POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O ENSINO SUPERIOR NO BRASIL (1994-2006): RUPTURA E CONTINUIDADE ENTRE OS GOVERNOS DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO E LUIS INÁCIO LULA DA SILVA LUCHMANN*, Julio César – PUCPR [email protected] Resumo Neste texto procuramos analisar a educação superior a partir de dois períodos principais: o primeiro período é o que compreende os dois governos de Fernando Henrique Cardoso (19942002) e a influência que os atores internacionais como Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial tiveram na definição da agenda governamental, nas políticas públicas, principalmente em se tratando de políticas educacionais para a educação superior no país. Nota-se que, neste período, a educação superior sofre um processo de transformação, principalmente na estrutura administrativa, com grande inclinação à privatização do setor público, e um significativo aumento de instituições privadas como forma de se resolverem os problemas com a carência de vagas. O segundo período a ser analisado refere-se ao primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006) no intuito de identificar pontos em comum com a política de seu antecessor Fernando Henrique Cardoso, bem como identificar pontos de ruptura com o mesmo. Aqui veremos que a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva trouxe consigo uma grande expectativa de profundas mudanças em relação ao sistema de governo que vigorava até então, o que de fato não aconteceu na mesma proporção das expectativas, de maneira que em alguns pontos é possível identificar continuidades e em outros uma efetiva ruptura política que. É possível notar diferença nas políticas para educação superior implementadas no governo de Luiz Inácio Luiz Inácio Lula da Silva em relação ao governo anterior, ao passo dá mais ênfase na manutenção das instituições de ensino superior já existentes com a criação de programas como o ProUni, do que propriamente a expansão deste nível de ensino. Palavras-chave: Políticas Públicas; Políticas Educacionais; Educação Superior Introdução As políticas sociais e econômicas da década de 1990 foram fortemente influenciadas pelo ideário da agenda Neoliberal. Estas propostas tiveram implicações internacionais, o que oferece a este período uma característica especial. 1 * Mestrando em educação do Programa de Pós Graduação em Educação – PUCPR 1394 Partimos deste ponto para entendermos esse período histórico com o objetivo de saber como influenciou na formulação e implementação de políticas públicas principalmente as educacionais. 2 Do ponto de vista analítico, pretendemos compreender como o processo decisório governamental acaba sendo um produto de uma ação desigual dos atores que compõem o estado, tendo em vista a agenda neoliberal e o resultado dessa interação que se traduz por meio de alterações legislativas e nos mecanismos de financiamento da educação superior no país 3, e como as políticas públicas muitas vezes acabam servindo a um jogo de poder que visa tão somente a acomodar os interesses dos grupos mais influentes (Viana, 1988).4 Procuramos demonstrar por meio deste trabalho que, por mais que haja influências de ordem econômica e política por parte de organismos internacionais como o BIRD e o FMI, e mesmo diretamente do ideário neoliberal, as políticas educacionais não são um produto apenas desta influência. O BIRD, apesar de seu enorme poder influi parcialmente no setor educacional do país, pois não pode, sozinho ou em uma atuação isolada, influenciar completamente a agenda do governo. Inicialmente, procuramos proporcionar uma visão sobre ambos os governos exercidos por Fernando Henrique Cardoso (1994 a 2002) com o fim de levantar alguns elementos constitutivos deste, e como o BIRD os influenciou. Com isto pretende-se analisar o que há de semelhante nas agendas governamentais deste governo e a sistêmica neoliberal. Numa segunda parte buscamos identificar se o governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva propõe uma ruptura ou mantém a política de seu antecessor. Para tanto, salientamos que o processo político5 do governo Luis Inácio Lula da Silva ainda está em movimento, por isso, restringimos nossa análise ao primeiro governo que compreende os anos entre 2003 a 2006. 1 Existem dois tipos de Agenda: a governamental que se constitui de uma série assuntos que chamam a atenção por parte do presidente da república, os congressistas, ou mesmo os burocratas do governo (Kingdon, 1995); e a agenda chamada institucional ou formal que é compreendida com sendo um conjunto de pontos explícitos que são considerados de forma ativa pelos Decision- makers. 