III CONGRESSO INTERNACIONAL DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE PSICOPATOLOGIA FUNDAMENTAL
PROPOSTA DE ORGANIZAÇÃO PARA MESA-REDONDA
Título: Múltiplos Exercícios da Violência e seus Paradigmas
Coordenador-Propositor: Paula Land Curi Mocarzel
Endereço Propositor: Rua Francisco Dutra 163/701 – Icaraí – Niterói RJ
Cep 24220-150
Tel 21 27147077/ 21 99737578
email: [email protected]
Participantes:
1) Paula Land Curi Mocarzel
Rua Francisco Dutra 163/701 – Icaraí – Niterói RJ
Cep 24220-150
Tel 21 27147077/ 21 99737578
e-mail: [email protected]
Psicóloga, Psicanalista pelo Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro, doutoranda em Psicologia
Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (SP), mestre em Pesquisa e Clínica
em Psicanálise pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), gestora e professora do
curso de Psicologia da Universidade Salgado de Oliveira, campus Niterói, participante do
Laboratório da Psicopatologia Fundamental e Psicanlálise – PUC /SP.
2) Klaylian Marcela Santos Lima Monteiro
Rua Apiacás, 559, ap. 32- Perdizes - São Paulo (SP) - CEP 05017-020
Tel: 11 3569 1131 – 11 87550515.
e-mail: [email protected]
Psicóloga clínica, doutoranda em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (SP), mestre em Psicologia Clínica pela Universidade Católica de
Pernambuco (PE), professora da Faculdade Boa Viagem (PE), participante do
Laboratório de Psicopatologia Fundamental e Psicanálise – Universidade Católica de
Pernambuco (PE).
3) Érica Prado Machado Matavelli
Rua Cônego Eugênio Leite, 594 – ap. 22. Pinheiros. São Paulo – SP. Brasil.
CEP: 05414-000 Tel.: (11) 3061.2529 (35) 9138.0949
Psicóloga clínica, psicanalista, mestranda em Psicologia Clínica pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (SP), membro do Laboratório de Psicopatologia
Fundamental da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (SP).
e-mail: [email protected]
Violência Sexual contra a mulher e seus paradigmas
Paula Land Curi Mocarzel1
Sumário
Este trabalho propõe uma discussão sobre e violência sexual e seus paradigmas,
a partir de um trabalho clínico realizado na porta de entrada de uma unidade de
atendimento às mulheres e adolescentes vítimas.
É sabido que a violência sexual é sempre acompanhada por outra, muito mais
intensa. A violência psíquica nem sempre ganha visibilidade no primeiro atendimento,
voltado, prioritariamente, para a quimioprofilaxia.
Presos na objetividade de um fato, nas marcas do corpo biológico, nos
protocolos a seguir repletos de vacinas, exames e remédios, a prática médica acaba por
reforçar a posição de alguns sujeitos que só reconhecem o exercício de violência quando
visível no corpo.
Assim sendo, pretendemos analisar a “recusa” tanto dos médicos quanto das
próprias mulheres em escutar sofrimento e dor, deixando de fora a vivência subjetiva do
sujeito.
Palavras-Chave: prática médica, sofrimento psíquico e violência sexual.
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Psicóloga, psicanalista pelo Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro, doutoranda em Psicologia
Clínica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (SP), mestre em Pesquisa e Clínica
em Psicanálise pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), gestora e professora do
curso de Psicologia da Universidade Salgado de Oliveira, campus Niterói, participante do
Laboratório da Psicopatologia Fundamental e Psicanálise – PUC /SP.
Endereço: Rua Francisco Dutra 163/701 – Icaraí – Niterói RJ. Cep 24220-150.
Tel 21 27147077/ 21 99737578
e-mail: [email protected]
Violência Sexual contra a mulher e seus paradigmas
Paula Land Curi Mocarzel2
“O estado brasileiro, por intermédio do Ministério da Saúde,
assumiu o compromisso com os direitos humanos das mulheres
e com a garantia do exercício pleno de sua saúde física e
mental, por meio de formulação de políticas públicas de saúde
que respondam a suas reais necessidades (...) O conhecimento
técnico-científico aliado à sensibilidade dos profissionais de
saúde para aplicação de práticas humanizadas são elementos
essenciais na atenção às mulheres e adolescentes vítimas de
violência sexual”. Ministro da Saúde, 2005.
