Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5 Nº 1 (2006) Formação de professores de acordo com a abordagem Ciência/Tecnologia/Sociedade Alice Fontes1 e Alexandra Cardoso2 1 Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Vila Real, Portugal. [email protected] 2 Escola Secundária Viriato, Viseu, Portugal Resumo: Neste trabalho parte-se do pressuposto de que a abordagem CTS nas aulas de ciências é hoje consensual para a maioria dos educadores. Assim, apresenta-se um estudo relacionado com esta temática, que está inserido numa investigação mais vasta relacionada com a importância da abordagem CTS na formação de professores. O estudo que se apresenta tem como principais objectivos: (a) proporcionar aos professores da amostra uma análise crítica à contextualização da Ciência nas diversas metaciências; (b) contribuir para o desenvolvimento da cultura científica dos professores para que possam introduzir a abordagem CTS nas suas aulas. A amostra de estudo foi constituída por 11 professores orientadores de estágio de Biologia/Geologia, ligados a uma Universidade, que frequentaram uma acção de formação orientada segundo os princípios da abordagem CTS. Os resultados mostraram que os orientadores adquiriram uma visão mais real da Ciência, próxima do conceito de Ziman, contextualizando-a nas diversas metaciências; adquiriram competências para implementarem a abordagem CTS nas suas aulas, tornando-se assim mais aptos e eficientes para a sua actividade profissional. Palavras-chave: perspectiva Ciência/Tecnologia/Sociedade; metaciências. Title: Teacher training according to a Science/Technology/Society approach Abstract: In this paper we begin with the presupposition that nowadays the STS approach in science class is consensual for most educators. Therefore, we present a study related to this topic, which is inserted into a much vaster project here has as its mais objectives: (a) provide the teachers in the sample a critical analysis to the contextualization of Science in the diverse metasciences; (b) contribute to the development of scientific education of the teachers so that they can introduce the STS approach into their classes. The study sample was made up of 11 trainers of Biology/Geology, connected to a university, who attended a training session organized according to the principles of the STS approach. The results showed that the trainers acquired a more realistic vision of Science, close to that of Ziman, contextualizing it in the diverse metasciences; acquired competencies to implement the STS approach in 15 Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5 Nº 1 (2006) theis classes, making them more capable and efficient for their professional activity. Key words: Science/Technology/Society perspective; metasciences; scientific education. Introdução e objectivos Diariamente somos confrontados com acontecimentos sobre as relações cada vez mais intrínsecas e complexas que se criam e desenvolvem entre a Ciência e a Tecnologia, na Sociedade. Estas relações perturbam por vezes o quotidiano, dando-nos prazer ou angustiando-nos, mas de todo o modo não poderão ser ignoradas porque neste início de milénio são inúmeros os desafios com que a educação científica se depara, tendo de se ajustar às novas realidades e de se actualizar, para podermos continuar a proporcionar aos nossos alunos uma cultura científica sólida e moderna. Na verdade, a imagem da Ciência foi-se alterando ao longo do século XX, mas foi no último quarto desse século que se operaram as mudanças mais revolucionárias, com a investigação sociológica da Ciência. Por outro lado sabe-se que os alunos começam a mostrar algum interesse pela Ciência nos primeiros anos da escolaridade obrigatória, interesse que vai depois diminuindo ao longo de toda a escolaridade. Este facto parece resultar da incapacidade que as disciplinas científicas têm em cativar os alunos (Furió e Vilches in Carmen et al, 1997), defendendo Ziman (1999) que é essencial modificar esta realidade. Acreditamos que através da abordagem Ciência/Tecnologia/Sociedade (CTS) introduzida nas aulas de ciências é possível mostrar e discutir com os alunos não só a não neutralidade da Ciência como ainda as suas potencialidades e limitações, salientando-se ainda a importância de uma Ciência para todos. Autores como Aikenhead (1994) são de opinião que os benefícios da introdução da abordagem CTS, nas aulas de ciências, são reais e consistentes, porque entre outras coisas, aumentam a literacia científica dos alunos, promovem o seu interesse pela Ciência, ajudam os alunos a melhorar o espírito crítico, o pensamento lógico e a tomada de decisão. Porém uma