UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS PROGRAMA CIDADE E ALTERIDADE: CONVIVÊNCIA MULTICULTURAL E JUSTIÇA URBANA RELATÓRIO IMPACTOS SOCIAIS, ECONÔMICOS, AMBIENTAIS E DE TRABALHO DEGRADANTE EM CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO, DOM JOAQUIM E ALVORADA DE MINAS/MG BELO HORIZONTE, 2015 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] EQUIPE DO PROJETO Coordenação Geral do Cidade e Alteridade: Profa. Dra. Miracy Barbosa de Sousa Gustin Coordenação do Projeto: Marcos Cristiano Zucarelli Orientador de campo: Marina de Oliveira Penido Pesquisador de Graduação: Vinícius Villela Penna ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 1 2 CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO ................................................................................... 9 2.1 Dinâmica Demográfica de Conceição do Mato Dentro ........................................ 11 2.2 Impactos no Setor Habitacional e Comercial em Conceição do Mato Dentro .... 17 2.3 Impactos no Setor de Saúde em Conceição do Mato Dentro ............................ 355 2.4 Impactos no Setor de Educação em Conceição do Mato Dentro ...................... 455 2.5 mpactos no Setor de Segurança em Conceição do Mato Dentro ........................ 50 2.6 Convênios entre a Prefeitura de Conceição do Mato Dentro e a Anglo American .................................................................................................................................... 74 2.7 Mudança social e a relação dos moradores locais com os trabalhadores imigrantes ................................................................................................................... 77 2.8 Condições de trabalho análogas à de escravo em Conceição do Mato Dentro... 85 3 ALVORADA DE MINAS............................................................................................... 100 3.1 Dinâmica Demográfica de Alvorada de Minas ................................................... 104 3.2 Impactos no Setor Habitacional e Comercial na sede de Alvorada de Minas e no distrito de Itapanhoacanga....................................................................................... 107 3.2.1 Alvorada de Minas ....................................................................................... 107 3.2.2 Itapanhoacanga ........................................................................................... 109 3.3 Impactos no Setor de Saúde em Alvorada de Minas ......................................... 114 3.4 Impactos no Setor de Educação em Alvorada de Minas .................................. 1266 3.5 Impactos no Setor de Segurança em Alvorada de Minas................................... 131 3.6 Convênios entre a Prefeitura de Alvorada de Minas e a Anglo American ........ 141 3.7 A relação dos moradores locais com os trabalhadores imigrantes em Itapanhoacanga ...................................................................................................... 1444 4 DOM JOAQUIM ..................................................................................................... 15151 4.1 Dinâmica Demográfica de Dom Joaquim ........................................................... 154 4.2 Impactos no Setor Habitacional e Comercial em Dom Joaquim ....................... 157 4.2.1 A questão da habitação e os transtornos decorrentes de infraestrutura da Anglo American no Bairro Lopes..........................................................................164 4.3 Impactos no Setor de Saúde em Dom Joaquim ................................................. 171 4.4 Mudanças sociais e a relação dos moradores locais com os trabalhadores imigrantes em Dom Joaquim .................................................................................... 183 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 4.5 Mudanças sociais e a relação dos moradores locais com os trabalhadores imigrantes em São José da Ilha ................................................................................ 194 4.6 Impactos no Setor de Educação em Dom Joaquim ............................................ 200 4.7 Impactos no Setor de Segurança em Dom Joaquim........................................... 204 4.8 Convênios entre a Prefeitura de Dom Joaquim e a Anglo American ............... 2144 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 2178 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 2255 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 1 INTRODUÇÃO Ressalta-se que o relatório “Impactos sociais, econômicos e ambientais de trabalho degradante no município de Alpinópolis/MG” será entregue até 15/08/2015, pois a pesquisa neste município ainda está sendo realizada. O complexo minerário Minas-Rio pertence à transnacional Anglo American1 e possui capacidade de produção de 26,5 milhões de toneladas de minério de ferro por ano, transportado pelo maior mineroduto do mundo (com 529 km de extensão), ligando a mina de exploração, na microrregião de Conceição do Mato Dentro, no estado de Minas Gerais, ao Porto de Açu em São João da Barra, litoral norte do estado do Rio de Janeiro. Além da lavra principal de minério de ferro nas Serras do Sapo e da Ferrugem, em Conceição do Mato Dentro, o empreendimento compreende planta industrial de beneficiamento e tratamento de minério de ferro, abrangendo os municípios de Alvorada de Minas e Conceição do Mato Dentro; barragem de rejeitos e pilhas de estéril em Alvorada de Minas; uma linha independente de transmissão de energia, proveniente da cidade de Itabira, da Subestação Companhia Energética do Estado de Minas Gerais (CEMIG); e uma adutora de água, no Rio do Peixe, no município de Dom Joaquim, para fins de suprimento da referida planta industrial e do mineroduto, que perpassa 32 municípios, dos quais 25 pertencem a Minas Gerais e 7 ao estado do Rio de Janeiro (SISEMA, 2008). O processo de Licenciamento Ambiental do empreendimento Minas-Rio foi iniciado em 2006 pela empresa MMX Mineração e Metálicos S.A, do Grupo EBX, na época proponente e proprietária do projeto vendido em 2008 para a Anglo American. O licenciamento do projeto transcorreu em três instâncias distintas: o complexo minerário no Sistema de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado de Minas 1 A Anglo American, uma das maiores mineradoras do mundo, com sede no Reino Unido e capital aberto em Londres e Johanesburgo, é uma das líderes globais na produção de platina e diamante e possui participação expressiva na produção de cobre, níquel, minério de ferro, carvão térmico e metalúrgico. A criação da Unidade de Negócio Minério de Ferro Brasil foi concluída em agosto de 2008, em uma operação de mais de US$ 5 bilhões, através da compra do Projeto Minas-Rio da MMX (Disponível em: http://www.angloamerican.com.br. Acesso em: 18/11/2014). 1 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Gerais (SISEMA); o mineroduto no Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA); o Porto de Açu no Instituto Estadual do Ambiente (INEA), do Estado do Rio de Janeiro. Nesse quadro, a fragmentação do processo de licenciamento em diferentes instituições, desvinculando as partes integradas do complexo minerário, facilitou a concessão das licenças ao desconsiderar os impactos cumulativos e conjuntos do empreendimento. As licenças prévias do porto de Açu e do mineroduto foram concedidas, respectivamente, pela FEEMA e pelo IBAMA no ano de 2007, ao passo que a Licença Prévia (LP) da mina de minério de ferro, na região de Conceição do Mato Dentro, foi concedida pelo Conselho Estadual de Política Ambiental (COPAM), Unidade Regional Colegiada (URC) Jequitinhonha, em 2008. Logo, as licenças do mineroduto e do Porto de Açu foram concedidas antes da licença das áreas de extração de minério de ferro, fato que tornou inexorável o licenciamento da mina, indispensável para a operação e o funcionamento das fases já licenciadas. Em março de 2009, foi formalizado junto ao SISEMA a solicitação da Licença de Instalação (LI) da lavra na região de Conceição do Mato Dentro, posteriormente dividida pela SEMAD em fase 1, vinculada às condicionantes já cumpridas, e fase 2 vinculada às condicionantes não cumpridas, possibilitando o avanço do processo de licenciamento (ZHOURI, 2014). A LI fase 1 foi concedida em 17 de dezembro de 2009 e a LI fase 2 em 9 de dezembro de 2010, à revelia dos argumentos contrários do próprio órgão técnico ambiental do estado, a SUPRAM Jequitinhonha, sob os pretextos de reconsideração e revisão de condicionantes não cumpridas, de inclusão de novas condicionantes e da assinatura de uma Declaração de Responsabilidade e Compromisso da empresa (GESTA, 2014; CIDADE E ALTERIDADE, 2013). Em 29 de setembro de 2014 foi concedida a Licença de Operação (LO) da Mina e da Planta de Beneficiamento, negligenciando a existência de direitos violados e de condicionantes não cumpridas desde a LP. Como menciona o Cidade e Alteridade (2013, p. 16), nenhuma das etapas do licenciamento “assistiu ao cumprimento do conjunto das condicionantes estabelecidas na LP; ao contrário, novos prazos e novas condicionantes foram agregados ao processo”, desencadeando um processo de 2 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] “agudização do quadro socioambiental” dos municípios atingidos pelo complexo minerário (CIDADE E ALTERIDADE, 2013, p. 16). Em junho de 2014, a Anglo American deu entrada nos documentos necessários à solicitação da Licença Prévia (LP) e da Licença de Instalação (LI), concomitantes, para a “otimização da mina do sapo”, conforme indicado “no Formulário de Caracterização do Empreendimento (FCE) protocolado sob o n° R194527/2014, bem como no Formulário de Orientação Básica Integrado (FOBI) n° 0595068/2014” (ANGLO AMERICAN; FERREIRA ROCHA, 2014, p.i). Em 2015, a mineradora apresentou um projeto para expansão da mina do sapo, chamado de “Etapa 3 da mina”.2 Em março de 2015, foi solicitada a anuência de conformidade ambiental da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro para o projeto de expansão, cujo processo de licenciamento prevê a avaliação concomitante da LP e da LI. Importa destacar que a expansão implicará não somente na ampliação da área de extração, como também na construção de novas estruturas industriais, gerando, consequentemente, novos impactos socioambientais (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O empreendimento Minas-Rio localiza-se no Espinhaço Meridional em região de domínio da “Reserva da Biosfera Serra do Espinhaço”, em área de contato entre dois importantes biomas, Mata Atlântica e Cerrado (SISEMA, 2008, p. 4).3 A mineração ocorre nas serras denominadas Sapo e Ferrugem, onde predomina a vegetação rupestre sobre canga,4 em área próxima aos distritos de São Sebastião do Bom Sucesso 2 A expansão da mina contempla além da ampliação das cavas, construção de quatro diques de contenção, britador primário, TCLD transportador de correia de longa distância, 3 subestações secundárias, primeiro alteamento da barragem de rejeitos, canteiro de obras, estruturas de controle ambiental (áreas de material de empréstimos e excedentes, sistema de drenagem, sistema de deposição de resíduos, tratamento de efluentes líquidos e oleosos) (Registro da reunião realizada para a discussão sobre a anuência de conformidade da prefeitura para a expansão da mina, Câmara Municipal de Conceição do Mato Dentro, 23/03/2015). 3 “Em junho de 2005, a Serra do Espinhaço em MG foi reconhecida como Reserva da Biosfera pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – UNESCO integrando o programa ‘O homem e a Biosfera’” (SISEMA, 2008, p. 25). 4 Conforme o Sisema (2008, p. 26), as Serras Sapo-Ferrugem constituíam “a maior extensão contínua de vegetação rupestre sobre canga da região”, compondo “um ambiente único de vegetação sobre canga [...] devido à sua extensão, posição geográfica isolada, altitude e inserção no bioma Mata Atlântica [...]”. 3 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] (conhecido popularmente como Sapo) e Itapanhoacanga, pertencentes respectivamente aos municípios de Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas.5 Na região de Conceição do Mato Dentro várias comunidades rurais tradicionais, foram atingidas pelo empreendimento, como é o caso das comunidades de Água Santa e Ferrugem (OBSERVATÓRIO DOS CONFLITOS AMBIENTAIS NO ESTADO DE MINAS GERAIS, 2014; SISEMA, 2008). As negociações das propriedades foram conduzidas de forma individual, fragmentada, sendo frequente o não reconhecimento integral dos atingidos pelo empreendimento e de todos os herdeiros dos espólios, situação que se arrasta desde a época da concessão da LP (PEREIRA; BECKER; WILDHAGEN, 2013). Conforme o Diagnóstico da Diversus (2011), o programa de Negociação Fundiária do empreendimento Minas-Rio apresentou-se inadequado, não seguindo as determinações previstas na condicionante do COPAM, que determinava a utilização do histórico Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da barragem de Irapé como referência para realização dos reassentamentos.6 Para Pereira, Becker e Wildhagen (2013, p. 143), os reassentamentos não oferecem meios para a reprodução social dos atingidos, que sofrem ainda com as condições inadequadas das construções, com o “não cumprimento de cláusulas de acordos assinados” e com as “ameaças de novos reassentamentos tendo a em vista a ampliação da fronteira da mineração na região” (PEREIRA; BECKER; WILDHAGEN, 2013, p. 141). Para além daqueles que sofreram com o deslocamento compulsório decorrente da instalação das estruturas do empreendimento, várias comunidades tiveram sua reprodução social comprometida pela alteração na quantidade e qualidade da água, pela interrupção de estradas cruciais para a mobilidade de determinado povoado, pelo isolamento após a mudança de quase toda vizinhança e pelas vibrações decorrentes do mineroduto (Entrevista com Promotor de Justiça da Comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). 5 Na região do empreendimento localizam-se 4 Unidades de Conservação (UCs) de Proteção Integral e 3 UCs de Uso Sustentável: Monumento Natural Serra da Ferrugem; Parque Municipal Salão de Pedras, Parque Municipal Ribeirão do Campo (onde se encontra a Cachoeira do Tabuleiro, a mais alta de MG), Parque Estadual Serra do Intendente, APA Gameleira, APA Renascença e APA Zabelê (SISEMA, 2008, p. 6-7). 6 Para uma análise sobre o Termo de Ajustamento de Conduta assinado no caso da Usina de Irapé, ver Zucarelli (2011). 4 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Nesse quadro, na esfera local, emerge a problemática da água, relacionada à diminuição da vazão dos cursos hídricos, ao aumento da poluição e da turbidez e ao secamento das nascentes (BARCELOS, 2013). Situação relatada por Tôrres (2014) para a comunidade rural de Água Quente, a 4 km da barragem de rejeitos do empreendimento, que vivenciou o assoreamento e a poluição dos cursos d’água (TÔRRES, 2014). A contaminação do Córrego Passa Sete e a redução da vazão provocou nas comunidades dependentes da água do córrego, a morte de animais de criação e afetou as atividades produtivas, como, por exemplo, o cultivo irrigado de hortas (TÔRRES, 2014). Para Tôrres (2014), o maior impacto imputado à comunidade de Água Quente é a perda do Córrego Passa Sete, essencial no sistema produtivo das famílias, e para as “práticas e sentidos atribuídos ao lugar”, não constituindo um “mero problema técnico de abastecimento de água” (TÔRRES, 2014, p. 146).7 Outro impacto do empreendimento em Conceição do Mato Dentro decorre das vibrações do mineroduto Minas-Rio nas comunidades de Turco e Cabeceira do Turco, localizadas no distrito de São Sebastião do Bom Sucesso, em Conceição do Mato Dentro. Desde junho de 2014, os moradores estão sofrendo com as vibrações do mineroduto, que causam transtornos como barulho e rachaduras nas residências. Em ata da reunião realizada dia 11/12/2014 entre representantes da Anglo American, da comunidade local e do Ministério Público Estadual, várias manifestações evidenciam o transtorno vivenciado pelos moradores residentes nas proximidades da faixa de servidão do mineroduto: uma moradora comenta que “não gostaria de ter a casa dela vibrando, pois se sente insegura e tem medo da casa cair”; outro morador afirma que “já enviou e-mails de madrugada, informando sobre o incômodo e disse não aguentar 7 Embora a falta de abastecimento de água, sobretudo em comunidades rurais, seja uma denúncia recorrente em Conceição do Mato Dentro, conforme expôs o técnico da Secretária de Meio Ambiente de Conceição do Mato Dentro, a Prefeitura não tem como provar que a falta de água está diretamente associada às atividades da mineração. Enquanto medida emergencial, o abastecimento de algumas localidades entrou como condicionante para a empresa (Entrevista com técnico da Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Conforme a Secretaria de Meio Ambiente de Conceição do Mato Dentro, o assoreamento do Córrego Pereira deve-se ao rompimento de um dique de contenção da barragem de rejeitos da Anglo American. Entretanto, a contaminação por amônia do Córrego Passa Sete, que resultou na alta mortandade de peixes (Entrevista com técnico da Secretaria de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014), não foi identificada a causa/origem, embora a maior probabilidade é que seja decorrente da atividade da mineração (TÔRRES, 2014; OBSERVATÓRIO DO PRÉ-SAL E DA INDÚSTRIA EXTRATIVA MINERAL, em 01/09/2014). 