72 73 Perfil – Miguel Ferreira Perfil – Miguel Ferreira © Miguel Ferreira (todas as imagens) Olhares que permitem contemplar a alma em todo o seu esplendor... Conheça os impactantes e inspiradores retratos deste fotógrafo nacional. Miguel O Mundo da Fotografia Ferreira O Mundo da Fotografia 74 75 Perfil – Miguel Ferreira essa realidade. Virar a cara é uma forma de dizer ‘não posso fazer nada!’. O meu objetivo foi o de dar um rosto a essas pessoas através do retrato. Nunca tive qualquer intenção de evidenciar a pobreza ou explorar a miséria alheia. Durante o projeto, a frase que mais ouvi das pessoas que fotografei foi: ‘eles pensam que nós não somos ninguém!’. Através do meu projeto pretendo sensibilizar a sociedade para o facto de que estas pessoas não necessitam única e exclusivamente de bens materiais; um acenar com a cabeça, um simples sorriso ou um adeus podem ser muito importantes para quem já passou por tantas dificuldades”. Os seus percursos são cruos, gélidos, desarmantes, perturbadores e comoventes. São corações sem um lar, almas sem teto, corpos inertes, sombras de um passado diferente, fantasmas. A esperança morreu e os sonhos foram enterrados. Como diria Pedro Abrunhosa, “de que servem as palavras se a casa está deserta?”. Mas Miguel nunca desistiu de fazer valer as suas ideias. Nunca deixou a voz calar-se. Quer marcar pela diferença. Abrir os olhos que preferem andar tapados, para que a realidade não seja dolorosamente equipamento Miguel faz-se valer de duas reflex Canon. “O sensor full-frame da EOS 6D permite-me obter a maior qualidade possível nas minhas imagens e trabalhar com ISO elevados. A EOS 60D é uma câmara que utilizo para fazer fotografia de desporto”. Da sua lista de objetivas fazem parte uma Canon EF 70-20 0mm f/2.8L USM, uma EF 50 mm f/1.4 USM e uma EF 24-105 mm f/4L IS USM. Em estúdio, o fotógrafo recorre bastante à iluminação contínua nas sessões mais intimistas. “Uma fotografia é um elemento de comunicação muito poderoso.” Sem abrigo (nas páginas anteriores) Conjunto das 12 imagens que foram avaliadas pelo júri da FEP, a Federação de Fotógrafos Profissionais Europeus. U “ Perfil * Miguel Dias Ferreira nasceu em Lisboa, em 1978. * É fotógrafo freelancer e tem vários projetos fotográficos em diferentes áreas artísticas: casamentos, desporto e retrato. * Frequentou o curso de fotografia profissional da Oficina da Imagem. * É o fotógrafo oficial da escola de surf “Moana Surf School”, no Guincho. Já registou desfiles de moda, competições desportivas e concertos. * Teve uma exposição de nu artístico no bar B.I. Concept, no Bairro Alto, intitulada Nakedness. O Mundo da Fotografia ma fotografia provoca uma determinada reação em quem a vê, quando fotografo é essa interação que procuro. Uma fotografia é um elemento de comunicação muito poderoso. Através de uma imagem, um fotógrafo pode permitir o mais variado tipo de sentimentos e sensações em quem a vê”, partilha Miguel Ferreira, 36 anos, um dos fotógrafos em destaque nesta edição da OMF. Enquanto retratista, este autor coloca os cinco sentidos em alerta, perde-se em olhares que velam mil segredos e percorre todas as profundezas da alma com a objetiva. Ele cria um laço indizível e eterno com os seus modelos. Conta-nos as suas inspiradoras histórias através de impactantes registos fotográficos, coloca os nossos sentimentos à flor da pele e leva-nos a repensar a nossa forma de observar o mundo que nos rodeia. “Apaixona-me a responsabilidade de ser o fio condutor entre a luz que registo no intervalo de tempo em que fotografo e a reação do visualizador quando vê ou revê a imagem”, revela. Um dos trabalhos mais emotivos de Miguel Ferreira debruça-se sobre os sem-abrigo, pessoas sem identidade aos olhos da grande maioria dos transeuntes. Ninguém relata as vidas que vão parar à rua melhor do que este contador de histórias. As personagens das suas narrativas são pessoas de carne e osso, figuras que outras preferem ignorar, talvez porque elas não são mais do que o espelho de quem um dia poderão vir a ser. Basta pensarem por momentos na crise política e financeira que assola o país. Na maior parte dos casos, elas não pedem mais do que um olhar, um sorriso, um momento de atenção. “Reparei que muitas pessoas evitam o contacto visual com quem vive na rua, não aceitando Trash the dress (em cima) Marina Mota e José Santos na praia do Baleal. Canon EOS 6D; 24 mm; f/4.5 a 1/2000 seg.; ISO 1000 Double punch (à esquerda) “Realizada nas distritais de kickboxing, na Nazaré.” Canon EOS 6D; 160 mm; f/2.8 a 1/1000 seg.; ISO 1600 O Mundo da Fotografia 76 Perfil – Miguel Ferreira Perfil – Miguel Ferreira suportada. “Pretendo que quem analisar o meu projeto compreenda que estas pessoas existem, não são invisíveis, Canon EOS 6D; 110 mm; e que podem fazer a diferença f/3.2 a 1/1.000 seg.; ISO 100 não ignorando esta realidade com um pequeno gesto. Certamente fará a diferença para quem se sente excluído”. Paulo, sem abrigo Durante dois meses, o fotógrafo percorreu (em cima, ao centro) Canon EOS 6D; 50 mm; as ruas lisboetas à procura de rostos para f/5 a 1/250 seg.; ISO 100 o seu projeto artístico, mas a demanda parecia não satisfazer os seus propósitos. Sessão de retrato com Maria Angélica de Castro Mais tarde, procurou apoio junto da Comunidade