das dificuldades de implementação da abordagem CTS relaciona-se com a pouca aceitação e envolvimento dos professores, uma vez que a sua formação inicial não contempla, de um modo geral, os vários aspectos desta nova abordagem para o ensino das ciências (Fontes e Silva, 2004). Sabe-se que a formação de professores nem sempre tem acompanhado as novas exigências da educação científica, nomeadamente na contextualização da Ciência na abordagem CTS, de modo a que os professores possam transformar as aulas de ciências em contextos diversificados, agradáveis e motivadores da aprendizagem da Ciência. Assim, Vilches e Gil (in Membiela, 2001) enumeram alguns constrangimentos ou reservas dos professores face à integração da perspectiva CTS nas suas aulas de ciências, de que destacamos, entre outras, a falta de 16 Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5 Nº 1 (2006) tempo por parte dos professores para a preparação desta nova abordagem, o receio de uma aprendizagem menos exigente com um menor número de conceitos científicos, o modo como estes fizeram a sua formação inicial, caracterizada por uma especialização disciplinar, onde esteve ausente esta perspectiva, ou mesmo o receio de perda de identidade profissional. Deste ponto de vista cabe ao professor ser o agente de mudança, desempenhando várias funções e desenvolvendo novas competências, para as quais a sua formação contínua se torna indispensável. Também Vieira e Martins (2004) referem que a prática pedagógica dos professores de ciências não está normalmente integrada na abordagem CTS nem promove o pensamento crítico dos alunos, porque se centra habitualmente na transmissão de conhecimentos. Um estudo realizado por estes investigadores, orientado para a formação de professores de acordo com a abordagem CTS, mostrou que no final da formação os professores reconstruíram as concepções que tinham inicialmente sobre a Ciência – neutra, dogmática e linear – sobre a Tecnologia e sobre a Sociedade; os dados mostraram ainda que o programa de formação induziu uma prática pedagógica de orientação CTS. Foi com base nestes estudos que realizámos uma investigação-acção cujos principais objectivos eram (a) proporcionar aos professores da amostra de estudo uma análise crítica à contextualização da Ciência nas diversas metaciências (ciências que estudam outras ciências como a Filosofia da Ciência, a Sociologia Interna e Externa da Ciência, a Psicologia da Ciência e a História da Ciência); (b) contribuir para o desenvolvimento da cultura científica dos orientadores para que possam introduzir a abordagem CTS nas suas aulas. Metodologia Amostra de professores A investigação que se apresenta envolveu 11 orientadores de estágio pedagógico integrado da licenciatura em Biologia/Geologia para o ensino, cuja média de tempo de serviço era de 12.8 anos, num intervalo compreendido entre 6 anos de serviço e 24 anos de serviço, cuja mediana era de 12 anos de serviço e o desvio padrão era de 5.49 anos de serviço (gl=10). Era uma amostra bastante heterogénea relativamente à variável tempo de serviço, facto que eventualmente poderá ter algum significado nos resultados obtidos; mas por outro lado tratava-se de uma amostra homogénea relativamente ao seu papel na formação de professores. A amostra era deliberada, uma vez que pretendíamos trabalhar com professores que por um lado fossem formadores de professores, que aderissem voluntariamente ao estudo, e que portanto estivessem motivados; e que por outro lado desconhecessem como se podia introduzir a abordagem CTS nas aulas de ciências e na formação de professores. 17 Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5 Nº 1 (2006) Instrumento para recolha de dados Os instrumentos utilizados para recolha de dados utilizados neste estudo foram (a) um questionário como pré-teste/pós-teste, constituído por questões abertas e fechadas, e (b) um questionário para avaliação da formação adquirida, constituído apenas por 4 questões abertas. Estes dois instrumentos foram validados junto de 4 orientadores de estágio que não pertenciam à amostra de estudo e por 2 investigadores do ensino das ciências. Desenvolvimento do estudo O estudo desenvolveu-se com o grupo de 11 orientadores de estágio pedagógico de Biologia/Geologia e teve uma duração de 25 horas distribuídas por 7 sessões de 3 horas cada, e uma sessão, a última, de 4 horas. As sessões eram semanais e os orientadores trabalharam sempre em grupo (3 grupos de 3 orientadores e 1 grupo de 2 orientadores); os grupos mantiveram-se constantes durante toda a formação. O programa de formação contemplou 4 temas: a Ciência como um novo conceito de cultura; a Ciência e a