Produção do Serviço de Transporte Público Urbano por
Ônibus: Aspectos da Organização do Trabalho
Marcus Vinicius Gonçalves da Cruz
RESUMO
O trabalho tem o objetivo de descrever e analisar a produção do serviço de transporte público
urbano por ônibus, a partir da organização do trabalho nas empresas operadoras de Belo Horizonte,
MG. No estudo identificaram-se os principais elementos que sobressaem na produção do serviço
como o plano e as normas de trabalho, a divisão e sistematização das tarefas e do tempo do
trabalhador, a carga e ritmos exigidos, as qualificações necessárias e a participação do trabalhador
na programação do trabalho. As conclusões revelam que a organização do trabalho nas empresas
pesquisadas se baseia fundamentalmente nas determinações do órgão gestor que regulamenta o
setor.
Palavras-chaves: transporte urbano; organização do trabalho; regulamentação pública.
ABSTRACT
This study describes the production of the urban public transport system, based on the working
systems of organization in the firms of Belo Horizonte, Brazil. The Brazilian experience on the
urban bus transport management can bring some references to this question. The present study
identifies the means of labour organization like plans and rules of work, activities related to
managing and maintaining tasks, schedules, workloads, employee’s qualification requirement
and participation in working programs. It concludes that work organization in firms of urban
collective transport system is guided by rules proceeding from local authorities of transport and
traffic.
Key words: urban transport; labour organization; public regulation.
RAC, v.2, n.3, Set./Dez. 1998: 45-65
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Marcus Vinicius Gonçalves da Cruz
INTRODUÇÃO
As organizações têm dado cada vez maior importância aos seus processos de
trabalho, sendo sua definição fundamental para o seu funcionamento e determinação dos instrumentos de gestão por ela utilizados. As empresas operadoras de
transporte público urbano prestam um serviço essencial ao proporcionar a locomoção que garante o funcionamento econômico da cidade, e permite a mobilidade
da população no seu democrático direito de ir e vir; para isso estão cada vez mais
atentas aos aspectos da organização do trabalho para o atendimento das necessidades dos clientes, e dos parâmetros de regulamentação preconizados pelo poder
público.
As peculiaridades do transporte público urbano devem ser analisadas a partir
da sua característica de serviço, o que envolve dimensões como: intangibilidade;
simultaneidade entre produção e consumo; dificuldade de padronização; grande
dependência do fator humano; demanda irregular, não permitindo estabilidade e
uniformidade na produção; produção extra-muros com grande dispersão geográfica, em ambiente não controlável, sujeito a diversas variáveis (topografia, traçado urbano, tráfego, etc); o mercado é regulamentado e geralmente com pouca
diferenciação de prestação no serviço; além de se considerar o contexto do sistema de transportes na região, em que se inserem os prestadores deste serviço,
monitorando incessantemente a relação entre os principais atores do processo:
usuários (demanda), empresários (oferta) e poder público (regulador).
Ao Estado cabe prover transporte à população; no Brasil, a gestão dos sistemas
de transporte coletivo é da alçada do poder público municipal; porém a operação
do serviço é realizada em sua maioria, por organizações privadas, permissionárias
do poder concedente. O modelo de empresas brasileiras do setor tem algumas
características singulares: são propriedades privadas, em sua maioria de grande
heterogeneidade, ao contrário da Europa, por exemplo, onde o poder público opera grande parte das linhas; têm porte significativo, em contraste com outros países
da América do Sul, onde imperam empresas individuais ou de pequeno porte;
detêm especificidades como o uso do diesel como combustível, o que exige maior
aparato de manutenção; influenciam e estendem-se para outros ramos da economia; além de constituírem um setor, onde é cada vez maior a introdução de novas
tecnologias de controle e monitoração operacional. As principais características
do sistema de transporte coletivo por ônibus em Belo Horizonte, MG, estão descritas na tabela que se segue.
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Tabela 1: Sistema de Transporte Coletivo Urbano por Ônibus em
Belo Horizonte
1993
1994
1995
1996
Empresas Operadoras
54
54
54
54
Linhas Municipais
191
227
255
259
Frota/Veículos
2491
2574
2672
2703
4,8
4,0
4,0
5,0
43.055.121
46.766.875
45.442.000
46.505.202
2,95
3,22
3,11
2,95
Idade Média da Frota
Passageiros/mês
IPK
Fonte: Gerência de Operações (BHTRANS, 1997).
Belo Horizonte possui o maior número de empresas de ônibus urbano operando
no país, possibilitando uma dinâmica própria no relacionamento com o poder
concedente e órgãos gerenciadores; envolve diversas questões como a produção
do serviço, negociação, fiscalização e regulamentação. Siqueira (1997) destaca
que são empresas familiares, cuja origem obedece ao modelo prevalente na América Latina; o fundador inicia o próprio negócio individual com um carro de
tecnologia rudimentar, guiado por ele próprio. Tais empresas estão, desde a década de 80, em processo de profissionalização, sob o comando da segunda geração.
Os estudos sobre a gestão de transportes, com enfoque nas empresas operadoras por ônibus de Belo Horizonte, ainda são raros; comparecem em trabalhos que
refletem o fenômeno transporte sob diversificadas dimensões, tais como: sistema
de transporte (Cunha Filho, 1985); gestão metropolitana (Gouvêa, 1992); papel
dos movimentos sociais (Somarriba et al., 1984); o fenômeno urbano que reflete a
reprodução da força de trabalho (Cunha, 1987); papel institucional do órgão gestor
(Azevedo e Castro, 1987). Estudos mais específicos, que envolvem as empresas,
podem ser encontrados na abordagem de produtividade (Figueiredo, 1994); no
que concerne ao poder e à lógica de reprodução do capital pelas organizações
(Linhares et al., 1992); relativamente a aspectos das relações de trabalho (Siqueira,
1996). Estudos recentes sobre transportes públicos na capital mineira mostram
que as tecnologias de processo, utilizadas nas empresas em busca da superação
do paradigma fordista, não possibilitam maior flexibilização do trabalho, como
se verifica em outros ramos de atividade (Cruz, 1996); formas de regulação de
conflito nas relações de trabalho ainda estruturadas em moldes tayloristas, com o
mito da grande família que predomina nas empresas, e um sindicato dos empreRAC, v.2, n.3, Set./Dez. 1998
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gados combativo, mas equivocado na utilização de estratégias nas suas relações
com o poder concedente e o sindicato das empresas (Watanabe, 1996); e gestão de
recursos humanos ainda marcada por características cartoriais (Morais et al.,
1996). Destacam-se também as abordagens com relação ao setor em torno da
análise de produtividade e qualidade (Watanabe et al., 1996); no tocante à influência das variáveis poder e cultura (Siqueira, 1997); ou à intervenção do Estado
(Cançado e Cruz, 1996) e escala de produção (Henry, 1997).
