Sofrimento no Trabalho: Uma Carona com os Motoristas de Ônibus
Autoria: Danielle Silva de Oliveira, Fernando de Oliveira Vieira
RESUMO
Esta pesquisa teve o intuito de verificar o grau de sofrimento humano na atividade laboral dos
motoristas de ônibus de duas linhas da cidade de Duque de Caxias – Rio de Janeiro, cada qual
de uma empresa. Um dos objetivos específicos da investigação científica buscou comparar
esse fenômeno entre profissionais que trabalham com cobradores de passagens e aqueles que
exercem as duas funções simultaneamente. Justifica-se o estudo principalmente pela
percepção de um dos pesquisadores, como usuário, de uma representação empírica da
problemática do sofrimento humano no trabalho moderno. Tal abordagem ajuda a elucidar
especificidades e sutilezas das condições de trabalho desses indivíduos. A metodologia
constituiu-se, basicamente, de um estudo de caso, por meio de uma pesquisa bibliográfica e de
observação direta intensiva, com entrevista estruturada com 33 (trinta e três) motoristas. Os
resultados mostraram que, apesar de os respondentes terem afirmado que gostavam de sua
profissão, há práticas corporativas que levam ao sofrimento humano no trabalho (SENNET,
2007; DEJOURS, 2007, BRAVERMAN, 1987, dentre outros). Ainda que esse tipo de
empresa tenha desafios múltiplos, para desenvolver o transporte de massa, tais como
problemas de violência urbana, de infraestrutura viária e de educação no trânsito, o arranjo
organizacional, exageradamente calcado no viés econômico, em detrimento de uma ótica mais
humanista, pode elevar o desgaste emocional e psíquico dos motoristas.
Palavras – Chave: Sofrimento humano, motoristas de ônibus, recursos humanos.
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Introdução
Falar sobre sofrimento humano no trabalho implica em saber os vários motivos que
levam as pessoas a passarem por esta situação. Tem-se observado que algumas empresas
adotam práticas nocivas aos trabalhadores, seja por exploração ou subaproveitamento da mão
– de – obra, seja por excesso de trabalho, por falta de qualidade de vida, por assédio aos
trabalhadores, por insegurança, por instabilidade etc. Essas situações podem gerar frustração
ou revolta nos trabalhadores e prejudicar a produção laboral.
Este estudo teve a intenção de averiguar as correlações existentes entre sofrimento
humano no trabalho e a atividade de motoristas de ônibus. Propô-se a expor a situação e
verificar se existia como fazer um diagnóstico do nível de desgaste entre a atividade laboral e
o empregado. Para tal resolveu-se estudar a atividade dos motoristas de ônibus urbanos, visto
que se trata de uma categoria em transformação sobre o modo de executar o serviço, no qual
motoristas têm assumido dupla responsabilidade, ou seja, dirigir e cobrar as passagens ao
mesmo tempo. Na literatura científica, existem alguns artigos relacionados à atividade laboral
dos motoristas de ônibus. Porém, pouco se fala sobre o fenômeno de dupla função e suas
conseqüências para o trabalhador e para os usuários destes transportes.
Decidiu-se estudar duas linhas de ônibus na cidade de Duque de Caxias - RJ, local
acessível para um dos pesquisadores, a fim de comparar os profissionais que trabalhavam com
cobradores com os que exerciam as duas funções simultaneamente. Buscou-se avaliar se havia
diferença de percepção laboral entre as duas maneiras de executar o serviço. Pretendeu-se
analisar se existia sofrimento no trabalho entre essas duas categorias; se ambos sofriam da
mesma forma e se a novas modalidades de execução do trabalho têm causado danos
profundos aos trabalhadores.
Ser motorista de ônibus é uma atividade que exige muita concentração e
responsabilidade, pois vidas estão sob o cuidado desse profissional. Qualquer descuido pode
ser fatal. O local de trabalho é aberto e o trabalhador interage com muitas pessoas ao mesmo
tempo. O transporte coletivo é utilizado por várias pessoas que trabalham todos os dias, vão à
escola, têm seus compromissos, passeios ou alguma eventual emergência. Portanto, este
profissional, torna-se altamente requisitado e importante.
Ao estudar a atividade de dirigir um coletivo urbano, devem-se levar em conta
diversos aspectos que norteiam esta profissão. Segundo Battiston et al (2006, p.334), a
atividade de transportar pessoas envolve dois aspectos: o micro e o macro. O primeiro diz
respeito ao local de trabalho, ao próprio ônibus. O segundo, mais amplo, é o trânsito e as
relações que se estabelecem nele, com os outros veículos, com a poluição e com as condições
climáticas, por exemplo. Esses aspectos tornam o motorista uma vítima do ambiente viário,
por estar em constante e direto contato com o meio.
Além do desgaste da função de dirigir um coletivo, em algumas empresas e/ou linhas
de ônibus, ainda há a pressão dos patrões pelo cumprimento de metas de passageiros.
Observa-se que as condições de trabalho e saúde dos motoristas os levam a sofrer. A aflição
destes profissionais pode ser mental ou física. Trabalhar em contato com diversas pessoas,
sendo responsável por sua segurança, suportar adversidades do trânsito diariamente, estar
sujeito às condições climáticas e interagir com os passageiros são apenas algumas das
dificuldades mentais enfrentadas pelos condutores dos coletivos. Sobre a aflição física,
Battiston et al (2006, p.335-336) citam a carga de trabalho, o posto de trabalho, o ruído e as
vibrações, a temperatura, as posturas forçadas e os movimentos repetitivos, como aspectos
importantes e causadores de problemas físicos nos motoristas de transporte coletivo urbano.
