1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
CENTRO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
CURSO DE MESTRADO ACADÊMICO EM EDUCAÇÃO
GERALDO MAGELA DE OLIVEIRA-SILVA
CINEMA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
EM CURSOS DE LICENCIATURA
FORTALEZA – CEARÁ
2013
2
GERALDO MAGELA DE OLIVEIRA-SILVA
CINEMA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
EM CURSOS DE LICENCIATURA
Dissertação de mestrado submetida a defesa
junto à Linha de Pesquisa Didática e Formação
Docente/ Eixo Temático Didática, Arte,
Formação e Desenvolvimento Profissional
Docente do Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Estadual do Ceará
– UECE.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Socorro Lucena
Lima
FORTALEZA – CEARÁ
2013
3
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Estadual do Ceará
Biblioteca Central Prof. Antônio Martins Filho
Bibliotecário Responsável – Francisco Welton Silva Rios – CRB-3/919
O48c
Oliveira-Silva, Geraldo Magela
Cinema e formação de professores em cursos de licenciatura /
Geraldo Magela de Oliveira-Silva. -- 2013.
CD-ROM. 126 f. : il. ; 4 ¾ pol.
“CD-ROM contendo o arquivo no formato PDF do trabalho
acadêmico, acondicionado em caixa de DVD Slim (19 x 14 cm x 7
mm)”.
Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual do Ceará, Centro
de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação, Fortaleza,
2013.
Área de Concentração: Formação de Professores.
Orientação: Profa. Dra. Maria do Socorro Lucena Lima.
1. Formação cultural docente. 2. Formação profissional docente.
Cinema. 3. Didática. 4. Licenciatura. I. Título.
CDD: 372.4
4
GERALDO MAGELA DE OLIVEIRA-SILVA
CINEMA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES
EM CURSOS DE LICENCIATURA
Dissertação apresentada ao Curso de
Mestrado Acadêmico em Educação do
Centro de Educação da Universidade
Estadual do Ceará, como requisito parcial
para obtenção do Título de Mestre em
Educação.
Área
de
concentração:
Formação de Professores.
Aprovada em: 26/ 04/ 2013.
BANCA EXAMINADORA
Prof.ª Dr.ª Maria Socorro Lucena Lima (Orientadora)
Universidade Estadual do Ceará – UECE
Prof.ª Dr.ª Maria Marina Dias Cavalcante
Universidade Estadual do Ceará – UECE
Prof. Dr. Pedro Rogério
Universidade Federal do Ceará – UFC
5
Dedico este trabalho a Cláudia,
mulher da minha vida, Heitor, filho
amado, razão do meu caminhar e a
meus pais, Vicente e Augusta,
exemplos de vida, meus amores.
6
AGRADECIMENTOS
A Prof.ª Dr.ª Maria Socorro Lucena Lima, pela orientação e amizade no decorrer
deste trabalho.
Aos meus pais, Vicente e Augusta, sem os quais não estaria aqui, pelo amor.
Aos meus irmãos, Galba, Vanerça, Rosa Paula e Valeska, pelo carinho e incentivo.
Aos alunos dos cursos de Licenciatura em Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade Estadual do Ceará, partícipes deste trabalho, pela gentil colaboração
na pesquisa de campo.
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação – PPGE da Universidade Estadual
do Ceará, por me proporcionar a realização deste estudo.
Ao Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Educador – GEPEFE, o
primeiro grupo de pesquisa que me acolheu e me incentivou a enveredar pelos
caminhos da pesquisa.
A todos os familiares e amigos que estiveram ao meu lado – em especial, Tânia,
Roberto e Ramona –, pelo apoio e amizade.
A Prefeitura Municipal de Fortaleza, pela concessão de afastamento e incentivo
financeiro acadêmico para a realização desta pesquisa.
7
É preciso entender a educação como um
processo cultural amplo que ultrapassa os
limites da escola. Esse é um esforço
empreendido por uma parcela considerável
de estudiosos que ampliam a concepção de
pedagogia, tomando toda pedagogia como
cultural e incluindo na expressão “pedagogia
cultural” aquelas que são produzidas em
locais sociais distintos da escola.
(Elí Henn Fabris, 2008, p. 121)
No écran da vida não passo inerte;
Sou diretor e protagonista do meu próprio filme.
(Geraldo Magela de Oliveira-Silva)
8
RESUMO
Esse trabalho possui o objetivo de compreender a influência do cinema na vida
cultural e na formação pedagógica dos estudantes dos cursos de licenciatura em
Filosofia e em Ciências Sociais da Universidade Estadual do Ceará – UECE. A
pesquisa contou com 19 alunos – dez homens e nove mulheres. Destes, nove
alunos cursam licenciatura em Ciências Sociais (quatro homens e cinco mulheres) e
dez cursam licenciatura em Filosofia (seis homens e quatro mulheres). Trata-se de
uma pesquisa exploratória, de abordagem qualitativa com base em Minayo (2007).
Primeiramente foi necessário fazer um levantamento bibliográfico, identificando
fontes que favoreceram a análise proposta; depois se foi ao campo de pesquisa e se
utilizou como técnicas de coleta de dados, com suporte em Minayo (2007), a
entrevista de sondagem de opinião, bem como se fez uso da observação
participante, instrumentalizadas por dois questionários estruturados; e por fim, para
analisar os dados, empregou-se o Método de Interpretação de Sentidos, com base
em Gomes (2007). Os referenciais teóricos utilizados foram Pinto (1959; 1960; 1979)
e Bourdieu (2003), pois percebem que a educação não se encontra desvinculada
das questões sociais, políticas e culturais e deve ser pensada com base na
compreenção do ser humano como produtor de cultura. Também foram utilizados os
trabalhos de Nóvoa (2009); Penin (2009); Imbernón (2010a; 2010b); Guimarães
(2010); Gatti (2011) e Pimenta (2011), para problematizar a formação docente;
Duarte (2009), Silva (2007) Napolitano (2009a; 2009b), Morin (1997) e Fusari (2009),
para proporcionar o diálogo entre cinema e educação; e Nogueira (2010), Almeida
(2010), Pucci (1995), Gatti; Barreto (2009), para compreender o que é formação
cultural. Ao final, concluiu-se que o cinema é um artefato cultural que colaborou na
formação cultural e profissional dos licenciandos, sujeitos desta pesquisa; que existe
uma potencialidade no cinema que vai além do seu uso instrumental, mas que os
espaços educacionais, inclusive a Universidade, não sabem como explorar,
limitando o seu emprego, na maiora das vezes, na mediação dos conteúdos
institucionais de forma instrumental; e que o cinema possibilita, com amparo em
atitude crítica, o conhecimento de múltiplas dimensões (metodológica, axiológica,
cultural, política e didática) na perspectiva de análise do trabalho docente na sala de
aula.
Palavras-chave: Formação Cultural Docente. Formação Profissional Docente.
Cinema. Didática. Licenciatura.
9
ABSTRACT
This work has the objective of understanding the influence of cinema in cultural and
pedagogical training of students of undergraduate courses in Philosophy and Social
Sciences at the State University of Ceará - UECE. The research involved 19 students
- ten men and nine women. Of these, nine students undertake degree in Social
Sciences (four men and five women) and ten are studying degree in Philosophy (six
men and four women). This is an exploratory qualitative approach based on MINAYO
(2007). First it was necessary to review the literature, identifying sources that favored
the proposed analysis, then went to the field of research and was used as data
collection techniques, supported in MINAYO (2007), the interview survey of public
opinion, as well as be made use of participant observation, instrumented by two
structured questionnaires, and finally, to analyze the data, we used the method of
interpretation of meaning, based on Gomes (2007). The theoretical framework were
Pinto (1959, 1960, 1979) and Bourdieu (2003), because they realize that education is
not divorced from social, political and cultural thought and should be based on the
comprehension of the human being as a producer of culture . We also used the work
of Nóvoa (2009); Penin (2009); Imbernon (2010a, 2010b), Guimarães (2010), Gatti
(2011) and Pepper (2011), to discuss teacher training; Duarte (2009), Silva (2007)
Napolitano (2009a, 2009b), Morin (1997) and Fusari (2009), to provide dialogue
between cinema and education, and Nogueira (2010), Almeida (2010), Pucci (1995),
Gatti; Barreto (2009 ), to understand what is cultural formation. At the end, it was
concluded that the cinema is a cultural artifact that collaborated in cultural and
professional training for future teachers, subjects in this study, that there is a
potential film that goes beyond its instrumental use, but that the educational spaces,
including the University do not know how to exploit, limiting its use in maiora of times,
the institutional mediation of the contents of instrumental form, and that cinema
allows, with support in critical attitude, knowledge of multiple dimensions
(methodological, axiological, cultural, political and didactic) the analytical perspective
of teaching in the classroom.
Keywords: Cultural Teacher Vocational. Vocational Teacher. Cinema. Didactic.
Licensure.
10
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO.......................................................................................... 12
Percurso formativo, relação com o objeto e delineamentos da
pesquisa................................................................................................... 12
Percepção do problema.......................................................................... 18
Objetivos.................................................................................................. 21
Problematização...................................................................................... 23
2
CINEMA, ARTE E EDUCAÇÃO: HISTÓRIA E FORMAÇÃO CULTURAL........................................................................................................... 27
2.1
Um pouco de história.............................................................................. 27
2.1.1
Surgimento de Hollywood.......................................................................... 32
2.1.2
A expansão do cinema no mundo............................................................. 32
2.1.3
Que venha o som!..................................................................................... 33
2.1.4
O cinema brasileiro.................................................................................... 34
2.2
Cinema, sociedade e educação.............................................................. 38
2.2.1
A arte imita a vida, ou a vida imita a arte? Como o cinema retrata a
profissão docente...................................................................................... 40
3
A FORMAÇÃO CULTURAL DOCENTE: CONTRIBUIÇÕES DO
CINEMA..................................................................................................... 44
3.1
Formação docente: contradições, desafios e abordagens................. 48
3.2
Cinema e formação cultural docente..................................................... 54
3.3
Cinema, educação e formação docente................................................ 57
4
PERCURSO METODOLÓGICO............................................................... 60
4.1
O tipo de pesquisa...................................................................................60
4.2
O ciclo da pesquisa................................................................................. 61
4.3
O cenário e o locus da pesquisa............................................................ 63
4.3.1
Didática e pesquisa: convergências para a formação docente................. 64
4.4
Os sujeitos da pesquisa.......................................................................... 66
4.5
Técnicas e instrumento de coleta de dados......................................... 67
4.6
A escolha do método de análise e interpretação dos dados.............. 39
5
ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS DA PESQUISA............... 72
5.1
O cinema como possibilidade de ampliação cultural.......................... 72
11
5.1.1
O lugar do cinema na formação cultural.................................................... 73
5.1.2
A relação com o cinema na infância.......................................................... 80
5.1.3
A relação com o cinema na adolescência................................................. 85
5.1.4
A relação com o cinema atualmente......................................................... 87
5.1.5
A significação do cinema como arte.......................................................... 91
5.2
O cinema como possibilidade de formação docente........................... 94
5.2.1
O cinema e a formação docente................................................................ 94
5.2.2
Os filmes que marcaram a formação......................................................... 99
5.2.3
Limites e possibilidades da linguagem fílmica como estratégia de
ensino........................................................................................................ 105
6
CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................... 112
REFERÊNCIAS......................................................................................... 115
APÊNDICES.............................................................................................. 122
12
1 INTRODUÇÃO
Percurso formativo, relação com o objeto e delineamentos da pesquisa
A pesquisa tem de ser a continuidade da vida do pesquisador [...]
todo conhecimento é fusão de sujeito e objeto.
(GHEDIN; FRANCO, 2011, p.123)
As obras audiovisuais cinematográficas permearam toda a nossa formação.
Por meio das imagens sonorizadas em movimento, especialmente por intermédio de
filmes a que assistimos, buscamos a possibilidade de leitura da realidade como
forma de reflexão.
Desde tenra idade, a ausência momentânea de pais atarefados em seus
trabalhos cotidianos, proporcionou que com a parceria de nossos irmãos
desenvolvêssemos o hábito de estar constantemente em casa, na companhia da
televisão. Não tínhamos acesso a uma programação diversificada, apenas
assistíamos ao conteúdo dos canais abertos, especialmente aos desenhos
animados e aos filmes infantis. Assim, foi por meio da televisão que tivemos acesso
ao cinema.
Recordamo-nos do prazer que sentíamos ao assistir a filmes infantis e
desenhos animados na TV antiga de casa, ainda em preto e branco, incrementada
por uma tela “pluricromática”, que possibilitava ver partes da imagem na cor verde,
outra na cor azul, outra na cor vermelha etc., formando um mosaico interessante e
atrativamente divertido que nos hipnotizava por um tempo significativo.
Na escola, tanto no ensino fundamental como no médio, não foram poucas as
vezes em que os professores utilizaram o filme na sala de aula, premiando-nos com
uma diversão em meio às densas aulas conteudistas e expositivas. Com efeito, a
exibição do filme era recurso para entretenimento, sem uma apropriação intencional
que previsse sua utilização como linguagem sintetizante, pois amalgama tempo e
espaço, som e imagem em movimento, com o emprego de técnicas diversas e
efeitos capazes de transmitir uma mensagem envolvente e significativa.
Pudemos experimentar o cinema, pela primeira vez, indo ao Cine Theatro São
Luiz, na Praça do Ferreira, para assistir ao filme Os Saltimbancos Trapalhões, em
1981. Não conseguimos descrever a magia que vivenciamos ao sermos envolvido
pelos encantos da Sétima Arte, mas foi uma experiência marcante que nos encheu
13
de alegria.
A partir daí, nos tornamos assíduo frequentador de cinema, assistindo a
tantas outras produções não apenas no Cine Theatro São Luiz1, mas também em
outros espaços que foram extintos – Cine Diogo, Cine Fortaleza, Cine Jangada –
que ocupavam grande importância na época, décadas de 1980 e 1990. Atualmente,
preservamos o costume de frequentar os cinemas da cidade. As opções são várias:
Cine Kinoplex North Shopping, Cine Shopping Benfica, Cine Centerplex do Shopping
Via Sul, Cine Arcoíris Del Paseo, Cine Arcoplex Pátio Dom Luis, Cine Multiplex no
Shopping Iguatemi são alguns espaços de exibição, de caráter comercial, que se
destinam ao entretenimento e lazer. Destacamos o Espaço Unibanco de Cinema, no
Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, pela proposta de levar ao público filmes de
qualidade artística e cultural, não facilmente encontrados nas salas comerciais. A
parceria, contudo entre o importante equipamento cultural com o Unibanco/Itaú
cessou no dia 29/04/2012, por motivos de “insegurança no entorno do local e pouca
afluência de público ao projeto”, conforme matéria jornalística do Blog de Cinema do
Diário do Nordeste2, dando espaço a projeto similar da Fundação Joaquim Nabuco3,
que assumiu as duas salas.
É digno de nota o Cine Benjamin Abrahão, localizado na Casa Amarela
Eusélio Oliveira juntamente à Universidade Federal do Ceará – UFC. Neste, há um
dinâmico trabalho de cineclubismo, cuja proposta aponta para a formação de
espectadores críticos, sendo um espaço não comercial que se destina à exibição de
cinematografia clássica e debates, contando com a presença de docentes e
profissionais do audiovisual. Também fazemos menção ao trabalho realizado pela
Vila das Artes, espaço institucional da Prefeitura Municipal de Fortaleza, que oferece
gratuitamente diferentes formatos de cursos e atividades, como mostras de filmes,
1
Após ter sido, desde 19/08/2005 até o mês de julho de 2010, arrendado à Federação do Comércio
do Estado do Ceará – Fecomércio, funcionando como Centro Cultural SESC Luiz Severiano Ribeiro,
o teatro teve suas atividades encerradas. Em outubro de 2011, o prédio foi adquirido pelo Governo do
Estado do Ceará, destinado a ser um equipamento cultural público e, entre tantas possibilidades
artísticas e culturais ofertadas, intencionou sediar a Secretaria de Cultura do Estado [
http://www.tvceara.ce.gov.br/noticias/governo-do-estado-assina-compra-do-cine-theatro-1 ]. Passou a
acolher, desde o dia 17/05/2012, a Universidade do Trabalho Digital – UTD, iniciativa do Governo
Estadual, usado para oferecer cursos gratuitos em Tecnologia da Informação e Comunicação – TIC [
http://www.centec.org.br/index.php/noticias/81-ultimas/1117-inaugurada-a-universidade-do-trabalhodigital-utd ]. (Acesso em 7/2/2013).
2
http://blogs.diariodonordeste.com.br/blogdecinema/mercado-exibidor/cinemas-do-dragao-do-marfecham-dia-29-2-exibidores-disputam/ (Acesso em 25/01/2013).
3
http://blogs.diariodonordeste.com.br/blogdecinema/mercado-exibidor/salas-do-dragao-do-mar-agorafundacao-joaquim-nabuco/ (Acesso em 25/01/2013).
14
debates, encontros e intervenções artísticas. No primeiro semestre de 2012,
realizamos o curso “Cinema brasileiro contemporâneo”, oferecido pela Escola
Pública de Audiovisual – Vila das Artes, em parceria com a Universidade Federal
Fluminense – UFF. Ministrado em caráter presencial com transmissão on-line do
Teatro Gláucio Gill, no Rio de Janeiro, e um fórum de discussões veiculado por meio
de um grupo virtual4, o curso foi de grande importância para a compreensão do
cinema nacional nas suas mais diferenciadas expressões, no sentido de lhe
evidenciar as múltiplas cosmografias.
Foi ainda no percurso do Ensino Fundamental que conhecemos a Casa
Amarela Eusélio Oliveira, da UFC, participando de algumas palestras, verdadeiras
aulas proferidas por Eusélio Oliveira. Também tivemos a oportunidade de assistir a
alguns filmes e curtas, bem como de participar de debates sobre eles após cada
exibição. Não recordamos os filmes a que assistimos, mas é inesquecível o jeito
atencioso com que éramos recebido pelo Eusélio, apresentando a nós e aos colegas
as dependências da Casa Amarela e falando-nos da programação até então
desenvolvida e em cartaz. Hoje, apesar da tristeza que sentimos pela perda
prematura de seu idealizador, não podendo mais encontrá-lo como outrora,
retornamos feliz à Casa Amarela e realizamos o curso de “Cinema e vídeo” que tem
sido mais uma experiência enriquecedora no percurso que vimos desenvolvendo.
Outro episódio que marcou nossa relação com a linguagem audiovisual,
especialmente por intermédio da televisão e do cinema, foi a aquisição do nosso
primeiro aparelho de Vídeo VHS. Nesta ocasião, pudemos alugar em locadoras, e
até mesmo comprar, tantos filmes que se tornou mais do que um hobby o hábito de
a eles assistir. Nesse período, deu-se o processo de nossa formação como
espectador de cinema, pois passamos a nos interessar pelo filme, a ler as sinopses,
a conhecer sua origem espaciotemporal, a pesquisar a trajetória do seu diretor e
elenco, a relacioná-lo com outras produções e contextos, a buscar leituras mais
críticas de análise cinematográfica que possibilitassem outras compreensões da
história contada e respondessem a curiosidade sobre cada película.
Na Universidade, durante os cursos de Teologia e Pedagogia, assisti a muitos
filmes em sala de aula como parte do conteúdo estudado. Apesar da proposta de
cada curso, e especificamente de cada disciplina, o filme era utilizado com um papel
4
[email protected]
15
secundário, meramente ilustrativo, a fim de colaborar com a matéria, texto lido e
exposições verbais do professor. Mesmo assim, percebemos que o trabalho com
audiovisuais trouxe contribuições ao processo de formação, agregando ao conteúdo
escolar outras perspectivas e possibilidades para novas reflexões.
Depois de concluir nossa formação inicial, integramo-nos ao corpo docente do
sistema estadual de ensino. Ingressamos em 2002 no ensino público, por meio de
um concurso temporário para o cargo de professor, promovido pela Secretaria da
Educação do Ceará – SEDUC, após nos graduar em Pedagogia, naquele mesmo
ano, pela Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA.
Antes, contudo, de trabalhar como professor, tivemos algumas experiências
na docência, em diversas monitorias que assumimos nas salas de aula da Educação
Básica e, também, no Ensino Superior. Essas experiências impulsionaram-nos a
enveredar para a área do magistério, pois nos proporcionaram vivenciar
possibilidades e limites na docência.
Em 2002, por ocasião de nosso ingresso em sala de aula como professor,
lembramos de que estávamos ansioso; esperávamos cumprir essa nova
responsabilidade com afinco, mesmo sabendo que teríamos de enfrentar
dificuldades e desafios, pois, como escreveu Gadotti (2003, p.4), "escolher a
profissão de professor não é escolher uma profissão qualquer". E desde aquele
momento até aqui vivenciamos experiências significativas no desenvolvimento da
atividade docente.
A nossa primeira experiência como professor ocorreu no primeiro dia de
regência em uma turma do Ensino Fundamental onde fomos lotado, na Escola CAIC
Raimundo Gomes de Carvalho. A escola era grande, cheia de recursos e aparelhos
educativos, e situada no Autran Nunes, bairro da periferia de Fortaleza, uma
comunidade pobre e com histórico marcado por diversas formas de violência.
A turma, conhecida como “Aceleração”, era composta por alunos com
deficiências, com sérios problemas de aprendizagem e, por este motivo, todos
repetentes; naquela época, o Ensino Fundamental era organizado em ciclos, e essa
turma de aceleração era destinada aos alunos que apresentavam dificuldades,
repetentes e com significativa distorção idade-série. Entre tristeza e alegria, todo dia
teríamos que nos reinventar como professor, utilizando metodologias diversas e
momentos dinâmicos para assegurar o mínimo de aprendizagem para aqueles
16
alunos. Foi um batismo de sangue!
Durante o período em que estivemos nessa turma, buscamos desenvolver
atividades com filmes e lograr êxito, com bons resultados para os estudantes, além
de enriquecer nossa atividade profissional. Aspectos como a ludicidade, a
criatividade, a interpretação, a interdisciplinaridade, a acuidade perceptiva foram
expressas pelos alunos, e observadas a partir do trabalho realizado com a utilização
da obra cinematográfica, especialmente os filmes infantis.
Em 2006, quando do nosso ingresso na Secretaria Municipal de Educação, da
Prefeitura Municipal de Fortaleza – SME, por meio de concurso público, para
orientador
educacional
coordenador
pedagógico
e,
posteriormente,
e
técnico
em
desempenhando
Educação,
as funções
vivenciamos
de
episódios
significativos em diversas escolas e no Distrito de Educação da Secretaria Executiva
Regional V – SER V, onde trabalhamos atualmente. Os acompanhamentos
realizados aos estudantes e suas famílias; as intervenções pedagógicas realizadas
na rotina da sala de aula, junto aos professores, tendo em vista melhores condições
de ensino; o apoio à gestão escolar nos momentos de dificuldades enfrentadas; e
outras atividades realizadas, foram marcantes no desempenho da profissão, com
vistas a ampliar o escopo de atuação e o entendimento das questões relativas à
docência.
Em muitas dessas atividades, tivemos a oportunidade de fazer uso do
audiovisual, especialmente filmes, nos cursos de formação de professores. Quando
desempenhávamos a função de coordenador pedagógico na escola onde então
estávamos lotado – Escola Municipal de Educação Infantil e Ensino Fundamental
João Frederico Ferreira Gomes – era recorrente a prática dessa metodologia nas
semanas pedagógicas e em reuniões com professores. Os filmes escolhidos nessas
ocasiões tinham o papel de estimular a discussão sobre o trabalho docente e a
importância do ofício do professor na escola.
Nas reuniões com os pais, fazíamos a apresentação de trechos de filmes ou
curtas, como forma de sensibilizá-los sobre as temáticas abordadas, conseguindo
atingir a atenção deles e contar com suas atitudes receptivas. Nos intervalos do
recreio, era comum o trabalho com filmes de animação e vídeos educativos para os
alunos; esta atividade proporcionava o contato com temas educativos, promovia
diversão e criava um clima tranquilo, além de evitar as animosidades decorrentes
17
das brincadeiras agitadas e violentas, já que eram realizadas no pequeno espaço
que a escola dispunha, inadequado para a quantidade de pessoas, e que terminava
em prejuízos físicos para os alunos e para o patrimônio escolar.
Quando fomos chamado para trabalhar como técnico educacional no Distrito
de Educação da Secretaria Executiva Regional V – SER V, percebemos que o filme
era um recurso presente nos cursos de formação dos coordenadores pedagógicos,
orientadores e supervisores educacionais. Por vezes, envolvido no processo de
elaboração desses encontros de formação, sugerimos alguns títulos, trechos fílmicos
ou curtas que cabiam na proposta e temática do assunto abordado e no tempo
disponível.
Desenvolvemos diversas experiências com exibições de filmes. Tentávamos
utilizar
o
filme
com
intencionalidade
didática,
fomentando
a
perspectiva
interdisciplinar, possibilitando aos espectadores que se manifestassem ao comentar
e discutir cada filme exibido, relacionando-o com o contexto de vida de cada um,
como forma de realizar a leitura da realidade.
Temos procurado utilizar as produções cinematográficas como possibilidade
didática inovadora, que facilite a reflexão dos conteúdos apresentados; que nos
capacite metodologicamente para o uso da linguagem audiovisual e, inclusive, a fim
de nos habilitar para conhecer e desenvolver a profissão docente.
No período de 2004 a 2007, fomos professor de Teologia, lecionando em
faculdades teológicas em Fortaleza, especialmente no Instituto Cristão de Estudos
Contemporâneos – ICEC. Era um desejo antigo, já que nossa primeira formação foi
o curso de Bacharel em Teologia, pela Universidade Metodista de São Paulo –
UMESP. O convívio com os estudantes e demais professores e os estudos
realizados, numa perspectiva acadêmica, foram importantes para o desenvolvimento
da nossa profissão, mediante a qual decidimos nos preparar para o ensino superior
realizando o curso de Especialização em Docência do Ensino Superior, pela
Universidade Castelo Branco – UCB. Na ocasião, juntamente com um grupo de
amigos do curso de Teologia e da Igreja, resolvemos criar encontros para a
realização de estudos em Teologia e sua contextualização no ambiente social e
cultural em que vivíamos. Como parte da pauta dos encontros, víamos filmes que se
relacionavam com os estudos realizados, como uma espécie de cineclube, o que
possibilitava discussões interessantes e encontros dinâmicos e lúdicos.
18
A participação no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de
Educadores – GEPEFE é outra experiência significativa, considerando que tem
colaborado para a nossa formação. Nos dinâmicos encontros realizados, deparamos
leituras instigantes que nos motivam a refletir sobre a prática docente na perspectiva
dialética da práxis pedagógica. Estes encontros também proporcionam a
possibilidade de estágio em docência superior. Para exemplificar, mencionamos dois
episódios em que estivemos sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Maria Socorro Lucena
Lima, no exercício da docência: o primeiro foi por ocasião da disciplina Didática do
Ensino Superior, ministrada no curso de Especialização em Educação Biocêntrica,
promovido pela UECE, em 2010. O segundo sucedeu no 2º semestre de 2011, por
ocasião da disciplina Didática Geral, lecionada para os cursos de Licenciatura em
Ciências Sociais e Filosofia, no Centro de Humanidades da UECE. Os dois
momentos compõem experiência significativa com vistas a proporcionar o estudo da
Didática e suas possibilidades na caminhada que desenvolvemos como professor.
Um momento importante entre tantas reuniões instigantes do GEPEFE foi a
realizada com o Prof. Dr. José Cerchi Fusari, em que compartilhou com o grupo os
caminhos de seu processo formativo, suas experiências e projetos; dentre os quais o
projeto Luz, câmera... educação! vigente na rede pública educacional da cidade de
São Paulo, onde realizou o trabalho de assessoria curricular para o Ensino Médio.
Nesse projeto, é proposto aos alunos do Ensino Médio o trabalho com filmes com a
finalidade de contribuir para uma formação crítico-reflexiva, ampliando o repertório
cultural, desenvolvendo a competência leitora, além de aproximar o currículo escolar
das questões socioculturais desses alunos.
Percepção do problema
Todas as experiências aqui mencionadas no exercício da docência e as
memórias provenientes deste processo, não apenas na regência de sala de aula,
mas também no cargo de orientador educacional e coordenador pedagógico, e os
percursos formativos na Universidade, contribuíram significativamente para formar a
compreensão do papel mediador do professor, além de nos levar a refletir sobre
algumas questões referentes à formação e buscar respondê-las, a saber: como toda
19
essa trajetória contribuiu para nossa formação cultural? Como essa formação
cultural vinculou-se à formação inicial e possibilitou-nos um desempenho profissional
da melhor qualidade5 na docência?
Essas indagações permitiram-nos perceber a problemática da formação
docente, quase sempre ocorrida em meio a circunstâncias adversas – a dificuldade
financeira por qual se passa na vida, buscando criar condições mais dignas; o
esforço empreendido na tentativa de desenvolver melhor formação que permita a
pessoa se tornar competente na sua atividade profissional; a busca por manter-se
atualizado, ante as constantes transformações tecnológicas de nossos tempos,
sobretudo no campo cognitivo e científico, a fim de desenvolver-se culturalmente.
Para isso, o professor precisa participar de eventos culturais (ir ao cinema, teatro,
museu, shows musicais, viagens), eventos científicos (congressos, simpósios,
palestras, cursos); também estar constantemente a cultivar o hábito da leitura e da
busca de informação (por meio de livros, revistas, jornais, blogs e sites). Ao que
constatamos, tudo isso custa caro e dificulta ao professor a manutenção de sua
formação, seja cultural ou profissional. Diante desse quadro, o professor ainda sofre
com a desvalorização profissional da atividade docente, baixos salários, sobrecarga
de responsabilidades, falta de reconhecimento do papel fundamental que
desempenha, por parte da sociedade e dos governantes.