5 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] mais viver sem conseguir dormir à noite por conta das vibrações e outros ruídos”; uma mãe diz que os “filhos tem medo de dormir”, em função dos tremores. Além dos danos imateriais, as vibrações vêm causando danos materiais às residências, como rachaduras e “desprendimento do reboco” (IC MPMG 0175.14.000063-9, p. 42-52). Apesar das medidas técnicas e mitigadoras apontadas pelos representantes da Anglo para conter as vibrações do mineroduto, os moradores reiteraram sua persistência (IC MPMG 0175.14.000063-9, p.42-52). Como veiculado na mídia, as comunidades vêm protestando contra os impactos do mineroduto e várias manifestações foram realizadas, com a interrupção do trânsito da rodovia MG10 e, por conseguinte, da passagem dos veículos da Anglo American.8 Em termos de impactos urbanos, em uma primeira etapa da pesquisa sobre os impactos da mineração na região de Conceição do Mato Dentro-MG, vinculada ao Programa Cidade e Alteridade: Convivência Multicultural e Justiça Urbana, foram avaliadas as mudanças impostas às relações tradicionalmente estabelecidas pelos grupos sociais com o território, tanto pelos danos socioambientais provocados pelo complexo minerário Minas-Rio, quanto pelo afluxo de trabalhadores imigrantes à cidade e circunrregião, com efeitos diversos sobre o cotidiano dos moradores.9 Em linhas gerais, em decorrência da instalação do empreendimento e do grande afluxo populacional, foram observadas pelos pesquisadores do Cidade e Alteridade, em 2013, em Conceição do Mato Dentro, situações de alteração da qualidade do ar, dada a poeira advinda do processo de instalação da mina e do tráfego de veículos; aumento da criminalidade; prostituição; consumo de drogas; elevação do custo de vida; aumento do trânsito na cidade e nas estradas vicinais; maior procura 8 JORNAL O TEMPO. Grupo protesta contra problemas causados por mineroduto na MG-010, em 3/12/2014. Disponível em: http://www.otempo.com.br/capa/economia/grupo-protesta-contraproblemas-causados-por-mineroduto-na-mg-010-1.956090. Acesso em: 10/03/2015. JORNAL HOJE EM DIA. Protesto fecha MG-010 por 12 horas e moradores prometem novo ato para sexta-feira, em 4/12/2014. Disponível em: http://www.hojeemdia.com.br/horizontes/protesto-fecha-mg-010-por-12horas-e-moradores-prometem-novo-ato-para-sexta-feira-1.286465. Acesso em: 10/03/2015. JORNAL BRASIL DE FATO. Moradores protestam contra mineroduto em Minas Gerais, em 5/12/2014. Disponível em: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:6yqou8gPX2cJ:www.brasildefato.com.br/nod e/30742+&cd=4&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br. Acesso em: 17/02/2015 9 Cf. CIDADE E ALTERIDADE. Relatório sobre os impactos da mineração e as mudanças no contexto urbano de Conceição do Mato Dentro-MG, Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2013. 6 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] por atendimento em todas as áreas da saúde; aumento da produção de lixo; aumento da insegurança dos moradores, sobretudo daqueles residentes próximos aos alojamentos e casas alugadas para os trabalhadores; déficit habitacional nas áreas urbanas, ocasionando crescente especulação imobiliária e elevação do preço dos aluguéis e imóveis, dentre outras demandas sobre serviços e equipamentos públicos (CIDADE E ALTERIDADE, 2013). Além dos impactos já relatados, vivenciados em Conceição do Mato Dentro, o empreendimento vem ocasionando problemas similares em municípios vizinhos, como Dom Joaquim e Alvorada de Minas (CIDADE E ALTERIDADE, 2013). Em Alvorada de Minas encontram-se aproximadamente 70% da planta industrial e 90% da usina de beneficiamento, estando as porções restantes em Conceição do Mato Dentro (SISEMA, 2008, p. 11). Em Dom Joaquim foi instalada uma estação de bombeamento de água no Rio do Peixe e uma adutora de 32 km de extensão, para ser utilizada no beneficiamento do minério e para condução do pellet-feed (finos de minério) via mineroduto (SISEMA, 2008; TÔRRES, 2014). Vale ressaltar que dado ao baixo teor de ferro do jazimento (41,22%), a viabilidade econômica do empreendimento também se atrela ao escoamento do minério via duto (CIDADE E ALTERIDADE, 2013), não obstante o alto custo ambiental decorrente da utilização de grande quantidade de água e dos impactos e desapropriações para passagem das tubulações em áreas de várias cidades de Minas Gerais e do Rio de Janeiro.10 Para implantação da mina, da planta industrial, da adutora de água e do mineroduto, comunidades, principalmente rurais, foram drasticamente afetadas, sofrendo com o deslocamento compulsório ou com a proximidade das infraestruturas do empreendimento. No ambiente urbano de Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim e Alvorada de Minas (mais especificamente no distrito de Itapanhoacanga), os problemas advêm, sobretudo, do aumento da população flutuante nos municípios, composta por trabalhadores imigrantes e por pessoas atraídas pelo discurso da geração de emprego e renda. 10 Sobre os impactos do mineroduto ver: OBSERVATÓRIO DOS CONFLITOS AMBIENTAIS DE MINAS GERAIS. Resistência contra a construção do mineroduto Minas-Rio. Disponível em: http://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/conflito/?id=549. Acesso em: 7/03/2015. 7 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Com o fim das obras de implantação do empreendimento, o contingente de trabalhadores imigrantes diminuiu, gerando desemprego, impactos no comércio local e endividamento daqueles que investiram na construção de casas para aluguel. De acordo com o jornal Valor Econômico, durante a fase de construção, o projeto MinasRio empregava 16 mil trabalhadores, nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro. Com o fim da obra e início da produção, a empresa passará a empregar 4 mil pessoas (JORNAL VALOR ECONÔMICO, em 9/12/2014).11 Além de evidenciar as contradições da crença em um modelo de desenvolvimento, fundamentado no crescimento econômico através da implantação de projetos de grande escala (RIBEIRO, 2000), a presente pesquisa realiza uma análise do processo de mudança social e das relações de conflito no contexto urbano dos municípios de Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim, em decorrência da implantação do empreendimento Minas-Rio. Para tanto, buscou-se identificar a existência de impactos em função da mineração na dinâmica populacional e nos setores habitacional, de saúde, educação e segurança nos municípios supracitados. Como os impactos urbanos vivenciados nos municípios pesquisados estão vinculados, em grande medida, ao aumento populacional, decorrente principalmente da imigração de trabalhadores, também trataremos neste relatório da relação conflituosa entre os moradores locais e a população flutuante vinculada à mineração. A pesquisa foi realizada a partir do levantamento e da sistematização dos dados secundários e primários para os municípios de Alvorada de Minas, Dom Joaquim e Conceição do Mato Dentro; consulta aos processos dos Ministérios Públicos do Trabalho e do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, comarca de Conceição do Mato Dentro; e trabalhos de campo entre os dias 13 e 19 de dezembro de 2014 e 15 e 27 de março de 2015, em que foram realizadas entrevistas semiestruturadas com moradores locais e representantes da Polícia Civil e Militar de Minas Gerais, além das 11 JORNAL VALOR ECONÔMICO. Anglo American vai demitir 12 mil pessoas com o fim da obra da MinasRio. Disponível em: http://www.valor.com.br/empresas/3810046/anglo-american-vai-demitir-12-milpessoas-com-fim-da-obra-da-minas-rio. Acesso em: 01/02/2015. 8 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] secretarias municipais de Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim. 2 CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO A formação do município de Conceição do Mato Dentro está ligada à mineração do ouro e diamantes no século XVIII. No início do século XVIII, o bandeirante Borba Gato fez as primeiras descobertas de ouro na região conhecida como Ivituruí ou Serro Frio em que se localiza hoje o município de Conceição do Mato Dentro (IBGE Cidades, 2015). Às margens dos Rios Santo Antônio, Cuiabá e Paraúna, a descoberta de ouro impulsionou a formação dos arraiais de Nossa Aparecida de Córregos, Tapera, Conceição e Paraúna (atual Costa Sena) (CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO, 2014). Conceição integrava também uma importante rota de comércio da região do Arraial do Tejuco (atual Diamantina), “o Caminho dos Diamantes” (CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO, 2014). Com o término das lavras, o local passou a viver da agricultura de subsistência e da pecuária extensiva. O distrito de Conceição do Serro foi criado em 16 de janeiro de 1750 e por lei estadual n°2 de 14 de janeiro de 1891 (IBGE Cidades, 2015). O distrito foi elevado à categoria de vila com a denominação de Conceição, pela lei provincial de 23 de março de 1840, desmembrando-se da Vila de Serro (IBGE Cidades, 2015). Em 10 de outubro de 1850 foi elevado à cidade com o nome de Conceição; em divisão administrativa referente ao ano de 1911, o munícipio denomina-se Conceição do Serro; pela lei Estadual n°. 843 de 07 de setembro de 1923, o município de Conceição do Serro passou a denominar-se simplesmente Conceição. Em 31 de dezembro de 1943 pelo decreto-lei estadual n°. 1058, o município de Conceição passou a denominar-se Conceição do Mato Dentro (IBGE Cidades, 2015). Situado na Serra do Espinhaço, a 167 quilômetros ao norte de Belo Horizonte, o município é composto por 10 distritos: a sede, Brejaúba, Congonhas do Norte, Córregos, Costa Sena, Itacolomi, Ouro Fino do Mato Dentro, Santo Antônio do Norte, 9 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Santo Antônio do Rio Abaixo e São Sebastião do Bonsucesso (IBGE Cidades, 2015).12 Em função do alto valor paisagístico e potencial turístico, Conceição do Mato Dentro integra o Circuito Turístico do Parque Nacional da Serra do Cipó, o Programa Estrada Real e o Circuito dos Diamantes (SISEMA, 2008, p. 32). Figura 1: Localização da microrregião de Conceição do Mato Dentro (à esquerda) e dos distritos e municípios limítrofes à Conceição do Mato Dentro (à direita). Fonte: IBGE Cidade e Google, 2015. Embora os efeitos do empreendimento sejam vivenciados pelos moradores de Conceição do Mato Dentro muito antes da concessão da LP, 13 os procedimentos de implantação do complexo minerário iniciaram-se por volta de 2008, atraindo para o município cerca de 7 mil trabalhadores e 80 empresas de diversos ramos econômicos, como o da construção civil e pesada (CIDADE E ALTERIDADE, 2013; MTE, 2014). A implantação do empreendimento Minas-Rio, da Anglo American, no munícipio de Conceição do Mato Dentro, provocou um aumento da demanda sobre a infraestrutura e os serviços públicos existentes, transformando a organização social do município. Nesse contexto, nos tópicos subsequentes analisaremos as mudanças sociais na dinâmica populacional e nos setores habitacional, comercial, de saúde, educação e segurança em Conceição do Mato Dentro. Como o município recebeu 12 Em termos de planejamento administrativo do Governo Estadual, encontra-se localizado na Região Central do Estado de Minas Gerais e, segundo critérios do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na Mesorregião Geográfica conhecida como Região Metropolitana de Belo Horizonte (CIDADE E ALTERIDADE, 2013). 13 Ver CIDADE E ALTERIDADE. Relatório Parcial do Eixo Temático Mineração na região de Conceição de Mato Dentro. 2013a. Disponível em: http://cimos.blog.br/cidade-e-alteridade/. 10 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] grande contingente de trabalhadores imigrantes, também trataremos da relação dos moradores locais com esses trabalhadores. Para tanto, além das análises de dados secundários em instituições que trabalham com informações estatísticas, como IBGE, Ministério da Saúde, INEP etc., foi disponibilizado à equipe do Cidade Alteridade e devidamente analisado o Inquérito Civil do Ministério Público do Trabalho e Emprego referente à fiscalização das condições de trabalho durante a implantação da mina de exploração de minério de ferro em Conceição do Mato Dentro. Também foram realizadas entrevistas semiestruturadas com diversos atores sociais, a saber: seis trabalhadores imigrantes (que atuaram ou ainda atuam direta ou indiretamente no empreendimento); conselheiras do Conselho Tutelar; os Secretários de Educação; de Agricultura; de Meio Ambiente; o Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro; uma assistente social da Secretaria de Assistência Social; um técnico da Secretaria de Meio Ambiente; um funcionário da Emater; uma funcionária da Secretaria de Turismo; um representante da ACE (Associação Comercial e Empresarial de Conceição do Mato Dentro); agentes da policial militar e civil do município, além de 20 moradores locais. 2.1 Dinâmica Demográfica de Conceição do Mato Dentro A população de Conceição do Mato Dentro é de 17.908 habitantes, das quais 12.269 (68,51%) encontram-se na zona urbana e 5.639 (31,49%) na zona rural (vide Figura 2). 11 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 2: População rural, urbana e total de Conceição do Mato Dentro, de 1980 a 2010. Fonte: IBGE – Censo demográfico, 1980 a 2010. Como mostra a Figura 3, a população rural do município diminuiu a passos largos ao longo do período analisado, principalmente de 2000 para 2010 (3,44%), explicitando um êxodo rural ainda maior neste intervalo. Simultaneamente, a população urbana cresce de forma quase homogênea: 1,68% de 1980 para 1991; 1,57% de 1991 para 2000 e 1,44% de 2000 para 2010. Nessa equação, observa-se uma ligeira diminuição da população total do município em 0,54% de 1980 para 1991; em 0,04% de 1991 para 2000 e de 0,40% de 2000 para 2010. Figura 3: Taxa média geométrica de crescimento anual da população residente, por situação de domicílio, 1980 a 2010. Fonte: IBGE – Censo Demográfico, 1980 a 2010. 