2 Para uma melhor compreensão entendemos por política pública como sendo um conjunto de medidas que constituem um programa de governo que tem por objetivo responder a demandas da sociedade ou de grupos específicos. Isto necessariamente implica em considerar quais recursos tem a instituição Estado, principalmente falando da máquina governamental (Azevedo apud Gisi, 2003). 3 Procuramos mostrar uma visão dinâmica e abrangente sobre a questão das políticas públicas direcionadas ao ensino superior no Brasil, porém, sem uma análise aprofundada de documentos do BIRD. 4 A formulação de políticas públicas muitas vezes passa por um processo de conflitos de poder em que cada ator ou grupo envolvido defende seus interesses ou aqueles que representam. 5 Podemos entender o processo político como um processo que compreende as intenções que se tem e a ação resultante desta intenção, ou seja, a formulação e a implementação das políticas públicas (Viana, 1988). 1395 Ensino superior nos governos de Fernando Henrique Cardoso (1994 -2002) Se analisarmos os documentos oficiais do BIRD na década de 1990, vamos perceber que estes indicavam necessidades de reforma no sistema educacional, conferindo-lhe mais racionalidade e eficiência e este direcionamento acabou por influenciar significativamente a tomada de decisão no que se refere às políticas públicas para a educação no Brasil nesta época. Com um discurso para alcançar uma maior eficiência administrativa que, na verdade, estava associada a princípios neoliberais, se pretendia no fundo retomar a visão eficientista e produtivista da década de 60, mas com uma cara nova. Para isto foram introduzidos conceitos como privatização do ensino, avaliação, autonomia universitária e flexibilização (Sguissardi, 2000)6. Advém dessa questão uma das principais críticas ao governo Fernando Henrique Cardoso que é a do abandono às universidades públicas e de sua conseqüente incapacidade de atender as demandas por vagas. A reforma proposta pelo governo não foi através da mudança que aconteceu com a lei 5.5540 de 1968, que de uma só vez afetou a estrutura do sistema educacional. Ao invés disso, o governo Fernando Henrique Cardoso implementou uma série de pequenas interferências como estratégia de governo (Cunha, 2003) que, aos poucos, chegou a uma profunda modificação em todo o sistema educacional universitário alterando a lógica de organização dos sistemas público e privado (Dourado, 2005). Em se tratando de universidades públicas, uma das principais ações do governo foi no sentido de transformar seu status jurídico de maneira que passassem a não serem mais públicas, mas de caráter social, fundações de direito privado e sociedades civis sem fins lucrativos. Estas instituições responderiam ao governo por meio dos chamados contratos de gestão em que estariam previstos os serviços a serem prestados, bem com as metas a serem atingidas e os recursos financeiros a serem repassados todos os anos pelo governo (Silva Júnior e Sguissardi, 1997).7 6 Os documentos dão ênfase à criação de uma maior diversidade de instituições e a um currículo mais flexível, e é decorrente disto que o governo Fernando Henrique Cardoso dissocia a tríade ensino, pesquisa e extensão que possibilita a criação de instituições de ensino superior sem a obrigatoriedade de corresponder a ela, sendo possível que as instituições particulares possam, por exemplo, se dedicar apenas ao ensino. 7 A proposta do governo para a reforma do ensino superior era composta basicamente por quatro características: a privatização das instituições, a flexibilização curricular, a descentralização das estruturas e a centralização do controle das Instituições Federais de Ensino Superior. 1396 Ao analisarmos este projeto do governo podemos identificar muitos pontos recomendados pelo BIRD, instituição que desempenhou um papel importante na formulação da agenda de reformas no governo Fernando Henrique Cardoso. Porém, houve uma violenta reação principalmente da comunidade acadêmica em querer transformar as universidades públicas em organizações sociais que, de obrigatório, o projeto passou a ser de adesão voluntária e teve pouca adesão. Em 1996, é aprovada a LDB depois de uma tramitação de oito anos no Congresso e Senado Nacional. O atraso foi ocasionado em função de existirem muitos interesses e embates políticos. Apesar de manter a gratuidade do ensino público, o que aconteceu na prática foi um sucateamento das instituições públicas no país, pois houve uma redução nos investimento e um corte profundo nas verbas de manutenção destas8 na esperança de haver um crescimento do setor privado e que este absorvesse a demanda crescente por ensino superior no país. Esta situação de ajuste fiscal somado a abertura que