Gestão de Programas de Pós-graduação Interdisciplinares no Brasil: dos limites aos desafios 1
Marlize RUBIN O2
Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Brasil
[email protected]
Maria Estela Dal Pai FRANCO3
Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Brasil
[email protected]
O objetivo desta pesquisa foi analisar limites e desafios colocados no processo de gestão dos
Programas de Pós-graduação Interdisciplinares reconhecidos e recomendados pela Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal (CAPES) que, no Brasil, tem como uma de suas funções avaliar,
acreditar e financiar a Pós-Graduação.
Os resultados de dois estudos subsidiaram a pesquisa perfazendo seu locus analítico. O
primeiro, estudou oito Programas de doutorado interdisciplinares, tendo como metodologia análises
de conteúdo das Propostas dos Programas e entrevistas com gestores. O segundo teve como base,
pronunciamentos de gestores e docentes sobre a qualidade na gestão da educação superior no
transcurso de um evento específico.
Na análise é possível perceber limitações de uma gestão articuladora entre várias áreas do
conhecimento que compõem os programas de Pós-graduação Interdisciplinares dentro de uma
estrutura universitária segmentada na sua origem estrutural disciplinar e, sob avaliação e
financiamento com bases na produtividade e eficiência. É possível ainda perceber que as assertivas
sobre qualidade na gestão da educação superior, especialmente da pesquisa, convergem para
distintas categorias, que trazem imbricados inúmeros desafios, além de indicarem contornos
limitativos para a Pós-graduação. Os desafios dizem respeito à estrutura político-decisória dos
Programas, a gestão de diferentes modalidades informacionais e qualificativas de docentes e
discentes de modo a inseri-los num contexto internacional sem deixar de preservar a localidade, e
ainda a estrutura pedagógico acadêmica que mesmo se dizendo multi e interdisciplinar peca muitas
vezes pela segmentação.
Palavras-chave: Programas de Pós-Graduação Interdisciplinares; Gestão da Pós-Graduação
Brasileira.
1
Projeto Financiado pela CAPES/PIQDTec; Observatório de Educação/CAPES e Fundação Araucária.
Marlize RUBIN O. é professora adjunta da Universidade Tecnológica Federal do Paraná do Programa de PósGraduação em Desenvolvimento Regional - Brasil.
2
Maria Estela Dal Pai FRANCO é professora Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul do Programa de
Pós-Graduação em Educação - Brasil.
3
1. Introdução
A gestão da Pós-graduação no Brasil tem se tornado cada vez mais complexa e
desafiadora ,tanto para aqueles que se encontram na função de definir políticas públicas, quanto
para aqueles que estão inseridos no cotidiano dos Programas. Assim, este estudo se insere no campo
de investigação da gestão da educação superior, mais especificamente na gestão da Pós-graduação
de Programas Interdisciplinares.
Diante das inúmeras questões que envolvem o campo de investigação, os objetivos traçados
buscaram delimitar seu espaço, focando um grupo específico de Programas Interdisciplinares.
Assim, o objetivo foi analisar limites e desafios colocados no processo de gestão dos Programas de
Pós-graduação
Interdisciplinares
reconhecidos
e
recomendados
pela
Coordenação
de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que, no Brasil, tem entres as funções
avaliar, acreditar e financiar a Pós-graduação.
Tigth (2003) mostra que, pela crucialidade das organizações de educação superior no mundo
de hoje, a gestão exige conhecimento profissional e, especialmente, um “core” gestionário forte e
competente (CLARK, 2004), enquanto condição de sustentabilidade. Nesse sentido, são
identificadas, no âmbito da produção internacional, as seis principais áreas de pesquisa ligadas à
gestão: práticas gerenciais, governança e líderes, desenvolvimento institucional e história, estrutura
institucional, economia institucional e relações entre Educação Superior e comunidade (TIGTH,
2003 p. 137).