12 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Vale ressaltar que o número de habitantes refere-se apenas à chamada população permanente, a população circulante ou flutuante não é contabilizada pelo Censo. Desta forma, os dados não refletem a experiência que os moradores do município vêm experimentando nos últimos anos, decorrente do aumento da população flutuante. De acordo com o Promotor de Justiça de Conceição do Mato Dentro, a população flutuante do município não se resume aos trabalhadores imigrantes, já que muitas “pessoas comuns” foram “atraídas” pela “pungência econômica relacionada à implantação” do empreendimento (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Segundo um funcionário da Emater, a prefeitura de Conceição do Mato Dentro não possui “dados certos” do número de imigrantes no município, uma vez que não foi realizado esse controle (Entrevista com funcionário da Emater, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Para o Secretário de Meio Ambiente, “eram uns 4 mil funcionários diretos da mineração, fora os indiretos, mas a população flutuante em si era muito maior” (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Ainda no âmbito de uma análise demográfica do município de Conceição do Mato Dentro, as figuras a seguir demonstram a variação entre 2000 e 2010 da distribuição percentual da população por faixa etária, sexo e situação do domicílio. Com relação à população rural fica evidente a diminuição populacional, para homens e mulheres, em quase todas as faixas etárias, sobretudo entre os mais jovens (abaixo de 20 anos de idade), que correspondem pelo maior percentual da população total do município. Para a população masculina (exposta na cor azul), somente as faixas etárias entre 35 e 39 anos e entre 70 e 74 anos apresentaram um aumento populacional de 2000 para 2010 no meio rural. Para a população feminina (exposta na cor rosa), o cenário é similar ao do masculino, apresentando uma diminuição populacional geral, com um crescimento somente para as faixas etárias entre 60 e 64 anos e 75 e 79 anos. Por sua vez, a pirâmide urbana do município apresenta-se mais alargada, em função do crescimento populacional de 2000 para 2010, impulsionado também pelo êxodo rural. Observa-se um aumento, tanto de homens quanto de 13 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] mulheres, em praticamente todas as faixas etárias no meio urbano. Para a população urbana masculina as únicas faixas etárias que sofreram diminuição foram entre 0 e 4 anos, 10 e 14 anos, 35 e 39 anos e entre 75 e 79 anos. Para a população urbana feminina, também se constata um crescimento geral da população de 2000 para 2010, com exceção das faixas entre 0 a 4 anos, 5 a 9 anos e 65 a 69 anos, que sofreram um decréscimo. Figura 4: Distribuição da população em Conceição do Mato Dentro por faixa etária, sexo e situação domiciliar. Fonte: IBGE – Censo Demográfico, 2000 e 2010. De acordo com os entrevistados, o êxodo rural foi intensificado no município, em função da atração exercida pela possibilidade de emprego gerada pela mineração, assim como pelo deslocamento compulsório decorrente da atividade mineradora e/ou pela venda de propriedades rurais para a Anglo American, como explicitam os trechos na sequência: “Muitos venderam área para mineração e vieram para a cidade” 14 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] (Entrevista com moradora V., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Ocorreu uma migração interna, de pessoas da zona rural para a cidade, isso foi mais acelerado pela atração do emprego nas firmas” (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Como consequência do aumento do êxodo rural, conforme um funcionário da Emater, em Conceição do Mato Dentro ocorreu um decréscimo da atividade no campo, em certa medida, motivada pela atividade minerária, resultando na redução da produção tradicional de queijo e na desestruturação do processo de certificação do mesmo para exportação, assim como na diminuição das áreas agrícolas. Esse processo reverberou na feira que ocorre sexta e sábado no Mercado Municipal com a redução da oferta dos produtos agrícolas locais: “Diminuiu a feira, a quantidade de gente que expõe. O L. [morador local] que expunha, trazia farinha, está trabalhando na empresa. Os outros que não estão trabalhando venderam o terreno para a empresa” (Entrevista com moradora V., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “O pessoal que produzia farinha da roça no Sapo parou de produzir porque mudaram. Não continua aquela produção que tinha...” (Entrevista com Secretário Agricultura da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Figura 5: Mercado municipal de Conceição do Mato Dentro. Fonte: Trabalho de campo da equipe do Cidade e Alteridade, dezembro de 2014. 15 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] O êxodo, segundo a Secretaria de Assistência Social, também contribuiu para o abandono de idosos na zona rural do município: “Muitas pessoas deixaram suas casas na roça e abandonaram os idosos. [...] É um problema o abandono de idosos na zona rural. Muitas vezes os filhos não conseguem acolher o idoso, o pai e a mãe, às vezes já doentes” (Entrevista com Assistente Social da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Também segundo moradores locais, a oferta de mão de obra no campo sofreu uma diminuição e, por conseguinte, tornou-se mais cara: “Acabou a mão de obra lá na roça. A firma tirou o pessoal de lá, reassentou em outro local. Sapo não tem mais mão de obra, foram para Córregos. Mudaram para a cidade” (Entrevista com morador Z., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “O preço de trabalhador de roça aumentou, não tem trabalhador, mão de obra está muito difícil” (Entrevista com moradora D., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). A mesma dificuldade pode ser encontrada no meio urbano, como atesta o estudo da PMMG: “A mão de obra em Conceição se tornou tão escassa que é difícil conseguir funcionários para cozinhas de restaurantes, atendentes de supermercado, mecânicos, pedreiros, bombeiros hidráulicos, empregadas/diaristas para imóveis urbanos e outros tantos profissionais” (PMMG, 2012, p.22 apud CIDADE E ALTERIDADE, 2013, p. 37). Frente ao quadro de aumento da população flutuante do município, emergem problemáticas sociais no meio urbano, relativas ao aumento da demanda sobre os equipamentos e serviços públicos municipais. Para o Promotor de Justiça de Conceição do Mato Dentro, tal problemática decorre não somente da chegada de trabalhadores imigrantes, mas principalmente de uma imigração não contabilizada, de pessoas “atraídas” pelo empreendimento (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Como explica o Promotor de Justiça: Aí vem uma quantidade de pessoas indiretamente ligadas ao empreendimento e que não tem controle. [...] O indireto do indireto não é calculado e esse número que aumenta as demandas por serviço público e esse número é que impacta fortemente o meio urbano e esse número não foi mensurado. [...] É essa pessoa que não deu conta de pagar o aluguel que invadiu lote. Essa pessoa que chamou seu parente para morar aqui e [...] o parente tem um filho, invadiu um lote para construir um casebre, uma casa [...]. É essa 16 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] pessoa geralmente que não é computada na hora do licenciamento ambiental, que não tem um controle efetivo de migração e que gera um impacto que não aparece. Então esses controles deveriam ser muito efetivos também. E não são. (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Também foram relatadas mudanças no cotidiano dos moradores, vivenciadas, sobretudo durante o período de implantação da mineração, em decorrência da presença de grande contingente de trabalhadores imigrantes no município. Em função desse aumento populacional, os moradores passaram a enfrentar “filas intermináveis” em bancos e supermercados, como ilustram os trechos de entrevistas a seguir: “Entra no supermercado tem fila, para pegar um pão tem fila” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Vinham ônibus domingo com trabalhadores dos alojamentos, eram filas enormes nos supermercados por causa deles” (Entrevista com moradora E., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Vai ao banco e é aquele banco lotado de gente, fila do lado de fora, na rua” (Entrevista com representante do Centro Social de Formação e Promoção Humana São Joaquim de Conceição do Mato Dentro - CEFORM, março de 2015). Ainda de acordo com os entrevistados, os caixas eletrônicos encontravam-se frequentemente sem dinheiro: “Falta de dinheiro nos bancos, as filas são intermináveis, eles colocavam muito dinheiro nos caixas, mas era muita gente pra sacar e o dinheiro acabava” (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Os bancos não têm dinheiro final de semana, precisava nem ir ao banco, porque não tinha dinheiro. Dia de semana também, pega uma fila quilométrica para fazer serviço de banco” (Entrevista com moradora V., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Face às mudanças vivenciadas em Conceição do Mato Dentro, trataremos nos tópicos subsequentes de alguns dos principais impactos urbanos nos setores habitacional, comercial, de saúde, educação e segurança. 2.2 Impactos no Setor Habitacional e Comercial em Conceição do Mato Dentro Para além da demanda habitacional devido ao crescimento natural da população de Conceição do Mato Dentro, a migração - motivada pela busca de 17 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] empregos e oportunidades econômicas devido ao empreendimento minerário da empresa Anglo American - tem sido um fator preponderante no aumento da demanda habitacional. Durante o período de implantação do empreendimento a cidade contou com uma população flutuante de mais de 7 mil trabalhadores imigrantes da Anglo American e de empresas terceirizadas (CIDADE E ALTERIDADE, 2013). Com o fim das obras ocorreu uma diminuição do número de trabalhadores temporários na cidade, mas ainda assim esse número apresenta-se elevado. Permanecem no município uma grande quantidade de trabalhadores dedicados à operação do empreendimento minerário e às obras de infraestrutura dos convênios firmados entre a prefeitura e a Anglo American. Como comenta o representante da Associação Comercial e Empresarial de Conceição do Mato Dentro (ACE), “na cidade ainda ficou muita gente, umas 2 mil pessoas. Antes tinha uns 6, 7 mil trabalhadores” (Entrevista com representante da ACE, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Ademais, o município tem atraído pessoas da zona rural e de outras localidades do Brasil em busca de emprego. De acordo com entrevistas realizadas em março de 2015, muitos trabalhadores imigrantes, mesmo após o fim dos contratos com as empresas empregadoras, fixaram residência em Conceição do Mato Dentro: “Tem quem fica na cidade, mesmo depois que a empresa foi embora, na esperança de emprego” (Entrevista com moradora T., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Tem acontecido bastante de pessoas ficarem, mesmo desempregadas” (Entrevista com moradora A., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). A população flutuante é constante, é um vai e vem de trabalhadores o tempo inteiro. As vezes essas pessoas vêm e ficam, já fiquei sabendo de um do Mato Grosso que ficou e de um da Bahia que também veio para morar. Uns se fixam e vão trazendo a família. Todas as cidades que tem mineração passam por isso (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Como consequência do aumento da demanda por habitação, ocasionada, sobretudo, pela chegada de trabalhadores imigrantes no município, ocorreu um aumento considerável do valor dos aluguéis: “O aluguel está exorbitante, ficou fora do 18 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] contexto, era tudo bem baratinho e explodiu de uma forma que ninguém imaginava” (Entrevista com moradora H., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Os aluguéis subiram demais, aumentaram loucamente, é 3, 4, 5 mil reais” (Entrevista com representante da ACE, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Aumentou muito o aluguel de 500 reais foi para 3 mil reais” (Entrevista com morador N., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Conforme relatos coletados em março de 2015, moradores deixaram a própria casa que residiam para alugar para as empresas alocarem trabalhadores: “O aluguel aqui está pior que no Rio de Janeiro. Teve morador que preferiu mudar para a roça para alugar a casa na cidade. Uma coisa assim parece mentira... Saíram da própria casa para alugar” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Mudaram famílias para uma casa só, uma mesma casa, voltaram para a casa dos pais para alugar a própria casa” (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Os distritos receberam trabalhadores e gente daqui que vendeu, alugou os imóveis e foi para os distritos” (Entrevista com policial militar, PMMG de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “A todo o momento abordavam a minha mãe querendo alugar casa. As pessoas foram insistentemente assediadas para alugar. Há vários casos de pessoas que voltaram para a casa dos pais ou foram morar nos distritos” (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Teve pessoas que saíram de suas próprias casas para alugar. Fizeram aí contratos de 5 anos, com pagamento antecipado com as terceirizadas, empresas variadas, de estrutura de asfalto, terraplanagem, engenharia de solo... Só que essas empresas não vieram para ficar definitivo, quando a obra termina vão embora. (Entrevista com morador N., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Como resultado dos altos preços dos aluguéis e da valorização imobiliária proporcionada pela alta demanda, tem-se um processo acelerado de periferização, assim como de construções e ocupações irregulares em Conceição do Mato Dentro. Como esclarece o Promotor de Justiça: 19 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Quais são as consequências desse aumento vertiginoso dos aluguéis gerado pela alocação desses operários, desses colaboradores [trabalhadores] no centro urbano? Desordem urbana provocada pela construção irregular de diversos puxadinhos, segundo andares, divisão de lotes sem respeitar o módulo urbano. Pela população local interessada em alugar porque viu naquilo ali uma oportunidade de negócio. Necessidade por moradia. As pessoas que são mais simples elas não tinham condições de pagar os aluguéis que elas antigamente pagavam. Com isso elas começaram a invadir terras, a construir em áreas de proteção ambiental, em unidade de conservação, houve um momento aqui que tinham 600 invasões na região próxima ao Salão de Pedras (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). De acordo com os entrevistados, há vários loteamentos irregulares no Córrego Pereira, na Vila Caetano, na Vila São Francisco, no Alto Baú e no Barro Vermelho, a maioria confrontante com a Unidade de Conservação “Parque Municipal Salão de Pedras”: “Ocorreram invasões em bairros mais afastados, como Córrego Pereira, Vila São Francisco, Vila Caetano. A prefeitura tenta organizar, mas é como enxugar gelo” (Entrevista com policial militar, PMMG de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Alugavam por um preço absurdo, os daqui já não tinham mais como pagar e saiam e iam para longe, para a periferia, para a Vila Caetano, para o Córrego Pereira” (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Ocorrem muitas invasões, ocupações de gente daqui e de fora. Em terra da prefeitura, da Igreja, de particular, na Vila Caetano e no Barro Vermelho. Surgiram áreas novas na cidade, foram tomando posse...” (Entrevista com representante do CEFORM, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “A cidade cresceu muito, as Casas Populares [loteamento Aureliano Chaves], o Barro Vermelho, a Vila Caetano, o Córrego Pereira. A população aumentou imensamente” (Entrevista com moradora R., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). "O Alto do Baú é uma das divisas do Parque, tem muita área invadida lá hoje” (Entrevista com Secretária de Assistência Social da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O Plano Diretor Participativo de Conceição do Mato Dentro, assim caracteriza os bairros supracitados: Vila Caetano: É possível observar muitas ocupações precárias no bairro, principalmente seguindo no sentido do Parque Municipal Salão de Pedras. Muitas destas ocupações são recentes, fruto de 20 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] autoconstrução, sem nenhum rigor arquitetônico. Contudo, a paisagem predominante é uma mistura entre casas precárias e casas consolidadas de bom padrão construtivo. É importante destacar que as novas ocupações não possuem qualquer planejamento e estão ameaçando a unidade de conservação (Parque Municipal Salão de Pedras) que faz divisa com o bairro (CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO, 2014, p. 230). Córrego Pereira: O bairro está sofrendo um processo de expansão, com muitas ocupações recentes avançando no sentido da Unidade de Conservação do Parque Municipal Salão de Pedras. O bairro não possui a infraestrutura adequada para receber as novas ocupações, sendo assim, formou-se uma expansão desordenada, sem desenho urbano. O bairro é isolado da cidade, está distante da região central, onde se encontram as melhores condições de acesso a serviços, equipamentos públicos e comércio (CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO, 2014, p. 232). Vila São Francisco: O bairro possui ocupações novas, algumas precárias, assim como os bairros Vila Caetano e Córrego Pereira. Vila São Francisco faz divisa com o Parque Natural Salão de Pedras. É o bairro que conecta os dois extremos da sede urbana, o centro consolidado e o bairro Barro Vermelho e adjacências (CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO, 2014, p. 233). Alto Baú: Bairro isolado das áreas consolidadas da sede urbana, encontra-se no limite com o Parque Natural Salão de Pedras. Possui poucas ocupações com lotes grandes e observa-se a presença de hotéis e pousadas (CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO, 2014, p. 233). Casas Populares: O bairro foi criado a partir da construção de casas voltadas para o interesse social. O bairro, que inicialmente havia sido chamado de Aureliano Chaves, não teve seu nome oficial apropriado pela comunidade que a este se refere como “bairro das casas populares”. O bairro não conta com espaços de convívio, ou infraestrutura urbana adequada [...] (CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO, 2014, p. 234). Barro Vermelho: Antigo povoado que agora faz parte da mancha urbana de Conceição, este possui ocupações antigas no entorno da Igreja, e atualmente está sendo expandido com novas construções residenciais unifamiliares. Os novos bairros vizinhos que estão se formando criaram uma nova dinâmica para essa região. Além dos bairros centrais, este é o único bairro que possui equipamentos urbanos, tais como posto de saúde e escola. Observou-se a presença de grandes vazios urbanos (CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO, 2014, p. 231). 