as universidades públicas tiveram para buscar recursos na iniciativa privada fizeram com que acontecesse uma privatização de muitos serviços por meio de parcerias com a iniciativa privada e a venda de cursos de extensão, o que se traduz em uma privatização indireta destas instituições (Sguissardi, 2002). A idéia de cobrar as mensalidades nas instituições públicas conforme orientação do BIRD para que estas tivessem melhor eficiência ao sistema educacional sofreu grande pressão por parte da sociedade e também não foi implementada9. Para o setor privado da educação superior, uma modificação significativa se deu em relação à diferenciação institucional intra-segmento privado, que sofreu duras críticas do segmento, pois afetava os interesses destes. Isto se deu em função das instituições particulares terem imunidade tributária sobre a renda, e a partir de então passaram a serem classificadas em dois grupos: com e sem fins lucrativos. Assim as primeiras deixaram de se beneficiar diretamente de recursos públicos enquanto que as segundas se mantiveram isentas de cobrança tributária, mas seguindo um rígido controle por parte do governo. 8 Também o financiamento ao ensino superior teve prejuízos com a política macroeconômica do governo Fernando Henrique Cardoso. O orçamento destinado às FIES foi drasticamente reduzido tendo impacto direto no custeio e em novos investimentos (Amaral, 2003). 9 Acabar com a gratuidade das mensalidades no ensino público obedece a uma orientação da agenda Neoliberal e já é discutida desde a reforma promovida pelo governo militar em 1968, mas que não pode se consolidar no governo Fernando Henrique Cardoso por inúmeras pressões e atendendo a interesses diversos (Carvalho, 2002). 1397 As instituições privadas também se beneficiaram da dissociação entre ensino, pesquisa e extensão, que possibilitou um grande crescimento de instituições no país e que não significou necessariamente um acompanhamento no aumento do número de inscritos, principalmente por limitações financeiras dos candidatos que, não podendo pagar as mensalidades, não ingressaram na universidade (Corbucci, 2002). O número de vagas no ensino superior privado cresceu muito mais do que a demanda de candidatos com condições para pagar por elas. Enquanto que em 1998 tínhamos uma proporção de 2,2 candidatos por vaga (INEP), em 2002 essa relação é de 1,6 candidatos por vaga alcançando uma ociosidade de 37% das vagas oferecidas (INEP). Desta forma, a proposta que pretendia democratizar o ensino pela via privada se mostrou insuficiente para acolher a demanda existente, não pelo fato de não terem aumentado as vagas, pois isto aconteceu, mas em função de não se poderem pagar por elas. (Corbucci, 2002). Esta talvez seja uma das explicações para o recuo do governo em cobrar pelas mensalidades nas instituições públicas, que agravariam ainda mais a ociosidade de vagas e acabaria por estimular o êxodo das classes menos privilegiadas do ensino superior. Na tentativa de diminuir os problemas de acesso e permanência no ensino superior privado, o governo de Fernando Henrique Cardoso cria o programa FIES que é um programa que tem por objetivo financiar estudantes de baixa renda, mas que, no entanto não tem uma adesão tão significativa quanto à esperada porque, como se trata de financiamento, a taxa de juros sobre os empréstimos eram maiores que as taxas de crescimento da renda dos recémformados, dificultando o pagamento pós-curso, o que desestimulou em muito a adesão ao programa, isto sem contar que as taxas de desemprego dos recém formados alcançavam índices altos preocupando os candidatos para o pagamento da dívida que se herdaria na adesão ao programa. O governo de Fernando Henrique Cardoso, principalmente seu segundo mandato, indica uma forte aproximação com o ideário neoliberal quando procura privatizar o máximo possível as instituições públicas e aumentar o poder das instituições privadas. Políticas públicas para o Ensino Superior no Governo Luis Inácio Lula da Silva (20032006) Aqui pretendemos fazer uma análise dos elementos constitutivos da política de ensino superior que foram implementadas durante o primeiro governo de Luis Inácio Lula da Silva com especial foco no PROUNI e na proposta de reforma do ensino superior, para que assim 1398 possamos investigar se houve uma efetiva ruptura com o ideário neoliberal ou se apresentou como uma continuidade deste. A eleição de Luis Inácio Lula da Silva, em 2003, significou a subida ao poder da esquerda política do país que assume um novo contexto econômico, conseqüência das alterações feitas na gestão que o precedeu e o acordo deste com o FMI. Foi um contexto em que o superávit primário estava elevado em