Os atores envolvidos na questão do transporte (Estado, empregadores, empregados e usuários) analisam o serviço sob diferentes aspectos, em que a organização do trabalho tem reflexo significativo, pois estrutura as relações de produção
do serviço de transporte e refere-se, entre outros aspectos, ao número de ônibus
nas vias públicas, aos itinerários e horários, à tecnologia incorporada às frotas,
etc.
A justificativa para o enfoque na produção do serviço parte da constatação de
que a temática transporte vem sendo abordada por diversos autores, conceituada
sob enfoques teóricos e metodológicos nem sempre coincidentes, e abrangendo
vários ramos do conhecimento. As pesquisas nesta área centram-se sobretudo em
estudos de cunho econômico/financeiro e em práticas de atuação dos órgãos públicos responsáveis pela gestão do transporte; a abordagem de produtividade e
qualidade vem ganhando maior destaque recentemente, sendo que o enfoque da
organização do trabalho no setor é pouquíssimo explorado, ainda mais sob a visão do profissional da administração.
A partir dessas considerações, foi realizada uma pesquisa de caráter descritivo
e analítico, que busca delinear a organização do trabalho no transporte público
por ônibus em Belo Horizonte. O estudo foi realizado por meio do levantamento
de dados primários de quatro empresas de transporte coletivo por ônibus, que
operam o sistema municipal de Belo Horizonte, além de coleta de dados secundários nos órgãos especializados em trânsito e gerenciamento do transporte, fabricantes e fornecedores de equipamentos, documentação formal das empresas estudadas, sem esquecer os periódicos e publicações na área.
ORGANIZAÇÃO
DO
TRABALHO
NO
TRANSPORTE PÚBLICO URBANO
A organização do trabalho tem sido estudada por diversos autores na década de
80 (Bruno e Saccardo, 1986; Dina, 1987; Fleury e Vargas, 1987; Silva e Leite,
1991; Heloani, 1994), sobretudo com foco no setor industrial, seja de base crítica
originada pela teoria marxista, seja de base tecnicista advinda da teoria taylorista.
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No setor de serviços, os estudos proliferaram na área com a expansão deste setor,
principalmente a partir da década de 70. No presente estudo foi adotado o conceito de organização do trabalho de Siqueira (1996, p.40), e que vem a ser “as
maneiras de dividir e sistematizar as tarefas e o tempo do trabalhador ou grupos
nas organizações; as especializações e qualificações exigidas; as seqüências, ritmos e cadências; a padronização e a autonomia; a participação do trabalhador na
programação e “locus” de realização das tarefas”.
A organização do trabalho foi analisada por Henry e Pacheco (1992), que realizam uma caracterização da empresa de ônibus urbano à luz da evolução das
teorias do processo produtivo. O processo de trabalho pré-capitalista, concebido
como aquele em que não há separação nítida entre propriedade e controle dos
meios de produção, pode ser verificado quando o proprietário também é motorista, e/ou tem frota pequena, emprestando os veículos a outros motoristas. Há
grande cumplicidade entre os atores envolvidos - proprietário/motorista, base de
um corporativismo entre eles. Posteriormente, há uma intensificação das atividades capitalistas com o crescimento da quantidade e qualidade dos meios de produção, advindos do maior número de veículos e aparelhamento das garagens e oficinas, e o controle passa do condutor ao gestor.
A partir dessas condições, surgem as organizações nos moldes do taylorismo,
que buscam absorver o conteúdo do trabalho dos motoristas, o seu savoir faire,
reestruturar o trabalho e aumentar a produtividade, com melhora relativa de remuneração e condições de trabalho dos empregados. Verifica-se essa tendência
nas médias e grandes empresas brasileiras de transporte coletivo urbano, caso em
que a antiga organização paternalista é substituída por uma organização mais
técnica e social.
O fordismo, continuam os autores, aparece nos transportes quando se deseja
vincular a rentabilidade do capital à produtividade do trabalho, reorganizando
trabalho e produção segundo princípios mais avançados de gerenciamento. Modificam-se a gestão das garagens e os estoques bem como as relações internas nas
organizações entre administração, manutenção e operação. A divisão entre
gerenciamento empresarial e gestão do sistema pelo poder público também seria
uma característica fordista, pois este último assume funções anteriormente exclusivas das empresas, apesar das imbricadas relações entre operadores e poder
concedente.
A intervenção fordista do poder público também é verificada, quando esse assume características produtivistas pela adoção de princípios racionais, como operação em rede, integração multimodal e padrões de segurança, ou ainda ao determinar o tamanho desejável da unidade de produção, que induziu a concentração de
empresas do setor na maioria das cidades brasileiras. Cançado e Cruz (1996)
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abordam o processo de concentração, a partir dos exemplos de Belo Horizonte,
que de 139 empresas em 1974 passa, dez anos depois, para 79, e do Recife, que de
66 empresas que operavam no sistema em 1976, reduz-se a 20 empresas no ano
de 1993.
As características pós-fordistas podem ser encontradas com a aplicação, apesar
das dificuldades, de critérios de qualidade dentro de medidas de racionalização
produtiva do processo de trabalho, visando ao aumento de produtividade. A organização da atividade e a prestação do serviço é realizada por diferentes elementos
de forma pré-capitalista, taylorista, fordista e pós-fordista, que coexistem no interior do sistema de transportes.