O condutor de um veículo tem uma série de atribuições. A Classificação Brasileira de
Ocupações (CBO) instituída por portaria ministerial nº 397, de 9 de outubro de 2002 –
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Ministério do Trabalho e Emprego, descreve da seguinte forma a atividade dos motoristas de
ônibus:
Vistoriar o veículo, verificando o estado dos pneus, o nível de combustível,
água e óleo do cárter e testando freios e parte elétrica, para certificar-se de
suas condições de funcionamento; examina as ordens de serviço, verificando
o itinerário a ser seguido, os horários, o número do ônibus, girando a chave
de ignição, para aquecê-lo e possibilitar a movimentação do veículo; dirige o
ônibus, manipulando seus comandos de marcha e direção e observando o
fluxo do trânsito e a sinalização, para transportar os passageiros; zela pelo
bom andamento da viagem, adotando as medidas cabíveis na prevenção ou
solução de qualquer anomalia, para garantir a segurança dos passageiros,
transeuntes e outros veículos; providencia os serviços de manutenção do
veículo, comunicando falhas e solicitando reparos, para assegurar seu
perfeito estado; recolhe o veículo após a jornada de trabalho, conduzindo-o à
garagem da empresa, para permitir sua manutenção e abastecimento. Pode
cobrar e entregar os bilhetes aos passageiros. Pode efetuar reparos de
emergência no veículo.
Além do condutor, existe outro profissional muito importante no veículo, é o cobrador
de tarifas ou simplesmente cobrador. Este profissional é responsável por coletar o dinheiro
dos passageiros, prestar informações de localização e trajeto, auxiliar o condutor do coletivo
nas paradas, ultrapassagens e estacionamentos. Segundo a CBO, o cobrador de ônibus é
descrito como o profissional que:
Cobra as passagens aos usuários, recolhendo a importância determinada pela
distância a ser percorrida, para obter a quantia relativa ao serviço prestado
aos passageiros pela empresa; examina passes apresentados, verificando sua
autenticidade, para evitar irregularidades e controlar o uso dos mesmos;
apura a arrecadação, efetuando levantamento da féria do período,
comparando-a com o movimento de passageiros e registrando e
apresentando o montante obtido, para possibilitar à empresa a
contabilização; presta informações gerais aos passageiros, instruindo-os
sobre itinerários e locais de parada do veículo, para possibilitar a orientação
dos mesmos; auxilia o motorista em manobras e partidas do coletivo,
indicando, com a campainha, o momento oportuno para ultrapassagens e
embarque dos passageiros, para garantir maior segurança às operações.
De acordo com as descrições apresentadas pela CBO, pode-se perceber que ambos os
profissionais têm muitas atribuições e que são de suma importância, para que o trabalho de
transportar pessoas seja feito de maneira eficiente e segura.
A prática de unir as duas atividades em apenas uma profissão tem sido adotada por
algumas empresas. Desta forma, muitos motoristas têm cobrado passagem e dirigido o
coletivo simultaneamente, ou seja, o prescrito (tarefa) é dirigir, mas o real (atividade), em
alguns casos, tem sido de motoristas cobrarem e dirigirem.
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1. Sofrimento Humano no Trabalho
Os tempos remotos já sinalizavam a origem e o sentido do trabalho, como se pode
observar em diversas obras literárias e científicas. Um dos textos clássicos e tradicionais,
utilizados pela literatura cristã, é a expulsão de Adão e Eva do paraíso, quando se aponta uma
perspectiva de sofrimento e de sacrifício para o sentido do trabalho. Segundo a citada fonte, o
primeiro homem da genealogia humana recebeu a seguinte advertência: “No suor do teu rosto
comerás o teu pão, até que tornes a terra; porque dela foste tomado; porquanto tu és pó e em
pó te tornarás” (GÊNESIS 03:19).
Do seu surgimento até os dias de hoje, o trabalho já passou por diversas modificações. Foi
usado como fontes de troca de serviços e mercadorias, nas sociedades primitivas; foi
escravizado; foi predominantemente manual, na sociedade industrial. Tem sido dividido e
classificado em diferentes perspectivas na modernidade: desde tarefas mecanicistas, as quais
têm sido substituídas por tecnologias de ponta, até as atividades mais intelectuais, progredidas
via evolução científica e tecnológica.
O trabalho é uma atividade de transformação entre o homem e natureza, um processo no
qual o estado natural de uma matéria é alterado para melhorar sua utilidade. Não é feito por
impulso espontâneo, é consciente e tem um propósito, pois o homem planeja o que vai
executar e tem um olhar direcionado para os resultados. Através do trabalho o homem
desenvolve qualidades e traz contribuições para a humanidade (MARX, 1985, p. 149-150).
Nesse sentido, pode-se dizer que o trabalho é ontológico, ou seja, é fruto da inteligência
humana, de um entendimento social e cultural desenvolvidos. Somente o trabalho humano é
feito pela razão, pelas emoções, pela capacidade de projetar operações, coordená-las,
determinar diversas tarefas e adaptar materiais diferentes.
De acordo com Marx (1985, p.46), inicialmente o valor de troca é apresentado dentro de
uma perspectiva quantitativa, na qual os valores de uso de uma espécie se trocam
proporcionalmente com os valores de uso de outra espécie, uma relação que muda
constantemente no tempo e no espaço.
