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JUVENTUDE, FORMAÇÃO E TRABALHO EM BOM JESUS DA
LAPA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Karolyny de Oliveira Almeida
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB
Resumo: Este trabalho tem como objetivo refletir sobre a relação entre juventude,
formação e trabalho, no Município de Bom Jesus da Lapa, BA, considerada um dos
principais “centros baianos da fé” e de exploração do turismo religioso. Parte-se do
pressuposto de que a relação de influências entre o histórico cultural da cidade e a
configuração das relações entre uma “juventude específica” – jovens trabalhadores ou
filhos da classe trabalhadora - e o mundo do trabalho, pode ser compreendida pelo viés
da memória coletiva. O trabalho encontra-se em fase de pesquisa bibliográfica, cujas
categorias centrais são: juventude (considerada a diversidade de sujeitos que a compõe),
educação (entendida como formação), trabalho (pautado na perspectiva Marxista),
memória coletiva (tal como aparece em Halbwachs) e a memória geracional ou herdada.
A pesquisa empírica será guiada pelos pressupostos da pesquisa qualitativa, utilizandose da história oral e cujos instrumentos de construção de dados devem ser
prioritariamente entrevistas semi-estruturadas. A seleção dos sujeitos deverá ser
definida após as primeiras imersões de campo.
Palavras-chave: juventude, formação, trabalho, cultura de romarias, memória coletiva.
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JUVENTUDE, FORMAÇÃO E TRABALHO EM BOM JESUS DA
LAPA: CONSIDERAÇÕES INICIAIS.
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Karolyny de Oliveira Almeida
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB
Aspectos introdutórios
Tomando de empréstimo as palavras de Pierre Bourdieu (2010), “o homo
academicus gosta do acabado. Como os pintores acadêmicos, ele faz desaparecer dos
seus trabalhos os vestígios da pincelada, os toques e os retoques” (p. 19); características
que denotem o estado que se pode chamar de “nascente”. A constatação desse autor, em
grande medida, ajuda a explicar o certo “embaraço” quando se pretende sistematizar,
sintetizar, apresentar um trabalho que se encontra em fase inicial de estruturação, ou,
nos termos do próprio Bourdieu: “em estado confuso”, “embrionário”.
Sobre a construção do objeto, o mesmo teórico afirma que “não é uma coisa que
se produza de uma assentada, por uma espécie de acto teórico inaugural” (BOURDIEU,
2010, p. 26). Antes, trata-se de “um trabalho de grande fôlego, que se realiza pouco a
pouco, por retoques sucessivos, por toda uma série de correções, de emendas, sugeridas
pelo que se chama o ofício” (Idem, p. 27).
Mills (1982) também considera a ciência social um ofício e sugere que os
pesquisadores da área busquem construir características que os assemelhem a “artesãos
intelectuais”, capazes de se utilizar do conhecimento já produzido – os “escritos de
outros homens” -, da “imaginação sociológica” e, entre outras coisas, de grande
disposição para o raciocínio, a fim de conseguir “formular um problema para resolver o
maior número de seus aspectos possível” (p. 222).
Apenas para “arrematar” essas reflexões introdutórias, Bourdieu (2010) afirma
que “nada é mais universal e universalizável do que as dificuldades” (p. 18).
Acrescentando, explica que pelo fato de grande parte das dificuldades serem
universalmente partilhadas, pode existir muito proveito nos conselhos, possivelmente
conseqüentes da “exposição”.
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Mestranda do Programa de Pós-Graduação “Memória: Linguagem e Sociedade, UESB, Campus Vitória
da Conquista, sob orientação da Professora Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia e
docente do mesmo PPG “Memória: Linguagem e Sociedade”, Ana Elizabeth Santos Alves.
