POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL
(1994-2006): RUPTURA E CONTINUIDADE ENTRE OS GOVERNOS
DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E LUIS INÁCIO LULA DA
SILVA
LUCHMANN*, Julio César – PUCPR
[email protected]
Resumo
Neste texto procuramos analisar a educação superior a partir de dois períodos principais: o
primeiro período é o que compreende os dois governos de Fernando Henrique Cardoso (19942002) e a influência que os atores internacionais como Fundo Monetário Internacional e
Banco Mundial tiveram na definição da agenda governamental, nas políticas públicas,
principalmente em se tratando de políticas educacionais para a educação superior no país.
Nota-se que, neste período, a educação superior sofre um processo de transformação,
principalmente na estrutura administrativa, com grande inclinação à privatização do setor
público, e um significativo aumento de instituições privadas como forma de se resolverem os
problemas com a carência de vagas. O segundo período a ser analisado refere-se ao primeiro
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) no intuito de identificar pontos
em comum com a política de seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, bem como
identificar pontos de ruptura com o mesmo. Aqui veremos que a eleição de Luiz Inácio Lula
da Silva trouxe consigo uma grande expectativa de profundas mudanças em relação ao
sistema de governo que vigorava até então, o que de fato não aconteceu na mesma proporção
das expectativas, de maneira que em alguns pontos é possível identificar continuidades e em
outros uma efetiva ruptura política que. É possível notar diferença nas políticas para educação
superior implementadas no governo de Luiz Inácio Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao
governo anterior, ao passo dá mais ênfase na manutenção das instituições de ensino superior
já existentes com a criação de programas como o ProUni, do que propriamente a expansão
deste nível de ensino.
Palavras-chave: Políticas Públicas; Políticas Educacionais; Educação Superior
Introdução
As políticas sociais e econômicas da década de 1990 foram fortemente influenciadas
pelo ideário da agenda Neoliberal. Estas propostas tiveram implicações internacionais, o que
oferece a este período uma característica especial. 1
*
Mestrando em educação do Programa de Pós Graduação em Educação – PUCPR
1394
Partimos deste ponto para entendermos esse período histórico com o objetivo de saber
como influenciou na formulação e implementação de políticas públicas principalmente as
educacionais. 2
Do ponto de vista analítico, pretendemos compreender como o processo decisório
governamental acaba sendo um produto de uma ação desigual dos atores que compõem o
estado, tendo em vista a agenda neoliberal e o resultado dessa interação que se traduz por
meio de alterações legislativas e nos mecanismos de financiamento da educação superior no
país 3, e como as políticas públicas muitas vezes acabam servindo a um jogo de poder que
visa tão somente a acomodar os interesses dos grupos mais influentes (Viana, 1988).4
Procuramos demonstrar por meio deste trabalho que, por mais que haja influências de
ordem econômica e política por parte de organismos internacionais como o BIRD e o FMI, e
mesmo diretamente do ideário neoliberal, as políticas educacionais não são um produto
apenas desta influência.
O BIRD, apesar de seu enorme poder influi parcialmente no setor educacional do país,
pois não pode, sozinho ou em uma atuação isolada, influenciar completamente a agenda do
governo.
Inicialmente, procuramos proporcionar uma visão sobre ambos os governos exercidos
por Fernando Henrique Cardoso (1994 a 2002) com o fim de levantar alguns elementos
constitutivos deste, e como o BIRD os influenciou. Com isto pretende-se analisar o que há de
semelhante nas agendas governamentais deste governo e a sistêmica neoliberal.
Numa segunda parte buscamos identificar se o governo do presidente Luis Inácio Lula
da Silva propõe uma ruptura ou mantém a política de seu antecessor. Para tanto, salientamos
que o processo político5 do governo Luis Inácio Lula da Silva ainda está em movimento, por
isso, restringimos nossa análise ao primeiro governo que compreende os anos entre 2003 a
2006.
1
Existem dois tipos de Agenda: a governamental que se constitui de uma série assuntos que chamam a atenção
por parte do presidente da república, os congressistas, ou mesmo os burocratas do governo (Kingdon, 1995); e a
agenda chamada institucional ou formal que é compreendida com sendo um conjunto de pontos explícitos que
são considerados de forma ativa pelos Decision- makers.
2
Para uma melhor compreensão entendemos por política pública como sendo um conjunto de medidas que
constituem um programa de governo que tem por objetivo responder a demandas da sociedade ou de grupos
específicos. Isto necessariamente implica em considerar quais recursos tem a instituição Estado, principalmente
falando da máquina governamental (Azevedo apud Gisi, 2003).