Não se pode ignorar, nessas circunstâncias, o fato de que as instituições de
ensino
são
influenciadas pelas
constantes modificações
sociais,
culturais,
econômicas e políticas, entre outras, geradas pela crescente revolução tecnológica
no mundo, fator que exige do professor o esforço para se adaptar às tecnologias
emergentes sem abrir mão do senso crítico e da sensibilidade quando do uso destas
mídias, ressignificando os saberes e práticas da sua profissão para melhor se
estabelecer como ser docente.
Dentre as muitas mídias que influenciam na formação dos sujeitos, há uma
que destacamos para o enfoque desta pesquisa: a obra audiovisual cinematográfica.
E essa escolha se deu por duas razões: primeiramente, porque o cinema tem
suscitado fortemente a nossa formação cultural e, por conseguinte, nosso preparo
5
Conforme Terezinha A. Rios, a expressão melhor qualidade relacionada à atividade docente surge
como proposta de um movimento crítico em contraposição à chamada “Qualidade Total”, expressão
mercadológica de caráter neoliberal que se destinava, também, a designar e a mensurar os rumos da
educação. Nas palavras de Rios (2010, p.74): “O que se deseja para a sociedade não é uma
educação de qualidade total, mas uma educação da melhor qualidade, que se coloca sempre à
frente, como algo a ser construído e buscado pelos sujeitos que a costroem.” (Grifo da autora).
20
profissional, como evidenciamos no relato inicial, concorrendo para a percepção da
arte em sua dimensão lúdica, estética, política, cultural e pedagógica. Com efeito,
nossa formação cultural não ocorreu fragmentada ou à parte da formação
profissional. Como esclarece Pimenta (1997, p. 11),
[...] pensar sua formação significa pensá-la como um continuum de formação
inicial e contínua. [...] a formação é, na verdade, autoformação, uma vez
que os professores reelaboram os saberes iniciais em confronto com suas
experiências práticas, cotidianamente vivenciadas nos contextos escolares.
É nesse confronto e num processo coletivo de troca de experiências e
práticas que os professores vão constituindo seus saberes como praticum,
ou seja, aquele que constantemente reflete na e sobre a prática.
Esse entendimento nos faz compreender que a formação é um processo que
perpassa toda a vida, deixando um aprendizado que nos modifica, inclusive, para o
exercício cotidiano da docência. Temos, também, que entender que, por se tratar de
uma autoformação em continuum, pode ser departamentalizada apenas para fins
didáticos de estudo e análise.
Outra razão pela qual optamos por pesquisar o cinema é por ser um veículo
de fácil acesso a todos, perdendo, provavelmente, apenas para a televisão.
Outrossim, a obra cinematográfica pode ser apreciada na sala de exibição
comercial, na sala de aula, na própria residência e em outros locais mediante a
compra, o aluguel em locadora, o acesso pela internet e a veiculação nos mais
diversos dispositivos e aparelhos tecnológicos cuja utilização é cada vez mais
portátil, atraente e fácil de fazer funcionar, o que torna o cinema, por meio de sua
obra, um dos mais significativos e influentes veículos de propagação coletiva.
Foi essa trajetória que nos levou a querer pesquisar sobre a obra
cinematográfica no contexto dos cursos de licenciatura da UECE, com base nas
percepções manifestadas pelos estudantes dos cursos de Filosofia e Ciências
Sociais, e as questões daí provenientes que envolvem a formação destes futuros
professores, uma vez que as experiências e reflexões originárias da formação e
profissão ressaltam a importância social do trabalho docente e proporcionam
condições para compreendê-lo, por meio da pesquisa e do ensino, na perspectiva
teórica e prática.
Além de permear nossa atividade profissional na Educação, como temos
demonstrado até aqui, há tempo esta temática, o cinema na formação docente,
21
desperta nosso interesse e, mais recentemente, no Curso de Mestrado, quando do
estágio de docência, na disciplina Didática Geral, ministrada pela Prof.ª Dr.ª Maria
Socorro Lucena Lima. No decorrer das aulas ali desenvolvidas, sua orientação fez
revigorar nossa paixão pelo assunto e nos proporcionou elaborar a grande pergunta
desta pesquisa: como o cinema, em sua perspectiva artística, influencia a formação
humana do professor e que valores reúne para a formação docente, na percepção
dos alunos dos cursos de licenciatura em Filosofia e em Ciências Sociais da
Universidade Estadual do Ceará – UECE?
Com intenção de buscar compreender a questão proposta, surgiram outros
questionamentos dela decorrentes, a saber: como o cinema se constituiu arte?
Quais eventos históricos referentes ao cinema são evidenciados pelos estudiosos da
área? Como o cinema pode influenciar na formação humana? Quais as teorias
atuais que sustentam a pesquisa sobre formação de professores? Com que saberes,
conhecimentos e experiências o futuro professor constitui seu processo formativo na
docência e qual o lugar do cinema nessa trajetória? Qual o lugar do cinema na
formação dos discentes de licenciatura? Como estes licenciandos percebem a
influência da obra audiovisual cinematográfica em sua formação pedagógica? Que
propostas são apresentadas pelos discentes referentes à obra cinematográfica como
recurso didático?
Objetivos
Ao considerar as questões suscitadas, propulsoras da pesquisa, buscamos
atender os objetivos delineados na sequência.
Objetivo Geral
Compreender a influência do cinema na vida cultural e na formação
pedagógica dos estudantes dos cursos de licenciatura em Filosofia e em Ciências
Sociais da UECE.
22
Objetivos Específicos
1. Refletir sobre a arte cinematográfica e sua história na formação humana,
compreendendo as dimensões simbólica, estética, cultural e lúdica.
2. Conhecer os estudos e pesquisas sobre formação cultural docente e a influência
da obra cinematográfica nesse processo.
3. Identificar a influência do cinema nas narrativas sobre história de vida e formação
dos licenciandos dos cursos de Filosofia e Ciências Sociais da UECE,
considerando os valores culturais e pedagógicos de acordo com a percepção
desses alunos.
Para alcançar os objetivos mencionados, metodologicamente, a pesquisa se
desenvolveu de forma exploratória e qualitativa (MINAYO, 2007). Primeiramente, foi
necessário
fazer
um
levantamento
bibliográfico,
identificando
fontes
que
favoreceram a análise proposta, de temas como cinema, formação cultural docente,
formação de professores e didática. Foram realizadas buscas em livros e outras
publicações, consultas à internet e a especialistas na área. Depois de selecionada a
bibliografia, procedemos à leitura e ao fichamento do material escolhido. De pronto,
fomos ao campo da pesquisa e utilizamos como técnicas de coleta de dados a
entrevista de sondagem de opinião e a observação participante (MINAYO, 2007),
instrumentalizadas por dois questionários estruturados; e, por fim, para analisar os
dados, empregamos o Método de Interpretação de Sentidos (GOMES, 2007).
O referencial teórico utilizado foi Vieira Pinto (1959; 1960; 1979), pois este
percebe que a Educação não se encontra desvinculada das questões sociais,
políticas e culturais e deve ser pensada com suporte na compreensão do ser
humano como produtor de cultura, um ser cultural em constante relação consigo
mesmo, com os outros e a natureza. Assim, antes de falar de formação cultural, é
importante compreender no que se constitui esse ser cultural. O autor também nos
ajuda a entender o papel social da Universidade, que deve deixar de ser um centro
distribuidor da alienação cultural e tornar-se instrumento criador de uma nova
consciência, que seja capaz de produzir cultura para transformar a sociedade.
Acreditamos que o cinema possui potencial, aliado a outras artes, para promover a
cultura e tornar essa transformação viável também na atividade docente e no
23
ambiente escolar.
Recorremos, ainda, aos trabalhos de Nóvoa (2009), Penin (2009), Imbernón
(2010a; 2010b), Guimarães (2010), Gatti (2011) e Pimenta (2011), para
problematizar as questões relacionadas à formação docente; Duarte (2009), Silva
(2007), Napolitano (2009a; 2009b), Morin (1997) e Fusari (2009), para fazer o
diálogo entre cinema e educação; e Nogueira (2010), Almeida (2010), Pucci (1995),
Gatti; Barretto (2009), para compreender o que é formação cultural.
O cinema, como artefato cultural, possibilita ponto de contato com outras
perspectivas culturais, permitindo a discussão sobre questões que dizem respeito à
vida cotidiana. Nesse sentido, desperta a sensibilidade para a percepção de valores,
ideologias e atitudes.
Esta dissertação é expressa como relevante nesse esforço de compreender a
influência do cinema na formação dos futuros professores, nos cursos de
licenciatura, com arrimo nos seus relatos. Como esforço para entender esse
contexto de formação docente, que permeia toda a vida do professor, sobretudo na
instância da formação inicial e, também, desdobrando-se e tendo sua continuidade
no âmbito profissional, é que acreditamos poder colaborar com essa discussão.
Problematização
Estamos vivendo a era de grandes transformações tecnológicas, fato que
causa mudanças significativas na educação e na formação cultural do professor.
Essas mudanças, iniciadas com a globalização6, atuam diretamente em certos
processos de reestruturação dos mercados de trabalho e na educação. Dessa
forma, percebemos a relevância de buscar compreender o impacto das tecnologias
e das mídias na formação do professor diante desse novo panorama que se instala,
trazendo inúmeras repercussões sobre os sistemas educacionais.
As incidências da globalização na Educação se expressam por meio: (a) do
real impacto sobre a organização do trabalho e a atividade profissional, exigindo
elevado grau de flexibilização e qualificação; (b) do constrangimento dos governos
dos países em desenvolvimento a aumentar os gastos com a educação para se
6
Alguns autores preferem denominar esse fenômeno de mundialização, exprimindo que “sua
essência não está contida nas cifras do comércio e do investimento, nem na taxa nacional da
economia de cada país, mas em uma nova concepção de espaço e do tempo econômicos e sociais”.
(CARNOY, 2002, p. 28, grifos do autor).
24
dotarem de uma população ativa mais instruída; e (c) da comparação entre países
acerca da qualidade dos sistemas educacionais; mutação da cultura planetária e
marginalização de categorias sociais pelos valores comerciais dessa nova cultura
(CARNOY, 2002, p. 24,25).
Esse contexto de mudanças ou cenário de reformas (VIEIRA, 2002), produz
desdobramentos sobre as políticas de formação de professores, evidenciando novas
exigências de qualificação que apontam, inclusive, para a avaliação do desempenho
do professor, o qual deve saber articular imagens, movimentos e sons, linguagem
por excelência da nossa sociedade. Por isso, criar espaços para a identificação e o
diálogo entre as diferentes formas de linguagem e permitir que os futuros professores
se expressem são ações que propiciam o desenvolvimento de uma consciência
crítica.
Ante o quadro delineado, torna-se imprescindível aos professores conhecer e
aprimorar os conhecimentos necessários à sobrevivência nesse novo mundo
tecnológico e midiático. Outrossim, é evidente que a capacitação de recursos
humanos não se limita a passos iniciais de formação, pois é necessário um esforço
contínuo de qualificação e requalificação. Faz-se mister, contudo, uma ação
sistemática junto às faculdades de Educação e licenciaturas.
Por interferir na subjetividade do professor, as mídias e novas tecnologias no
processo de formação podem ser inseridas numa formação que se apoie no
conceito da reflexão. Diversos autores, como Schön (1995) e Zeichner (1995), dizem
que a formação do professor deve descrever uma epistemologia prática de um
profissional reflexivo, que reflete na e sobre a sua ação. Isto nos faz entender que o
professor é capaz de distinguir as singularidades das situações e de saber conviver
com a dúvida e com os conflitos de valores, no sentido de buscar e estar aberto para
novas compreensões – liberto de preconceitos – sabendo incorporar e transcender
os conhecimentos que surgem da racionalidade técnica.
Inserido nesse âmbito, o uso de produções audivisuais cinematográficas na
formação do professor deve superar o aspecto da modernização; ou seja, imaginar o
uso do filme como uma metodologia que proporciona ao sujeito “refletir na e sobre a
sua ação, por meio do ciclo de aprendizagem”. (PRADO, s/d, p. 16-17).
O cinema representa um meio de comunicação massivo de grande alcance
25
popular. Ele transmite conceitos, modos de vida, visões de mundo e informações
científicas. Expressa temáticas que têm condições de serem compreendidas por
qualquer pessoa, sem a necessidade de um conhecimento anterior específico ou
familiaridade com o tema.
O cinema é uma forma de socialização, de produção de conhecimento, de
definição de identidades, sendo, portanto, uma instância cultural legítima de criação
de visões de mundo e de sujeitos articulados, bem como experiência formadora,
onde subjetividade e objetivdade são eleboradas com suporte em referências
estéticas e éticas propiciadas pela utilização das produções cinematográficas.
Na formação de professores, as atividades ligadas à arte estão geralmente
entre as colocadas à margem e que não se relacionam com as matérias “oficiais” do
currículo institucional. Essa dicotomia emerge da própria compreensão e
organização do conhecimento, feita pelo humano, que situa o raciocínio e a
intelecção em oposição aos sentimentos e emoções. Assim, os estudantes
aprendem a supervalorizar a razão, deixando de desenvolver suas outras
capacidades, comprometendo seu aprimoramento estético.
A estética não se limita à arte e à apreciação do belo, mas também possui o
objetivo de integrar pensamento, sentimento, percepção e intuição, numa
mundividência integral e dialética da realidade. O cinema, por ser um artefato
cultural que sensibiliza o sujeito e o convida a reelaborar a realidade, pode ser visto
como um meio pelo qual a pessoa pode desenvolver sua capacidade estética,
concorrendo para a sua formação cultural e profissional.
Com efeito, considerando que os cursos de licenciatura se constituem
espaços importantes na formação inicial de professores (GUIMARÃES, 2010, p. 28),
perguntamos: como o cinema, na perspectiva estética, influencia na formação
humana e que valores agrega para a formação docente, na percepção dos alunos
dos cursos de licenciatura? Da inquietação suscitada por esta indagação surgiram
outros questionamentos, a saber: como o cinema pode influenciar na formação
humana, na dimensão cultural, lúdica, simbólica, artística, entre outras? Que
saberes, conhecimentos e experiências constituem a formação do futuro professor
para a docência? Qual o lugar do cinema nessa trajetória de formação?
O enfoque será dado a dois cursos de licenciatura – Filosofia e Ciências
Sociais – pelo fato de se tratarem de cursos que apresentam a finalidade de formar
26
docentes, nas suas respectivas áreas e conteúdos, para a atuação na Educação
Básica. A opção ocorreu desde o momento em que realizamos o estágio de
docência nos referidos cursos, especificamente por ocasião da disciplina Didática
Geral que se destinava aos licenciandos nas áreas supracitadas, representando
conteúdo imprescindível na formação docente para ambos os cursos.
Com a finalidade de sistematizar esta pesquisa resolvemos então organizá-la
em seis capítulos, inclusas a Introdução e as Conclusões Finais. No segundo
capítulo, a finalidade é refletir sobre a arte cinematográfica, sua história e influência
na formação humana, compreendendo as dimensões simbólica, estética, cultural e
lúdica. Origem, realizadores, diretores e eventos significativos serão mencionados
para mostrar um panorama do desenvolvimento desse invento, com o propósito de
evidenciar sua influência sobre os seus espectadores e, em geral, sobre a
sociedade.
No capítulo três, o objetivo é conhecer os estudos e pesquisas sobre formação
docente bem como a influência da linguagem cinematográfica nesse processo.
Delinearemos alguns conceitos e especificidades concernentes à profissão docente,
buscando o diálogo com diversos autores, cujas pesquisas são referenciadas no
âmbito dos estudos a respeito da formação de professores.
Por fim, no quarto e quinto capítulos, mostraremos o percurso metodológico e a
influência do cinema nas narrativas sobre história de vida e formação dos
licenciandos dos cursos de Filosofia e Ciências Sociais, considerando os valores
culturais e pedagógicos de acordo com a percepção destes alunos.
Ao final, esperamos que tenhamos logrado evidenciar como as produções
cinematográficas podem contribuir na discussão da formação profissional docente,
incumbência deste trabalho de pesquisa cujo título é “Cinema e formação de
professores em cursos de licenciatura”.
27
2 CINEMA, ARTE E EDUCAÇÃO: HISTÓRIA E FORMAÇÃO CULTURAL
Neste capítulo, será realizada, inicialmente, uma exposição sobre o cinema, a
fim de constar na pesquisa como breve registro histórico desta invenção que, de
diversas formas, tem marcado presença como meio de comunicação massivo.
Assim, de invenção cujo potencial fora desacreditado inicialmente por alguns
de seus realizadores, o cinema passa a conquistar status de arte, sendo constituído
paulatinamente por uma linguagem cada vez mais complexa, mas, paradoxalmente,
acessível a todos e em cujo fascínio o espectador se enreda entretido com a forma e
o conteúdo da mensagem que veicula. De acordo com a enunciação de Costa
(2003, p.28),
Sobre o cinema podemos dizer muitas coisas: que é técnica, indústria, arte,
espetáculo, divertimento, cultura. Depende do ponto de vista do qual o
consideramos. Cada um deles é igualmente fundamentado e não pode ser
negligenciado.
2.1 Um pouco de história
O termo cinema vem da palavra grega “kinema”, que significa movimento.
Pode ser definido como a técnica de projetar imagens para criar a impressão de
movimento. Um artefato forjado pelas culturas, que em um movimento dialógico
reflete as mesmas e, por sua vez, as afetam. Conhecido como a Sétima Arte 7, o
cinema é fonte de entretenimento e artefato dotado de uma complexa linguagem
para informar e educar, uma vez que seus elementos audiovisuais possuem poder
de comunicação universal.
A preocupação do ser humano em registrar o movimento é antiga. Estudos
históricos e arqueológicos mostram que as primeiras tentativas de representar os
aspectos humanos da nossa existência remetem ao desenho e à pintura, produzindo
uma série de narrativas por intermédio de imagens.
7
A propósito do termo, o cinema é reconhecido como a sétima arte, no sistema clássico das belasartes, depois das artes do espaço, pintura, escultura, arquitetura, e as artes do tempo, poesia,
música, dança. Para Eisenstein, é uma “síntese” das outras artes (AUMONT; MARIE, 2011, p. 34).
Ainda, conforme relato de Duarte (2009, p.17): “Já em 1915, Vachel Lindsay, poeta norte-americano,
reivindicava em livro o estatuto de sétima arte para o cinema, anunciando o desejo de convencer as
instituições culturais nos Estados Unidos de que o cinema deveria usufruir do mesmo prestígio
cultural atribuído às demais formas de arte”. (TURNER, 1997).
28
Com essa mesma preocupação, temos também o jogo de sombras do teatro
de marionetes oriental8, que pode ser visto como um dos precursores do cinema.
Mesmo se tendo registros de antigas silhuetas datadas de 2500 e 3000 anos, ainda
não temos um consenso quanto a sua origem. O importante é perceber que essa
técnica é considerada um dos protótipos do cinema de animação e inspiração para a
invenção das máquinas fotográficas e projetores de cinema. Nesse sentido, Costa
(2006, p. 17 e 18), assevera que:
A história do cinema faz parte de uma história mais ampla, que engloba não
apenas a história das práticas de projeção de imagens, mas também a dos
divertimentos populares, dos instrumentos óticos e das pesquisas com
imagens fotográficas. Os filmes são uma continuação na tradição das
projeções de lanterna mágica, nas quais, já desde o século XVII, um
apresentador mostrava ao público imagens coloridas projetadas numa tela,
através do foco de luz gerado pela chama de querosene, com
acompanhamento de vozes, música e efeitos sonoros.
Além desses protótipos, o surgimento do cinema só foi possivel graças a uma
série de invenções que uniam as técnicas de fotografia e os jogos ópticos. Dentre
essas invenções, podemos destacar: thaumatrópio9, fenacistoscópio10, zootropo11 e
praxinoscópio12. Em 1891, chegou a invenção que faltava para dar impulso ao
8
O teatro de sombras é uma arte milenar do Oriente e conseguiu encantar encenadores do mundo
inteiro. É uma linguagem que integra o campo do teatro de animação, em que estão inseridos
marionetes, bonecos, objetos e máscaras. Suas técnicas são relativamente simples: através de uma
tela branca onde um foco de luz se acende, sombras de silhuetas de figuras humanas, animais, ou
objetos, recortadas em papel, são projetadas em conjunto, ou isoladas nos remetendo a um mundo
particular, poético e mágico de histórias, do faz de conta.
9
Inventado entre 1820 e 1825 por William Fitton. Consiste em um disco de papelão com uma imagem
em cada lado e preso a dois pedaços de barbante. Quando as cordas são torcidas rapidamente entre
os dedos as imagens dos dois lados parecem se combinar em uma, graças aos princípios da
persistência da visão.
10
Inventado em 1829 por Joseph-Antoine Ferdinand Plateau. Vem do grego, significando espectador
ilusório, e consiste em vários desenhos de um mesmo objeto, em posições ligeiramente diferentes,
distribuídos por uma placa circular lisa. Quando essa placa gira em frente a um espelho, cria-se a
ilusão de uma imagem em movimento. Pouco depois da sua invenção, Plateau descobriu que o
número de imagens para criar uma ilusão de movimento era 16, o que posteriormente utilizariam os
primeiros cineastas usando 16 fotogramas por segundo para as primeiras películas.
11
Inventado em 1834 por Will George Horner. Vem do grego zoe (vida) e trope (girar), é uma
máquina estroboscópica, composta por um tambor circular com uns cortes, através dos quais o
espectador olha para que os desenhos dispostos em tiras sobre o tambor, ao girar, pareçam em
movimento.
12
Inventado em 1877 por Emily Reynaud. É um aparelho que projeta na tela imagens desenhadas
sobre fitas transparentes. Derivado do Zootropo, no local das fendas eram colocados espelhos que
impossibilitavam a visualização direta e dando uma impressão cintilante nos desenhos. A princípio
uma máquina primitiva, composta por uma caixa de biscoitos e um único espelho, sendo
postriormente aperfeiçoado com um sistema complexo de espelhos que permitia efeitos de relevo. A
multiplicação das figuras desenhadas e a adaptação de uma lanterna de projeção possibilitam a
realização de truques que dão a ilusão de movimento. Centenas de desenhos eram feitos para gerar
29
surgimento dessa arte: o cinetógrafo13 e posteriormente o cinetoscópio14 de Thomas
Edson. De acordo com Costa (2006, p. 17), tais criações que
projetavam filmes apareceram como mais uma curiosidade entre as várias
invenções que surgiram no final do século XIX. Esses aparelhos eram
exibidos como novidade em demonstrações nos círculos de cientistas, em
palestras ilustradas e nas exposições universais, ou misturados a outras
formas de diversão popular, tais como circos, parques de diversões,
gabinetes de curiosidades e espetáculos de variedades.
Inspirados pela criação de Thomas Edson, foi que Auguste e Louis Lumière,
conhecidos simplesmente por “os irmãos Lumière”, inventaram o cinematógrafo 15,
que reunia três equipamentos em um, reunindo uma máquina de filmar, uma de
revelar e uma de projetar. Por intermédio deste aparelho, em 28 de dezembro de
1895, foi realizada uma exibição pública, entretanto paga, de filmes, no Salão Grand
Café de Paris. O filme exibido foi “L’Arrivée d’um Train à La Ciotat” 16 (A chegada do
trem na estação). Essa exposição marca a primeira projeção pública paga e que
inaugura o nascimento do cinema. O evento foi um sucesso e surpreendeu os
poucos presentes (cerca de trinta pessoas); entretanto, Costa (2006, p. 19) contraria
essa versão elucidando que
[...] os irmãos Lumière não foram os primeiros a fazer uma exibição de
filmes pública e paga. Em 1º de novembro de 1895, dois meses antes da
famosa apresentação do cinematógrafo Lumière no Grand Café, os irmãos
15 minutos de um espetáculo ótico aberto ao público. O invento funcionou até 5 anos após a
invenção do cinema.
13
Máquina que tinha como função registrar as imagens animadas. O filme é visto através de óculos
dentro de um caixote de madeira.
14
Instrumento de projeção interna de filmes.
15
É considerado geralmente como um aperfeiçoamento feito pelos irmãos Lumière do cinetoscópio
de Thomas Edison. Esse aparelho permite registrar uma série de instantâneos fixos, em (fotogramas),
criando a ilusão do movimento que durante um certo tempo ocorre diante de uma lente fotográfica e
depois reproduzir esse movimento, projetando as imagens animadas sobre um anteparo em tela ou
ecrã. Esse ainda associa as funções de máquina de filmar, de revelação de película e de projeção, ao
contrário de outros aparelhos que dele derivaram, como a câmara com funções exclusivas de
captação de imagem e o projetor de cinema, capaz de reproduzir essas imagens sobre uma
superfície branca e lisa.
16
O filme, que tem apenas a duração de 50 segundos, consta apenas de um plano em perspectiva
diagonal a partir da estação de La Ciotat, com alguns passageiros à espera na estação. Vemos um
carregador a avançar em direção à câmara. O comboio proveniente de Marselha aparece ao fundo e
pára no lado direito da tela. Os passageiros descem de uma carruagem, entre os quais se vê uma
senhora com um mantelete. Os próximos passageiros preparam-se para partir e vê-se um homem
transportando um barril. Durante a sua primeira exibição pública, os espectadores começaram a gritar
e a fugir em direção ao fundo da sala quando viram o comboio a vir na sua direção, como se o
mesmo fosse saltar da tela. Por esse motivo, pode ser considerado o primeiro plano-sequência da
história do cinema e um objeto de um realismo profundo, se o virmos no contexto em que apareceu.
30
Max e Emil Skladanowsky fizeram uma exibição de 15 minutos do
bioscópio, seu sistema de projeção de filmes, num grande teatro de
vaudevile em Berlim. Auguste e Louis Lumière, apesar de não terem sido os
primeiros na corrida, são os que ficaram mais famosos. Eram negociantes
experientes, que souberam tornar seu invento conhecido no mundo todo e
fazer do cinema uma atividade lucrativa, vendendo câmeras e filmes.
Por esse motivo é tão controverso instituir uma data, ou mesmo um nome
para marcar o início do cinema. Alguns atribuem a invenção do cinema a Thomas
Edison, mesmo que este nunca tenha exibido seus curtos filmes em grandes salas.
O que de fato podemos dizer com certa segurança é que o cinema foi "inventado"
tendo como base o método empírico de tentativa e erro, tendo sido necessários
ajustes ao longo de pelo menos duas décadas de história. Desta maneira,
concordamos com Costa (2006, p. 18) quando diz que:
Não existiu um único descobridor do cinema, e os aparatos que a invenção
envolve não surgiram repentinamente num único lugar. Uma conjunção de
circunstâncias técnicas aconteceu quando, no final do século XIX, vários
inventores passaram a mostrar os resultados de suas pesquisas na busca
da projeção de imagens em movimento: o aperfeiçoamento nas técnicas
fotográficas, a invenção do celulóide (o primeiro suporte fotográfico flexível,
que permitia a passagem por câmeras e projetores) e a aplicação de
técnicas de maior precisão na construção dos aparatos de projeção.
É inegável, contudo, a importância dos irmãos Lumière em mostrar ao mundo
os primeiros registros do que poderíamos chamar de cinema amador. Dentre os
filmes que marcaram este começo, merece destaque: “Sortie de l’usine Lumière à
Lyon”17 (Empregados deixando a Fábrica Lumière) e “The Sprinkler Sprinkled”.
Durante os 30 primeiros anos da história do cinema, tentou-se casar imagem
e som, mas sem muito sucesso. O recurso era utilizado pelo filme silencioso
acompanhado por músicas ao vivo orquestradas, e falas narrativas e diálogos entre
as cenas.
Nesse período, merece destaque o francês Geoges Méliès18 (1861-1938),
pois foi ele o primeiro a introduzir nos filmes (que até então tinham uma proposta de
17
O primeiro audiovisual exibido na história, que possuia uma cena com duração de 45 segundos.
Nasce na França e passa parte da juventude desenvolvendo números de mágica e truques de
ilusionismo. Depois de assistir à primeira apresentação dos Lumière, decide-se pelo cinema. Pioneiro
na utilização de figurinos, atores, cenários e maquiagens, opõe-se ao estilo documentarista. Realiza
os primeiros filmes de ficção – Viagem À Lua (Voyage dans la lune, Le / Voyage to the Moon - 1902)
e A Conquista do Pólo (Conquête du pôle, La / Conquest of the Pole - 1912) – e desenvolve diversas
técnicas: fusão, exposição múltipla, uso de maquetes e truques ópticos, precursores dos efeitos
especiais. Além de ser considerado o "pai dos efeitos especiais", fez mais de 500 filmes e construiu o
primeiro estúdio cinematográfico da Europa. Também foi o primeiro cineasta a usar desenhos de
18
31
documentário, retratando aspectos do cotidiano) os primeiros efeitos especiais.
Merece destaque o seu filme “Le Voyage dans la Lune”19 (Viagem à Lua) com
apenas 14 minutos de duração. Sobre a Star Film, agência produtora e distribuidora
de filmes pertencente a Méliès, Costa (2006, p. 21) acrescenta que
[...] dominou a produção de filmes de ficção durante os primeiros anos, e a
Companhia Pathé. A Star Film, produtora de Méliès, produziu centenas de
filmes entre 1896 e 1912, mantendo escritórios de distribuição em Nova
York e várias cidades da Europa. Mas seus filmes passaram a perder
público quando o cinema encontrou uma forma narrativa própria, na
segunda década, e Méliès foi à falência em 1913.