21 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Em relatório produzido em 2013, o Cidade e Alteridade retratou a situação de um loteamento irregular no bairro Barro Vermelho: Em relação ao loteamento irregular, a secretaria [de Planejamento e Desenvolvimento econômico] informou que cerca de 600 famílias estão morando de forma precária, algumas em barracas de lona e de madeira, sem acesso à água e energia elétrica. Para evitar novas invasões a prefeitura autorizou e disponibilizou vigias para a permanência em tempo integral no local, no intuito de coibir a chegada de novas famílias ou a construção de novas casas. A equipe de campo esteve neste loteamento irregular, no bairro conhecido como Barro Vermelho, no dia 10 de Julho de 2013, em uma reunião com representantes dos moradores locais. Esses representantes informaram que as famílias da ocupação são compostas, em sua maioria, por moradores de Conceição do Mato Dentro que não conseguiam mais pagar o aluguel na cidade, devido à alta dos preços no mercado imobiliário. Assim, foram forçados a buscar uma alternativa mais econômica e, talvez, esperançosamente definitiva. A ocupação também possui famílias que vieram de outros municípios (de outros Estados, inclusive) com a expectativa de encontrar em Conceição do Mato Dentro uma nova oportunidade de vida, dada a promessa da geração de empregos no setor minerário. Relatou-se nesta reunião que a ocupação tem quase 4 anos, portanto, teve seu início ainda em 2009, depois da construção de casas populares no local. [...] Alguns disseram que a Prefeitura, à época, doou lotes aos moradores de Conceição, mas, ao final, constatou-se que a área era ilegal por estar dentro do Parque Municipal Salão de Pedras. Todavia, as famílias continuaram chegando e estabelecendo estratégias de ocupação e de sobrevivência no loteamento. Conforme o relato dos moradores, a ameaça de despejo é constante, pois, a prefeitura realiza investidas contra as famílias, com processos de desocupação [...]. Há ainda casos de uso da força física por parte dos agentes nestas operações, inclusive com registros em Boletins de Ocorrências da Polícia Militar (CIDADE E ALTERIDADE, 2013, p. 22). O Parque Municipal Salão de Pedras possui uma área de aproximadamente 857 hectares, muito próxima à área urbana, facilitando as pressões da ocupação urbana irregular (CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO, 2014, p. 80). De acordo com o Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, o aumento do preço dos aluguéis fez com que pessoas buscassem espaços periféricos, menos privilegiados, para viver. Por conseguinte, tem-se um processo de ocupação irregular do espaço, motivada, segundo o Secretário, por necessidade ou “por oportunismo” (Entrevista 22 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Na visão do Secretário de Meio Ambiente, a maioria das ocupações irregulares na região do Salão de Pedras deram-se “por oportunismo”, pois foram executadas por pessoas que já possuem residência em outra localidade da cidade: “A maioria dessas pessoas que ocuparam são daqui, possuem residência, 80% assumiu endereço declarado, 10%, 20% são pessoas de fato em situação de vulnerabilidade social” (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Perspectiva corroborada também por uma assistente social da prefeitura que afirma que “algumas pessoas invadiram para vender, é gente do município mesmo, alguns até pagaram o outro para invadir. Não era questão de família que não tinha para onde ir” (Entrevista com Assistente Social da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Ambos os entrevistados também relataram que ocorreram invasões por “pessoas de fora” e/ou atraídas para Conceição do Mato Dentro, algumas delas com relações familiares no município (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente e Assistente Social da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Um entrevistado da Polícia Civil mencionou a presença de “trabalhadores trecheiros” nas áreas de ocupação irregular: “Essa ocupação desordenada que ocorreu [...] abrigou também trecheiro que não foi embora e ficou aí, talvez sem emprego [...]” (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Conforme o Secretário de Meio Ambiente, as áreas que hoje sofrem com a ocupação desordenada, constituíam-se, antes do empreendimento minerário, como áreas de baixo interesse imobiliário, mas com a valorização do metro quadrado foram extensivamente ocupadas: A cidade é contornada por Unidade de Conservação. Os oportunistas aproveitaram a valorização do metro quadrado... Essas áreas próximas a UC não tinham demanda, por isso até então elas foram poupadas. Não havia interesse nessas áreas antes. Tem alguns lotes nessas áreas que também foram doados por prefeitos anteriores (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). 23 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] A prefeitura está fazendo a regularização fundiária das ocupações irregulares na região do Parque Salão de Pedras, com a realocação das moradias daqueles residentes por período superior ou igual a cinco anos: Teve muita invasão na zona de amortecimento do parque, na Vila Caetano, no Córrego Pereira e na Vila São Francisco. As ações iam acontecendo sem o conhecimento do poder público. Essa região é toda irregular e a prefeitura está fazendo a regularização. Algumas situações estão na justiça. A prefeitura mandou demolir 30 barracões irregulares na área do Parque. As moradias foram realocadas, considerando aqueles que residiam no local há mais de cinco anos, porque considera-se moradia em período superior ou igual a cinco anos (Entrevista com Assistente Social da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Para o Secretário de Meio Ambiente, nas desocupações realizadas pela prefeitura não houve “problema com quem precisa”, pois, a maioria das pessoas que se encontram em ocupações irregulares nas proximidades do Parque Salão de Pedras não se enquadra em programas de habitação do município, por não estarem em situação de vulnerabilidade social (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Ainda segundo o Secretário, “vamos dar uma alternativa para aqueles que não se enquadram, de programas de financiamento para compra de um lote” (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Nesse processo de regularização fundiária na região “de interface do Salão de Pedras com a cidade”, algumas áreas que pertenciam ao Parque “perderam seu valor” em função da ocupação predatória (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Dessa forma, as áreas já degradadas serão regularizadas e novas áreas serão incorporação ao Parque: “As vertentes já afetadas serão regularizadas e serão incorporados 10 metros para cada 1 metro retirado do Parque, é essa a proporção” (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). A intensidade desse processo de ocupação pode ser ilustrada pela afirmação do Secretário de Meio Ambiente: “Em Conceição já aconteceram 300 ocupações num final de semana” (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição 24 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] do Mato Dentro, março de 2015). Muitas dessas ocupações encontram-se em área de risco, em função de sua localização, e em condições precárias dada a ausência de serviços públicos básicos (falta de saneamento, abastecimento de água e energia elétrica). Para o policial civil entrevistado, a situação do loteamento Camponesa na Vila Caetano, “chama a atenção pela ausência do serviço público, é um lugar que está invadido há anos [...] e não tem luz, não tem água e tem centenas de pessoas morando lá. [...] Quando eu cheguei lá tinha muito lote vago, hoje não tem. [...] O prefeito já foi lá há anos atrás e não fez nada” (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Embora as ocupações na Vila Caetano figurem como anteriores a chegada da mineração no município, a área invadida expandiu-se consideravelmente com a atividade econômica (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Conforme a assistente social da prefeitura, nas áreas invadidas “não tem serviços públicos, porque o município não pode fornecer, só depois de regularizar a terra que os serviços públicos podem chegar” (Entrevista com Assistente Social da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Em função do alto preço dos aluguéis, a assistente social entrevistada informou que há uma alta demanda por aluguel social, um benefício temporário, fornecido para aqueles que não podem arcar com os custos de aluguel e não possuem imóvel próprio (Entrevista com Assistente Social da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Também foram construídas 30 casas para habitação popular, que ainda não foram entregues, pois se encontram, nos termos da assistente social: “sem COPASA e sem CEMIG” (Entrevista com Assistente Social da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). As habitações populares são destinadas às “famílias vulneráveis que já residem há pelo menos cinco anos no município, carentes, de baixa renda, para mulheres arrimo de família. Avaliamos a quantidade de filhos, se é idoso, se não possui bens, etc.” (Entrevista com Assistente Social da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). 25 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] De acordo com o policial entrevistado, a instabilidade política pela qual passou o município (com vários prefeitos, em poucos anos) no período de implantação do empreendimento minerário, contribuiu para a proliferação e para o não questionamento das ocupações irregulares: De 2009 para 2012/2013, a cidade viveu uma instabilidade politica absurda. Em 3 anos nos tivemos 6 prefeitos. [...] Se eu invadir uma terra qual prefeito vai me tirar de lá, se ele está no cargo ali sabendo que é temporário e provavelmente vai se candidatar... Todo mundo invadiu o que quis e o que não quis (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Outra consequência do aumento dos aluguéis é o fato dos policiais militares e servidores públicos não querem residir em Conceição do Mato Dentro: “O servidor público não quer vir para cá. O custo de vida está muito alto” (Entrevista com funcionário da Emater, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). A PM recebe salário e não dá para pagar um aluguel no preço de Conceição, eles não querem vir para cá. Porque a empresa coloca 10/15 pessoas dentro de uma casa, ela consegue pagar. Mas o PM é só uma família, não tem condições de arcar com um aluguel alto. E aquele que ganha um salário mínimo também não consegue pagar aluguel. Aí surge a favelização (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Em decorrência do aumento da demanda habitacional promovida pelas atividades da mineração no município, e, por conseguinte, dos aluguéis exorbitantes, verificou-se a necessidade de construção de residências para os policiais. Estão sendo construídas 16 casas para os policiais civis e militares, localizadas entre o Jardim Bouganville e as Casas Populares, na Vila São Francisco. A região onde as casas foram construídas é considerada problemática pelos policiais em função do índice de criminalidade in loco: As casas dos policiais estão entre o Bouganville e as Casas Populares. Local meio complicado. Ainda não estão prontas, são 16 casas. Policial pode trabalhar em qualquer lugar, mas para morar, residir com a família não dá (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). 26 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] As casas populares para policiais não têm gente morando. Os policias não vão receber essas casas próximas às áreas invadidas. Não é adequado para as famílias. É na Vila São Francisco, a última fileira. A família do PM que estaria lá. A casa mais insegura é a do militar, porque ele está fora (Entrevista com policial militar, PMMG de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O Bairro Jardim Bouganville mencionado nas entrevistas acima é um condomínio residencial criado para atender aos funcionários da Anglo American, com casas de melhor padrão construtivo se comparada às da periferia vizinha. Desta forma, na visão de um policial da PCMG, as casas dos policiais localizam-se de forma a separar as casas dos funcionários da Anglo, das Casas Populares e das invasões: “as casas são na faixa de gaza, de um lado você tem os ricos, o Bouganville, e nas costas, as invasões. Não à toa fizeram as casas lá” (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). As chamadas “Casas Populares” (loteamento Aureliano Chaves), região periférica, sem infraestrutura urbana adequada ou espaços de convívio (CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO, 2014), contrastam com o condomínio fechado Jardim Bouganville. Com o fim das obras de implantação e diminuição do número de trabalhadores imigrantes em Conceição do Mato Dentro, os moradores afirmaram que houve um decréscimo no valor dos aluguéis: “Agora deu uma diminuída no valor dos aluguéis, as empresas foram embora, teve um esvaziamento” (Entrevista com representante do CEFORM, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Os imóveis, aluguéis foram lá para o teto o preço. Está diminuindo o valor, casa que estava por 5 mil foi para 2 mil” (Entrevista com moradora E., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Os aluguéis estiveram bem mais exorbitantes, mas agora está mais acessível” (Entrevista com moradora M., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Muita gente reclamou que os preços dos aluguéis estavam altos. Está abaixando porque diminuiu o movimento de gente procurando casa. A gente está vendo assim: ‘aluga-se’. Antes nunca que achava casa vazia” (Entrevista com moradora G., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Entretanto, mesmo com uma diminuição no valor dos aluguéis, na opinião de alguns moradores, o preço ainda permanece elevado, mesmo com casas vazias para 27 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] alugar: “Com o fim das obras, o pessoal saiu e tem muitas casas vazias, só que quem alugou não está querendo alugar barato novamente” (Entrevista com morador N., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “O preço dos aluguéis ainda é um absurdo, ou diminui o valor ou as casas ficarão abandonadas” (Entrevista com moradora S., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O aluguel está muito caro. Uma casa nesse bairro hoje é 2 mil, 3 mil reais. Não acha casa por menos de 1 mil não. Mesmo com a diminuição de gente, quem aluga prefere não abaixar o preço. Eles pensam assim ‘quando a Vale14 vir eu tiro a diferença de quando a casa ficou fechada’ (Entrevista com moradora A., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Como consequência da queda da demanda por aluguéis ocorreu um endividamento dos moradores locais que investiram na construção de imóveis na expectativa de que a demanda e o preço permanecessem altos: “O primeiro impacto foi terrível, com a chegada de grande número de trabalhadores. Agora tem o impacto de quando eles foram embora, pessoas se iludiram e investiram muito em construções. Daí entra em depressão em desespero porque deve o banco” (Entrevista com policial militar, PMMG de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Teve gente que arrumou empréstimo para construir casa, porque a mineração veio com aquela força, mas foi só fogo de palha. A mineradora construiu suas próprias casas, no Bouganville tem muitas casas para funcionários da Anglo. Quem construiu casas, prédios pensando nesses funcionários foi desfavorável. Quem pegou empréstimo em banco para isso está ferrado hoje (Entrevista com O., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Tem um monte de construção, construíram muitas casas, prédios, ocorreu uma super oferta de casas para alugar em função do bom faturamento com aluguéis. Como dizem, é anel de ouro em rabo de porco... construíram aí casas com 6 quartos e 4 banheiros... algo desproporcional, muito voltado para trabalhadores de firma. Quando não tiver mais firmas o que vai fazer com essas casas? (Entrevista com morador E., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). 