Assim, as formas de organização do trabalho constituem uma variável de análise das mais importantes nas organizações, pois evoluem junto com o desenvolvimento das empresas e vêm passando por diversas transformações em face das
demandas dos clientes e do poder público.
FATORES MACROSSOCIAIS: IMPACTOS
NA
ORGANIZAÇÃO
DO
TRABALHO
No estudo da organização do trabalho para a produção do serviço de transporte
público por ônibus em Belo Horizonte, buscou-se identificar a influência de fatores macrossociais como as formas de remuneração, regulamentação e da tecnologia
sobre estas relações. Em seguida, identificaram-se os principais elementos que
sobressaem na produção do serviço, como o plano e as normas de trabalho, a
divisão e sistematização das tarefas e do tempo do trabalhador, a carga e ritmos
exigidos, as qualificações necessárias e a participação do trabalhador na programação do trabalho.
Impactos das Formas de Remuneração
O processo de valorização do capital leva às modificações nos modos de organização do trabalho e à adequação da forma técnica de produção econômica.
Assim, as formas de organização no trabalho estão imbricadas com as formas de
obtenção do capital. Nas empresas de ônibus a organização do trabalho originariamente era o reflexo principalmente da necessidade de transportar o maior número possível de passageiros por viagem; esse era o procedimento básico para obtenção e remuneração do capital. Esse sistema vai modificando-se, principalmente pela ação do órgão gestor. As formas de remuneração das empresas de transporte público por ônibus giram em torno de dois modos principais e suas variantes: o Sistema Tarifa e o Afretamento.
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Segundo Orrico et al. (1996), a forma que “atribui a cada empresa a receita por
ela coletada dos usuários de seus veículos” é a mais utilizada, sendo conhecida
como Sistema Tarifa. Deste modo, há uma tendência de maior exploração da
mais-valia absoluta; as empresas, em sua grande maioria, impõem baixos salários e longa jornada de trabalho aos empregados, notadamente aos motoristas e
cobradores, facilitada pelo fraco movimento sindical da categoria, de forma geral.
A disputa pelo usuário também é acirrada, onde opera mais de uma empresa,
havendo necessidade de constante adequação da organização do trabalho, como
ajustes na escala de horários de operação, além de orientação aos motoristas e
cobradores para a agilidade no serviço na tentativa de angariar o máximo de
passageiros, o que pode acarretar direção agressiva por parte dos motoristas, com
desenvolvimento de altas velocidades, fechadas na aproximação dos pontos de
parada, enquanto o cobrador fica fora do seu lugar na roleta, postando-se no meio
do veículo para que a cobrança das passagens seja agilizada e os usuários entrem
no ônibus com maior rapidez.
Até o início da década de 80, este era o contexto em que operavam as empresas
de Belo Horizonte; eram comuns a extensão da jornada de trabalho, salários achatados para os empregados do sistema, sindicato dos empregados caracterizado
pelo peleguismo, além de disputas administrativas que visavam à expansão
territorial de linhas e ramais por algumas empresas. A competição era tão forte
que são notórios os casos de discussão no sindicato patronal entre empresários
concorrentes. Nessa época verifica-se uma opção das empresas por equipamentos
de tecnologia ultrapassada e, por isso, mais baratos além de sua utilização até o
sucateamento, levando à prestação de serviços de baixa qualidade aos usuários
(Cruz, 1996).
Outro procedimento de remuneração às empresas, ainda de acordo com Orrico
et al. (1996), é aquele em que a receita tarifária de todas as linhas e empresas do
sistema é apropriada por um órgão de tutela, “que remunera cada empresa em
função dos custos em que ela incorre para realizar os serviços de que está incumbida”. Implantado no país há cerca de dez anos, é chamado de Afretamento. Os
mecanismos de compensação tarifária tendem a reduzir ou eliminar a concorrência entre as empresas, desde que funcionando efetivamente. No caso de uma variação do sistema de afretamento, que envolve o cálculo dos custos juntamente com
a quantidade de passageiros transportados (Fator B), a concorrência reaparece,
principalmente nos corredores de tráfego.
Em Belo Horizonte, o afretamento vem sendo utilizado a partir de 1982, quando
é adotada a Câmara de Compensação Tarifária - CCT, em que o órgão gerenciador
faz a compatibilização entre as receitas obtidas no sistema e os custos de seu
funcionamento. Com isso, diminuiu a concorrência e as empresas passaram a ter
outros parâmetros para a remuneração do capital, baseada na planilha de custos,
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cujos índices são determinados hoje pela BHTRANS, órgão municipal que gerencia
o transporte e trânsito na capital mineira. Assim, a modificação constante da
organização do trabalho durante a operação, no que diz respeito a horários, foi
minimizada; a orientação para angariar passageiros é relativizada, sendo o número de viagens o fator determinante para remuneração do serviço prestado.
Costa e Pozzato (1995) explicam que, apesar do sistema de afretamento constituir um avanço ao desvincular as tarifas cobradas do usuário do custo de prestação de serviços, pode induzir o operador ao desinteresse em captar passageiros,
tendendo a aumentar a frota e a produção quilométrica, além de necessitar maior
fiscalização do órgão gestor. Não é de se estranhar que, desde então, as maiores
reclamações sobre o sistema de transporte coletivo por ônibus na cidade se referem aos veículos não pararem no ponto de embarque e desembarque.
Em julho de 1993, ao assumir o sistema, o novo órgão gestor deparou-se com
diversos problemas no setor que influenciavam o alto custo das tarifas; foram
identificados quatro fatores principais: o elevado preço dos insumos; ineficiência
operacional do sistema; elevado número de gratuidades e coeficientes da planilha
superestimados. Além de tomar medidas para amenizar os primeiros fatores, a
BHTRANS, em conjunto com outras entidades, iniciou uma discussão revisional
da planilha de custos do sistema.