Esse tipo de negociação cresceu através do processo de troca e ficou difícil mensurar a
produção de cada um. A partir de então, o ponto de avaliação passou a ser o dinheiro. Tudo
foi convertido em dinheiro, isto é, tornou-se vendável e comprável, pois ao dinheiro não se
pode notar o que se transformou nele (MARX, 1985, p.112).
Atualmente, o sentido econômico do trabalho é o mais evidente, pois as pessoas
trabalham, vendem a força de trabalho para os detentores dos meios de produção e através
dessa mobilização, a economia é movimentada. Através do trabalho, a necessidade de
sobrevivência é satisfeita, pois o trabalho humano resulta em benefícios diretos, tanto para
patrões como para empregados.
No sentido social, pode-se dizer que o trabalho é hierarquizado e divido socialmente.
Por meio da profissão, o homem pode ser mais ou menos respeitado, reconhecido etc. As
sociedades modernas acabam julgando seu nível de riqueza por meio dos resultados gerados
pelo trabalho. Como exemplo, nas economias ocidentais, atualmente, percebe-se uma
valorização maior para atividades ligadas ao mercado financeiro.
A partir do surgimento da sociedade moderna, o desenvolvimento das relações
comerciais trouxe, por um lado, uma série de benefícios para a humanidade; por outro lado, a
organização racional do trabalho e a livre concorrência entre as empresas forçaram uma
desvalorização dos recursos humanos, como bem de produção (MARX, 1985).
O capitalismo, sob o prisma marxista, trouxe conseqüências drásticas para a vida dos
trabalhadores. Carreiras que evoluíam por décadas em apenas uma empresa passaram a ser
desenvolvidas em diversas organizações diferentes. Com este novo cenário, o curso da
carreira foi modificado: de um tipo clássico de trabalho para uma multifacetada variedade de
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atividades e profissões (SENNETT, 2007, p.11). O grande problema estaria voltado para as
cobranças excessivas e constantes pressões psicológicas, oriundos desse novo quadro. Isso
certamente pode afetar o desenvolvimento e o moral dos indivíduos nas organizações.
Os indivíduos não sabem que caminho seguir, a flexibilidade e exigências impostas
pelas novas regras do capitalismo contrapondo-se às ditas regras rígidas da burocracia, geram
insegurança e ansiedade para os trabalhadores, que ficam sem direção, sem saber se seus
esforços terão resultado ou se serão punidos (SENNETT, 2007, p.9). Além disso, o indivíduo
não se vê em apenas uma carreira, mas em várias ao longo de sua vida (EVANS, 1996, p.17).
Conseqüentemente, torna-se difícil criar vínculos ou estreita-los, já que as relações de
trabalho passam a se dar, em última análise, como uma relação de troca de mercadoria, de
cunho quantitativo e consumista.
Na atual conjuntura, não existe longo prazo e tudo que o funcionário faz é imediato, o
trabalho é diversificado, tudo é muito rápido. Quaisquer mudanças, sejam elas econômicas ou
sociais, têm influencia na vida do trabalhador. Em contrapartida, exige-se do empregado
comprometimento. Para se estabelecer uma relação de confiança e comprometimento, é
preciso estruturação, o que acontece em longo prazo. Todas essas mudanças geram certo
desconforto mental para o trabalhador (SENNETT, 2007, p.21 - 24).
Com o avanço desse modelo de trabalho, surgem novas tecnologias para acompanhar
o progresso econômico e os trabalhadores precisam se empenhar constantemente. Com a
automação, algumas profissões tornaram-se mecânicas, as pessoas não sabem mais os motivos
pelos quais estão desempenhando certas funções. Isso é o que Sennett (2007, p.80) chama de
trabalho ilegível, no sentido de não saber o resultado que a sua atitude trará no processo final,
não ter ciência sobre a atividade. Devido à separação entre planejamento e execução da tarefa,
os trabalhadores têm executado apenas uma parte do trabalho – a manual, o que pode resultar
em sofrimento e degradação de seu caráter (BRAVERMAN, 1987).
As empresas estão em constante competição e sentem-se ameaçadas a todo o
momento. Vivem uma guerra sem armas, como diz Dejours (2007, p.14), a "Guerra Sã”. Pela
respectiva estabilidade financeira, usam métodos cruéis contra os funcionários, pois o
importante é ser líder e, quando já o são, não podem, em hipótese alguma, perder sua posição.
Para poderem se manter na disputa por uma posição estratégica no mercado, as empresas
demitem aqueles julgados como ineficientes ou inaptos. Dos aptos, exigem mais do que o
esforço pela excelência. Utilizam-se de artifícios sedutores e carismáticos, com uma
pseudopromessa de felicidade e alta autoestima, pela via do sucesso organizacional
(FREITAS, 1999). No meio dessa disputa, os trabalhadores ficam temerosos em perder seus
empregos, sujeitando-se à dinâmica de “vestir a camisa da empresa”.Os trabalhadores
modernos temem não satisfazer às exigências organizacionais, para não se sentirem excluídos
socialmente. (DEJOURS, 2007, p.28).
Muitas empresas utilizam métodos cruéis, os trabalhadores passam por diversas
pressões, às vezes são obrigados a fazer atividades que não são legítimas ou legitimadas, são
constrangidos a agir de má fé, ou são impedidos de fazer o que devem e podem, mas as
pressões de colegas ou políticas os impedem de prosseguir, prejudicando a cooperação e
causando sofrimento (DEJOURS, 2007, p.31).
Ao se estudar a psicopatologia do trabalho, permite-se conhecer diversos fatores que
prejudicam os trabalhadores e as fases em que foram afligidos. Em todo o tempo, percebe-se
sua luta, seja por melhores condições de trabalho ou por mais qualidade de vida, seja pela
diminuição da carga horária ou pelo aumento de postos de trabalho.