14 O projeto minerário da Vale em Conceição do Mato Dentro destina-se a exploração de minério de ferro na Serra da Serpentina. Conforme um funcionário da Emater, a Vale já vem adquirindo terras no município (Entrevista com funcionário da Emater, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). 28 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] O Promotor de Justiça, também explicita as consequências da desmobilização dos trabalhadores temporários: Hoje você encontra uma vaga numa pousada que você não encontrava mais. Hoje você tem oferta de aluguel, você pode negociar o preço de um aluguel. Hoje o restaurante não fica aquela coisa que quase você não consegue entrar quanto mais arrumar um lugar para sentar. E o efeito nefasto é esse, é a mão de obra não qualificada que perdeu seu emprego, o comerciante que às vezes fez um investimento na expectativa de que o lucro comece a entrar. Então, há uma tendência de uma certa recessão econômica, principalmente por que a fase da CFEM [Compensação Financeira sobre Produtos Minerais] demora para ganhar corpo para ser um valor relevante [...] (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Nesse contexto, os comerciantes de Conceição do Mato Dentro também vivenciaram dois momentos: de melhoria do comércio em função da movimentação de trabalhadores imigrantes e de arrefecimento das vendas. De acordo com os moradores, ocorreu o surgimento de novos comércios, com a abertura de novos restaurantes, pousadas, lojas de roupas, escola de inglês, várias imobiliárias, empresas de locação de carros e ônibus, entre outros estabelecimentos (Entrevista com moradores de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Como consequência do aumento da demanda no comércio, de acordo com os moradores entrevistados, ocorreu um aumento do custo de vida de modo geral, não somente dos aluguéis, como ilustram algumas falas: “Os preços aumentaram em função da demanda. Ficamos bobos com o preço, até os funcionários das empresas. Gasolina em BH estava bem mais barata, muita diferença de preço” (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “No comércio está tudo muito caro, em função da empresa. Eles ganham bem, tem cartão alimentação, mas a gente não. Ficou muito superfaturado” (Entrevista com moradora E., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “O custo de vida é alto. Teve aumento na alimentação sim, tudo mais caro. Quem vem de BH fica horrorizado com a carestia de Conceição” (Entrevista com moradora G., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Custo de vida aumentou sensivelmente. Quem tem que alimentar na base de self service está sofrendo” (Entrevista com morador N., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). 29 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Lado outro, uma moradora, cujo marido também é comerciante, afirmou que embora existisse um discurso de que a Anglo adquiria produtos de “fornecedores locais”, “ninguém era fornecedor de nada para a Anglo” (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Ainda segundo a entrevistada, os pequenos empresários e comerciantes locais não conseguiram se apropriar “da forma de produção” exigida pela empresa (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Como exemplifica a entrevistada, uma costureira do município que produzia uniformes escolares era constantemente convidada pela Anglo American para participar das licitações para produção de uniformes para os trabalhadores, mas “eram tantas especificidades, por exemplo, alinhamento com máquina tal, que ela participou de 3 ou 4 licitações, percebendo que estava sendo usada pela empresa, porque sempre tinha uma desculpa [para a sua não contratação]” (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Atualmente, com a desmobilização de trabalhadores imigrantes e das empresas terceirizadas, os moradores sofrem com as consequências da diminuição da movimentação no comércio local: “Agora está tendo a baixa, muitas empresas da implantação do empreendimento estão indo embora. Deu uma queda no comércio... ” (Entrevista com representante da ACE, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). As pessoas lucraram com o comércio e com o aluguel. Agora caiu muito. Não sei se vão vir outras empresas. A questão é a seguinte, você não ter e passar a ter é bom. Agora você acostumar com um padrão de vida e ter de deixar de ter o poder de compra é difícil. Você vê Itabira, cidade mineradora, o índice de suicídio que tem (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). A mineração também concorre com o uso turístico do território, atividade econômica que desde 2003 foi reconhecida como vetor de desenvolvimento da cidade, a partir do ecoturismo (BECKER & PEREIRA, 2011). De acordo com uma funcionária da Secretária de Turismo de Conceição do Mato Dentro: “a cidade tinha um movimento voltado para o turismo ecológico, rural, era frequentada por pessoas da cidade, pelos filhos da terra que traziam amigos, conhecidos, que passavam a vir sempre para 30 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Conceição” (Entrevista com funcionária da Secretaria de Turismo da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Nesse quadro, a atividade minerária afetou diretamente a atividade turística no município: “Acredito no turismo ecológico e religioso em Conceição. Só que o turista não gosta de onde tem mineração. A cidade está um inferno. Vamos ver depois que estiver mais organizada...” (Entrevista com representante da ACE, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Um dos entrevistados, dono de pousada em Conceição do Mato Dentro, afirma que: “O turismo acabou. Tinha muito turista. Desde a época que veio a firma para cá, o povo não quis vir mais não. Minha casa final de semana ficava cheia. Hoje o turista não procura cidade de mineração. A cidade foi prejudicada, atrapalhou muitas partes” (Entrevista com morador Z., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Os arranjos destinados a consolidar o ecoturismo como indutor de desenvolvimento regional foram desestruturados em função da expansão da frente minerária (BECKER & PEREIRA, 2011). Conforme entrevistados, os hotéis ficaram totalmente ocupados com funcionários de empresas, não havendo disponibilidade de quarto para turista, além das diárias terem aumentado assustadoramente: “Vaga em hotéis não tinha, a diária subiu assustadoramente de 50 para 230 reais” (Entrevista com morador N., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Corroborando essa perspectiva, uma funcionária da Secretaria de Turismo afirma que “o turista não tinha mais espaço na cidade”, uma vez que as pousadas foram “tomadas” por funcionários de empresa e “os lugares de comer estão sempre muito cheios” (Entrevista com funcionária da Secretaria de Turismo da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Ainda de acordo com a funcionária da Secretaria de Turismo, até a “energia da cidade muda” em função da mineração, gerando “outro tipo de movimento” no município (Entrevista com funcionária da Secretaria de Turismo da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Os pontos turísticos também se apresentavam sempre cheios de trabalhadores “de fora”, provocando a degradação dos atrativos naturais e inibindo a presença dos moradores locais: “Os pontos turísticos da região também ficaram muito mais cheios 31 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] de pessoas de fora, o Piraquara, o poço do J, no Rio Santo Antônio, o Poço Coca Cola, Pocinho Azul e outros” (Entrevista com moradora V., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Temos lindas cachoeiras, o parque da Serra do Intendente. Final de semana ficava cheio de pessoas das empresas...” (Entrevista com morador N., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Há lugares de nadar que a gente que era de Conceição que conhecia e frequentava. Fui levar meus filhos no Piraquara e parecia carnaval, som alto, não sei quantos churrascos e a gente não conhecia ninguém [...]. Batemos em retirada, você não se sente à vontade para ficar” (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Os pontos turísticos mais próximos é o balneário Baú, Água Quente que é um balneário a 10 minutos de Conceição, Três Barras. Eles [trabalhadores imigrantes] quebraram tudo, estragaram tudo. É uma sujeira nos balneários, deixavam tudo para trás” (Entrevista com funcionária da Secretaria de Turismo de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Logo, a atividade mineradora tem afetado diretamente a atividade de turismo em Conceição do Mato Dentro, destruindo a identidade “ecoturística” do município (autointitulado capital do ecoturismo) e criando uma nova identidade para a cidade (de exploração mineral) (BECKER & PEREIRA, 2011). Outro aspecto econômico a ser analisado refere-se ao discurso da geração de emprego, provedor de legitimidade ao empreendimento minério em diferentes instâncias sociais. Todavia como esclarece o Promotor de Justiça, a geração de emprego proporcionada pela mineração é, em grande medida, temporária: [...] se valoriza demais os impactos positivos sempre na justificativa de geração de emprego e renda e a gente percebe que essa geração de emprego e renda é momentânea, ela é para muita gente na implantação, mas depois ela é concentrada, ela é concentradora de renda. Por quê? Porque as empresas elas visam lucro então elas diminuem drasticamente o número de empregados, normalmente empregados especializados. Essa mão de obra não é encontrada no local. Quando há um treinamento, uma capacitação ela atinge um número muito limitado de pessoas, é pouco o número [...]. Então você vê que a mão de obra na atividade é muito pouco. No momento da implantação sim, demanda muita mão de obra não especializada que depois vai ficar sem oportunidades. Mas a gente percebe que é como se fosse uma receita, uma prática comum, eles chegam vendendo a solução dos problemas, a melhora dos índices sociais 32 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] com a geração enorme de tributos, de emprego (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Nessa perspectiva, segundo os moradores, o número de empregos gerados pela mineração decresceu, restando para muitos uma realidade de desemprego: “O projeto da mina é para 40 anos. Já passou o boom do emprego, agora tem mais técnicos que trabalham direto na mina” (Entrevista com morador N., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Deixou muita gente desempregada. Vem como uma avalanche, deixou todo mundo bem na fita, depois que passa aquela fase, vem o desespero...” (Entrevista com moradora O., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Foi bom para emprego para o povo. Mas gente daqui são poucos os empregados hoje. Eles falam que o povo daqui não gosta de trabalhar, mas não é verdade” (Entrevista com moradora G., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Lado outro, a busca por emprego em Conceição do Mato Dentro permanece alta, como menciona o representante da ACE, muitas pessoas procuram a Associação para elaboração de currículo: “A gente faz currículo todo dia, fazemos 70 a 100 currículos por mês. Muita gente de fora procurando emprego vem, sem noção de nada, sem endereço, pedindo para fazer currículo. Antes era uns 20, 30 currículos por mês” (Entrevista com representante da ACE, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). A Anglo American instalou, em setembro de 2010, um Posto de Apoio ao Migrante na rodoviária de Conceição do Mato Dentro. O Posto de Apoio ao Migrante é procurado por aqueles que buscam emprego na Anglo American ou em empresas terceirizadas. O Posto realiza um cadastro dos imigrantes e faz o encaminhamento das fichas cadastrais para as empresas contratantes (Entrevista com funcionária do Posto de Apoio ao Migrante da Anglo American, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). De acordo com a funcionária do Posto: “no momento da implantação a procura era maior, na operação o movimento reduziu bastante. Mas ainda tem gente procurando o posto de apoio. O pessoal que é desmobilizado também busca novos empregos”. Ainda conforme a funcionária, a demanda no Posto “varia muito”: “Tem dia que chega até grupo de pessoas. Atualmente o trabalho é mais na área da mina. Vem gente do 33 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Norte, Nordeste. Mas agora a procura é maior por gente de Minas Gerais” (Entrevista com funcionária do Posto de Apoio ao Migrante da Anglo American, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). 34 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 2.3 Impactos no Setor de Saúde em Conceição do Mato Dentro Por mais que a taxa de natalidade em Conceição do Mato Dentro esteja diminuindo ao longo dos anos, essa tendência somente é observada para as mães casadas, as mães solteiras são maioria depois de 2006 e a diferença aumenta ao longo dos anos. O número de mães solteiras chega a um pico de 30% a mais do que o percentual de mães casadas como pode ser observado na Figura 6. Figura 6: Comparação do percentual de nascimentos de crianças vivas entre mães solteiras e casadas, 2000 a 2013.15 Fonte: DATASUS, 2013. Ao compararmos Conceição do Mato Dentro e o Estado de Minas Gerais, constatamos em ambos um aumento do percentual de mães solteiras (vide Figura 7). Todavia, a porcentagem de mães solteiras do município, principalmente a partir de 2008, supera em quase 5% os índices de Minas Gerais, diferença que chega a 13% em 2012. 15 Entre 1999 e 2003 existia nos formulários censitários do Sisnac a opção “união consensual”. De 2004 a 2010, esta opção foi retirada dos formulários. A partir de 2011 tem-se a reintrodução da opção “união estável” dentre as opções de situação conjugal. Como consequência, a participação do percentual de nascidos vivos de mães com situação conjugal “solteira” cai, e aumenta a participação de “união estável” na mesma proporção. Conforme, ressalta o Sisnac, “a soma de solteiro e união estável dá um valor muito próximo dos valores da categoria ‘solteiro’ nos últimos anos” (SISNAC, 2011, p. 11). Considerando tal assertiva, optou-se nas análises apresentadas neste relatório, para o número de nascimentos de crianças vivas por estado civil das mães, por unir, para os anos em que aparecem separadas, as categorias de “mães solteiras” e “união estável”, em uma única categoria, a de “mães solteiras”. Ressalva-se ainda que, no caso de “união estável” o indivíduo é considerado legalmente solteiro. (Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sinasc/Consolida_Sinasc_2011.pdf. Acesso em: 20/07/2014). Quanto à categoria “outros”, ela inclui: “separada judicialmente”, “viúva” e “ignorado”. 