A pesquisa institucional assentada em dados e informações é entendida como basilar para a
tomada de decisões de gestão. A dimensão organizativa das instituições e práticas sociais humanas
acompanha o processo amplo, complexo e contraditório da sociedade. Portanto, assume caráter
contraditório, tanto na teoria como na prática, tendo traços tanto de gestão gerencial como
autogestionária. A gestão assume o caráter gerencial e heterogestionário, quando as pessoas são
tratadas como recursos dentro de uma perspectiva de produtos a serem disponibilizados para o
mercado. No entanto, a gestão assume o caráter democrático privilegiando valores autogestionários
quando o conjunto das pessoas age de forma co-responsável no acompanhamento e no controle dos
programas e das pesquisas. Esta é a razão pela qual o termo gestão, pode assumir o sentido amplo
de administração, incluindo política, planejamento, avaliação e caráter inovador, como também
pode limitar-se ao sentido restrito dos aspectos rotineiros, como afirmam Franco e Wittmann
(2006).
Ao se tratar da gestão de Programas de Pós-graduação Interdisciplinares os desafios parecem
redobrar, pois além de envolver uma gama de pressupostos conceituais, muitas vezes diversos,
também se defronta com a realidade recente da Pós-graduação brasileira, na qual existem
programas que não estão ligados diretamente a um campo disciplinar específico.
Os Programas analisados se inserem em um movimento da produção de conhecimento no
qual as fronteiras disciplinares estão cada vez mais permeáveis e a busca pelo diálogo entre e para
além das disciplinas se tornam necessárias diante da complexidade das questões colocadas à
humanidade. É neste espaço de contradições, avanços e retrocessos que este estudo se inseriu.
Entendendo, pois, que o processo de gestão pode tornar-se catalizador da produção de
conhecimentos que visam superar a fragmentação e a dualidade no fazer científico, o que não o
impede de, também, cercear e limitar estas mesmas iniciativas.
Na busca de entendimento de tais ponderações, dois estudos foram eleitos para subsidiar a
pesquisa, perfazendo seu locus analítico. O primeiro estudou oito Programas de doutorado
interdisciplinares, tendo como metodologia análise de conteúdo das Propostas dos Programas e
entrevistas com gestores. O segundo teve como base pronunciamentos de gestores e docentes sobre
a qualidade na gestão da educação superior no transcurso de um evento específico.
Assim, a estrutura do texto, organizada em três eixos - Pós-graduação no Brasil; Programas
Interdisciplinares e; Gestão da Pós-graduação e da pesquisa - trazem, para além da organização do
texto, explicitar os caminhos percorridos nas análises.
2. Pós-graduação no Brasil
No Brasil, historicamente a educação superior4, de maneira geral, e as universidades, em
especial, ocupam espaço de relevância na pesquisa e na produção de conhecimento científico. Em
detrimento às críticas dispensadas à produção acadêmica, o ponto de consenso parece ser a função
que as universidades têm desempenhando na formação de profissionais, pesquisadores e líderes para
atuar nas mais variadas áreas, tanto no setor público, quanto privado. Para tanto, o Sistema Nacional
de Pós-Graduação (SNPG) ocupa lugar privilegiado nesse processo de formação.
A racionalidade lógico-instrumental, como modelo dominante de sociedade e
desenvolvimento, institucionalizou-se na forma de mudanças estruturais das instituições de Ensino
Superior a partir da Reforma do Ensino Superior de 1931. Nesse processo, a pesquisa passou a ter
um papel preponderante e, sendo assim, desenvolveu-se dentro das instituições, a partir de
iniciativas individuais e, posteriormente, pela criação de laboratórios. A criação da CAPES, em
4
A Educação Superior no Brasil tem como marco histórico a vinda da família real. Nesse contexto, foram criadas as
primeiras escolas superiores, com fortes orientações profissionalizantes, baseadas principalmente no modelo francês
(centralizador e seletivo). As escolas superiores tinham como missão abrigar os membros da corte e reproduzir a
burocracia que o reinado demandava.
1951, com o objetivo de “assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade
suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados que visam o
desenvolvimento do país”5 é considerada um marco na história do sistema universitário brasileiro.