A psicopatologia do trabalho denuncia algumas características desumanas desse
universo. No século XIX, o trabalho tinha duração de 12, 14 ou 16 horas e o trabalho infantil
era praticado normalmente. Diante disso, os indivíduos ficavam perdidos e expostos aos mais
diversos tipos de aflições, pois o sofrimento do trabalhador não era percebido como algo
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relevante, para a classe burguesa (DEJOURS, 1992, p.14). A título de ilustração, destaca-se uma
citação que ajuda a explicar esse quadro:
A lei de 1833 declara que a jornada normal de trabalho fabril deveria
começar às 5 ½ horas da manhã e terminar às 8 ½ horas da noite, e dentro
desses limites, um período de 15 horas, é legal utilizar adolescentes (...) a
qualquer hora do dia, pressupondo-se sempre que um mesmo adolescente
não trabalhe mais que 12 horas num mesmo dia (MARX, 1985, p 221).
Sabe-se que as conquistas trabalhistas ocorreram por força de movimentos dos
operários, em distintos momentos da História. Além disso, após a Primeira Guerra Mundial PGM, houve um desfalque de trabalhadores, o que favoreceu o aumento de proteção à classe.
Registraram-se melhoria gradativa na saúde dos trabalhadores. Paralelamente, registraram-se
indenizações aos empregados, por acidentes de trabalho (BRAVERMAN, 1987).
No início de 1968, o sofrimento psíquico ainda não era analisado e os trabalhadores
sentiam dificuldades em expressá-lo. Buscava-se entender a causa do sofrimento psíquico do
trabalhador. Começou-se, então, a luta contra a alienação do trabalho. Esse ano passou a ser
referência dessa luta.
As denúncias das condições de trabalho, dos ambientes físico, químico e o biológico,
as características do posto de trabalho, as condições higiênicas e de segurança, em suma, a
ergonomia, eram consequências da luta pela saúde do corpo. E a saúde mental estava
relacionada à organização do trabalho, isto é, à divisão do trabalho, ao conteúdo da tarefa, às
relações de poder, à hierarquização etc (DEJOURS, 1992, p.25).
O sofrimento no trabalho, no século XXI, pode ser caracterizado como algo que
engloba tanto a mente, quanto o corpo. Em algumas funções, é frequente a reclamação dos
trabalhadores em relação às horas dedicadas ao trabalho e às consequências provocadas por
essa rotina (CECCARELLI, 2005; BRANT, 2005). Mais que isso, a problemática que envolve
“Trabalho e Vida Pessoal” toca diretamente executivos e demais profissionais modernos, que
sentem dificuldade em equilibrar as tensões oriundas dos transbordamentos emocionais
negativos (BARTOLOMÉ, F. EVANS, P., 2001).
Conforme Heloani e Capitão (2003, p.108), o trabalho deve ser companheiro do
trabalhador. Nesse particular, deve ser a expressão da vida e não sua negatividade, coisa que,
o capitalismo, em suas mais variadas expressões não deixou que acontecesse.
No entanto, através da exploração do sofrimento, o trabalhador é acometido de várias
situações, que provocam o sofrimento físico e, principalmente, psíquico (DEJOURS, 1992).
Em muitas situações, pode-se perceber o trabalhador ‘estimulado’ através do sofrimento
mental, ou seja, condicionado à organização. Algumas delas adotam práticas nas quais os
indivíduos devem submeter-se a certos padrões estabelecidos para manter a ‘ordem’
organizacional e eliminar as situações indesejadas. O descumprimento das normas ou o
desempenho inferior ao esperado são tratados com punições ou reforço negativo, isto é,
indivíduo sujeitado a castigos ou dispensado do sistema organizacional. Com esse tipo de
atitude, as organizações esperam que seus trabalhadores reajam com um comportamento
considerado por elas adequado (AGUIAR, 1992, p.129).
Para implantar um comportamento condicionado e favorável à produção, usa-se a
erosão da vida mental individual dos trabalhadores. A mente é a proteção do corpo, quando
essa esfera do trabalhador é atingida, este fica fragilizado e não tem forças para reagir, tornase alienado e faz exatamente aquilo que lhe é ordenado, mas não conhece o processo, sabe
fazer apenas parte do produto (DEJOURS, 1992, p. 96).
Pode-se depreender, então, que o sofrimento humano no trabalho é produto das
relações sociais que, em última análise, são representadas por uma hierarquia de poder.
Quanto mais forte for a dominação da autoridade tradicional do capital, como nos diria Max
6
Weber, maior a dependência social, econômica e psíquica dos indivíduos, em relação aos
preceitos organizacionais. Cabe às organizações, representadas, principalmente, pela área de
Recursos Humanos, buscarem diminuir esse sofrimento: a) por meio de práticas
administrativas e de gestão de pessoas; b) através de maior abertura para um ambiente de
aprendizagem contínua; e c) por meio de uma crescente tolerância entre diferenças cognitivas,
culturais, ideológicas, étnicas e sexuais (KILIMNIK, 2004).