Ainda nesse período, Edwin S. Porter usa pela primeira vez a técnica de
edição de imagens, onde é possível ver duas imagens diferentes ocorrendo de
forma simultânea. Destacam-se os filmes que mostram essa técnica: “Life of na
American Fireman” e “The Great Train Robbery” (ambos de 1903).
Aos poucos, os lugares de exibição de filmes (conhecidos por nickelodeons,
pois se pagava 1 nickel20 pelo ingresso) foram crescendo e espalhando-se e os
filmes foram aumentando gradativamente seu tempo de duração, juntando cada vez
mais curiosos, e chamando a atenção das elites com relação à influência que
aquelas imagens exerciam sobre as pessoas.
Se os primeiros filmes, do final do século XIX, tinham apenas cerca de 12
minutos de duração, na primeira década do século XX já era possível produzir filmes
de mais de uma hora de duração. Exemplo disso são os filmes: “The Story of the
Kelly Gang”, filme australiano de 1906, e que durava 70 minutos; “Cabiria”, filme
italiano de 1914, com 123 minutos de duração; “Photo-Drama of Creation”21, de
1914, com mais de oito horas de duração e “The Birth of a Nation”, filme
estadunidense de 1915, considerado uma das grandes obras do cinema mudo.
produção e storyboards para projetar suas cenas. Era proprietário do Théatre Robert-Houdin em
Paris, que havia pertencido ao famoso ilusionista francês Jean-Eugène Robert-Houdin.
19
Foi baseado em dois romances populares de seu tempo: Da Terra à Lua, de Julio Verne, e Os
Primeiros Homens na Lua, de H. G. Wells. Foi extremamente popular em sua época e o mais
conhecido das centenas de produções de Méliès. Foi, provavelmente, o primeiro filme de ficção
científica e o primeiro a tratar de seres alienígenas, e usou recursos inovadores de animação e
efeitos especiais, incluindo a famosa cena da nave pousando no olho da "Homem da lua". Foi
escolhido um dos cem melhores filmes do século XX no ranking da The Village Voice e o mais velho
a constar na lista do livro "1001 filmes para ver antes de morrer", de Steven Jay Schneider.
20
No Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa: níquel; moeda feita com esse metal; dinheiro.
21
Primeiro filme a incluir som sincronizado e imagens coloridas.
32
2.1.1 Surgimento de Hollywood
Até a Primeira Grande Guerra (1914 – 1918), quem possuia a hegemonia das
produções cinematográficas eram a França e a Itália; contudo, com a explosão da
guerra, a Europa ficou completamente arrasada, abrindo caminho para que os
Estados Unidos ganhassem força no mundo cinematográfico.
Nesse contexto é que nasceu o desejo de alguns produtores independentes
migrarem para Nova Iorque, especificamente, para um pequeno povoado conhecido
por Hollywoodland, onde encontraram boas condições para produzir os seus filmes.
Hollywoodland era conhecida por seu clima ensolarado, suas diversas paisagens e
diferentes etnias residiam lá. Nasce assim Hollywood que, segundo muitos autores,
é o mais importante centro da indústria cinematográfica.
Costa (2006, p. 49) esclarece que
[...] em 1917, a maioria dos estúdios norte-americanos já se localizava em
Hollywood e a duração dos filmes tinha aumentado de um rolo para 60 ou
90 minutos. Eram os chamados longas-metragens (feature films). Os
cineastas já conseguiam dominar as convenções formais que haviam sido
experimentadas no período anterior.
É nessa época que também surgem os mais importantes estúdios de cinema,
que viam essa arte como um negócio – merecendo destaque: Fox, Paramount e
Universal – fazendo com que Hollywood se tornasse a maior indústria do cinema.
2.1.2 A expansão do cinema no mundo
Com o fim da Primeira Grande Guerra, percebem-se desde esse período a
ruptura da hegemonia de Hollywood e o surgimento da atividade produtiva
cinematográfica em vários lugares, fazendo com que o cinema se desenvolvesse em
outros espaços.
Aparece, então, o Cinema Impressionista Francês22 (1919 – 1929), conhecido
também como “cinema de vanguarda”, com destaque para o cineastra Abel Gance,
22
Estilo de fazer cinema muito popular na França durante toda a década de 1920, que ficou muito
conhecido por defender o cinema como um meio autônomo, singular, “puro”. As principais inovações
promovidas por esta vanguarda foram na área da aparência fotográfica. Distorções, montagem
acelerada, superexposições e ângulos inovadores estão entre o amplo leque de inovações
promovidas pelos impressionistas. Tanto o cinema impressionista francês quanto o cinema
expressionista alemão trabalharam para o reconhecimento do cinema diante de um público intelectual
e o reconhecimento deste como arte.
33
com seu filme “J’Accuse”, e Jean Epstein, com o filme “A queda da casa de Usher”.
Segundo Martins (2006, p. 99) o “Impressionismo francês consubstanciou um estilo
próprio de fazer cinema, cujos variados expedientes que afetam a aparência
fotográfica da imagem foram surpreendentemente inovadores”.
Aparece o expressionismo alemão23, com destaque para Robert Wiene, com o
filme “Das Cabinet des Dr. Caligari” (O gabinete do Dr. Caligari), Friedrich Wilhelm
Murnau, com os filmes “Phantom” e “Nosferatu”, e Fritz Lang, com seu filme
“Metrópolis”. Sobre o filme “O gabinete do Dr. Caligari”, Cánepa (2006, p. 55) explica
que
[...] o filme indicou novas relações entre filme e artes gráficas, ator e
representação, imagem e narrativa [...]. Seu conceito revolucionário
surpreendeu e atraiu o público intelectual que até então raramente havia
dado atenção ao cinema, e a curiosidade gerada em torno dele ajudou a
reabrir o mercado externo cinematográfico que estava fechado para a
Alemanha desde o começo da guerra.
Na Espanha surge o cinema surrealista24 do diretor Luis Buñel que tem como
destaque o filme “Un Perro andaluz” (Um Cão andaluz), o maior representante desse
estilo.
2.1.3 Que venha o som!
Até meados da segunda década do século XX, os filmes eram mudos e os
efeitos de som eram obtidos por intermédio de narrativas entre cenas e música
orquestrada junto com a exibição. Isso porque existia uma grande dificuldade de
sincronizar imagem e som. Somente em 1926, é que a empresa Warner Brothers
criam o sistema de som denominado Vitaphone25, que tornou possível no ano
seguinte a exibição de “The Jazz Singer”, um musical que pela primeira vez na
história do cinema possuiu alguns diólogos e músicas sincronizados à parte,
23
Estilo cinematográfico cujo auge se deu na década de 1920, que se caracterizou pela distorção de
cenários e personagens, através da maquiagem, dos recursos de fotografia e de outros mecanismos,
com o objetivo de expressar a maneira como os realizadores viam o mundo.
24
Seu desenvolvimento se deu nos primórdios da década de 1930. Influenciado pelos pintores da
mesma escola, acreditava-se que limitar a representação das coisas aos moldes formulados pela
consciência era restringir de maneira intolerante a liberdade. O cinema surrealista representava uma
tentativa artística de moldar para a arte o mundo dos sonhos. Há muitas influências da pintura
surrealista de Dali, Miró, Magritte, Picasso e tantos outros.
25
O termo, criado das palavras em latim e grego, respectivamente, "viver" e "som", refere-se a um
recurso usado em filmes e cerca de 1.000 curtas-metragens produzidos pela Warner Bros e o estúdio
First National entre os anos de 1926-1930.
34
totalmente sem som.
Abre-se, então, caminho para que outros filmes pudessem inserir o som nas
imagens em movimento, como, por exemplo, em 1928, o filme “The Light of New
York”, o primeiro com o som totalmente sincronizado. Depois do Vitaphone, outros
sistemas surgem, como por exemplo o Movietone26 da empresa Fox, com a mesma
intecionalidade: unir som e imagem.
O último filme mudo da história de Hollywood foi “O Beijo”, de 1929, estrelado
por Greta Garbo (exceção para “Luzes da Cidade” e “Tempos Modernos”, ambos de
Charles Chaplin), pois já nesse período quase todos os filmes eram falados. Nos
demais países, por questões econômicas ainda provenientes do pós-guerra, a
transição do cinema mudo para o falado foi ocorrendo de modo mais lento.
2.1.4 O cinema brasileiro
Em 8 de julho de 1896, apenas sete meses depois da histórica exibição dos
filmes dos irmãos Lumière em Paris, realiza-se, no Rio de Janeiro, a primeira sessão
de cinema no País e, em 1898, Afonso Segreto roda o primeiro filme brasileiro, que
exibia algumas cenas da baía de Guanabara. Depois desse, foram produzidos mais
dois pequenos filmes sobre o cotidiano carioca, ambos no estilo dos documentários
franceses do início do século XX.
Tudo era ainda muito complicado em razão da precariedade no fornecimento
de energia elétrica. Somente a partir de 1907, com a inauguração da usina de
Ribeirão das Lages, é que salas de exibição no Rio de Janeiro e em São Paulo
proliferam. Ao lado da importação de filmes estrangeiros, também surge a produção
do cinema nacional. Merece destaque o filme policial “Os estranguladores”, de
1908, produzido por Antônio Leal, com cerca de 40 minutos de projeção, que é
considerado o primeiro filme de ficção brasileiro.
Durante o período de 1908 a 1911, forma-se um centro carioca de produção
de curtas que, além da ficção policial, desenvolve vários gêneros: melodramas
26
Método de gravação de som para filmes que garante a sincronização entre som e imagem. Ele
consegue isso por gravar o som como uma faixa variável de densidade óptica na mesma faixa de
filme que registra as imagens, pois o sistema permitia gravar o som dos filmes diretamente na
película. Até então, na hora de reproduzir um filme, o projecionista tinha que se desdobrar para
sincronizar as imagens com discos de 78 rotações por minuto. Movietone foi um dos quatro sistemas
de movimento de imagens sonoras em desenvolvimento nos Estados Unidos durante a década de
1920.
35
tradicionais, dramas históricos, patrióticos, religiosos, carnavalescos e comédias. Em
sua maior parte, esses filmes são produzidos por Antônio Leal e José Labanca, na
Photo Cinematographia Brasileira.
Esse início do cinema nacional foi objeto de um enfraquecimento em razão
das inúmeras produções estrangeiras que chegam ao Brasil. Durante alguns anos,
muitos cineastas nacionais sobreviveram do chamado “cinema de cavação”,
conhecido como documentário sob encomenda, sobrevivendo raras manifestações
isoladas, tais como: “Perdida”, de Luiz de Barros, no Rio de Janeiro; “Exemplo
regenerador”, de José Medina, em São Paulo; e “O crime dos banhados”, de
Francisco Santos, em Pelotas (Rio Grande do Sul).
Em 1915, tem início a produção de filmes inspirados em nossa literatura,
tendo destaque, nesse período, o cineasta italiano Vittorio Capellaro. Despontam,
então, no cenário nacional, Inocência27, A Moreninha28, O Guarani29 e Iracema30.
Paralelamente a estes, surgem os filmes cantados ou falados, em que os
artistas se escondem atrás das telas e acompanham com a voz a movimentação das
imagens, merecendo destaque os cineastas Cristóvão Guilherme Auler e Francisco
Serrador. Nesse período, em 1910, o filme “Paz e amor” é filmado por Alberto
Botelho, o primeiro no gênero de filme-revista, que focaliza figuras e acontecimentos
político-sociais da época.
A partir de 1923 a produção cinematográfica estende-se a outras localidades
do território nacional, tal como: Campinas, Pernambuco, Minas Gerais e Rio Grande
do Sul.
Na cidade de Campinas, surge Amilar Alves, com o drama regional “João da
Mata”, de 1923; em Pernambuco, os temas regionais acerca dos jangadeiros,
cangaceiros e coronéis aparecem nos filmes “Aitaré da praia”, de Gentil Roiz,
“Reveses”, com a direção de Chagas Ribeiro, “Sangue de irmão”, de Jota Soares, e
“Filho sem mãe”, de Tancredo Seabra; em Minas Gerais, especificamente na cidade
27
Inocência é um filme brasileiro de 1915, do gênero romance, dirigido por Vittorio Cappelaro, com
roteiro baseado no célebre romance homônimo de Alfredo Maria Adriano d’Escragnolle Taunay, o
Visconde de Taunay.
28
A Moreninha é um filme brasileiro de 1915, produzido e dirigido por Antônio Leal, baseado na obra
homônima de Joaquim Manuel de Macedo.
29
O Guarani é um filme brasileiro de 1916, dirigido por Vittorio Cappelaro, baseado no romance
homônimo de José de Alencar e distribuído pela Companhia Cinematográfica Brasileira. É, também,
uma versão cinematográfica da ópera Il Guarany, do maestro Carlos Gomes, que fora baseada no
mesmo romance de Alencar.
30
Iracema é um filme mudo brasileiro de 1917, dirigido por Vittorio Capellaro, baseado na obra
homônima de José de Alencar.
36
de Cataguases, aparecem o italiano Pedro Comello e o brasileiro Humberto Mauro31
que juntos iniciam
experiências cinematográficas produzindo os filmes: “Os três
irmãos”, de 1925, e “Na primavera da vida”, de 1926; e, por fim, no Rio Grande do
Sul, merece destaque o filme “Amor que redime”, de 1928, de Eduardo Abelim e
Eugênio Kerrigan.
Em 1929, na cidade de São Paulo, é lançado o primeiro filme nacional
inteiramente sonorizado, intitulado “Acabaram-se os otários”, de Luiz de Barros , e
no Rio de Janeiro, no ano seguinte, é exibido o filme “Limite”, de Mário Peixoto,
influenciado pelo cinema europeu.
A partir de 1930, o cinema nacional começa a se sofisticar com o surgimento
do primeiro estúdio cinematográfico no País – a Cinédia, no Rio de Janeiro - e
dessa, outras sugiram, tais como: a Atlântida, em 1941, centralizada na produção
de chanchadas32 cariocas, e a Vera Cruz, em 1949, uma reação paulista, em São
Bernardo do Campo, que renega a chanchada, contratando técnicos estrangeiros,
ambicionando com isso produções mais aprimoradas, entre as quais: “Floradas na
serra”, do italiano Luciano Salce, “Tico-tico no fubá”, de Adolfo Celli, e “O canto do
mar”, de Alberto Cavalcanti.
A partir dos anos de 1950 e 1960, com o declínio e fechamento dos dois
grandes estúdios supracitados, um grupo de jovens desejava produzir um cinema
mais realista, de melhor qualidade e de baixo custo, feitos com "uma câmera na mão
e uma ideia na cabeça". Surge o “Cinema Novo”33 introduzindo temáticas e
linguagens nacionais. Os filmes seriam voltados à realidade brasileira e com uma
linguagem adequada à situação social da época. Os temas mais abordados estariam
fortemente ligados ao subdesenvolvimento do País. Merecem destaque as obras do
31
Humberto Mauro (1897-1983) é considerado o primeiro grande cineasta revelado pelo cinema
brasileiro. Nasce em Volta Grande (MG), mudando-se ainda na infância para Cataguases, onde atua
no teatro amador. Cursa o primeiro ano de Engenharia em Belo Horizonte, enquanto trabalha no
Minas Gerais, o diário oficial do Estado. Na década de 20, conhece o fotógrafo Pedro Comello, com
quem faz os primeiros filmes. Na primavera da vida, Tesouro perdido (1927), Brasa dormida (1928) e
Sangue mineiro (1929) formam a fase de Cataguases. Em 1930, vai para o Rio e produz filmes pela
Cinédia. Em 1933, realiza Ganga bruta, sua obra-prima. Em 1937, produz documentários para o
Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE). Seu último filme, Carro de boi (1974), trata de temas
da infância e juventude.
32
Produções de baixo custo e com grande apelo popular, como Nem Sansão nem Dalila, de Carlos
Manga, e Aviso aos navegantes, de Watson Macedo, com Anselmo Duarte no elenco. Esse gênero
dominou o mercado até meados de 1950, promovendo comediantes como Oscarito, Zé Trindade,
Grande Otelo e Dercy Gonçalves.
33
Movimento cinematográfico brasileiro, influenciado pelo Neorrealismo italiano e pela "Nouvelle
Vague" francesa, com reputação internacional.
37
cineasta Glauber Rocha34 e o filme “Rio 40 graus”35, produzido em 1955, por Nelson
Pereira dos Santos. Sobre o surgimento do Cinema Novo, Carvalho (2006, p. 289290) nos explica que:
Foi em clima de otimismo e crença na transformação da sociedade que
nasceu o cinema brasileiro moderno, do qual o Cinema Novo foi um
exemplo maior. Os cinemanovistas - formados nas sessões dos cineclubes,
na crítica cinematográfica produzida nas páginas de cultura dos jornais e,
sobretudo, nas ongas e constantes discussões em torno do cinema e da
realidade do país - desejavam, acima de tudo, fazer filmes, ainda que
fossem "ruins" ou "mal feitos", embora "estimulantes", conforme opiniões da
época. [...] A baixa qualidade técnica dos filmes, o envolvimento com a
problemática realidade social de um país subdesenvolvido, filmada de um
modo subdesenvolvido, e a agressividade, nas imagens e nos temas, usada
como estratégia de criação, definiriam os traços gerais do Cinema Novo,
cujo surgimento está relacionado com um novo modo de viver a vida e o
cinema, que poderia ser feito apenas com uma câmera na mão e uma ideia
na cabeça, como prometia o célebre lema do movimento.
Ainda merece destaque, quando se fala de cinema brasileiro, a criação, em
1997, da Globo Filmes, que se tornou um grande monopólio do mercado
cinematográfico brasileiro. Para se ter uma ideia, somente entre os anos de 1998 a
2003, a empresa se envolveu de maneira direta em 24 produções cinematográficas.
Contando mais de 100 anos de existência, o cinema brasileiro continua
produzindo e conquistando prêmios internacionais, ganhando mercado junto às
produções
estrangeiras.
Atualmente,
percebe-se
um
amadurecimento
na
cinematografia nacional, sinalizado por maior quantidade de produções e melhor
qualidade técnica. Também se observa um apoio mais consistente dos órgãos
institucionais do Governo, como expressa o recente projeto Encontros com o
Cinema Brasileiro, idealizado em parceria pela Agência Nacional do Cinema –
ANCINE e pelo Ministério das Relações Exteriores – MRE, que objetiva “reforçar a
presença de nossos filmes nos maiores e mais conceituados festivais de cinema ao
34
Glauber de Andrade Rocha (1939 – 1981) foi um cineasta brasileiro controvertido e incompreendido
no seu tempo, além de ter sido patrulhado tanto pela direita como pela esquerda brasileira. Ele tinha
uma visão apocalíptica de um mundo em constante decadência e toda a sua obra denotava esse seu
temor. Realizou vários curtas-metragens, ao mesmo tempo em que se dedicava ao cineclubismo e
fundava uma produtora cinematográfica. Dentre os filmes que merecem destaque temos: Deus e o
Diabo na Terra do Sol (1964), Terra em Transe (1967) e O Dragão da Maldade contra o Santo
Guerreiro (1969) – três filmes paradigmáticos, nos quais uma crítica social feroz se alia a uma forma
de filmar que pretendia cortar radicalmente com o estilo importado dos Estados Unidos da América.
35
É considerada a obra inspiradora do cinema novo, movimento estético e cultural que pretendia
mostrar a realidade brasileira. O filme foi censurado pelos militares, que o consideraram uma grande
mentira. Segundo o censor e chefe de polícia da época, "a média da temperatura do Rio nunca
passou dos 39,6°C".
38
redor do mundo e, em consequência, expandir a influência e representatividade da
nossa cinematografia no mercado internacional.”36
Alguns filmes lançados neste século merecem destaque por imprimirem uma
temática atual e com novas estratégias de lançamento, tais como: “Cidade de Deus”,
em 2002, de Fernando Meirelles, ganhador de 49 prêmios e indicado para quatro
Oscars, é o filme brasileiro de maior sucesso no exterior; “Carandiru”, em 2003, de
Hector Babenco; e “Tropa de Elite”, em 2007, de José Padilha, ganhador do Urso de
Ouro em Berlim, alcançaram grande público no Brasil e perspectivas de carreira
internacional.
2.2 Cinema, sociedade e educação
Não é de hoje que a arte influencia a vida das pessoas. A música, as obras
literárias e o cinema desempenham papel importante na formação de opiniões e na
formatação do comportamento das pessoas. Saindo de uma modesta sala de
exibição, com um público formado por cerca de 30 pessoas, com os irmãos Lumière,
para alçar voos em escala global nos dias atuais, o cinema talvez tenha se tornado a
forma artística de maior aceitação popular. De acordo com Silva (2007, p. 53),
O cinema traz possibilidades infinitas, no sentido de promover a
contemplação de valores, a partir dos pontos de vista político, estético e
ético. Em produções que se consagraram como verdadeiras obras de arte,
conquistou o respeito dos artistas, escritores e intelectuais em todo mundo.
Atualmente, o cinema faz parte do dia a dia de todos nós. Se foi criado, em
princípio, para exposições científicas e, depois, aproveitado para fins
lucrativos por uma burguesia ascendente e ávida de lucros, não significa
que não possamos tomar tal invenção e transformá-la em um recurso
educativo de grande poder.
Como qualquer outro meio de comunicação, o cinema deve ser encarado
como um reflexo da sociedade vigente. O processo de retratação do nosso cotidiano
em suas películas acontece desde sua criação, e se intensifica desde o período pósguerra, até os dias de hoje. Nas palavras de Morin (1997, p.26) “o cinema é talvez a
realidade, mas também é outra coisa, geradora de emoções e sonhos”. É, no dizer
de Giovanni Alves (2010, p.25),
36
http://www.ancine.gov.br/sala-imprensa/noticias/ancine-e-minist-rio-das-rela-es-exteriores-trar-ocuradores-de-festivais-inte (Acesso em 26/01/2013).
39
[...] a mais completa arte do século XX, capaz de ser a síntese total das
mais diversas manifestações estéticas do homem. [...] Além da capacidade
de ser reflexo verdadeiro do real, o filme consegue ser forma mediada da
realidade efetiva. Por meio dele podemos não apenas apreender categorias
e conceitos constituídos a partir da reflexão científica prévia (o que significa
aplicar o que já sabemos), mas desenvolver e desvelar, por meio de
insights, sugestões ou pistas postas (e pressupostas) no artefato artístico,
um conhecimento novo do ser social. (Grifo do autor).
Nesse sentido, torna-se necessário apropriar-se do cinema como linguagem
audiovisual – ou nexos audiovisuais – capaz de mediar o processo de formação
docente, com vista a contribuir para sua emancipação (ALVES, 2010). Para tanto, é
preciso que se tome o cinema no sentido de promover uma experiência crítica, indo
além da mera exibição fílmica, criando por essa nova prática metodológica uma
consciência crítico-reflexiva que, conforme nos explicita Alves (2010, p.17), “implica
assumir uma visão crítica de mundo e dotá-la de ferramentas categoriais capazes de
extrair das Imagens Audiovisuais novas significações capazes de produzir nos
sujeitos-receptores/sujeitos-produtores, novas percepções e entendimentos da
ordem social”.
Para Giovanni Alves (2010, p.11), promover o cinema como experiência
crítica se traduz no esforço de utilizar “o filme como meio para a formação humana
no sentido pleno da palavra”. Desse modo, essa experiência se caracteriza por
[...] elaborar metodologias pedagógicas capazes de ir além da mera
exibição do filme e inclusive, da mera discussão entretida da narrativa
fílmica, [...] ir além da tela no sentido de criar por meio de uma nova prática
[...], um novo espaço de produção de conhecimento crítico apropriado pelos
sujeitos-receptores, que são sujeitos-produtores de uma consciência crítica
do mundo. (p.12).
Desta forma, as produções audiovisuais cinematográficas estariam a cumprir
o seu papel de obra de arte, entretenimento, cultura e aporte pedagógico, mas não
apenas isso. O cinema também é janela, vitrine e espelho, pois, através de suas
lentes, enxergamos melhor, observamos outras realidades, admiramos o outro e nos
reconhecemos. Quando utilizado como aporte pedagógico, não se propõe apenas
auxiliar na fixação de conteúdos, mas deve pretender ajudar na discussão e reflexão
do cotidiano escolar, contrapondo-se com os personagens do mundo educacional e
as problemáticas da área, entre outras contribuições.
40
2.2.1 A arte imita a vida, ou a vida imita a arte? Como o cinema retrata a profissão
docente
O cinema pode ser visto como um dispositivo de representação, com seus
mecanismos e sua organização dos espaços e dos papéis. (COSTA, 2003,
p.26)
Que o cinema desfruta do status de arte conquistado ao longo de sua
trajetória é ponto pacífico para os mais renomeados críticos e estudiosos do cinema
atualmente. É nessa perspectiva que Aumont e Marie (2011) destacam três
definições que clareiam a noção de arte e concorrem para melhor situarmos o
cinema nessa categoria:
– uma definição institucional, que faz reconhecer como artística uma obra
aprovada por uma instituição qualificada para isso, ou por um consenso
social alargado;
– uma definição intencional, que atribui qualidade artística às obras
elaboradas por um artista (alguém que pretende fazer arte);
– uma definição estética, que liga o valor artístico ao fato de provocar
sensações ou emoções de um tipo particular. (AUMONT; MARIE, 2011,
p.33).
Reconhecendo a condição artística do cinema, Martin (2009, p. 13) é até mais
incisivo, ao ressaltar que “de toda forma é absolutamente irracional negligenciar uma
arte que, socialmente falando, é a mais importante e a mais influente de nossa
época”. Assim, ele evidencia a capacidade que o cinema tem de influenciar a todos
quanto lhe assistam, por meio das imagens sonoras em movimento que passam a
constituir uma profícua e complexa linguagem, “um meio de conduzir um relato e de
veicular ideias”. (MARTIN, 2009, p.16).
O filme, por sua vez, condutor dessa linguagem heterogênea da imagem, dos
diálogos, da música etc, é artefato cultural artístico que, conforme Arnheim (In:
GEADA, 1998, p.10) “apresenta o mundo não só objetivamente, mas também
subjetivamente”.
Nesse sentido, as narrativas sociais estão presentes nas narrativas
cinematográficas, estando estas carregadas de identidades formuladas por modos
de ser, agir e pensar estereótipos. Devemos lembrar que narrar é sempre um
processo de inclusão, ou exclusão, que privilegia formatos para disseminar ideias e
imagens em formatos que se mostrem atraentes ao espectador. Corroborando essa
41
maneira de perceber as produções cinematográficas, Elizabeth Ellsworth (2001, p.
16) ensina que “[...] um filme é composto, pois, não apenas de um sistema de
imagens e do desenvolvimento de uma história, mas também de uma estrutura de
endereçamento que está voltada para um público determinado e imaginado”.
Ao articular o mundo real e o mundo da ficção, o cinema cria imagens que se
encarregam de transmitir uma ideia sobre a realidade em determinado contexto, de
forma que “a representação é sempre mediatizada pelo tratamento fílmico”.
(MARTIN, 2009).
Martin (2009, p.28) explica que “a imagem reproduz o real, para em seguida,
em segundo grau e eventualmente, afetar nossos sentimentos e, por fim, em terceiro
grau e sempre facultativamente, adquirir uma significação ideológica e moral”. Com
efeito, o cinema torna-se um dispositivo que expressa uma multiplicidade de
sentidos da realidade, salientados pela capacidade de percepção das pessoas, com
base em seus sentidos e na leitura que realizam das proposições gestadas pelo
idealizador/produtor/diretor veiculadas por meio obra cinematográfica.
O mesmo autor esclarece que, para que haja a compreensão pelo espectador
do sentido da imagem, é necessário que ele desenvolva uma atitude estética a fim
de desvelar o significado que as imagens expressam. Conforme Martin (2009, p.29),
a atitude estética
[...] supõe uma consciência clara do poder de persuasão afetivo da imagem.
Para que haja atitude estética é preciso que o espectador mantenha um
certo recuo, que não acredite na realidade material e objetiva do que
aparece na tela, que saiba conscientemente que está diante de uma
imagem, um reflexo, uma representação. Ele não deve entregar-se à
passividade total diante do enfeitiçamento sensorial exercido pela imagem,
não deve alienar a consciência que possui de estar diante de uma realidade
de segundo grau: apenas sob essa condição, a de salvaguardar a liberdade
na participação, a imagem é de fato percebida como uma realidade estética
e o cinema é uma arte e não um ópio”. (Grifo do autor)
Somente quando conseguimos perceber essa estrutura e os estereótipos
constituídos
intencionalmente
nessas
produções
cinematográficas,
seremos
capazes “de mudar ou influenciar, até mesmo controlar, a resposta do espectador
produzindo um filme de uma forma particular. Ou [...] ser capaz de ensinar os
espectadores como resistir ou subverter quem um filme pensa que eles são ou quem
um filme quer que eles sejam”. (ELLSWORTH, 2001, p. 12).
Quando levamos essa discussão para o campo da docência, observamos
42
que muitos trabalhos estão surgindo, ao percebermos que a figura do professor está
presente nos mais diversos artefatos culturais e tipos de textos – textos legais,
histórias da literatura infantojuvenil, filmes, revistas pedagógicas, peças publicitárias,
cartuns etc – contribuindo para a constituição da imagem social da profissão
docente, em concordância com o que esclarece Hernández (2000, p. 52):
A arte, os objetos e os meios da cultura visual [de igual modo o cinema]
contribuem para que os seres humanos construam sua relaçãorepresentação com os objetos materiais de cada cultura. (...) A importância
primordial da cultura visual é mediar o processo de como olhamos e como
nos olhamos, e contribuir para a produção de mundos, isto é, para que os
seres humanos saibam muito mais do que experimentaram pessoalmente, e
para que sua experiência dos objetos e dos fenômenos que constituem a
realidade seja por meio desses objetos mediacionais que denominamos
como artísticos. (Acréscimo nosso).