Tecnologia; o movimento CTS e a educação em ciências e a importância da educação CTS na literacia científica dos alunos. O programa desenvolveu-se, em cada uma das oito sessões, segundo uma componente teórica e uma componente prática. No início da formação foi aplicado um pré-teste e 15 dias após a formação foi aplicado o pós-teste e um questionário de avaliação da acção. Por razões que se relacionam com a extensão deste artigo apresentar-se-ão os resultados de apenas algumas questões que constituíram o questionário. Análise dos dados Os dados do estudo foram recolhidos, como já se disse, no pré-teste/pósteste e no questionário de avaliação da acção de formação; foram tratados, alguns deles, por análise de conteúdo das respostas, e outros através da frequência de resposta e de percentagem. Conceito de Ciência Os dados recolhidos junto da amostra de orientadores de estágio relativos ao conceito de Ciência (tabela 1) mostram: (a) na situação de pré-teste os orientadores tinham um conceito de ciência muito reducionista, relacionado apenas com a História da Ciência (1 orientador): Busca de conhecimentos que pode ser alterado com os tempos; com a Filosofia da Ciência (5 orientadores): visão empirista: É a observação directa dos factos ou conhecimento que tem por base a observação (...) e visão racionalista: (...) formulação de hipóteses que poderão levar a novas teorias; alguns dos orientadores percepcionavam a ciência como actividade social e humana: é o produto da actividade humana, ou é uma actividade humana; 18 Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5 Nº 1 (2006) Orientadores 1 2 3 Pré-teste Pós-teste Busca de conhecimento que pode ser alterado com os tempos Conhecimento que tem por base a observação e a formulação de hipóteses que poderão levar a novas teorias Conhecimento que se obtém usando o método científico Não tem uma só definição; através das metaciências e do aspecto instrumental, vocacional, etc pode-se ter uma perspectiva mais completa da complexidade que é a ciência Não tem uma definição única, vai depender da perspectiva que se está a bordar (aspecto instrumental filosófico, histórico, etc) Ciência cria-se pelo intenso trabalho de observação, aprendizagem e análise 4 Conjunto de conhecimentos É o conhecimento ao serviço da tecnologia 5 Conjunto de saberes/conhecimentos A definição da ciência depende perspectiva em que é abordada 6 É uma actividade humana que utiliza uma metodologia própria (método científico) É a observação directa dos factos e a sua investigação que permite a evolução da sociedade A ciência deve ter em conta a melhoria da pessoa 7 8 9 É o produto da actividade humana - 10 11 Construção do conhecimento de acordo com métodos específicos que explica as várias questões do Homem Não há uma só definição de ciência. É uma actividade humana que procura formular leis gerais para explicar o universo, que se baseia em métodos objectivos e traz benefícios sociais Ciência não tem uma só definição, tem várias, de acordo com o que pretendemos A definição não pode ser feita sem ter em conta as diferentes metaciências Pode ser abordada segundo diversas perspectivas ou dimensões, tais como a filosofia, a história e a sociologia da ciência ou o seu aspecto instrumental e de arquivo Não há uma só definição de ciência; tem de ser definida tendo em conta as diversas metaciências ou os vários aspectos em que pode ser enquadrada Produção de conhecimento cujas múltiplas aplicações podem afectar o nosso dia a dia Tabela 1.– Percepção dos orientadores sobre o conceito de Ciência (questão 1). 19 da Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5 Nº 1 (2006) (b) na situação de pós-teste os dados recolhidos mostram uma evolução muito positiva do conceito de ciência, aproximando-se do conceito apresentado por Ziman (1986; 2003), contextualizando a ciência em diversas metaciências, como a História da Ciência, a Filosofia da Ciência ou a Psicologia da Ciência, e considerando ainda os vários aspectos segundo os quais ela pode ser analisada (tabela 1). Se pensarmos que, segundo Ziman (2003), só nos apercebemos da importância do conhecimento científico quando entendemos bem a sua natureza, como um todo complexo, poderemos dizer que a formação a que esta amostra esteve sujeita foi, de um modo geral, bem sucedida. De acordo com os resultados obtidos os orientadores de estágio da amostra em estudo parecem mais aptos para poderem analisar e discutir, com os seus estagiários, a complexidade subjacente ao conceito de ciência, de modo a que, com um efeito desmultiplicador, esses estagiários possam mais tarde, com os seus alunos, proporcionar-lhes análises semelhantes. Deste