Políticas públicas de segurança e gênero: a experiência de Canoas Kátia Carolina Meurer Azambuja1 Diego Rafael Hoch de Menezes2 RESUMO A partir dos conceitos de Segurança Cidadã propostos pelo PNUD (Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e dos Indicadores de Prevenção a violência do Ministério da Justiça o presente trabalho apresenta e analisa a experiência que o município gaúcho de Canoas teve nos últimos cinco anos com projetos sociais de segurança pública de gênero lá implementados. O Projeto Mulheres da Paz (MdP) foi uma iniciativa do Ministério da Justiça, instituída pela Lei n° 11.530/2007 e pelo Decreto n° 6.490/2008, que tinha por objetivo, em linhas gerais, a capacitação de mulheres atuantes na comunidade para promover o empoderamento feminino e para que se constituam, institucionalmente, como articuladoras sociais a fim de fortalecer as práticas políticas e socioculturais desenvolvidas pelas e para as mesmas, promover direitos, além de construir e fortalecer as redes de prevenção da violência contra mulheres e jovens. Em Canoas existem dois projetos Mulheres da Paz, cada um com uma sede, conhecida como Casa Mulheres da Paz, uma no bairro Guajuviras, no Quadrante Nordeste e outra no Bairro Mathias Velho, no Quadrante Noroeste. O projeto MdP foi instalado no bairro Guajuviras, em março de 2010, no bojo do PRONASCI (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania) quando da implementação do Território de Paz nesse bairro em outubro do ano de 2009. No bairro Mathias Velho a experiência foi replicada em 2012 por iniciativa da Prefeitura Municipal com recursos advindos inicialmente do Fundo Nacional de Segurança Pública. Palavras-chave: Mulheres da Paz; Segurança Pública; Gênero; PRONASCI; Canoas 1 Mestra em Ciência Política; Fundação La Salle; [email protected] 2 Sociólogo; Universidade Federal do Rio Grande do Sul; [email protected] Políticas públicas de segurança e gênero: a experiência de Canoas O Projeto Mulheres da Paz (MdP) foi uma iniciativa do Ministério da Justiça, instituída pela Lei n° 11.530/2007 e pelo Decreto n° 6.490/2008 que instituem o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania - PRONASCI, que tinha por objetivo, em linhas gerais, a capacitação de mulheres atuantes na comunidade para promover o empoderamento de lideranças comunitárias mulheres e para que se constituam como articuladoras sociais a fim de fortalecer as práticas políticas e socioculturais desenvolvidas pelas e para as mesmas, promover direitos, além de construir e fortalecer as redes de prevenção de violência contra mulheres e jovens. No município de Canoas existem dois projetos Mulheres da Paz, cada um com uma sede, conhecidas como Casa Mulheres da Paz, uma no bairro Guajuviras, no Quadrante Nordeste e outra no Bairro Mathias Velho, no Quadrante Noroeste. O projeto MdP foi instalado no bairro Guajuviras, em março de 2010, no bojo dos projetos financiados pelo PRONASCI quando da implementação do Território de Paz nesse bairro em outubro do ano de 2009. No bairro Mathias Velho a experiência foi replicada por iniciativa da Prefeitura Municipal, a partir do ano de 2012, financiado inicialmente com recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, dado ao sucesso e efetividade da iniciativa no outro bairro. Ambos, ao fim de seus convênios, são mantidos com recursos próprios da Prefeitura. A partir dos conceitos de Segurança Cidadã propostos pelo PNUD (Plano das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e dos Indicadores de Prevenção a violência do Ministério da Justiça o presente trabalho apresenta e analisa a experiência que o município gaúcho de Canoas teve nos últimos cinco anos com projetos sociais de segurança pública de gênero lá implementados. Primeiramente contextualiza-se o município de Canoas, depois apresenta-se o projeto Mulheres da Paz e o Projeto SerH, em seguida faz-se uma análise das políticas de segurança cidadã e, por fim, breves considerações finais. Contextualização do município de Canoas A instalação do Município de Canoas ocorreu em 15 de janeiro de 1940. O crescimento populacional de Canoas deu-se, principalmente, a partir de 1970, devido ao surgimento de polos industriais e tecnológicos instalados no município. Canoas tornou-se um espaço estratégico devido a sua localização geográfica, ligando Porto Alegre às demais regiões do Estado e do País através das rodovias BR-116, BR-386, pela hidrovia dos Rios Gravataí e dos Sinos, além do sistema integrado de transporte metropolitano e do metrô. Em pouco tempo