Segundo a BHTRANS (1994), a estrutura da planilha de custos até então vigente continha algumas inadequações, como o uso de coeficientes geralmente superiores aos praticados nas principais cidades brasileiras; coleta de preços de
insumos que não os efetivamente praticados para frotistas; utilização de insumos
em desuso como representativos do sistema, como o pneu diagonal; utilização de
coeficientes únicos e médios para representar situações díspares, tal como o coeficiente único de consumo de diesel, representando tipos de veículos e condições
operacionais muito diferentes. Foram realizadas diversas modificações na planilha,
visando à correção de algumas distorções nos parâmetros metodológicos e houve
mudanças nos seus coeficientes. Após a revisão, houve uma redução na planilha
de custos de 34,02% no sistema de Belo Horizonte e de 35,05% na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Esta redução causou enorme impacto na gestão das
empresas, pois a tarifa média da cidade era a terceira mais cara entre as 24 capitais brasileiras e passou a ser menor que outras dez capitais. A busca de eficiência, que era premissa a partir da implantação da CCT em novembro de 1982,
agora passa a ser necessidade de sobrevivência das empresas.
Impactos da Regulamentação
O órgão gerenciador, BHTRANS, realiza a especificação dos serviços, determinando itinerários, fixando os locais e pontos de parada, pontos terminais, frota
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e quadro de horários, entre outros. O sistema de horários vigente até 1993 estabelecia o número de viagens por faixa de horário, cabendo ao prestador do serviço
estabelecer, dentro desse limite, o intervalo que lhe parecia mais conveniente.
Assim a empresa, que era concessionária do serviço e passou a permissionária,
tinha maior flexibilidade na organização do trabalho, podendo ajustar, de acordo
com a sua melhor conveniência, a oferta de serviços à demanda, atendimento a
pontos com maior aglomeração de usuários ou disputar passageiros em um corredor saindo com o carro vazio durante parte do itinerário.
Atualmente, a regulamentação condiciona a organização de trabalho das empresas a que o serviço seja prestado nos horários predeterminados, de forma que
atenda melhor à demanda concentrada nas horas de pico na visão do órgão gestor.
Os horários e freqüências são estabelecidos em função de estudos de demanda,
nível mínimo de conforto do usuário, segurança de tráfego, velocidade operacional,
número de veículos e extensão do itinerário. O cumprimento dos horários deve ser
realizado com o número de veículos definido pela BHTRANS, garantindo-se uma
reserva técnica de até 10%.
As empresas têm como obrigação, segundo o regulamento, operar veículos de
até dez anos de fabricação, podendo ser reencarroçados posteriormente; dar condições dignas e seguras de trabalho a seus operadores, obrigatoriamente
credenciados; garantir a segurança e o conforto dos passageiros; submeter os
veículos a vistorias periódicas; apresentar seus veículos em adequado estado de
conservação e limpeza; manter a frota reserva em condições de mobilização; recolher à CCT diferenças entre o custo total de operação admitido e a receita de
passagens quando esta for maior, entre outras. Essas determinações refletiram-se
nas empresas de ônibus como um todo que, para adequarem-se aos novos
parâmetros, tiveram que reordenar sua administração profundamente.
O órgão gerenciador determina diretrizes que levam a empresa a possuir um
número mínimo de veículos, com idade limite fixada e fiscalizada por meio de
vistorias e, conseqüentemente, o número de operadores por linha, de acordo com
a freqüência destas, além de pessoal técnico na retaguarda para articular as ações
entre administração, manutenção e operação. As modificações também levam a
uma evolução gerencial das empresas, com a queda na idade média da frota local,
e introdução de mecanismos de apoio à gestão, principalmente aqueles concernentes
ao controle de custos. Isto porque, para o aumento de lucros nas organizações,
pode-se aumentar o faturamento ou reduzir os custos. O aumento do faturamento
nas empresas de transporte coletivo depende de fatores que estão intimamente
ligados ao órgão gestor, como regulamentação, concorrência, itinerários, valor da
tarifa, receita operacional e total e outros. O caminho mais viável que se oferece
ao administrador passa a ser a diminuição de despesas.
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A nova regulamentação aponta diversos aspectos da sistematização da tarefa e
do tempo do trabalhador, além de seqüências, ritmos e cadências, ao determinar o
quadro de horários para ser cumprido em determinada linha. Por outro lado, as
empresas têm de reduzir ao máximo seus custos, para que fiquem pelo menos nos
mesmos padrões de remuneração determinados pelo órgão gerenciador. Como um
dos maiores componentes dos custos neste ramo de atividade sempre foi o pessoal
de operação, algumas demandas recaíram sobre estes. A pressão sobre o pessoal
de operação - motoristas, cobradores e despachantes, faz com que estes recorram
ao seu sindicato, o que provoca atritos com o sindicato patronal, chegando em
alguns casos à deflagração de greves; porém o atrelamento de greves a reivindicações salariais, que sempre foi o item principal da pauta, levava a uma pressão na
CCT, repercutindo em aumento tarifário, o que aliviava os patrões, principalmente aqueles que conseguissem diminuir seus custos via gestão da mão-de-obra.
Uma das formas hoje utilizadas na redução dos custos é o controle estrito das
horas-extras pagas aos empregados, devendo ser evitadas ao máximo. Outro aspecto é a adequação do mínimo de frota ao máximo de viagens determinadas pelo
órgão gerenciador, com menor proporção de pessoal em relação à frota indicada
por ele, ou seja, os custos deveriam baixar na operação pelo menos ao nível da
planilha de custos utilizada para conciliação na CCT. Com o aumento da articulação política do patronato, a negociação entre o poder concedente e os empresários quanto aos índices utilizados foi pendendo para um lado ou para o outro,
conforme a correlação de forças políticas entre as partes no contexto da época.
Não obstante, ganhos não operacionais poderiam ser obtidos pelas empresas por
meio de expedientes como determinar um rodízio entre linhas deficitárias, que
levariam a uma maior remuneração dos prejuízos entre as partes, o que, no fim,
favoreceria todas as empresas.