modo se poderá conseguir que os futuros alunos adquiram um conceito de Ciência mais real, mais actual e ao mesmo tempo mais complexo e abrangente. Benefícios/malefícios sociais da Ciência Para não tornarmos monótona a análise dos dados sobre os benefícios/malefícios sociais da ciência entendemos tratá-los em conjunto (tabela 2 e tabela 3). Na verdade, tanto os benefícios como os malefícios sociais da ciência, indicados no pré-teste, eram relativamente poucos em relação ao que se pretendia, pouco variados, e mais relacionados com o senso comum, como por exemplo aplicação na indústria, cura de doenças ou descoberta de medicamentos. Os dados obtidos no pós-teste mostram que, além de todos eles referiram os três exemplos solicitados também apontaram maior variedade de exemplos, como o aumento da qualidade de vida, benefícios para a saúde e ambiente e descoberta de vacinas e ainda construção da bomba atómica, armas químicas e biológicas ou aumento da poluição. Orientadores 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Pré-teste 1 exemplo 3 exemplos 2 exemplos 1 exemplo 2 exemplos 2 exemplos 2 exemplos 2 exemplos 3 exemplos 3 exemplos Pós-teste 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos Tabela 2. – Percepção dos orientadores sobre três benefícios sociais da Ciência (questão 2). 20 Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5 Nº 1 (2006) Orientadores 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Pré-teste 1 exemplo 1 exemplo 3 exemplos 1 exemplo 3 exemplos 2 exemplos 3 exemplos 1 exemplo 2 exemplos Pós-teste 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplo 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos Tabela 3.– Percepção dos orientadores sobre três malefícios sociais da Ciência (questão 3). Poderes sociais que interferem na produção científica Da análise à tabela 4, onde se apresentam os dados relacionados com alguns poderes (três) que interferem, por vezes, na produção da ciência, verifica-se também uma melhoria na aprendizagem, entre o momento da aplicação do pré-teste, em que o valor mais frequente era a indicação de apenas dois poderes e o pós-teste que mostra que todos os orientadores referiram os 3 exemplos que lhes foram solicitados. Os dados mostram que os orientadores de estágio se aperceberam, durante a formação, das relações complexas que se criam e desenvolvem entre quem produz Ciência e os poderes político, militar, económico e religioso, que por vezes interferem na produção científica. Orientadores 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Pré-teste Religioso. Político Político Religião. Poder económico Político Político.Económico Político. Religioso Político. Religioso Político. Religioso. Económico Político. Religioso Político. Religioso. Económico Político. Religioso Pós-teste Religioso. Político. Militar Religioso. Político. Sociedade Religioso. Político. Ético Político. Religioso. Económico Político. Económico. Religioso Político. Económico. Social Político. Religioso.Económico Político. Económico. Religioso Político. Económico. Religioso Político. Militar. Religioso Político. Económico.Religioso Tabela 4. – Percepção dos orientadores sobre três poderes que interferem na produção da ciência (questão 4). 21 Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5 Nº 1 (2006) Conceito de Tecnologia Na tabela 5 apresentam-se os dados relacionados com o conceito de tecnologia e que mostram uma diferença muito pouco considerável entre o pré-teste e o pós-teste, embora persista o conceito de tecnologia como produto, ou seja, como ciência aplicada, e não como processo. Na verdade, os dados mostram que os orientadores possuíam um conceito de tecnologia como produto: aplicação do conhecimento ou meio utilizado para a construção do conhecimento ou desenvolvimento de técnicas que auxiliam a Ciência e que a formação que tiveram apenas serviu para conceptualizarem melhor o mesmo conceito de tecnologia, ou seja, como produto. Pensamos que este talvez seja, em Biologia, o aspecto mais visível da tecnologia, e por isso, o que motivou mais os orientadores. Orientadores 1 Pré-teste Meios utilizados para a construção de conhecimento Pós-teste Aplicação da Ciência na construção de máquinas e de mater de máquinas e de materiais Aplicação do saber científico 2 Aplicação do conhecimento científico Aplicação prática dos Aplicação prática conhecimentos científicos conhecimento científico do 3 4 Aplicação do conhecimento do 5 Aplicação dos conhecimentos científicos 6 7 8 Meios técnicos ao dispor da ciência Apoio da Ciência 9 Algo que permite o avanço da ciência É a Ciência em acção 10 - Utilização prática conhecimento