A Padroeira de Minas
Dom Walmor Oliveira de Azevedo*
Minas são muitas. São muitas pela riqueza encantadora de suas tradições, culturas,
história e religiosidade. Uma grande alavanca da brasilidade e nos avanços sonhados
para a sociedade brasileira.
Minas arquiteta, de maneira
singular, os cenários da
configuração política, social
e religiosa do Brasil. O
tesouro da fé mineira é de
valor
imensurável.
Esta
religiosidade amalgama suas
diferentes culturas, na força
incontestável de sua vivência
secular, e sustenta uma
identidade que negada ou
desconhecida é prejuízo
para pretendidas conquistas sociais, culturais e políticas. Este tesouro da fé tem raízes
profundas, plantadas pelo trabalho missionário denodado de uma plêiade de homens e
mulheres, os mineiros e as mineiras. Este tesouro é fortalecido pela adoção de tantos
outros, de culturas e lugares diferentes, de plagas longínquas, enriquecendo este
patrimônio de valor inestimável, apreciado e querido por todas as outras culturas deste
tecido polissêmico e multirracial desta admirável brasilidade.
No coração do tesouro da fé mineira e de sua mais genuína religiosidade,
multissecular, está um lugar e uma referência a uma pessoa. Este lugar e esta pessoa
apontam e desvelam o mais recôndito das razões da mineiridade ancorada na fé, uma
fé dando forma aos hábitos e costumes, gerando sentidos e jeito próprio de ser. O
lugar é a Serra da Piedade, na região metropolitana de Belo Horizonte, município de
Caeté, e a pessoa é Nossa Senhora, a Mãe de Deus, ali invocada sob o título
significativo de Nossa Senhora da Piedade, referência ao mistério central da salvação
dos que creem em Cristo, sua paixão, morte e ressurreição. Um trecho da oração de
consagração reza: “No alto da Serra da Piedade, magnífica arquitetura divina, herança
nossa que vamos sempre preservar e defender, pusestes, Mãe da Piedade, vossa
casa de clemência e bondade, Santuário Estadual de Minas Gerais; em vossa imagem
veneranda, nos ensinais o amor infinito de Jesus, Filho amado, que dá sua vida para
que todos tenham vida, ensinando-nos a depositar em Deus Pai toda confiança,
dóceis à ação amorosa e terna do Espírito Santo”.
Nesta magnífica arquitetura divina, a 1740 metros de altitude, está a Ermida, a casa de
Nossa Senhora da Piedade, já quase construída antes de 1773, com um eremitério,
por Antônio da Silva, o Bracarena, ermitão. A referência a ele pertence à segunda
tradição acerca dos inícios deste Santuário, como pagamento de promessas por
integridade conquistada por famílias, no sofrimento de perigos e perseguições.
Certamente, na fileira dos que professam, como ora São Bernardo de Claraval, na
Idade Média, que aqueles que à Mãe de Deus recorrem jamais são por ela
desamparados, mas ouvidos propiciamente nas suas súplicas e necessidades.
Pertence também como referência primeira acerca do nascimento deste lugar
referência, a tradição que conta a aparição de Nossa Senhora, com o Menino Deus
nos braços, a uma menina, muda de nascimento, cuja família vivia no vilarejo da
Penha, seis quilômetros distantes da Serra. Esta aparição teria acontecido no alto da
Serra. A muda, conta a tradição, recuperou a fala, com datas presumidas entre 1765 e
1767.
Ícones inesquecíveis são referências para esta história de quase três séculos: do
início, Bracarena, o ermitão português, Padre José Gonçalves, Irmã Germana; em
tempos de ontem, Frei Luís de Ravena, Monsenhor Domingos Evangelista Pinheiro,
com suas religiosas auxiliares de Nossa Senhora da Piedade, o Cardeal Arcebispo de
São Paulo, Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, filho da terra e capelão
ajudante de Monsenhor Domingos e tantos outros; no tempo que preparou o Santuário
para este terceiro milênio, a figura monumental de Frei Rosário Jofylly, frade
dominicano, um cinquentenário de história, amor e defesa deste patrimônio sagrado e
ecológico, e mais recentemente o Padre Virgílio Resi, missionário italiano,
congregando padres e pessoas no cultivo e reverência ao tesouro deste lugar
santuário. Nesta história, tesouro de Minas, a devoção a Nossa Senhora da Piedade é
tão antiga quanto são remotas as origens do desbravamento de Minas. Em 20 de
novembro de 1958, o Papa João XXIII, atendendo ao pedido dos bispos de Minas
Gerais e do então Governador do Estado, Dr. José Francisco Bias Fortes, como
Arcebispo Metropolitano da capital mineira, Dom Antônio dos Santos Cabral, e seu
Arcebispo Coadjutor e Administrador Apostólico, Dom João Resende Costa, pelas
Letras Apostólicas ‘Haeret animis’, deu à Santíssima Virgem, invocada sob o título de
Nossa Senhora da Piedade, as prerrogativas litúrgicas de Padroeira do Estado de
Minas Gerais.
Em 31 de julho de 1960, na Praça da Liberdade, numa festa apoteótica, realizou-se a
solene consagração do Estado de Minas Gerais a Nossa Senhora da Piedade. Esta
consagração elevou o Santuário, consolidado na sua importância e tradição, com a
tradição de seu jubileu e suas romarias, à condição de Santuário Estadual de Minas
Gerais. Lá está a imagem de Nossa Senhora da Piedade, do século XVIII, do
Aleijadinho, magnífica e inspiradora, abençoando Minas e seus peregrinos. A todos
um convite para conhecer, visitar e sentir, para inspirar a vida, o que dizia o poeta
Mário de Lima: “Da Serra da Piedade ao céu é um simples voo”
*Dom Walmor Oliveira de Azevedo é arcebispo metropolitano de Belo Horizonte.
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