atraiu investimentos comerciais e industriais, caracterizando-se como o polo industrial da Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA). Além disso, atualmente, é um grande centro educacional da RMPA, apresentando dois Centros Universitários e uma Universidade. Segundo os dados do Censo do IBGE realizado em 2010, a população é de 323.827 habitantes, em um território de 131,17 km². A densidade demográfica é de 2.500 habitantes por km². Se por um lado, em uma série histórica de aproximadamente 20 anos, apresenta um aumento de população de aproximadamente 16%, por outro, o crescimento no número de domicílios chega a 50%, se comparado com o dado de 1991. O número de habitantes por domicílio é de 3,11, o que se assemelha a nova sociedade urbana, configurada por novas organizações familiares, com um número menor de pessoas por residência. As mulheres são a maioria da população canoense, com uma representação de 51,8%. Porém, são as pessoas responsáveis por apenas 44% dos domicílios do município. No município de Canoas, 70% dos domicílios cujos responsáveis são homens têm um rendimento nominal mensal per capita de até 2 salários-mínimos. Quando a responsável pelo domicílio é mulher, a representatividade de lares em que cada morador possui um rendimento nominal mensal de até 2 salários-mínimos é ainda maior: 75,6% dos domicílios. Com efeito, a desigualdade entre sexos pode ser visualizada no acesso diferenciado de homens e mulheres a uma renda mensal, bem como no valor recebido, quando se tem rendimento. Enquanto a proporção de homens de mais de 10 anos de idade que possui rendimento é de 75,7% em Canoas, a de mulheres é de apenas 60%. Comparando-se o valor do rendimento nominal médio mensal dos homens e mulheres que possuem rendimento no município, observa-se que os homens ganham em média R$486,60 a mais do que as mulheres. Considerando alfabetização e rendimento por sexo, observa-se que a diferença entre os rendimentos nominais médios mensais entre homens e mulheres é maior quando se compara somente as pessoas alfabetizadas. O que vai ao encontro da pesquisa Síntese de Indicadores Sociais do IBGE de 2010, que mostra que, no Brasil, o rendimento nominal médio das mulheres piora em relação aos homens com o mesmo nível de instrução à medida que aumenta o número de anos de estudo. Outrossim, observa-se, em Canoas, que as mulheres não-alfabetizadas recebem 91,8% do que ganham os homens não alfabetizados. Já entre as pessoas alfabetizadas a diferença de renda entre sexos é bastante maior: o rendimento médio das mulheres é apenas 57,2% do rendimento médio dos homens. Em relação à taxa de alfabetização no município, ela ainda permanece maior entre os homens do que entre as mulheres, 97,9% e 97,1%, respectivamente. O projeto Mulheres da Paz O projeto Mulheres da Paz é um dos projetos estabelecidos pelo PRONASCI e executado na cidade de Canoas deste o ano de 2010 no bairro Guajuviras, o primeiro Território de Paz da Cidade, e desde 2012 nos bairros Mathias Velho e Harmonia, que junto configuram o segundo Território de Paz da Cidade. O projeto Mulheres da Paz, executado na cidade de Canoas, é destinado ao empoderamento de mulheres populares acerca de seus direitos e na sua capacitação como promotoras de direitos humanos das mulheres com o objetivo de diminuir e prevenir as violências. O lançamento do projeto aconteceu em 08 de março de 2010 no bairro Guajuviras, onde segue em funcionamento, no entanto com algumas nuances em relação ao início o projeto. O projeto partiu da identificação de mulheres lideranças comunitárias, moradoras do bairro Guajuviras, e as capacitou nos temas dos direitos humanos, inclusão digital, redes de atendimento e proteção social, empoderamento de gênero, acesso a direitos básicos e a formação de redes de apoio em economia solidária, para atuarem como Mulheres da Paz. O projeto também estruturou a Casa Mulheres da Paz, que além de ser o local da capacitação continuada destas mulheres, oferecia o atendimento psicológico, jurídico e de assistência social, pela equipe multiprofissional contratada (composta por 2 advogadas, uma psicóloga, uma assistente social, três estagiárias destas áreas técnicas, duas educadoras populares e uma ativista comunitária) 3. Importante salientar que a Casa Mulheres da Paz oferece estes serviços não só para as Mulheres da Paz, mas também para todas as mulheres da comunidade. As Mulheres da Paz se dividem em Grupos de Atuação, propostos por elas mesmas, em torno dos temas que identificam como mais importantes para o