35 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 7: Comparação entre o percentual de nascimentos de crianças vivas entre mães solteiras e casadas para Conceição do Mato Dentro e Minas Gerais, 2000 a 2013. Fonte: MS/SVS/DASIS - Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos – SINASC, 2015. No percentual de crianças nascidas vivas em Conceição do Mato Dentro, observa-se uma representatividade considerável de mães na faixa de 10 a 19 anos de idade, principalmente a partir de 2009, em comparação com outras faixas de idade mais comuns para 2000 2002 maternidade em Conceição 2006 2007 do Mato Dentro (vide 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% 2001 2003 2004 10 a 19 anos 2005 20 a 24 anos 2008 2009 2010 2011 2012 2013 25 a 29 anos Figura 8). Inclusive, durante os anos de 2010 e 2011, o percentual de nascimentos de mães na faixa etária de 10 a 19 anos ultrapassa o de mães com idade entre 20 e 29 anos. 36 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 40% 35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0% 2000 2001 2002 2003 2004 10 a 19 anos 2005 2006 2007 20 a 24 anos 2008 2009 2010 2011 2012 2013 25 a 29 anos Figura 8: Porcentagem de nascimentos de crianças vivas, por faixa etária da mãe e residência em Conceição do Mato Dentro, 2000 a 2013. Fonte: MS/SVS/DASIS - Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos – SINASC, 2015. Para o Estado de Minas Gerais e para o Brasil, verifica-se uma tendência à diminuição do número de mães na faixa etária entre 15 e 19 anos e o aumento do número de mães, principalmente, na faixa etária entre 30 e 34 anos (vide 37 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 9). Entretanto, em Conceição do Mato Dentro o número de mães na faixa de 15 a 19 anos aumentou ao longo do período analisado, superando a média do Estado e do país a partir de 2008. Também com tendência contrária ao Estado e ao país, o percentual de mães com idade entre 30 e 34 anos diminuiu no município, sobretudo a partir de 2006. 38 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 9: Porcentagem de nascimentos por faixa etária da mãe, de 2000 a 2013, em Conceição do Mato Dentro, Minas Gerais e Brasil. Fonte: DATASUS, 2015. A figura na sequência ilustra o quadro evolutivo e comparativo do percentual de gestantes, abaixo dos 20 anos de idade, em Conceição do Mato Dentro e no Estado de Minas Gerais. Reiterando as análises realizadas até o momento, enquanto as mulheres de Minas Gerais e do Brasil estão engravidando mais tardiamente, em Conceição do Mato Dentro observa-se uma tendência contrária. 39 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 10: Relação percentual do número de gestantes menores de 20 anos de idade. Conceição do Mato Dentro e Minas Gerais, 2000 a 2013. Fonte: MS/SVS/DASIS - Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos – SINASC, 2015. O aumento de adolescentes grávidas figura como “uma situação típica de cidades de pequeno porte que recebem projetos de infraestrutura de grande escala” (CIDADE E ALTERIDADE, 2013, p. 26). “Assim como ocorre em outros municípios que recebem novos empreendimentos, as jovens são seduzidas pelos trabalhadores recémchegados e, ‘em um ambiente de muita promessa e expectativa’ (SCOTT, 2012, p.12), engravidam e são abandonadas posteriormente” (CIDADE E ALTERIDADE, 2013, p. 27). A vulnerabilidade das jovens locais se intensifica ao se envolverem afetivamente com os trabalhadores temporários, que não possuem vínculos com o local, podendo resultar em problemas sociais sérios como gravidez indesejada e precoce, danos psicossociais e doenças sexualmente transmissíveis. Nesse quadro, os entrevistados relataram um aumento do número de mães solteiras em Conceição do Mato Dentro, em decorrência do envolvimento com trabalhadores imigrantes: “Caso de meninas de menor com homens de firma, meninas de 12, 13 anos grávidas. Esses homens dizem que são solteiros, casa de novo, arranja filho... [...] Há muitas mães solteiras, de maior e de menor, um caso ou outro o pai assumiu” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Engravidaram muitas meninas. Meninas novas, ficaram de barriguinha e o cara cascou fora. Alguns gostaram de ficar aqui, casaram e já tem até filhos” (Entrevista com morador R., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Teve 40 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] caso de menininha menor de barriguinha crescida, menina estudando ainda, cai na lábia dos camaradas que vão embora e fica uma questão crônica na cidade” (Entrevista com morador N., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O Conselho Tutelar tomou conhecimento de 15 ou 16 meninas grávidas de trabalhadores de firma em Conceição do Mato Dentro (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). As conselheiras também relataram que o Conselho Tutelar já foi acionado “para retirar” jovens em casa de “homens de firma”. De acordo com as conselheiras, os trabalhadores, por vezes, faziam festas e levavam as meninas para as residências e até mesmo para os alojamentos fora da cidade (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Segundo relatos, os trabalhadores imigrantes envolveram-se também com mulheres casadas, ocasionando conflitos familiares e abandono do lar: “Mulheres que já são casadas largaram dos maridos para morar com homem de firma. Eles mais bem vestidos, outro tipo de vida, elas se iludiam...” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Muitas mulheres se envolveram com trabalhadores de firma, deixou marido para morar com outro” (Entrevista com moradora V., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Mães que abandonam filhos para morar com outro... Mulheres se iludiram com as falsas promessas de homens de firma, de outro estilo de vida, de outro padrão de vida...” (Entrevista com Assistente Social da prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Ademais, o envolvimento de mulheres com “trabalhadores de firma”, gerou ciúmes e reações violentas em homens locais, como ilustra o seguinte relato: “As meninas não estavam acostumadas com essa quantidade de homens de fora e isso gerou ciúmes da parte dos homens daqui. Teve um episódio em que casas de trabalhadores foram apedrejadas por motivo de ciúmes” (Entrevista com Assistente Social da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). De acordo com o relatório do Cidade e Alteridade (2013), com o crescimento populacional, a Secretaria Municipal de Saúde constatou um aumento vertiginoso da demanda na saúde pública: 41 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Para a Secretária Municipal, há um impacto crescente em todas as áreas da saúde: médicos, medicamentos, setor hospitalar, farmácia e imunização. Houve aumento no número de internações, nas demandas ao PSF (Programa Saúde da Família), aos medicamentos disponibilizados pela farmácia e aos procedimentos de vacinação (Entrevista realizada em julho de 2013, apud CIDADE E ALTERIDADE, 2013, p. 29). Situação também verificada pela análise dos dados do Ministério da Saúde: “há um aumento na demanda por determinadas especialidades da saúde, como nos atendimentos médicos e de enfermagem para acompanhamento do pré-natal, DST, AIDS, acidentes de trabalho, dentre outras” (CIDADE E ALTERIDADE, 2013, p. 30). Para o Promotor de Justiça, o aumento da demanda dos serviços de saúde deve-se ao aumento da população flutuante, mas não necessariamente ao aumento dos trabalhadores de empresas no município, uma vez que estes contam com médico particular: [...] muitas vezes o empregado da empresa tem o médico dentro do empreendimento, se ele tem lá um acidente ele é atendido ali, ele é estabilizado ali e é levado para um centro maior de medicina. Ele não é levado para o hospital. Agora, essa pessoa que veio indiretamente, ela vai no hospital aqui. [...] uma firma que veio aqui e instalou uma sede aqui, um escritório, ela gera uma mão de obra indireta que não está ligada diretamente ao empreendimento (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Todavia, mesmo com crescimento da população flutuante do município, o poder público estadual e municipal não viabilizaram condições mínimas para mitigar os impactos negativos na saúde (CIDADE E ALTERIDADE, 2013). Como pode ser notabilizado na figura a seguir, o número de estabelecimentos de saúde permaneceu praticamente inalterado ao longo dos anos, exceto para a categoria de consultório médicos particulares que era apenas um em 2005 e em 2014 subiu para 11. Somente em 2014, momento em que a população flutuante já tinha diminuído no município, que se verifica um pequeno aumento dos estabelecimentos de saúde, com o surgimento de “um centro/unidade básica de saúde”, de “um centro de atenção psicossocial (CAPS)” e de mais uma “clínica especializada/ambulatório especializado”, pari passo a diminuição, no mesmo ano, de um dos postos de saúde do município. 42 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Conceição do Mato Dentro Tipo 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 Centro de atenção psicossocial-CAPS 1 1 - - - - - - - - - - - - - - - - 3 3 4 4 - 1 1 13 14 16 27 27 27 29 26 Consultório 14 14 14 14 14 14 14 14 14 14 14 Hospital geral - 14 14 14 14 14 14 14 14 14 14 Policlínica - 9 9 18 13 17 18 18 18 18 18 15 39 38 59 55 61 73 76 76 79 79 Centro de saúde/unidade básica de saúde Clinica especializada/ambulatório especializado Posto de saúde Figura 11: Quantidade de Estabelecimentos de Saúde, por tipo, entre 2005 e 2015, em Conceição do Mato Dentro. Fonte: DATASUS, 2015. Desta forma, o município enfrenta “a nova demanda com a mesma infraestrutura” que existia “antes do licenciamento da mineração” (CIDADE E ALTERIDADE, 2013, p. 29). O Hospital Imaculada Conceição mantém 42 leitos de internação desde 2005 e “a aquisição de novos equipamentos utilizados nos procedimentos de saúde ocorreu timidamente, com exceção dos equipamentos de diagnóstico por imagem, por métodos gráficos e de odontologia” (CIDADE E ALTERIDADE, 2013, p. 29). O Hospital, gerenciado pela Fundação Hospitalar Imaculada Conceição, deve cerca de R$ 9 milhões em dívidas trabalhistas e com fornecedores (JORNAL DEFATO OLINE, 10/02/2015). De acordo com duas moradoras entrevistadas, a condição do Hospital Imaculada Conceição é precária e, determinados tratamentos de saúde, assim como cesarianas não são realizadas na unidade hospitalar: “A saúde é precária, para nascer criança tem que ir para fora da cidade, o hospital não faz cesariana. Tem que ir para Diamantina, Guanhães, Belo Horizonte” (Entrevista com moradora M., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Aqui não tem recurso suficiente para a saúde. Faço quimioterapia fora, não tem como eu me tratar aqui. A van leva e traz. A gente as vezes é muito humilhada... Os motoristas não tem paciência de esperar, eu passava muito mal no trajeto. Tem gente morrendo sem recurso, demora para transferir o paciente que as vezes vai parar em Guanhães que não tem CTI. Esse hospital está abandonado, não tem bloco cirúrgico, as vezes nem comida para os funcionários tem, vive de doações, está nas últimas... Se fosse analisar as condições desse 43 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] hospital já tinham fechado... (Entrevista com moradora H., Conceição do Mato Dentro, março de 2014). A figura a seguir demonstra o número de famílias cadastradas nos Programas Saúde da Família (PSF) e Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Os números evidenciam um crescimento significativo do cadastramento de famílias nos programas de saúde, principalmente a partir de 2007, ao passo que a quantidade de Agentes de Saúde (PACS) diminuiu ou permaneceu inalterada. Figura 12: Número de famílias cadastradas por ano e modelo de atenção. Conceição do Mato Dentro, 2000 a 2015. Fonte: DATASUS, 2015. *Dados até Abril de 2015. Face ao aumento da demanda por serviços públicos de saúde, verifica-se que o número total de profissionais com nível superior no sistema de saúde municipal, aumentou apenas depois de 2011, voltando a diminuir em 2013 e em 2015. Hoje são 61 funcionários com nível superior e, por mais que o hospital conte com um cirurgião, desde 2010 não possui anestesista (vide Figura 13). 44 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Conceição do Mato Dentro 2010 2011 2012 Ano 2008 2009 2013 2014 2015 Anestesista Assistente Social 1 1 1 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 1 3 3 2 3 4 2 1 2 1 1 1 1 2 2 2 1 6 6 4 6 8 8 7 10 Enfermeiro 6 7 6 9 19 17 22 20 Fisioterapeuta 0 0 1 1 4 4 5 6 Fonoaudiólogo Ginecologista Obstetra 0 0 1 1 3 3 2 2 0 0 0 0 2 1 1 1 Médico de Família 1 0 2 4 2 3 4 2 Nutricionista 0 1 1 2 3 2 3 2 Odontólogo 8 7 8 8 6 7 7 6 Pediatra 0 0 0 0 0 0 1 1 Psicólogo 0 0 1 1 2 2 4 2 Psiquiatra 1 1 1 1 1 1 1 2 Outras especialidades médicas 0 0 0 0 3 3 3 2 Outras ocupações 0 0 0 0 2 2 1 1 Total 27 27 29 38 61 57 65 61 Bioquímico / farmacêutico Cirurgião Geral Clínico Geral Figura 13: Número de profissionais de nível superior no sistema de saúde de Conceição do Mato Dentro, 2008 a 2015. Fonte: Ministério da Saúde - Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde do Brasil – CNES, 2015. 2.4 Impactos no Setor de Educação em Conceição do Mato Dentro A taxa de analfabetismo para pessoas com 15 anos ou mais em Conceição do Mato Dentro é maior na zona rural que na zona urbana e vem diminuindo ao longo dos anos. Embora haja uma tendência à diminuição da taxa de analfabetismo, observa-se que de 2000 para 2010, na área rural a proporção de analfabetos quase não reduziu, como mostra a Figura 14. Vale ressaltar que a taxa de analfabetismo no município, 19,5%, apresenta-se superior à média do Brasil e de Minas Gerais, de respectivamente, 9,4% e 8,1%. 45 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 14: Taxa de analfabetismo em pessoas maiores de 15 anos ou mais. Conceição do Mato Dentro por situação de domicílio Conceição do Mato Dentro. Fonte: IBGE – Censo Demográfico, 1991, 2000 e 2010. Ao analisarmos a taxa de analfabetismo, por faixa etária, nota-se que o índice aumenta com a idade, ou seja, quanto mais jovem a população menor a taxa de analfabetismo. Logo, a faixa etária de 80 anos ou mais apresenta o maior percentual de analfabetos. Figura 15: Taxa de analfabetismo, por faixa etária, Conceição do Mato Dentro. Fonte: IBGE Censos Demográficos, 1991, 2000 e 2010. No que concerne às matrículas realizadas nas escolas públicas de Conceição do Mato Dentro, verifica-se a sua redução gradativa no ensino fundamental e certa estabilização nos demais níveis de ensino. As exceções são para o aumento das 46 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] matrículas nas creches que saltam de 26 em 2008 para 43 em 2009, com outro aumento significativo de 36 matrículas em 2013 para 66 em 2014. No pré-escolar idem, ocorre um aumento vertiginoso de 290 matrículas em 2013 para 416 em 2014. Nota-se ainda que o número de matrículas no ensino fundamental é significativamente maior que no ensino médio, fato que pode indicar uma interrupção precoce dos estudos. Figura 16: Número de matrículas escolares por ensino em Conceição do Mato Dentro, 2000 a 2014. Fonte: Mec/Inep/Deed/Csi, 2000 a 2014. Conforme dados fornecidos pela Secretaria de Educação do município, para o ano de 2015, o número de matrículas na Educação Infantil (4 e 5 anos), no Ensino Fundamental/Anos Iniciais e no Ensino Fundamental/Anos Finais foi de, respectivamente, 620; 571 e 199. Ressalta-se que os números da Secretaria competem somente às escolas municipais de Conceição do Mato Dentro, não incluindo o número de matrículas das escolas estaduais. De acordo com a Secretária de Educação, de fato, ocorreu um aumento da demanda, sobretudo na educação infantil e em creches (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). A Secretaria não sabe até que ponto a demanda decorre de pessoas do município ou “de fora” (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Entretanto, a Secretária forneceu sua opinião sobre a questão: 47 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Tem muita criança nascendo. No meu ponto de vista por isso que está crescendo a demanda por creche e educação infantil. Eu acho que é muito em função dessas pessoas de fora na cidade. É menino de berçário até 4 anos de idade... Não vai parar de nascer menino não (Entrevista com Secretária de Educação de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Ainda de acordo com a Secretária, durante o período de implantação do empreendimento, “vieram muito mais homens do que famílias” e “alguns homens deixaram filhos aqui” (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O município possui duas creches pequenas, uma central e outra no bairro Barro Vermelho (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Segundo a Secretária, a prefeitura não consegue suprir a alta demanda por creche, “dobramos o atendimento de creche e não conseguimos atender a demanda toda”, o que torna necessário o aluguel de outro espaço, uma vez que há “muita mãe solteira precisando trabalhar” (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). De acordo com uma entrevistada, que já trabalhou em creche do município: “no Barro Vermelho alugaram uma casa para servir de creche. Tem uma demanda grande de crianças de berçário... Tem a creche central com uma casa alugada para berçário. [...] A demanda é de pessoas