Imagens de professores e professoras amorosos, competentes, abnegados,
heróis, maquiavélicos, marcados pelos mais diferentes estereótipos – bem presentes
em filmes tais como “Sociedade dos poetas mortos”37, “Meu mestre, minha vida”38,
“Escritores da liberdade”39, “Ao mestre, com carinho”40, entre tantos outros – são
descortinados por pesquisadores que desnaturalizam a suposta harmonia presente
nos discursos que reivindicam para a docência um status de maior profissionalismo
e maior valorização social no panorama mais amplo das sociedades atuais. Sobre
esse status atrelado à docência, Assunção (1996, p. 14-15) registra que quando o
discurso da vocação se apresenta, os outros se calam: ele é conclusivo. É
como se, frente a ele, nada mais restasse a investigar. [...] A ‘vocação’
encontra-se associada a algo pertencente à ordem do místico, relacionada
a ‘dom’, a qualidades especiais para a ‘missão’ de ensinar, a doação, enfim,
o magistério como sacerdócio.
Surge dessa imagem construída o que podemos chamar de “pedagogia do
herói”, uma espécie de pedagogia da salvação, que une a disciplina e a correção ao
carisma e afetividade tão presentes nos discursos dos heróis. Nesse tipo de
pedagogia, existe no fundo uma tentativa de controle, onde os professores procuram
37
Drama estadunidense de 1989, dirigido pelo cineasta australiano Peter Lindsay Weir.
Drama estadunidense de 1989, dirigido pelo cineasta norte-americano John Gilbert Avildsen.
39
Filme de longa-metragem, drama norte-americano, de 2007, dirigido pelo cineasta estadunidense
Richard LaGravenese.
40
Filme britânico, drama, do diretor australiano Charles Edmund Dumaresq Clavell ou simplesmente
James Clavell, lançado em 1967.
38
43
formas de atuar sua vocação e os alunos são moldados para ser aquilo que
deveriam ser. Sobre essa pedagogia, Fabris (2010, p. 241) explica:
A pedagogia desenvolvida nesses filmes tem um padrão próprio, centrado
na figura do professor ou professora, que na maioria dos filmes são as
personagens principais. Em muitos deles, a abordagem psicológica fica
encoberta pelas ações carismáticas dessas personagens, mas é através
destas que são deslocadas as possibilidades de mudança do social para o
individual, sendo o professor ou professora, o aluno ou aluna,
individualmente, responsabilizados pelo seu sucesso ou fracasso.
É essa a imagem mostrada na maioria dos filmes de Hollywood, atribuindo ao
professor uma personalidade individual e personalista, levando para o campo da
atuação docente o sucesso ou fracasso da profissão desempenhada, como se tudo
fosse uma questão de boa vontade ou incompentência. Esse tipo de pedagogia do
herói – bem atrelada à imagem da identidade docente – está centrada no sucesso,
na conduta moral elevada, no modelo de homem e mulher competitivos, que se
mostram inalcançáveis nos dias de hoje, trazendo mais frustrações do que estímulos
para os que querem desempenhar o magistério. Conforme Rose (1998, p.23),
[...] a pedagogia do professor-ator, do professor-protagonista, exige uma
desestruturação, o professor não é a forma sob a qual a pedagogia se
apresenta a nós, a pedagogia não é a expressão da individualidade
empírica, mas sim a realização de seu discurso, de suas regras, de seus
campos discursivos institucionalizados.
É necessário, então, problematizar e desnaturalizar as imagens contidas
numa pedagogia do herói, para se pensar em outras práticas docentes, assim como
a formação de profissionais, que saibam ver além dos modelos inatingíveis e
ineficazes estabelecidos ideologicamente para eles.
44
3 A FORMAÇÃO CULTURAL DOCENTE: CONTRIBUIÇÕES DO CINEMA
O ofício de ensinar não é para aventureiros, é para profissionais, homens e
mulheres que, além dos conhecimentos na área dos conteúdos específicos
e da educação, assumem a construção da liberdade e da cidadania do
outro como condição mesma de realização de sua própria liberdade e
cidadania. (COELHO, 1996, p.43).
Abordar a formação de professores é (re)ver os sentidos que a constituem.
Assim, form-ação não é atividade estanque, pois carrega em si a dinâmica da
autorrealização, que se constitui processualmente.
Conforme nos esclarece Lima (2004, p. 93), o processo de formação cultural
se inicia “na família, na classe social de origem, nas possibilidades de escola e de
bens culturais a que se tem acesso. Tem prosseguimento nas relações de trabalho e
na construção da identidade profissional”. Desta maneira, a formação docente é
marcada por esse caráter dinâmico e exprime especificidades conforme o contexto
em que se desenvolve a trajetória profissional de cada um (IMBERNÓN, 2010a, p.
80).
É preciso que, ao abordar a formação do professor, se tenha em mente a
ideia de que ela não é fixa, mas se constitui em processos, de maneira dialética e
contextualizada e que carece ser constantemente pensada na perspectiva da práxis,
ou seja, da relação com todos os condicionantes teóricos e práticos, em meio a
contradições e compatibilidades.
O professor Nóvoa (1992, p. 25-28) corrobora essa ideia e evidencia que a
formação docente implica três processos fundamentais: o desenvolvimento pessoal
– referente aos processos de produção de vida do professor; o desenvolvimento
profissional – concernentes aos aspectos da profissionalização docente; e o
desenvolvimento institucional – que alude ao investimento que a instituição faz para
conseguir seus objetivos educacionais.
Levando em conta o caráter processual e interminável da formação
profissional do professor, em cujo contexto histórico-social que se vive se situam as
raízes, é que Pimenta (2007, p.18) esclarece a constituição identitária docente:
A identidade não é um dado imutável. Nem externo, que possa ser
adquirido. Mas é um processo de construção do sujeito historicamente
situado. A profissão de professor, como as demais, emerge em dado
contexto e momento históricos, como resposta a necessidades que estão
45
postas pelas sociedades, adquirindo estatuto de legalidade. Assim, algumas
profissões deixaram de existir e outras surgiram nos tempos atuais. Outras
adquirem tal poder legal que se cristalizam a ponto de permanecerem com
práticas altamente formalizadas e significado burocrático. Outras não
chegam a desaparecer, mas se transformam adquirindo novas
características para responderem a novas demandas da sociedade. Este é
o caso da profissão de professor.
Muitos são os autores que problematizam a formação docente, tais como,
Nóvoa (2009); Penin (2009); Imbernón (2010a; 2010b); Guimarães (2010); Gatti
(2011); e Pimenta (2011). Todos esses autores, aos seus modos, tecem uma teia no
sentido de se fazer perceber os diversos conceitos e sentidos da(s) formação(ões)
do professor.
Em seu livro Formação de professores: saberes, identidade e profissão, Valter
Guimarães (2010, p.59) destaca a ideia de que a formação docente se constitui
como identificação cultural e profissional:
Identidade profissional, além de relacionada a aspectos objetivos (formas e
estratégias de sua configuração na sociedade, conjunto de saberes e
destrezas profissionais), refere-se também a disposições pessoais em
relação a uma profissão, a um determinado estado de espírito quanto a
pertencer a um grupo de pessoas que têm, basicamente, um modo comum
de produzir a existência.
Ao passo que Gatti (2011, p. 25,26) evidencia o valor das experiências como
potencializadoras do processo de formação do professor. Para ela,
[...] são disposições subjetivas que, porém, se constroem nas experiências
formativas e profissionais concretamente vivenciadas e interpretadas de
forma representativa com base em um dado contexto socio-profissional
significativo por cada educador(a).
Para Nóvoa (2009, p.29,30), a formação trata-se de uma ação não
dissociativa, mas articuladora e autônoma, carregada de intencionalidade, que faz o
professor se constituir como pessoa docente.
[...] ligação entre as dimensões pessoais e profissionais [...] uma (pre)
disposição que não é natural, mas construída, na definição pública de uma
posição com forte sentido cultural, numa profissionalidade docente que não
pode deixar de se construir no interior de uma pessoalidade do professor.
Assim, para Nóvoa, a atividade profissional docente, apesar das dicotomias,
conflitos e lutas, é um processo feito socialmente em torno de um conjunto de
46
normas e valores que orientam a atividade do professor e de um conjunto de
conhecimentos e técnicas próprio da profissão docente. Destarte, faz com que a
constituição do professor apareça como um processo dentro dessa dinâmica, e não
algo adquirido, ou ainda um produto; pode ser vista como algo flexível e repleto de
continuidades e descontinuidades, cheia de rupturas, mudanças e inovações
(NÓVOA, 1996).
Libâneo (in GUIMARÃES, 2010, p. 13) aponta que a constituição do professor
pode ser propiciada pela conjugação “dos saberes profissionais específicos e as
práticas formativas”. Desta forma, faz-nos perceber que, para uma postura coerente
ante o processo formativo, é imprescindível que abandonemos a dicotomia teoriaprática, a fim de fazermos convergir os saberes teóricos e práticos para a adequada
formação da nossa profissão.
Ele ressalta que a articulação das experiências
culturais, não apenas as vivenciadas no âmbito escolar, mas as de toda a vida,
como instigadora do fazer(-se) docente.
[...] de fato, os futuros professores vão construindo sua identidade
profissional, em boa parte, com base em sua história e sua cultura, mas
também baseados em práticas consolidadas, rotinas, valorações, modos de
atuar, estabelecidos na própria instituição escolar. (LIBÂNEO, In:
GUIMARÃES, 2010, p. 11,12).
Pimenta (2011, p. 45) ressalta que a elaboração do ser docente está
intimamente vinculada ao desenvolvimento do professor e que, por ser uma prática
socialmente constituída, carece de uma valorização que seja, ao mesmo tempo,
epistemológica e profissional.
O desenvolvimento profissional envolve formação inicial e continuada
articuladas a um processo de valorização identitária e profissional dos
professores. Identidade que é epistemológica, ou seja, reconhece a
docência como um campo de conhecimentos específicos (...). E identidade
que é profissional. Ou seja, a docência constituiu um campo específico de
intervenção profissional na prática social – não é qualquer um que pode ser
professor. (PIMENTA, 2011, p.45).
O ser e o estar professor ligam-se à significação social da profissão docente,
com base nos processos subjetivos que vivenciamos com outros professores e na
valoração que fazemos dos saberes e práticas consolidados no âmbito profissional e
cultural, quer seja no espaçotemporal escolar ou para além dele, conforme ensina
47
Pimenta (2008, p. 19):
Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação social
da profissão; da revisão constante dos significados sociais da profissão; da
revisão das tradições. Mas também da reafirmação de práticas
consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que
resistem a inovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades
da realidade. Do confronto entre as teorias e as práticas, da análise
sistemática das práticas à luz das teorias existentes, da construção de
novas teorias. Constrói-se, também, pelo significado que cada professor,
enquanto ator e autor, confere à atividade docente no seu cotidiano a partir
de seus valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de
vida, de suas representações, de seus saberes, de suas angústias e
anseios, do sentido que tem em sua vida o ser professor. Assim como a
partir de sua rede de relações com outros professores, nas escolas, nos
sindicatos e em outros agrupamentos.
Os conceitos ora expressos ensejam uma nova compreensão da formação
docente que se constitui não de forma isolada ou competitiva, mas individual e
colaborativa, numa relação caracterizada pela intersubjetividade (pois agrega
aspectos objetivos e subjetivos, profissionais e pessoais); pela alteridade (pois
implica conviver respeitosamente com o outro); considerando a inter-relação dos
contextos formativos e laborais; e na constante reivindicação da condição de
protagonista do ofício docente na perspectiva da emancipação.
Ademais, uma contribuição importante sobre a formação docente é
dada por Pimenta (2008, p. 8), para quem,
A identidade do professor se baseia na tríade saberes das áreas
específicas, saberes pedagógicos e saberes de experiência. É na
articulação desses saberes com os desafios que a prática cotidiana nas
escolas lhe coloca que o professor constrói e fundamenta o seu saber ser
professor. [...] É na mobilização dessa tríade articulada de saberes que os
professores encontram o referencial para desenvolverem a capacidade de
investigar a própria atividade e, a partir dela, constituírem e transformarem
os seus saberes-fazeres docentes, num processo contínuo de construção
de suas identidades como professores. (Grifo da autora).
É no contexto da confluência desta tríade de saberes mencionados por
Pimenta (2008), a saber, os saberes das áreas específicas, os saberes pedagógicos
e os saberes de experiência, que proporemos a contribuição do cinema como
linguagem complexa e enriquecedora, por meio da qual, o professor, com uma
atitude estética (MARTIN), será capaz de potencializar as estratégias de ensinagem
48
que possibilitarão a reflexão da sua prática profissional e também a possibilidade de
vivenciar os processos da sua constante formação.
3.1 Formação docente: contradições, desafios e abordagens
[...] nada pode ser intelectualmente um problema se não tiver sido, em
primeiro lugar, um problema da vida prática.
(MINAYO, 2007, p.16)
A formação de professores como temática importante nas pesquisas
acadêmicas intensificou-se desde a década de 1990, em razão dos acordos
internacionais para a Educação, manifestos no Relatório para a UNESCO da
Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, coordenada por Jacques
Delors.
Inúmeros pesquisadores realizam seus estudos no sentido de tornar clara a
complexidade que envolve o assunto. Oriunda de tais discussões, reafirma-se a
compreensão de se perceber o ofício docente como profissão e de buscar entender
as questões atuais que envolvem esta importante temática.
Para citar alguns estudos recentes que apresentam a questão: Nóvoa (2009);
Penin (2009); Imbernón (2010); Guimarães (2010); e Pimenta (2008; 2011). Tais
pesquisas exprimem a necessidade de uma ressignificação da atitude profissional
do professor que privilegie os desafios do contexto contemporâneo com suas
possibilidades e limites.
A formação profissional docente, na maioria das vezes, se dá em meio a
profundas contradições, num contexto de precarização da Educação e do ensino, de
desvalorização profissional dos professores, de competitividade, de supressão de
direitos e garantias conquistadas, de baixos salários etc. Junta-se a isto o forte
aparato repressivo público, inibindo qualquer posição de contestação, por parte dos
professores, à dinâmica para manutenção da lógica capitalista, sobretudo sob os
reflexos e consequências das políticas chamadas de globalização.
Sobre essa
questão, Imbernón (2010, p. 26) acrescenta:
Em termos gerais, o profissionalismo na docência implica uma referência à
organização do trabalho dentro do sistema educativo e à dinâmica externa
do mercado de trabalho. Ser um profissional, portanto, implica dominar
uma série de capacidades e habilidades especializadas que nos fazem ser
competentes em um determinado trabalho, além de nos ligar a um grupo
49
profissional organizado e sujeito a controle.
Como consequência, vemos o sentimento de marginalidade e a incapacidade
de intervenção, desarticulando os professores como categoria, fragilizando a luta
organizada. Convém dizer que essa repressão, muitas vezes visível na dimensão
física, tendo em vista as agressões físicas sofridas por professores em atos de
manifestação por melhores condições profissionais e remuneração, também ocorre
numa dimensão subjetiva, como forma de violência simbólica41 (BOURDIEU, 2003),
que de acordo com Albuquerque (in SOUZA, 2007, p.8),
[...] expressa-se na imposição “legítima” e dissimulada, com a interiorização
da cultura dominante. [...] O dominado não se opõe ao seu opressor, já que
não se percebe como vítima desse processo: ao contrário, o oprimido
considera a situação natural e inevitável.
Ou ainda nas palavras do próprio Bourdieu (2003, p.160):
[...] violência simbólica é essa coerção que se institui por intermédio da
adesão que o dominado não pode deixar de conceder ao dominante (e,
portanto, à dominação) quando ele não dispõe, para pensá-la e para se
pensar, ou melhor, para pensar sua relação com ele, mais que de
instrumentos de conhecimento que ambos têm em comum e que, não
sendo mais que a forma incorporada da relação de dominação, fazem esta
relação ser vista como natural; ou, em outros termos, quando os esquemas
que ele põe em ação para se ver e se avaliar, ou para ver e avaliar os
dominantes (elevado/baixo, masculino/feminino, branco/negro, etc.)
resultam da incorporação de classificações, assim naturalizadas, de que
seu ser social é produto.
Assim, estritamente, os professores têm como referência os ideais
profissionais constituídos do ponto de vista dos dominantes, sem perceber que
auxiliam a manutenção das formas de dominação, porquanto percebidas como
naturais; com crescente interferência de organizações internacionais nas políticas
públicas, no âmbito do sistema de ensino, que expressam interesses que não
significa necessariamente os interesses dos professores, pois não se traduzem em
melhores condições de trabalho, nem carreira profissional nem salário.
41
Violência simbólica é um conceito elaborado pelo sociólogo Pierre Bourdieu. Forma de coação
que se apoia no reconhecimento de uma imposição determinada, seja esta econômica, social ou
simbólica. A violência simbólica se funda na fabricação contínua de crenças no processo de
socialização, que induzem o indivíduo a se posicionar no espaço social seguindo critérios e padrões
do discurso dominante. Devido a este conhecimento do discurso dominante, a violência simbólica é
manifestação deste conhecimento por meio do reconhecimento da legitimidade deste discurso
dominante.
50
Conforme a constatação de Bernardete Gatti (2011, p. 25), dimensionando a
problemática até aqui apresentada referente à profissão docente,
[...] cada vez mais, os professores trabalham em uma situação em que a
distância entre a idealização da profissão e a realidade de trabalho tende a
aumentar, em razão da complexidade e da multiplicidade de tarefas que são
chamados a cumprir nas escolas.
Somam-se, então, ao excesso de responsabilidade e trabalho agregado ao
papel dos professores a não valorização social e financeira por eles sentida; as
escolas precárias e turmas violentas; os estereótipos sociais que a sociedade a eles
imputa; a persistência dos baixos salários e precárias condições do exercício
profissional.
Todos esses ingredientes passam a ser, muitas vezes, aspectos inibidores da
constituição da identidade do trabalhador da Educação, quando não, deixando
muitas marcas no processo identitário. Instaura-se, dessa forma, uma crise de
identidade no âmbito da profissão docente que, conforme as indicações de Moreira e
Cunha (2009, p. 42), se expressa quando
(a) se torna insustentável a lacuna entre o que se deve ser e o que se é; (b)
o que se deve ser sufoca, oprime, não corresponde ao que se almeja, se
mostra inalcançável; (c) o que se é constitui objeto de depreciação,
desprezo e perseguição por parte dos que são o que se deve ser; (d) não se
aceita mais que certos grupos detenham o poder de definir o que se deve
ser; (e) se perdem as âncoras sociais que faziam a identidade parecer
natural, pré-definida, inquestionável.
Considerando as circunstâncias mencionadas, não muito alentadoras para a
profissão docente, percebe-se, paradoxalmente, o fluxo de estudantes que acorrem
às licenciaturas em busca de uma formação profissional. É certo que, em muitos
casos, estão à procura de um preparo acadêmico para se aventurarem nas ondas
de concursos e outros setores de trabalho, nem sempre na área educacional, tendo
em vista condições salariais melhores do que na Educação.
Há, também, a precariedade na formação, sobretudo a inicial, que não é
satisfatória no provimento dos saberes e práticas necessários para o exercício da
profissionalidade docente, acarretando assim problemas no processo de constituição
da identidade desse professor. Sobre isso a professora Selma Pimenta constata
(2008, p. 16):
51
Em relação à formação inicial, pesquisas (Piconez, 1991; Pimenta, 1994;
Leite, 1995) têm demonstrado que os cursos de formação, ao
desenvolverem um currículo formal com conteúdos e atividades de
estágios distanciados da realidade das escolas, numa perspectiva
burocrática e cartorial que não dá conta de captar as contradições
presentes na prática social de educar, pouco têm contribuído para gestar
uma nova identidade do profissional docente.
Na contramão dessa precária formação, Pimenta (2008, p. 20) ressalta que “o
desafio posto aos cursos de formação inicial é o de colaborar no processo de
passagem dos alunos de seu ver o professor como aluno ao seu ver-se como
professor. Isto é, de construir a sua identidade de professor”. Essa identidade, por
sua vez, não está acabada, mas é marcada fortemente pelo sentimento de
constante aprendizado que forja a posição do professor como “eterno aprendiz”.
É também fato importante a ser observado o antagonismo entre uma “cultura
universitária” e a “cultura profissional da profissão de professor” (GUIMARÃES,
2010) existente nos cursos de licenciatura. Este fato desencadeia, conforme
Guimarães, uma “valoração negativa da licenciatura”, aonde a cultura universitária 42
chega a sobrepor-se ou a ignorar a cultura profissional docente43 e, por
consequência, a estereotipá-la como cultura inferior, por tratar-se de uma formação
de professores para a Educação Básica. Essa fissura existente entre a cultura
universitária e a cultura profissional docente reforça a dicotomia entre teoria e
prática, saberes e fazeres, que incide diretamente sobre “a identidade profissional
dos licenciandos mesmo quando o projeto do curso tem essa identidade profissional
42
Referindo-se a essa cultura universitária, Libâneo (In: GUIMARÃES, 2010, p.12) a situa no meio
acadêmico, especialmente nos cursos de bacharelado e de licenciatura, abrangendo professores,
funcionários e administração. Como características dessa cultura ele lista: “a prevalência dos
discursos teóricos, a maior valorização da pesquisa do que da docência, a concepção de formação
centrada na antecedência e hipertrofia da dimensão teórica em relação à prática, certa
desvalorização das práticas profissionais, desvalorização da licenciatura, altos níveis de competição
(ainda que muitas vezes velada), certo individualismo no trabalho, principalmente, no âmbito das
atividades docentes, dificuldade em operacionalizar conceitos teóricos em favor de práticas, atitudes
de trabalho compartimentado. [...] Os docentes universitários não modificam seu trabalho pedagógico
em função das licenciaturas, raramente um professor do bacharelado interessa-se pela transposição
didática do que está ensinando, há um notório desprezo pelas formas de instrumentalização didática
dos licenciandos, nega-se a necessidade de saberes específicos para a docência.”
43
Guimarães (2010, p.55) elucida que a cultura profissional docente “significa o desenvolvimento de
convicções e modos de agir relacionados ao cultivo da profissão, referindo-se a aspectos que
normalmente ficam subentendidos no entendimento de profissionalidade e nos processos de
formação do professor, tais como: a questão do pertencimento a um segmento profissional; a cultura
da autoformação, da construção de saberes, da construção de uma epistemologia da prática; as
questões relacionadas ao papel de ‘profissional do humano’ e da atuação ética e, por último, a
questão política da profissão (associação profissional, possibilidades de profissionalização etc.).”
52
como foco de suas preocupações curriculares”. (IDEM, p.12,13). Sobre essa cultura
profissional Pimenta (2008, p. 10) adverte:
Não se pode mais educar, formar, ensinar apenas com o saber (das áreas
de conhecimento) e o saber fazer (técnico/tecnológico). Faz-se necessária
a contextualização de todos os atos, seus múltiplos determinantes, a
compreensão de que a singularidade das situações necessita de
perspectivas filosóficas, históricas, sociológicas, psicológicas etc.
Perspectivas que constituem o que se pode chamar de cultura profissional
da ação, ou seja, que permitem aclarar e dar sentido à ação. (Grifo da
autora)
Como influência desse aspecto, percebemos certa ambiguidade nos
discentes das licenciaturas quanto à atuação profissional. Esta ambiguidade se
evidencia nas aspirações desses estudantes, quando confundem a finalidade do
curso de bacharelado com o de licenciatura, sendo este específico para a formação
de
docentes;
valorizando
o
bacharelado
em
detrimento
da
licenciatura.
Corroborando essa problematização, Guimarães (2010, p. 79) acrescenta:
Como a licenciatura inegavelmente goza de menor prestígio acadêmico,
além da pequena tradição brasileira no efetivo investimento na formação de
professores, o que ocorre nesses cursos é uma compreensão simplificada
da profissão docente e da formação do professor, identificando-a com a
formação do bacharel, se esta não subsumi-la. (...) Muitas vezes a
priorização da formação científica na licenciatura tem sido vista como
empecilho à boa formação pedagógica do professor, como subtração da
dimensão pedagógica da formação desse profissional.
Em meio a essa situação tensional mencionada, elaboramos as seguintes
indagações que serviram de orientação no percurso da pesquisa:

Quais as teorias atuais que sustentam a pesquisa sobre formação de
professores?

Com que saberes, conhecimentos e experiências o futuro professor
constitui o seu processo de formação cultural?

Qual o lugar do cinema nessa trajetória?
É importante salientar que o papel das licenciaturas, assim como dos cursos
de formação inicial, deve ir além de dar uma certificação, ou ainda, uma habilitação
para o exercício da profissão; antes, deve colaborar para constituição de valores que
53
permitam a reflexão constante de sua prática no cotidiano da atividade profissional,
para corroborarem a dinâmica e contínuo de suas identidades docentes, conforme
bem expressa Pimenta (2008, p. 18):
Para além da finalidade de conferir uma habilitação legal ao exercício
profissional da docência, do curso de formação inicial se espera que forme
o professor. Ou que colabore para a sua formação. Melhor seria dizer que
colabore para o exercício de sua atividade docente, uma vez que
professorar não é uma atividade burocrática para a qual se adquire
conhecimentos e habilidades técnico-mecânicas. Dada a natureza do
trabalho docente, que é ensinar como contribuição ao processo de
humanização dos alunos historicamente situados, espera-se da licenciatura
que desenvolva nos alunos conhecimentos e habilidades, atitudes e
valores que lhes possibilitem permanentemente irem construindo seus
saberes-fazeres docentes a partir das necessidades e desafios que o
ensino como prática social lhes coloca no cotidiano. Espera-se, pois, que
mobilize os conhecimentos da teoria da educação e da didática
necessários à compreensão do ensino como realidade social, e que
desenvolva neles a capacidade de investigar a própria atividade para, a
partir dela, constituírem e transformarem os seus saberes-fazeres
docentes, num processo contínuo de construção de suas identidades como
professores. (Grifo da autora)
Interessante é perceber que todas essas discussões sobre a profissão
docente são retratadas de maneiras diversas e nos mais variados contextos, mesmo
de forma mitigada. Esta pesquisa, portanto, tem por objetivo abordá-la com origem
na utilização do audiovisual, especificamente as produções cinematográficas, pois
acreditamos que possui certas características propiciadoras que auxiliam a
mediação do processo de formação cultural de professores, contribuindo para a
discussão da formação docente entre os estudantes, levando em conta a
intersubjetividade de cada um em meio aos processos e contextos da formação,
conforme acrescenta Lima (2001, p. 80):
Assim como não há pessoas iguais nesse mundo, os professores também
são todos diferentes. O filme, como instrumento de reflexão pedagógica,
pode representar um excelente mecanismo de formação de docentes. A
intencionalidade da atividade na sala de aula, a clareza dos objetivos, o
debate a partir dos problemas e das possibilidades apresentadas, o estudo
crítico do enredo do filme, bem como a articulação com a realidade dos
professores, no tempo histórico e no espaço, constituirão uma
oportunidade de diálogo e ressignificação do trabalho do professor.
Não é difícil lembrar de algum filme a que tenhamos assistido cuja história
apresente a figura do professor, a constituição e o desenvolvimento de seu ofício, e
o significado social de seu trabalho e pessoa para/na sociedade em que está
54
inserido. Devemos nos lembrar de que, como nos adverte Lima (2001, p.74),
O uso de filmes como ponto de partida para a reflexão pode ser de grande
importância na formação inicial e contínua dos docentes. No entanto,
requer um estudo prévio da fundamentação teórica sobre os conceitos,
sobre a realidade apresentada no enredo e a articulação que é possível
fazer entre o contexto do filme e a realidade vivenciadas pelos educadores.
Provavelmente, pela força que têm as imagens em movimento exibidas no
écran44, ou mesmo em ambiente escolar/acadêmico ou domiciliar, e o fascínio que
elas exercem sobre os que se deixam envolver em suas tramas, não são poucos os
filmes que acabam marcando o imaginário de várias pessoas servindo de esteio
para ilustrar e até forjar uma compreensão sobre a influência do cinema na formação
cultural docente.
3.2 Cinema e formação cultural docente
A cultura continua sendo uma dobra necessária para o
campo do currículo persistir com seu compromisso
pragmático, força propositiva e de vontade de mudança e
crítica. (AMORIM, 2012, p. 20).
O termo cultura vem do latim cultur, relacionado ao cultivo de plantas e
animais. Sua utilização na forma figurada só veio ganhar destaque no século XVIII,
com o Iluminismo45 passando a ser entendida como cultivar o espírito.
Educação e cultura são categorias indissociáveis, pois todo processo
educativo pressupõe múltiplas experiências culturais. Todo ser humano possui uma
bagagem cultural, que nada mais é do que o conjunto de saberes e experiências
extracurriculares, ligados à arte e à cultura. Nesse sentido, não podemos separar
Educação e Cultura, muito menos pensá-las de forma dicotômica. Assim, como
Educação e Cultura possuem vínculos fortes, é pertinente que se façam pesquisas
que nos mostrem a contribuição das experiências culturais do cotidiano na formação
docente.
44
Conforme o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, écran é palavra de origem francesa que
significa “a superfície sobre a qual se reproduz a imagem de um objeto; tela de cinema.”
45
Movimento cultural da elite intelectual europeia do século XVIII que procurou mobilizar o poder da
razão, a fim de reformar a sociedade e o conhecimento herdado da tradição medieval. Promoveu o
intercâmbio intelectual e foi contra a intolerância e os abusos da Igreja e do Estado.
55
As instituições de ensino, escolas, faculdades, universidades etc são os locais
por excelência onde as pessoas têm acesso às diferentes e variadas expressões
culturais, tendo como mediadores os docentes. Esses docentes entretanto, para
serem de fato mediadores dessas expressões culturais, precisam enriquecer sua
formação cultural, aguçando os sentidos, frequentando espaços culturais e
ampliando seu referencial estético. Logo, formação cultural se traduz na busca de
estender sua experiência cultural.