3
Procuramos mostrar uma visão dinâmica e abrangente sobre a questão das políticas públicas direcionadas ao
ensino superior no Brasil, porém, sem uma análise aprofundada de documentos do BIRD.
4
A formulação de políticas públicas muitas vezes passa por um processo de conflitos de poder em que cada ator
ou grupo envolvido defende seus interesses ou aqueles que representam.
5
Podemos entender o processo político como um processo que compreende as intenções que se tem e a ação
resultante desta intenção, ou seja, a formulação e a implementação das políticas públicas (Viana, 1988).
1395
Ensino superior nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1994 -2002)
Se analisarmos os documentos oficiais do BIRD na década de 1990, vamos perceber
que estes indicavam necessidades de reforma no sistema educacional, conferindo-lhe mais
racionalidade e eficiência e este direcionamento acabou por influenciar significativamente a
tomada de decisão no que se refere às políticas públicas para a educação no Brasil nesta
época.
Com um discurso para alcançar uma maior eficiência administrativa que, na verdade,
estava associada a princípios neoliberais, se pretendia no fundo retomar a visão eficientista e
produtivista da década de 60, mas com uma cara nova. Para isto foram introduzidos conceitos
como privatização do ensino, avaliação, autonomia universitária e flexibilização (Sguissardi,
2000)6.
Advém dessa questão uma das principais críticas ao governo Fernando Henrique
Cardoso que é a do abandono às universidades públicas e de sua conseqüente incapacidade de
atender as demandas por vagas. A reforma proposta pelo governo não foi através da mudança
que aconteceu com a lei 5.5540 de 1968, que de uma só vez afetou a estrutura do sistema
educacional. Ao invés disso, o governo Fernando Henrique Cardoso implementou uma série
de pequenas interferências como estratégia de governo (Cunha, 2003) que, aos poucos,
chegou a uma profunda modificação em todo o sistema educacional universitário alterando a
lógica de organização dos sistemas público e privado (Dourado, 2005).
Em se tratando de universidades públicas, uma das principais ações do governo foi no
sentido de transformar seu status jurídico de maneira que passassem a não serem mais
públicas, mas de caráter social, fundações de direito privado e sociedades civis sem fins
lucrativos.
Estas instituições responderiam ao governo por meio dos chamados contratos de
gestão em que estariam previstos os serviços a serem prestados, bem com as metas a serem
atingidas e os recursos financeiros a serem repassados todos os anos pelo governo (Silva
Júnior e Sguissardi, 1997).7
6
Os documentos dão ênfase à criação de uma maior diversidade de instituições e a um currículo mais flexível, e
é decorrente disto que o governo Fernando Henrique Cardoso dissocia a tríade ensino, pesquisa e extensão que
possibilita a criação de instituições de ensino superior sem a obrigatoriedade de corresponder a ela, sendo
possível que as instituições particulares possam, por exemplo, se dedicar apenas ao ensino.
7
A proposta do governo para a reforma do ensino superior era composta basicamente por quatro características:
a privatização das instituições, a flexibilização curricular, a descentralização das estruturas e a centralização do
controle das Instituições Federais de Ensino Superior.
1396
Ao analisarmos este projeto do governo podemos identificar muitos pontos
recomendados pelo BIRD, instituição que desempenhou um papel importante na formulação
da agenda de reformas no governo Fernando Henrique Cardoso.
Porém, houve uma violenta reação principalmente da comunidade acadêmica em
querer transformar as universidades públicas em organizações sociais que, de obrigatório, o
projeto passou a ser de adesão voluntária e teve pouca adesão.
Em 1996, é aprovada a LDB depois de uma tramitação de oito anos no Congresso e
Senado Nacional. O atraso foi ocasionado em função de existirem muitos interesses e embates
políticos.
Apesar de manter a gratuidade do ensino público, o que aconteceu na prática foi um
sucateamento das instituições públicas no país, pois houve uma redução nos investimento e
um corte profundo nas verbas de manutenção destas8 na esperança de haver um crescimento
do setor privado e que este absorvesse a demanda crescente por ensino superior no país.
Esta situação de ajuste fiscal somado a abertura que as universidades públicas tiveram
para buscar recursos na iniciativa privada fizeram com que acontecesse uma privatização de
muitos serviços por meio de parcerias com a iniciativa privada e a venda de cursos de
extensão, o que se traduz em uma privatização indireta destas instituições (Sguissardi, 2002).
