com um grande potencial em se tornar líder e exportadora para toda a América Latina.
Desse modo, o setor eólico brasileiro vivenciou um crescimento expressivo nos
últimos anos. Com a criação do PROINFA e, posteriormente, com os leilões de energia, a
tecnologia eólica amadureceu no Brasil e tornou-se competitiva diante de outras fontes
energéticas. Inclusive, quando comparado com alguns países, o custo da Energia Eólica no
Brasil é relativamente menor.
Diante desse cenário, buscou-se analisar de que maneira a Energia Eólica contribui
para atender os objetivos do Desenvolvimento Sustentável do país. Para tanto, utilizou-se a
abordagem teórica da Economia Ecológica por ser considerada a mais adequada à temática
proposta.
Como visto neste trabalho, não é possível vislumbrar o Desenvolvimento Sustentável
exclusivamente a partir da internalização das externalidades, tal como definido pela economia
neoclássica. Não se pode adjudicar o tratamento dos custos sociais da produção de energia às
preferências dos indivíduos e aos automatismos de mercado, pois a otimização de custos e
benefícios não significa Sustentabilidade. A interação entre sistema econômico e meio
ambiente envolve relações muito mais complexa, cujos valores não tem possibilidade de
serem quantificados a partir de um sistema de preços dado pelas preferências individuais dos
agentes econômicos.
A Economia Ecológica, por sua vez, mostra-se como alternativa ao paradigma de
desenvolvimento tradicional. Nessa perspectiva, o Desenvolvimento Sustentável é visto como
a forma de se promover o bem-estar da sociedade sem causar danos permanentes ao meio
ambiente. Para tanto, equidade social e prudência ecológica devem fazer parte da análise
122
econômica, selecionando as atividades que atendem aos requisitos ambientais e econômicos
em conjunto e promovem o Desenvolvimento genuíno. Desse modo, o Desenvolvimento
Sustentável deve enfrentar o problema do emprego, da desigualdade social e do estímulo às
inovações tecnológicas.
Em consonância com a fundamentação teórica da Economia Ecológica, o
desenvolvimento da Energia Eólica no país mostra-se como uma solução triplamente
vencedora, em termos sociais, econômicos e ecológicos. Quando utilizada essa tecnologia em
alternativa às fontes energéticas convencionais fósseis e poluentes, evita-se o consumo
predatório dos recursos naturais que geram elevadas externalidades negativas tanto sociais
quanto ambientais.
Sob a perspectiva do Desenvolvimento Sustentável, foi mostrado que a Energia
Eólica, se não é a mais correta, é a opção mais viável dentro dos limites de uma economia
periférica. Para alcançar o almejado Desenvolvimento Social, com redução das desigualdades
e ampliação do número de pessoas com acesso aos bens mais primários, como alimentação,
saúde e educação, é necessário que o Brasil persiga um Crescimento Econômico Sustentado.
Diante desse cenário, a demanda energética nacional deverá aumentar nos próximos anos,
sendo que a melhor opção para suprir essa demanda, é a utilização da Energia Eólica.
A importância da Energia Eólica no cenário energético brasileiro revela-se também em
relação à segurança energética do país. Enquanto que a matriz elétrica nacional ainda depende
fortemente do regime de chuvas, essas se tornaram cada vez mais instáveis dadas às mudanças
climáticas ocorridas no planeta. Desse modo, quando o nível dos reservatórios é insuficiente
ou quando há riscos no atendimento à demanda nacional, as usinas termelétricas precisam ser
acionadas para assegurar a oferta de eletricidade no país.
Além de consumir combustíveis fósseis e ser extremamente poluente, o acionamento
emergencial das termelétricas encarece bastante os custos da energia gerada. A Energia
Eólica, por sua vez, apresenta um caráter totalmente compatível e complementar à geração
hidráulica no Brasil. Durante os meses de menor capacidade das hidroelétricas, a produção da
energia elétrica a partir da fonte eólica é máxima. Portanto, a geração de eletricidade, através
da fonte eólica, apresenta-se como uma excelente alternativa à expansão do setor elétrico
nacional em detrimento ao uso das usinas termelétricas.
Além disso, a utilização da fonte eólica possibilita que o uso de combustíveis nãorenováveis e poluentes – como o carvão mineral, o óleo diesel e o gás natural – sejam
postergados para um cenário futuro. Dessa maneira, há uma preservação desses recursos para
as gerações futuras que poderão ter alcançado um estágio superior de Desenvolvimento
123
Tecnológico no qual essas fontes já não terão tanto impacto do ponto de vista socioambiental,
quanto ainda são atualmente.