conseqüência do aumento da carga tributária e de cortes nos gastos públicos. A utilização de âncora fiscal tem implicação na definição do superávit primário de forma que o valor dos gastos passa a se ajustar em função da receita orçamentária, o que implica em corte de despesas, em custeio e capital. Decorrência direta disso é o arrocho salarial, a diminuição de verbas destinadas à saúde, a segurança a educação e a drástica redução dos investimentos. Em se tratando de políticas para o ensino superior privado, o governo de Luis Inácio Lula da Silva se diferencia do seu antecessor ao passo que não dá tanta ênfase a criação de novas instituições, mas na manutenção das que já existem. O PROUNI (Programa Universidade para Todos) surge inicialmente sob um discurso de justiça social, mas exatamente num contexto de muitas vagas ociosas nas instituições e visa por outro lado dar resposta à pressão feita pela iniciativa privada no sentido de resolver este problema10 que, associado a um quadro de inadimplência e evasão dos alunos, deixa fragilizada a situação destas instituições. Assim, o governo dá continuidade às recomendações do BIRD de incentivar a iniciativa privada com programas de transferência de renda. Ao invés de aplicar estes recursos nas instituições públicas, utiliza-se da estrutura das instituições privadas para oferecer vagas públicas e ainda responde ao problema de vagas ociosas. Se analisarmos mais detidamente o projeto de lei do PROUNI (Carvalho, 2002; Lopreato, 2005), veremos que as alterações feitas em seu texto parecem flexibilizar a contrapartida da iniciativa privada11 numa clara atuação das associações que representam as instituições particulares12 e que se apresentaram depois em forma de adesão antecipada ao 10 O PROUNI direciona uma parte das bolsas às chamadas ações afirmativas que prevêem a participação de portadores de deficiência ao autodeclarados negros e indígenas. Outro ponto que o programa atende e dá prioridade é o atendimento a professores do ensino básico da rede pública cumprindo desta forma os artigos 62 e 63 da LDB que prevê a obrigatoriedade de formação superior destes profissionais em Normal Superior, Pedagogia ou Licenciatura. 11 A multa por infração para quem descumprisse as regras do programa no anteprojeto de lei era de no máximo 1% sobre o faturamento anual do exercício anterior à data da infração, mas a partir da medida provisória que institui o programa não consta qualquer sanção ou punição pelo desrespeito às regras. 12 A alteração na medida provisória contou com forte atuação do PFL, PSDB e representantes das instituições privadas no Congresso e também de outros atores como o reitor da UNIP (Universidade Paulista) que, sendo 1399 programa e na defesa do programa como forma de democratizar o ensino superior no país13. A sociedade e movimentos sociais como a CUT, por exemplo, também se manifestaram a favor do programa (Marinho, 2005) como forma de democratização deste nível de ensino. O principal impacto para o governo concerne em renúncia fiscal, basicamente, que vai depender do tipo de adesão escolhida pela instituição14 particular. Por outro lado, a obrigatoriedade da adesão por parte das instituições sem fins lucrativos leva uma boa parte delas a se desfazer da filantropia significando um aumento na arrecadação previdenciária, compensando, pelo menos em parte, a renúncia tributária exigida com o programa. Em 2005 a Receita Federal divulgou que a renuncia fiscal com o programa foi de R$105 milhões, menor que o esperado para o período, que era de R$ 197 milhões com a oferta de 112 mil bolsas, o que representa um custo anual por estudante de R$ 937,50. Em relação ao caráter social do programa, Catani e Gilioli (2005) afirmam que, com o PROUNI, o governo até melhora a política de acesso ao ensino superior, mas não significa que o aluno terá uma melhora também na permanência15 o que no fundo transforma o programa em assistencialismo, exatamente como sugere o BIRD. A partir do ano de 2006 o governo implementa um programa complementar ao PROUNI que oferece uma bolsa de R$ 300,00 chamada bolsa-permanência, mas apenas para alunos que façam cursos em período integral o que atinge uma parcela de apenas dois porcento do total de bolsistas, uma iniciativa positiva, mas insuficiente se considerarmos a permanência dos alunos na sua totalidade. Não poderíamos deixar de citar outra importante iniciativa do governo Luis Inácio Lula da Silva, que é o projeto da reforma universitária que por mais que ainda não esteja implementado trata-se de um projeto importante para a educação superior o qual merece análise16. A maioria das ações do governo Fernando Henrique Cardoso foram implementadas sem a consulta aos atores do processo em que estas ações estavam sendo implementadas. O uma das maiores instituições particulares do país, tem papel de importância na influência de políticas educacionais a instituições privadas. 