bairro, quais sejam: Saúde, Educação, Juventudes, Comunicação e Enfrentamento às Violências contra as Mulheres4. Cada um destes grupos se relaciona com as redes de serviços organizadas em torno destas temáticas, como a Rede Local de Proteção Social Básica (que reúne as entidades governamentais e não-governamentais de assistência social); a Rede de Proteção a Mulheres Vítimas de Violências (que reúne os serviços que prestam atendimento, os movimentos sociais de mulheres e as forças policiais); a Rede de prevenção a violências nas Escolas (organizadas em torno da lei municipal nº 5505/2010, que institui as CIPAVES - Comissões Internas de Prevenção a Violência nas Escolas e que conta com a participação da Guarda Municipal, das direções das escolas, mães e pais e de 3 Atualmente a equipe está comporta por uma coordenadora, uma psicóloga, uma assistente social e uma ativista comunitária. 4 Atualmente as mulheres estão organizadas em eixos temáticos: da Saúde e da Educação, sendo o enfrentamento à violência contra às mulheres o eixo transversal. alunas e alunos); do Conselho Local de Saúde (organização em torno dos equipamentos de saúde pública que exerce o controle social por parte da população) e os encontros de juventudes, especialmente protagonizados pelo projeto Casa das Juventudes e a Coordenadoria Municipal das Juventudes. Para além destas redes, o projeto Mulheres da Paz teve como eixo de atuação a integração, a articulação e o fortalecimento dos projetos de inclusão econômica e geração de renda voltados às mulheres, que acontecem na cidade, marcadamente com o Centro Integrado de Economia Solidária do Guajuviras, onde foi inaugurado no dia 23 de agosto de 2012, um atelier de costura industrial fruto da parceria entre o projeto e a OSCIP Guayi, com o intuito de formar um empreendimento de economia solidária, não só para dar sustentabilidade ao trabalho desenvolvido pelas Mulheres da Paz, mas também como uma estratégia de enfrentamento à violência doméstica e de gênero, incorporando a esta iniciativa mulheres que sejam oriundas da Casa Abrigo. O projeto Mulheres da Paz Guajuviras, como parte de um programa nacional, partilha de parâmetros comuns com outros projetos no país, porém, com muitos elementos que o distinguem. O primeiro deles é a parceira escolhida para sua execução 5, a ONG Themis, entidade que participou das discussões com o Ministério da Justiça que culminaram com a criação do projeto a nível nacional e, ainda, que já havia trabalhado com capacitação de mulheres do Guajuviras, quando da execução do projeto Promotoras Legais Populares, em 1993. Deste modo, e pela estrutura disponibilizada pela Secretaria Municipal de Segurança Pública e Cidadania, que estruturou uma Diretoria (Diretoria de Projetos - DPRO) própria para a execução dos projetos do PRONASCI, orientou o projeto para o Enfrentamento a Violência contra a Mulher como eixo principal, tendo se transformado em modelo para o país, o que pode ser verificado, por exemplo, na assinatura do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, em maio de 2011, que foi assinado em uma cerimônia em frente à Casa Mulheres da Paz, no bairro Guajuviras, em Canoas. O MdP é um projeto mobilizador, que inclusive reforçou e ainda reforça a participação das mulheres populares nas instâncias de representação. Fomentou a participação das MdP nas conferências municipal e estadual de políticas para as mulheres, teve uma Mulher da Paz como delegada na 3ª Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres, em 2011. Para além disso, que fundamentalmente, garante a visibilidade para o tema da violência doméstica e de gênero. Com a inauguração, em setembro de 2011, do Centro de Referência à Mulheres Vítimas de Violências Patrícia Esber (CRM), o acompanhamento jurídico destas mulheres passou a ser efetuado por este equipamento especializado, mantendo-se na Casa Mulheres da Paz o acolhimento psicossocial das mulheres da comunidade. 