O Mundo pós-Guerra Fria
Voltaire Schilling
O mundo que se constituiu no último decênio do século XX apresentou-se totalmente diferente
das décadas anteriormente conhecidas. O Grande Cisma que separou a Terra em dois blocos
ideológicos rivais cessou de existir em 1989 e a palavra globalização correu pelo planeta quase
como um efeito mágico.
Pela primeira vez na história moderna um cenário político mostrou-se favorável à integração de
boa parte da humanidade num sistema econômico,político e social em comum. Todavia se está
ainda bem longe de entender a Era pós-Guerra Fria como um jardim florido crescendo em paz a
sombra de um sol universal, generoso e igualitário.
Os Efeitos da Revolução Russa
A Revolução Russa de 1917 provocou uma enorme cisão na história
contemporânea, um abismo que separou por quase setenta anos o
mundo em dois hemisférios hostis que quase o levaram a uma
hecatombe nuclear. Parecia que desde aquela época um outro Tratado
de Tordesilhas havia sido traçado separando o capitalismo do
socialismo.
Primeiramente, a fim de evitar um possível contágio revolucionário, as
Potências Ocidentais impuseram a então República dos Sovietes a
política do "cordão sanitário"(expressão de Georges Clemenceau,
presidente da França). Desde o Outubro Vermelho a Rússia
revolucionária foi transformada numa nação de parias, numa casta de
intocáveis ideológicos.
Durante os primeiros anos da década de 1920 nenhum país do concerto ocidental estava
autorizado a estabelecer qualquer tipo de relação diplomática ou comercial com a URSS.
Isolamento esse que fez a Rússia mergulhar numa política paranóica que conduziu à tirania
stalinista e a uma industrialização forçada que esmagou os desejos de liberdade despertados em
1917.
Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), derrotadas as forças do Nazi-fascismo e do
Mikado japonês, foi à vez da URSS tomar a iniciativa de apartar-se.
Temerosa da nova coligação ocidental formalizada pela criação da OTAN (Organização do
Tratado do Atlântico Norte), que desde 1948 englobava a maioria dos países da Europa
Ocidental liderados pelos Estados Unidos, Stalin fez baixar sobre o território controlado pelo
Exército Vermelho uma "Cortina de Ferro" (expressão usada por Winston Churchill, num discurso
feito em Fulton, nos EUA, em 1946).
Deste modo, ampliou-se o perímetro do seu isolamento, incluindo-se nele, além da União
Soviética, parte da Alemanha, as fronteiras da Tchecoslováquia e da Hungria.
A formação dos dois blocos, o Ocidental e o Soviético, depois da Segunda Guerra Mundial,
provocou como conseqüência uma temerária corrida armamentista entre ambos, cada um deles
com mortíferos arsenais atômicos, gerando gastos bélicos estimados em U$ 17 trilhões de
dólares, entre 1948-1988. Parecia que o planeta terra havia se tornado as duas faces da lua,
uma desconhecendo a outra.
O Fim da Corrida Atômica
Todavia, uma série de acordos acertados desde 1961 entre o presidente John Kennedy e o
primeiro-ministro soviético Nikita Kruschev, conduziram aos grandes tratados antiatômicos dos
anos oitenta assinados entre o presidente Ronald Reagan e o presidente da URSS Mikhail
Gorbachov que puseram fim a Guerra Fria.
O regime comunista, debilitado internamente e sem recursos materiais para continuar na corrida
armamentista e tecnológica, havia jogado a toalha no chão do ringue. Ainda assim calcula-se
que existam entre 12 a 19 mil armas nucleares nos diversos arsenais espalhados pelo
mundo(metade delas pertencente aos EUA)
Não só isso. Antecedido pela derrubada do Muro de Berlim, ocorrida em novembro de 1989
(linha de tijolos, cimento e arame farpado que separava a cidade de Berlim em duas áreas
hostis), o até então tido como sólido Império Soviético, começou a se desmantelar. Em 1991, ele
deixou de existir pulverizado em 16 países independentes, sendo que a República Federativa da
Rússia continuou com sua posição proeminente dentro de um contexto de derrota ideológica e
moral.
Paralelamente a isso, os países satélites, a Polônia, a Hungria, a Romênia, a Bulgária, a
Tchecoslováquia e a Alemanha Oriental (oficialmente designada como República Democrática da
Alemanha), viram-se livres da tutela militar soviética, exercida desde 1945, depois que
poderosas manifestações de massa dominaram as capitais do Leste europeu.
As multidões saíram às ruas a favor da democracia e para por um término no monopólio político
exercido pelo partido comunista.
O Colapso do Socialismo Real
O aquecimento global: novo inimigo da sociedade
industrializada
Deste modo conseguiram sepultar no Leste europeu o
regime dito do Socialismo Real (designação cunhada pelo
secretário-geral do Partido Comunista da URSS Leonid
Brejnev).