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Em uma vertente um pouco diferente, mas ainda sobre a pesquisa e o campo
escolhido, em uma das suas análises sobre a Ciência, Rubem Alves (1998) afirma que
na Ciência, apesar da existência da função prática do conhecimento, não é o senso do
dever que produz o novo. Nas palavras do próprio autor: “idéias criativas requerem vôos
da imaginação” (ALVES, 1998, p.11). Para Rubem Alves (1998) é preciso “fascínio”,
“desejo pelo desconhecido”. Esses dois fatores não faltam ao trabalho de pesquisa que
será detalhado a seguir, apesar do mesmo se encontrar ainda no estágio bem inicial do
amadurecimento das questões e reflexões que o tem impulsionado.
O texto que segue trata-se de reflexões e inquietações iniciais, nascidas a partir
do contato (e convivência cotidiana) com o Município de Bom Jesus da Lapa, BA e
com as formas de relação - que se pressupõe “peculiares” - existentes entre essa
sociedade - tomando por campo, a categoria juventude - e o trabalho.
As categorias centrais do trabalho em questão são, portanto: Juventude,
Formação e Trabalho, partindo do histórico cultural do Município. Pretende-se
compreender a relação entre essas categorias (entre si e com o histórico cultural), sob o
prisma da memória coletiva enquanto, simultaneamente, construtora do habitus e
expressão do mesmo.
Sobre as Categorias
Juventude
Tentar um aprofundamento mínimo com o campo de estudos e pesquisas sobre a
juventude significa compreender o quanto esse terreno se modificou, desde o seu
“surgimento”, e o quanto a velocidade dessas modificações tem se potencializado, de
modo que todos os aspectos ligados à juventude (comportamentos, culturas, formas de
participação social, perspectivas em relação ao futuro, preocupações e ansiedades,
relação com a educação, com a formação, com o trabalho, com a política, com o “tempo
livre”, com as “culturas juvenis” etc.), merecem análises muito específicas e bem
contextualizadas.
Qualquer
pensamento
mais
analítico
acerca
de
“juventude”,
na
contemporaneidade, torna-se impossível, se dissociado da “instabilidade” e das
“contradições” (do ponto de vista psicológico e sociológico, com perspectivas e
fundamentações distintas, obviamente) que a circunscreve; da situação de “risco social”
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de grande parcela da categoria (o que tem implicações claras e lógicas nas estratégias de
minimizar os “abalamentos” e a desestabilização do status quo da sociedade); e,
chegando-se ao ponto de convergência que pretende esta pesquisa, da estreita e, para a
maioria (quantitativamente falando), conflituosa relação entre juventude, educação,
formação e inserção sócio-profissional (trabalho).
Não há dissenso entre os autores que se dedicam ao tema, quanto ao conceito e
ao histórico (surgimento da noção) da juventude, de modo que no entendimento atual
não mais cabe a concepção de uma definição unívoca que não contemple a diversidade
de sujeitos considerados jovens, tampouco a possibilidade de encaixá-los em um arco
cronológico “estático” e/ou rigidamente definido. Na simplicidade da definição de
Costa (2004, p.244), “a juventude é o tempo que se passa entre o não-mais da infância e
o ainda-não da idade adulta”. Nas palavras de Frigotto (2004, p.180): “mais adequado
seria, talvez, falar, como vários autores indicam, em juventudes, especialmente se
tomarmos um recorte de classe social”. Complementando, Novaes (2006, p.108) afirma
que existe um ponto de convergência entre a tamanha diversidade de sujeitos
considerados jovens, o que ela define como “o medo de sobrar”, de não haver “lugar no
futuro”.
Embora não exista um limite rigidamente definido, a juventude pode
compreender o arco de tempo que vai dos 15 aos 24 anos. Esse arco cronológico é
considerado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura) e utilizado como base de muitas pesquisas brasileiras, inclusive
desta. Algumas instituições, porém, consideram que a juventude se inicia aos 16 anos e
em alguns países ela pode chegar aos 29, ou mesmo aos 35 anos.
Trabalho
Na tentativa de, apenas situar os demais termos que “tocam” no objeto dessa
pesquisa, o trabalho, enquanto atividade (inerentemente humana) de “regulação
metabólica” entre indivíduo e natureza, não pode, do ponto de vista do Materialismo
Histórico, ser compreendido “fora” da sua relação indissociável com o Capitalismo e
com a necessidade, dentro do sistema estabelecido, da interligação entre produção (e
constante reprodução, para a não ruptura do ciclo), compra e venda da força de trabalho,
bem como da imprescindibilidade de tal relação para a produção dos “meios de
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subsistência” e, conseqüentemente, da vida, em uma lógica onde vida e trabalho se
produzem simultaneamente.