5 Desde março de 2012 o projeto é executado pela Fundação La Salle no Quadrante Nordeste (Guajuviras) e 2013 no Quadrante Noroeste (Mathias Velho). A partir de novo convênio estabelecido com o Governo Federal em dezembro de 2012 com início da execução em abril de 2013, este atendimento do MdP passou a incorporar também as mulheres residentes nos bairros Igara, São José, Olaria e Estância Velha, todos estes contíguos ao Guajuviras, e parte do Quadrante Nordeste, que constituem uma Área Integrada de Segurança Pública (AISP). Desde janeiro de 2015 o projeto está sendo financiado com verba livre da Prefeitura. O MdP no quadrante Nordeste já formou, nesses cinco anos, 151 mulheres, tendo concluído a formação da terceira turma em julho de 2015. No bairro Mathias Velho a experiência foi replicada por iniciativa da Prefeitura Municipal de Canoas, no ano de 2012, financiado inicialmente com recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, dado ao sucesso e efetividade da iniciativa no Guajuviras, e ambos, ao fim de seus convênios, estão sendo mantidos com recursos próprios da Prefeitura. O projeto nasceu com uma identidade um pouco diferente na Mathias Velho, pois, por não ser financiado pelo PRONASCI, foi batizado formalmente como Promotoras de Direitos Humanos das Mulheres e sua sede era compartilhada com o Centro de Referência das Juventudes 6, tendo uma entrada em separado identificada como Casa Mulheres da Paz. Ao mudar-se de sede, em setembro de 2014, o projeto passa a ter uma Casa Mulheres da Paz em separado, a fim de melhor acomodar as atividades do projeto. Até agora o MdP da Mathias Velho formou 46 promotoras, com perspectiva de formar mais 22 mulheres que estão em capacitação que será concluída ao final do mês de agosto de 2015. As Mulheres da Paz de ambos os territórios se organizam em torno dos eixos de atuação da Saúde e da Educação, sendo o enfrentamento à violência contra às mulheres o eixo transversal, e realizando atividades concretas acerca dessas temáticas. No Eixo da Educação as MdP têm feito intervenções em algumas escolas, especialmente no horário do recreio. Essas atividades consistem em estar presente no pátio das escolas no horário do intervalo realizando brincadeiras e conversas com as crianças e os jovens com o objetivo de diminuir as violências e acidentes acontecidos no recreio. Além das ações nos recreios as MdP também têm feito oficinas, palestras, cine debates e balcão de informações sobre direitos. No Eixo da Saúde as MdP têm intervindo nas salas de espera das UBS (Unidades Básicas de Saúde) abordando e conversando com as mulheres que ali esperam atendimento para divulgar o projeto e sensibilizar para os tipos de violências que as mulheres podem sofrer e informar que a Casa Mulheres da Paz é um serviço que está de portas abertas para acolher essas demandas e realizar os encaminhamentos necessários. As MdP também tentam identificar, através dessas conversas, possíveis casos de violência. No bairro Mathias Velho o Mulheres da Paz, a equipe 6 Projeto também replicado da Casa das Juventudes/PROTEJO por ter sido bem sucedido no bairro Guajuviras. técnica juntamente com as promotoras, está em frequente contato com as agentes comunitárias de saúde realizando capacitação e discussão de casos com o objetivo e qualificar a escuta para a identificação de possíveis violências, especialmente domésticas sofridas/cometidas nos domicílios visitados por essas agentes. No entanto, mesmo as Mulheres da Paz se organizando em torno desses dois eixos, a atuação delas transcende os espaços das escolas ou das UBS. As MdP participam de muitas atividades de panfletagem e divulgação o projeto, tanto em eventos organizados pela prefeitura quanto em atividades organizadas por elas ou pelos outros projetos sociais do território. Elas participam também de seminários e cursos de capacitação oferecidos por ONGs ou entidades que atuam no município. A tabela abaixo sintetiza os números da atuação das Mulheres da Paz nos dois territórios. Tabela 1: Dados do Projeto Mulheres da Paz TP Mathias Velho/Harmonia TP Guajuviras Participação das MdP em atividades/eventos 3015 6145 Encaminhamentos para a Rede 667 868 Público Atingido 13829 14966 MdP formadas em 2015 Fonte: DPRO/SMSPC (janeiro de 2015). 22 13 As Mulheres da Paz recebem uma bolsa de R$100,00 para ajudar em despesas de deslocamento para a realização das atividades e a sua atuação é regulada por um termo de trabalho voluntário assinado juntamente com a Fundação La Salle. Para receber essa quantia, a promotora tem que participar de pelo menos 6 atividades por mês. Atualmente esse auxílio é repassado pela Prefeitura diretamente na conta bancária das mulheres; no início do projeto, no Guajuviras, as mulheres recebiam R$ 190,00 por 12 meses repassados diretamente do Governo Federal conforme estabelecido pelo PRONASCI, e passaram ao término deste processo a receber uma bolsa da Prefeitura de Canoas no valor de R$ 100,00. O MdP é capaz não só de questionar comportamentos como também de provocar mudanças concretas. A partir da capacitação em temas de direitos humanos, envolvendo assuntos como relações de