Façanha vitoriosa que foi possível em vista da retirada das
tropas soviéticas do Afeganistão, onde estavam lutando
contra os mujahideen, os guerreiros muçulmanos, desde 1980 (recuo esse que foi uma
confissão pública do fracasso militar do Exército Vermelho).
O afrouxamento da tensão mundial, que já vinha se manifestando desde a segunda metade dos
anos 70, acelerou-se ainda mais com o término da Guerra Fria. Situação que em larga parte
deveu-se à adoção da política da Glasnost e da Perestroika, as reformas liberalizantes e
democratizantes comandadas por Mikhail Gorbachov na União Soviética, a partir de 1986.
Com o colapso do sistema coletivista naufragaram as doutrinas vindas dos tempos de Karl Marx,
morto em 1883, que apostavam na construção de sociedades igualitárias por meio de uma
economia planificada e sob controle de um partido único.
No seu lugar difundiram-se a partir dos Estados Unidos as teorias da Escola Neoliberal a favor
do mercado, inspiradas em economistas como Friedrich Hayek (A Estrada da Servidão, 1944),
filósofos como Karl Popper (A Sociedade Aberta e seus Inimigos, 1945), e cientistas como
Michael Polanyi (A Lógica da Liberdade, 1951) que se opunham à presença do estado na
economia e nos mais diversos aspectos da vida em sociedade.
O Fim das Ditaduras
Desde então, encerrado o Grande Cisma ideológico entre Ocidente e Oriente, as ditaduras
caíram como castelos de cartas (Anastácio Somoza, na Nicarágua, Erich Honecker, na Alemanha
Oriental, Nicolau Ceausescu na Romênia,General Leopoldo Galtieri na Argentina, General
Augusto Pinochet no Chile, General Haji Suharto na Indonésia, Ferdinando Marcos nas ilhas
Filipinas, o General Mobutu Sese Seko no Zaire, e assim por diante).
Por igual, teve fim o Regime Militar no Brasil, em 1986, e a "Ditadura Perfeita" exercida pelo
Partido Revolucionário Institucional no México, de 1929 a 2000. Regimes de exceção esses que
antes eram apoiados por uma ou outra superpotência passaram a não ter mais razão de ser.
Naqueles decênios de 80 e 90 ocorreu a maior conversão à democracia em toda a história da
humanidade. Desde a queda do Muro de Berlim uma onda de liberdade varreu o globo em todos
os sentidos, fazendo com que a Casa da Liberdade (expressão de Timothy Garton Ash) saltasse
dos 35 estados democráticos existentes em 1975 para 112 em pouco mais de vinte anos.
Todavia, além da débâcle soviética, o que causou maior repercussão internacional foi o
abandono da economia coletivista por parte da China Comunista e sua adesão ao sistema
capitalista. O líder dessa radical reorientação modernizadora foi o secretário-geral do Partido
Comunista Deng Xiaoping que, a partir de 1980, determinou a fixação de cinco Zonas Especiais
(nas cidades de Shenzhen, Zhuhai, Shantou, Xiamen e província de Hainan. Shenzhen), que
passaram a acolher as grandes corporações capitalistas ocidentais.
Desde então a nação chinesa apresentou índices espantosos de desenvolvimento, integrando no
universo do consumo mais de 350 milhões dos seus habitantes. Seguramente a economia do
mundo inteiro sentiu fortemente os efeitos daquela ampliação do mercado.
Globalização
O desmantelamento da URSS e a capitulação da China Comunista promoveu a líder mundial à
única superpotência que restou: os Estados Unidos da América, transformados numa
hiperpotência desses Novos Tempos do pós-Guerra Fria.
O desaparecimento das fronteiras ideológicas e econômicas, com a subseqüente absorção das
antigas potências comunistas pelo mercado internacional, promoveu Washington como a sede
da hegemonia dos norte-americanos sobre o mundo inteiro.
O país que antes reinava sobre a metade do planeta, passou a comanda-lo quase que por
inteiro, tanto assim que o dispêndio norte-americano para a guerra (armas convencionais,
táticas e estratégicas), chegou a mais de 40% do que o restante dos países até então gastavam.
Abriam-se deste modo os caminhos para uma acelerada globalização econômica e cultural sob a
égide do capitalismo anglo-saxão. Nunca como desde então os Estados Unidos, a Grã-Bretanha,
e a Austrália estiveram tão alinhados aos mesmos propósitos.
Um cenário inédito na história da humanidade então se formou num repente, nos quais os
capitais e investimentos passaram a trafegar por todos os lados sem se arrepiarem frente a
quaisquer barreiras. Uma rede de bolsas de valores interligadas estabeleceu um eficiente colar
sobre o mundo negociando bilhões de dólares diariamente.