A CAPES foi criada no contexto do processo de industrialização do segundo governo de Getúlio
Vargas, em que as ideias liberais de progresso e independência se consolidavam aliadas à
necessidade concreta de formar especialistas e pesquisadores para atuarem no país.
A Reforma Universitária de 1968 é outro marco na consolidação da Pós-graduação ao tratar
da indissociabilidade entre o ensino e a pesquisa. A ideia de universidade liberal, aliada à grande
expansão no Ensino Superior, ocorrida no final dos anos de 1960, favoreceu que a década seguinte
fosse caracterizada por fortes investimentos na área da Pós-graduação. O movimento de expansão
da Pós-graduação, a partir de 1972, foi decisivo na criação de condições para a emergência do
SNPG e, consequentemente para a introdução da avaliação nesse nível de ensino, que veio confluir
para o estabelecimento e a consolidação do Sistema de Avaliação da Pós-graduação implantado pela
CAPES. O Sistema de Pós-graduação criado em 1976 foi alvo de diversas reformulações ao longo
do processo de expansão dos cursos de Pós-graduação, os quais são amplamente reconhecidos
como ajustes do modelo adotado. Uma das mudanças mais substantivas ocorreu em 1988, mudança
essa compatível com o desenvolvimento científico e tecnológico no entorno da inserção
socioeconômica da Pós-graduação no modelo de desenvolvimento prevalente.
Na década de 1990, a necessidade de mudança se torna mais palpável, tanto que inúmeras
providências gradativamente foram tomadas pela CAPES para superar dificuldades inerentes ao
modelo de avaliação adotado. O modelo adotado em 1996, segundo a CAPES (1998), também se
configurou como inadequado, seja pela perda do poder discricionário da escala utilizada, seja pela
incapacidade de retratar a heterogeneidade dos estágios de desenvolvimento das diferentes áreas de
conhecimento, pois as “... comparações eram predominantemente intra-áreas, sem um nível
razoável de uniformidade dos parâmetros adotados pelas diferentes áreas”.
Em 1998, um novo modelo de avaliação foi traçado. Suas doze diretivas convergem para
cinco pontos que se entendem como basilares: a) o caráter regular, continuado e sistemático da
avaliação que envolve avaliações continuadas; b) o caráter colegiado participativo com expressão
no fortalecimento do Conselho Técnico Administrativo e Técnico-Científico num nítido
isomorfismo de critérios; c) avaliação integrada por programa de pós-graduação, e não por curso; d)
a adoção de padrões internacionais – incluindo aqui a vinculação explícita e direta entre avaliação e
financiamento −; e e) a elaboração de estudos sobre diferentes áreas e do sistema de pós- graduação
(CAPES, 1998).
5
Decreto n. 29.741, de 11 de julho de 1951.
Vários são os motivos que levaram o SNPG e o Sistema de Avaliação por ele implantado a
ocupar lugar de destaque no sistema de educação superior do país, servindo até mesmo de
referência para outros países da América Latina. Alguns dos principais motivos estão relacionados à
expansão da Pós-graduação (Gráfico 1) e ao pioneirismo da CAPES –, vinculado principalmente ao
poder que obteve nos governos militares.
Gráfico 1. Expansão do Sistema Nacional de Pós-graduação (1998-2009).
3000
2250
1500
750
0
do
tora
do
stra
Me
1998
Dou
nal
do
tora
do
stra
Me
ou
eD
do
stra
Me
io
fiss
Pro
al
Tot
2009
Fonte: Geocapes (2010).
O gráfico demonstra aspectos importantes da expansão do Sistema Nacional de Pós-
graduação no país, a iniciar pelo acesso aos dados que permitiram sua construção. Isso foi possível
devido ao sistema de coleta, armazenamento e disponibilidade dos dados, que fazem parte do
processo de avaliação instituído como “melhoria do sistema operacional”. Dentre as diversas
críticas que o Sistema de Avaliação recebe, o ponto que parece consenso é a capilaridade que o
Sistema proporcionou. Hoje, é possível ter acesso aos dados referentes à Pós-graduação do país, e
essas informações tornaram-se fundamentais para a consolidação e para a expansão do Sistema.
