A ESPECIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO FAMILIAR: O CASO DA COOPAVA – PIRATINI-RS FONTOURA, Luiz Fernando Mazzini1, PIEROZAN, Vinício Luís2, ZANETTE, Felipe Rabailoi 2, ROSA, Gabryel de Menezes Correa da 2, SIQUEIRA, Isabella Foss de 2, REIS, Luciano 2, MORAES, Meriene dos Santos de 2, FIEGENGAUM, Maicon 2,SILVA, Othon da Silva e2, VANACOR, Paula Lima2, CONTASSOT, Pedro Toscan 2, PERES, Robson Jordani Gama2, MOSCHEN, Tiago 2. INTRODUÇÃO O presente trabalho busca avaliar a influência dos programas de crédito para a produção agrícola familiar e sua especialização. A história da Cooperativa Agropecuária Vista Alegre (COOPAVA) começa se desenhar em setembro de 1989 quando ocorre o primeiro acampamento das famílias oriundas do noroeste do estado. Em 1992, o grupo de assentados oriundos da região do Planalto Meridional é assentados no interior do município de Piratini, em uma área pertencente à empresa CICA Alimentos S/A, basicamente destinada à produção de pêssegos. Passada duas décadas, a cooperativa tem como principal atividade a produção do leite após várias tentativas com outros produtos. O objetivo deste trabalho é contribuir para a discussão sobre o Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF) e a especialização da produção familiar regionalizada. A distância até a zona urbana de Piratini é de 51 km por estrada asfaltada e a 3,2km da BR 293. Desse modo, o assentamento tem fácil acesso, também, da zona urbana da cidade de Pinheiro Machado. O assentamento é constituído por 48 famílias, das quais 17 fazem parte da COOPAVA, associação cooperativa entre essas famílias. As outras 31 famílias vivem em um regime de economia familiar. A área da propriedade é de 1.238 hectares, sendo que destes, 90 hectares são de Área de Preservação Permanente (APP’S). Desde seu primeiro ano, o assentamento funciona dentro da propriedade de uma escola municipal de 1ª a 5ª série, que hoje tem pretensões de ampliar o atendimento até a 8ª série, sendo os docentes da escola empregados do município. Os produtores do assentamento Conquista da Liberdade, onde se localiza a COOPAVA, inicialmente começaram com a produção de grãos, em especial a soja, com a ideia de aumentar a produtividade em áreas de latifúndio pastoril na região da Campanha gaúcha. Entretanto, passado algumas safras, devido às condições de estiagem, as colheitas não obtiveram o resultado pretendido e resultaram em dívidas para aos cooperativados. Frente a isto, uma das alternativas foi a criação de aves e suínos para o comércio regional, o qual não logrou sucesso frente aos custos de produção e a distância dos abatedouros.O cultivo do pêssego já foi a principal atividade da cooperativa, chegando a ter aproximadamente 15.000 pessegueiros na propriedade. Essa produção alimentava indústrias pelotenses produtoras de doces, compotas e sucos. A decadência do mercado pelotense na década de 1990 fez com que novas alternativas de inserção econômica fossem procuradas, e hoje abastece apenas uma agroindústria familiar. O projeto da usina de leite, implementado no ano 2000, pelo fato de ser uma produção regional já existente e estimulada pelo programa que tinham acesso 1 Tutor do PET-Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Graduando do Curso de Licenciatura Plena em Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, membro do grupo PETGeografia/UFRGS. 2 inicialmente, Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária (PROCERA). Este programa foi transformado no Programa Nacional de Agricultura Familiar (PRONAF), carregando todo o processo e conhecimento adquirido pelos produtores. Embora o leite corresponda quase à totalidade da movimentação econômica, são cultivadas - com fins de alimento tanto para as famílias como para os animais- mais de 30 variedades de produtos, entre eles: milho, feijão e hortifrutigranjeiros, o que possibilita uma despesa familiar menor do que das famílias que vivem na cidade. O trabalho é divido entre os cooperativados da seguinte maneira: cada trabalhador é remunerado por hora trabalhada, até 165 horas por mês, e as horas adicionais são consideradas trabalho voluntário. Os indivíduos são responsáveis por uma ou mais tarefas específicas (tratorista, entregador ou responsáveis pela ordenha das vacas, por exemplo), o que não exclui de nenhum modo sua participação em outras etapas dos processos de