A relação natureza/trabalho/sociedade no limite do real1 Rosana de O. S. Batista, Profª. Drª de Geografia e pesquisadora GPECT/UFS [email protected] José Danilo S. de Araújo. Aluno da Graduação e Pesquisador do GPECT [email protected] Daniela Feitoza Santos. Aluna da Graduação e Pesquisadora do GPECT [email protected] A análise da relação sociedade/natureza/trabalho é fruto de intensos debates nos estudos atuais da ciência geográfica. Nesse sentido, o objetivo desse artigo éiniciar uma reflexão na dimensão ontológica dessa relação, a qual legitima a dependência e exploração, mediante a centralidade do trabalho, no meio social. Para tanto, nos utilizamos dos estudos de G.Lukàcs, Marx e Engels, a fim de analisar a centralidade do trabalho, bem como as bases ontológicas do pensamento e da atividade do ser humano mediante a natureza, bem como entender o papel definitivo e regulador da vida social.A categoria trabalho tem sido amplamente usada para explicar a sociedade, visto que é através do trabalho que o homem consegue explorar e alterar a natureza. Destarte, é a partir do entendimento da conexão entre natureza/sociedade/ trabalho, que o processo desigual e combinado das relações sociais no sistema capitalista de produção éexplicado em sua totalidade. Palavras-Chave: Sociedade, Natureza, Trabalho, Desigualdade Social. Introdução A análise da relação sociedade/natureza/trabalho é fruto de intensos debates nos estudos atuais da ciência geográfica. Partindo desse princípio e buscando uma compreensão histórica dessa ralação, percebe-se que desde o as primeiras civilizações é possível encontrar o processo desigual e combinado da sociedade. Nesse sentido, a natureza é utilizada como objeto de exploração, inicialmente como valor de uso no consumo das sociedades nômades e, posteriormente,enquanto valor de troca servindo para extração de quase todos os seus recursos. 1 Este artigo faz parte de uma pesquisa voluntária, em fase inicial, sendo realizado pelos dois autores/pesquisadores do GPECT/Grupo de Pesquisa Estado Capital Trabalho, com o apoio do Departamento de Geografia na Universidade Federal de Sergipe. 1 Nessa perspectiva, pode-se afirmar que existe umparadoxona relação sociedade/natureza, sendo que esta se encontra mediada pelacapacidade de aprimoramento humano pelo trabalho, a qual eleva este Ser a uma condição de sociabilidade, produzindo o espaço onde vive. De acordo com Lukàcs (1969), a essência do trabalho consiste precisamente em ir além dessa fixação dos seres vivos na competição biológica com seu ambiente. Afirma ainda que, o momento essencialmente separatório é constituído não pela fabricação de produtos, mas pelo papel da consciência, a qual, precisamente aqui, deixa de ser mero epifenômeno da reprodução biológica: o produto, diz Marx, é um resultado que no início do processo existia "já na representação do trabalhador", isto é, de modo ideal (LUKÀCS, 1969). O trabalho realizado pelo homem é nesse caso consciente, além disso, os demais animais o realizam por mera reprodução biológica, enquanto que o trabalho humano para Marx (2009) pode ter duas dimensões: o trabalho assalariado, que permite ao trabalhador poder de troca por mercadorias e o trabalho concreto que por sua vez o resulta em produtos que por sua vez possuem valor de uso. Nesse sentido, este artigo propõe iniciar uma discussão relevante acerca da relação sociedade/trabalho/natureza, na dimensão ontológica dessa relação apoiando-se nos estudos de Lukács e Karl Marx, acerca da centralidade do trabalho, e seu papel definitivo e regulador da vida social. Para tanto, foram feitas reflexões analíticas acerca dos conceitos-chaves aqui apresentados, a fim de entender em sua totalidade o processo desigual e combinado do capital. “Saber/poder”: a dominação da sociedade sobre a natureza na modernidade. A busca pela reconexão sociedade/natureza seria uma das relevâncias no fenômeno da crise ambiental2 de nossos dias. Esta crise convoca-nos, para um debate científico e filosófico acerca do comportamento humano e sua relação com o meio ambiente. 2 Segundo Larrère (LARRÈRRE, 1997.p.9), a crise ambiental,entre outras análises é vista como “uma enorme quantidade de danos, precisos, de poluições localizadas, de perigos identificados, mas também de catástrofes exemplares (Seveso, Bhopal, Chernobyl, a “morte do mar Aral, as marés negras”) e ao mesmo a provável ameaça que paira sobre nossos recursos naturais” (...). 