A expansão do Sistema é justamente outro ponto a considerar. Em dez anos de reformas e
avaliação, o processo de expansão foi significativo: em 1998, o número de mestrados e doutorados
totalizava 1.259; e, em 2009, esse número se expandiu para 2.718 (GEOCAPES, 2010). Morosini e
Franco (2000) identificaram três fases de expansão da Educação Superior no Brasil: a de expansão
das instituições, a de expansão da Pós-graduação e a fase de expansão do Sistema como um todo.
Estudos mais recentes indicam uma estreita vinculação entre a expansão da Pós-graduação e a
qualificação docente. Para Franco e Morosini (2008), a fase que agora tem presença é da expansão
qualificada, isto é, orientada para a abertura de espaços aos que estariam possivelmente excluídos
do sistema e que se concretiza em estratégias direcionadas para a equidade e a democratização do
acesso.
No que concerne à avaliação, os principais objetivos estabelecidos hoje pela CAPES (2008)
são: a) estabelecer o padrão de qualidade exigido dos cursos de mestrado e de doutorado e
identificar os cursos que atendem a tal padrão; e b) fundamentar os pareceres do Conselho Nacional
de Educação (CNE) sobre autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento dos cursos
de mestrado e doutorado brasileiros − exigência legal para que estes possam expedir diplomas com
validade nacional reconhecida pelo Ministério da Educação.
Com relação aos critérios de avaliação, os diferentes cursos e programas obedecem a uma
matriz comum. No entanto, há variações entre as diversas áreas do conhecimento. As principais
diferenças referem-se, principalmente, aos pesos dos diferentes critérios. Estes estão centrados
principalmente nos quesitos referentes às Propostas dos Programas (áreas de concentração e às
linhas de pesquisa; à estrutura curricular; à infraestrutura) Corpo Docente; Corpo Discente, Teses e
Dissertações; Produção Intelectual e Inserção Social. Hoje essa discussão parece estar cada dia mais
premente principalmente porque o Plano Nacional de Pós-graduação 2011-2020 (BRASIL, 2010)
traz como uma de suas metas a consolidação e expansão do Sistema e coloca a inter e
multidisciplinaridade como metas a serem atingidas.
Por último, a Pós-graduação nos anos 2000 está se caracterizando pela construção de
modelos, alguns deles orientados pela interdisciplinaridade, outros replicando direções
internacionais, outros ainda atentos aos processos inclusivos. Todos, no entanto, parecem buscar a
inovação, a qualidade, a crítica e o diálogo, mesmo que persistam desafios para concretizá-los
enquanto tal.
3. Os Programas Interdisciplinares
A gênese e o contexto dos Programas Interdisciplinares, como o estudo de Rubin (2011)
demonstrou, encontram-se ligados ao movimento amplo de novas e diferentes formas de pensar e
produzir conhecimento diante da complexidade dos problemas colocados à ciência; da demanda de
profissionais com capacidade para trabalhar em zonas de fronteiras disciplinares; bem como, no
movimento de expansão da educação superior no Brasil e em especial da Pós-graduação.
Atualmente, é possível perceber um movimento, podendo ser considerado ainda tímido, de
novas e diferentes formas de organização acadêmica, o crescimento de grupos de pesquisa que
buscam ultrapassar fronteiras de laboratórios e universidades, de países e continentes. Essa
realidade não parece ser somente uma tendência, mas, como alguns autores (PRIGOGINE, 1996;
POMBO, 2004, entre tantos outros) têm sublinhado, é uma exigência que se impõe diante dos
problemas, cada vez mais complexos.
Diante de todas essas iniciativas, o que se pode observar é que há um movimento em direção
a interligações entre instituições e países; ao diálogo entre diferentes áreas e diferentes saberes.
Liedke Filho (2003), analisando a vida sociocultural de países latino-americanos na
contemporaneidade, afirma que os movimentos se caracterizam como clima cultural progressivo.
Dessa forma, o contexto em que os Programas Interdisciplinares ora analisados está inserido é de
novas e diferentes formas de produção de conhecimento, formação profissional e de pesquisadores.