A idéia de cobrar as mensalidades nas instituições públicas conforme orientação do
BIRD para que estas tivessem melhor eficiência ao sistema educacional sofreu grande pressão
por parte da sociedade e também não foi implementada9.
Para o setor privado da educação superior, uma modificação significativa se deu em
relação à diferenciação institucional intra-segmento privado, que sofreu duras críticas do
segmento, pois afetava os interesses destes. Isto se deu em função das instituições particulares
terem imunidade tributária sobre a renda, e a partir de então passaram a serem classificadas
em dois grupos: com e sem fins lucrativos.
Assim as primeiras deixaram de se beneficiar diretamente de recursos públicos
enquanto que as segundas se mantiveram isentas de cobrança tributária, mas seguindo um
rígido controle por parte do governo.
8
Também o financiamento ao ensino superior teve prejuízos com a política macroeconômica do governo
Fernando Henrique Cardoso. O orçamento destinado às FIES foi drasticamente reduzido tendo impacto direto no
custeio e em novos investimentos (Amaral, 2003).
9
Acabar com a gratuidade das mensalidades no ensino público obedece a uma orientação da agenda Neoliberal e
já é discutida desde a reforma promovida pelo governo militar em 1968, mas que não pode se consolidar no
governo Fernando Henrique Cardoso por inúmeras pressões e atendendo a interesses diversos (Carvalho, 2002).
1397
As instituições privadas também se beneficiaram da dissociação entre ensino, pesquisa
e extensão, que possibilitou um grande crescimento de instituições no país e que não
significou necessariamente um acompanhamento no aumento do número de inscritos,
principalmente por limitações financeiras dos candidatos que, não podendo pagar as
mensalidades, não ingressaram na universidade (Corbucci, 2002).
O número de vagas no ensino superior privado cresceu muito mais do que a demanda
de candidatos com condições para pagar por elas. Enquanto que em 1998 tínhamos uma
proporção de 2,2 candidatos por vaga (INEP), em 2002 essa relação é de 1,6 candidatos por
vaga alcançando uma ociosidade de 37% das vagas oferecidas (INEP).
Desta forma, a proposta que pretendia democratizar o ensino pela via privada se
mostrou insuficiente para acolher a demanda existente, não pelo fato de não terem aumentado
as vagas, pois isto aconteceu, mas em função de não se poderem pagar por elas. (Corbucci,
2002).
Esta talvez seja uma das explicações para o recuo do governo em cobrar pelas
mensalidades nas instituições públicas, que agravariam ainda mais a ociosidade de vagas e
acabaria por estimular o êxodo das classes menos privilegiadas do ensino superior.
Na tentativa de diminuir os problemas de acesso e permanência no ensino superior
privado, o governo de Fernando Henrique Cardoso cria o programa FIES que é um programa
que tem por objetivo financiar estudantes de baixa renda, mas que, no entanto não tem uma
adesão tão significativa quanto à esperada porque, como se trata de financiamento, a taxa de
juros sobre os empréstimos eram maiores que as taxas de crescimento da renda dos recémformados, dificultando o pagamento pós-curso, o que desestimulou em muito a adesão ao
programa, isto sem contar que as taxas de desemprego dos recém formados alcançavam
índices altos preocupando os candidatos para o pagamento da dívida que se herdaria na
adesão ao programa.
O governo de Fernando Henrique Cardoso, principalmente seu segundo mandato,
indica uma forte aproximação com o ideário neoliberal quando procura privatizar o máximo
possível as instituições públicas e aumentar o poder das instituições privadas.
Políticas públicas para o Ensino Superior no Governo Luis Inácio Lula da Silva (20032006)
Aqui pretendemos fazer uma análise dos elementos constitutivos da política de ensino
superior que foram implementadas durante o primeiro governo de Luis Inácio Lula da Silva
com especial foco no PROUNI e na proposta de reforma do ensino superior, para que assim
1398
possamos investigar se houve uma efetiva ruptura com o ideário neoliberal ou se apresentou
como uma continuidade deste.