2 Essa problemática ambiental vai emergir como uma crise civilizacional que, de certo modo, vai questionar paradigmas do conhecimento, bem como os modelos societários da modernidade, defendendo a necessidade de construir outro pensamento, o qual seja orientado por novos valores éticos; por modos de produção sustentados em bases ecológicas e culturais, bem como novas formas de organização social. “A crise ambiental, na sua dimensão global, põe em causa a universalidade moral de uma humanidade desligada da natureza e as fronteiras do político que ignoram os fenômenos ambientais” (LARRÈRE, 1997.p.259). Com efeito, esta mudança de paradigma social leva a transformar a ordem econômica, política e cultural, que, por sua vez, é absolutamente necessário sem uma transformação das consciências e dos comportamentos das pessoas. E nesse sentido, “a educação se converte em um processo estratégico com o propósito de formar os valores, as habilidades e as capacidades para orientar a transição na direção da sustentabilidade” (LEFF, 1999.p. 112). Essa formação vai além de um processo de capacitação que busca ajustar habilidades profissionais ás novas funções e normas ecológicas dos processos produtivos e para criação e controle das novas tecnologias. Contudo, ultrapassa a apropriação de ideias com relação ao modelo global questionado pelos interesses e perspectivas que definem a questão ambiental. A qual segue questionando os modelos sociais dominantes até a emergência de uma nova sociedade que esteja orientada por valores éticos e morais. O debate acerca da questão ambiental trás a tona os avanços da relação entre a tecnologia empregada pelos sistemas capitalistas e sua relação com a natureza. Nessa direção, observa-se que as ideias implantadas para o avanço do capital em nada combinam com a relação de proteção da natureza. De acordo com Carson, “o homem perdeu a capacidade de prever e prevenir. Ele acabará destruindo a Terra”. (CARSON, 1964, p.305). A partir da década de 1960, uma relevante preocupação na relação sociedade/natureza vem à tona, tornando-se o paradigma do mundo contemporâneo. O livro clássico “primavera silenciosa” de Raquel Carson em 1964 é um dos primeiros alertas, sobretudo, como advertência aos efeitos cumulativos de intensas contaminações químicas, que em longo prazo conduziram a vida na Terra a uma catástrofe (DANTAS, 2011). Nesse alerta, a autora, afirma que a natureza vem 3 sofrendo um golpe histórico. No entanto, as forças da natureza são colossais e acabariam reagindo contra uma sociedade que não era guiada por qualquer preocupação racional, de equilíbrio ou preservacionista.Rachel reconhece que, ainda há pouca consciência – uma consciência muito limitada – quanto à natureza de ameaça. Esta é uma época de especialistas; cada especialista vê o seu próprio problema; e não forma noção, ou não tolera o estudo da moldura maior em que sua especialização se enquadra. Esta é, também, uma era dominada pela indústria; nesta época, o direito de auferir lucros, seja lá por que custo for muito raramente é discutido. (CARSON, 1964, p. 23). Por essas razões é que o capital não combina com a noção de preservação dos recursos naturais. A natureza é constantemente desgastada para que se atinjam os objetivos de uma classe dominante que privilegia o lucro acima de qualquer coisa. “corriqueiramente os objetivos da classe dominante não são os objetivos da sociedade como um todo”. (DANTAS, 2011, p. 31). Desde a modernidade, as ações humanas são medidas com mais intensidade a partir dos avanços da ciência moderna(THOMAS, 1988). A técnica auxiliou as forças produtivas que promoveram uma modificação na produção espacial. Ideias empiristas e mecanicistas vão alavancar desenvolvimentos tecnológicos e industriais, movidos pela necessidade de encontrar fontes energéticas para um desenvolvimento técnico (ROUANET, 1993). Nesse sentido, o que se observou durante o decorrer histórico foi a ampliação da exploração da natureza para o que inicialmente era defendido como “suprir” as necessidades humanas. No entanto, à medida que as atividades capitalistas foram se desenvolvendo, intensificando-se e se modernizando, a natureza passou a ser altamente explorada, desta vez, não só para suprir as necessidades do homem, mas para ser considerada também como mercadoria. (CONCEIÇÃO, 2001). É essa relação sociedade/natureza, mediada pelo trabalho, que surge a explicativa imperialista colonial dos europeus na América, África, Ásia e Oceania. O centro da discussão passa a ser direcionado contra o modo de produção e consumo presentes na vida humana, já que estessão considerados como responsáveis pela crise do meio ambiente, indicando a necessidade de encontrar a reintegração da 4 relação homem versus natureza, através de ações práticas articuladas ao processo ecológico, tecnológico e cultural, conforme os estilos de vida, a partir das potencialidades ecológicas locais (CONCEIÇÃO, 2001: 5). O modelo econômico vigente vai defender