daqui e de fora” (Entrevista com moradora U., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O município também conta com o Centro de Formação e Promoção Humana São Joaquim (CEFORM), entidade que existe desde 1985 e atende crianças e adolescentes carentes, em situação de vulnerabilidade social, entre 5 e 15 anos, em regime de semi-internato (Entrevista com representante do CEFORM, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). As crianças frequentam normalmente as escolas e no outro turno vão ao CEFORM (Entrevista com representante do CEFORM, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Para a representante do CEFORM, a demanda na instituição “aumentou uns 1000%” nos últimos anos” (Entrevista com representante do CEFORM, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). No site das Irmãs Clarissas Franciscanas, junto às informações disponíveis para o CEFORM, consta: 48 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] O crescimento da instituição é notório ano a ano. Em 1988 eram 60 crianças, em 1997, 103. Hoje, 2012, são mais de 200 crianças matriculadas, além da lista de espera. Equivale ao dobro de crianças atendidas na creche da prefeitura da cidade. São muitos os desafios vencidos pelas Irmãs e demais educadores que vêm atuando nessa obra social filantrópica. Atualmente, com a entrada de uma grande mineradora na região, que atrai muitos trabalhadores, os problemas sociais vêm crescendo dia a dia. A pacata cidade colonial teve sua vida alterada, com grande reflexo nas famílias. Criando uma necessidade ainda maior de oferecer a comunidade projetos imbuídos em obras sociais (Disponível em: http://clarissasfranciscanas.blogspot.com.br/2015/04/ceform.html. Acesso em: 04/06/2015). O Ceform é mantido pelo Instituto das Clarissas Franciscanas Missionárias, com o apoio de algumas instituições privadas. Segundo a entrevistada, a entidade não tem parceria com a Anglo American: Faziam [Anglo American] doação de alimentos, brinquedos, nos dias das crianças. Fizeram propostas para ajudar a entidade, mas não assumimos nada concreto. Eles estão em várias instâncias da cidade, atingidas ou beneficiadas. Há certa resistência da entidade, pelo nosso compromisso religioso, de formação. Vai um pouco contra nossos princípios... Achamos a abordagem da empresa muito abstrata, cada hora trata com um (Entrevista com representante do CEFORM, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Em análise realizada pelo Cidade e Alteridade (2013, p. 34) constata-se que o número de escolas públicas em Conceição do Mato Dentro diminuiu, com o fechamento de 4 escolas municipais na área urbana e 10 escolas na área rural, de 2007 para 2012. O fechamento das escolas na zona rural deve-se, conforme a Secretária de Educação, a emigração da zona rural para a urbana (CIDADE E ALTERIDADE, 2013, p. 34). Frente à falta de vaga nas escolas, o Conselho Tutelar recorda que um rapaz do povoado de Parauninha, procurou a instituição porque não conseguiu vaga para o 9° ano. Consequentemente, a redução e concentração locacional de escolas aumenta a demanda pelo transporte escolar, o que pode desestimular a continuidade dos estudos (CIDADE E ALTERIDADE, 2013). De acordo com a Secretária, são cerca de 40 rotas escolares e o município faz o transporte das redes estadual e municipal em veículos da 49 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Secretaria e de empresa terceirizada (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O aumento da demanda escolar favoreceu a abertura de escola particular no município, como explicitam os trechos das entrevistas a seguir: “Conceição não tinha escola particular, abriu a pouco tempo o Colleguium” (Entrevista com morador R., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Surgiram escolas particulares para filhos dos funcionários da Anglo” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Chegou colégio particular, mas educação particular é para quem pode” (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Atualmente, no município também há uma unidade do SENAI – Centro de Formação Profissional José Aparecido de Oliveira, que funciona no Ginásio São Francisco, no Bairro Bandeirinhas e oferece cursos técnicos, de aprendizagem industrial e de qualificação (Entrevista com moradores de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). De acordo com a Secretária de Educação, no setor educacional não foram firmados convênios entre a Prefeitura e Anglo American: “Não teve nenhum convênio que causasse grande impacto na educação. Foram cursos de capacitação e alguma coisa de estrutura física para as escolas, mas quase insignificante” (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). 2.5 Impactos no Setor de Segurança em Conceição do Mato Dentro De acordo com entrevistas realizadas em dezembro de 2014 e março de 2015, ocorreu um aumento significativo da criminalidade em Conceição do Mato Dentro, em função da movimentação intensa de forasteiros na cidade, consequência direta das atividades de mineração no município. Em razão dessas atividades, o município de 17.908 habitantes (IBGE, 2010) recebeu mais de 7 mil trabalhadores imigrantes da Anglo American e de empresas terceirizadas. Assim, o crescimento da população flutuante, o aquecimento do comércio, a maior circulação de dinheiro e a estrutura 50 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] deficiente da segurança pública do município foram o combustível necessário para que a criminalidade explodisse em Conceição do Mato Dentro. Crimes como tráfico de drogas, assaltos à mão armada aos comércios e residências, violência contra a mulher e crimes de trânsito apresentaram um crescimento considerável (CIDADE E ALTERIDADE, 2013). A Figura a seguir retrata o aumento da taxa de crimes violentos no município, que apresenta um crescimento considerável a partir de 2006.16 Figura 17: Taxa de crimes violentos (por 100 mil hab.) em Conceição do Mato Dentro, 2000 a 2010. Fonte: Polícia Militar de Minas Gerais e IBGE, Censos Demográficos, 2000 a 2010 (a população nos anos intercensitários foi estimada por interpolação). Nesse contexto, foram recorrentes, durantes as entrevistas, relatos sobre o aumento da criminalidade em Conceição do Mato Dentro, como exemplificam os trechos a seguir: “O movimento trouxe bandidos para a cidade, não tinha isso aqui não” (Entrevista com moradora O., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “A segurança já era ruim, mas piorou bastante com a mineração. [...] É aquela lógica, se tem mais dinheiro atrai mais ladrões, de fora e daqui” (Entrevista com moradora E., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Os furtos, os homicídios aumentaram, muitas pessoas foram atraídas pela movimentação de dinheiro do empreendimento. Gerou mais capital de giro por isso atraiu” (Entrevista com Assistente Social da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Conceição começou a ter 16 Os crimes violentos abarcam roubos consumados e tentados, sequestros, extorsão mediante sequestro, estupros tentados e consumados e homicídios tentados e consumados. 51 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] defeitos de cidade grande, coisa que não tinha aqui como criminalidade” (Entrevista com moradora V., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “É muita gente, é muito intranquilo, muito roubo em comércio, banco, residência, nas lojinhas. É muita coisa ruim... Afetou muito a segurança da cidade” (Entrevista com moradora F., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). As manchetes dos jornais mostram a realidade de violência vivenciada em Conceição do Mato Dentro: “Bandidos Armados assaltam a prefeitura de Conceição do Mato Dentro”17; “Três adolescentes de 16 anos tentam assaltar mercearia em Conceição do Mato Dentro”18; “Conceição do Mato Dentro: seis homens são presos suspeitos de envolvimento com tráfico de drogas”19; “Homem é executado na porta de casa em Conceição do Mato Dentro”20; “Conceição do Mato Dentro entra na rotina da criminalidade”.21 Como noticiado em maio de 2015 pela mídia, num intervalo de poucos meses, uma mesma loja de celulares no município, sofreu três assaltos e dois arrombamentos. 22 A agência dos Correios, o Banco do Brasil, a prefeitura e até mesmo uma loja localizada em baixo da Delegacia de Polícia foram assaltados. Na mesma matéria jornalística um policial civil relata a ocorrência de dois, três assaltos em um mesmo dia. 23 Em entrevistas, os moradores também relataram a profusão de roubos, furtos e arrombamentos na cidade, como explicitam os trechos de entrevistas na sequência: “Há uns 15 dias, teve um assalto numa mercearia no Brejo. O cara disse que ia comprar querosene, mas entrou e assaltou e roubou 20 mil” (Entrevista com moradora A., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Tem pessoas que vem não pra trabalhar, 17 Disponível em: http://www.defatoonline.com.br/noticias/ultimas/09-02-2015/bandidos-armadosassaltam-prefeitura-de-conceicao-do-mato-dentro. Acesso em: 4/06/2015. 18 Disponível em: http://www.defatoonline.com.br/noticias/ultimas/16-05-2015/tres-adolescentes-de16-anos-tentam-assaltar-mercearia-em-conceicao-do-mato-dentro. Acesso em: 4/06/2015. 19 Disponível em: http://policianolocal.blogspot.com.br/2013/07/conceicao-do-mato-dentro-seishomens.html. Acesso em: 4/06/2015. 20 Disponível em: http://www.defatoonline.com.br/noticias/ultimas/28-04-2015/homem-e-executadona-porta-de-casa-em-conceicao-do-mato-dentro. Acesso em 05/06/2015. 21 Disponível em: http://globotv.globo.com/rede-globo/mgtv-2a-edicao/v/conceicao-do-mato-dentroentra-na-rotina-da-criminalidade/4195435/. Acesso em: 4/06/2015. 22 Disponível em: http://globotv.globo.com/rede-globo/mgtv-2a-edicao/v/conceicao-do-mato-dentroentra-na-rotina-da-criminalidade/4195435/. Acesso em: 4/06/2015. 23 Disponível em: http://globotv.globo.com/rede-globo/mgtv-2a-edicao/v/conceicao-do-mato-dentroentra-na-rotina-da-criminalidade/4195435/. Acesso em: 4/06/2015. 52 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] mas pra roubar... Assalto em casas, no comércio... Na casa no [bairro] Bandeirinhas roubaram televisão, notebook” (Entrevista com moradora V., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “O dinheiro atrai ladrões, teve roubo no Banco do Brasil com refém” (Entrevista com L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Segurança em Conceição é um fracasso, tem ocorrido muito arrombamento de lojas e até a própria rodoviária foi arrombada, há uns 15 dias no máximo [...]” (Entrevista com morador N., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “A segurança é um problema grande. [...] A loja da Claro foi assaltada 3 vezes a luz do dia à mão armada (Entrevista com representante da ACE, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Roubaram a loja de celulares, levaram uns 5 mil em celular, estão entrando nas casas e roubando. Acho que é gente de fora que rouba. Se está roubando só pode ser gente de fora, porque aqui não tinha isso não. Podia dormir com a porta aberta, era uma cidade pacata. Hoje não pode deixar mais porta destrancada, nem durante o dia. Estão entrando nas casas a luz do dia... (Entrevista com moradora G., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Aumentou a quantidade de roubos e arrombamentos. A loja da Claro já foi assaltada, o supermercado já foi assaltado... Tem que trancar a casa toda. Não era assim não. Assalto de dia com o sol quente. Na subida do [bairro] Matosinhos uma moça foi assaltada por dois rapazes de moto. (Entrevista com moradora R., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). A criminalidade aumentou, os crimes acontecem até durante o dia. Já assaltaram a loja da Claro, supermercado, muito roubo no comércio, assaltam banco. Nas fazendas estão entrando e roubando gado. Está precisando demais de reforçar a polícia. A criminalidade está chegando, porque sabem que tem movimentação de dinheiro. (Entrevista com moradora U., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Para além dos furtos e roubos, os entrevistados mencionaram o aumento dos homicídios em Conceição do Mato Dentro. De acordo com o Promotor de Justiça, a taxa de homicídio do município em 2014 apresenta-se tão elevada quanto à de cidades da região metropolitana de Belo Horizonte: Em 2014 teve um recorde absoluto de homicídio consumado aqui que foi uma loucura, coisa... loucura mesmo, [...] de cidades grande da região metropolitana, Vespasiano, Santa Luzia, então era o 53 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] mesmo número daqui. Cidade que acontecia um homicídio por ano, dois, de repente tem mais de 10, um número enorme (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Dois entrevistados relembraram o assassinato de um morador da cidade, que dividia a casa com um casal de “trabalhadores de fora”: “O G. foi assassinado por gente de fora. Ele foi separar uma briga de casal de trabalhadores que dividiam casa com ele e acabou morto” (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Teve quebradeira na cidade, um casal que veio de fora, saiu quebrando tudo, tudo na cidade... E aconteceu também o assassinato do G. que foram pessoas de fora” (Entrevista com morador R., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). De acordo com um policial militar também se observou uma ampliação dos latrocínios no município, na maioria das vezes na zona rural, nas residências daqueles que receberam indenizações e/ou venderam terras para a Anglo American: “Os homicídios aumentaram por causa da venda de terras. A Anglo criou milionários na zona rural. O ladrão vai onde tem dinheiro...” (Entrevista com policial militar, PMMG de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). De acordo com a Polícia Civil (PCMG), o aumento do tráfico de drogas também tem contribuído para o crescimento do número de homicídios no município: Cheguei aqui em 2009, por exemplo, até 2012 ninguém tinha morrido em Conceição, no tempo que eu estava aqui, por causa de tráfico de droga [...]. Ano passado morreram 5, 6, esse ano já deve ter morrido mais de 10 por tráfico de drogas (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Nesse quadro, observa-se o aumento substancial da taxa de armas apreendidas no município, que foi de zero em 2005 para 378,86 ‰ em 2006, alçando seu pico em 2010 (vide Figura 18). 54 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 18: Número de armas apreendidas (por 100 mil habitantes) em Conceição do Mato Dentro, 2000 a 2010. Fonte: Índice Mineiro de Responsabilidade Social. Fundação João Pinheiro, 2013. No caso dos crimes relacionados aos entorpecentes, desde posse, aquisição, guarda, tráfico etc., os dados demonstram um incremento, principalmente, em 2009, passando de 6 em 2008 para 17 em 2010 (vide Figura 19). Figura 19: Número de crimes relacionados às drogas, ocorridos em Conceição do Mato Dentro, 2001 a 2012. Fonte: PMMG, 2013. Corroborando as informações da PCMG, os moradores também evidenciaram a relação existente entre o tráfico de drogas e o aumento de homicídios: “Acontece muita coisa, muito assalto, homicídio. A droga é problemática, os acertos de conta que estão matando...” (Entrevista com moradora M., Conceição do Mato Dentro, março de 55 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 2015). “A polícia sempre passa aqui indo para o Alto da Vila Caetano, porque lá é o foco. Há pouco tempo morreu um menino novo lá, por acerto de conta com traficante” (Entrevista com moradora A., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O problema do tráfico, segundo uma entrevistada, tem se difundido pela periferia do município: “Começou a ter gangues, disputa por território nas periferias da cidade. Na Vila Caetano, tem a Vila 1 e a Vila 2, cresceu muito o tráfico de drogas...” (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Foi relatado ainda o envolvimento de crianças e adolescentes da cidade com o tráfico: A droga aumentou muito, nem em BH eu via a coisa tão solta, a luz do dia. Não tinha tanto envolvimento de criança usando e vendendo, hoje já tem... Tráfico de crack entre os adolescentes. Temos caso de adolescentes presos com 30, 40 pedrinhas de crack para vender. (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Tenho muita preocupação com a Vila Caetano, pois muitas crianças da escola que são de lá se envolveram com drogas. São as “mulinhas”, que fala aqui, que trabalham com os traficantes. [...] Alguns desses meninos já morreram, foi baleado, foi pra FEBEM. Todos esses problemas aumentaram muito (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O agigantamento da população flutuante do município em função da mineração faz emergir um mercado potencial de usuários de drogas. Conforme os entrevistados, o consumo de drogas tem aumentado a olhos vistos, como ilustram os relatos: “A droga está terrível, é muita na cidade... De dia com o sol quente a gente vê pessoas usando drogas e está só aumentando” (Entrevista com moradora R., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Drogas aumentou, é o que mais está tendo... Já tinha, só que aumentou muito com o crescimento da cidade” (Entrevista com moradora V., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Fui fazer uma caminhada ontem, estava chegando em casa e tinha uns 5, 6 homens parados e o cheiro de cigarro de maconha estava demais” (Entrevista com moradora U., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). 