2. Sofrimento Humano em Motoristas de Ônibus: O caso de duas linhas na baixada
fluminense
2.1.Procedimentos teórico-metodológicos
Os procedimentos adotados para a realização da pesquisa compuseram basicamente de
uma pesquisa bibliográfica e da observação direta intensiva. A primeira ajudou a esclarecer
alguns conceitos relacionados direta e indiretamente com o tema, assim como permitiu traçar
um breve histórico dos problemas oriundos das relações de trabalho, nos moldes socialmente
elaborados. Dessa forma, pôde-se ter acesso a um leque de informações sobre o tema. Nesse
particular, conforme diz Lakatos (1996, p.66), “sua finalidade é colocar o pesquisador em
contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre determinado assunto”.Para
levantamento de dados empíricos, sobre o sofrimento dos motoristas em seu local de trabalho,
fez-se uso da observação direta intensiva, que pôde ser realizada através de duas técnicas: a
observação e a entrevista.
Lakatos e Marconi (2008) descrevem dois tipos diferentes de entrevista: a padronizada
ou estruturada e a despadronizada ou não estruturada. Para este estudo, foi escolhida a
entrevista padronizada, já que, nesse caso, “o entrevistador segue um roteiro previamente
estabelecido; as perguntas feitas ao indivíduo são predeterminadas. Ela se realiza de acordo
com um formulário elaborado e é efetuada de preferência com pessoas selecionadas de acordo
com um plano” (LAKATOS E MARCONI, 2008, p.85).
Para a pesquisa de campo, foram abordados motoristas de ônibus de duas linhas, cada
qual de uma empresa, em Duque de Caxias – RJ, no ano de 2009. O universo foi composto de
36 (trinta e seis) trabalhadores, dentre os quais 03 (três) se abstiveram de participar da
enquête. Os outros 33 (trinta e três) profissionais responderam ao formulário de 19 questões.
Antes de realizar a pesquisa, o instrumento foi aplicado em 03 (três) outros motoristas, com o
intuito de se fazer últimos ajustes, relacionados à compreensão das perguntas.
A primeira linha de ônibus conta com um grupo de 20 motoristas, que trabalham com
cobradores. Deste total, 18 profissionais responderam ao formulário. A segunda linha tem 16
motoristas que exercem a função ‘motorista – cobrador’. Destes, 15 profissionais
responderam ao formulário. Do total de entrevistados (33 profissionais), 97% foram
compostos por homens e 47% têm entre 31 e 40 anos de idade.
Pôde-se observar que, dentre os que trabalham sozinhos (sem cobradores) apenas 27%
têm mais de 40 anos de idade. Em contrapartida, dos motoristas que trabalham com
cobradores de passagens, a maioria tem mais de 40 anos de idade, representando 56% dessa
população.
De um modo geral, os respondentes foram bastante receptivos ao trabalho de campo.
Alguns sinalizavam, inclusive, sentirem-se importantes, ao serem abordados por acadêmicos.
Para os pesquisadores, registrou-se, de igual sorte, um aprendizado particular, em relação a
esse universo. A experiência de levantar exemplos do cotidiano, para elucidar a problemática
do sofrimento humano no trabalho, foi bastante significativa.
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2.2.Discussão e Resultados
Diante das entrevistas realizadas com os motoristas de ônibus, pôde-se perceber que os
mesmos gostam da profissão, apesar da fadiga, das más condições de trânsito e da qualidade
ruim dos veículos. Esse sentimento torna-se um aspecto importante, pois o trabalhador se
sente pronto, para exercer a atividade. No entanto, a identificação com o trabalho não exclui a
necessidade de se repensar suas respectivas condições. Salta aos olhos a premência de melhor
qualidade de vida, para estes profissionais.
Chamou a atenção a variável relacionada com a faixa etária dos motoristas, no que tange
especificamente à diferença entre as funções exercidas com ou sem cobradores de passagens.
Pelos gráfico 1 e 2, observa-se que os mais jovens foram absorvidos pelo trabalho no qual a
atividade é mais exaustiva. Dos motoristas que desempenham as duas funções (dirigir e
cobrar passagens), não há sequer um representante quinquagenário, enquanto que, dos
motoristas que trabalham com cobradores, o quadro muda. Por um lado, os mais velhos e
experientes podem ter a oportunidade de optarem pela função única de dirigir. Por outro, os
mais jovens são tidos como multifuncionais, ou seja, devem estar aptos para assumir diversas
atividades ao mesmo tempo.
Gráfico 2: Faixa Etária de Motoristascobradores
Gráfico 1: Faixa Etária de Motoristas
Idade - SEM cobrador
33%
40%
Idade - COM cobrador
44%
27%
22%
0%
Até 30
anos
Entre 31 e Entre 41 e
40 anos
50 anos
Acima de
50 anos
33%
0%
Até 30
anos
Entre 31 e Entre 41 e
40 anos
50 anos
Acima de
50 anos
Fonte: Pesquisa de campo
Essa idéia reforça a tese de Dejours (2007, pág. 48), ao sinalizar que “desejosos de
aprender e de mostrar seu empenho, os jovens aceitam todas as tarefas polivalentes, sem
regatear. Passado algum tempo, porém, eles compreendem (...) que, se fraquejarem, serão
despedidos”. Os trabalhos de dupla função podem ser até oferecido a todos, contudo é aceito
pelos mais jovens e com menos experiência na maioria das vezes, conforme revelou a
pesquisa.
Dos ‘motoristas - cobradores’, 47% passaram a trabalhar desta forma há mais de 6
meses e outros 47% sempre trabalharam assim, ou seja, cobrando e dirigindo. São
profissionais que necessitam e querem trabalhar não se importando, à primeira vista, com os
‘detalhes’. Esse novo método de trabalho é o que Dejours classifica como a pressão por
trabalhar mal, que resulta em sofrimento para o trabalhador. Segundo ele, “ser constrangido a
executar mal o seu trabalho (...) ou a agir de má fé é uma fonte importante e frequente de sofrimento
no trabalho, seja na indústria, nos serviços ou na administração” (DEJOURS, 2007, p.32).