uma contínua exploração dos recursos naturais, que surge mascarada pela ideia de uso consciente, em busca de um comprometimento das futuras gerações. Para Conceição (2001), o importante é perceber que a ideia de desenvolvimento sustentável vai colaborar com o que é de mais insustentável em nosso tempo histórico, a saber: o consumismo. Pois este “discurso tornou-se a estratégia para o desvio dos problemas sociais e políticos” (CONCEIÇÃO, 2001, p. 7). Assim,vem a tona toda uma reflexão global acerca de uma possível harmonia sociedade/natureza, a qual vai mascarar a falácia de um possível desenvolvimento sustentável entre as nações na atualidade. Nesse sentido,entender a centralidade do trabalho na relação homem/natureza é primordial para pensarmos além do que está posto, enquanto verdade absoluta. A centralidade do trabalho e a relação sociedade/natureza. As últimas décadas têm sido marcadas como passagem de uma crise na relação homem/natureza, que é indicada como “crise do nosso tempo”. Esta crise denominada de formas diferenciadas: crise da história, crise da razão, crise da civilização, crise ambiental (CONCEIÇÃO, 2001). Contudo, a leitura que tem sido feita sobre essa está alicerçada acerca da categoria analítica“ambiente”. Esta retira da discussão as relações sociais, que são produzidas no tempo histórico levando a perda da visão da totalidade, enquanto referência na unidade dialética sociedade/natureza(MARX, 1988). Nesse sentido, a teoria crítica faz observar a dimensão histórica em que se reveste a natureza, na medida em que os homens passam a definir a existência nas suas formas de uso e retiram da natureza suas condições de vida, estas estabelecem as relações definidoras de dependência da sociedade mediante a natureza(MARX, 1988). Considerandoque a questão ambiental está no âmbito da relaçãoeconômica, a ciência geográfica vai corroborar com a reflexão na dimensão da relação do par 5 dialéticonatureza/sociedade, tendo como mediação primeira o trabalho. Nesse sentido, o natural e o social passam a serenvolvidos no mesmo processo na dimensão histórica, enquanto possibilidade de apropriação dos seres humanos pelas suas práticas na natureza. De acordo com Conceição (2001),“a sociedade não é imediatamente natureza, mas o processo de metabolismo pela natureza através da razão” (CONCEIÇÃO,2004, p,2). Nesse sentido, entende-se que a razão/sociedadepassa a ser definidora na dominação da natureza pelo trabalhoe pelo aprimoramento da técnica e da ciência, levando a um processo irracional do uso dos recursos provenientes da natureza. Para Leff (2001), todas as sociedades devem e podem ser consideradas irracionais, na destruição dos nexos naturais, uma vez que se apoiam na falácia da infinitude do poder do homem sobre a natureza.Assimilando aspectos do pensamento ambiental e procurando integrá-los à teoria que reflete acerca do Ser social, poderemos iniciar por um questionamento que está vigente como paradigma atual na ciência geográfica e, nessa temática observa-se que com as alterações das forças produtivas, o capital torna-se totalizador da natureza. A relação capital/trabalho/natureza torna-se mais estreita e destrutiva as crises do sistema capitalista, sobretudo, pela ameaça a sobrevivência humana na produção da riqueza.O trabalho como fonte de toda riquezaé, com efeito, ao lado da natureza, encarregada de fornecer os materiais que ele converte em riqueza. O trabalho, porém é muitíssimo mais do que isso. É a condição básica e fundamental de toda a vida humana. É em tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem (CONCEIÇÃO, 2001). Na trajetória evolutiva do homem, a ciência vai enumerar categorias para explicar o ser social. Quando surge a necessidade do trabalho, surge também uma espécie de consciência e um desenvolvimento no processo de reprodução orgânica, ou seja, essa necessidade surge como consequência do seu desenvolvimento(LUKÀCS, 1968). Apesar de que a essência do trabalho consiste precisamente em ir além dessa fixação, cujo momento ápice se constitui com o papel da consciência.No plano em que a delimitação entre o material a natureza orgânica e o Ser social, é feita pela consciência(LUKÀCS, 1968). Outros paradigmas surgem no bojo dessa 6 discussão, como a liberdade e a necessidade, que só podem ser de fato evidenciadas em outra leitura a ontológica. Em que também a consciência tem papel efetivo. Destarte tem-se razão que o animal foi “humanizado” através do trabalho e se constituiu homem. As mediações ontológicas como somente em função da satisfação das necessidades, foram fixadas no processo de reprodução do indivíduo ou da sociedade, levando sempre em conta o movimento complexo do trabalho(ENGELS, 