13 Muitas instituições e associações pagaram de próprio bolso a vinculação de propagandas na mídia enaltecendo o programa PROUNI com sendo de enorme compromisso social que o mesmo trazia em seu bojo. 14 Para o ano de 2005 foram registradas 1.142 instituições aderentes ao programa, e em 2006 mais 1.232 instituições também aderiram. 15 Em 2005 foram 112 mil matrículas feitas pelo PROUNI, e destas apenas 95 mil continuavam no programa ao final do ano, o que indica uma evasão de 15% dos alunos. 16 A divulgação do primeiro anteprojeto de lei sobre a Reforma Universitária se deu em 06/12/2004, apresentando 100 artigos. Ao segundo anteprojeto datado de 30/05/2005 já com 75 artigos. Já o terceiro anteprojeto foi publicado em 28/07/2005, com 69 artigos de um total de 100 propostos no primeiro anteprojeto. 1400 governo Luis Inácio Lula da Silva por outro lado tem se mostrado muito mais receptivo a participação da sociedade nos processo de mudança, como é o caso da reforma universitária em que o governo tem promovido seminários, debates etc, o que possibilita uma visão e uma participação mais ampla. Nos três anteprojetos é destacada a função social que o ensino superior representa, inclusive a partir da segunda versão a educação aparece como um bem público e deve ser mantido gratuitamente nas instituições públicas. Para as instituições de caráter privado, notamos que ao longo dos anteprojetos o papel das mantenedoras perderam poder, numa clara pressão por parte de interesses particulares envolvidos no processo, mantendo-se no último documento a necessidade de se estabelecerem critérios de controle e fiscalização das instituições privadas. Neste último documento é limitado o investimento de estrangeiros sendo que estes podem investir até um limite de 30% do capital total da instituição o que contraria muitos interesses e mesmo a recomendações da Organização Mundial do Comércio. Uma importante mudança que o projeto de reforma propõe é sobre o financiamento das instituições federais, com a vinculação de 75% dos recursos totais, mas desvinculada de gastos com inativos, pensionistas, gastos com precatórios e com hospitais universitários que hoje são responsáveis por uma grande fatia dos gastos destinados à educação. Isto permitiria alcançar outra meta do projeto que é o aumento em 40 % das vagas em instituições públicas sejam federais, estaduais ou municipais. Algumas melhorias já tem sido implementadas nesse sentido, como por exemplo, o orçamento das FIES, que passou de 7,7 bilhões de reais em 2004 para 8,9 bilhões em 2005. Segundo dados do INEP, dez novas instituições encontravam-se em processo de institucionalização em 2006 e, ainda para o mesmo ano, 42 novos campi foram criados ou consolidados em instituições já existentes. Além disso, o Ministério da Educação autorizou que se contratassem 4000 novos professores para o ensino superior e 1600 funcionários do quadro técnico para trabalharem nas FIES. Por outro lado, a política do governo Luis Inácio Lula da Silva tem se mostrado um tanto contraditória, uma vez que mantém o vínculo entre a avaliação das instituições públicas e a distribuição de recursos. Sem recursos, se torna ainda mais difícil alcançar níveis de melhor desempenho nas instituições, que segundo Amaral (2005), foram elementos constitutivos muito presentes no governo anterior, o que demonstra desta forma uma continuidade desta política pelo governo atual tanto por meio do SINAES quanto na própria 1401 proposta da reforma mais especificamente referindo-se ao PDI (Plano de Desenvolvimento Institucional) que prevê a necessidade de indicadores institucionais de gestão e desempenho17. Assim, no discurso, o governo defende a educação como um bem público que tem uma importante função social, e na prática tem se mostrado continuador da implementação das orientações do BIRD ao passo que justificam gastos com educação para proporcionar um retorno econômico para a sociedade numa lógica capitalista. O governo Luis Inácio Lula da Silva conseguiu estreitar as relações entre o ensino público e o privado, optando pela solvência do ensino privado com a implantação do Programa Universidade para Todos (PROUNI) e mantendo, ou até mesmo aprofundando ainda mais, o sistema de avaliação de caráter regulatório como o SINAES. Por outro lado, foi possível reverter o quadro difícil em que se encontrava o sistema educacional superior proporcionando mais investimento e reposições salariais no ensino público. Considerações Finais Desta