No primeiro contato com a dupla atividade, os profissionais sentem-se preparados,
mas com o passar do tempo, os ‘motoristas – cobradores’ percebem que estão exercendo uma
atividade que demanda mais do que podem oferecer. Surge a sensação de sofrimento nessa
categoria de profissionais.
Quando questionados se a figura do cobrador era necessária na viagem, 97% do total
de entrevistados responderam afirmativamente. De certa forma, percebia-se uma justificativa
8
relacionada tanto à pressão pela multifuncionalidade quanto por certa insegurança de darem
conta das duas atividades, com desempenho excelente.
Dos motoristas que contam com a ajuda do cobrador, 100% responderam que o
profissional arrecadador de passagens é importante e, pelas suas expressões, pôde-se perceber
que um de seus maiores medos está relacionado a trabalharem sozinhos. Isso, no sentido de
poderem compartilhar as alegrias e tristezas do cotidiano de suas funções. E, em último grau,
esse sentimento pode ser explicado pela insegurança de não satisfazerem ao desempenho
esperado. Talvez se possa correlacionar essa sensação com as características e conseqüências
do trabalho, que afetam mente e corpo dos indivíduos, como apontam Ceccarelli (2005) e
Brant (2005).
Muitos desses motoristas já estão na profissão há bastante tempo e sabem exatamente
o que precisam executar, estão treinados e não conseguem imaginar uma mudança radical em
seu ritmo de trabalho. Ficam assustados em apenas imaginar como seria se o modo de realizar
a tarefa fosse alterado. Sofrem pela ansiedade, um medo antecipado. Já os cobradores, temem
não satisfazer no presente, sentem que a atividade que exercem pode estar perto do fim. Um
temor causador de sofrimento para ambos os profissionais.
Hoje, ainda existe a possibilidade de trabalhar junto com um cobrador, mas, se as
mudanças continuarem ocorrendo na escala observada, com a pesquisa de campo, a figura do
cobrador pode se extinguir e os motoristas serão obrigados a executar as duas funções. Essa
situação pareceu preocupar a categoria.
Outro levantamento importante relaciona-se com o registro de acidentes. Quando
questionados a esse respeito, 13% dos profissionais afirmaram que o número de acidentes
tinha aumentado por conta da nova atribuição. Verifica-se que a nova atribuição não
aumentou significantemente o número de acidentes. No entanto, pode-se fazer duas análises,
neste particular.
O primeiro ponto a ser abordado é sobre o treinamento dos profissionais. O motorista
passou a ficar mais exposto a situações adversas no trânsito; ficou mais cansado e propenso a
consequências ruins no trabalho. Se, por um lado, os motoristas entrevistados afirmaram que
são orientados a cobrar as passagens com o veículo parado, por outro, os pesquisadores
supõem que as empresas de ônibus estipulam metas de horários, que devem ser cumpridas no
cotidiano. Neste último aspecto, os funcionários não se manifestaram, ainda que indagados
sobre este particular.
A segunda análise importante é avaliar se a mudança realmente foi bem sucedida para
os profissionais e para a organização. Um aumento de 13% de acidentes pode parecer pouco,
porém nenhum profissional ou empresa gostaria de ter este número aumentado, pois acidente
significa prejuízo para ambos. Apesar de parecer um número pequeno, a situação é de
preocupar. “O resultado de qualquer mudança pode assustar e é por isso que existe o período
de adaptação para que as conseqüências sejam as melhores possíveis” (NARDIN, 2008).
Treinamento e conscientização são atitudes importantes na implantação de uma mudança,
mas, em se tratando de motorista, ônibus e passageiros, isto é, segurança, o ideal seria que não
houvesse acidentes. Os processos de mudança na empresa são feitos para melhoria e
otimização dos processos. Os acidentes devem ser estudados e verificados para saber se
realmente foi o excesso de função que provocou este aumento.
Quando os ‘motoristas – cobradores’ foram questionados se exerceriam melhor a
função, se contassem com a ajuda de um cobrador no interior do veículo, para arrecadar o
dinheiro da viagem, 93% responderam que sim e 7% mostraram-se indiferentes. Esse
diagnóstico representa que a presença do cobrador é considerada importante não só para esses
profissionais, como também para os que já têm a ajuda de um. Segundo os motoristas de
ônibus, este profissional não serve apenas para cobrar a passagem, mas ajuda em situações
corriqueiras como estacionar ou auxiliar em emergências.
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Ao serem perguntados se o trabalho causava sofrimento, 87% dos motoristas que
trabalham sozinhos responderam que sim, enquanto os que têm a ajuda de cobrador a
porcentagem foi menor, 61% disseram que sua atividade laboral causava sofrimento.
A diferença das respostas entre os dois tipos de profissionais é significativa e de fácil
compreensão pelos dados apresentados ao longo deste estudo. Devido à dupla função, os
‘motoristas-cobradores’ estão mais expostos às intempéries do dia-a-dia, ficam mais
cansados, preocupados com o dinheiro, com o trânsito e, também, sofrem pela falta de
descanso entre uma viagem e outra, pois, quando chegam ao terminal rodoviário, muitas
vezes não podem sequer sair do coletivo, já que os passageiros estão esperando para embarcar
na condução. Porém o número de motoristas que consideram sofrer no trabalho e que contam
com a ajuda de um cobrador também pode ser considerado alto, já que mais da metade
considera que seu trabalho causa sofrimento.