Aplicação do saber científico Meios técnicos usados pela Ciência Desenvolvimento de técnicas que auxiliam a Ciência É uma forma de aplicação do conhecimento científico A Tecnologia permite a operacionalização da Ciência Instrumentos que dão suporte tecnológico à Ciência Tabela 5 – Percepção dos orientadores sobre o conceito de tecnologia (questão 5). Cientistas portugueses e estrangeiros Queríamos ainda obter mais alguns dados directamente relacionados com a cultura científica desta amostra, e daí procurámos saber que cientistas, 22 Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5 Nº 1 (2006) portugueses e estrangeiros, os orientadores da amostra conheciam (tabela 6). Os dados mostram que os orientadores conheciam muito poucos cientistas portugueses, situação que melhorou significativamente após a formação que receberam. Na verdade, os orientadores conheciam melhor cientistas estrangeiros de há uns séculos, como Morgan, Mendel, Darwin ou Pasteur, directamente relacionados com a Biologia, mas não referiram cientistas estrangeiros actuais, que estivessem neste momento a produzir conhecimento. Estes dados resultaram, pensamos, de não ser feita referência, nos manuais nem nos actuais programas, a cientistas nacionais ou estrangeiros da actualidade, mesmo depois de a comunicação social portuguesa ter começado, há poucos anos, a dar alguma projecção a cientistas portugueses que produzem ciência em Portugal e no estrangeiro. Parece-nos que esta falha na formação dos orientadores se vai depois reflectir na formação dos estagiários, que por sua vez, não introduzem, na prática pedagógica, esse conhecimento; pensamos também que esta discussão na sala de aula é útil para aproximar a comunidade científica dos alunos, e para os motivar para a escolha de uma futura carreira científica. Orientadores 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 Pré-teste Cientistas portugueses Cientistas estrangeiros 3 exemplos 1 exemplo 1 exemplo 1 exemplo 1 exemplo 1 exemplo 3 exemplos 1 exemplo 1 exemplo 3 exemplos 2 exemplos 3 exemplos 1 exemplo 2 exemplos 2 exemplos 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos 3 exemplos 1 exemplo 3 exemplos Pós-teste Cientistas portugueses 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 3 exemplos exemplos exemplos exemplos exemplos exemplos exemplos exemplos exemplos exemplos exemplos Cientistas estrangeiros 3 3 3 3 2 3 3 3 3 3 3 exemplos exemplos exemplos exemplos exemplos exemplos exemplos exemplos exemplos exemplos exemplos Tabela 6.– Conhecimento dos orientadores de três cientistas portugueses e estrangeiros (questão 8). Recurso às metaciências Quando questionados, os orientadores da amostra referiram, antes da formação, não recorrer nas aulas às metaciências (tabela 7). Apenas dois orientadores (18.1%) referiram recorrer à História da Ciência. No entanto, na final da formação (pós-teste) a grande maioria (72.7%) admite ter introduzido na sua prática pedagógica algumas metaciências como a História da Ciência, a Sociologia da Ciência e a Filosofia da Ciência, ou seja, faziam-no intuitivamente sem que depois essas metaciências pudessem ser exploradas com os alunos ou avaliadas, porque, na verdade os orientadores de estágio não conheciam o conceito de metaciência, ideia que se reforça quando analisamos a tabela 8. 23 Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5 Nº 1 (2006) Orientadores 1 2 3 4 5 6 Pré-teste - 7 8 História da Ciência 9 10 11 História da Ciência Resposta errada Pós-teste História e Filosofia da Ciência História da Ciência História da Ciência Resposta errada Recorre pouco História, Filosofia e Sociologia da Ciência História da Ciência História da Ciência e implicações sociais da Ciência História da Ciência Não recorre História da Ciência Tabela 7. – Percepção dos orientadores sobre o recurso, às metaciências (questão 9). Exemplos de metaciências Os dados expressos na tabela 8 relacionam-se com as metaciências trabalhadas durante a formação, mostram que, por um lado, a maioria dos orientadores não tinha a percepção do que eram metaciências, e por outro, que a formação que receberam foi eficaz (pós-teste) e constituirá certamente um suporte para a sua prática pedagógica futura: no final da formação todos os orientadores da amostra referiram 3 exemplos de metaciências, solicitados. Esta aprendizagem, se era importante para professores de ciências, mais importante se torna num grupo de orientadores de estágio, na medida em que estes estão directamente ligados à formação de professores, podendo deste modo aplicar estes conhecimentos não só na sala de aula, como também junto dos orientandos, que mais tarde a poderão