Impactos da Tecnologia
As modificações na regulamentação nas empresas de transporte coletivo urbano por ônibus levaram a algumas mudanças tecnológicas, relacionadas à organização do trabalho, em nível gerencial e de processo; no que tange ao processo, a
exigência de utilização de ônibus de até dez anos de uso, aliada a políticas de
remuneração, favoreceram a renovação da frota, hoje com idade média de cinco
anos (Tabela 1), ademais do lucro auferido com a venda dos ônibus mais antigos.
Os resultados deste estudo corroboram a pesquisa realizada por Lima (1995),
pois também nas empresas de Belo Horizonte se constatou o aumento do controle
de processos na produção de serviços nas empresas, mediante ações gerenciais e
elevação da tecnologia embarcada nos ônibus; algumas empresas instalaram equipamentos, como sistemas complementares ao tacógrafo, instrumentos de controle
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de frota, controladores de consumo de combustível e excesso de velocidade;
monitores de esforços excessivos em curvas e freadas, campainha com sinal luminoso e retardo, sensores de temperatura e pressão do óleo e tensão das correias do
motor, entre outros.
O controle e monitoração desses equipamentos nas empresas que incorporaram
esse tipo de tecnologia na frota, geraram a necessidade de maior apoio por parte
da manutenção e da administração nessas organizações, levando-as a adotar também algum tipo de sistema informacional para o controle de custos e gestão da
frota. Além disso, alguns de tais equipamentos influenciam a organização do trabalho, principalmente no que tange à autonomia e controle do trabalhador.
As empresas estudadas possuíam oficinas mecânicas bem estruturadas, valas
para manutenção dos veículos, setor elétrico, de borracharia e de pintura, equipamentos automáticos de lavagem de carroceria e bombas de combustível. A estrutura da manutenção das empresas era bastante verticalizada, sendo realizados
externamente apenas retífica de motores e recauchutagem de pneus. As empresas
realizavam manutenção preventiva e corretiva dos veículos, possuindo veículo de
apoio para reparos externos. Os controles em todas as empresas eram feitos por
veículo, acompanhando consumo de combustível e pneus, ocorrência de quebras e
realização de ordens de serviço para reparos, registro dos equipamentos de controle de quilometragem, velocidade, tacógrafo e monitor de esforços excessivos
em curvas e freadas. As empresas trabalhavam com escala de manutenção; cada
veículo, de acordo com a quilometragem ou proximidade da vistoria na oficina do
órgão gestor, passava por uma revisão completa. As revisões semanais geralmente envolviam o ajuste ou a troca de lonas de freio, enquanto lavagem e lubrificação do motor se efetuavam quinzenalmente. Os pneus também tinham um controle individualizado para seu maior aproveitamento.
Em relação à tecnologia embarcada, vale destacar dois equipamentos encontrados em grande parte da frota da cidade: o registrador de rpm para tacógrafo e o
medidor de esforços excessivos em curvas e freadas.
O primeiro, além de realizar a função original do tacógrafo, equipamento obrigatório por lei, e que registra em disco de papel, durante as vinte e quatro horas,
a velocidade desenvolvida pelo veículo, registra no mesmo disco, o funcionamento do motor e as sua rotações, além da quilometragem percorrida via odômetro
incorporado. Controla, assim, o total de tempo em alta rotação e baixa rotação do
motor, os excessos de rpm; o tempo de funcionamento ocioso do motor e as horas
totais de funcionamento, além dos excessos de velocidade. Quando o veículo alcança a velocidade programada pela empresa, é acionado um dispositivo que acende
uma luz piloto no painel do ônibus para alertar o motorista.
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O monitor registra os esforços excessivos em curvas, freadas e arrancadas em
um display digital, alarmando, por meio de um sinal sonoro, a ocorrência destes
fatos. Instalado em um suporte no painel do veículo, funciona de forma independente dele, totalizando, do lado esquerdo, os esforços nas curvas e, do direito, os
esforços em freadas e arrancadas.
Com a implantação desses equipamentos, todas as empresas afirmaram que
foram obtidos bons índices de economia de combustível, maior tempo de durabilidade do motor, maior vida útil dos pneus, menor desgaste das lonas de freio e
outros componentes e peças de reposição. A economia nos gastos, segundo os
responsáveis pela manutenção nas quatro empresas pesquisadas, ficou entre 20%
e 30%, dependendo do item.
Os motoristas conhecem os equipamentos; percebem que, agora, há um limite
imposto por meio deste novo aparato tecnológico, pois a aceleração é controlada;
tem de frear e arrancar mais suavemente e, nas curvas, a velocidade não pode ser
alta, a ponto de permitir o arrasto de pneus. O controle é percebido pelos motoristas, sobretudo porque as empresas monitoram o desempenho dos empregados por
tais equipamentos. Em todas as empresas da amostra, a performance do empregado logrado com os aparelhos é critério de avaliação para recebimento de benefícios. Esses equipamentos influenciaram a organização do trabalho, notadamente no
atinente ao trabalho do motorista, que teve sua autonomia reduzida e maior controle extramuros.
Outras mudanças no sistema de transporte coletivo refletiram-se na organização do trabalho. Um exemplo é a substituição dos ônibus com motor dianteiro,
que provocam desgaste excessivo ao motorista e desconforto aos passageiros;
porém ônibus com motor traseiro, ou entre eixos, são mais caros para o empresário. Por outro lado, uma possível redução de tarifas poderia impor maior pressão
sobre a remuneração do capital, o que levaria o empresariado a buscar novas
formas de organização do trabalho, tendendo a utilizar-se de maior aparato
tecnológico para controle e redução de custos de operação de pessoal e da frota,
podendo mesmo reivindicar do poder concedente a implantação de bilhetagem
automatizada. Esta última tem sido implantada experimentalmente em algumas
cidades do país, acarretando expressiva redução no número de cobradores. Todavia o aumento de tecnologia embarcada pode limitar ainda mais a ação dos motoristas que, de modo geral, junto com cobradores e despachantes, têm mínima
participação no definir a programação e estrutura do trabalho.