Nos termos de Ana Elizabeth Santos Alves (2005), no sistema capitalista, “a
força de trabalho assume para o próprio trabalhador a forma de uma mercadoria” (p.
39). Sem a venda da força de trabalho, todas as necessidades - que nas palavras de
Tumolo (2003), vão do “estômago à fantasia” - dinamicamente produzidas e renovadas
pelos indivíduos ao longo da existência, não podem ser supridas, de forma que isso
implica o não-exercício da vida e da cidadania
Dito isso, afirma-se que as modificações que se operaram no mercado e no
mundo do trabalho, como a redução no valor da força de trabalho, pela introdução da
maquinaria; o crescimento de “estratégias” variadas para a “extração” da mais-valia, o
surgimento do taylorismo e do fordismo e os seus exercícios constantes de controle no
processo de trabalho e na vida do trabalhador; a reestruturação produtiva e a
flexibilização do trabalho, entre outras tão bem analisadas por autores como Alves
(2005) e Kuenzer (2006), tiveram, historicamente, os seus interesses prioritariamente
vinculados à “lógica da acumulação” (hoje, em uma acepção dita “flexível)” e
características,
pautadas,
contraditoriamente,
em
uma
“exclusão
includente”
(KUENZER, 2006, p. 880), de modo que as diferenças, no que tange as oportunidades
de inserção dos jovens no mundo do trabalho e as características e qualidade do trabalho
e da remuneração, estão verticalmente atreladas ao recorte e/ou condição social dos
jovens dos quais se fala.
Tal processo de modificações, ainda que não esteja relacionado diretamente a
um “contexto sertanejo” e sem tradição industrial, tem implicações na sociedade de
maneira global, uma vez que para os jovens, o capitalismo pode ser “sentido” como um
sistema que imprime uma velocidade considerada cruel à dinâmica da vida, justamente
pela existência da urgência em acelerar o desenvolvimento e superar os próprios limites
a favor de um sistema, cuja lógica de acumulação se sobrepõe a qualquer interesse.
Ao lado disso, a juventude pode representar para o capitalismo um contingente
significativo de mão-de-obra com baixa qualificação e pouca experiência: o que implica
o barateamento dessa força de trabalho e a redução das exigências, por parte dos jovens,
quanto a melhores propostas e colocações.
Sobre o “cruzamento” entre juventude, trabalho e formação, Regina Novaes
(2006) considera que “a indagação sobre quando e como um jovem começa ou termina
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de estudar ou trabalhar expõe as fissuras presentes na sociedade brasileira” (NOVAES,
2006, p. 106).
Considerar a formação e a inserção no mercado (formal ou informal) de
trabalho, exige definir de que sujeitos está se falando. Dentre os recortes citados, é
importante não deixar de fora classe social, etnia (ou critério raça/cor, como ainda é
utilizado), procedência geográfica e sexo. A esses recortes, Regina Novaes (2006) ainda
acrescenta o “local de moradia”.
O recorte social, como definidor de acessos, privilégios e possibilidades de
vivenciar “outra juventude”, tem implicações na educação e no trabalho, na medida em
que os jovens filhos das “classes trabalhadoras”, em geral (e estatisticamente2), estão
prematuramente fora da escola e inseridos precocemente no mundo do trabalho. As
conseqüências desse fato são muitas, indo desde uma “adultização precoce” (nas
palavras de FRIGOTTO, 2004) às parcas possibilidades de mobilidade social, devido à
inserção precária em termos de condições de trabalho e remuneração.