Ao serem solicitados para que completassem a frase: ‘Hoje eu sou’, os entrevistados
tinham como resposta as seguintes opções: feliz no meu trabalho, relativamente feliz ou
infeliz no meu trabalho. As respostas reforçaram as informações obtidas através da pergunta
anterior. Apenas 13% dos ‘motoristas – cobradores’ responderam que são felizes no trabalho
enquanto dos motoristas que têm a ajuda de cobrador 56% classificaram-se como felizes no
trabalho.
Gráfico 3: Sentimento Atual dos Motoristas
(SEM cobrador) Hoje eu sou...
Gráfico 4:
Sentimento Atual dos Motoristascobradores
(COM cobrador) Hoje eu sou...
56%
80%
33%
11%
13%
Feliz no meu
trabalho
7%
Relativamente
feliz
Fonte: pesquisa de campo
Infeliz no meu
trabalho
Feliz no meu
trabalho
Relativamente
feliz
Infeliz no meu
trabalho
Fonte: Pesquisa de campo
Enquanto que a maior parte dos motoristas com cobradores considera-se feliz no
trabalho, dos motoristas sem cobradores a maioria (80%) considera-se relativamente feliz.
Talvez uma simples mudança de atitude por parte da empresa possa aumentar o número de
funcionários felizes no trabalho. Porém os dados apresentados são preocupantes, pois indicam
que algo precisa ser revisto no cotidiano dos motoristas.
Um fato curioso é que os motoristas que menos se classificaram como felizes (os sem
cobradores), foram mais atenciosos e ficaram contentes em saber que seu sofrimento era
compartilhado por outras pessoas. Foram solidários para fornecer as informações e ajudar na
pesquisa. A entrevista acontecia de forma rápida e descontraída. Estavam pré-dispostos a
fornecer e compartilhar do mal que os afligia, mesmo tendo pouco tempo para ficar no
terminal rodoviário. Enquanto cobravam as passagens, estavam respondendo as perguntas.
Essa atitude pode explicar o sofrimento daqueles que se tornam invisíveis para a organização,
mas que estão desejosos de serem ouvidos. Suas angústias são únicas e quando o sofrimento é
individual, geralmente não é percebido. Essa situação pode ser, inclusive, negada pelos
próprios indivíduos. Às vezes, estes indivíduos só admitem que pode haver sofrimento, se este
for coletivo. A esse respeito, Dejours (2007, pág. 19) assim se manifesta:
10
O sofrimento somente suscita um movimento de solidariedade e de protesto
quando se estabelece uma associação entre a percepção do sofrimento alheio
e a convicção de que esse sofrimento resulta de uma injustiça.
Evidentemente, quando não se percebe o sofrimento alheio, não se levanta a
questão da mobilização numa ação política, tampouco a questão de justiça e
injustiça.
O sofrimento coletivo tem a tendência de ser compartilhado, pois as pessoas sentem se tão incomodadas que acabam expressando de alguma forma, seja com atitudes ou palavras.
Através disso, pode-se provocar maior repercussão e caminhar para que a solução seja
encontrada. A conquista dos trabalhadores pode chegar, por meio de reivindicações.
Quando questionados sobre os maiores motivos de estresse diário, foi verificado que
os que trabalham sem cobrador estão em um nível de não-satisfação muito alto, pois, como foi
dada a opção de marcarem mais de um motivo, a maioria optava por quase todos os motivos
de estresse, conforme o gráfico a seguir:
Gráfico 5: Maiores motivos de stress (sem cobrador)
Maiores motivos de Stress SEM cobrador
73%
60%
40%
27%
60%
27%
Condição do
Falta de Passageiros
Salário
Veículo
Estrutura no
incompatível
ponto final
com a
categoria
Trânsito
Trabalhar
sozinho
Fonte: Pesquisa de campo
Ao analisar as respostas dos motoristas que trabalham com cobrador, pode – se perceber que o
maior motivo de estresse é o baixo salário, esse requisito foi alto nas duas categorias de
motoristas.
Gráfico 6: Maiores motivos de stress (com cobrador)
Maiores motivos de Stress COM cobrador
72%
Fonte: Pesquisa de campo
33%
61%
22%
6%
Salário
Condição do Falta de Passageiros
incompatível
Veículo
Estrutura no
ponto final
com a
categoria
0%
Trânsito
Trabalhar
sozinho
Fonte: pesquisa de campo
Os resultados apresentados nos gráficos 5 e 6 demonstram o quanto os motoristas
estão se sentindo violados em sua forma de exercer a profissão. Os diversos motivos que têm
atormentado os trabalhadores podem explicar o alto percentual dos que consideram que seu
trabalho causa sofrimento. Desta forma, não é apenas o acúmulo de funções que faz estes
trabalhadores padecerem, mas os diversos fatores que norteiam esta profissão.
11
De acordo com os entrevistados, o salário dos motoristas caiu muito nos últimos anos.
Eles disseram que recebiam 05 (cinco) salários mínimos e hoje recebem um pouco mais de 2
salários mínimos. O mais impressionante é que os motoristas que exercem as duas funções
simultaneamente não recebem um salário diferenciado. Pelo contrário, há profissionais que
recebem até menos. Na linha pesquisada, 83% dos ‘motoristas – cobradores’ trabalham em
micro-ônibus e, por conta disso, recebem um salário menor que os outros motoristas.