Os primeiros Programas surgiram em meados dos anos 1990 por iniciativas de professores-
pesquisadores com larga experiência na Pós-graduação disciplinar e na pesquisa multi e
interdisciplinar em institutos e grupos de pesquisa. Na fala de alguns dos interlocutores esse foi um
movimento de busca de espaço para consolidar a pesquisa multi e interdisciplinar, buscando abrir
novas frentes dentro da Pós-graduação.
As propostas foram analisadas, até 1999, por pareceristas ah doc pela ausência de um
Comitê específico no âmbito da CAPES. O crescimento do número de cursos interdisciplinares
credenciados e a demanda, também crescente, pela área motivaram a CAPES, em 1999, a criar um
Comitê Multidisciplinar. Em janeiro de 2008, a Grande Área Multidisciplinar, foi criada alterando a
configuração original da Tabela de Áreas do Conhecimento. Dessa forma, os Programas foram
submetidos às regras da Grande Área Multidisciplinar e Área de Avaliação Interdisciplinar
(CAInter), como diretriz da Comissão, houve a construção de um Documento de Área
Interdisciplinar (2009).
No Gráfico 2 pode ser observada a evolução do número de cursos credenciados pela
CAPES. O crescimento foi expressivo e “desde sua criação em 1999, a área de avaliação vem
apresentando a maior taxa de crescimento entre as comissões da CAPES” (CAInter, 2009, p. 4).
Essa foi sem sombra de dúvidas a área dentro da CAPES que mais cresceu na última década.
Gráfico 2. Evolução do Número de Cursos Credenciados dos Programas de Pós-Graduação da
CAInter − Comissão de Área Interdisciplinar 1999-2010.
400
336
300
228
200
135
100
46
57
1999
2000
71
85
160
244
250
2008
2009
189
104
0
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2010
Fonte: CAPES (2009; 2010).
4. Gestão da Pós-graduação e da pesquisa
Franco e Afonso (2010) analisaram documentos veiculados em evento sobre qualidade6 e
identificaram categorias sobre qualidade na gestão da Educação Superior: Políticas Institucionais e
sistema de decisão sobre pesquisa, Responsabilidade Social da Instituição de Educação Superior,
Políticas e programas para fomento da pesquisa, Gestão da informação e socialização do
conhecimento, Qualificação acadêmica profissional/funcional e sustentabilidade e Impacto
acadêmico, social e econômico da pesquisa e transferência de tecnologia (FRANCO e AFONSO,
2010).
Nestas categorias e suas definições podem ser identificados desafios que têm presença na
gestão da Pós-graduação de maneira geral e aqui de forma específica nos Programas analisados. Na
categoria de políticas institucionais e sistema de decisão sobre pesquisa, que tem presente o
conhecimento como missão da universidade e o respectivo espaço organizacional e estrutural para a
tomada e implementação de decisões, a limitação advém das políticas já estabelecidas que moldam
a Pós-graduação e os critério de sua avaliação. O desafio maior é a argumentação condizente que
mostre as peculiaridades de cada área envolvida sem perder a perspectiva interdisciplinar.
6
Jornada de qualidade e gestão da universidade. GEU 20 anos - PPGEdu/PPGSociologia - UFRGS. Observatório de
Educação/CAPES/INEP. FACED, UFRGS, 9 e 10 de Dezembro de 2008.
No caso dos Programas analisados estes se consolidaram a partir do pioneirismo, aliado a
experiências de professores/pesquisadores em programas disciplinares consolidados e em grupos de
pesquisa multi e interdisciplinares em áreas de fronteira e com problemáticas complexas, em que a
multi e interdisciplinaridade é uma necessidade. Esse pioneirismo forçou um repensar de áreas de
avaliação da CAPES que culminou com a organização da nova Grande Área denominada
Interdisciplinar. Esse foi um caminho trilhado ao longo de uma década e que evidencia o caráter
arbitrário e histórico da divisão disciplinar como aponta Raynaut (2004).