Nogueira (2010, p.4) entende que formação
cultural é
[...] o processo em que o indivíduo se conecta com o mundo da cultura,
mundo esse entendido como um espaço de diferentes leituras e
interpretações do real, concretizado nas artes (música, teatro, dança, artes
visuais, cinema, entre outros) e na literatura. Por ser processo, trata-se de
ação contínua e, além disso, cumulativa.
O professor está imerso na cultura e por isso, é fundamental que ele esteja
disposto a ampliar seu universo cultural, mostrando-se aberto às múltiplas leituras
da realidade por intermédio da arte, por esta ter potencial transformador, próprio de
sua natureza. Isso pode se dar por meio a frequência em eventos ligados à arte,
como teatro, museus e cinema, e por experiências estéticas. “A sensibilidade,
sobretudo em relação a experiências de apreciação artística da música, da dança,
do teatro, das artes visuais e do cinema, também constitui os saberes docentes”
(ALMEIDA, 2010, p. 19).
De acordo com Pucci (1995, p. 26), “a arte introduz a dimensão do novo, do
subjetivo, do arriscado, do ambíguo, qualidades não tão bem vistas pelo
planejadores da Razão Instrumental”. Ao entrar em contato com a arte, o professor,
mesmo que seja como espectador, cresce em direção a sua humanização,
absorvendo o mundo e interagindo com ele, conforme bem explicita Nogueira (2010,
p.11):
[...] é no contato com a Arte, seja assistindo a um filme e sentindo empatia
pelos pesonagens, seja participando de um concerto e se transportando para
outro período histórico, seja apreciando o ideal de beleza e humanidade nela
expresso, o homem anseia por absorver o mundo e, ao mesmo tempo,
interagi-lo a si mesmo.
Segundo Tardif (2003), os saberes da experiência da vida social colaboram
para estabelecer o saber docente. Nesse sentido, a formação docente deve abraçar
56
um conjunto de experiências estéticas que possibilite os professores ampliarem seu
repertório cultural, pois a cultura é um dos fatores primordiais na constituição dos
saberes docentes e na mediação com os alunos. De acordo com Almeida (2010, p.
14),
[...] a cultura aprendida e apreendida é referência para diversos
procedimentos ou normas de pensar, agir e relacionar-se compartilhados e
reconhecidos pelos sujeitos na vida pessoal e na vida profissional. Cultura e
educação não se dissociam, pois, os processos educativos, sejam
institucionais ou não, inserem-se em uma cultura.
A necessidade de uma formação cultural docente está ligada ao fato de que o
professor é um dos responsáveis pela formação dos futuros cidadãos. Ele é o
mediador, por natureza, entre o aluno e o mundo. Quanto maior e variado for o
repertório do docente, mais apropriadas e numerosas serão suas possíveis escolhas
na mediação dos saberes escolares (BOURDIEU). As Diretrizes Nacionais para
formação de professores da Educação Básica (BRASIL, 2002) iniciam o debate
sobre a formação cultural, quando dizem que
[...] a organização curricular de cada instituição observará (...) outras formas
de orientação inerentes à formação para a atividade docente, entre as quais o
preparo para (...) o exercício de atividades de enriquecimento cultural” e “(...)
iniciativas que garantam parcerias para a promoção de atividades culturais
destinadas aos formadores e futuros professores.
Para isso, um conjunto de medidas precisaria ser tomada, tais como
estímulos a frequentar espaços culturais, museus, cinemas, teatro, exposições de
arte etc; revisão curricular nos cursos de Pedagogia e Licenciatura, a fim de incluir
essa discussão; gratificação ou descontos, para que o professor tenha acesso a
esses espaços culturais; e formação continuada e outras sugestões que de fato
possibilitem uma mudança de comportamento nos docentes, não se limitando a se
promover uma política de eventos isolados e que não trabalhe a formação cultural
docente.
Em uma pesquisa realizada em cursos de licenciatura (GATTI; BARRETO,
2009) ficou comprovado que a simples inclusão, mesmo que optativas, de
“atividades culturais” ou “seminários culturais” no currículo não significa que exista
57
uma formação cultural pelos alunos, e sim uma obrigatoriedade de atender
recomendações de documentos oficiais.
Outra pesquisa realizada em todo o Território Nacional, pela UNESCO
(BRASIL, 2004), em 2002, com cinco mil docentes de universidades públicas e
privadas, de 27 unidades federativas, mostrou a urgência do Governo investir em
formação cultural de professores, pois revelou baixíssimos índices de consumo de
bens culturais pelos docentes. Almeida (2010, p. 19), corroborando o que foi
discutido até aqui, ressalta que,
[...] se a escola é instrumento poderoso para formar o gosto e estimular a
apreciação e o uso de bens simbólicos de forma duradoura e estável, então é
urgente uma revisão curricular da formação cultural e estática de docentes
atuantes na educação básica do Brasil. Não uma “política de eventos”, mas
uma política que crie um programa educativo a ser desenvolvido em longo
prazo e abarque educação escolar, estudos superiores e formação
continuada.
Um dos fatores a fazerem com que os professores não sejam consumidores
em potencial de bens culturais são as jornadas intensas de trabalho e os baixos
salários. Além disso, no entanto, existe a falta de familiaridade com certas
produções artísticas e suas linguagens.
3.3 Cinema, educação e formação docente
A Educação esteve restrita por muito tempo ao domínio da palavra, como o
modelo por excelência de produção de saber (FREIRE, 2004), enquanto o cinema e
outros recursos visuais eram utilizados apenas com finaldade de entretenimento e
lazer. Com o crescimento da industria cinematográfica, no entanto, o filme, artefato
cultural,
começou
a
ser
introduzido
nos
diferentes
espaços
escolares,
primeiramente, com finalidade instrumental, até se tornar, nos nossos dias, um
campo de produção de saberes, sendo vastamente utilizado no ensinoaprendizagem.
A Universidade configura um desses espaços onde o cinema está presente,
fazendo parte da formação dos estudantes, e, no caso das licenciaturas, da
formação do futuro professor, fazendo com que muitos estudos surjam abordando a
sua utilização e importância para a formação docente, estreitando cada vez mais a
58
relação entre cinema e educação.
Rosália Duarte (2009), Roseli Silva (2007) e Marcos Napolitano (2009a;
2009b) preconizam o trabalho com o cinema na sala de aula. Esses autores
compreendem que o emprego dessa mídia pode se tornar uma atividade essencial
para socialização e a inserção do aluno no mundo da cultura (formação cultural),
além de representar um potencial de aprendizado para qualquer tipo de público.
Silva (2007, p.50,51) esclarece que
O cinema é tido como um dos mais poderosos meios de comunicação de
massa do século XX, razão pela qual não se pode ignorar a força, nem
malbaratar o grande poder de educação, oferecido por esse meio. Os filmes
são uma fonte de conhecimento e se propõem, de certa forma, a
“reconstruir a realidade”. A linguagem cinematográfica tem o mérito de
permitir que a relação entre filmes e imaginário social aconteça.
Edgar Morin (1997, p.15) nos ajuda a compreender a sociedade por
intermédio do cinema. Para o autor o cinema é mais do que um fenômeno estético,
ou histórico-sociológico, pois é um problema antropológico, e, como tal, está
organizado “em função da nossa ideologia, portanto, também, da nossa cultura”.
José Cerchi Fusari faz a conexão cinema, currículo e didática. Focalizando o
Ensino Médio, o autor explica que “a linguagem cinematográfica – sempre
materializada em filmes de diferentes épocas, países, diretores e culturas – pode ser
utilizada na e pela escola como um dos elementos que propiciam aos educadores e
educandos experiências curriculares significativas” (2009, p.37).
O cinema oferece, portanto, uma oportunidade de comunicação que,
psicologicamente falando, pode servir como ferramenta para o estudante expor seus
sentimentos – medos, desejos – e, assim, o educador pode muitas vezes descobrir
causas de algumas disfunções – dificuldade de leitura, escrita, de compreensão dos
mais diversos conteúdos.
Desta forma, o uso do cinema no âmbito educacional não deve ser tido
somente como entretenimento, mas há de ser utilizado numa perspectiva formativa,
a fim de, por meio de sua linguagem, procurar entender os mais diversos conteúdos
que estão sendo abordados e ir mais longe, na busca de compreender,
interdisciplinarmente, a realidade através de outra perspectiva por ele retratada.
Como diz Napolitano (2009a, p.12),
59
O importante é o professor que queira trabalhar sistematicamente com o
cinema se perguntar: qual o uso possível deste filme? A que faixa etária e
escolar ele é mais adequado? Como vou abordar o filme dentro de minha
disciplina ou num trabalho interdisciplinar? Qual a cultura cinematográfica
dos meus alunos?
O professor Milton de Almeida (2004) evidencia a desatualização da escola e
do profissional docente ante as possibilidades do uso dessa mídia. Destarte,
explicita as razões para a dificuldade de o professor se apropriar do filme como
artefato cultural, fato este que o faz se restringir ao seu uso como mero recurso
ilustrativo.
Parece que a escola está em constante desatualização, que é sublinhada
pela separação entre a cultura e a educação. A cultura localizada num
saber-fazer e a escola num saber-usar, e nesse saber-usar restrito
desqualifica-se o educador, que vai ser sempre um instrumentista
desatualizado. [...] A educação de massa desatualiza seus trabalhadores,
bombardeia sua competência e os desprofissionaliza. Essa aparente
divergência é a própria e produtiva expressão do sistema econômico atual.
Como se a cultura tratasse da produção de bens da ciência e das artes e a
educação tratasse da distribuição; uma o saber-fazer, a outra o saber-usar,
quase uma esquematização da relação indústria e comércio. (ALMEIDA,
2004, p. 8,14). (Grifamos)
Nesse sentido, ele propõe que a formação docente passe por uma
“alfabetização” da linguagem das imagens e sons como forma de entender e agir no
mundo, para o qual
[...] é importante não ver o cinema como recurso didático ilustrativo, mas vêlo como um objeto cultural, uma visão de mundo de diferentes diretores e
que tem uma linguagem que performa uma inteligência verbal e, ao mesmo
tempo, uma linguagem diferente da linguagem verbal. (ALMEIDA, 2004,
p.8).
60
4 PERCURSO METODOLOGICO
O cinema, como qualquer outra manifestação cultural, pode estar presente
nas atividades curriculares. A produção cinematográfica, além de ser um
gostoso entretenimento, é um recurso didático que motiva e possibilita a
análise, o debate e a reflexão sobre problemas de diferentes natureza:
social, histórica, ambiental, política, entre outros. (Portal do Projeto Cine
Tela Brasil, dos cineastas Laís Bodanzky e Luiz Bolognesi.)
O conhecimento científico é marcado por fortes traços que, por sua vez,
explicitam a dimensão ideológica da pesquisa e rompem a perspectiva que atribuía
neutralidade ao trabalho científico, requerendo o envolvimento do pesquisador e sua
tomada de decisão e opinião.
Portanto, há que se ter em mente, como nos lembra Deslandes (In: MINAYO,
2007, p.34), que o conhecimento científico aqui elaborado "é sempre histórico e
socialmente
condicionado",
constituído
sob
circunstâncias
específicas
e
representando a situação dos sujeitos na condição de futuros professores em
contexto de formação.
Efetivamente, o objeto da pesquisa em curso, a saber, a influência do cinema
nos cursos de licenciatura da UECE sob a perspectiva dos discentes, tem é
contituído pelo pesquisador com base no envolvimento com os discentes de
licenciatura,
anteriormente
definidos,
sobretudo
pela
intencionalidade
de
compreender a opinião desses sujeitos sobre a contribuição do cinema na
constituição dos seus valores, saberes e práticas docentes.
Este capítulo tem o propósito de expressar os pormenores da pesquisa.
Questões como o locus da pesquisa, o tipo de pesquisa a ser empreendida, a
caracterização dos sujeitos e os critérios seus de seleção, serão abordadas nesta
seção.
4.1 O tipo de pesquisa
Esta configura-se como pesquisa exploratória (MINAYO, 2007), pois
intenciona propor uma nova perspectiva sobre a influência da Sétima Arte na
formação cultural de professores, ao tomar como sujeitos da pesquisa os discentes
61
de dois cursos de licenciatura46 da UECE e analisar, com suporte nas percepções
desses sujeitos, a influência dos saberes e experiências formativos daí provenientes
na constituição do ser docente.
A abordagem realizada é de caráter qualitativo, pois tem em vista trabalhar
“com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das crenças, dos
valores e das atitudes” dos sujeitos envolvidos, conforme observado nas
considerações de Minayo (2007, p.21) ao caracterizar esse tipo de abordagem
científica. Entendemos que perceber a contribuição do cinema na vida cultural dos
discentes e as possibilidades que esta mídia pode oferecer à formação profissional
dos sujeitos e à atividade docente por eles almejada e/ou realizada, com base em
suas apreensões e aprendizado, conforma-se às disposições da abordagem
qualitativa, tornando-a a mais adequada para o enfoque desta pesquisa.
A abordagem qualitativa, de acordo com Minayo (1999), não tem a
pretensão de alcançar a verdade ou se preocupar com o que é certo ou errado; sua
preocupação primeira é com a compreensão da lógica que permeia a prática que se
dá na realidade.
4.2 O ciclo da pesquisa
Pretendemos cumprir três etapas, fundamentadas em Minayo (2007, p.26), a
fim de perfazer o ciclo dessa busca, a saber: a fase exploratória; o trabalho de
campo; e a análise e tratamento do material empírico e documental. Convém dizer
que, conforme evidencia essa autora, “a ideia de ciclo se solidifica não em etapas
estanques, mas em planos que se complementam.” (MINAYO, 2007, p.27). Portanto,
seguindo essa orientação, passaremos a descrever cada etapa:
Na primeira, a fase exploratória, buscou-se estruturar o projeto de pesquisa –
definir e delimitar o objeto a ser pesquisado, a justificativa do projeto, os objetivos a
serem perseguidos, o percurso metodológico a ser realizado, o locus e os sujeitos
da pesquisa; definir as técnicas a serem utilizadas para a coleta de dados e elaborar
os questionários-instrumentos da pesquisa. Nesta fase, passamos a buscar,
também, livros, periódicos acadêmicos e sites pertinentes às temáticas relacionadas
– cinema e educação, formação cultural, formação profissional de professores – e a
46
Licenciatura em Filosofia e Licenciatura em Ciências Sociais.
62
proceder à leitura e ao fichamento deste material. É preciso reafirmar que, mesmo
considerando esta a fase preparatória, da qual as posteriores não poderiam
prescindir, ela não ocorreu de maneira estanque e isolada, mas acompanhou o
dinamismo das fases seguintes, a fim de manterem-se a coerência, a criatividade e
a unidade no processo de realização da pesquisa.
A segunda etapa, o trabalho de campo, consistiu em pôr em prática o que foi
elaborado na etapa anterior. É nesta fase que, conforme Minayo (2007, p.26), o
pesquisador
“combina
instrumentos
de
observação,
entrevistas
ou
outras
modalidades de comunicação e interlocução com os pesquisados, levantamento do
material documental e outros.”
Assim, a pesquisa caracterizou-se ainda como pesquisa de campo, com base
na explicação de Marconi e Lakatos (2002, p. 83) que dizem ser
[...] aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ou
conhecimentos acerca de um problema para o qual se procura uma
resposta, ou de uma hipótese que se queira comprovar, ou, ainda, descobrir
novos fenômenos ou as relações entre eles.
Destarte, durante a realização do estágio de docência, tivemos a
oportunidade de desenvolver o trabalho de campo, por ocasião das aulas da
disciplina Didática Geral, no segundo semestre de 2012.
Ministrada pela Profª Dr.ª Maria Socorro Lucena Lima, professora titular, no
Centro de Humanidades da UECE, e de caráter obrigatório, a disciplina destinava-se
aos estudantes de dois cursos de licenciatura – Filosofia e Ciências Sociais – que
convergiam de seus cursos para a realização da disciplina imprescindível à
formação profissional docente.
Acompanhamos as aulas e os respectivos planejamentos destas, elaborados
pela professora Socorro Lucena, antes e durante a realização da disciplina. Esta fora
estruturada em quatro unidades temáticas interligadas, na seguinte ordem: Didática,
planejamento, metodologia e avaliação.
Nesse âmbito, buscamos realizar a pesquisa percebendo a oportunidade para
interação e observação dos sujeitos, suas relações com a temática e objeto da
pesquisa e a escolha e viabilidade do método e técnicas investigativas, bem como a
elaboração dos instrumentos de coleta de dados.
Assim, em um itinerário de cinco encontros sequenciais, durante as aulas de
63
Didática Geral, ministradas aos cursos de licenciatura em Filosofia e Ciências
Sociais da UECE, tivemos a oportunidade de conversar com os alunos sobre a
pesquisa de mestrado em desenvolvimento e comunicando a intenção de que
participassem, manifestando suas experiências com o cinema na trajetória de vida
de cada um, utilizando a sondagem de opinião, com apoio em dois questionários
distribuídos entre eles.
A terceira etapa, em que foram procedidas à análise e tratamento do material
empírico e documental, foram praticados os procedimentos de ordenação,
classificação e análise propriamente dita, indicados por Minayo (2007), para
tratamento dos dados coletados na etapa anterior. Para a execução deste trabalho,
decidimos pelo Método de Interpretação de Sentidos (GOMES, 2007, p. 91-106),
mais à frente explicitados.
4.3 O cenário e o locus da pesquisa
Considerando que os cursos de licenciatura são espaços indispensáveis na
formação inicial de professores (GUIMARÃES, 2010, p. 28), optamos pela realização
da pesquisa nos cursos de licenciatura da UECE. Esclarecemos, entretanto, que,
pelo fato de dispormos de pouco tempo para uma pesquisa que abarcasse todas as
licenciaturas da referida Universidade, decidimos selecionar dois cursos – Filosofia
e Ciências Sociais.
Escolhemos trabalhar com licenciaturas primeiro porque já tínhamos realizado
o Estágio e Docência nesses cursos, o que nos facilitou o acesso, segundo porque
queríamos investigar como ocorre o processo formativo desses alunos, observando
como esses refletem os saberes apreendidos para a sua prática pedagógica,
semelhantemente, como bem explica a Profª. Drª. Selma Garrido Pimenta (2008, p.
17) sobre os trabalhos desenvolvidos nos cursos de formação inicial:
Nos cursos de formação inicial, tenho utilizado a produção de pesquisas em
didática a serviço da reflexão dos alunos e da constituição de suas
identidades como professores. Ao mesmo tempo, problematizando-as
diante da realidade do ensino nas escolas, procuro desenvolver nos alunos
uma atitude investigativa. Nesse contexto, estamos empenhados em
ressignificar os processos formativos a partir da reconsideração dos
saberes necessários à docência, colocando a prática pedagógica e docente
escolar como objeto de análise.
64
O enfoque conferido aos dois cursos é significativo pelo fato de serem cursos
de licenciatura e que, mesmo apresentando a finalidade de formar docentes, nas
suas respectivas áreas e conteúdos, para a atuação na Educação Básica, mantêm
certa ambiguidade com o bacharelado, como bem expressa Guimarães (2010, p.
81):
Tratando-se de cursos de licenciatura, a instituição e, especificamente, seus
professores lidam com o estar formando não estudiosos de uma
determinada área, mas outros formadores que irão atuar na educação de
crianças e jovens. Isso implica que os conhecimentos, os métodos e os
aspectos éticos da profissão, além de serem bem trabalhados, tenham
como característica distintiva a intencionalidade de formar professores.
Convém dizer que, mesmo escolhendo os cursos de Filosofia e Ciências
Sociais, não nos ocuparemos de analisar todas as atividades e disciplinas.
Resumimo-nos à escolha dos alunos que, pertencentes a essas licenciaturas,
estivessem cursando a disciplina de Didática Geral, conteúdo obrigatório a ambos,
sendo suas aulas ministradas conjuntamente.
A escolha dessa disciplina para a realização da pesquisa é bem apropriada,
por ser uma das matérias pedagógicas da matriz curricular das referidas
licenciaturas, onde pode ser desenvolvida apropriadamente a discussão sobre a
formação cultural docente e sua relação com as diversas mídias, entre as quais o
cinema.
4.3.1 Didática e pesquisa: convergências para a formação docente
A Didática trata dos fenômenos dos atos de ensinar e aprender, elementos
fundamentais da atividade docente e, por implicação, dos fatores influentes no
processo
formativo
da
identidade
profissional
do
professor
(PIMENTA;
ANASTASIOU, 2011).
Como uma das áreas da Pedagogia, a Didática se propõe estudar o
fenômeno ensino, nos mais diferentes contextos relacionados com o ensinoaprendizagem. Ela possui campo próprio de atuação (o ensino), objeto de estudo (o
processo ensino-aprendizagem), metodologia e resultados que podem ser
apresentados e publicados.
Reconhecendo o caráter dialético da Didática, capaz de articular várias
65
dimensões, o que a torna um fértil e complexo campo de estudo da Pedagogia,
Veiga (2010, p.7) a conceitua
Como um campo de estudo e disciplina pedagógica obrigatória dos cursos
de formação de professores, de natureza teórico-prática, voltada para a
compreensão do processo de ensino e suas relações, quais sejam:
educação-sociedade, finalidade-objetivos, teoria-prática, conteúdo-forma,
ensino-pesquisa, ensino-aprendizagem, ensino-recursos didáticos, ensinoavaliação.
Com efeito, a Didática pode contribuir não apenas com a docência, mas
também para a reflexão da identidade do professor, numa pespectiva de criticidade,
na medida em que for compreendida do ponto de vista dessas relações. Assim,
possui o importante papel de organizar, sistematizar de forma lógica e
epistemológica a formulação do conhecimento, tendo como instrumentos a
interdisciplinaridade e intercomplementaridade, a fim de torná-la acessível a todos
os que dela fazem uso, contribuindo para a formação profissional docente.
Logo, a Didática é importante para articular, histórica e epistemologicamente,
a
produção
científica,
contextualizando-a
e
tornando-a
ensinável;
e
não
simplesmente para ser utilizada como mero instrumental e conhecimento técnico
para elaboração de planejamentos, planos e projetos, estando dissociada do
contexto e da lógica de cada ciência a ser ensinada. Isso a reduziria e anularia a sua
razão de ser, tornando-a sem sentido e ineficaz para o exercício da docência. Sobre
essa contribuição da Didática para a formação docente, Libâneo (2008, p.85)
ressalta a interface desta com outras disciplinas, de forma a aprofundar as questões
epistemológicas e a interdisciplinaridade entre os vários saberes e práticas:
A organização pedagógico-didática dos conteúdos pressupõe a análise
epistemológica, tanto no que se refere aos métodos do conhecimento
quanto à análise do objeto da ciência ensinada e dos seus procedimentos
investigativos. Isso nos leva a afirmar que não faz sentido uma didática
separada da teoria do conhecimento, da psicologia do desenvolvimento e
aprendizagem e, especialmente, das peculiaridades epistemológicas das
disciplinas e dos seus métodos de investigação. Portanto, os professores
formadores do campo da didática, provenientes da pedagogia, pouco
ajudarão seus alunos se continuarem reduzindo a didática a uma coleção
de normas, prescrições, técnicas.
É, portanto, com essa compreensão sobre Didática que aprendemos a
percebê-la como algo fundamental que relaciona os vários aspectos constitutivos
66
dos processos identitários do ser e do estar professor, tornando, por sua vez, as
dimensões ética, estética, técnica e política mais evidentes, mesmo que no exercício
da profissão elas estejam bem imbricadas. Esses aspectos foram bastante
significativos para que essa pesquisa fosse desenvolvida no contexto desta diciplina.
4.4 Os sujeitos da pesquisa
Os sujeitos da pesquisa não foram selecionados previamente, mas
incorporados ao longo da busca, implicando em uma acumulação de coleta de
dados, relacionados, analisados e comparados processualmente. Como leciona
Weller (2010, p. 59):
Esse procedimento é realizado com o objetivo de esclarecer, validar,
controlar, modificar ou ampliar os resultados obtidos até então, o que
implica uma comparação constante dos dados já no momento de coleta
dos mesmos. A comparação constante, como método de investigação
empírica (constant comparative method), foi introduzida pelos autores na
década de 1960. Esse procedimento analítico ficou conhecido como teoria
fundamentada ou grounded theorie (GLASER & STRAUSS, 1967; MELLA,
1998). De acordo com Glaser e Strauss (1967), o método comparativo
possibilita, por um lado, a generalização dos resultados obtidos por meio
da pesquisa e, por outro, a elaboração de teorias fundamentadas em dados
empíricos.
Os critérios de seleção dos sujeitos, levados em consideração ao longo da
pesquisa, foram:

que fossem alunos dos cursos de licenciatura em Filosofia e em Ciências
Sociais da UECE e, portanto, pertencentes às turmas a serem pesquisadas;

que tivessem interesse, voluntariamente, de participar da pesquisa; e
 que assinassem o termo de consentimento de livre esclarecido para que
pudessem ser utilizado na pesquisa (este documento é prescrito pelo Comitê
de Ética da Universidade).
Assim, a pesquisa contou com 19 alunos, assim identificados: dez homens e
nove mulheres. Destes, nove alunos cursam licenciatura em Ciências Sociais (quatro
homens e cinco mulheres) e dez cursam licenciatura em Filosofia (seis homens e
67
quatro mulheres).
4.5 Técnicas e instrumento de coleta de dados
A pesquisa trabalhou com a produção primária de dados, pois buscou nos
sujeitos as narrativas de suas percepções a respeito do cinema em suas histórias de
vida e a influência da Sétima Arte em suas práticas pedagógicas, mediante a
utilização de entrevista do tipo sondagem de opinião (MINAYO, 2007), cuja
instrumentalização ocorreu por meio de questionários estruturados.
As sondagens de opinião, promovidas na segunda fase desta pesquisa, a
saber, no trabalho de campo, caracteriza-se, conforme explicita Minayo (2007, p.64),
por “serem elaboradas mediante um questionário totalmente estruturado, no qual a
escolha do informante está condicionada a dar respostas a perguntas formuladas
pelo investigador”.
Com efeito, a coleta de dados foi realizada por meio de dois questionários,
previamente elaborados, nos quais constavam sete perguntas, distribuídas com a
finalidade de indagar aos discentes sobre duas temáticas-chave para a pesquisa: 1.
Cinema como possibilidade de ampliação cultural; e 2. Cinema como possibilidade
de formação docente. Acredita-se que estas duas temáticas constituem-se
categorias
prementes
e
indispensáveis
à
pesquisa,
sendo
mutuamente
complementares.
Sobre os questionários elaborados para a pesquisa, dispostos no Apéndice
deste trabalho, convém dizer que foram empregados na sala de aula de Didática
Geral, em dois encontros subsequentes destinados à resolução destes, em um
ambiente de interação nossa com os sujeitos pesquisados.
Após explicação sobre a pesquisa de mestrado em desenvolvimento,
denominada Cinema e formação de professores nos cursos de licenciatura,
informando que os questionários seriam os instrumentos para a realização da coleta
de dados, estes foram distribuídos aos 19 estudantes que aceitaram o convite à
participação da pesquisa. Buscamos evidenciar o fato de que a participação de cada
um dos sujeitos significaria uma contribuição direta para a pesquisa e para o próprio
entrevistado, dentre outras coisas, pela intencionalidade de refletirem sobre a
temática e sua importância para a vida cultural e para a atividade docente.
68
O Questionário I, sobre o Cinema como possibilidade de ampliação cultural,
foi distribuído entre os discentes no primeiro encontro. Assim, feita a leitura do
instrumental, cada estudante passou a respondê-lo, devolvendo-o no final do
encontro. O Questionário II, sobre o Cinema como possibilidade de formação
docente, foi entregue a eles, seguindo a mesma dinâmica do primeiro encontro,
sendo devolvidos logo após terem sido respondidos.
Os licenciandos puderam informar, mediante o diálogo conosco, por meio dos
instrumentos, dados subjetivos da realidade que vivenciaram e vivenciam. Tais
informações são imprescindíveis e constituem dados primários da pesquisa
qualitativa, como bem evidenciou Minayo (2007, p.65), pois são
[...] uma representação da realidade: ideias, crenças, maneiras de pensar;
opiniões, sentimentos, maneiras de sentir; maneiras de atuar; condutas;
projeções para o futuro; razões conscientes ou inconscientes de
determinadas atitudes e comportamentos.
Optamos, enfim, pela sondagem de opinião por meio de questionários, como
possibilidade de viabilizar a interação nossa com os pesquisados, sendo utilizada
sem complicações, permitindo que as falas dos sujeitos se manifestassem de modo
a revelar suas condições de vida, a expressar seus valores e crenças em meio aos
seus condicionamentos históricos, socioeconômicos e culturais no tocante à
pesquisa.
 PERCURSO METODOLOGICO
Metodologia reflexiva
(GHEDIN; FRANCO, 2011, p.107-110)
Método



Técnicas




Estudo de Caso
Observação
Entrevista
(LAKATOS; MARCONI, 1992) Participante
[Sondagem de Opinião]
(MINAYO, 2007) (MINAYO, 2007)


Instrumento
[Questionário Estruturado]
(MINAYO, 2007)


Método de Interpretação de Sentidos
(GOMES, In MINAYO, 2007)
69
A pesquisa realizada serviu-se da metodologia reflexiva expressa por
Ghedin e Franco (2011), inspirada em Vieira Pinto (1985). Buscamos romper a
dualidade entre teoria e prática, assumindo a lógica dialética que o autor aponta
como sendo uma possibilidade para o “tratamento dos problemas científicos mais
complexos e representativos das fronteiras do saber atual”; fato este que sinaliza “a
abertura de um novo ciclo epistemológico, uma nova etapa na história da teoria da
ciência.” (PINTO, 1979, p.176). (Grifo do autor).