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A PRODUÇÃO
DO
SERVIÇO
E A
ORGANIZAÇÃO
DO
TRABALHO
A organização do trabalho nas empresas de transporte coletivo ocorre em dois
loci distintos, na garagem e na linha. A maioria das empresas têm garagem, que
é a denominação cotidiana dos empregados para o local do pátio de estacionamento dos ônibus, quando não estão operando, do setor de manutenção, além do
escritório da administração.
Na garagem, o setor administrativo cuida do suporte necessário à atuação da
manutenção e operação. A manutenção providencia que os veículos estejam em
perfeito estado para sua utilização nas linhas e na produção do serviço de transporte.
A organização do trabalho na linha se dá a partir do despachante, que fica nos
pontos de controle e tem a função de controlar e registrar o fluxo de veículos, a
movimentação de pessoal de operação, avisando à garagem quaisquer alterações
significativas no serviço. O motorista cumpre sua jornada, operando o veículo no
itinerário e horários estabelecidos, juntamente com o cobrador, que recolhe a tarifa. O fiscal realiza o trabalho de controle e verificação dos modos e condições de
operação das linhas durante a circulação dos veículos.
Na linha, verificavam-se as mesmas características destacadas por Sato (1991),
pois cada linha de ônibus tem suas peculiaridades pelos horários, itinerários, tipo
de veículo e esquema de folga, mas também advindas da configuração do espaço
urbano, o tipo de passageiro e sua condição social, cultural e econômica, o número de passageiros por trecho e viagem, a condição de tráfego nas vias, entre outras.
Na garagem os serviços ocorrem a partir dos setores de administração e manutenção, que dão suporte ao serviço da linha realizado pelo pessoal de operação. A
ênfase desse trabalho está no pessoal de operação, que corresponde à grande maioria do sistema; sua grande interface com a administração e manutenção auxilia
na caracterização dos serviços e na averiguação do sistema como um todo.
O pessoal de operação compreende o motorista, o cobrador, o despachante e o
fiscal. O órgão gestor coloca como obrigação do pessoal de operação, entre outras: a) tratar o usuário, colegas de serviço e funcionários do órgão gerenciador
com atenção, urbanidade e respeito; b) utilizar uniforme e crachá de identificação; c) não trabalhar sob efeito de álcool ou outras substâncias tóxicas; d) não
fumar no interior do veículo; e) prestar informações aos usuários; f) não abandonar o veículo durante a sua escala funcional, nem parar no curso do trajeto para
tratar de assuntos particulares.
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A jornada diária de trabalho prevista é de 7h 20, em 44h semanais; o repouso
semanal remunerado depende do grupo e da linha onde se trabalha. Pode ser nos
finais de semana - sábado ou domingo, ou pode ser folga corrida, onde a cada
semana se folga em um dia (corrida porque na primeira semana folga-se na segunda-feira, na segunda semana folga-se na terça-feira e assim sucessivamente).
As empresas trabalham geralmente com quatro grupos de horários: 1) manhã,
aqueles que assumem o serviço entre a madrugada e o amanhecer e largam o
trabalho até o início da tarde; 2) tarde, aqueles que assumem o serviço do final da
manhã até o início da tarde e deixam a atividade à noite; 3) noturno, aqueles que
assumem o serviço à noite e largam a atividade de madrugada; 4) movimento,
aqueles que trabalham nos horários de pico pela manhã e à tarde, descansando
entre estes dois períodos. Esses últimos geralmente moram perto da garagem. Os
despachantes e fiscais trabalham na maioria das vezes em dois turnos, manhã e
tarde/noite.
As empresas podem fazer revezamento, geralmente semanal, de turno de trabalho entre motoristas e cobradores, conhecido entre eles como vira horário, onde
trabalham uma semana em um turno (pela manhã, por exemplo) e a semana seguinte no outro (tarde/noite). Na maioria das empresas, o empregado é escalado
para determinada linha, veículo e horário predeterminado, sendo indicado o local
onde o trabalhador vai assumir o serviço, que pode ser na garagem ou no ponto de
controle (PC).
Existem empresas no sistema que não fazem escala prévia, designando o motorista ou cobrador para linha, carro ou horário. O pessoal de operação vai sendo
encaixado de acordo com a chegada na empresa ou PC’s e a disponibilidade,
saindo no veículo indicado pelo encarregado para determinada linha. Nesse sistema, digamos flexível, quem chega mais cedo e vai saindo em qualquer carro e
qualquer linha deve ter certa dificuldade operacional, por ocasião do atraso maior
dos empregados para chegarem ao serviço, apesar de que sempre há uma disputa
de quem chega primeiro, para pegar os carros mais novos. Os empregados também podem esperar longo tempo à disposição da empresa, até que a próxima
vaga em um carro aconteça, principalmente os que fazem substituição, geralmente no turno da tarde. O empregado só tem horário de chegada: pode chegar, por
exemplo, às 13h e efetivamente assumir o serviço somente às 15h. Pode também
não haver substituição e haver necessidade de dobra, e o empregado trabalhar até
12 horas por dia, ou ainda apenas 4 horas, dependendo do dia da semana e condições da linha. Segundo o gerente de operações de uma das organizações
pesquisadas, as empresas que adotam este sistema não devem saber fazer escala,
pois esta facilita o controle das linhas e ameniza a tensão do empregado, que sabe
exatamente quando vai começar a trabalhar e quando vai deixar o serviço.
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Algumas empresas também remuneram por viagem realizada pela dupla motorista-cobrador, nos moldes verificados nos anos 70, segundo o diretor-executivo
de outra organização. As duplas de motorista-cobrador também podem ser trocadas
mediante rodízio, geralmente mensal, ou serem fixas, dependendo da empresa.