Maria tem 16 anos. É uma moça de classe média baixa que, além de estar
cursando o ensino médio, trabalha numa lanchonete num shopping. É a segunda filha de
quatro irmãos, sendo a única “moça” da família.
Há pouco mais de um ano, Maria teve ser primeiro namorado. Tal
relacionamento durou cerca de sete meses, mas, segundo ela, sem intimidades ou
relações sexuais. Seu namorado era até legal, “mas não era o cara”.
Certo dia estava lanchando, no local de trabalho, quando foi agarrada pelo
gerente e forçada a manter relações sexuais. Ele a estuprou usando apenas ameaça
verbais, xingando-a de “piranha para baixo”. Contudo, ele se assustou ao ver tanto
sangue... Ela era virgem e havia se “perdido” numa relação forçada.
Desesperado, ele limpou o sangue do chão e deu-lhe dinheiro para compra de
uma calcinha nova. Ameaçou despedi-la, caso contasse para alguém. Ela, por sua vez,
vai para casa e pede desculpas a mãe... Logo se inicia uma série de idas e vindas de
delegacias e hospitais. Atônitas, mãe e filha, não conseguem entender como essas coisas
se deram.
Foi num Programa de Atendimento a Vítimas de Violência Sexual (VVS) que
Maria foi parar numa maternidade pública, porta de entrada para esses casos. Lá, além
de todo o tratamento emergencial, há condições de se seguir todo o protocolo do
Ministério da Saúde. Embora os primeiros cuidados e a quimioprofilaxia sejam os focos
do primeiro atendimento, a eles é acrescido uma consulta especializada com o serviço
2
Psicóloga, psicanalista pelo Círculo Psicanalítico do Rio de Janeiro, doutoranda em Psicologia Clínica
pela PUC/SP, mestre em Pesquisa e Clínica em Psicanálise pela UERJ, gestora e professora do curso de
Psicologia da UNIVERSO, campus Niterói, participante do Laboratório de Psicopatologia Fundamental e
Psicanálise – PUC/SP.
social e com o serviço de saúde mental. Tais serviços, assim como a clínica médica,
deverão atender a usuária, de preferência, pelos seis meses de acompanhamento
proposto pelo Ministério.
Na primeira consulta com a saúde mental, Maria não quer falar. Disse que já
falou e já foi “revirada de ponta a cabeça”. Pede que a psicóloga leia o boletim de
ocorrência. “Ele, segundo dizem, explica tudo” – diz a moça. “Não quer ser novamente
violada!”, diz a mãe que a acompanhava.
Sinaliza-me apenas que nele há uma inversão de papéis que a deixa muito mal e
magoada, pois o homem - 26 anos e casado - diz que foi seduzido por ela e depois de
uns beijos, apenas introduziu o dedo na vagina dela, com seu consentimento.
Maria só consegue dizer que não queria que fosse assim, e teme que ela ainda
seja a grande vilã da situação... Diz não estar nada bem, que necessitaria imensamente
de terapia para entender as coisas. Acha estranho que, tanto na delegacia quanto no
hospital (referindo-se inclusive ao atendimento na maternidade), houve uma busca ativa
por sinais de violência física, marcas no corpo que atestassem a agressão.
Situação de Maria: sem marcas de violência física! Apenas a marca de uma
perda himenal recente... Por violência? Quem poderia atestar se não havia ruturas,
lesões, marcas que comprovassem que ela fora forçada?
Sem dormir, sem ir à escola, sem sua “pele”, Maria diz querer morrer. O hímen,
“apenas uma pele”, ganha a significação de uma parte do corpo. “Eu sei que é apenas
uma membrana, uma pele, mas arrancaram parte de mim, como se fosse um braço, onde
depositava sonhos e ideais”.
“Ele não era o cara”, pensava que “isso” teria que acontecer com alguém muito
especial. Guardei-me todo este tempo para ser violada assim? Ninguém pode
compreender sua dor... nem mesmo ela. Há um contra-senso: “racionalmente sei que é
uma perda de algo que ninguém mais dá valor. Mas eu dou muito valor, embora nem
saiba lá o porquê!