Na categoria de Responsabilidade Social da Instituição de Educação Superior, que envolve
segundo as autoras a cultura de ética em pesquisa, mas, também programas de pesquisa
institucional voltados para a comunidade e problemas sociais, o desafio é a busca e construção de
conhecimentos que sejam, ao mesmo tempo, inovadores e voltados para a comunidade em sua
dimensão social e de desenvolvimento regional.
Nesse sentido as análises apontaram principalmente para a necessidade de um repensar do
processo de avaliação em que o quesito Inserção Social aparece no processo de avaliação como
item qualitativo. Os Programas Interdisciplinares ao proporem construir diálogos “entre” e “para
além” das disciplinas, constroem uma relação com a comunidade local, na maioria das vezes de
parcerias e trocas em que o diálogo de saberes - na direção apresentada por Leff (2004) e Sousa
Santos (2006) - é constituidor dos Programas. Esse é um processo característico do conhecimento
que se pretende multi e interdisciplinar e, para tanto, necessita não apenas de reconhecimento, no
processo de avaliação, mas, sobretudo, torna-se compreendido como necessário no processo de
gestão e avaliação.
Na categoria Políticas e Programas para fomento da pesquisa que inclui previsão e busca de
fontes de financiamento e promoção da investigação, o desafio maior é a construção de estratégias
para lidar com as restrições financeiras. Outro desafio é adentrar com qualidade as possibilidades
que estão sendo abertas na atual política governamental que atinge não só a Pós-graduação, mas, a
educação superior como um todo. Nessa direção o Programa Ciência sem Fronteiras (CAPES/
CNPq, 2011) se coloca como uma estratégia de incremento financeiro com bolsas de graduação
sanduíche, doutorado e pós-doutorado, buscando expandir a mobilidade acadêmica docente e
estudantil.
No que tange a construção interdisciplinar o desafio ainda é a abertura de linhas de
financiamento à pesquisa direcionadas para este fim. Alguns editais - ainda tímidos se comparados
ao montante das áreas disciplinares - surgem buscando incentivar estudos e pesquisas multi e
interdisciplinares. A exemplo do Observatório da Educação/ Edital - 2010, no qual esta pesquisa se
vincula. O Edital apresentou como um dos eixos a serem priorizados “as abordagens
multidisciplinares de áreas de conhecimentos afins: ciências humanas, ciências da natureza e
linguagens.”
Outro espaço que se busca é junto ao CNPq, para a abertura de um Comitê Multidisciplinar
para julgar projetos desta natureza. Esta seria mais uma medida na direção das políticas
institucionais e sistema de decisão sobre pesquisa.
Na categoria de Gestão da informação e socialização do conhecimento que abrange pontos
tais quais os meios de divulgação de informação sobre as políticas e programas institucionais, o
desafio é instalar e manter estruturas que permitam à socialização de documentos nacionais e
internacionais pertinentes as possibilidades e formas de financiamento, de bases de dados
facilitadoras de decisões sobre pesquisas com financiamento, bolsas de Pós-graduação e pesquisa,
bolsas de pós-doutorado, prêmios de produtividade e mobilidade acadêmica.
Além disso, torna-se necessário estabelecer um padrão quanto aos critérios do sistema de
avaliação Qualis7; ou seja, há na maioria das vezes uma disparidade nos critérios de avaliação de
uma área para outra e, como os veículos de divulgação interdisciplinares ainda são em número
reduzido, as publicações tendem a se concentrar em veículos disciplinares, o que pode prejudicar a
avaliação final do Programa.
Na categoria Qualificação acadêmica, profissional/funcional e sustentabilidade que
contempla o número de doutores, professores trabalhando em tempo integral, professores com
tempo disponível para a pesquisa, número de grupos de pesquisa entre outros aspectos, um dos
desafios está na consolidação de grupos de pesquisa em diferentes áreas do conhecimento com
flexibilidade para desenvolver pesquisas multi/interdisciplinares. O critério é o de que os grupos
não sejam constituídos apenas na relação entre professor e orientados, mas que efetivamente
congreguem pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento e, para além do conhecimento
científico, construam e consolidem o diálogo de saberes, almejado pela maioria dos Programas
analisados.