aplicar aos seus alunos, reproduzindo-se assim uma ciência contextualizada nas metaciências e discutindo-se a importância de o fazer. Abordagem Ciência/Tecnologia/Sociedade (CTS) Os dados recolhidos no pré-teste e no pós-teste (tabela 9) estão relacionados com alguns mitos da ciência e da tecnologia, com a abordagem CTS e com o conceito de tecnologia, pelo que se torna necessário separá-los para que se tornem mais claros. Entendeu-se ainda fazer o seu tratamento através de frequências de resposta e de percentagem. (a) alguns mitos relacionados com a ciência (afirmações 1, 2, 5, 6, 8 e 11) – não se identificam aqui resultados que mostrem uma grande aprendizagem durante a formação. Na verdade as respostas às afirmações referidas mostram um sucesso muito reduzido: quem tinha o conceito manteve-o, quem o não 24 Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5 Nº 1 (2006) tinha pouco melhorou. Estes resultados reforçam a ideia da imutabilidade dos mitos, que neste caso, são mitos relacionados com a Ciência, apesar de analisados e discutidos durante a formação, como mitos a desfazer, não foi possível consegui-lo inteiramente. Orientadores 1 Pré-teste - 2 - 3 - 4 - 5 - 6 - 7 - 8 10 Filosofia, História e Português Filosofia e História - 11 Filosofia 9 Pós-teste Filosofia da Ciência, História da Ciência Sociologia da Ciência Filosofia da Ciência, Sociologia da Ciência História da Ciência Sociologia da Ciência História da Ciência, Filosofia da Ciência História da Ciência, Filosofia da Ciência, Sociologia da Ciência História da Ciência, Filosofia da Ciência, Sociologia da Ciência Sociologia da Ciência, Filosofia da Ciência, História da Ciência Psicologia da Ciência, Filosofia da Ciência, História da Ciência Sociologia da Ciência, Filosofia da Ciência, História da Ciência História da Ciência, Filosofia da Ciência, Sociologia da Ciência Sociologia da Ciência, Filosofia da Ciência, História da Ciência Sociologia da Ciência, Filosofia da Ciência, História da Ciência Tabela 8.– Percepção dos orientadores sobre três exemplos de metaciências (questão 10). (b) abordagem CTS (afirmações 4, 7, 9 e 12) – aqui o êxito da formação também não foi muito evidente, com excepção da afirmação a abordagem CTS impede um aprofundamento científico dos conteúdos (de 63.6% no pré-teste para 100% no pós-teste) que nos parece ser também um mito ligada à abordagem CTS, ou a qualquer outra inovação que vá para além da rotina dos conteúdos oficiais. Nas outras afirmações colocadas parece que os orientadores possuíam já algumas ideias, relativas à abordagem CTS. (c) conceito de tecnologia (afirmações 3,10 e 13) – também aqui o sucesso foi relativo. Na verdade, se analisarmos comparativamente os dados obtidos no pré-teste e depois no pós-teste verifica-se que a aprendizagem foi reduzida (de 0% para 9.0%; de 63.6% para 81.8% e de 54.5% para 63.6%, tabela 9) e aquém do que se esperava. Estes resultados estão de acordo com os que foram obtidos na tabela 5 que mostravam também pouco sucesso entre a situação de pré-ensino e a situação de pós-ensino relativamente ao conceito de 25 Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5 Nº 1 (2006) tecnologia. Admitimos, como hipótese explicativa, que os orientadores de estágio estivessem pouco motivados para esta temática de que, na verdade, não se ocupam na sua prática pedagógica, nem na formação dos seus estagiários. Embora tivesse havido a preocupação de discutir o conceito de tecnologia como processo e como produto, na verdade, na Biologia o recurso à tecnologia surge mais relacionado com o produto e foi este conceito que prevaleceu no final da formação. Avaliação da formação (1) todos os orientadores que constituíam a amostra acharam que a formação que tiveram, sobre a abordagem CTS (questão 1) lhes foi útil ou muito útil; as justificações que apresentavam centravam-se principalmente em: espaço importante de reflexão que clarificou as ideias sobre a abordagem CTS; acção que despertou a curiosidade para a implementação da abordagem CTS; permitiu melhorar a qualidade do ensino e conhecer uma nova forma de ensinar ciências; permitiu problematizar as relações entre a Ciência, a Tecnologia e a Sociedade, para as introduzir na sala de aula; foi possível analisar com profundidade o conceito de Ciência e conhecer as metaciências; alertou para outra forma de ensinar ciências, mais motivadora para os alunos; (2) todos os orientadores referiram que a abordagem CTS, a que tiveram acesso nesta formação, ia modificar a sua prática pedagógica (questão 2), apresentando justificações como: melhor preparação dos estagiários de que eram responsáveis; introdução da abordagem CTS na