Vida e Paz, que lhe concedeu (em cima, à direita) a possibilidade de acompanhar uma equipa Canon EOS 6D; 50 mm; f/1.4 a 1/160 seg.; ISO 1250 de voluntariado de distribuição de bens alimentares, para que a proximidade aos sem-abrigo fosse ainda mais intensa. “Foi um processo complexo, pois a componente emocional está sempre bastante presente”, confidencia. Fotografia de moda para catálogo (em cima, à esquerda) Durante a conceção deste envolvente trabalho, Miguel confessa ter travado conhecimento com personalidades cativantes, que fizeram com que a forma como experiencia o mundo se alterasse “irreversível e permanentemente”. Paulo, o sem-abrigo retratado nesta página, foi uma das pessoas que conquistou um lugar cativo no seu coração e no seu portfólio. “Abordei-o para o fotografar e quando reparei tinham já passado 45 minutos sem ter feito um único ‘disparo’. Ficámos simplesmente a conversar junto ao rio, sentados no chão. Falámos de política, de escultura, da Gioconda, da vida e chegamos mesmo a discutir a caligrafia de um professor universitário”. A paixão deste autor pela arte de desenhar com a luz começou aos oito anos com uma câmara compacta Kodak oferecida imagem revelada “É uma fotografia que transmite serenidade e beleza, cativando quem a vê e permitindo a descoberta do detalhe por prender a atenção do observador.” História “A Maria contratou-me para realizar uma sessão fotográfica para celebrar o dia do seu casamento. É uma pessoa simpática, carinhosa e sensual, e foram essas caraterísticas que me inspiraram para a retratar. Quero que quando ela olhe para a imagem se sinta bonita e que a faça sorrir. O ambiente do hotel no centro de Sintra ajudou bastante; trata-se de um ambiente acolhedor, que remete o nosso imaginário para a casa de uma família inglesa abastada.” retratado. Essa zona é também a mais clara da imagem; a nossa atenção é conduzida em primeiro lugar para zonas mais claras e somente depois para zonas mais escuras, as linhas condutoras que acompanham os braços têm também a função de conduzir o observador para a zona principal.” Composição Técnica “O olhar é muito importante em retrato, no caso está alinhado com o centro da objetiva, tornando o impacto para quem observa a imagem muito maior. Estabelecese uma relação imediata entre observador e “Uma baixa profundidade de campo permite que a atenção do observador não seja desviada para elementos distrativos. Tudo foi pensado para conduzir a atenção do observador para a zona de foco central, prendendo-a e permitindo posteriormente que o olhar do observador percorra em triangulação os três pontos principais, os dois olhos e o coração tatuado.” Desfile Moda Lisboa (em cima, à esquerda) Canon EOS 6D; 200 mm; f/3.2 a 1/125 seg.; ISO 200 Backstage Moda Lisboa (em cima) Canon EOS 6D; 70 mm; f/2.8 a 1/320 seg.; ISO 160 Backstage Moda Lisboa (em baixo) Canon EOS 6D; 200 mm; f/2.8 a 1/250 seg.; ISO 500 O Mundo da Fotografia 78 As preciosas dicas de miguel ferreira... 1 Uma forma de evitar que o retratado aparente um ar forçado é solicitar que seja feito um movimento natural. Reserve sempre algum tempo da sessão para sair da zona de conforto e explorar perspetivas diferentes das utilizadas ou planeadas. Os resultados são, muitas vezes, surpreendentes. Utilize sempre profundidades 2 3 Marina Mota no dia do casamento (em cima, à esquerda) Canon EOS 6D; 80 mm; f/4 a 1/200 seg.; ISO 2500 Casamento Bruna e Maria (em cima, à direita) Wedding dog. Canon EOS 6D; 24 mm; f/5.6 a 1/160 seg.; ISO 1250 O Mundo da Fotografia de campo reduzidas em retrato, para evitar que elementos de planos mais afastados captem a atenção do visualizador. Use o ponto de focagem central. O ponto de foco central é o mais rápido e é a partir dele que é feita a medição da luz pelo fotómetro. Quebre todas as regras impostas. A fotografia é arte e não uma ciência exata. 4 5 pela irmã Ana Teresa. Mais tarde, viria a adquirir uma reflex Nikon, que, segundo o próprio, “já permitia uma abordagem mais séria ao mundo da fotografia”. Miguel trabalhou em engenharia civil, mas cedo percebeu que a sua existência era uma aventura para ser vivida longe de um escritório. É nas pessoas e na sua forma de ser que encontra inspiração para o seu universo artístico. Aprecia desafios, pois é neles que nos descobrimos e desvelamos os detalhes cativantes. “Nunca gostei de coisas fáceis. Considero que o retrato é das categorias mais difíceis em fotografia. Para retratar alguém é necessário estabelecer uma relação entre o fotógrafo e o retratado, e só depois inserir a câmara no contexto. A versatilidade da expressão humana é infindável e através dela é possível transmitir todo o género de mensagens”. “Um projeto fotográfico começa muito antes de pegar na câmara.” Miguel sente que tem a obrigação de contemplar e sorver o mundo com os cinco sentidos. “Sou incapaz de sair para rua de câmara na mão, começar a fotografar e rezar para quando chegar a casa ter alguma coisa que considere aceitável. Fotografar não é fazer um ‘disparo’; um projeto fotográfico começa muito antes de pegar na câmara”. Aquilo que mais almeja é continuar a fazer magia com a sua companheira de terreno. Só assim se imagina a ter sucesso e a ser feliz para sempre. 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