Essa lógica dialética busca o “aprofundamento da realidade, da intenção
oposta à da extensão, e visa a servir para a explicação dos fenômenos objetivos, e
não à sua simples figuração para fins operatórios. [...] conduzir à autossuperação,
sempre em correspondência com as necessidades práticas da existência” (PINTO,
1979, p.195, 196). Devemos, assim, interpretar as novas questões epistemológicas
expressos pela realidade, ousando fazer uso de novas categorias interpretativas.
Por fim, realizamos a triangulação dos dados da pesquisa, isto é, a
confrontação de informação obtida em fontes distintas, integrando análise de
estruturas, processos e resultados, compreensão do problema em pauta, das
relações envolvidas na dinâmica de sala de aula e visão que os atores perfazem
sobre o objeto em investigação (MINAYO, 2005); assim, “o primordial da
investigação centra-se no significado humano da vida social e na sua clarificação e
exposição por parte do investigador”. (ERICKSON, 1989, p. 196).
4.6 A escolha do método de análise e interpretação dos dados
Optamos pelo Método de Interpretação de Sentidos para a realização do
tratamento e análise dos indicadores do trabalho de campo. Gomes (In MINAYO,
2007, p.97) refere-se ao método como sendo oriundo da "perspectiva das correntes
compreensivas das ciências sociais que analisa: (a) palavras; (b) ações; (c) conjunto
de inter-relações; (d) grupos; (e) instituições; (f) conjunturas, dentre outros corpos
analíticos". Assim sendo, a finalidade do método de análise em questão corrobora a
intencionalidade da pesquisa qualitativa, qual seja, “compreender relações, valores,
atitudes, crenças, hábitos e representações e a partir desse conjunto de fenômenos
humanos gerados socialmente, compreender e interpretar a realidade”. (MINAYO,
2007, p.24).
70
Constitui-se, portanto, num método com possibilidade abrangente de análise,
desde a interação dialética entre a fala dos licenciandos, suas experiências culturais
com a obra cinematográfica sob a perspectiva do referencial teórico adotado para
esta pesquisa.
Objetiva-se, desta forma, interpretar os sentidos atribuídos pelos estudantes à
Sétima Arte e sua possível influência na vida cultural e formação destes discentes,
com origem em suas respostas à sondagem de opinião realizada por meio de
questionários estruturados.
Considerando que o objeto desta pesquisa descortina a formação cultural dos
discentes, foi de grande valia o uso da concepção de cultura desenvolvida por
Gomes (2005, p.203-204), pois mostra que
[...] a cultura são intrincadas teias [de significados] e a sua interpretação
pelos que a vivem e ao mesmo tempo produzem estruturas de significados
socialmente estabelecidos. A interpretação seria, portanto, a compreensão
dessas estruturas, dentro de sua base social e material. A dialética entre as
interpretações e reinterpretações dos diferentes atores sociais que
interagem dentro das condições objetivas em determinado espaço e tempo
é a contextualização.
Este entendimento serviu de guia para que compreendêssemos o sentido da
formação cultural evidenciado na fala dos discentes e sua incidência na formação
profissional docente de cada um deles. Convém dizer que a formação cultural
expressa elementos valorativos, estéticos, cognitivos e existenciais evidenciados
nos relatos dos discentes.
Portanto, o método científico de interpretação de sentidos aqui empregado
possibilita a reconstituição da realidade cultural desses estudantes relacionada às
experiências com o cinema e a obra cinematográfica, como objeto do conhecimento,
por meio de um processo de categorização de seus relatos em busca de articular,
dialeticamente, o teórico e o empírico.
Procuramos utilizar o método de forma a desenvolver as três etapas: colocar
aqui, aplicando ao trabalho, as três etapas do Método de Interpretação de Sentidos,
expostas por Gomes (In MINAYO, 2007, p.102, 104).
Etapa 1 – leitura compreensiva que visa à impregnação dos
depoimentos; visão de conjunto; e apreensão das particularidades do
material da pesquisa.
71
Etapa 2 – recorte dos trechos dos depoimentos, identificação das
ideias explicitas e implícitas e questionamentos com a finalidade de
problematizar as ideias. Com amparo nas questões, são realizada as
inferências para chegarmos à interpretação dos sentidos atribuídos ou
subjacentes às ideias.
Etapa 3 – ocorre o diálogo com a fundamentação teórica adotada, os
depoimentos e seus contextos e as observações do trabalho de campo
para chegar a uma síntese interpretativa.
Durante toda a análise e interpretação do material coletado, foram realizadas
leituras exaustivas dos depoimentos dos discentes, a fim de compreender os
significados pelo critério de objetividade. Desse modo, consideramos não apenas a
frequência de suas falas e palavras, mas o aparecimento de temas-categorias que
se tornaram relevantes, à medida que se realizavam a leitura e análise dos relatos.
Também buscamos romper a mera descrição da mensagem mediante inferências,
na perspectiva de teóricos, que sinalizavam uma interpretação mais aprofundada.
72
5 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DOS DADOS DA PESQUISA
Dos alunos selecionados para a pesquisa todos preencheram o questionário,
ou seja 19 alunos: nove alunos do curso de licenciatura em Ciências Sociais (quatro
homens e cinco mulheres) e dez do curso de licenciatura em Filosofia (seis homens
e quatro mulheres).
Desses, 12 alunos declararam que não desenvolveram, nem desenvolvem,
nenhuma atividade docente, ao passo que sete deles disseram o seu envolvimento
com a docência, a saber, seis alunos na Educação Básica (quatro no Ensino Médio,
um na Educação Infantil e um com atividades de reforço escolar) e um com o ensino
de Música.
Para melhor compreensão da análise proposta, dividiremos esta em dois
blocos, cada qual correspondendo a um questionário. O primeiro é O cinema como
possibilidade de ampliação cultural, e o segundo bloco O cinema como possibilidade
de formação docente, que possuem o objetivo de identificar a influência do cinema
nas narrativas sobre história de vida e formação dos licenciandos dos cursos de
Filosofia e Ciências Sociais da UECE, considerando os valores culturais e
pedagógicos de acordo com a percepção desses estudantes.
Os blocos estarão divididos ainda por subtítulos, que correspondem às
perguntas dos questionários, onde destacamos as categorias que emergiram das
respostas dos sujeitos. As categorias foram interpretadas e dialogaram com os
autores utilizados como referencial teórico desta pesquisa.
5.1 O cinema como possibilidade de ampliação cultural
Os alunos destacaram que o cinema ocupa lugar importante em suas
formações. Mencionaram-no como um ambiente pedagogicamente produtivo, pois
realiza a relação entre o real e o imaginário, entre a realidade e a ficção. Por vezes,
fizeram questão de dizer que ser espectador da Sétima Arte é uma atividade de
muito prazer; manifestaram, inclusive, a vontade de querer vivenciar alguns filmes
que marcaram suas vidas.
Não descartaram, entretanto, a possibilidade de o cinema alienar as pessoas,
sobretudo, por meio de uma lógica da passividade, conforme o relato:
73
[O cinema] propicia a entrada em um mundo mágico,
fantasioso, onde nos educamos em uma situação passiva de
espectador. (A-1).
Alguns filmes que objetivam alcançar elevado índice de bilheteria, os
conhecidos blockbusters, especialmente os
estadunidenses, com seu alto
investimento financeiro e excessivos recursos especiais tecnológicos que maquilam
o conteúdo sem profundidade e uma proposta estética sem consistência, acabam
por afastar intencionalmente as pessoas de uma leitura consciente e crítica da
realidade, mascarando-a ideologicamente para induzir à postura consumista, em vez
de despertá-las para uma tomada de decisão ante os problemas da sociedade
retratados no écran.
Quanto à contribuição do cinema na formação cultural dos discentes,
deparamos relatos que evidenciam possibilidades formativas e esclarecem o seu
sentido, apontando para uma formação estética e dos sentidos.
5.1.1 O lugar do cinema na formação cultural
Vemos em alguns relatos a necessidade de esclarecer a ambiguidade no uso
do termo cinema, a fim de distingui-lo como ambiente de projeção do filme, do
próprio filme, que é, grosso modo, o resultado da produção cinematográfica:
O cinema não teve e não tem grande espaço nesse meu tempo
de vida. Sei que fui um pouco mais de vinte vezes ao cinema.
Claro que estou tratando sobre a “sala” de cinema, aqueles
espaços onde pode ser assistido coletivamente. Agora, o
cinema, enquanto filme teve mais importância no que
concerne ao assisti-los em casa. Digo que os filmes,
universalmente, contribuíram razoavelmente para o meu capital
cultural. Eu nunca fora educado a ter “gosto” por assistir filmes,
bons ou maus. Contudo, agora, na universidade, estou
voltando um pouco do meu tempo a ele, o cinema como auxílio
74
às leituras. (A-6).
O cinema ao qual vou me referir trata-se mais da produção,
ou seja, o filme em si, e menos dos ambientes de projeção,
os quais quase não tenho contato. O cinema enquanto
filmes, faz parte da minha vida desde a infância, só que
como fonte de entretenimento. Os filmes que trouxeram
alguma bagagem cultural foram os que assisti a partir da minha
adolescência. Destaco uma visão de mundo mais ampla, o
contato com culturas diferentes, conhecimentos de geografia,
história, valores éticos, religiosos. Hoje eu posso afirmar que o
cinema
ocupa,
no
mínimo,
esses
dois
lugares:
o
entretenimento e a transmissão dos conteúdos que citei acima.
(A-13).
Quanto a sua formação cultural, percebe-se a preocupação em dizer que a
formação cultural ocorre processualmente e por toda a vida, enriquecendo-os de
experiências culturais. Nos relatos a seguir, os discentes falaram sobre a
importância do cinema nesse processo, além de ressaltarem alguns aspectos
relevantes quanto à aprendizagem oriunda da experiência de ser espectador de
cinema:
 A possibilidade de formação do sentimento: “O cinema é algo muitas
vezes produtivo para a formação do sentimento. Muitas pessoas se
identificam com certos filmes por querer vivenciá-los.” (A-2).
 O enriquecimento do capital cultural (Bourdieu): “Na minha formação
cultural o cinema não foi algo muito atuante. Corrigindo a mim mesma, admito
que ainda estou em processo de formação cultural, pois, a cada fase da vida
aparecem elementos novos que, de alguma forma, interferem no meu estado
cultural. O cinema apresenta muitas oportunidades de enriquecimento
cultural; é lógico que depende muito da temática que ele trata.” (A-5).
 A descoberta de outra perspectiva sobre o cinema, desenvolvida depois
75
que entraram na universidade: “A construção de um ambiente que propicia
a entrada em um mundo mágico, fantasioso, onde nos educamos em uma
situação passiva de espectador.” (A-1).
 A busca por filmes que abordem maior diversidade de temas: “Assistir os
clássicos do cinema, as superproduções estão na minha lista das coisas que
eu preciso fazer antes de morrer. Esclarecendo que as superproduções, no
meu ponto de vista, não somente aquelas que utilizam de alta tecnologia e
investimentos altíssimos, como o filme americano Avatar de James Cameron
(2009).
Qualifico
como
superprodução
também
os
trabalhos
que
“superproduzem” questionamentos e projeções da realidade dada. Recortes
de uma extensa variedade de situações da vida de pessoas comuns.
Trabalhos que provam que uma boa ideia produz um bom filme. Tenho como
exemplo o filme brasileiro QuartaB de Marcelo Galvão (2005).” (A-17).
 A flexibilidade de poder ver filmes em casa, levando em conta que não
têm tempo nem dinheiro para ir com maior frequência ao cinema: “O
cinema não teve e não tem grande espaço nesse meu tempo de vida. Sei que
fui um pouco mais de vinte vezes ao cinema. Claro que estou tratando sobre
a “sala” de cinema, aqueles espaços onde podem ser assistido coletivamente.
Agora, o cinema, enquanto filme teve mais importância no que concerne ao
assisti-los em casa.” (A- 6).
 O fato de ser o cinema uma linguagem que dialoga com outras áreas do
conhecimento: “Para mim o cinema é uma porta de acesso para o
conhecimento. Ele permite grandes mudanças de atitude e permite
transformações intelectuais de grande importância para a formação humana.
O cinema é uma ferramenta que se soma a outras formas de conhecimento
para a aquisição da intelectualidade. O cinema para mim é fundamental e
totalmente inovador, indispensável para o meu conhecimento.” (A-15).
 O cinema como fonte ou facilitador de conhecimento: “O cinema
desenvolveu a aplicação fácil do conteúdo na prática do ensino; o
comportamento se torna espontâneo e natural.” (A-11).
 A percepção de que o cinema é coadjuvante de outras artes: “O cinema
ocupa uma posição importante na minha formação cultural, tendo em vista
que ela se deu e se dá através de três vias; são elas: a música, o audiovisual
76
e a literatura. Essa tal sequência se faz em ordem de acessibilidade que eu
tenho, ou tive, aos canais culturais; primeiro os discos, depois os filmes e logo
em seguida os livros.” (A- 4).
 O cinema incentiva a leitura de textos, operando muitas vezes como
porta de entrada para a literatura: “Não saberia qualifica-lo numericamente,
mas desde os meus avós, quando os primeiros filmes em preto e branco
começaram a ser exibidos, o cinema começa a representar um dos principais
momentos de distração dos finais de semana. Neste contexto, o filme, no
caso o cinema, mesmo que em alguns momentos de maneira esporádica,
sempre fez parte do meu desenvolvimento cultural. Não possuo a leitura de
diversas literaturas, nacionais e internacionais, que transformadas em filme
passei a ter contato.” (A-9).
 A compreensão de que o cinema, ao mesmo tempo em que cria é
também intérprete da realidade, possibilitando a leitura do mundo: “O
filme traz para o indivíduo uma compreensão da realidade. O cinema é um
instrumento importante na formação do aluno porque faz a imaginação das
pessoas criarem uma realidade que pode servir como exemplo ou modo de
se viver. Não que tenhamos que viver conforme a conduta das personagens,
mas temos que reparar no meio social ou virtual; no caso do filme, formas de
se viver bem. Fora isso ele é um grande incentivador à leitura e também
contribui para a ampliação da visão de mundo.” (A- 7).
 O cinema como referencial para a conscientização política: “Desde novo,
adolescente, o cinema sempre foi um referencial na minha vida. Acompanhei,
no período da ditadura, a dificuldade do cinema brasileiro mais politizado e as
raridades do cinema mundial que conseguiam chegar até aqui. Portanto,
sempre aprendi, aprendo e vou continuar aprendendo com o cinema. Para
mim é primordial.” (A-12).
 O cinema como formador cultural, estimulador da inteligência e da
sensibilidade: “O cinema tem um lugar importante na formação cultural,
capaz de reformular o ser humano e aprimorar sua inteligência e sua
sensibilidade. Faz com que o aluno faça uma reflexão do passado e do
presente, relacionando com seu dia a dia.” (A-16).
 O cinema como dispositivo desencadeador da reflexão histórica: “Tem
77
um lugar muito importante que é na parte histórica.” (A-3).
 O cinema como artefato multicultural e multidisciplinar: “Contribuiu para o
conhecimento de novas culturas, principalmente hollywoodianas, pois
praticamente os filmes de maior acessibilidade para o público em geral no
Brasil são americanos.” (A-18).
 Ressaltaram o potencial do cinema em promover sociabilidade entre as
pessoas, interatividade dos discursos e estimular o senso crítico:
“Acredito que o cinema está inserido na minha agenda cultural desde a minha
infância, pois lembro que assisti a todos os clássicos da Disney como também
a uma grande variedade de filmes infantis. Posteriormente tornou-se uma
prática costumeira e prazerosa. Reunir os amigos que compartilham desse
mesmo prazer, um momento a sós com a namorada, em família, enfim,
assistir a um filme sempre foi uma maneira de confraternizar, reunir, interagir
mas também de conversas e debates acerca de algum assunto que desperte
o senso critico daqueles que ali estavam reunidos para assisti-lo.” (A-17).
 O filme como propiciador de “bagagem cultural”: “O cinema enquanto
filmes, faz parte da minha vida desde a infância, só que como fonte de
entretenimento. Os filmes que trouxeram alguma bagagem cultural foram os
que assisti a partir da minha adolescência. Destaco uma visão de mundo
mais ampla, o contato com culturas diferentes, conhecimentos de geografia,
história, valores éticos, religiosos. Hoje eu posso afirmar que o cinema ocupa,
no mínimo, esses dois lugares: o entretenimento e a transmissão dos
conteúdos que citei acima.” (A-13).
 Destacam a possibilidade de o cinema promover a formação humana por
meio de valores: “Para mim o cinema é uma porta de acesso para o
conhecimento. Ele permite grandes mudanças de atitude e permite
transformações intelectuais de grande importância para a formação humana.
O cinema é uma ferramenta que se soma a outras formas de conhecimento
para a aquisição da intelectualidade. O cinema para mim é fundamental e
totalmente inovador, indispensável para o meu conhecimento.” (A-15).
Fica explicita a importância do cinema para as formações culturais desses
sujeitos, que perpassa, também, outras possibilidades de aprendizagem, onde
78
apresentam a Música, a Literatura e o audiovisual; assim, o cinema proporcionaria a
conexão com vários meios e disciplinas, fazendo operar um mecanismo pedagógico
muito eficaz para onde convergiriam diversas maneiras de acessar e apreender o
conhecimento de conteúdos complexos. No panorama das novas tecnologias, o
cinema
desponta
como
elemento
novo
que
oferece
a
oportunidade
de
enriquecimento cultural.
Em alguns depoimentos os estudantes mostraram que o cinema chega a ser
a porta de entrada para o contato com a literatura, ou seja, há filmes que retratam
clássicos da literatura que passam a ser conhecidos pelos estudantes e a despertar
nestes
o
desejo
de
lê-los
desde
quando
assistimos
as
suas
versões
cinematográficas. Ao percebermos esta realidade aqui demonstrada, recordo a
opinião de Javier Cercas, escritor espanhol, em entrevista concedida ao Opera
Mundi, por ocasião dos dez anos da Festa Literária Internacional de Paraty – FLIP,
RJ, em meados de 2012:
Um filme é um filme e um livro é um livro. São coisas totalmente distintas. É
um erro gigantesco e evidente acreditar que um filme substitui um livro. [...]
[O filme] trata-se de uma interpretação do livro. Cada leitor interpreta a obra
de um maneira e o diretor faz o mesmo. Obviamente não pode substituir o
livro porque o livro acontece na cabeça de cada pessoa. Também não
penso que seja um prejuízo para a literatura [transformar livros em filmes].
Pode ser inclusive um benefício. Traduzir um livro em imagens é uma
47
leitura e essa leitura pode ser boa ou má.
Portanto, mesmo ao dar-se conta de que há relato de um licenciando não
“muito fã de filmes” (A-19), afirmando que prefere ler livros a ver filmes,
concordamos com Cercas (2012, p.1), quando diz que cinema não significa
necessariamente um prejuízo para a literatura, mas um benefício evidente e uma
possibilidade da qual os estudantes usufruírem ao serem despertados para a leitura.
Também consideram que o cinema auxilia no exercício da leitura,
principalmente, daquelas requeridas pela Universidade. Nesse sentido, percebe-se
que na Universidade surge o interesse para atividades culturais como assistir a
filmes e realizar leituras, possibilitando também o aperfeiçoamento acadêmico,
conforme outro relato: “Agora, na universidade, estou voltando um pouco do meu
tempo a ele [o cinema] como auxílio às leituras”. (A-6).
47
Fonte: Site do Jornal Opera Mundi
http://operamundi.uol.com.br/conteudo/entrevistas/22918/acreditar+que+filmes+substituem+livros+e+
um+erro+gigantesco+diz+escritor+espanhol.shtml Acesso em 8/7/2012.
79
Em certos relatos, porém, observamos que os alunos apontam alguns limites
de suas experiências com o cinema, como a seguir.
 A falta de oportunidade que tiveram e que ainda têm de ir mais vezes ao
cinema: “O cinema não teve e não tem grande espaço nesse meu tempo de
vida. Sei que fui um pouco mais de vinte vezes ao cinema. Claro que estou
tratando sobre a “sala” de cinema, aqueles espaços onde pode ser assistido
coletivamente.” (A- 6).
 A falta de melhor educação que os prepare para desenvolver o gosto por
assistir a filmes: “Digo que os filmes, universalmente, contribuíram
razoavelmente para o meu capital cultural. Eu nunca fora educado a ter
“gosto” por assistir filmes, bons ou maus. Contudo, agora, na universidade,
estou voltando um pouco do meu tempo a ele, o cinema como auxílio às
leituras.” (A-6).
 O caráter ambíguo do cinema de ser arte e, ao mesmo tempo, estar a
serviço do mercado: “Nunca refleti sobre essa pergunta, logo, considero o
cinema apenas como diversão, inclusive devido ao fato de a oferta de filmes
ser dominada por Hollywood.” (A-8).
 A utilização do cinema apenas para fins de entretenimento e diversão:
“O cinema enquanto filmes, faz parte da minha vida desde a infância, só que
como fonte de entretenimento.” (A-13).
A falta de tempo tornou-se obstáculo para idas frequentes ao cinema e isso
resultou, conforme relato de um dos licenciandos, na falta de uma educação para o
‘gosto’, referindo-se ao preparo ou aperfeiçoamento para apreciar a obra
cinematográfica, comprometendo sua formação de espectador.
Convém lembrar, todavia, a observação feita pelos estudantes sobre o que
entendem por cinema. Algumas vezes se referem ao termo como sendo o local ou
sala equipada para a projeção/exibição de filmes; outras vezes, por metonímia,
fazem referência à obra cinematográfica, ao filme, propriamente dita. Assim,
mantidas estas considerações, percebemos que, mesmo não indo com frequência
ao cinema, não deixam de o contatar, por vezes cotidianamente, por meio dos
filmes, dada a possibilidade de múltiplos suportes tecnológicos possíveis e que
80
permitem o acesso ao cinema.
Outra crítica realizada pelos licenciandos é à hegemonia da produção
cinematográfica hollywoodiana na oferta de filmes disponíveis. Para eles, tal oferta
se concentra prioritariamente no entretenimento e diversão, deixando de lado
aspectos essenciais para a formação humana. Há uma proposta mercadológica e de
apelo ao consumo, um compromisso com as inúmeras empresas e/ou grupos
empresariais multinacionais que patrocinam referidas produções cinematográficas, a
fim de passar uma ideologia de estímulo ao consumo ou a políticas que o
endossam, de maneira sutil e atraente, que chega a contrariar uma outra produção
cinematográfica em que os conteúdos com proposta estética, política e ética levam a
despertar o senso crítico de interpretação da realidade, que conscientiza e sinaliza a
necessidade da emancipação do espectador.
Além dos limites que pudemos observar por intermédio dos relatos dos
sujeitos, podemos ainda acrescentar dois muito importantes para uma apropriação
devida da linguagem cinematográfica: a condição de passividade em que muitas
vezes se coloca o espectador perante o filme e o fato de que nem todo filme trata
adequadamente os assuntos que pretende focalizar.
5.1.2 A relação com o cinema na infância
Podemos perceber, com a leitura dos relatos dos discentes, que o contato
inicial que tiveram com o cinema se deu ainda na infância, em casa e sob a
influência da família, a fim de proporcionar lazer e entretenimento.
A ida ao cinema não era frequente e estava condicionada à disponibilidade
dos pais que os levava quando podiam e que, por sua vez, selecionavam os filmes
para assistirem conforme a censura que estabeleciam para a idade adequada; é o
que observamos nos relatos seguinte:
Era o momento onde podia ir com meu pai assistir filmes, o
que me traz boas lembranças. (A-1).
Nesse período o acesso que tinha ao cinema era dirigido pela
educação dos meus responsáveis, que procuravam evitar os
81
filmes de temáticas inadequadas para a minha idade da época.
Os filmes que geralmente assistia eram os de temática infantil,
onde a magia e o encanto eram os elementos que mais
prendiam a minha atenção. (A-5).
O cinema, na infância, não era vivenciado com tanta
frequência, mas sempre que meus pais tinham tempo
levavam-me
para
assistir
os
desenhos
animados
que
estreavam. (A-9).
Não podemos atestar, contudo, pelos relatos dos discentes, se o cuidado dos
pais referente ao conteúdo dos filmes a que tinham acesso quando crianças era, de
fato, permanente, tendo em vista que estavam em constante contato com a
programação veiculada pela televisão, às vezes, contendo teor inadequado para a
faixa etária.
Sobre o conteúdo dos filmes com os quais os licenciandos tiveram contato
ainda na infância, sobressaem os desenhos animados, quase sempre da Disney,
com forte presença lúdica para o entretenimento.
Na minha infância eu assistia filmes próprios de crianças. Até
hoje gosto muito de desenhos animados. (A-2).
Na infância eu, basicamente, tive acesso a desenhos, filmes de
comédia e filmes de aventura com enredos fantasiosos. Meu
primeiro filme visto no cinema foi “O rei Leão”. (A-4).
Durante a infância eu não frequentei o cinema, mas assistia em
casa os clássicos da Disney e os adorava, principalmente, “A
bela adormecida” e “O Rei Leão”. (A-14).
Todos os clássicos da Disney. Sem exceção. Todos os
filmes do Mickey e Donald. Acredito que a Disney deva muito
a mim e a minha mãe. Ela comprava todos os lançamentos da
82
Disney e eu os assistia gostando demais. (A-17).
Um aspecto interessante a ser ressaltado é que o contato com o cinema
ocorreu por intermédio de filmes veiculados pela televisão e pela aquisição destes
quando de seu lançamento nas lojas e/ou locadoras, considerando que ir ao cinema,
o ambiente específico e adequado para projeção do audiovisual, representava uma
dificuldade presente na maioria dos relatos desses estudantes. A exemplo disto,
vemos o que disseram os sujeitos da pesquisa:
Assistia filmes nas casas alheias pois só teve TV na minha
casa em 1996. E, como já disse, os filmes que conseguia
assistir eram para entretenimento. (A-13).
Na
verdade,
enquanto
criança
não
tive
grandes
oportunidades de desenvolvimento cultural através do
cinema. O cinema na minha infância era uma realidade
distante. (A-15).
Nessa época assistia filmes de personagens de desenhos
animados ou filmes com crianças em casa, na infância não ia
ao cinema. (A-16).
Conforme alguns estudantes, ir ao cinema ou ver filmes pela televisão era
uma atividade para a qual os pais dispensavam o cuidado, percebido na atenção de
selecionar o conteúdo apropriado para crianças.
Nesse período [a Infância], o acesso que tinha ao cinema era
dirigido pela educação dos meus responsáveis, que
procuravam evitar os filmes de temáticas inadequadas para
a minha idade da época. (A-5).
Conforme os relatos, fora na infância que, por meio do cinema, foram
despertados
imaginação
e
a
criatividade,
bem
como
outros
sentimentos
83
relacionados. Neste sentido, o cinema representava uma atividade lúdica satisfatória
,significando momentos de prazer e alegria.
Na infância gostava de assistir desenhos e me sentia fazendo
muitas vezes parte do desenho. (A-7).
O
cinema
despertou
sentimentos
de
admiração,
contemplação, descobertas, curiosidade, entre outros
notórios na infância. (A-10).
Para saber o significado do termo Animação, o gênero cinematográfico aqui
em foco, mais assistido pelos discentes no período da infância, recorremos aos
pesquisadores de cinema, Aumont e Marie (2011, p.28), que nos esclarecem:
Utiliza-se este termo para designar as formas de cinema nas quais o
movimento aparente é produzido de forma diferente da simples filmagem
analógica. A técnica mais frequente consiste em fotografar, um a um,
desenhos cujo encadeamento produzirá automaticamente a impressão de
48
movimento, em virtude do “efeito phi” . [...] O filme de animação foi muitas
vezes considerado pelos teóricos, por um lado, como uma espécie de
laboratório figurativo, levando ao seu máximo as possibilidades da imagem
em movimento, e por outro, como um revelador ideológico do cinema em
geral (dado que em particular considera-se o gênero “desenho animado”
destinado às crianças).
Observamos, nesse sentido, que os filmes de animação vão além do mero
entretenimento; embora a função de divertir seja a mais evidente característica
dessas obras cinematográficas, não se pode negar o potencial educativo nelas
encontrado, mesmo não sendo esta a principal finalidade, pois não se tratam de
filmes estritamente educativos. Tais filmes ensejam bons costumes e um conjunto de
valores, individuais ou coletivos, considerados universalmente como norteadores
das relações sociais e da conduta das pessoas. Esses conteúdos vinculados nessas
estórias animadas sugerem, ao seu modo, a busca de uma organização da vida
48
O efeito phi mencionado por Aumont e Marie é a solução para o paradoxo do espetáculo
cinematográfico: Como uma sucessão de imagens fixas projetadas uma após a outra pode dar a
impressão de uma imagem única dotada de movimento? Explicam que “trata-se, de fato, de uma
propriedade inata da nossa percepção, mas de estádios cerebrais. As ligeiras diferenças, de uma
imagem à seguinte, dos estímulos visuais excitam células do córtex visual, que ‘interpretam’ essas
diferenças como movimento; o efeito produzido sobre essas células é para elas indistinguível do
produzido por um movimento real de um objeto. A partir da primeira década do século XX, os
psicólogos da escola gestaltista identificaram diversas variantes desse efeito de percepção de um
movimento aparente, que batizaram com letras gregas. Admite-se geralmente que o cinema está
relacionado com o efeito (phi)”. (AUMONT; MARIE, 2011, p. 125,126)
84
humana, diferenciando e definindo comportamentos proscritos, desaconselhados,
permitidos ou ideais, especialmente diante de circunstâncias difíceis.