sua prática pedagógica; melhor problematização de situações do quotidiano; exploração mais sistemática das implicações sociais da Ciência; (3) todos os orientadores referiram vantagens na abordagem CTS (questão 3) apresentado justificações como: permite desenvolver nos alunos competências atitudinais como a responsabilidade, o espírito crítico, a tolerância; motiva os alunos para a aprendizagem da Ciência; abre novas perspectivas aos estagiários e aos alunos; contribui para a literacia científica dos alunos; contribui para um melhor exercício de cidadania; fomenta a interdisciplinaridade; (4) apenas 2 dos 11 orientadores referiram como inconvenientes da abordagem CTS (questão 4) a dificuldade que sentiram em planificar; os restantes orientadores acharam que não viam inconvenientes em utilizar a abordagem CTS, manifestando, contudo, alguma apreensão em gerir o tempo e modificar o modo de avaliar os alunos. Todo este conjunto de dados recolhidos são indicadores da avaliação muito positiva que os orientadores fizeram da formação que receberam, do interesse que mostraram nesta forma de ensinar e aprender ciências e ainda da importância da formação de professores, nesta área. 26 Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5 Nº 1 (2006) Afirmações 1.– A base da ciência é o método científico 2.– Quanto maior é o conhecimento científico maiores são os benefícios sociais 3 – A Tecnologia é uma ciência aplicada 4 – A abordagem CTS contribui para uma cidadania responsável 5 – Os fundamentos da Ciência são a observação, experimentação e conclusão 6 – A Ciência é uma actividade social neutra 7 – A abordagem CTS dá aos alunos uma imagem mais real da Ciência 8 – A Ciência é um conhecimento objectivo e imutável 9 - – A abordagem CTS impede um aprofundamento científico dos conteúdos 10 – O desenvolvimento tecnológico deve ser controlado socialmente 11 – A Ciência é uma actividade que deve ser controlada 12 – A abordagem CTS impede que se terminem os programas escolares 13 – Quanto maior for o desenvolvimento tecnológico maiores são os benefícios sociais Pré-teste Resposta certa F % 0 3 27.2 0 Pós-teste Resposta certa F % 4 36.3 3 27.2 1 9.0 10 90.9 11 100 4 36.3 6 54.5 8 72.7 11 100 10 90.9 11 100 11 100 11 100 7 63.6 11 100 7 63.6 9 81.8 7 63.6 7 63.6 11 100 10 90.9 7 63.6 10 90.9 Tabela 9. – Percepção dos orientadores sobre a abordagem CTS. Algumas conclusões Globalmente poderemos dizer que a formação que os orientadores de estágio receberam melhorou a sua performance tornando-os mais aptos para o exercício de uma prática pedagógica mais inovadora, contextualizada na abordagem Ciência/Tecnologia/Sociedade, visível em alguns resultados, como por exemplo: 27 Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5 Nº 1 (2006) - a análise dos dados obtidos nesta investigação permite-nos concluir que os orientadores de estágio que constituíam a amostra de estudo tinham, antes da formação, um conceito de Ciência muito reducionista e deixavam perceber alguns mitos relacionados com a construção da Ciência. Após a formação verificou-se que os orientadores de estágio tinham adquirido uma visão mais real da Ciência, como algo não dogmático, contextualizando-a nas diversas metaciências, Filosofia da Ciência, História da Ciência, e Sociologia da Ciência, apercebendo-se ainda do seu aspecto instrumental, pelo que poderemos concluir que, após a formação, os orientadores de estágio ficaram mais aptos para analisarem, com os seus alunos, a complexidade que envolve o conceito de Ciência, podendo trabalhá-la segundo uma perspectiva mais moderna e actual, como algo que tem de ser analisado segundo a perspectiva de outras ciências (metaciências); - Identificámos um menor sucesso relativamente ao conceito de Tecnologia, que mesmo depois da formação, foi entendido pelos orientadores de estágio como um produto, ou seja, como um instrumento ao serviço da Ciência, que é a perspectiva mais relacionada com o senso comum e com as ciências experimentais; - Os dados mostram ainda, no final da formação, uma maior cultura científica dos orientadores de estágio, visível por exemplo: . no aumento e na variedade de benefícios e de malefícios sociais da Ciência, referidos após a intervenção pedagógica; . na melhor percepção dos diversos poderes sociais que controlam, interferem ou podem interferir na produção científica; . no conhecimento de bastantes mais cientistas portugueses e estrangeiros, muitos deles contemporâneos, que poderão ser exemplos motivadores para a aposta, nos seus alunos, do prosseguimento da carreira científica. Acreditamos que os professores com maior cultura científica estão mais aptos para