Estende-se de Nova York à Londres e à Frankfurt, indo até Tóquio no Japão e Xangai na China.
Simultaneamente a isso, a essa liberdade universal dos capitais, a industria da informática
assumiu a vanguarda das inovações, tendo como seu motor impulsionador o computador e a
Internet.
O novo ordenamento econômico
Desaparecido o "ódio ideológico" que opunha o capitalismo ao comunismo, ou a democracia
liberal à ditadura soviética, as nações espalhadas pelo globo trataram de compor-se segundo
sua proximidade geográfica.
Os estados europeus apressaram os seus processo de unificação por meio da União Européia
(hoje composta por 27 países). Os da América do Norte (EUA-Canadá-México), por sua vez, se
acertaram pelo Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (North American Free Trade
Agreement) ou Nafta, enquanto que os do continente sul-americano associaram-se pelo
Mercosul (Argentina-Brasil-Paraguai e Uruguai).
O mesmo ocorrendo com a formação da União Africana (com 53 membros), e assim por diante.
Esta nova composição internacional na busca da formação de mercados mais amplos, liberou as
energias nacionais para que uma integração universal mais eficaz e lucrativa tivesse início,
crescendo por igual a interdependência entre os países de um modo geral.
As antigas bases de soberania absoluta exercida pelo Estado-Nacional como se conhecia desde
os tempos da Paz de Westfália, de 1648, começaram a ruir, assim como as decisões políticas
plenamente autônomas.
Nenhum governante dos dias de hoje pode tomar decisões sem levar em conta os estados que
lhe são próximos e os interesses gerais da ordem mundial que hoje temem os efeitos da
expansão industrial pelo planeta. Nunca as diferentes partes do mundo se pareceram tanto entre
si como agora.
Resumo dos Novos Tempos
Geopolítica: o encerramento da Guerra Fria entre 1989 e 1991 alçou os EUA como a única
hiperpotência, tendo como conseqüência a hegemonia do capitalismo norte-americano sobre
todos os demais, ao tempo que dólar, ainda que tenha que rivalizar-se com o euro da União
Européia, firmou-se como moeda internacional.
Ideologia: o colapso ideológico do Marxismo, que acompanhou o fim da União Soviética, e a
paralisia da social-democracia européia daí decorrente, promoveu o Neoliberalismo como nova
ideologia do capitalismo pós-Guerra Fria. Isso trouxe como conseqüência a repulsa à presença
estatal na vida econômica, dando ensejo a uma generalizada política de privatizações das
empresas públicas, adotada em larga parte do mundo.
Democracia: regimes democráticos sucederam as ditaduras em praticamente todos os
continentes, fazendo com que pela primeira vez na história o número de regimes baseados no
sufrágio universal e nos direitos do homem superassem as tiranias e os regimes de partido
único.
Economia: o processo de Globalização Econômica, iniciado de fato com as Grandes Descobertas
e Navegações do século XV, se acelerou ainda mais, promovendo um elevado patamar de bem
estar social na maioria dos paises. Países vizinhos do mesmo continente passaram a conformar
blocos econômicos: União Européia, Nafta, Mercosul, União Africana, etc.)
Internacionalização: ocorreu a ampliação da interdependência entre as nações e povos,
acompanhada pelo enfraquecimento do Estado-Nacional e da política local, dando lugar a
proeminência das instituições supranacionais (ONU, União Européia, Otan, OMC, FMI, etc.)
Cultura: a língua inglesa virou língua franca, difundindo-se ainda mais graças à nova linguagem
da informática, ao tempo em que a cultura norte-americana (cinema, vídeos, música, moda, etc.)
se expandiu ainda mais rapidamente pelo mundo. O computador ligado à Internet tornou-se o
novo veiculo da globalização, permitindo comunicações intercontinentais entre empresas e entre
indivíduos sem nenhuma intervenção do estado ou das autoridades.
Ecologia: as políticas ambientalistas passaram a rivalizar com as imposições do desenvolvimento
econômico e social, questionando as medidas voltadas para a industrialização e consumo de
massa. A Ecologia tornou-se uma espécie de religião universal de preservação da natureza,
enquanto o "aquecimento global" , com seus possíveis desastres climáticos, é a nova
preocupação das entidades preservacionistas.
Crise: o Oriente Médio (com as tradicionais desavenças entre o Estado de Israel e seus vizinhos
árabes, atraindo os EUA e a União Européia como co-participantes dos litígios), se converteu
num Novo Bálcãs, fonte permanente de instabilidade e de guerras, enquanto o Islamismo ocupa
o lugar do comunismo como "novo inimigo do Ocidente", sendo que a luta contra o terrorismo
serve como bandeira para a mobilização permanente dos Estados Unidos e seus aliados para
intervirem no Oriente Médio e na Ásia Menor.
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