Sobre a procedência geográfica, tem existido uma tendência natural dos jovens
do campo, em migrarem para as cidades em busca de emprego, estudo ou ambos. Fato
que pode estar sinalizando para a falta ou ineficiência de políticas públicas voltadas para
desenvolvimento da vida no campo. Falando do local de moradia, Regina Novaes
(2006) aponta que “o endereço faz diferença: abona ou desabona, amplia ou restringe
acessos” (NOVAES, 2006, p. 106). Esse motivo tem sido apontado pela autora como
“justificativa” para o receio de muitos jovens em dizer o endereço verdadeiro nas
entrevistas de emprego.
No tocante à etnia, apesar de imaginários ainda pautados na meritocracia e no
mito da democracia racial, é fato: os jovens negros têm os piores empregos, as piores
remunerações e as piores escolaridades. Quanto a isso, Frigotto (2004) acrescenta que
esse fato “não pode ser atribuído à sua condição de negros, mas porque, não bastasse o
longo processo de escravidão, de quase 400 anos no Brasil, na sua „libertação‟ tiveram
como prêmio da alforria os trabalhos mais desqualificados” (FRIGOTTO, 2004, p. 193).
Quanto ao recorte de sexo, Regina Novaes (2006) aponta o crescimento dos
empregos domésticos (que em tese “beneficiariam” as moças). Mas aponta também que
quando ocupando os mesmos postos de trabalho que os homens, as mulheres (jovens ou
não) ganham menos. Acrescentando, a autora resume que “ser pobre, mulher e negra ou
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Ver Gaudêncio Frigotto (2004), juventude, trabalho e educação no Brasil, in: Juventude e Sociedade:
Trabalho, Educação, Cultura e Participação.
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pobre, homem e branco, faz diferença nas possibilidades de „viver a juventude‟”
(NOVAES, 2006, p. 106).
Quanto aos requisitos, a exigência de “boa aparência” tem excluído os mais
pobres. O local de moradia, idem. A pouca preparação dos “menos favorecidos”, os
deixam nos últimos lugares das listas de seleção.
Esse é apenas um esboço sem aprofundamento da conjuntura atual na qual se
inscreve o tema juventude, formação e trabalho. Longe de abordar todos os pontos
importantes da questão e, tampouco aprofundar devidamente os abordados, as
informações elencadas têm a intenção, apenas, de colaborar para o levantamento de
algumas reflexões.
A primeira delas remete ao trabalho como forma de produção de vida. Hoje a
juventude, sobretudo os jovens filhos das classes trabalhadores (com ou sem o
“agravante” de serem negros), têm um “encurtamento” das suas juventudes, devido a
necessidade da “venda precoce” das forças de trabalho. No mercado onde se processa
essa “comercialização”, as limitadas possibilidades de formação, reservam para eles as
vagas e os salários menos satisfatórios. Isso não pode receber outro nome, além de
reprodução.
A segunda, diz respeito à escolaridade. De acordo com Regina Novaes (2006),
os jovens que se vêm “obrigados” a deixar prematuramente a escola, ressentem não ter
permanecido mais tempo nela. Nesse ponto, vivem uma indefinição entre a
credibilidade que a instituição parece ter e o descrédito entre o que ela de fato pode
proporcionar futuramente, uma vez que a educação não tem garantido o tão necessário
emprego (não existe mais um continnum).
A terceira, tenta alinhavar as duas considerações citadas, em seu ponto de
intersecção. Frigotto (2004) chama de “falsificação perversa”
a expressão
“inempregáveis para se referir aos trabalhadores sem escolaridade ou com pouca
escolaridade” (FRIGOTO, 2004, p. 192). Porém, Beluzzo (2001), citado pelo próprio
Frigotto (2004), afirma que:
Não adianta ter gente mais “empregável” se a economia não
cria novos empregos. Ao contrário do que pretendem os
mandamentos e as lengalengas do pensamento único, a maioria
não é pobre porque não tem boa educação, mas, na realidade,
não consegue boa educação porque é pobre. (BELUZZO, 2001,
p. 2 apud FRIGOTTO, 2004, p.192).