proporcionarem aprendizagens científicas mais eficazes aos alunos, pelo que poderemos concluir que a formação que tiveram, nesta área, foi bem sucedida uma vez que os dotou de um conjunto de conhecimentos que lhes irá proporcionar práticas pedagógicas mais eficazes e motivadoras. Também o sucesso que identificámos relacionado com as metaciências poderá levar-nos a concluir que os orientadores de estágio se tornaram mais atentos e conscientes da importância da contextualização da Ciência nas diversas metaciências, o que terá reflexos positivos traduzidos, como já se referiu, em práticas pedagógicas mais modernas. Referências bibliográficas Acevedo, J. A. (1996). La formación del professorado de enseñanza secundaria y la educación CTS. Una cuestión problemática. Revista interuniversitaria de formación del professorado, 26, 26-30. 28 Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5 Nº 1 (2006) Acevedo, J. A. (2001). Cambiando la práctica docente en la enseñanza de las ciencias através de CTS. Boletin del programa Ciencia, Tecnologia; Sociedad e Innvación. Organización de Estados Iberoamericanos. En: <http://www.campus-otg/salactsi/acevedo2.htm>. Aikenhead, G. (1994). Consequences to Learning Science Trough STS: A research Perspective. En J. Solomon e G. Aikenhead (Eds.). STS Education: International Perspectives on Reform. New York: Teachers College Press. Canavarro, J. M. (2000). O que se pensa sobre a Ciência. Coimbra:Quarteto Editora. Caraça, J. (1997). O que é Ciência?. Lisboa: Difusão Cultural. Carmen, L. (Coord.) (1997). La enseñanza y el aprendizaje de las ciencias de la natureza en la educación secundaria. Barcelona:Editorial Horsori. Cerejo, J. A. y Sanchez Ron, J.M. (Eds) (2001) Ciencia, Tecnologia. Sociedad y Cultura en el cambio de siglo. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva, S.L. Fontes, A.; Silva, I. (2004). Uma nova forma de aprender Ciências: a educação em Ciência/Tecnologia/Sociedade (CTS). Porto: Edições ASA. Furió, C.; Vilches, A. (1997). Las actitudes del alunnado hacia las Ciencias y las relaciones Ciencia, Tecnologia e Sociedad. En L. Carmen et al (Ed.). La enseñanza y el aprendizage de las Ciencias de la Natureza en la educación secundária (pp 47-71). Barcelona:Editorial Horsoni. Manassero, M. A. e Vázquez Alonso, A. (2001). Actitudes de estudiantes y professorado sobre las características de los científicos. Enseñanza de las Ciencias, 19(2), 255-268. Martins, I. (2002). Educação e Educação em Ciências. Aveiro: Universidade de Aveiro. Martins, I. (2002). Problemas e perspectivas sobre a integração CTS no sistema educativo português. Revista electrónica de Enseñanza de las Ciencias, Vol. 1, (1), Artículo 2. En : http://www.saum.uvigo.es/reec Martins, I.; Paixão, F.; Vieira, R. (Org) (2004). Perspectivas CiênciaTecnologia-Sociedade na Inovação da Educação em Ciência. Aveiro: Universidade de Aveiro. Membiela, P. (1997). Una revisión del movimiento educativo cienciatecnologia-sociedad. Enseñanza de las Ciencias, 15(1), 51-57. Membiela, P. (Eds.) (2001). Enseñanza de las Ciencias desde la perspectiva Ciencia-Tecnologia-Sociedad. Madrid: Narcea Ediciones. Morais, A. M. e Fontes, A. (1995). Ideological uses of scientific knowledge – an idea to be introduced in the science classes. En F. Finley et al (Eds.), Proceedings of the 3rd International Confrence on the History and Philosophy of Science Teaching (pp 802-810). Minneapolis: University of Minnesota. Morais et al (2000). A construção da Ciência e a relação C-T-S no ensino das ciências. Revista de Educação, IX (2), 101-113. 29 Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciencias Vol. 5 Nº 1 (2006) Rutherford, F. J. e Ahlgren, A. (1995). Ciência para todos. Lisboa: Gradiva. Publicações. Lda. Solomon, J. (1993). Teaching Buckingham: Open University Press. Science, Technology and Society. Tortajada, J. et al (2000). Ciencia, Tecnologia y Sociedad. Madrid: Ed. Sistema. Vieira, R., Martins, I. (2004). Impacte de um programa de formação com uma orientação CTS/PC nas concepções e práticas de professores in Perspectivas Ciência-Tecnologia-Sociedade na Inovação da Educação em Ciência. Aveiro: Universidade de Aveiro Vilches, A. y Furió, C. (1999). Ciencia-Tecnologia-Sociedad: implicaciones en la Educación Cientifica para e Siglo XXI. En <http:www. campusoei.org/salactsi/ctseducacion.htm>. Ziman, J. (1986). Introducción al estudio de las Ciencias. Barcelona: Editorial Ariel. Ziman, J. (1999). A ciência na sociedade moderna. En F. Gil (Coord) ciência tal qual se faz, (pp 437-450). Lisboa: Fundação Caloute Gulbenkian. Ziman, J. (2003). Qué es la ciencia?. Madrid: Cambridge University Press. 30 A