A eleição de Luis Inácio Lula da Silva, em 2003, significou a subida ao poder da
esquerda política do país que assume um novo contexto econômico, conseqüência das
alterações feitas na gestão que o precedeu e o acordo deste com o FMI. Foi um contexto em
que o superávit primário estava elevado em conseqüência do aumento da carga tributária e de
cortes nos gastos públicos. A utilização de âncora fiscal tem implicação na definição do
superávit primário de forma que o valor dos gastos passa a se ajustar em função da receita
orçamentária, o que implica em corte de despesas, em custeio e capital. Decorrência direta
disso é o arrocho salarial, a diminuição de verbas destinadas à saúde, a segurança a educação
e a drástica redução dos investimentos.
Em se tratando de políticas para o ensino superior privado, o governo de Luis Inácio
Lula da Silva se diferencia do seu antecessor ao passo que não dá tanta ênfase a criação de
novas instituições, mas na manutenção das que já existem.
O PROUNI (Programa Universidade para Todos) surge inicialmente sob um discurso
de justiça social, mas exatamente num contexto de muitas vagas ociosas nas instituições e visa
por outro lado dar resposta à pressão feita pela iniciativa privada no sentido de resolver este
problema10 que, associado a um quadro de inadimplência e evasão dos alunos, deixa
fragilizada a situação destas instituições.
Assim, o governo dá continuidade às recomendações do BIRD de incentivar a
iniciativa privada com programas de transferência de renda. Ao invés de aplicar estes recursos
nas instituições públicas, utiliza-se da estrutura das instituições privadas para oferecer vagas
públicas e ainda responde ao problema de vagas ociosas.
Se analisarmos mais detidamente o projeto de lei do PROUNI (Carvalho, 2002;
Lopreato, 2005), veremos que as alterações feitas em seu texto parecem flexibilizar a
contrapartida da iniciativa privada11 numa clara atuação das associações que representam as
instituições particulares12 e que se apresentaram depois em forma de adesão antecipada ao
10
O PROUNI direciona uma parte das bolsas às chamadas ações afirmativas que prevêem a participação de
portadores de deficiência ao autodeclarados negros e indígenas. Outro ponto que o programa atende e dá
prioridade é o atendimento a professores do ensino básico da rede pública cumprindo desta forma os artigos 62 e
63 da LDB que prevê a obrigatoriedade de formação superior destes profissionais em Normal Superior,
Pedagogia ou Licenciatura.
11
A multa por infração para quem descumprisse as regras do programa no anteprojeto de lei era de no máximo
1% sobre o faturamento anual do exercício anterior à data da infração, mas a partir da medida provisória que
institui o programa não consta qualquer sanção ou punição pelo desrespeito às regras.
12
A alteração na medida provisória contou com forte atuação do PFL, PSDB e representantes das instituições
privadas no Congresso e também de outros atores como o reitor da UNIP (Universidade Paulista) que, sendo
1399
programa e na defesa do programa como forma de democratizar o ensino superior no país13. A
sociedade e movimentos sociais como a CUT, por exemplo, também se manifestaram a favor
do programa (Marinho, 2005) como forma de democratização deste nível de ensino.
O principal impacto para o governo concerne em renúncia fiscal, basicamente, que vai
depender do tipo de adesão escolhida pela instituição14 particular. Por outro lado, a
obrigatoriedade da adesão por parte das instituições sem fins lucrativos leva uma boa parte
delas a se desfazer da filantropia significando um aumento na arrecadação previdenciária,
compensando, pelo menos em parte, a renúncia tributária exigida com o programa. Em 2005 a
Receita Federal divulgou que a renuncia fiscal com o programa foi de R$105 milhões, menor
que o esperado para o período, que era de R$ 197 milhões com a oferta de 112 mil bolsas, o
que representa um custo anual por estudante de R$ 937,50.
Em relação ao caráter social do programa, Catani e Gilioli (2005) afirmam que, com o
PROUNI, o governo até melhora a política de acesso ao ensino superior, mas não significa
que o aluno terá uma melhora também na permanência15 o que no fundo transforma o
programa em assistencialismo, exatamente como sugere o BIRD.
A partir do ano de 2006 o governo implementa um programa complementar ao
PROUNI que oferece uma bolsa de R$ 300,00 chamada bolsa-permanência, mas apenas para
alunos que façam cursos em período integral o que atinge uma parcela de apenas dois
porcento do total de bolsistas, uma iniciativa positiva, mas insuficiente se considerarmos a
permanência dos alunos na sua totalidade.
Não poderíamos deixar de citar outra importante iniciativa do governo Luis Inácio
Lula da Silva, que é o projeto da reforma universitária que por mais que ainda não esteja
implementado trata-se de um projeto importante para a educação superior o qual merece
análise16.