As funções de motorista e cobrador, no sentido de cumprir a programação das
linhas, suprir as folgas, férias, absenteísmo e adequação à manutenção dos veículos, dividem-se geralmente em três grupos: efetivo, folguista/ferista e reserva. O
efetivo é aquele fixo em uma determinada linha, horário e carro, sendo estes sempre os mesmos. O folguista/ferista é aquele que cobre férias e folgas do efetivo,
sendo que na escala já está previsto onde irá atuar, podendo variar de linha, horário ou veículo, dependendo de quem está substituindo de folga ou férias. O reserva é aquele que se apresenta à empresa, e fica aguardando algum imprevisto como
falta ou atraso de pessoal para entrar em ação, não sabendo onde poderá atuar;
dependendo das circunstâncias, pode passar a sua jornada à disposição, sem ser
acionado. Geralmente este grupo é preenchido pelos recém-admitidos na função
de motorista ou cobrador dentro das empresas.
No sistema de Belo Horizonte, o despachante fica no posto de controle, geralmente um em cada extremidade do itinerário no caso de linha diametral; e um
único, em caso de linha circular ou semi-expressa. Sua função é adequar ao máximo a programação determinada pelo órgão gerenciador do sistema à escala de
serviço da empresa, observando o horário de partida e de chegada, os intervalos
entre as viagens, a duração da jornada de trabalho, a substituição de operadores,
além do correto preenchimento do mapa diário de controle operacional da linha.
Este documento é exigência do órgão gerenciador e sua principal fonte de dados
para mensurar o serviço prestado pelo operador: número de viagens e passageiros, horários cumpridos e ocorrências, o que vai permitir a remuneração da empresa.
Segundo o órgão gestor, compete exclusivamente ao despachante preencher
corretamente, sem omitir informações sobre irregularidades no serviço, os documentos exigidos pelo órgão gerenciador sobre a operação da linha, além de auxiliar na realização de levantamento de informações e elaboração de estudos. Qualquer rasura no preenchimento do Mapa de Controle Operacional é passível de
multa pelo órgão gestor, mesmo que justificado pela empresa.
O despachante é um elemento chave no sistema, porquanto, por meio de sua
coordenação haverá o bom andamento da linha, sem atraso e com possíveis correções de rumo, em face de algum imprevisto, que deve ser comunicado ao setor
responsável na empresa. A existência de sistemas rápidos e eficientes de comunicação (rádio, telefone, interfone, page, etc) entre os pontos de controle e a empresa pode ser fator crítico na operação e administração da linha.
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As tarefas do motorista de ônibus urbano caracterizam-se basicamente pelo
transporte de passageiros dentro do perímetro urbano, observando-se uma série
de procedimentos técnicos e disciplinares em relação ao trânsito, aos colegas e
usuários (Sato, 1991). O Código Nacional de Trânsito prevê que o condutor de
veículo de transporte coletivo urbano, além dos demais motoristas, deverá ter no
mínimo 21 anos de idade; deve abster-se da cobrança de passagens; usar marcha
e velocidade compatível com a segurança, ao descer vias com declive acentuado;
atender ao sinal do passageiro, parando o veículo para embarque e desembarque
somente nos pontos estabelecidos. O Código ainda prevê que é vedado ao motorista dirigir com a vistoria vencida; dirigir com excesso de lotação; conversar
estando o veículo em movimento; dirigir com a falta ou defeito de qualquer equipamento obrigatório; dirigir sem registrador de velocidade - tacógrafo, ou com
defeito nele; e descer rampas íngremes com o veículo desengrenado.
O órgão gerenciador regula que compete especificamente ao motorista, entre
outras coisas, efetuar revisão sumária no veículo, antes de sua saída, testando o
funcionamento do equipamento; conduzir o veículo em velocidade contínua, evitando paradas e freadas bruscas, de modo que não prejudique a segurança e conforto dos passageiros; não movimentar o veículo antes que as portas de entrada e
saída estejam fechadas; auxiliar, em casos de interrupção de viagem, a condução
dos passageiros a outro veículo; comunicar-se com a empresa em caso de acidente; não conversar com o veículo em movimento, exceto para prestar informações;
não deixar de atender ao sinal de parada ou recusar passageiros nos pontos.
No trabalho dos motoristas, os reflexos da organização do trabalho ficam muito
bem caracterizados por essas regulamentações, além da exigência do cumprimento do quadro de horários, determinado pelo órgão gerenciador e colocado em
prática pela escala confeccionada pela empresa. Isto porque o órgão gestor determina horários de saída de cada ponto de controle, a duração da viagem e o itinerário que vai ser percorrido, fiscalizando rigidamente o cumprimento destas normas pela empresa. Como as empresas recebem por viagem, elas procuram na sua
logística utilizar-se do menor número de ônibus possível para cumprir os horários
predeterminados. Assim, motoristas de cada linha têm o tempo exato para percorrer determinado itinerário, o que reforça a noção de linha, pois o ritmo do andamento do trabalho de cada dupla está ligado ao trabalho das outras, em uma
relação de interdependência. As formas de controle se dão pela fiscalização dos
horários por equipes do órgão gerenciador, espalhadas pelos itinerários das linhas, identificados ou não, e pelo despachante do ponto de controle, que tem de
estar atento para cumprir o determinado pelo órgão gerenciador e pela empresa.
Além disso, a maioria das empresas tem alguém encarregado de fiscalizar as
linhas e verificar o andamento do serviço, o cumprimento de horários, das normas
da empresa e alguma pendência existente.
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Outra figura presente no pessoal de operação é o fiscal, que tem a função de
observar se o serviço está sendo executado corretamente, dentro dos padrões exigidos pela empresa. Na maioria das vezes eles correm linha, percorrendo o trajeto dos ônibus da empresa, durante todo o dia, comunicando aos encarregados as
irregularidades porventura existentes. Em algumas empresas existe a figura do
fiscal secreto que, além de percorrer as diversas linhas da empresa, faz-se passar
por usuário, para detectar as possíveis falhas na prestação de serviço e atendimento ao público e informar posteriormente o setor competente na empresa.