Na categoria Impacto acadêmico, social e econômico da pesquisa e transferência de
tecnologia que subentende o uso de novas tecnologias e construção de mecanismos de transferência
tecnológica, o desafio que se vislumbra é aferir efetivamente os impactos na sociedade circundante,
impactos estes não limitados ao crescimento econômico, mas ligados ao crescimento da qualidade
7
Qualis é o conjunto de procedimentos utilizados pela Capes para estratificação da qualidade da produção intelectual
dos programas de Pós-graduação. A classificação de periódicos é realizada pelas áreas de avaliação e passa por processo
anual de atualização. Esses veículos são enquadrados em estratos indicativos da qualidade - A1, o mais elevado; A2;
B1; B2; B3; B4; B5; C - com peso zero (CAPES, 2011).
de vida na comunidade. Cabe registrar que para Franco e Afonso (2010) os resultados da produção
da Pós-graduação devem repercutir na sociedade e devem ser mecanismos de avaliação sistemática
dos impactos de pesquisa na comunidade, nas empresas, assentados na cooperação e parcerias com
diferentes setores da sociedade.
Os Programas analisados têm na sua maioria uma relação estreita com a comunidade a qual
estão inseridos. No entanto, ainda parece ser um desafio aferir, de forma mais sistemática, o que
isso representa no escopo tanto da produção do conhecimento interdisciplinar, quanto do impacto
efetivo do conhecimento produzido nas comunidades locais.
É importante salientar que, embora as políticas governamentais e as práticas institucionais
sejam encaminhadoras de diálogo e de ações compartilhadas, um ponto que perdura em todas as
categorias é o fato de que as relações parecem carecer de amadurecimento e de efetivo incentivo a
uma relação universidade-sociedade não excludente e com marcante orientação social.
5. Considerações Finais
Ao analisar limites e desafios colocados no processo de gestão dos Programas de Pós-
graduação Interdisciplinares é possível perceber limitações de uma gestão articuladora entre várias
áreas do conhecimento que os compõem dentro de uma estrutura universitária segmentada e
avaliada preponderantemente com bases na produtividade acadêmica.
Não surpreende, pois que a qualidade na gestão da educação superior, especialmente
articulada à pesquisa traga desafios limitativos para a Pós-graduação. Um destes é a construção
efetiva de uma estrutura informacional ancorada na pesquisa institucional, estrutura esta assumida
como basilar para a tomada de decisões de gestão. Acrescenta-se ainda o desafio de colocar lado a
lado das decisões técnicas à participação democrática dos envolvidos.
É inegável que a Pós-graduação brasileira passa por um período de reestruturação, centrada
em processos de avaliação quantitativos. Entretanto, as mudanças também podem ser observadas
em propostas orientadas pela multi e interdisciplinaridade; por novas modalidades de oferecimento
e tentativas de inserção internacional. As diferentes propostas ainda esbarram na limitação do pouco
espaço à cultura do diálogo de saberes, bem como pela dificuldade de alguns campos disciplinares
se inserirem efetivamente em grupos internacionais, de modo a oportunizar mobilidade docente
e discente multidirecional. Estes limitantes parecem prejudicar a inovação, a qualidade acadêmica e
a construção interdisciplinar. Ressalta-se a necessidade de fortalecer movimentos em direção às
interligações e diálogos entre instituições e países, entre áreas e saberes.
Algumas políticas governamentais e práticas institucionais encaminham para diálogos
interdisciplinares, assim como, para ações compartilhadas como ficou evidenciado ao longo do
trabalho. No entanto, uma longa caminhada ainda persiste, impregnada de muitos dos fatores
limitantes levantados. Um dos maiores desafios parece ser a produção de conhecimento
interdisciplinar alicerçada no dialogo entre e para além de campos disciplinares e que o
conhecimento produzido se impregnem de benesses sociais quanto ao seu uso.
Referências
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Plano Nacional de Pós-Graduação – PNPG 2011-2020 – Brasília, DF: CAPES, 2010.
CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. A reformulação do
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Maria Estela D P Franco, Marlize Rubin