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Essa via de setas cruzadas, que dificulta a identificação das suas direções,
demonstra o quanto a questão da educação (entendida aqui como formação), e do
trabalho, tanto na sociedade brasileira, de uma forma geral, quanto especificamente no
terreno da juventude em Bom Jesus da Lapa, é um problema estrutural, que carece de
políticas públicas estruturais, mas que, nos termos de Frigotto (2004) “terão que
enfrentar situações emergenciais de curtíssimo prazo” (p. 184).
Alinhavando essa perspectiva à condição atual de inserção sócio-profissional do
grupo de pesquisa pretendido, é preciso, na concepção de Frigotto (2004), clarear os
termos do debate, com a finalidade de verificar “até que ponto se está falando da mesma
coisa”.
É pertinente aqui, deixar claro o que se pretende compreender como trabalho no
desenvolvimento dessa pesquisa. Literalmente “desprezando” as noções mais
tradicionais do senso-comum, que associam trabalho a vínculo de relação estável entre
“patrão-empregado”, na presente pesquisa ele será entendido como toda forma
“negociação” que os indivíduos estabelecem, no que tange força de trabalho e
sobrevivência. Acrescentando, é principalmente no mercado informal que se encontram
os jovens, sujeitos dessa pesquisa.
A Memória Coletiva
De uma perspectiva sociológica inovadora (se consideradas as concepções de
autores, que inclusive o influenciaram, como Durkheim, Bergson e etc.), Halbwachs
(2006) traz para o centro de suas preocupações a compreensão da memória humana, não
restrita às explicações fisiobiológicas, mas talvez com a intenção de entender com
profundidade a inter-relação entre indivíduo, coletividade, sociedade, história, tempo,
espaço, consciências (individuais e coletivas) e o processo complexo e instigante da
recordação, das lembranças, da memória, dos fatos, imagens, espaços e objetos aos
quais o indivíduo e/ou grupos dos quais faz parte foram influenciados e que são
passíveis de evocação, caso este seja/esteja/permaneça submetido às influências dos
mesmos.
Para o autor, ainda que tenhamos a sensação de que algumas memórias são
exclusivamente nossas, dificilmente é possível existir memórias individuais, uma vez
que nunca estamos sozinhos e mesmo nos acontecimentos/momentos em que não
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estivemos acompanhados, carregamos conosco impressões, opiniões, influências dos
indivíduos com os quais formamos sociedades. Desse modo, a expressão “memória
coletiva”, na concepção de Halbwachs (2006), contempla de forma mais completa as
lembranças que somos capazes de armazenar/evocar ao longo da existência em
sociedade.
Constituindo-se termo central de seu trabalho e da sua teoria, a memória
coletiva, para Halbwachs (2006), é a expressão que dá conta de responder aos inúmeros
questionamentos surgidos quando se pretende compreender de forma aprofundada e
mais coerente, a memória. Para a defesa dessa hipótese, o autor afirma categoricamente
que as memórias e que as lembranças individuais, estão carregadas de informações e de
influências advindas dos grupos com os quais tais indivíduos estão em contato. “A
aventura da memória” pode ser percebida como pessoal, mas ela se desenrola em função
da sucessão de acontecimentos individuais, que resultam de mudanças que ocorrem nas
nossas relações com os grupos. “Nunca estamos sozinhos”, os seres humanos são
naturalmente sociais, porque coletivos e porque vivem em um campo de influências
recíprocas, que atuam de forma incisiva na construção dos seus pensamentos, das suas
impressões, das suas lembranças e dos seus hábitos
Complementando, existe a questão dos contextos sociais, que têm um peso
decisivo na reconstrução da memória, sendo impossível conceber o problema da
recordação e da localização das lembranças, sem tomá-los como referência. O autor
afirma que a existência das memórias coletivas estão atreladas à existência dos grupos a
elas ligados, à permanência nesses grupos, ou, ao menos permanência em suas
influências.