A maioria das ações do governo Fernando Henrique Cardoso foram implementadas
sem a consulta aos atores do processo em que estas ações estavam sendo implementadas. O
uma das maiores instituições particulares do país, tem papel de importância na influência de políticas
educacionais a instituições privadas.
13
Muitas instituições e associações pagaram de próprio bolso a vinculação de propagandas na mídia enaltecendo
o programa PROUNI com sendo de enorme compromisso social que o mesmo trazia em seu bojo.
14
Para o ano de 2005 foram registradas 1.142 instituições aderentes ao programa, e em 2006 mais 1.232
instituições também aderiram.
15
Em 2005 foram 112 mil matrículas feitas pelo PROUNI, e destas apenas 95 mil continuavam no programa ao
final do ano, o que indica uma evasão de 15% dos alunos.
16
A divulgação do primeiro anteprojeto de lei sobre a Reforma Universitária se deu em 06/12/2004,
apresentando 100 artigos. Ao segundo anteprojeto datado de 30/05/2005 já com 75 artigos. Já o terceiro
anteprojeto foi publicado em 28/07/2005, com 69 artigos de um total de 100 propostos no primeiro anteprojeto.
1400
governo Luis Inácio Lula da Silva por outro lado tem se mostrado muito mais receptivo a
participação da sociedade nos processo de mudança, como é o caso da reforma universitária
em que o governo tem promovido seminários, debates etc, o que possibilita uma visão e uma
participação mais ampla.
Nos três anteprojetos é destacada a função social que o ensino superior representa,
inclusive a partir da segunda versão a educação aparece como um bem público e deve ser
mantido gratuitamente nas instituições públicas.
Para as instituições de caráter privado, notamos que ao longo dos anteprojetos o papel
das mantenedoras perderam poder, numa clara pressão por parte de interesses particulares
envolvidos no processo, mantendo-se no último documento a necessidade de se estabelecerem
critérios de controle e fiscalização das instituições privadas. Neste último documento é
limitado o investimento de estrangeiros sendo que estes podem investir até um limite de 30%
do capital total da instituição o que contraria muitos interesses e mesmo a recomendações da
Organização Mundial do Comércio.
Uma importante mudança que o projeto de reforma propõe é sobre o financiamento
das instituições federais, com a vinculação de 75% dos recursos totais, mas desvinculada de
gastos com inativos, pensionistas, gastos com precatórios e com hospitais universitários que
hoje são responsáveis por uma grande fatia dos gastos destinados à educação.
Isto permitiria alcançar outra meta do projeto que é o aumento em 40 % das vagas em
instituições públicas sejam federais, estaduais ou municipais. Algumas melhorias já tem sido
implementadas nesse sentido, como por exemplo, o orçamento das FIES, que passou de 7,7
bilhões de reais em 2004 para 8,9 bilhões em 2005. Segundo dados do INEP, dez novas
instituições encontravam-se em processo de institucionalização em 2006 e, ainda para o
mesmo ano, 42 novos campi foram criados ou consolidados em instituições já existentes.
Além disso, o Ministério da Educação autorizou que se contratassem 4000 novos professores
para o ensino superior e 1600 funcionários do quadro técnico para trabalharem nas FIES.
Por outro lado, a política do governo Luis Inácio Lula da Silva tem se mostrado um
tanto contraditória, uma vez que mantém o vínculo entre a avaliação das instituições públicas
e a distribuição de recursos. Sem recursos, se torna ainda mais difícil alcançar níveis de
melhor desempenho nas instituições, que segundo Amaral (2005), foram elementos
constitutivos muito presentes no governo anterior, o que demonstra desta forma uma
continuidade desta política pelo governo atual tanto por meio do SINAES quanto na própria
1401
proposta da reforma mais especificamente referindo-se ao PDI (Plano de Desenvolvimento
Institucional) que prevê a necessidade de indicadores institucionais de gestão e desempenho17.
Assim, no discurso, o governo defende a educação como um bem público que tem
uma importante função social, e na prática tem se mostrado continuador da implementação
das orientações do BIRD ao passo que justificam gastos com educação para proporcionar um
retorno econômico para a sociedade numa lógica capitalista.
O governo Luis Inácio Lula da Silva conseguiu estreitar as relações entre o ensino
público e o privado, optando pela solvência do ensino privado com a implantação do
Programa Universidade para Todos (PROUNI) e mantendo, ou até mesmo aprofundando
ainda mais, o sistema de avaliação de caráter regulatório como o SINAES. Por outro lado, foi
possível reverter o quadro difícil em que se encontrava o sistema educacional superior
proporcionando mais investimento e reposições salariais no ensino público.