Quando questionados sobre o que poderia melhorar, para que pudessem exercer
melhor sua atividade ou simplesmente terem mais satisfação na execução do trabalho, os
trabalhadores tiveram opiniões bastante diferentes. Comparando os dois grupos, pôde-se
observar que, dentre os que trabalham sozinhos, os aspectos que poderiam ser melhorados são
muitos. Para este grupo, contratar um cobrador é tão importante quanto aumentar o salário.
Outro item que teve um grande percentual foi em relação ao comportamento dos passageiros.
Essa reclamação pode ser explicada na forma como o serviço tem sido prestado aos clientes
dos ônibus. Talvez estejam insatisfeitos com a maneira como o serviço é oferecido e
reclamam com o único funcionário do veículo. Os dados abaixo mostram que demanda por
melhorias é tão grande que, qualquer mudança, será percebida e útil para os trabalhadores.
Em relação aos trabalhadores que contam com a ajuda de cobrador, as opiniões não
foram tão diferentes. Porém, ficaram mais concentradas, pois 78 % deles assinalaram que o
salário deveria ser reajustado, seguido pela solicitação de melhorar o ponto final de ônibus. A
grande diferença se deu nos itens “contratar um cobrador” e “passageiros mais educados”,
pois, nesta categoria, já existe um profissional no interior do veículo, para cobrar as passagens
e, pelo fato de apenas dirigirem o veículo, estão um pouco mais distanciados dos usuários do
coletivo.
De acordo com a pesquisa, verificou-se que o gosto pela direção é notório na maioria
dos motoristas entrevistados. Contudo, pôde-se perceber que existem medidas que podem ser
adotadas para aliviar o estresse diário pelo qual esses profissionais passam diariamente.
Alguns problemas não são de competência da empresa, tais como o trânsito e a
estrutura do terminal rodoviário. No entanto, esses problemas afetam a tarefa diária dos
condutores de transportes coletivos urbanos. Mas há outros, como salário, política de trabalho,
condição do veículo que, se observadas, podem beneficiar a categoria e, assim, a atividade
será exercida com menos sofrimento e de melhor forma, pois transportar pessoas é uma tarefa
que exige muita responsabilidade.
12
Considerações Finais
O objetivo deste estudo foi estudar o dia-a-dia dos motoristas de ônibus urbano de duas
linhas da cidade de Duque de Caxias-RJ, para verificar se existe sofrimento em sua atividade
laboral. Buscou-se, ainda, comparar os profissionais que dirigem e cobram passagens ao
mesmo tempo com os que apenas dirigem. Para tal, foi realizada uma pesquisa com os dois
diferentes grupos de trabalhadores. Neste sentido, os resultados mostraram que ambas as
categorias sofrem. Porém, os ‘motoristas-cobradores’, isto é, os que exercem as duas funções
simultaneamente sofrem mais do que os motoristas que apenas dirigem. Ao longo do trabalho,
mostraram-se dados que fazem perceber o quão estressante é a atividade de dirigir um
coletivo urbano. Isso se deve, principalmente à necessidade de constante atenção exigida, à
responsabilidade de transportar pessoas, à exigência de se cuidar do veículo e às intempéries
diárias. Quanto mais atribuições são acrescentadas, maior a tendência de aumento no grau de
sofrimento humano no trabalho.
Pôde-se perceber que a empresa não tem contribuído para melhorar o ambiente de
trabalho desses profissionais, uma vez que adotou a prática de demissão dos cobradores e
atribuíram mais uma tarefa estressante aos motoristas.
Contudo, conclui-se que a questão de sofrimento é relativa e está dissociada do conceito
de felicidade ou infelicidade. Depende de circunstâncias pelas quais os indivíduos vivem.
Muitas vezes, a empresa é colocada como maior vilã do sofrimento, pois não oferece
subsídios para estimular seus empregados, pagam baixos salários e a carga horária de trabalho
é abusiva.
Os profissionais que, segundo a pesquisa, mais sofrem em seu ambiente de trabalho,
foram mais solidários e simpáticos; talvez, para ter o sofrimento compartilhado, como foi
observado ao longo da análise. Trata-se de não se observar que essa condição resulta de uma
injustiça (DEJOURS, 2007), a qual só poder ser corrigida, por meio de reivindicações e
mobilizações de ações políticas.
É certo que muitas variáveis fogem ao controle das empresas de transportes coletivos, tais
como as condições de trânsito, o nível de educação dos passageiros e a qualidade dos
terminais rodoviários. No entanto, pôde-se perceber que as precárias políticas de valorização
de recursos humanos podem ser facilmente visualizadas, por meio de contatos com seus
trabalhadores.
Ainda que esse tipo de empresa tenha desafios múltiplos, para desenvolver o transporte de
massa, tais como problemas de violência urbana, de infraestrutura viária, de educação no
trânsito etc, o arranjo organizacional, exageradamente calcado no viés econômico, em
detrimento de uma ótica mais humanista, pode elevar o desgaste emocional e psíquico dos
motoristas.
Mais especificamente, trata-se de apontar, ainda, que os desafios tornam-se maiores,
quando os profissionais da sociedade moderna têm dificuldades de equilibrar as tensões
oriundas do trabalho e equilibrá-las com suas vidas pessoais (BARTOLOMÉ, 2001).
De uma ou de outra forma, o sofrimento humano no trabalho é uma questão extremamente
pulsante no formato de organização e de atividades laborais de nossa época. As políticas de
valorização de recursos humanos, nesse sentido, ainda estão longe de contemplar a chamada
modernidade organizacional (KILIMNIK et alli, 2004). Decorre daí, a nítida distância entre
discurso e ação, nas organizações modernas.
13
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1 Sofrimento no Trabalho: Uma Carona com os Motoristas de