2009). O trabalho é um ato de por consciente e, portanto, pressupõe um conhecimento concreto, e uma das suas características ontológicas é seu aperfeiçoamento, e uma das suas diferenciações (LUKÀCS, 1968). A separação sempre relativa se da no próprio trabalho concreto que tem lugar entre o conhecimento, mas também com finalidades e meios. Essa diferenciação também se dar de uma forma relativa aperfeiçoada de divisão do trabalho. E com isso surge a diferenciação social de nível superior e o nascimento das classes sociais, com interesses antagônicos, isso tudo se constitui uma base espiritual-estruturante em que o marxismo denomina de ideologia, ou seja, as contradições das modalidades produtivas suscitaram os conflitos, em que a ideologia produz formas em que os homens tornam-se conscientes desses conflitos e nesses se inserem mediante a luta. O progresso é decerto uma síntese das atividades humanas, mais não o aperfeiçoamento no sentido de uma teleologia qualquer, ou seja, o progresso sob forma de objetivo econômico aparece sempre sob formas de novos conflitos (ROUANET, 1993). A individualidade aparece ai como uma categoria do ser natural, assim como o gênero. A necessidade de uma ontologia materialista tornada histórica constitui-se em mostrar que o homem como produtor e produto da sociedade realiza em seu ser algo mais elevado, logo esse gênero humano é convertido em algoconsciente de si.Assim, a contradição das desigualdades do desenvolvimento sempre provocou consequências, o progresso unidade na contradição de regressão. É a consciência que da sustentação a ideia de progresso humano a renovação da ontologia que se constitui no elemento essencial do ser social, e da necessidade de se compreender uma concepção materialista do que é real. 7 Para não concluir A categoria trabalho tem sido amplamente usada para explicar a sociedade, visto que é através do trabalho que o homem consegue explorar e alterar a natureza(ANTUNES, 1995). Pode-se dizer que este explica claramente a divisão da sociedade em classes, as relações dos homens, entre outras. Entretanto, há quem considere que o trabalho não é responsável mais pela organização da cidade, mas aos avanços tecnológicos fizeram com que houvesse mudanças na produção, as máquinas por serem as responsáveis por maior parte do processo produtivo, o ser humano se restringiu a função de seu controle. Destarte, arelevância em levantar essa questão nos dias atuais baseia-se em duas questões principais que reafirmam a importância do trabalho na compreensão da sociedade:uma questão é que a divisão social permanece e as desigualdades só têm aumentado com o processo de mundialização do capital e a segunda é que independente da função exercida todos que vendem a força de trabalho se enquadram na categoria „trabalhador‟ e, dessa forma, tornam-se submissos sempre ao poder do capital. Nesse sentido, faz-se necessário buscar o entendimento do conceito de trabalho, enquanto categoria assessória na ciência geográfica em busca de uma explicativa acerca do movimento que está tomando a relação sociedade/natureza/trabalho nos dias atuais. O trabalho, nesse caso, não vai ser restringido apenas em concreto, já que é notória a expressividade que o trabalho abstrato possui por ser a condição fundamental de toda vida humana, Engels (2009) ainda vai para, além disso, reafirmando que o trabalho, por si mesmo, criou o homem.Além disso, o trabalho ainda permanece enquanto categoria organizadora da sociedade pelo nível de desenvolvimento tecnológico, que é desigual, não podendo dessa forma explicar a realidade de todo o planeta. Destarte, a relevância em pensar essa relação vai além de uma simples explicativa do real. Em busca da profundidade/totalidade das relações capitalistas, desiguais e combinadas é que a chamada crise ambiental vai sendo equacionada aos problemas individuais, sem uma reflexão acerca das questões também humanas que são afetadas no processo de exploração da natureza. A questão 8 ambiental nesses últimos anos vem sendo tratada enquanto simulacro de uma relação mais profunda que se justifica pela exploração do/pelo capital. Referências ANTUNES, R. Qual a crise da sociedade do trabalho? In: Adeus ao Trabalho? SP, Cortez/Ed. UNICAMP, 1995, pp.73-114. ARAÚJO, Ronaldo Marcos de Lima. A respeito da centralidade do trabalho, 2010. BATISTA, Rosana de Oliveira Santos. Natureza e Sociedade: as contribuições de Rousseau acerca da moral e da ética ambiental. (dissertação de mestrado – universidade Federal de Sergipe). 2010. CARSON, R. Primavera Silenciosa(silente spring). 1964. CONCEIÇÃO, Alexandrina Luz. A Insustentabilidade do Desenvolvimento Sustentável. 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