Também é perceptível o fato de que é no período da infância, através do
audiovisual, seja pela televisão ou por meio de inúmeros filmes e outros suportes,
que se começa a propagar estímulos ao consumismo e a despertar o desejo da
criança por meio de apelos publicitários. Além de não haver uma abordagem
adequada sobre a criança, e para ela, pois seguem uma lógica consumista, com
abordagem ficcional, ainda não a reconhecem como sujeito de direito.
Sobre o
assunto, Glauber Piva, sociólogo e diretor da Ancine – Agência Nacional do Cinema,
adverte em artigo referente a essa realidade sobre a preocupação atinente à
construção de um Pacto pela Infância no Brasil que privilegie as necessidades e
direitos da criança, em meio à diversidade cultural e em diálogo com as novas
tecnologias, a Educação e os Direitos Humanos.
Quando propomos que haja um Pacto pela Infância no Brasil, propomos
que haja políticas públicas de audiovisual para a infância e que estas sejam
ferramentas à disposição de uma nova lógica, na qual as infâncias
brasileiras não sejam tratadas pelo Estado e pela sociedade como períodos
de transição ou mero mercado consumidor, mas, na sua plenitude,
exercitem a multiplicidade de ideias, práticas e discursos elaborados
socialmente. Com este pacto, ao mesmo tempo em que implementaremos
políticas e estimularemos novas práticas em torno das infâncias, estaremos
conformando um campo a partir do qual se negociarão novos direitos,
49
novos modos e novos territórios de ser infância. (PIVA, 2013, p.1).
Além de filmes de animação, outros gêneros são relatados pelos alunos como
vistos durante o período da infância, a saber, a comédia, a aventura, o suspense e o
terror. Entretanto, tais gêneros não se constituirão objetos de nosso aprofundamento
nesta pesquisa, levando em consideração a brevidade do tempo para assim fazê-lo.
Portanto, percebe-se que o impacto do cinema manfesto em seus relatos de
vida durante a infância representa uma dupla contribuição para a formação cultural
desses estudantes; ora positiva, quando potencializadora de valores, ora negativa,
quando embebida de uma lógica que estimula o consumismo e que fragmenta a
realidade, enredando-os numa teia ideológica que os aliena de seus direitos e da
condição de sujeitos.
49
Fonte: Site da Revista Carta Maior
http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5950&boletim_id=1509&comp
onente_id=25698&utm_source=emailmanager&utm_medium=email&utm_campaign=Boletim_Carta_
Maior__28012013 Acesso em 28/01/2013.
85
Observamos, que o contato mantido pelos discentes com o cinema, na
infância, se caracterizou como experiências formativas repleta de sentidos e valores;
um despertar afetivo para a Sétima Arte, marcado pela presença da família e em
casa, e voltada para o divertimento.
5.1.3 A relação com o cinema na adolescência
O que se evidencia nos relatos de experiência com o cinema no período da
adolescência é maior autonomia e independência para irem ao cinema e assistirem
a filmes desejados. Se durante a infância estavam sob a tutela dos pais ou
responsáveis para irem ao cinema e escolherem o filme a assistir, aqui as escolhas
se dão sob a influência dos amigos, com os quais dividem o momento do filme, tanto
no cinema como em casa. Percebe-se que, nessa etapa, se ampliam a diversidade
de gêneros cinematográficos nos relatos dos licenciandos e a forte influência da
mídia, por conta da publicidade dos filmes em cartazes (como fator de atração ao
cinema ou para a aquisição ou aluguel de filmes). As categorias que mais se
destacaram
nesse
momento
foram
autonomia
e
diversidade
de
gêneros
cinematográficos, como podemos observar nos relatos que veremos adiante.
Com relação à diversidade de gêneros cinematográficos, a adolescência
significou para a maioria
dos sujeitos a possibilidade da diversidade de suas
experiências, as quais sinalizavam para um aprimoramento das suas maneiras de
assistir ao filme e apreendê-lo, mais exigentes e críticos, à medida que essas
experiências se multiplicavam e se aperfeiçoavam como espectadores da Sétima
Arte. O cinema representava um lugar onde poderiam, aos poucos, exercitar a
liberdade de escolha, mesmo que estas perpassassem a influência de amigos, da
família ou da mídia.
Um momento de independência onde ia sozinho e me sentia
feliz. (A-1).
Nesse período o leque de gêneros de filmes cresceu
consideravelmente; agora eu já assistia filmes de ação,
86
dramas, comédias românticas e filmes de ficção científica. (A4).
Já na adolescência tive um pouco mais de autonomia nas
escolhas dos filmes que queria assistir. Os filmes
românticos e os filmes de época eram os meus preferidos. O
encanto e a magia já não eram mais atrativos para mim, até
mesmo os filmes românticos tinham que apresentar, pelo
menos, um pouco de realidade. Tinha acesso a filmes de
época, geralmente, na escola, nas aulas de literatura, sendo
uma época bastante marcante. (A-5).
Nesse período os filmes eram selecionados em sua maioria
pela indicação dos amigos ou pelos mais comentados.
Época de assistir os filmes da moda. Não exclusivamente,
mas em sua maioria. Pânico 1, 2, 3. American Pie, Traços da
morte, Documentários, Marley e eu, Conduzindo Miss Dayse,
Amistad, Rei Arthur, Troia, Titanic, Senhor dos anéis, Homem
Aranha, Super homem, Batman, O sexto sentido, a viagem de
shihiro,Gênio indomável, Uma mente brilhante, Antes de partir,
O auto da compadecida, Lisbela e o prisioneiro, O homem que
desafiou o diabo, Madame Satan, Matrix... Caramba! Foram
muitos. Impossível lembrar-me de todos. (A-17).
Há na fala de alguns deles a indicação de que, por meio do cinema, deu-se o
despertar de valores afetivos corroborados pelas histórias românticas, épicas e
dramas apresentados por filmes assistidos na adolescência. Também descrevem o
aguçar da percepção sociopolítica com a qual assistiam a certos filmes. Assim,
destacam a sensibilidade de serem mais exigentes na escolha de filmes.
Gostava de romance, coisas melosas, dramáticas, estórias
que combinassem com o momento que eu estava vivendo. (A3).
87
Além de despertar os mesmos sentimentos da infância (de
admiração, contemplação, descobertas, curiosidade, entre
outros), ocorreu o acréscimo de outros próprios da
puberdade e realidade sócio-política em geral. (A-10).
Os musicais me marcaram bem, principalmente “Cantando
na chuva”, “Cinderela em Paris”, mas continuei interessado nos
filmes de ação, investigação e iniciando com os [filmes]
políticos. (A-12).
Nos relatos da adolescência, sentimos a ausência do ambiente escolar
proporcionando o acesso às experiências vivenciadas com o cinema ou com a obra
cinematográfica. Inferimos que tais experiências tenham acontecido, contudo, de
forma mínima, sem muita expressão e, portanto, sem se efetivarem nas lembranças
de grande parte dos discentes. Apenas um aluno fez menção à experiência de ter
visto filmes na escola nessa faixa etária.
Tinha acesso a filmes de época, geralmente, na escola, nas
aulas de literatura, sendo uma época bastante marcante. (A-5).
Nesse sentido, a crítica de Milton José de Almeida é sempre atual, pois
evidencia o distanciamento entre escola e cinema e busca dar explicações sobre a
situação que deparamos. O autor explica:
Parece que a escola está em constante desatualização, que é sublinhada
pela separação entre cultura e educação. A cultura localizada num saberfazer e a escola num saber-usar, e esse saber-usar restrito desqualifica-se
o educador, que vai ser sempre um instrumentista dasatualizado. Essa é
uma das razões da separação entre educação e cultura (ALMEIDA, 2004,
p.8.
5.1.4 A relação com o cinema atualmente
Alguns discentes relataram que hoje buscam assistir a filmes que expressem
valores que favoreçam o fortalecimento do vínculo familiar e do diálogo. Estão à
88
procura de filmes que abordem temas que façam pensar e despertem a consciência
para as questões fundamentais do cotidiano. Nesse sentido, quando se fala em
cinema, família e reflexão constituem categorias que se destacam nessa etapa da
vida dos sujeitos, como podemos perceber nos relatos seguintes.
Procuro escolher filmes que possa levar o meu filho, esposa e
nossos familiares como um momento importante para o laço
familiar e a dialogarmos sobre o filme. (A-1).
Estou dando espaço para filmes mais voltados para comédia e
ainda assim adoro um filminho que me traga algum tipo de
reflexão. (A-18).
A categoria reflexão também aparece nos relatos quando os sujeitos tentam
associar cinema com formação acadêmica. Percebemos que os sujeitos buscam
assistir a filmes que sejam pertinentes aos estudos que estão realizando, dentre os
quais destacam os documentários. Nesse sentido, veem no cinema um aliado que,
transpondo o mero entretenimento, facilita a compreensão do conteúdo e
complementa com dinamismo as leituras acadêmicas e subsidia a formação.
Época de mudança. Com minha inserção na universidade tive
uma educação que prega a vislumbração da Sétima Arte como
complemento das leituras acadêmicas. Um recomeço com
outras
perspectivas.
Em
cada
filme
vejo
as
teorias
assimiladas: fato social, coerção, fenômeno social total,
cultura alimentar, capitalismo, relação social etc. (A-6).
Continuo com os filmes investigativos por que me ajudam
a usar melhor o raciocínio; ficção por que gosto de imaginar
o futuro; e documentários que me ajudam nas pesquisas
acadêmicas. (A-12).
89
Atualmente os filmes são fontes de entretenimento e um
subsídio a mais na minha formação acadêmica. Quando
desejo aprofundar algum assunto ou ver através de outra ótica,
nesse caso a ótica da produção cinematográfica, recorro a um
filme.
Porém
o
acesso
a
filmes
de
conteúdos
que
correspondam aos assuntos que estudamos ainda é muito
difícil, embora exista sites na internet que fazem isso. Em geral,
os originais são caros e a alternativa são os pirateados. (A-13).
Percebemos que alguns discentes estão ávidos por desenvolverem, com
origem no cinema, uma nova perspectiva de ver a realidade, outra aprendizagem e
reflexão sobre a vida e a fim de ampliar as perspectivas culturais.
Atualmente, assisto a filmes que tragam para mim alguma
lição de vida, algum aprendizado. Gosto dos filmes que
mostram também efeitos especiais, mas prefiro aqueles mais
bem elaborados, com conteúdo histórico e filosófico. (A-7).
Agora, sim, já posso falar com maior autoridade. Coloquei
como perspectiva: o cinema já faz parte do meu lazer. Toda
semana assisto a algum filme e percebo o quanto sou
transformado e preenchido culturalmente. (A-15).
Engraçado que atualmente, após iniciar o curso de Filosofia na
Universidade Estadual do Ceará, passei a conhecer outros
filmes que não estão enquadrados dentro das superproduções
ou os clássicos do cinema, mas são de uma riqueza de
conteúdo
brilhantemente
intrigante.
Ultimamente
tenho
procurado filmes que me desperte para o cotidiano, para o
trato com a vida real. Filmes que recortem a realidade em
situações reais ou que representem o mundo sobre outra
perspectiva. O mundo na sua totalidade. O que o constitui.
Atualmente também gosto de rever os filmes que a muito já
90
tinha experimentado. Mas também sou um espectador das
grandes superproduções atuais. Não sou contra, pelo contrário,
fico fascinado com o avanço da tecnologia e a perfeição das
produções dos filmes de computação gráfica. Não deixei de
assistir aos grandes filmes nacionais e internacionais. A
experiência da consciência é um fato que muito me agrada.
Atualmente já vi vários filmes também, de cabeça não me
lembrarei de todos, mas lembro de que já assisti QuartaB,
Segunda-feira ao sol, Fonte da Vida, Ensaio sobre a cegueira,
A onda, Freud além da alma, Desafiando Gigantes, O preço do
amanhã, Os vingadores, Papillon, O banquete do amor,
Amores Peros, Billy Eliot, O pequeno Milagre, A vida é bela,
Céu de outubro, Mary and Max, Menina de Ouro, Tropa de
Elite, Caminhando nas nuvens, a procura da felicidade, a
espera de um milagre... Vários. (A-17).
Mesmo ressaltando, porém, muitos aspectos positivos de suas experiências
como espectadores de cinema, os alunos apresentam fatos que dificultam o acesso
a este artefato cultural: as muitas atividades diárias da academia, a falta de tempo; a
dificuldade de se ter acesso a filmes de conteúdo pertinentes aos assuntos
estudados; a difícil aquisição de bons filmes, por conta dos altos preços, fazendo
com que recorram a materiais inautênticos.
Para ser sincera, não tenho muito acesso a filmes atualmente,
pois, possuo algumas obrigações e acabo não tendo muito
tempo; geralmente, só nos finais de semana, mas não deixei
de gostar dessa atividade, apenas me vejo um pouco atarefada
para ter tempo de curtir alguns filmes. (A-5).
Hoje estou frequentemente no cinema, dependendo das
atividades acadêmicas, uma ou mais vezes por mês, marco
com amigos para assistir algo. Assim, na medida em que os
filmes que me interessam vão estreando, busco assistí-los logo
91
quando saem em cartaz. Todavia, como já citei, a correria da
academia
acaba
inviabilizando
uma
presença
mais
frequente no cinema. (A-9).
5.1.5 A significação do cinema como arte
Ao serem indagados sobre a importância do cinema em suas vidas, os
discentes tiveram a oportunidade de retratá-lo como uma arte complexa e que, por
esta razão, possibilitaria a eles, a partir de atitude crítica, um novo e diferente
contato com a realidade capaz de exercer influência sobre suas formações.
Assim, apresentaram o cinema como:
 Meio de valorização da imagem, sob a qual surge uma outra
possibilidade de compreender a realidade: Sem cinema não há cultura,
pois é muito importante a valorização da imagem; a compreensão fica melhor
sobre os fatos. O entretenimento é mais valorizado quando é por imagens. (A3).
 Canal de acessibilidade ao mundo artístico: Como já foi dito antes, o
cinema ocupa em minha vida uma posição muito significativa. Ele é um dos
principais canais de acesso que eu tenho ao mundo artístico, daí a sua
importância. (A-4).
 Possibilidade de desenvolver a capacidade de nos conectarmos com a
arte: Como a capacidade de podermos através da nossa capacidade sensível
de estarmos em conexão com a obra, sintonizados e ligados ao espetáculo.
(A-1).
 A arte de interpretar a vida a partir de uma dupla perspectiva, e que
sugere uma tomada de decisão para com a realidade: O cinema
representa uma outra forma de ver determinadas realidades, assim como o
reconhecimento de fatos até então desconhecidos. Mas, também, associa-se
a abstração, ver a realidade que não existe, romper um pouco com os fatos
trágicos do cotidiano. O cinema para mim, não está só no filme, mas em estar
com os amigos, e com eles escolher qual assistir, supondo qual deve ser
melhor, o que ele há de tratar e, ao sair da sala, ver quem acertou e fazer as
92
considerações finais. O cinema é a arte do que vai ser passado, assim como
os rituais que se estabelecem para assisti-lo. (A- 9).
 Arte historicamente situada, que leva em consideração as várias
dimensões do homem, objetivando sua aprendizagem cultural: O cinema
(filme) propicia inúmeras perspectivas, sempre a partir do gosto (gosto é uma
realidade incerta como toda a realidade é, mas ele molda-se ao tempo e ao
espaço, ao social, ao biológico, ao cultural; é bio-psico-sócio-cultural (Edgar
Morin)). Pierre Bourdieu diz que existem bens com gosto e gosto sem bens;
pois digo que como a arte é provinda de um gosto para outros gostos, o
cinema também o é. Meu gosto pelo cinema provém de outro gosto, daquele
que faz o filme. O cinema como arte é a possibilidade de se permitir gostar de
outros gostos ou não. (A-6).
 Instrumento capaz de promover mudanças: O cinema traz conhecimento,
nos instiga a pesquisar para saber mais sobre alguns assuntos. Nos leva a
conhecer lugares pelo mundo inteiro; revela costumes, histórias não contadas
ou mal contadas; levanta suspeitas sobre fatos reais. Em suma, o cinema
ajuda o homem a conhecer melhor o próprio homem. (A-12).
 Uma arte que é ao mesmo tempo documento histórico e meio de
entretenimento: O cinema desperta o lado artístico do homem através da
estimulação e criatividade. Ele pode fazer mudanças na nossa vida, além do
mais é uma arte nova que pode servir de grande instrumento para gerações
futuras. Não deixa de ser um documento histórico e nem um meio de
entretenimento. Isso representa o que há de mais importante no filme para
mim. (A-7).
 Uma arte em constante inovação: Assim como nas pinturas, o cinema
também passa cultura, expressividade e beleza para as pessoas. Além disso,
o cinema sempre está se inovando, nos mostrando coisas novas assim como
as pinturas e para mim isso faz que eu veja o cinema como arte. (A-14)
 Veículo cultural e estético que propicia a interface com outras artes: O
cinema como arte mostra a estética das artes tradicionais. Alguns filmes
destacam bem diversas artes, e acho que esse destaque tem uma boa
importância para o público. (A-16).
 Arte que estimula a dimensão onírica e seu processo imaginativo: De
93
fato, quando se observa um filme e se leva em conta toda a produção que
gerou esse produto final, eu imagino que só mesmo um grande artista, ou
grandes artistas, são capazes de produzir os resultados que chegam até nós.
E como toda arte, não traz somente um significado, mas uma gama deles; o
cinema tem esse poder de fazer essa ponte de uma determinada realidade
seja ela histórica, fictícia, pessoal ou coletiva com a nossa realidade. De
maneira dinâmica, atrativa, expressiva, bonita e inteligente. O filme também
trabalha através da arte a imensa capacidade da imaginação. (A-13).
 Arte que reivindica a educação do olhar em busca de elucidar a
realidade e conscientizar para a emancipação: A arte pode nos levar para
fora da realidade e também pode nos trazer para ela. O cinema como arte na
minha vida tem essas duas consequências, dependendo da temática
escolhida. Existem momentos que o cinema tem um poder aliviador, onde ele
pode estar trazendo algum incentivo, um ânimo, ou mesmo nos fazendo viajar
em nossos pensamentos para bem longe de nossa realidade. Essa arte
também pode abrir nossos olhos para o que está acontecendo no mundo,
denunciando as mazelas e as injustiças que existem, combatendo em nós a
alienação. (A-5).
 Mediador do processo cognitivo que se desenvolve entre o espectador e
a sua realidade, desde o conteúdo audiovisual carregado de significados
e que evidencia o potencial criativo do homem: O cinema é uma das
bases de crescimento humano, intelectual, afetivo. Ele ajuda o homem a
desenvolver suas habilidades. Sinto essa transformação cultural em mim,
porque ela é também satisfação. A arte é possibilidade e promotora de
sonhos. (A-15).
Convém mencionar que, mesmo ao fazer sobressair a importância que
atribuem à Sétima Arte e sua contribuição em seus processos formativos, alguns
alunos lembraram que, por motivo de seu viés comercial, o cinema tem reduzido sua
influência cultural no processo de aprendizagem, conforme bem explicitou o discente
A-8: “Acredito ser o cinema uma arte, porém, nos moldes como é ofertado, seu
papel cultural está bastante minimizado, o que, por consequência, torna-o como
acessório em um processo de aprendizagem”.
94
O discentes precisam desenvolver uma atitude crítica referente à produção
audiovisual, que seja compartilhada na coletividade, por meio de debate e além da
mera exibição do filme.
5.2 O cinema como possibilidade de formação docente
Ao perguntar aos alunos – De que forma o filme pode contribuir para a sua
formação docente? – os discentes ressaltaram a potencialidade da linguagem do
cinema, capaz de articular imagem e som, a fim de abordar conceitos, ideias,
informações e significados diversos.
Juntando imagens, sons e os conceitos necessários; trazendo
a assimilação de informações de maneira mais consistente,
complexa, total, [o cinema] pode permitir [ao professor] explorar
a capacidade dos alunos de extrair significados e analisá-los.
(A-1).
Nesse aspecto, vimos o sentido da imagem e, aqui em especial, da imagem
cinematográfica, explicitado por Aumont & Marie (2011, p.236), onde “a imagem é
um meio e uma forma de pensamento e não apenas um veículo do pensamento”.
Constitui-se, portanto, contribuição importante ao trabalho docente, excedendo a
linguagem verbal e escrita, despertando-o para a “nova cultura oral das imagens e
sons”. (ALMEIDA, 2004).
5.2.1 O cinema e a formação docente
Para a maioria dos discentes, o uso da obra cinematográfica em sala de aula
é citado principalmente como opção metodológica para dinamizar e enriquecer a
aula. Não deve, entretanto, ocorrer de maneira casual, como se fora um recurso
para momentos de emergência ou tapa-buracos. Pelo contrário, deve ser
contemplado no planejamento de forma refletida e eficiente.
Acredito que a principal influência dos filmes, assim como os
curtas, está em utilizá-los como recurso metodológico de aula,
95
para dinamizar e aproximar os assuntos abordados aos alunos;
entretanto, o filme deve ser pensado e repensado para se levar
às salas, deixando de ser um tapa-buraco nos percalços
dessas instituições educacionais. (A-9).
Pode me ajudar a planejar uma aula com mais dinâmica. (A-3).
Seria o caso de ir adiante, além de uma metodologia que se restringe a aulas
expositivas, com suporte nos recursos lúdicos da Sétima Arte. Os relatos mostram
que os discentes não têm dúvidas sobre a atratividade que o trabalho com o cinema
proporciona, partindo de onde é possível desenvolver a capacidade crítica e
reflexiva da leitura do contexto social.
O filme pode ser usado como um meio de quebrar a rotina das
aulas [expositivas], sem precisar sair do foco do ensino. É um
método muito atrativo, principalmente quando é desejado
trabalhar alguma temática em sala de aula com crianças,
adolescentes e jovens. De alguma forma, através da
abordagem com filmes, o professor influencia para a melhoria
da sociedade em um processo de conscientização dos alunos
perante a realidade. (A-5).
Noutro relato, percebemos que os discentes veem a contribuição advinda do
cinema não apenas por meio da projeção do filme na sala de aula. Para estes, é
preciso que se estruture a aula de modo a ter o momento do debate sobre o filme e
o assunto que ele aborda.
Há filmes que, por mais simples e ‘sem noção’, salpicam ideias
para inúmeros debates. Enquanto professor, talvez possa me
valer de um filme, documentário, como causador ou solução de
uma problemática provinda dentro ou fora da sala de aula. O
filme faz parte daquilo que se chama ‘educação invisível’
(Brandão) e levado para a sala de aula, lugar da educação
96
formal, auxilia o docente em suas reflexões. Claro que refletir
sobre o filme é bom, mas ir além dele é o fundamental” (A-6).
Os filmes podem apresentar determinadas problemáticas que
eventualmente podem ser debatidos em sala de aula. (A-4).
Tais relatos mostram o cinema como potencializador de reflexões e debates
e, por este motivo, tem a oferecer um forte contributo para o trabalho do professor. É
bom ressaltar, no entanto, que o filme, por ser artefato cultural e artístico, já se
constitui numa experiência formativa, no ato da projeção, conforme nos esclarece
Napolitano (2009, p. 15): “A experiência cultural e estética do cinema vai além de
qualquer metodologia de análise dos filmes e que o ato de assistir a um filme é uma
experiência formativa em si e por si”.
Por vezes, o cinema é visualizado como difusor cultural, por sua capacidade
de retratar a realidade cultural e histórica, assumindo um caráter documental de uma
época ou lugar, como mostram os seguintes depoimentos:
O filme na minha formação é de suma importância porque me
faz entender outros contextos de épocas passadas que não
foram vistas por nós contemporâneos, mas que retrata muito
bem o cenário através de uma elaboração dos escritos e de
artefatos históricos. Com isso o filme volta a ter certa
‘realidade’ produzida e ordenada como meio de formação
humana. (A-7).
Os filmes podem nos passar as diferentes realidades, valores e
culturas que existem em vários países o que pode me
favorecer bastante, pois terei um maior conhecimento que irá
favorecer à minha formação como docente na área das
Ciências Sociais. (A-14).
Pode contribuir para uma atenção melhor dos alunos em
relação ao assunto dado pelo professor em sala de aula.
97
Alguns alunos preferem filmes à leitura, pois é uma maneira
mais rápida e prática, que envolve mais por causa das imagens
reais,
contribuindo
assim
para
a
formação
cultural
e
educacional. (A-16).
Nesse sentido, o filme pode ser tomado como documento historicamente
situado, contanto que, se considerada esta finalidade, se atente para duas
premissas importantes, destacadas por Napolitano (2009, p.14):
Todo filme é uma representação encenada da realidade social e todo filme é
produto de uma linguagem com regras técnicas e estéticas que podem
variar conforme as opções dos realizadores. [...] é um documento mediado
por estas duas características básicas. Nada impede o professor e o
pesquisador de utilizarem um filme como documento para pensar a
sociedade, a história, as ciências, a linguagem. Mas, antes de tudo, um
filme é um filme, um documento diferente do texto escrito, da iconografia, do
gráfico.
Caberia, então, pensar o uso da obra cinematográfica sob essa dupla
perspectiva, um cuidado que já está demonstrado na fala de alguns discentes:
Os filmes quando apresentam uma determinada história não
trazem uma verdade absoluta, mas uma lente da qual podemos
extrair uma complementaridade na nossa formação. Podemos
assistir a um filme e este se desviar demais de uma
determinada realidade; ou um filme pode ampliar o estudo de
um tema trazendo, através do visual, da produção artística,
aquilo que os livros não podem trazer. (A-13).
Assim, alguns filmes podem contribuir para o reconhecimento
de momentos históricos, todavia, para um professor de história
este deverá ser somente ilustrativo, levando em consideração a
obrigatoriedade de saber do assunto, mas para outras áreas,
poderá ser utilizado com mais intensidade. (A-9).
Outro aspecto interessante que percebemos nos relatos dos estudantes é
que, para eles, uma das possibilidades formativas do cinema se encontra na sua
98
diversidade, manifestada por meio de vários gêneros cinematográficos.
Quando se fala em cinema, a diversidade de estilos e gêneros
é ampla para relacionar os filmes com a possibilidade de
contribuição nessa formação. (A-9) .
O contato com essa diversidade propiciaria uma aprendizagem estética
fundamental para o trabalho docente, pois aguçaria seu senso crítico e de leitura da
realidade e experiências culturais formativas. Demandaria, no entanto, uma
formação do gosto estético, muitas vezes ausente do perfil docente, para que se
aproprie da linguagem audiovisual, de forma consciente, a fim de poder aproveitá-la
pedagogicamente no trabalho docente.
Para Napolitano (2009, p.16,17), cabe ao professor e ao aluno desfrutar da
diversidade de gêneros, estilos e narrativas do cinema e romper o hábito de assistir
apenas aos filmes divulgados em circuitos e salas comerciais.
Para uma experiência mais ampla do cinema, professores e alunos devem ir
além do gosto consagrado pelo mercado e buscar outros tipos de filmes,
estilos, escolas, além dos gêneros e clichês do cinema comercial. Este é um
grande desafio que pode articular a experiência do cinema como lazer à
ampliação dos repertórios culturais de alunos e professores.
Seria o caso de se pensar, na escola e/ ou universidade, uma formação do
gosto estético, explicitado por Duarte & Alegria (2008, p.73)
O cinema é uma das mais importantes artes visuais da atualidade, com um
imenso poder de atração e indiscutível potencial criativo. [...] o cinema é
arte e como tal deve integrar o conhecimento que é transmitido pela escola,
tendo como objetivo a formação do gosto estético.
Fato importante é escolherem o documentário como sendo o gênero fílmico
capaz de favorecer uma articulação com o conteúdo produzido na Universidade,
ensejado pelos alunos como sendo o gênero privilegiado para o espectador.
“Designa-se por documentário uma montagem cinematográficade imagens visuais e
sonorasapresentadas como reaise não fictícias. O film documenal apresenta quase
sempre um caráter didático ou informativo, quevisa sobretudorestituir as aparências
da realidade, mostrar ascoisas e o mundo tal como são (AUMONT & MARIE, 2011,
p.117).
99
Os filmes em forma de documentários são, sem dúvida, uma
ferramenta importantíssima para a construção do saber
docente, pois mostram os fatos de maneira mais aproximada e
real,
até
mesmo
ilustrativa.
Este
recurso
deve
ser
cuidadosamente usado diante a constante manipulação
midiática/mercadológica que acaba sofrendo, podendo romper
com a veracidade dos fatos. (A-9).
Os documentários, os filmes baseados em fatos reais, que
trazem questionamentos sobre algo ocorrido na história, tudo
isso traz ou provoca um olhar crítico, investigativo ou
questionador sobre assuntos ou fatos. Em minha opinião, é
imprescindível
para
qualquer
estudante
as
revelações,
referências e questionamentos que o cinema traz. (A-12).
A contribuição do cinema para a formação docente, conforme os depoimentos
dos discentes, é percebida na dimensão metodológica (atrativo e dinamizador da
aula); contudo, mesmo com o reconhecimento da contribuição do cinema nesses
aspectos, ainda vimos que muitos discentes o retratam como recurso ilustrativo em
sala de aula.
5.2.2 Os filmes que marcaram a formação
Quando indagados sobre os filmes a que assistiram em sala de aula durante
a vida de estudante, vimos que, dos 19 discentes participantes da pesquisa, três não
responderam à questão. Dos 28 filmes citados, sete são documentários, seis
dramas, quatro comédias, dois biográficos, dois de ficção científica, dois de
suspense, dois de ação, um musical, um religioso e um de animação.