Sobre o contexto: inquietações e reflexões iniciais
Onde o “sol é senhor de janeiro a janeiro”, nos termos de Milton Guram
(MALHEIROS, 1969) e assiste-se as particularidades de encontrar-se situada no sertão
da Bahia, Bom Jesus da Lapa ainda agrega outras peculiaridades inerentes a uma cidade
que se constituiu historicamente como “local de luz”, de fé, de “solo sagrado”, de
romarias. O turismo, que se instalou na cidade, provavelmente modificando por
completo o seu percurso e estrutura econômica, administrativa, social, cultural e
comercial, dentre outras, se iniciou, de acordo com Steil (1996), após a origem do
Santuário (que data o final do século XVII), se mantém forte atualmente e atrai
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indiscriminadamente romeiros de diferentes níveis sócio-econômicos e culturais,
sobretudo, sertanejos e nordestinos de semblantes “sofridos”, que buscam na “Romaria
do Bom Jesus” e na “igreja sagrada” esculpida em “ato divino” da natureza, milagres de
cura e agradecimentos, em aspectos dos mais diversos.
Historiadores, antropólogos e literários, como Pedro Calmon, Rocha Pita, Nuno
Marques Pereira, Euclides da Cunha entre outros, se propuseram a investigar e/ou
descrever a cidade de Bom Jesus da Lapa, tendo prioritariamente como foco e
perspectiva a sua relação com o “sagrado”, com o religioso, com o que, de fato, atrai
milhares de pessoas (principalmente entre os meses de agosto e setembro). Como afirma
Steil (1996, p.13): “o Santuário de Bom Jesus da Lapa abre um campo de possibilidades
para o estudioso da religião e da cultura enquanto centro de condensação de mitos e
cosmologias que perfazem uma tradição de longa duração”.
Ultrapassando a constatação do autor, é pertinente acrescentar que as
peculiaridades culturais historicamente construídas nesse “ponto” do Médio São
Francisco, são tão incisivas na constituição da sociedade que ai se instala e constrói, que
as análises não mais podem se limitar à relação que esse povo estabelece com o sagrado,
mas o que essa relação (histórica) traz de implicações para os demais aspectos da
estrutura e funcionamento econômico, social, político, educacional, cultural,
administrativo, comercial, profissional e etc.
Aqui, defende-se que é preciso retirar um pouco o foco das romarias, dos
romeiros e do cunho religioso (indissociável) da cidade, para compreender o que se
modifica para “os que” na “Lapa” permanecem (assim como o sol) “de janeiro a
janeiro”. A respeito dessa relação de influências, não é difícil perceber um foco
exacerbado no turismo religioso; a projeção do calendário municipal em função dos
períodos de romarias; as características do comércio local; o fluxo intenso de pessoas
que circulam na cidade nesses períodos, modificando seu ritmo, desde as estradas de
acesso, às expectativas de parte massiva dos cidadãos, sobretudo, da classe
trabalhadora, que atrelam suas condições de sobrevivência à exploração do turismo
religioso, entre outras coisas.
Nesse bojo, e da perspectiva da hipótese central dessa proposta – a relação entre
o histórico cultural da cidade (enquanto memória coletiva), e a inserção sócioprofissional da juventude -, surgem algumas questões totalmente (a ela e entre si)
atreladas.
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A primeira delas, diz respeito ao trabalho e a toda complexidade que esse
termo/atividade de produção e reprodução da existência humana (em uma concepção
Marxista) engendra. A segunda se reporta à formação, dada sua relação estreita com
trabalho, sobretudo em um momento onde a reestruturação (e precarização) dos
processos produtivos traz discussões densas e interessantes sobre conceitos como
empregabilidade, as diferentes (e controversas) noções de qualificação, a (estratégica)
flexibilização do mundo do trabalho, a emergência das Políticas Públicas de Educação
Profissional, entre muitas outras. A terceira toca em um campo, cuja delimitação do
recorte é definidora para qualquer análise, dada a diversidade de sujeitos que o compõe:
a juventude - não compreendida apenas enquanto um “arco cronológico”, mas,
concordando com Abramo (2005), quando a afirma enquanto “reconhecida como
condição válida, que faz sentido, para todos os grupos sociais, embora apoiada sobre
situações e significações diferentes” (p.44).