gênero, raça, etnia, diversidade sexual, juventudes, criança e adolescência, idosas(os), educação, saúde, comunicação, acesso a direitos e à justiça, enfrentamento às violências contra as mulheres, dentre outros, foi possível questionar padrões de comportamento preestabelecidos socialmente, frequentemente marcados por preconceitos e discriminações. Além da capacitação, atividades comunitárias também foram importantes para trazer a tona as discussões feitas internamente no projeto, provocando reflexões e transformações pessoais e comunitárias. Por fim, é possível verificar as mudanças acontecendo na vida das mulheres e da comunidade, através de atitudes como: retomar os estudos, ocupar espaços públicos, participar das redes comunitárias, denunciar situações de violência, exigir a prestação de serviços públicos voltados à garantia de direitos e rompimento com os papéis de gênero tradicionalmente estabelecidos. As mulheres da paz se tornaram referências comunitárias na luta pela garantia de direitos e no enfrentamento às violências. SerH O projeto atende à demanda do artigo 35 da Lei Maria da Penha, indicando que a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios poderão criar e promover, no limite das respectivas competências, centros de educação e de reabilitação para os agressores. Ao aderir ao Serviço, o autor de violência doméstica passa por três etapas: entrevistas preliminares, para descobrir o que esse homem pensa a respeito da violência que ele praticou e qual o perfil socioeconômico e demográfico dele; grupo reflexivo, em que se estabelece um compromisso de convivência e não violência ativa com esses homens; e, por último, o grupo focal, que é uma metodologia de avaliação do processo que esses homens passaram e do trabalho da equipe. O papel do processo reflexivo é justamente facilitar o diálogo e o processo de responsabilização e de reflexão. O objetivo é possibilitar que esses homens se transformem, entendam o porquê de terem praticado violência e parem de praticá-la. O grupo reflexivo de gênero, com abordagem responsabilizante, faz com que a pessoa volte o olhar para si, conecte seus diálogos internos e entre em contradições em relação às suas ideias, pensamentos e sentimentos. Este projeto foi construído em parceria da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Cidadania (SMSPC) com a Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), através do Núcleo de Atendimentos a Vítimas de Violências (NAVIV), que disponibiliza a equipe técnica para o mesmo. A equipe foi disponibilizada pela Universidade, e passou por uma capacitação com uma profissional do projeto do Rio de Janeiro. O Termo de Cooperação Técnica entre Município e ULBRA foi assinado no dia 05 de novembro de 2013. Ocorreu a implementação, em Canoas, da Vara Especializada em violência doméstica e familiar; a assinatura do Termo de Cooperação Técnica com o Judiciário e o Ministério Público (MP). No entanto, nesse ínterim, saíram do cargo a promotora da promotoria especializada de violência contra a mulher e o juiz da vara e, até o momento, não houve substituição. A política de segurança pública cidadã de Canoas: uma afirmação de direitos. A política municipal de segurança pública de Canoas vem, desde o ano de 2009, sendo executada de forma bastante articulada com o Governo Federal, demonstrando não só afinidade política com o projeto de segurança nacional, mas também capacidade institucional para colocar em prática os enunciados pelo PRONASCI, sendo estruturada em três eixos centrais e articulados entre si, sendo estes a integração policial com policiamento comunitário e integração interagencial intersetorial, uso de tecnologias e investimento em inteligência, e por fim o investimento no aumento da coesão social através de projetos sociais de prevenção às violências. A fim de levar adiante a missão estipulada de elevar o Município ao patamar de sujeito do processo de construção de uma política local de segurança, foi criada em 2009 a Secretaria Municipal de Segurança Pública e Cidadania (SMSPC). A SMSPC é estruturada em 6 Diretorias, quais sejam: Diretoria de Controle Administrativo, Diretoria Operacional, Diretoria Geral da Guarda Municipal (DGGM), Diretoria de Políticas de Segurança e Informação (DPSI) e Diretoria de Projetos (DPRO). Em relação ao uso de tecnologias e investimento em inteligência, a Secretaria Municipal de Segurança Pública e Cidadania de Canoas, SMSPC, conta com quatro iniciativas centrais, sendo estes a Sala Integrada de Monitoramento – SIM (que está passando