forma podemos concluir que em ambos os governos analisados as reformas do ensino superior permeiam por políticas macroeconômicas referentes à reestruturação do processo produtivo, de forma que o estado fica a reboque da influência de organismos internacionais (Ribeiro, 2000). A agenda neoliberal foi uma forte influência a todos os países sul-americanos, mas vale frisar que em cada um deles a assimilação se fez de forma diferente, bem como acontece também de um governo para outro no caso do Brasil, por exemplo. Por um lado temos muitas conquistas sociais, como a constituição de 1988, e a transição política no fim do regime militar, mas por outro temos uma adesão um pouco tardia do consenso de Washington. O governo de Fernando Henrique Cardoso foi muito estreitado com o que sugestionava a agenda neoliberal aproximando, ou até mesmo dissolvendo, as fronteiras que dividiam os setores público e privado. Neste caso a resistência proporcionada por parte dos atores sociais e políticos envolvidos nesse processo freou e impediu que muitas das ações que o governo pretendia fossem mais adiante e destacamos de maneira especial aqui a manutenção da gratuidade do ensino superior nas FIES e da transformação destas em organizações sociais. 17 A partir do segundo anteprojeto, o PDI tem sua importância reduzida, é importante que se diga, e as universidades federais tem o orçamento global repassado em duodécimos mensais ao passo que os centros universitários e as faculdades federais, para acessarem os recursos, necessariamente devem atender os requisitos de desempenho. 1402 A eleição de Luis Inácio Lula da Silva oriunda das classes populares, por outro lado, não promoveu uma transformação profunda e significativa, como se esperava que fizesse, no sistema superior de ensino limitando-se basicamente a implementação de programas como é o caso do PROUNI, e a fragmentação das iniciativas de reforma por meio de textos legais e projetos. Sob o discurso de justiça social são implementados programas como o PROUNI, mas que se traduzem na verdade num programa de transferência de renda para a iniciativa privada como forma de amenizar as lacunas de vagas ociosas deixadas em conseqüência da política de escansão desenfreada de Fernando Henrique Cardoso. Este tipo de transferência de renda à iniciativa privada por meio de bolsas, e financiamentos obedece à mesma lógica de orientações feitas pelo BIRD em relação à educação. Ao que se refere ao PROUNI como sendo de caráter social, o mesmo deixa muitas dúvidas, pois a população de baixa renda precisa além da gratuidade total ou parcial do ensino superior, também de outras condições que encontramos nas instituições públicas como moradia estudantil, alimentação subsidiada, assistência proporcionada pelos hospitais universitários ou mesmo com bolsas de pesquisa entre outros, que possam servir para manter o estudante na universidade evitando a evasão. Podemos identificar pontos de continuidade do governo de Fernando Henrique Cardoso no PROUNI quando o programa proporciona um afrouxamento na fronteira que divide o financiamento público indireto e o setor privado. Mas é possível também identificar pontos de ruptura do governo Luis Inácio Lula da Silva em relação ao governo Fernando Henrique Cardoso como a expansão, ainda que tímida, da rede pública, a reposição de quadro de professores e técnicos e de perdas salariais dos trabalhadores. Muda também a postura em relação aos profissionais que trabalham no ensino superior sendo, ao menos no discurso, mais valorizados já que no governo Fernando Henrique Cardoso eram tidos como co-responsáveis pela situação em que se encontravam as universidades e a própria sociedade. Enquanto que nos oito anos em que Fernando Henrique Cardoso esteve no poder tivemos apenas um ministro da educação, em apenas quatro anos do governo Luis Inácio Lula da Silva três ministros com perfis diferentes já ocuparam a cadeira, um reflexo da ambigüidade das ações do governo. Como no governo anterior e em grande parte de nossa história, cabe aos atores sociais, principalmente acadêmicos, sugerir mudanças que venham a melhorar as condições do povo, 1403 mas acima de tudo devendo reagir a qualquer ação que venha a se apresentar contra os direitos sociais já conquistados com tantos esforços e a duras penas, evitando que o governo seja utilizado como instrumento de manobra de interesses particulares que privilegiam uns poucos em detrimento de muitos. REFERÊNCIAS AMARAL, N. C. Financiamento da Educação Superior: Estado x Mercado. Piracicaba: Editora UNIMEP, 2003. ______________. A Vinculação Avaliação/Financiamento na Educação Superior Brasileira. 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