Considerações Finais
Desta forma podemos concluir que em ambos os governos analisados as reformas do
ensino superior permeiam por políticas macroeconômicas referentes à reestruturação do
processo produtivo, de forma que o estado fica a reboque da influência de organismos
internacionais (Ribeiro, 2000).
A agenda neoliberal foi uma forte influência a todos os países sul-americanos, mas
vale frisar que em cada um deles a assimilação se fez de forma diferente, bem como acontece
também de um governo para outro no caso do Brasil, por exemplo. Por um lado temos muitas
conquistas sociais, como a constituição de 1988, e a transição política no fim do regime
militar, mas por outro temos uma adesão um pouco tardia do consenso de Washington.
O governo de Fernando Henrique Cardoso foi muito estreitado com o que
sugestionava a agenda neoliberal aproximando, ou até mesmo dissolvendo, as fronteiras que
dividiam os setores público e privado. Neste caso a resistência proporcionada por parte dos
atores sociais e políticos envolvidos nesse processo freou e impediu que muitas das ações que
o governo pretendia fossem mais adiante e destacamos de maneira especial aqui a manutenção
da gratuidade do ensino superior nas FIES e da transformação destas em organizações sociais.
17
A partir do segundo anteprojeto, o PDI tem sua importância reduzida, é importante que se diga, e as
universidades federais tem o orçamento global repassado em duodécimos mensais ao passo que os centros
universitários e as faculdades federais, para acessarem os recursos, necessariamente devem atender os requisitos
de desempenho.
1402
A eleição de Luis Inácio Lula da Silva oriunda das classes populares, por outro lado,
não promoveu uma transformação profunda e significativa, como se esperava que fizesse, no
sistema superior de ensino limitando-se basicamente a implementação de programas como é o
caso do PROUNI, e a fragmentação das iniciativas de reforma por meio de textos legais e
projetos.
Sob o discurso de justiça social são implementados programas como o PROUNI, mas
que se traduzem na verdade num programa de transferência de renda para a iniciativa privada
como forma de amenizar as lacunas de vagas ociosas deixadas em conseqüência da política de
escansão desenfreada de Fernando Henrique Cardoso. Este tipo de transferência de renda à
iniciativa privada por meio de bolsas, e financiamentos obedece à mesma lógica de
orientações feitas pelo BIRD em relação à educação.
Ao que se refere ao PROUNI como sendo de caráter social, o mesmo deixa muitas
dúvidas, pois a população de baixa renda precisa além da gratuidade total ou parcial do ensino
superior, também de outras condições que encontramos nas instituições públicas como
moradia estudantil, alimentação subsidiada, assistência proporcionada pelos hospitais
universitários ou mesmo com bolsas de pesquisa entre outros, que possam servir para manter
o estudante na universidade evitando a evasão.
Podemos identificar pontos de continuidade do governo de Fernando Henrique
Cardoso no PROUNI quando o programa proporciona um afrouxamento na fronteira que
divide o financiamento público indireto e o setor privado.
Mas é possível também identificar pontos de ruptura do governo Luis Inácio Lula da
Silva em relação ao governo Fernando Henrique Cardoso como a expansão, ainda que tímida,
da rede pública, a reposição de quadro de professores e técnicos e de perdas salariais dos
trabalhadores.
Muda também a postura em relação aos profissionais que trabalham no ensino superior
sendo, ao menos no discurso, mais valorizados já que no governo Fernando Henrique Cardoso
eram tidos como co-responsáveis pela situação em que se encontravam as universidades e a
própria sociedade.
Enquanto que nos oito anos em que Fernando Henrique Cardoso esteve no poder
tivemos apenas um ministro da educação, em apenas quatro anos do governo Luis Inácio Lula
da Silva três ministros com perfis diferentes já ocuparam a cadeira, um reflexo da
ambigüidade das ações do governo.
Como no governo anterior e em grande parte de nossa história, cabe aos atores sociais,
principalmente acadêmicos, sugerir mudanças que venham a melhorar as condições do povo,
1403
mas acima de tudo devendo reagir a qualquer ação que venha a se apresentar contra os
direitos sociais já conquistados com tantos esforços e a duras penas, evitando que o governo
seja utilizado como instrumento de manobra de interesses particulares que privilegiam uns
poucos em detrimento de muitos.
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