Juventude, Trabalho e Formação. Se cada um desses três “temas” isoladamente
já comporta grande complexidade, empreitar uma análise do entrelaçamento deles, nada
tem de simples. Alocar essa análise em um município como Bom Jesus da Lapa torna-se
amplamente pertinente, dada a forma particular e histórica de relação entre sua
população e o mundo do trabalho, em um contexto onde o surgimento e instituição da
própria cidade são posteriores ao surgimento da cultura que nela se destaca, de modo
que as atividades (trabalho), surgidas enquanto necessidade do Município, se formam
cronologicamente após as “atividades-conseqüência” das romarias.
A cidade, situada a aproximadamente 800 km da capital da Bahia, no centrooeste do estado, onde o sertão, a caatinga, o sol constante, as temperaturas elevadas, a
poeira e os longos períodos de estiagem, se intercalam às “benesses” do Rio São
Francisco, possui aproximadamente 70 mil habitantes e tem como fontes de
desenvolvimento econômico, principalmente a agricultura irrigada e a pecuária.
Sem tradição industrial ou fabril, Bom Jesus da Lapa oferece oportunidades de
inserção profissional, basicamente instaladas no comércio local, no trabalho na
iniciativa privada (bancos, consultórios, empresas de pequeno porte) ou nas atividades
administrativas, de atendimento ou de serviços gerais, vinculadas, principalmente ao
mercado hoteleiro. Expressivamente, a classe médica e muitos profissionais da área da
Saúde (Enfermeiros, Dentistas e etc.) vêm de outras cidades apenas p/ a prestação dos
serviços.
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Da perspectiva pública, existem os empregos da Prefeitura Municipal,
absorvendo, via vínculo efetivo ou contratos temporários, principal e preferencialmente
os “filhos de Bom Jesus da Lapa” (viabilidade/caráter político-partidário); e os
empregos em Órgãos Públicos Estaduais e Federais (Bancos, Receita Federal,
Companhia do Vale do São Francisco - CONDEVASF, Universidade Estadual da Bahia
- UNEB, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Baiano – IF BAIANO,
Correios, Forças Armadas, Companhia Hidrelétrica do São Francisco - CHESF, entre
alguns outros), cujo caráter de admissão (via Concursos Públicos nacionalmente
divulgados), aponta para a quantidade de trabalhadores de outras cidades e/ou regiões,
em detrimento da ocupação dos seus postos por trabalhadores nascidos em Bom Jesus
da Lapa.
Quanto aos que “não conseguem” colocação em nenhuma das possibilidades
citadas (e nas que não foram), resta o mercado informal, que movimenta a economia
local, principalmente, e de forma bastante elevada, nos períodos de romarias.
Aqui se abre um parêntese: “não colocação” e “não inserção” significam, na
lógica da linguagem sociológica, exclusão. Tratando-se de juventude, esse significado
se amplia para abranger: marginalização, risco social, possibilidade de desestabilização
da ordem da sociedade. Mais que isso: não usufruto pleno da cidadania e dos Direitos
Humanos e Sociais, por uma parcela significativa da população.
As formas de materialização da exclusão mencionada, em Bom Jesus da Lapa,
são diversas e sinalizam o entendimento, ainda que “superficial”, do contexto onde está
inserida a quantidade “assustadora” de crianças e jovens que literalmente “vagam pelas
ruas” da cidade a pedir esmolas, principalmente a pessoas aparentemente não-nativas e
de forma acentuada nos períodos de romarias. Steil (1996) informa que “a mendicância
em Bom Jesus da Lapa é uma tradição que remonta às origens do santuário. Os
mendigos aparecem em quase todas as descrições e estudos sobre o santuário” (p.72).
Na presente pesquisa, levanta-se as seguintes hipóteses: 1) existe uma relação
cultural “histórica e lógica” entre a construção da sociedade e do mundo de trabalho no
Município de Bom Jesus da Lapa, e a cultura de fé e de romarias, que em uma relação
recíproca, se construiu na cidade e a construiu; 2) é notável no município uma cultura
peculiar de trabalho, onde se percebe um foco muito grande “no que” a romaria pode
oferecer em termos lucrativos, mesmo a quem não vive do comércio; 3) apesar do início
de um processo perceptível de modificação, ainda existe um distanciamento
significativo entre a juventude (sobretudo os jovens com “poucas chances de acesso”)
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de Bom Jesus da Lapa e uma perspectiva concreta de investimento em educação e
formação.