produção. A renda média das famílias cooperativadas é de R$ 500 a R$ 600 mensais, e o restante do dinheiro obtido é investido na cooperativa. A distribuição e o comércio da produção visam de forma prioritária a preencher os requisitos exigidos nas licitações públicas para venda de leite em escolas, hospitais e outros estabelecimentos. No mercado particular, a distribuição atende a pequenos estabelecimentos, como padarias, sorveterias, feiras e pequenos mercados. MATERIAIS E MÉTODOS No presente trabalho foram feitas saídas de campo para o assentamento Conquista da Liberdade, no município de Piratini-RS e realizadas entrevistas abertas com os produtores cooperativados, consultas aos Censos Agropecuários do IBGE (1975, 1985, 1996, 2006), consulta aos dados disponibilizados pela EMATER-ASCAR. No levantamento bibliográfico foram consultados trabalhos acadêmicos sobre o assentamento e o sistema de crédito para a produção familiar. Para analisar a produção de leite na COOPAVA, partimos da transformação da atividade pastoril extensiva em áreas de assentamentos da Reforma Agrária, o que sugere outra utilização das áreas de campo. Em SANTOS (2008), buscamos a proposta para a compreensão da organização espacial através da análise dos objetos a partir da forma, função, estrutura e processo. A forma vista como um aspecto visível no arranjo ordenado pelos objetos em um dado instante do tempo. A função vista como uma tarefa ou atividade esperada pela forma. A estrutura refere-se ao modo de organização, de inter-relação entre todas as partes. Finalmente, o processo representa o resultado desta ação contínua, a transformação e articulação das partes ao longo da história. RESULTADOS E DISCUSSÃO Um dos objetivos atuais da cooperativa é implementar a produção orgânica, o que já está acontecendo na parte agrícola da produção - os cereais e hortifrutigranjeiros não recebem adição de agrotóxico. O grande desafio para a realização do objetivo, entretanto, é como alimentar o gado de forma orgânica, visto que o farelo de soja é o principal alimento do rebanho e que esse farelo é produzido em larga escala, fora da cooperativa, e comprado sem controle sobre a adição de insumos tóxicos, o que impede caracterizar a produção do leite como orgânica. As alternativas de alimentação do rebanho, como plantar os cereais necessários ou comprar cereal orgânico seriam inviáveis do ponto de vista do trabalho ou econômico. Uma das maneiras de buscar atualizações para o melhor funcionamento da cooperativa é investindo em um alto grau de escolarização para os jovens. A maioria dos jovens assentados está cursando ou já cursou formação técnica ou superior, os principais cursos de veterinária e de agronomia. Contudo, o cenário atual é de esvaziamento do campo por parte dos jovens, que uma vez diplomados, buscam empregos em outros mercados com melhor remuneração em relação à atividade agrícola realizada na cooperativa. O Programa de Crédito Especial para a Reforma Agrária (PROCERA) foi criado em 1986 para atender a demanda de recursos do Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA) lançado no mesmo ano, que visava a disponibilizar recursos para os assentamentos rurais. O objetivo era garantir acesso aos agricultores assentados de recursos financeiros em condições diferenciadas, para viabilizar investimentos na produção agrícola, e, consequentemente, que resultassem no aumento desta. No primeiro momento, a ideia era a inserção nos mercados propiciando a emancipação dos assentados da tutela do Estado. Esta linha de crédito diferenciado estimulou a produção de leite através do incentivo à compra de matrizes e reprodutores, estimulando o aumento da produção de leite e inserindo os assentados nos mercados locais e regionais. Este programa teve influências sobre produtores em todas as regiões do Brasil, mas em especial na Região Sul, onde foi destinado um maior volume de recursos. Como consequência, houve desde este programa uma substituição de cultivos tradicionais pela especialização em produtos destinados ao mercado regional. Já o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) nasce sob a pressão dos movimentos sociais que buscavam o acesso a terra e melhores condições de permanência no campo. Com orientação do Banco Mundial, o programa nasce voltado para estimular políticas públicas para o desenvolvimento rural para a agricultura