Na ocorrência de algum imprevisto no trânsito, no veículo ou com o próprio
motorista, os intervalos de viagem podem ficar de tal forma reduzidos com o não
cumprimento da exata duração da viagem, que o carro vira sem que a dupla de
operadores desça do veículo. Por outro lado, o motorista pode realizar a viagem
em um tempo menor e ampliar o intervalo parado entre duas viagens, porém sofre
a vigilância do despachante, que deve relatar o ocorrido, além do possível controle dos equipamentos instalados no ônibus.
As tarefas do cobrador são as de cobrar e receber as passagens, auxiliar o
motorista, fornecer o número da catraca no final de cada viagem, dar o troco,
colar os vales-transportes no formulário apropriado, pegar assinaturas no passe,
verificar os usuários que usufruem de gratuidade, tratar os passageiros com cordialidade, dar informações quando solicitado, impedir a atuação de ambulantes
dentro do veículo, entre outros. Interessante que entre as determinações do órgão
gerenciador para o cobrador está a obrigação de providenciar troco no início da
viagem, pois este é um dos motivos de maior atrito entre usuários e cobradores,
cabendo a estes e não à empresa o fornecimento de troco. No final da jornada, o
cobrador deve jogar a féria na tesouraria. Em algumas empresas, existe a figura
do acertador, que confere com o cobrador o cálculo realizado, antes de entregála na tesouraria.
Um dos aspectos que afetarão a profissão de cobrador de forma crucial é a
modificação espacial do sistema viário prevista no projeto BHBUS/97, com a
implantação de sistemas troncais de alta capacidade, dotados de canaletas e corredores exclusivos com estações de transbordo, pois estes sistemas geralmente
eliminam a utilização de cobradores dentro dos veículos, e implantam bilheterias
nas estações. Quanto à tecnologia, a adoção de sistemas de bilhetamento automático tende a diminuir o número de postos de trabalho para os cobradores.
De maneira geral, assim é que se dá a produção do serviço de transporte, trabalho complexo que exige coordenação entre os três setores envolvidos na organização: operação, manutenção e administração; isto sem levar em consideração as
interfaces e contigüidades: tráfego e trânsito, usuários e órgão gestor, entre outros. A produção do serviço de transporte coletivo, nas empresas estudadas em
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Belo Horizonte, tem uma organização do trabalho semelhante, apesar da diferenciação de tamanho, frota, localização, região de operação, número de empregados, etc; elas seguem, de forma geral, os preceitos determinados pelo órgão gestor,
no caso estudado, a BHTRANS.
CONCLUSÃO
A organização do trabalho nas empresas de transporte público é realizada em
dois loci distintos, na linha e na garagem. Na linha a organização do trabalho
segue os parâmetros determinados pela empresa, a partir da escala de serviço,
que determina os operadores e horários para a execução das tarefas inerentes ao
ofício do motorista, cobrador e despachante, monitorados pelos fiscais e encarregados de tráfego, pelo lado da empresa. Todos exercem funções importantes no
sistema, mas a do motorista é essencial. Na garagem a manutenção providencia
que os veículos estejam sempre prontos para uso, enquanto a administração dá
apoio logístico geral para todas as atividades.
O órgão gestor especifica o serviço prestado pela empresa, controla toda a produção por meio de instrumentos como o Mapa de Controle Operacional, vistorias
no trajeto e na garagem, além da atuação dos fiscais e as reclamações dos usuários. Ao especificar o serviço, e verificar seu cumprimento para a devida remuneração, não permitindo maior flexibilidade quanto à adequação de frotas e horários
pelas operadoras, o poder concedente é condicionante da organização do trabalho
que a empresa deve articular para a produção do serviço. Embora não se tenha
aprofundado a questão, por não constituir objetivo específico deste trabalho, podese concluir que a regulamentação, incluindo o sistema de remuneração via planilha
e subsídios cruzados (afretamento), leva o empresariado a buscar maior redução
de custos, sem que isso implique necessariamente melhores condições de trabalho
para o pessoal de operação, ou ganhos acentuados na qualidade e produtividade
do serviço para os usuários.
As tecnologias gerenciais utilizadas nas empresas visam ao disciplinamento e
controle da força de trabalho, utilizando-se também de aparatos técnicos no processo produtivo, como os monitores de esforços excessivos e o registrador de rpm
para tacógrafo, além de outros tradicionais como relógio de ponto e o sistema de
punição: advertência, suspensão, demissão. Com os equipamentos, além do controle, houve ganhos econômicos de produtividade nas empresas pesquisadas, mas
os dados disponíveis eram pouco sistematizados; uma comparação nesse sentido
seria temerosa, devido a outras influências do ambiente, como tipo de veículos e
itinerários diferenciados entre as empresas.
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As tecnologias de processo utilizadas também não possibilitam maior
flexibilização do trabalho, sendo o controle individualizado; mas a tendência de
eliminar alguns postos de trabalho do sistema vigente - como cobrador, despachante e fiscal, parece inevitável; apesar do impacto social que isso vai acarretar
em curto prazo, principalmente em um país com desníveis acentuados de qualificação de mão-de-obra e dos inúmeros trabalhadores à margem do mercado de
trabalho.
Por outro lado, níveis maiores de eficiência poderão ser alcançados com maior
participação dos empregados na organização do trabalho das empresas, pois o
seu conhecimento é fundamental para aprimoramento do processo, ainda que
pouquíssimo explorado no setor, pelas conclusões obtidas no estudo realizado.
Melhor adequação das normas do órgão gestor, em face do sistema como um
todo é fundamental, principalmente com a ampliação dos canais de participação
das próprias empresas, dos empregados e dos usuários. As medidas tomadas pelo
poder concedente deveriam ser precedidas de consulta aos envolvidos, pois causam transtornos e são motivo de retrabalho, além de insatisfação e degradação da
imagem do órgão. Não pode ser negligenciado o poder de cada um desses atores
em busca de seus objetivos, geralmente conflituosos entre si; mas, para a melhoria
do sistema de transporte coletivo, não há outro instrumento de cunho mais democrático e profundo.
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