Apenas quatro tiveram destaque por terem sido relatados por dois alunos,
foram eles: Pequeno grão de areia, O nome da Rosa, Matrix e Pro dia nascer feliz;
os demais filmes foram citados apenas uma vez, por apenas um aluno. Segue a lista
a seguir :
100
 Tempos modernos [comédia]
 Olga [biográfico]
 Pequeno grão de areia [documentário]
 1492 – A Conquista do Paraíso [drama]
 Anjos do sol [drama]
 Biografia e história de Bob Marley [documentário]
 Pink Floyd – The Wall [musical]
 A Vida Secreta de Adolf Hitler [documentário]
 A guerra do fogo [drama]
 Filadélfia [drama]
 O sorriso de Mona Lisa [comédia]
 Memórias Póstumas de Brás Cubas [comédia]
 O homem que copiava [comédia]
 Jesus de Nazaré [religioso]
 Uma Odisséia no espaço [ficção científica]
 O nome da Rosa [suspense]
 Freud, além da alma [biográfico]
 A doutrina do Shock [documentário]
 Homo Sapiens 1900 [documentário]
 Opus Dei [documentário]
 Vidas secas [drama]
 O Conde de Monte Cristo [suspense]
 Matrix [ficção científica]
 Pro dia nascer feliz [documentário]
 Tróia [ação]
 Narradores de Javé [drama]
 Spartacus [ação]
 A fuga das galinhas [animação]
Dos 16 estudantes que a responderam podemos extrair informações
fundamentais referentes à relação cinema–sala de aula–trabalho docente.
porque o cinema:
Isso
101
(...) pode ser visto como uma expressão definidora de unidades de
subsistências, espécies de micromundos sociais, formados por indivíduos
que compartilham situações e sentidos comuns, que atravessam seus
gostos, comportamentos e sensibilidades. Situadas nesse caminho de
análise, as dinâmicas ligadas à sétima arte podem ser vistas como
possibilidades para conhecer o engate entre os processos de percepção,
elaboração e transmissão de aprendizados e de expressão simbólica que
produzem as condições para o engajamento dos indivíduos em
determinadas práticas sociais que se tornam amplos modos de orientação
da vida. Com isso, queremos dizer que, mais do que apenas um
entretenimento, a experiência do cinema tem potencial para atravessar a
existência de inúmeros indivíduos, tornando-se um importante processo de
significação social ou, dito de outro modo, uma forma capaz de modelar
vivências - a informar estilos de vida, gostos, comportamentos e visões de
mundo – e constituir memórias. (SILVA, 2010, p. 5).
Assim sendo, seus relatos nos revelam suas experiências e nos remetem ao
conhecimento de múltiplas dimensões na perspectiva da análise do trabalho docente
na sala de aula com a utilização da obra cinematográfica, como veremos a seguir:

Dimensão metodológica, quando explicitam a forma como seus professores
utilizaram a obra audiovisual cinematográfica em sala de aula:
Ele nos fez um monte de perguntas, quis que a gente desse
opiniões orais etc. (A-3).
Em uma aula de história o professor passou o filme com a
finalidade de nos inserir no contexto da matéria, no caso, as
grandes navegações. (A-4).
A professora não explicou direito o que iria ser tratado no filme,
e como se tratava de um tema polêmico e forte, necessitaria de
um preparo emocional com os alunos. Simplesmente o filme foi
posto para a sala assistir, e o debate gerado depois da aula
não foi muito proveitoso. (A-5).
O filme foi exibido, comentado e debatido. (A-10).
Foi trabalhado para complementar, através do audiovisual, as
aulas dadas sobre Graciliano Ramos. Assistimos em uma aula
e após isso apontamos. (A-13).
O filme foi trabalhado numa perspectiva de elaboração de
102
conceitos sobre a máquina no mundo contemporâneo. (A-15).
Apenas assistimos o filme. (A-17).
Assistimos em sala de aula e fizemos comentários acerca da
temática. (A-18).

Dimensão
axiológica,
quando
revelam
valores
extraídos
dessas
experiências e sua importância para a formação docente que vivenciam na
licenciatura:
Autossuperação e esperança de um mundo melhor com arte,
apesar da miséria vigente, ele mostra como podemos superar
as dificuldades. Foi o que aconteceu com Bob Marley que
superou sua realidade. (A-7).
Lutar contra as dificuldades e preconceitos. (A-8).
Acredito que os mesmos valores os quais intenciona; conseguir
nos seus alunos a sensibilidade de reconhecimento da
subjetividade da arte. (A-9).
Pensando pela perspectiva filosófica que o filme traz, os
questionamentos que o personagem principal faz, quanto à sua
vida, seu salário, seu trabalho, o cotidiano como um todo. (A9).
Ética, moral, competência, respeito, tolerância. (A-15).
Mesmo com a modernidade das máquinas o homem é o único
ser capaz de fazer inovações. Na sala de aula o professor é
capaz de inovar e criar valores de dignidade. (A-15).

Dimensão cultural, quando ressaltam a contribuição da Sétima Arte para o
processo de suas formações culturais, como forma de valoração estética:
Valores comportamentais e religiosos da Idade Medieval. (A10).
A observação da nossa evolução, os costumes adquiridos e os
perdidos ao longo de nossas vidas. (A-12).
103
Valores como a valorização da literatura como um viés
importante no conhecimento de nossa história e cultura etc. (A13).
Foi trabalhado para o conhecimento cultural sobre a Idade
Média, no momento em que a igreja era detentora do
conhecimento. [...] O professor deve voltar sempre para os
fatos históricos que compõem a realidade e transmitir esses
conhecimentos para transformar o aluno. (A-15).
Comentamos sobre o filme focando principalmente quanto a
forma de pesquisa, como no filme retrata a forma de
depoimentos buscando da oralidade narrar a história do povo
de Javé. Pesquisa é algo que considero fundamental tanto
para o processo de formação para professores, quanto para a
continuidade de sua profissão em si. (A-18).

Dimensão política, quando percebemos, com suporte nos dos filmes
utilizados, as escolhas:
Muita luta pela carreira docente e, principalmente, pela
educação e [melhores condições da] estrutura do ambiente de
trabalho. (A-3).
A temática do filme sendo bem trabalhada pelo professor
contribui de alguma forma para a conscientização da sociedade
nesse problema social. (A-5).
Que certas ideologias podem contaminar a sociedade. É
preciso valorizar a vida, pois a ganância do imperialismo foi
mais um erro que a humanidade cometeu. (A-7).
A necessidade da observação constante sobre como as
pessoas podem ser manipuladas. (A-12).
O valor da individualidade e o direito de ir e vir de cada
cidadão, sem que haja ingerência sobre ele, reduzindo ou
anulando seu direito de livre pensar e agir. (A-12).
O filme apresenta valores que contribuem para o professor se
104
dedicar mais em sua profissão e a cada dia lutar pela mesma e
por uma melhor qualidade na educação e nas escolas. [...]
contribui para os futuros professores tentarem melhorar as
condições nas escolas, dialogar mais com os alunos em sala
de aula e ajudá-los em seu desenvolvimento de forma digna.
(A-16).

Dimensão didática, quando confrontam os conteúdos institucionais com os
teores audiovisuais, no que poderíamos chamar de ensino da imagem (METZ,
1980):
O filme apresenta uma série de dados históricos, personagens
e fatos que estão nos livros didáticos. (A-4).
Quando estávamos estudando o período literário de que
Machado de Assis fazia parte, assim como na leitura de suas
obras.” [filme Memórias Póstumas de Brás Cuba] [...] O que
mais pode acrescentar é o contato visual com a obra do autor,
visualizando questões que talvez no livro tenho passado
despercebido. (A-9).
Aliado às aulas de arte, na perspectiva de dar uma outra forma
de ver a arte, a sensibilizar-nos. (A-9).
“Foi trabalhado para complementar, através do audiovisual, as
aulas dadas sobre Graciliano Ramos. Assistimos em uma aula
e após isso apontamos. (A-13).
A dimensão didática do cinema e a educação da imagem se faz importante no
nosso contexto, pois exste um atraso nas instituições de ensino com relação a novas
“[...] formas de expressão, comunicação e de elaboração de informações” (COSTA,
2003, p. 38). Daí a necessidade de trabalhos e pesquisas que aprofundem a relação
entre cinema e ensino. Ainda sobre esse assunto, Costa (2003, p. 39) explica:
[...] a introdução do cinema na escola [...] torna-se um momento de
confronto entre um tipo de cultura centrado na palavra(aquela que
institucionalmente a escola deve transmitir) e aquela que poderíamos
chamar de cultura icônica (a imagem em todas as suas possíveis
105
articulações e em suas integrações com a palavra), que tem, [...] uma parte
cada vez mais importante nos processos informativos e “formativos”.
O cinema é uma arte cujo valor não está na simples ilustração contingente,
fragmentada da realidade. Sua estética, conteúdo e linguagem revelam os aspectos
ideológicos numa perspectiva dialética de vislumbrar o todo, mesmo por meio de sua
abordagem fragmentada. Por isso seu uso, mesmo que em sala de aula, não deve
se restringir à ilustração.
5.2.3 Limites e possibilidade da linguagem fílmica como estratégia de ensino
Ao responderem a este questionamento – quais os limites e possibilidades da
linguagem fílmica como estratégia de ensino? – a maioria dos discentes evidencia a
eficácia do cinema em despertar-lhes o interesse, mas adverte sobre o risco do
trabalho com filmes desgastar-se ao não ser criteriosamente planejado, ocupando o
espaço da aula casualmente como tapa-buracos. Dentre as possibilidades, os
alunos destacaram o cinema como:
 Uma arte polissemica: Não há limites já que os significados podem ser
inúmeros. (A-1).
 Ajuda na comunicação entre o professor e o aluno: A possibilidade da
linguagem fílmica ajuda bastante para a comunicação entre os alunos e
professores, pois há um entendimento maior por conta dos exemplos que os
professores poderiam expor para prender a atenção dos estudantes. (A-2).
 Uma arte atrativa que possibilita o entendimento: A linguagem do filme é
uma possibilidade de trazer para a sala de aula algo que atrai as
pessoas. Aprender algo através de uma produção cinematográfica é ótimo.
(A-13).
 Uma arte que retrata e problematiza a realidade social: Existe essa
possibilidade de mostrar o estado real em que a sociedade está inserida,
podendo gerar debates sobre os possíveis temas trabalhados. (A-5).
 Uma arte que possibilita a interação do grupo em torno do debate sobre
diversos temas: Possibilita a explanação dos filmes e debates sobre o
que os alunos entenderam do filme; o que isso representa para a vida
106
deles; se são a favor ou contra o que foi apresentado pelo filme. (A-7).
 Um adicional no ensino-aprendizagem que estímula a criatividade dos
alunos: Acredito no filme como uma ferramenta importantíssima para
uma melhor relação dos alunos com os conteúdos abordados,
elucidando de forma mais descontraída as dúvidas que passam a surgir e
até mesmo no desvendar questões em filmes que já assistiam, mas não
perceberam alguns detalhes. (A-9).
 Possibilita o desenvolvimento do raciocínio audiovisual: A utilização do
filme ou documentários leva o estudante a raciocinar não só verbalmente,
mas também visualmente. Ajuda a estabelecer relações entre situações
diversas. (A-12).
 Uma arte que possibilita a inovação no modo de ensinar e refletir sobre
a realidade, sendo ele mesmo uma forma de conhecimento, dinâmico e
interativo: O filme é inovador e ajuda o aluno a refletir sobre a realidade
prática. O filme é também uma forma de conhecimento, ele faz com que a
aula seja mais dinâmica e interativa. (A-15).
Podemos ressaltar, ainda, dos relatos dos sujeitos, o cinema como uma
linguagem audiovisual auxiliar à formação que possibilita a ‘educação do olhar’
(ALMEIDA, 2004) ou mesmo uma ‘educação audiovisual’ (RIZZO, 2011), ajudando a
estabelecer relações entre situações diversas (realidade-ficção).
Ademais, alertando sobre a necessidade que temos de despertar para uma
nova oralidade que exige a sensibilidade intelectual para apreendê-la, Almeida
(2004, p.16,19) nos diz que:
A transmissão eletrônica de informações em imagem-som propõe uma
maneira diferente de inteligibilidade, sabedoria e conhecimento, como se
devêssemos acordar algo adormecido em nosso cérebro para entendermos
o mundo atual, não só pelo conhecimento fonético-silábico das nossas
línguas, mas pelas imagens-sons também. [...] Dessa forma, todo nosso
aparato intelectual acostumado a entender e ver palavras oralizadas, a
nossa inteligência verbal, é atualmente obrigado a acordar para uma
inteligibilidade diferente, necessária para a vida educacional e cultural na
sociedade oral de imagem e som.
Sobre a educação audiovisual, o Prof. Sérgio Rizzo (2011), em seu
importante trabalho doutoral – Educação audiovisual: uma proposta para a formação
de professores de Ensino Fundamental e de Ensino Médio no Brasil – contribui no
107
sentido de propor uma “educação audiovisual” por meio de curso, integral ou
modular, que contemple a formação de professores da Educação Básica. Ele
esclarece o emprego da expressão ao ressaltar que
[...] "educação audiovisual" busca traduzir compreensão mais aguda dos
fenômenos que, sob efeito do que se convencionou chamar de
"convergência de meios", de "revolução digital" e de "economia do
audiovisual", geraram transformações profundas nos campos do cinema, da
televisão e do vídeo, interligados nas esferas da linguagem, da produção,
da difusão e da recepção. (RIZZO, 2011, p.7).
O cinema é percebido, então, como uma arte que intermedeia a abordagem
dos conteúdos, possibilita o esclarecimento de dúvidas e questões apresentadas em
sala de aula, ajudando na comunicação entre o professor e o aluno e na mediação
dos coneúdos curriculares. E mais: o cinema aparece nos relatos como uma
inovação no modo de ensinar e refletir sobre a realidade, sendo ele mesmo uma
forma de conhecimento, dinâmico e interativo que possibilita inter-relações que
podem dinamizar o trabalho docente na perspectiva da práxis pedagógica.
Quantos aos limites, percebemos que o cinema ainda é muito utilizado de
forma instrumental, tendo papel secundário e meramente ilustrativo. Essa limitação
corrobora o que Almeida (2004, p.7) expressa: “Quando se fala de cinema [...],
geralmente encaram-se essas produções como ilustrações [...]. Nesse caso fica
evidente que o filme assume um papel secundário. Uma espécie de ilustração e
imagem inferior ao texto e à explicação oral”. Ainda sobre essa subutilização do
cimena e filmes, Duarte e Alegria (2008, p. 69 e 70) explicam:
Entendemos como “uso instrumental” a exibição de filmes voltada
exclusivamente para o ensino de conteúdos curriculares, sem considerar a
dimensão estética da obra, seu valor cultural e o lugar que tal obra ocupa
na história do cinema. Ou seja, se tomamos os filmes apenas como um
meio através do qual desejamos ensinar algo, sem levar em conta o valor
deles, por si mesmos, estamos olhando através dos filmes e não para eles.
Nesse caso, seguimos tomando-os apenas como “ilustrações luminosas”
dos conhecimentos que consideramos válidos, escolarmente. Superar esse
modelo é fundamental para que possamos oferecer às novas gerações a
formação de que necessitam para pensar e viver numa sociedade em que
[...] boa parte das lutas é travada em torno da imagem.
Não foi, no entanto, apenas essa limitação apontada pelos alunos. Podemos
destacar o que vem.
108
 A utilização da obra audiovisual descontextualizada do conteúdo
disciplinar estudado: O maior cuidado que se deve ter, acredito que seja a
sua utilização fora do contexto dos assuntos, o tempo do filme associado
ao tempo da aula, e o filme como uma ferramenta de “tapa-buracos. (A-9).
 Ter que ajustar o tempo do filme ao tempo da aula, sendo que,
geralmente, o tempo do filme extrapola o da aula: o tempo de uma aula
não permite que seja exibido o filme por completo. Assim muitos
professores tendem a passar o filme por partes em aulas diferentes. (A17).
 A escassez de debate sobre as temáticas apresentadas nos/pelos filmes
em decorrência da falta de tempo: Outro grande limite é o tempo das
aulas; é praticamente impossível assistir a um filme inteiro que dure, por
exemplo, 120 minutos, e discuti-lo na mesma aula; deixando para a outra
aula, perde-se um pouco o foco das ideias. (A-13).
 A dificuldade de se escolher um filme, entre uma imensidão de outros:
Tendo em vista a grande oferta de filmes de toda a espécie, existe a
dificuldade para se escolher algum que consiga trazer para a sala de aula
algo que possa ser explorado. (A-8).
 Falta de cuidado na escolha do filme: Os filmes escolhidos pelos
professores em sua maioria são antigos e não satisfazem à necessidade
dos alunos e nem despertam o interesse pelo conteúdo do filme. (A-17).
 A necessidade de saber fazer uma leitura crítica do filme: Os limites que
posso apontar referem-se à questão do cuidado que se deve ter na escolha
do tipo de filme que se pretende trabalhar. Muitas vezes uma produção
cinematográfica acaba destacando demais alguns detalhes de uma
determinada temática, desviando do que realmente é importante para o
ensino-aprendizagem. É necessário saber fazer uma leitura crítica do filme.
(A-13).
 A má utilização do filme, sem um planejamento adequado: A
metodologia, a prática e a didática as quais são aplicadas nessa estratégia
em sua maioria são falhas. (A-17).
De todos os limites listados o mais enfatizado pelos sujeitos, foi o tempo, que
109
emerge como a categoria mais importante. Podemos inferir que a exibição
fragmentada do filme em aulas diferentes pode prejudicar o desenvolvimento do
trabalho com filme e que a simples exibição do filme, por comodismo ou
casualidade, desgasta a relação cinema–aula.
Além das possibilidades e limites, os sujeitos ainda escreveram sugestões e
estragégias para o bom uso do cinema como estratégia de ensinagem. Apenas um
aluno se restringiu a listar filmes para trabalhar em sala de aula -“(...) o filme que
conta a história da Apple, pois mostra a determinação de Steve Jobs e como ele
chegou até a fama.” (A-2) – os demais alunos deixaram sugestões significativas que
devem ser levadas em consideração pelo professor, não como uma regra, ou uma
cartilha, mas como algo que possa ajudá-lo na tomada de decisões quando optar
por trabalhar com a produção cinematográfica em sala de aula. Detacamos as
seguintes.
 O professor deve conhecer o filme antes de utilizá-lo em sala de aula; o
contexto e a temática abordados e a capacidade que o filme tem de
despertar interesse no aluno: Há de se levar em conta em que contexto o
filme está sendo passado, se os alunos já foram apresentados àquela
temática, se o filme é capaz de prender a atenção deles. (A-4).
 O professor faça uso de filmes que enfoquem a realidade dos alunos: O
interessante seria trabalhar com filmes que se aproximem da realidade do
aluno. (A-4).
 Selecionar filmes que sejam do conhecimento de todos e, portanto, que
tenham sido assistidos anteriormente pela maioria, para que, assim,
possam ser debatidos em sala de aula: (...) escolher filmes assistidos
pela maioria dos alunos, assim, pode-se ganhar tempo para possíveis, tão
difíceis, debates. (A-6).
 A elaboração, pelo professor, de um roteiro de observação para análise
do filme e sua relação com o conteúdo em estudo, a fim de que não se
perca o foco do estudo em questão: Uma das maneiras de trabalhar com o
filme é a do roteiro de observação para que o aluno seja guiado pelas
intenções de análise que o professor deseja. (A-9).
 A elaboração, pelo aluno, de um roteiro sobre o filme e sua relação com
110
o conteúdo estudado: Bem, a forma como acredito ser interessante o
trabalho com filme em sala de aula é utilizar do filme como um meio para
possibilitar ao aluno uma maior compreensão de determinados conteúdos
dado que este conteúdo tenha sido trabalho através de outras formas como
leituras e aulas expositivas que culminem como forma de encerrar o conteúdo
e o aluno chegue à catarse. O objetivo final é que seja feito um roteiro o
qual os alunos se basearão para escrever sobre o filme fazendo conexão
com o conteúdo estudado em sala de aula. (A-18).
 A elaboração de uma lista de filmes para o trabalho com os conteúdos
disciplinares em sala de aula: Criar possibilidades de que os próprios
alunos listem filmes com conteúdos para o ensino aprendizagem. (A-13).
 Programar a utilização fragmentada do filme ou fazer uso de curtasmetragens, a fim de solucionar o problema da discrepância entre o
tempo de aula e o tempo do filme: (..) devido ao tempo de duração das
aulas o professor poderia exibir somente uma parte do filme como exemplo
ou mesmo exibir curtas-metragens que na maioria são de 10 a 15 minutos,
tempo suficientes para ilustrar a aula. (A-17).
 A realização de debates conjuntamente ao trabalho com filmes com a
presença de especialistas nos assuntos em foco: A linguagem audiovisual
deve ser usada em sala de aula como veículo de informação para auxiliar a
formação. Cabe, portanto, ao professor analisar a necessidade da utilização
desta forma de ensino e, se necessário, fazer debates ou convidar algum
especialista para esclarecimentos mais detalhados sobre o assunto. (A12).
 O
professor
siga
a
dinâmica
de
trabalho
desenvolvida
pelos
cineclubes50: : seguir a linha dos cineclubes é uma ótima referência. (A17).
 Uma sessão mensal com debate sobre o filme: Escolher, sobre o tema
estudado, um filme adequado, e sempre que possível realizar uma sessão
50
Conforme o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o cineclube é uma “associação de caráter
amador, para estudo, debates e para exibição de filmes selecionados”. A acepção do termo utilizada
por Aumont e Marie (2011, p.70,71) nos esclarece que se trata de “uma associação não comercial
que reúne membros para ‘difundir a cultura pelo filme’”. Os autores descrevem que “a sessão de
cineclube, geralmente semanal, programa um filme de arte e ensaio, antigo ou recente, pouco
difundido pelo circuito comercial clássico. O filme é geralmente apresentado por um especialista, que
anima o debate após a projeção”. (AUMONT; MARIE, 2011, p.71)
111
por mês, com debates sobre o tema primordial focalizado no filme, entre
outros liames pertinentes. (A-10).
 a elaboração de um curta-metragem como forma de avalição: (...) no final
do semestre a turma deveria criar um curta-metragem como avaliação final.
(A-3).
Percebe-se nos discursos que, mesmo o cinema influênciando na formação
cultural e profissional dos sujeitos; mesmo percebendo-se os limites e possibildades
do cinema na sala de aula, exibindo propostas e estratégias de superação dos
problemas detectados por eles, nas suas experiências formativas, os alunos não
conseguem romper, na maioria da vezes, com a visão instrumental e ilustrativa da
utilização do cinema no curso de licenciatura.
112
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
[...] quando exclamas num ponto da tua investigação:
cheguei ao fim!,
deverias exclamar: cheguei ao início!
(E não é por humildade ostensiva que o deves dizer,
pelo contrário: é por um egoísmo ostensivo.
Cheguei a mim – é o que deverias exclamar –
e como é difícil chegar a mim!)
(Gonçalo Tavares)
Percebe-se que a temática da formação docente deve ser constantemente
repensada principalmente nos cursos de licenciatura. Estes cursos exprimem muito
latente o antagonismo entre a licenciatura e o bacharelado, com prejuízos para a
constituição do ofício docente.
O cinema, por sua vez, é uma tecnologia estudada, principalmente, na
perspectiva de seu vínculo com a educação. Sua influência artística e cultural é
marcante sobre o espectador e a sociedade em geral, o que faz do cinema o veículo
de comunicação de massa mais influente ainda em nossos dias. As imagens
veiculadas nos filmes, por serem reflexo da sociedade vigente, potencializam essa
influência em ditar modos de pensar, costumes e comportamentos.
Por esse motivo, a linguagem cinematográfica deve ser cada vez mais objeto
de pesquisas, constituindo-se um forte aliado na abordagem dessas questões
formativas, servindo para mediar a discussão referente à formação cultural e
profissional do professor.
Ao tentar compreender como o cinema influencia na vida cultural e na
formação pedagógica dos estudantes dos cursos de Filosofia e Ciências Sociais da
Universidade Estadual do Ceará, podemos chegar a algumas conclusões:
A experiência de expectador de cinema é importante na formação cultural das
pessoas, a qual não é estanque, mas ocorre de forma processual e por toda a vida.
Isto porque propociona:
 a possibilidade de formação do sentimento,
 o enriquecimento do capital cultural,
 o diálogo com outras áreas do conhecimento,
 o contato com outras esxpressões artísticas,
 uma porta de entrada para a literatura,
113
 criar e intérpretar a realidade, possibilitando a leitura do mundo,
 a conscientização política,
 o estimulo da inteligência e da sensibilidade,
 a promoção da sociabilidade entre as pessoas, interatividade dos
discursos e o estimulo do senso crítico e
 a formação humana por meio de valores.
Isso porque é o cinema uma arte complexa que possibilita, com o amparo em
atitude crítica, um novo e diferente contato com a realidade capaz de exercer
influência sobre nossos processos formativos. Como instrumento artístistico o
cinema é:
 uma arte em constante inovação,
 um veículo cultural e estético que propicia a interface com outras artes,
 uma arte que estimula a dimensão onírica e seu processo imaginativo,
 uma arte que reivindica a educação do olhar em busca de elucidar a
realidade e conscientizar para a emancipação e
 mediador do processo cognitivo que se desenvolve entre o espectador
e a sua realidade, com origem no conteúdo audiovisual que traz
carregado de significados e que evidencia o potencial criativo da
pessoa humana.
Quanto à formação docente, a contribuição do cinema ocorre pelo fato de sua
linguagem ser capaz de articular imagem e som, a fim de abordar conceitos, ideias,
informações e significados diversos, além de ser um potencializador de reflexões e
debates.
Essa linguagem propociona aprendizagem estética fundamental para o
trabalho docente, pois aguça seu senso crítico e de leitura da realidade e
experiências culturais formativas. Para que isso de fato aconteça, porém, é preciso
que ocorra uma formação do gosto estético, a fim de que a pessoa se aproprie da
linguagem
audiovisual,
de
forma
consciente
para
poder
aproveitá-la
pedagogicamente no trabalho docente.
Dessa forma, o cinema ainda possibilita conhecimento de múltiplas
dimensões na perspectiva da análise do trabalho docente na sala de aula –
metodológica, axiológica, cultural, política e didática.
114
Por fim, o cinema, além de formador cultural e profissional, é expresso como
excelente estratégia de ensinagem. Isso porque ele é uma arte polissêmica, atraente
e que possibilita o entretenimento, ajudando na comunicação aluno-professor e na
interação do grupo em torno do debate sobre diversos temas. Além disso, retrata e
problematiza a realidade social e estímula a criatividade dos alunos; possibilita o
desenvolvimento do raciocínio audiovisual e enseja a inovação no modo de ensinar
e refletir sobre a realidade, sendo ele mesmo uma forma de conhecimento, dinâmico
e interativo.
Mesmo, entretanto, com o reconhecimento da contribuição do cinema em
todos esses aspectos, percebemos nos discursos de muitos discentes o cinema
como recurso ilustrativo em sala de aula.
115
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ESTADUAL
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122
APÊNDICES
123
Universidade Estadual do Ceará – UECE
Centro de Humanidades – CH
Disciplina: Didática Geral
Professora: Drª. Maria Socorro Lucena Lima
Discente:
Curso:
Caro estudante,
Estou desenvolvendo a pesquisa Cinema e formação de professores nos cursos de licenciatura,
como requisito básico do Curso de Mestrado Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE-UECE). Assim, venho até você pedindo sua colaboração em responder este
questionário, que será da maior importância para a pesquisa. Certo de sua compreensão e
atenção, agradeço.
Geraldo Magela de Oliveira Silva
[email protected]
Questionário I - Cinema como possibilidade de ampliação cultural.
1. Qual o lugar do cinema em sua formação cultural?
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2. Escreva um breve histórico da sua vida de espectador de filmes:
a) Na infância:
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b) Na adolescência:
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c) Atualmente:
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3. O cinema é considerado a Sétima Arte. Qual a significação do cinema como arte em
sua vida? Comente.
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Universidade Estadual do Ceará – UECE
Centro de Humanidades – CH
Disciplina: Didática Geral
Professora: Drª. Maria Socorro Lucena Lima
Discente:
Curso:
Caro estudante,
Estou desenvolvendo a pesquisa Cinema e formação de professores nos cursos de licenciatura,
como requisito básico do Curso de Mestrado Acadêmico do Programa de Pós-Graduação em
Educação (PPGE-UECE). Assim, venho até você pedindo sua colaboração em responder este
questionário, que será da maior importância para a pesquisa. Certo de sua compreensão e
atenção, agradeço.
Geraldo Magela de Oliveira Silva
[email protected]
Questionário II - Cinema como possibilidade de formação docente.
1. De que forma o filme pode contribuir para a sua formação docente?
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2. Cite três filmes que já foram trabalhados em sala de aula durante sua vida de
estudante:
Filme 1
a) Nome: ___________________________________________________________________
b) Como o filme foi trabalhado pelo professor? _____________________________________
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c) Quais os valores o filme apresenta para a formação de professores? ___________________
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Filme 2
a) Nome: ___________________________________________________________________
b) Como o filme foi trabalhado pelo professor? _____________________________________
________________________________________________________________________
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c) Quais os valores o filme apresenta para a formação de professores? ___________________
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Filme 3
a) Nome: ___________________________________________________________________
b) Como o filme foi trabalhado pelo professor? _____________________________________
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c) Quais os valores o filme apresenta para a formação de professores? ___________________
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3. Escreva sobre os limites e possibilidades da linguagem fílmica como estratégia de
ensino e destaque qual seria sua sugestão para o trabalho com filmes na sala de aula.
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CINEMA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM CURSOS