por uma reestruturação para tornar-se Centro Integrado de Comando e Controle – CICC), o sistema de detecção de disparos – Shotspotter, o Observatório de Segurança Pública e o projeto Cidadão da Paz. Durante esse mesmo ano, a Secretaria de Segurança Pública e Cidadania do município aprovou doze projetos no âmbito do PRONASCI, são eles: Mulheres da Paz, PROTEJO, Geração Consciente, Justiça Comunitária, Observatório de Comunicação Cidadã, Observatório de Segurança Pública, Pacificar, Praça da Juventude, Centro de Referência a Mulheres Vítimas de Violência, Casa-abrigo, Unidade Móvel de Policiamento Comunitário e Sistema de Audiomonitoramento (ShotSpotter), com recursos na ordem de R$ 9 milhões. A experiência de segurança cidadã de Canoas inova, a um só tempo, por congregar ambos os enfoques e estimular a accountability das políticas públicas de segurança, a partir da constituição do Observatório de Segurança Pública, no contexto da estruturação de órgão colegiado de gestão compartilhada da segurança pública, qual seja, o Gabinete de Gestão Integrada Municipal (GGI-M). É no âmbito do GGI-M que se estabelecem os diálogos, articulações e o planejamento de ações integradas entre todas as secretarias que compõe a prefeitura e os agentes do sistema de segurança pública e justiça criminal, trazendo para dentro das ações de segurança a promoção dos direitos humanos e o acesso aos serviços de atendimento e proteção social, como a habitação, assistência social, saúde e desenvolvimento econômico, promovendo não só o direito a segurança, mas garantindo, da fato, a segurança dos direitos. Em agosto de 2011, o município de Canoas foi o único convidado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para participar da 4ª Clínica sobre Segurança Cidadã que ocorreu no Rio de Janeiro. Na oportunidade, foi apresentada a experiência de gestão pública da segurança de Canoas, além de ter sido anunciado, em diversos jornais, que o município integrará o “Guia da Copa Segura”, que foi distribuído na Copa do Mundo de 2014. Em outubro de 2009, a Municipalidade de Canoas foi convidada para participar da 2ª Conferência Ministerial em Genebra sobre Redução da Violência Armada e Desenvolvimento, apresentando o seguinte trabalho: “A Construção da Paz no Território: a experiência de Canoas/Brasil”. Somente quatro cidades do mundo apresentaram as suas experiências: Aguascalientes, no México; Nairobi, no Quênia; Genebra, na Suíça; e Canoas, a única cidade da América do Sul. Canoas foi premiada em primeiro lugar na categoria Qualidade de Gestão no 2º Prêmio de Boas Práticas da América Latina e Caribe do BID, com a experiência de gestão local sem segurança pública, sob o título “Território de Paz Guajuviras: a experiência de segurança cidadã de Canoas”. Também recebeu o Prêmio Nacional de Direitos Humanos, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos do Governo Federal, na categoria “Mídia e Direitos Humanos” por conta do projeto Comunicação Cidadã/Agência da Boa Notícia Guajuviras, o Prêmio Estadual de Direitos Humanos de 2012, por conta da experiência do projeto Núcleo de Justiça Comunitária. O projeto Mulheres da Paz foi agraciado com o certificado de reconhecimento de boa prática de enfrentamento à violência contra as mulheres pela Campanha Ponto Final na Violência contra as mulheres e meninas, entregue no dia 10 de dezembro de 2012, bem como a Prefeitura de Canoas ganhou o prêmio boas práticas pela implantação rede de enfrentamento à violência contra mulheres. E por fim, Canoas foi uma das três cidades no país a integrar o projeto piloto do Ministério da Justiça de implementação do sistema InfoGGI, pelo destaque na área da integração. Visto repercussão e a importância de Canoas e dos projetos sociais nas políticas de segurança pública, em maio de 2011, o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher foi assinado em frente à Casa Mulheres da Paz, no Guajuviras, em Canoas. Este Pacto consolida a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, cujo conceito central é a integração dos serviços nas áreas de saúde, segurança, educação, assistência social, cultura e justiça, de forma a permitir às mulheres romperem com o ciclo da violência e terem autonomia econômica, financeira e social dirimindo a pobreza e a pobreza extrema. Não obstante, o município de Canoas é constantemente citado pelos governos federal e estadual, como referência na implementação de políticas de segurança cidadã. Esta referência, coloca a cidade na linha de frente da disputa por este novo paradigma de