Verificou-se também como o desenvolvimento da Energia Eólica possibilitou o
surgimento de externalidades positivas em outros setores da Economia. Sob a perspectiva do
Desenvolvimento Sustentável, foram analisados os impactos dessa tecnologia sob as
dimensões econômica, social e ambiental. Apesar do saldo positivo apresentado, alguns
efeitos negativos foram constatados e, por isso, foram relacionadas algumas medidas
mitigadoras desses efeitos.
Do ponto de vista econômico, a instalação de parques eólicos gera empregos diretos,
indiretos e induzidos, principalmente durante a fase de implantação. Após essa fase inicial, a
demanda por mão de obra local é reduzida e, em alguns casos, chega a ser não significativa.
Entretanto, o principal efeito positivo da geração eólica sobre a economia regional está
relacionado com o efeito-renda. Com a elevação da renda da comunidade, em virtude do
recebimento de royalties e de impostos pelos governos municipais, há um aumento do poder
de compra da população e uma diversificação da economia que juntos provocam uma maior
demanda por recursos nativos. Como a maioria dos parques eólicos encontra-se em pequenos
municípios com pouca expressão econômica, esse aumento nos ciclos de gastos pode gerar
grandes efeitos multiplicadores e criar um novo elemento dinâmico para essas economias.
Sob a perspectiva social, o desenvolvimento da Energia Eólica apresenta um balanço
positivo em relação aos impactos sobre as comunidades locais. O desenvolvimento da
infraestrutura da região, necessário para a implantação dos parques eólicos, resulta em
benefícios para a população que se refletem no uso da água, saneamento, estradas, habitação e
coleta de lixo. Além disso, a renda extra auferida pelos pequenos produtores, em virtude do
arrendamento das suas terras, permite que eles se mantenham no campo reproduzindo suas
famílias. Desse modo, a Energia Eólica manifesta-se como um potencial setor econômico que
contribui decididamente como redutor de migrações da zona rural.
Do ponto de vista ambiental, o principal benefício resultado do desenvolvimento da
Energia Eólica refere-se à redução de emissões de gases de efeito estufa. Quando se utiliza
essa fonte para a geração de eletricidade, a redução de emissões em relação às poluentes
termelétricas ultrapassa noventa por cento.
Sobre os efeitos negativos constatados, as principais controvérsias se referem à
localização dos parques eólicos. Algumas comunidades impactadas não concordaram com o
local escolhido pelos empreendedores e exigiram a relocação desses parques. Os
empreendedores, por sua vez, alegaram que os estudos de impacto ambiental realizados
124
apontaram o local como a melhor escolha possível e, por isso, as licenças ambientais foram
obtidas. Dessa maneira, verifica-se a necessidade de ampliar o debate entre comunidade,
órgãos ambientais e empreendedores antes da definição sobre essa localização.
Seja por fatores técnicos ou socioambientais, o desenvolvimento de parques eólicos
offshore representa uma nova oportunidade para o Brasil. Do ponto de vista técnico, a
constância e a velocidade do vento marítimo favorecem a geração de eletricidade. Enquanto
que a distribuição de energia é favorecida pela distância relativamente pequena dos parques
eólicos à costa quando comparada com as enfrentadas pelas grandes hidrelétricas a ser
instaladas na região Norte do país. Do ponto de vista socioambiental, esse tipo de instalação
não ocupa regiões habitadas, não causa deslocamentos populacionais e não destrói áreas de
preservação ambiental.
Contudo, diversos fatores ainda limitam bastante a exploração do potencial eólico
brasileiro offshore. Entre esses fatores, destacam-se àqueles relacionados com os altos custos
de implantação dos parques eólicos marítimos, as maiores dificuldades de manutenção e o
grande potencial ainda existente para instalação de eólicas em terra cuja implementação é bem
menos complexa.
Cabe ainda destacar um aspecto social importante, resultado do desenvolvimento do
setor eólico no país: com a expansão do uso dessa tecnologia, a tendência é que a indústria
eólica nacional se desenvolva cada vez mais e os preços dos principais equipamentos se
reduzam devido à ampliação da oferta interna. Desse modo, a tecnologia eólica ficará mais
acessível e seu uso poderá ser ampliado de maneira a contemplar comunidades distantes, sem
acesso à eletricidade, através de sistemas isolados.
O desenvolvimento da Energia Eólica no Brasil também insere o país no debate
internacional sobre energias renováveis. Atualmente, Brasil, China e Índia respondem por 1/4
da capacidade mundial de energias renováveis não hidráulicas. Num momento em que o país
procura se estabelecer como líder entre os países emergentes, o fortalecimento do setor eólico
brasileiro é o primeiro passo rumo a uma Economia Verde, de baixo carbono e alinhada com
o cenário político-ambiental do século XXI.
Portanto, o aproveitamento do grande potencial eólico nacional é crucial para a
manutenção de uma matriz elétrica limpa e renovável que possibilite o Desenvolvimento
Sustentável do país e garanta a sua segurança energética.
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