Maria ficou curiosa com a posição da psicóloga. Ela não perguntava pelas
marcas no corpo, mas sim sobre ela. Então, passou a contar que não dormia por conta de
um pesadelo recorrente: era perseguida e, quando conseguia abrigo, era raptada.
Assim, Maria começou a ver que enquanto uns buscam marcas físicas, há
profissionais que, diante dela, perguntava sobre as marcas psíquicas que a vivência da
violência trouxe. Marcas que não estão no corpo, não são visíveis, mas que são muitas
vezes muito intensas e dolorosas. Marcas que podem ou não vir acompanhadas de sinais
no corpo, mas marcas que apontam para as fragilidades e o desamparo humano.
Embora num programa seja muito difícil a aderência da paciente durante todo o
tratamento, principalmente por conta da medicação anti-HIV, que causa muitos efeitos
colaterais, Maria conseguiu tomar todos os coquetéis. A dor e o mal-estar causado pelo
remédio era menor que a outra dor - “que não conseguia nem explicar nem mostrar”.
Para essa, acreditava que não havia remédio...
Conseguiu, paulatinamente, retomar algumas de suas atividades. Embora hoje
ainda esteja apavorada com a necessidade, até mesmo real de retomar a atividade
laborativa, já vem se posicionando diferente... Não quer mais morrer, que entender...
Quer entender principalmente a fala de sua mãe que diz que depois desse acontecimento
nada mais tem sentido na vida...
Maria sabe que não causou nada, sabe que foi vítima, mas na sua cabeça vem um
pensamento quase mágico que diz que ela deveria ter faltado seu trabalho naquele dia.
Assim, não seria estuprada e não causaria tanto mal a sua mãe, tanta dor, tanta
desilusão...
***
Casos como o de Maria são cotidianos nas unidades de atendimento às vítimas
de violência sexual, pois, vemos, na atualidade, uma maior demanda de jovens que
sofreram alguma espécie de violência sexual buscar atendimentos nestas.
Assim sendo, faz-se fundamental refletir não só sobre a violência contra a
mulher, mas também sobre alguns de seus paradigmas - constelação de pressupostos e
crenças, escalas de valores, técnicas e conceitos compartilhados pelos membros de uma
determinada comunidade científica num determinado momento histórico, mas que
também pode ser compreendido como um conjunto de vícios de pensamento e
bloqueios lógico-metafísicos que obrigam os cientistas de uma determinada época a
permanecer confinados ao âmbito do que definiram como seu universo de estudo.
A partir do caso de Maria podemos pensar o modelo, a representação de um
programa, cuja matriz é alicerçada em fundamentos e pressupostos científicos, que
embora partilhados com a comunidade científica, muitas vezes, excluem – mesmo sem
querer! - o sujeito e a subjetividade do foco de suas intervenções.
O Programa de Assistência Integral a Saúde da Mulher (PAISM), em 1984,
lançou uma visão inovadora de integralidade a saúde da mulher, mas esta não
contemplava a assistência às vítimas de violência sexual.
As reinvidicação de políticas públicas, naquela tempo, contra a violência, seja
doméstica seja sexual, eram dirigidas a segurança pública e não a saúde. Violência era
caso de polícia, não de saúde!
Nos serviços de saúde, naquele tempo, segundo Souza & Adesse (2005), o foco
eram os danos corporais a serem reparados. As dimensões social e psicológica – do
sofrimento psíquico – não eram consideradas nestes atendimentos, mais voltados a uma
situação emergencial.
Anos passaram e foram feitas importantes viradas... Uma delas, essencial para a
implementação do Programa de Atendimento às Vitimas de Violência Sexual (VVS),
foi a compreensão de que casos de violência sexual são fundamentalmente um problema
de saúde e não apenas de segurança pública. Foi-se então instalados serviços de atenção
integral às vítimas, que inicialmente eram dirigidos apenas para a interrupção voluntária
da gravidez, em casos permitidos por lei.
Como conseqüência de uma série de discussões intersetriais, o Ministéio da
Saúde elaborou uma norma técnica que propõe a integralização de diferentes setores saude, justiça segurança pública e trabalho - objetivando a garantia de cuidados de
forma rápida, acessível e eficiente às mulheres vítimas de violência sexual. A proposta,
ao contrário do que acontecia nos anos 80, além de normatizar todo a dinâmica dos
cuidados dos diversos setores envolvidos no programa, destaca o valor do atendimento
clínico ( numa política de humanização) e do atendimento psicológico.