segurança pública com cidadania, e que pode, a partir do aprofundamento e institucionalização de suas políticas públicas, efetuar não só as transformações locais, mas interagir e influenciar as políticas de segurança em nível nacional. O ano de 2011 porém, foi marcado pelo término dos convênios com o Governo Federal, e com eles, o fim do financiamento das políticas levadas a cabo em Canoas, que mesmo com o fim dos recursos oriundos do PRONASCI em projetos, vem garantindo a sua manutenção com recursos próprios, ao passo que busca formas de promover a sua sustentabilidade, como se percebe com a utilização do Fundo Municipal de Proteção e Defesa do Consumidor, criado em 2010. No âmbito do conceito de segurança cidadã implementada na cidade de Canoas também está incutida a preocupação com as relações de gênero, por isso a necessidade de se ter projetos sociais de segurança que atendam mulheres e homens. Pois, segundo o Marco conceitual de interpretaçãoação de Segurança Cidadã do PNUD, “a política pública que for adotada deverá incorporar o enfoque de gênero de forma transversal, enfatizando, especialmente, a violência de gênero e, em particular, a violência doméstica” (PNUD, 2007, p. 13). Pensando a integralidade da política pública, a incorporação transversal do enfoque de gênero no campo da segurança cidadã implica a produção e articulação de informações para identificar as contribuições específicas e associadas das questões de gênero à produção ou inibição da violência e da delinquência. O enfoque de gênero não tem impacto apenas no plano da violência de gênero e dos crimes violentos, mas também tem influência nas localizações, nos desempenhos e na configuração de diversas estratégias de caráter delituoso. Da mesma forma, a incorporação do enfoque de gênero em aspectos essenciais como a convivência e a construção de cidadania implica a geração e o cumprimento de normas mais equitativas e respeitosas e a valorização das diferenças, com o objetivo de alcançar um tratamento igualitário entre homens e mulheres. (PNUD, 2007, p. 13). A violência exercida no seio das famílias transcende o âmbito do privado e dos direitos das pessoas, as quais, ao se encontrarem em condições de vulnerabilidade, são agredidas física ou psicologicamente por quem está encarregado de seu cuidado. Dessa maneira, é importante também refletir e trabalhar a questão das masculinidades, visto que muito padrões de violência se reproduzem e se perpetuam nas relações familiares e comunitárias a partir desses padrões cristalizados. Aqui entende-se masculinidades como construções sociais e não como algo da essência ou da biologia do sexo masculino. A violência doméstica caracteriza-se por ser impulsiva ou emocional, não instrumental, o que evidencia a necessidade de implementar políticas nas quais prevaleça o componente de prevenção, fundamentado em variáveis psicossociais e culturais. (PNUD, 2007, p. 25) Nesse sentido, aqui se insere o Projeto Mulheres da Paz que busca, a partir da promoção de direitos, a prevenção dos vários tipos de violências sofridas pelas mulheres e cometidas por todos nas comunidades. A família é o primeiro referencial que se tem sobre os modelos de inter-relação na estrutura social, nela, reproduzem-se perfeitamente as estruturas de poder, provenientes de valores, normas, obrigações, responsabilidades, etc., que são aceitas espontaneamente e que carregam figuras de dominação e subordinação, com seus respectivos mecanismos de perpetuação, entre eles, a violência em qualquer uma de suas manifestações, isto é, física, psicológica, sexual, entre outras. (PNUD, 2007, p.23) Dessa forma, a violência doméstica representa uma das principais variáveis na solução ou redução do problema geral. A partir da reflexão sobre o contexto latino-americano o PNUD propõe o seguinte agrupamento de ferramentas de ação para o enfrentamento às violências sem perder de vista a perspectiva da cidadania: a) a construção de capacidades para o planejamento de políticas de segurança e convivência; b) a autorregulação cidadã e a construção de cidadania; c) a redução dos fatores de risco que levam a atos de violência; d) o melhoramento dos contextos urbanos; e) a prevenção da violência de gênero e suas formas; f) a facilitação do acesso cidadão à justiça e a promoção de mecanismos de solução pacífica de conflitos; g) o fortalecimento do sistema policial e de justiça. (PNUD, 2007, p.15) Nesse sentido, levando em consideração essas ferramentas para ação propostas pelo PNUD Canoas demonstra que tem feito o “dever