familiar, dando a esta modalidade de pequena produção agrícola um novo papel na economia nacional. O PRONAF é de fato, a primeira política de Estado mais abrangente com foco o pequeno agricultor em âmbito nacional. Até chegar ao formato atual passou por diversas fases de desenvolvimento iniciando no governo Itamar Franco através da criação do Programa de Valorização da Pequena Produção Rural, programa criado sob forte pressão de movimentos sociais como, por exemplo, o MST. Posteriormente, no governo de Fernando Henrique Cardoso se transformou no Programa Nacional de Fortalecimento de Agricultura Familiar – PRONAF, através do Decreto Presidencial n° 1946 de 1996. Mais tarde, no governo de Luís Inácio da Silva o programa vem se consolidar em todo o território nacional ficando sob a coordenação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). É importante destacar que ao longo dos anos, o programa passou por diversos aprimoramentos, como a criação de mais grupos ampliando a participação e conjugando outras políticas estatais, que passaram a fomentar a criação de linhas especificas como é o caso do PRONAF – Mais Alimentos que é utilizado pelos assentados da COOPAVA. Hoje o programa discrimina os grupos em diversos níveis, segundo os tipos de produção agrícola e grau de especialização para novos créditos de investimentos. A introdução de uma produção familiar pela transformação da pecuária bovina extensiva em uma produção familiar diversificada resulta em uma nova organização espacial, que busca novas relações com as já existentes. Além da atividade pecuária, existe na região uma consolidada bacia leiteira que se estende desde os municípios de Bagé e Aceguá na direção dos municípios de Capão do Pelotas. No primeiro, existem os produtores de Colônia Nova, onde fundaram em 1959 a Cooperativa Agrícola Mista AceguáLtda, que industrializou diversos produtos derivados do leite da marca IBAGÉ, famosos na região. Nos anos 1990 a 2000, com o processo de concentração do capital na atividade industrial, esta empresa foi arrendada pela A Cooperativa Sul-RioGrandense de Laticínios Ltda. (COSULATI), fundada em 1973, empresa resultado da fusão da Cooperativa Regional de Laticínios Pelotense Ltda. - COOLAPEL fundada em 1932 e a Cooperativa Regional de Laticínios da Região Sudoeste do RS - COLACTI fundada em 1955. Hoje a CAMAL apenas serve de entreposto para recebimento, resfriamento, análise e envio do leite da região para a CONSULATI. CONCLUSÃO É interessante analisar o resultado das políticas para o setor agrícola uma vez territorializadas, pois na competição entre grandes empresas, a CONSULATI resistiu às investidas das indústrias de laticínios do central mantendo o domínio territorial da bacia leiteria da região da Campanha. Já a COOPAVA, através dos programas de estímulo e financiamento federais, teve que se especializar na produção leiteira, a única proposta viável na região, mas não pode chegar ao tamanho de uma concorrente da CONSULATI, ficando com o mercado de licitações do governo federal e fornecimento a mercados específicos. Todavia, todos os produtores da região, e mesmo a usina de beneficiamento e transformação da COOPAVA, para se adequar a fiscalização sanitária, devem investimentos em tecnologia para atender as normas. O que se observa nas estratégias da COOPAVA é a necessidade de adequação às normas da produção de laticínios, e com isto a necessidade de dirigir seus investimentos preferencialmente em um setor da produção, ficando dependentes da política e da concorrência do setor. Ao final dos anos 1990, quando da crise na produção de soja no assentamento, a ideia era a diversificação da produção para não correr o risco de dependência de uma produção específica. No entanto, a situação no momento, indica que para tornar viabilizar a produção, a especialização regional e as políticas para o setor agrícola, como o PRONAF, conduzem os produtores para uma produção especializada, independente das suas planificações. REFERÊNCIAS LEITE, S., MEDEIROS, L. S. AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE CRÉDITO PARA OS ASSENTAMENTOS RURAIS NO BRASIL. Relatório de consultoria. Rio de Janeiro: 2004. Disponível em www.mda.gov.br/portal/nead/arquivos/download/arquivo_274.pdf?..., acesso em 19 de julho de 2013. SANTOS, Milton. Espaço e Método. 5ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2008.120p.