As concepções mais restritas sobre a assistência à mulher, que viam o corpo
apenas por sua função reprodutiva e tinham a maternidade como seu foco, deram lugar a
uma politica mais integralizada, com ações mais eficiente e efetivas, apesar de ainda
apresentar sérios problemas, como o caso ilustra.
A problemática não se articula apenas ao atendimento em si, mas também a
fragilidade de redes de proteção e de assistência, que muitas vezes não têm como foco o
princípio da humanização da assistência, ou ainda, pela própria dificuldade dos atores
envolvidos na compreensão do que é violência.
Quando se fala em violência, o que primeiro vem a cabeça é a abuso físico, as
marcas das sevícias sofridas. Contudo, sabemos que é raro a violência ser tão visível,
apresentando-se na maioria das vezes de forma velada. Algumas vítimas têm
dificuldade de reconhecer atos agressores, assim como toda a equipe de assistência à
sáude.
A literatura médica fornece aos médicos as características das lesões para
distinguir entre aquelas que são ou não intencionalmente provocadas. O abuso físico é
qualquer dano ao corpo, não se dá somente num estupro, assim como nem sempre um
estupro “danifica” o corpo. Assim, fica claro que o abuso sexual, nem sempre é pasível
de observação direta, nem sempre há sinais exteriores, tornando fundamental ao agente
de saúde debruçar sobre a narrativa do sujeito.
Sempre acompanhado de abuso psicológico, o abuso sexual é de difícil precisão,
principlamente, quanto sua vítima é um adolescente. Azevedo (2001) assinala que
quando ocorre com um adolescente, o descrédito é uma reação comum, pois estes já
contam com um corpo sexuado de adulto.
Além disto, muitas vezes, cai-se numa armadilha: como pode se diferenciar os
jogos sexuais de uma situação abusiva? Embora o fato legalmente seja mais
tendencioso a entender a partir da diferença entre as idades do agressor/vítima, o que
melhor caracterizaria um abuso seria a capacidade e/ou o consentimento, que independe
de limites etários precisos.
Seguindo esta linha de raciocínio e apostando que o sujeito não passa impune
pela violência a qual é submetido que Azevedo (2001) diz que uma “fonte de intenso
sofrimento muitas vezes é reduplicada pela insensibilidade daqueles a quem costuma
recorrer” (p.67). Ela chama atenção que, não raramente, a violência física e moral é
acrescida a dor do descrédito e até mesmo da inversão do papel vítima-sedutor. Ambas
as violências – do agressor/ estuprador, ou o vitimizador/agente de saúde ou da justiça,
deixam marcas no psiquismo – claramente exposta e vivida por Maria.
Assim, corroborando Azevedo (2001), precisamos lidar com o abuso sexual não
só com a família ou com a vítima, mas com a própria atitude da equipe em relação ao
sexo e ao abuso da mulher - seja ela criança, adolescente ou adulta.
Os médicos nem sempre têm a sensibilidade necessária para lidar com a
situação, expondo o sujeito já violado, a uma nova invasão, na busca por sinais, lesões
orgânicas que possam ser clinicamente atestadas.
Maria nos mostra, através de toda sua dor, que a intervenção multidisciplinar,
interdisciplinar, interinstitucional protocolada, por si só, não garante um atendimento
capaz de se distanciar da prática médica baseada na principio da maior visibilidade
possível...
Referências Bibliográfica
1. Azevedo, E. C. Atendimento a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. In
Psicologia Ciência e Profissão, Ano 21, 2001, n. 4 p.66 – 77
2. Mello e Souza, C. ; Adesse, L. (org), Violência Sexual no Brasil: perspectivas e
desafios. IPAS, Brasília, 2005.
3. Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher: princípios e diretrizes.
Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde da Mulher, 2004.
4. Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes de Violência Sexual contra
Mulheres e Adolescentes: norma técnica. 2 ed. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria
de Atenção à Saúde. Departamento de ações Programáticas Estratégicas. Àrea Técanica
de Saúde da Mulher, 2005.
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