de casa”: a) construção de capacidades para o planejamento de políticas de segurança e convivência está explícita em todos os esforços e estratégias que o município tem realizado desde a estruturação da Secretaria de Segurança, em 2009 até a implementação das políticas propostas pelo PRONASCI e manutenção após seu término; b) a autorregulação cidadã e a construção de cidadania fica a cargo das várias ferramentas de participação popular que Canoas tem como o Prefeitura na Rua; as Plenárias de Serviço, a Ágora Online dentre outros canais diretos de diálogo da população com a municipalidade; c) a redução dos fatores de risco que levam a atos de violência está sendo feita a partir dos projetos sociais, em especial o Mulheres da Paz nas atividades realizas com crianças e jovens nas escolas ou quando as MdP realizam discussão de casos com as Agente Comunitárias de Saúde; d) o melhoramento dos contextos urbanos em Canoas estão se dando por obras viárias e de saneamento básico, onde mais de 200 ruas já foram asfaltadas, desde 2009, a entrega a população de mais de 50 praças e também com o programa de habitação do Governo Federal, Minha Casa Minha Vida que já entregou centenas de unidades habitacionais; e) a prevenção da violência de gênero e suas formas e lavada a cabo pela Coordenadoria Municipal de Políticas paras as Mulheres, responsável por efetuar a transversalidade das políticas de gênero no conjunto das políticas implementadas pelas diferentes Secretarias Municipais; f) a facilitação do acesso cidadão à justiça e a promoção de mecanismos de solução pacífica de conflitos é proporcionada a comunidade pelo projeto Justiça Comunitária, tanto no bairro Guajuviras quanto no Mathias Velho, que realiza mediação de conflitos e forma mediadores da comunidade; por fim, g) para o fortalecimento do sistema policial e de justiça foi criado o GGI, o Observatório de Segurança Pública que organiza dados criminais e subsidia a tomada de decisão e também tem-se o uso de tecnologias como as câmeras para aumentar a eficácias das investigações. Considerações finais Nesse momento, os projetos sociais de segurança sob responsabilidade da Diretoria de Projetos (DPRO) estão passando por reformulações que serão postas em prática a partir de outubro 2015. Reformulações essas para incidir, de forma mais eficaz, nos índices de homicídios do município e diminuição das violências. O projeto Mulheres da Paz ao trabalhar a capacitação de lideranças para atuarem como promotoras dos direitos das mulheres, confere uma nova percepção às políticas públicas, ao estimular a emergência de novas atrizes no cenário social da cidade, protagonizando a reconstrução de suas próprias possibilidades, e servindo como propulsoras da mudança de outras mulheres, dessa maneira fortalecendo laços comunitários promovendo a cidadania. Tanto o projeto Mulheres da Paz quanto o SerH são fundamentais para a promoção de direitos das mulheres, enfrentamento às violências sofridas e cometidas contra as mulheres. Além do mais, esses projetos têm condições de proporcionar a reflexão sobre os padrões de comportamento e, consequentemente, os padrões de gênero cristalizados na sociedade e que estão na raiz das mais variadas formas de violências que ocorrem dentro e fora de casa. Como se remete o título de uma das seções desse artigo, considera-se a política de segurança pública cidadã de Canoas como uma afirmação de direitos, visto que o conjunto de ações implementadas pela SMSPC, e também em articulação com outras secretarias, tem como objetivo não somente assegurar a segurança dos cidadãos, mas também garantir direitos humanos e sociais. Referências bibliográficas BRASIL. Lei n°11.340, de 7 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Brasília, DF, 2006. BRASIL. Ministério da Justiça. Guia de Prevenção do Crime e da Violência. Brasília, DF. 2005. Disponível em: <http://www.esteio.rs.gov.br/documents/SMSMU/GUIA20PREVENCAO20julho2005.pdf> Acessado em 03 agosto de 2015 BRASIL. Ministério da Justiça. PRONASCI – Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania. Brasília, DF. 2007. Acessado em 03 agosto de 2015. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812B35FA90012B4A67F34171B1/aprendizagem_manu al_PRONASCI.pdf> PNUD. Rumo a uma política integral de convivência e segurança cidadã na América Latina: marco conceitual de interpretação-ação. Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, 2007. Disponível em<http://pnud.org.br/publicacoes/MarcoconceitualPNUD_segurancacidada.pdf> Acessado em 03 agosto de 2015.