É sob essa perspectiva que se pretende compreender a relação entre a juventude,
especificamente os jovens trabalhadores (e/ou filhos da classe trabalhadora), e o
trabalho, em Bom Jesus da Lapa. O modo como esses jovens, trabalhadores ou (ainda)
não, se relacionam com o mundo do trabalho, pode ser reflexo de um processo de
“inscrição” geracional de concepções e formas de lidar com o binômio: sobrevivência e
força de trabalho, enquanto mercadoria. Este é o pressuposto central desta pesquisa.
A Pesquisa propriamente dita: algumas pretensões
Quanto à abordagem, essa pesquisa está sendo guiada pelos pressupostos da
pesquisa qualitativa. De acordo com Lüdke e André (1986), a utilização de
metodologias qualitativas tem sido corrente pelos pesquisadores da área da Educação,
tendo como características básicas: o ambiente natural como fonte direta de dados e o
pesquisador como principal instrumento; o caráter predominantemente descritivo dos
dados coletados; a ênfase muito mais no processo do que no produto; a atenção dada à
perspectiva dos sujeitos pesquisados; e o caráter indutivo do processo de análise de
dados.
Além dessas características, o uso dessa abordagem justifica-se pelo interesse
em compreender o objeto estudado de uma maneira relativamente aprofundada, sem
pretender generalizações e/ou quantificações.
Importando para esta pesquisa jovens trabalhadores e/ou filhos dos trabalhadores
com menores possibilidades de acessos, tais sujeitos devem pertencer a um recorte
específico da juventude: jovens nordestinos, nascidos e residentes em um dos mais
importantes centros baianos da fé e da exploração do turismo religioso. Mais do que
isso, jovens que se situam “às margens da sociedade”, que podem se encontrar nas
periferias, nas escolas da Rede Pública de Ensino, ou cujo mercado informal tem sido
um dos principais viabilizadores das condições de sobrevivência. A seleção dos sujeitos,
porém, deverá ser definida após as primeiras imersões de campo.
Ressalta-se a intenção de utilizar ferramentas teóricas e metodológicas extraídas
da Antropologia e da Sociologia, bem como lançar mão de dados quantitativos a fim de
mapear a realidade local. Isso não equivale a uma mistura de perspectivas de estudo, já
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que não se deve confundir natureza da informação (quantitativa) com abordagem
pretendida (qualitativa).
Como instrumentos de construção de dados, pretende-se utilizar, além dos
questionários - que deverão fornecer dados globais do campo, como perfil sócioeconômico, grau de escolaridade, características da inserção sócio-profissional -, a
história oral, que de acordo com Lakatos (2010) “investiga os fatos e acontecimentos
registrados na memória de pessoas” e entrevistas semi-estruturadas, que na definição de
Alves-Mazzoti (1999, p. 168) “permite tratar temas complexos, que dificilmente
poderiam ser investigados adequadamente através de questionários, explorando-os em
profundidade”.
A referida pesquisa começou a se esboçar no segundo semestre de 2010 e teve
início de fato no primeiro semestre de 2011, a partir do início da sistematização do
trabalho bibliográfico, que foi sintetizado anteriormente e que deve se desenrolar até os
momentos finais do trabalho. A parte empírica da pesquisa deverá ter início no segundo
semestre de 2011, apesar de observações não sistematizadas já estarem ocorrendo desde
os primeiros contatos com o campo (janeiro de 2010).
O trabalho de definição do objeto tem sido realizado continuamente em um
exercício que deve se processar de modo constante em qualquer trabalho de pesquisa,
especificamente da área sociológica. Nesse momento o que existe em relação a isso,
além das reflexões e inquietações outrora expostas, é a seguinte questão: de que modo
as representações de fé e de romarias de Bom Jesus da Lapa influenciaram ou
construíram a memória coletiva da juventude em relação ao mundo do trabalho?
15
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