56 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Conta uma moradora que muitos usuários de drogas frequentam a praça da Igreja Nossa Senhora do Rosário e, inclusive, costumam quebrar os globos destinados a iluminação local (vide Figura 20): Sete horas da noite na porta da Igreja do Rosário fica cheio de usuário de droga. Olha lá [apontando para a janela que dá vista para a Igreja], eles sempre quebram os globos porque a iluminação incomoda. É dinheiro público que vai embora com conserto de globos. Estragam as plantas da praça, deterioram tudo... (Entrevista com moradora A., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Figura 20: Igreja Nossa Senhora do Rosário em Conceição do Mato Dentro-MG. Destaque para o globo de iluminação quebrado à esquerda na foto de baixo. Fonte: Trabalho de campo da equipe do Cidade e Alteridade, dezembro de 2014 (acima), março 2015 (foto abaixo). Embora o consumo de álcool e drogas possa estar associado a diferentes origens, as condições de trabalho e de alojamento precário podem desencadear ou agravar o seu consumo: [...] um alojamento que é um quarto com a metade dessa sala minha, com 4 homens, duas beliches e um armarinho lá. [...] [os 57 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] trabalhadores] em geral com um nível cultural de escolaridade muito baixo, [...] trabalho braçal o dia inteiro, [...] lá no meio do mato sem estrutura nenhuma. Esse cara vai ter que recorrer ao quê? A droga, lícita ou ilícita... Então explode o consumo de álcool, que é proibido lá dentro, mas é proibido só no papel, porque entra que é uma beleza, e explode o consumo de drogas. Porque o cara tem dinheiro, ele manda um pouquinho pra família e vai gastar o resto na zona ou com drogas (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Com a desmobilização de trabalhadores diretos e indiretos nas obras de implantação do empreendimento, tem-se um aumento do desemprego, fator social que também contribui para o aumento da criminalidade no município: “Aumentou o desemprego e desemprego gera criminalidade” (Entrevista com policial militar, PMMG de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Logo, a redução do número de trabalhadores temporários em Conceição do Mato Dentro, desde dezembro de 2014, não refletiu numa diminuição da criminalidade no município. Entre os crimes que ocorreram em Conceição do Mato Dentro, um entrevistado da PCMG menciona além do aumento das ocorrências de roubos, homicídios e tráfico de drogas, a ocorrência de estupro de vulnerável em 2013, por trabalhador de uma empresa (a vítima informou que o estuprador estava uniformizado, mas a empresa não foi identificada). Também houve o resgate de um animal (cachorro) abusado sexualmente em uma república de trabalhadores no ano de 2013 (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Duas entrevistadas também comentaram da ocorrência de estupro em Conceição do Mato Dentro: “Está tendo muito estupro, envolvendo até funcionário de empresa” (Entrevista com moradora E., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Ocorreu um caso de estupro durante o dia de uma mãe que estava com o filho no carrinho de bebê” (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Nesse quadro, verifica-se um aumento, a partir de 2010, das denúncias de violência contra a mulher via Lei Maria da Penha (CIDADE E ALTERIDADE, 2013). Conforme o “Dossiê: Segurança Pública - Comarca de Conceição do Mato Dentro/MG” analisado em 2013 no relatório do Cidade e Alteridade: 58 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] [...] a diferença no número de homens e mulheres que antes do empreendimento era ínfima e equilibrada, agora sofreu um descompasso terrível: o número de homens tornou-se maior que o número de mulheres. Talvez o fenômeno possa explicar o aumento de separações e consequentemente o aumento expressivo dos casos de violência doméstica contra a mulher (PMMG, 2012, p.22 apud CIDADE E ALTERIDADE, 2013, p. 46). A criminalidade em Conceição do Mato Dentro desencadeia um sentimento de insegurança e medo na população local. Os moradores relatam o medo de sair de casa, principalmente, à noite: “Eu quase não saio de casa. No Platô [Casa Platô Gastronomia e Entretenimento] a gente fica sabendo que dá muita briga. Eu tenho medo de ir embora tarde, porque o poste de perto da minha casa não está acendendo” (Entrevista com moradora U., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Mulheres, meninas conforme a hora não deve sair de casa” (Entrevista com Secretário de Agricultura da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “A segurança piorou, antes podia sair qualquer hora do dia e da noite, todo mundo se conhecia, agora não” (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Para ir para a missa no Matosinhos [Santuário Bom Jesus do Matosinhos] tem 3 postes sem luz. Dá muito medo de sair” (Entrevista com moradora R., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Estamos ficando com medo de sair na rua” (Entrevista com moradora G., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). É sempre desconfiança e insegurança. [...] O maestro do coral da paroquia nos encontros de quinta e sexta-feira pede para quem tem carro para um dar carona para o outro, pois tem receio que uma senhora ou uma mocinha mais nova corra risco à noite. As drogas estão demais, então o maestro pede para ninguém ir sozinha à noite (Entrevista com moradora A., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Os moradores relataram, ainda, mudanças de hábitos, com adoção de medidas cotidianas de segurança, em decorrência do aumento da criminalidade: “Não pode ficar com nada aberto. Hoje eu não deixo a minha bolsa aqui e saio da sala, com a janela aberta. Não pode deixar. [...] Eu fico sobressaltada, fecho porta, o portão, morro de medo” (Entrevista com moradora U., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Hoje em dia para ir à esquina tem que fechar a casa toda” (Entrevista com moradora 59 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] E., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Aqui em casa ficava aberto, mas agora fica fechado. As pessoas estão investindo mais em cerca elétrica, em muros, casas com grades maiores” (Entrevista com moradora A., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). De acordo com os moradores de Conceição do Mato Dentro, ocorreu também um aumento da prostituição na cidade: “Houve um aumento da prostituição... Aquelas ofertas da vida fácil, do dinheiro fácil... Acoplado à chegada de trabalhadores, vem muitas ofertas, muitas oportunidades indevidas” (Entrevista com representante do CEFORM, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Para a assistente social da prefeitura, tratando-se de mulheres da cidade, é difícil identificar a ocorrência da prostituição: “Na prostituição tem um caso ou outro de menor e maior de idade do município. A assistência social procura, mas afirmam que não é... O cara afirma que é companheiro da pessoa, então não constitui prostituição” (Entrevista com Assistente Social da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O Conselho Tutelar também afirma que ocorreu o “aliciamento de meninas”: “Tivemos algumas denúncias de aliciamento de meninas que se envolveram com homens para ganhar dinheiro” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Os entrevistados relataram também a abertura de casas de prostituição no município, na MG229 que liga Conceição do Mato Dentro ao município de Dom Joaquim. São duas casas de prostituição, a mais antiga “Babalu” (atual Babilônia) encontra-se há 20 km de Conceição do Mato Dentro e a 5 km do povoado de São José da Ilha, que já pertence ao município de Dom Joaquim: “Antigamente lá era Babalu, hoje é Babilônia. Mudou de nome. Chamava Babalu porque o dono tinha esse apelido, ele era de Pedro Leopoldo. A casa é no caminho de Conceição para Dom Joaquim” (Entrevista com morador R., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). A mais nova, chamada pelos moradores de São José da Ilha de “Casa Vermelha”, encontra-se a 500 metros do povoado e, aproximadamente, a 25 km de Conceição do Mato Dentro. Muito próximo às duas casas de prostituição, localizam-se três grandes alojamentos de trabalhadores de empresas terceirizadas da Anglo American. Ainda 60 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] conforme os entrevistados, os trabalhadores costumavam frequentar as casas, gastando todo o salário: “A peãozada ia toda para lá. Eles gastavam o salário todo numa noite” (Entrevista com morador R., Conceição do Mato Dentro, março de 2015) . Tem a casa de prostituição Babilônia, entre Dom Joaquim e Conceição. Muitos homens ficaram endividados com a casa, bebia muito, a bebida lá é mais cara. Abriram a casa pensando mesmo nos funcionários da empresa, mas os moradores daqui também iam. Muitas mulheres saíram de lá casadas, com homem de firma e de Conceição (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). De acordo com um morador, o uso de drogas na casa de prostituição também era frequente, o que resultou, inclusive, na morte de uma profissional do sexo por overdose: “Uma das prostitutas da casa [da Babalu/Babilônia] veio morrer de overdose no hospital, tinha muita droga dentro da casa. Abriu outra casa [de prostituição] também, bem próximo da Ilha” (Entrevista com morador R., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Outro problema enfrentado em Conceição do Mato Dentro refere-se à falta de estrutura e recursos humanos, tanto da polícia civil quanto da polícia militar para a realização da segurança pública. Mesmo com o aumento da demanda pelos serviços prestados pela PCMG, não houve aumento de seu efetivo policial. Conforme informações fornecidas pelo representante da Polícia Civil, a PCMG conta apenas com uma delegada, 2 escrivães e 5 investigadores (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Por sua vez, o quadro de policiais militares lotados em Conceição do Mato Dentro encontra-se dividido da seguinte forma: 61 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Município Efetivo Polícia Militar Conceição do Mato Dentro 19 Dom Joaquim 4 Morro do Pilar 3 São Sebastião do Rio Preto 3 Santo Antônio do Rio Abaixo 3 Congonhas do Norte 4 Figura 21: Número de Polícias Militares lotados em Conceição do Mato Dentro. Fonte: PCMG de Conceição do Mato Dentro, março de 2015. Em dezembro de 2014 eram 14 policiais militares em Conceição do Mato Dentro, em março de 2015 o efetivo policial foi para 19 (Trabalhos de campo em dezembro de 2014 e março de 2015). De acordo com a Secretária de Educação, Conceição do Mato Dentro possuía 27 policiais, mas perdeu efetivo e, justamente no momento de implantação do empreendimento, o município contava com apenas 13 policiais (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015).24 A Comarca da 15ª Delegacia de Polícia de Conceição do Mato Dentro é composta por seis municípios: Conceição do Mato Dentro, Santo Antônio do Rio Abaixo, São Sebastião do Rio Preto, Morro do Pilar, Congonhas do Norte e Dom Joaquim. Enquanto a Polícia Militar possui um destacamento policial em cada uma das comarcas atendidas pelo município, o efetivo da Polícia Civil encontra-se localizado somente em Conceição do Mato Dentro para atendimento às seis comarcas. De acordo com um entrevistado da PCMG, embora em 2015 tenha ocorrido uma diminuição do número de trabalhadores da Anglo American e de terceirizadas, a instalação da mineradora Manabi em Morro do Pilar25 já vem resultando num aumento significativo da demanda por segurança pública para a Comarca da 15ª 24 Em virtude da transferência da Comarca da 15ª Delegacia de Polícia de Conceição do Mato Dentro “para outro Departamento da PCMG/Comando da PMMG, de Governador Valadares para Curvelo e posteriormente para Vespasiano, a Polícia Militar local perdeu parte de seu escasso efetivo” (Trecho retirado de documento concedido pela PCMG de Conceição do Mato Dentro. Processo n°002202105.2014.8.13.0175/0175.14.002202-1 de 12/12/2014). 25 Em fase de licenciamento, a Manabi pretende construir um mineroduto com 511 km de extensão, conectando a região minerária em Morro do Pilar à Linhares, no Espírito Santo, onde será construído um terminal portuário (JORNAL O TEMPO. Licença prévia da Manabi é aprovada sob muita polêmica, em 08/11/2014). 62 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Delegacia de Polícia de Conceição do Mato Dentro, além de atrair mais trabalhadores para região (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Além da mineradora Manabi, a Vale já adquiriu vários imóveis em Conceição do Mato Dentro, também trazendo trabalhadores para o município (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Todo este contexto social e econômico vivido na Comarca de Conceição do Mato Dentro trouxe consequências extremamente negativas na área de segurança pública. Não é por outra razão que hoje há 3.410 (três mil quatrocentos e dez) procedimentos investigativos em trâmite e 2.537 (dois mil quinhentos e trinta e sete) REDS, ou seja, ocorrências ainda não analisadas, para uma única delegada de polícia despachar com auxílio de dois escrivães de polícia e cinco investigadores (Trecho retirado de documento concedido pela PCMG de Conceição do Mato Dentro. Processo n°002202105.2014.8.13.0175/0175.14.002202-1 de 12/12/2014). Na visão dos entrevistados o número de policiais em Conceição do Mato Dentro ainda é reduzido para dar conta da segurança pública no munícipio: “A segurança está muito complicada, são poucos policiais para uma cidade como esta” (Entrevista com representante do CEFORM, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “A cidade recebeu mais policiais este ano, mas o número ainda não é suficiente para o número da população” (Entrevista com moradora S., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “O roubo, o furto está abusivo. A polícia não tem contingente suficiente para dar conta disso. E Conceição tem mais de 30 povoados e distritos” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “A cidade não estava preparada para esse acontecimento. [...] Tem pouco policiamento, não prepararam a cidade e os seus moradores para a mudança” (Entrevista com moradora A., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Além disso, os policiais, cujo número já é reduzido, precisam efetuar constantes deslocamentos, uma vez que os serviços de apoio da PCMG apresentam-se divididos da seguinte forma: 63 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Local de atendimento Plantão/APFD 1ª DRPC de Santa Luzia Cadeia Jaboticatubas Local de Crime: 2ª DRPC de Perícias em caso de prisões em flagrante: 1ª Guanhães DRPC de Santa Luzia Exame médico-legal no individuo vivo: 2ª Belo Horizonte DRPC de Guanhães Perícia IML DETRAN CIRETRAN vinculado à 2ª DRPC de Guanhães. IDENTIFICAÇÃO 1ª DRPC de Santa Luzia. Figura 22: Serviços de apoio da PCMG, em dezembro de 2014. Fonte: Processo n°002202105.2014.8.13.0175/0175.14.002202-1 de 12/12/2014. Legenda: APDF (Auto de Prisão em Flagrante Delito); DRPC (Delegacia Regional da Polícia Civil); CIRETRAN (Circunscrição Regional de Trânsito). O prédio da Delegacia de Polícia de Conceição do Mato Dentro, que englobava a cadeia pública, foi interditado judicialmente, motivo pelo qual os presos da comarca são encaminhados para a cadeia de Jaboticatubas, que dista 120 km de Conceição, o que demanda, no mínimo, 5 horas de deslocamento (Informação retirada do Processo n° 0022021-05.2014.8.13.0175/0175.14.002202-1 de 12/12/2014). Para um entrevistado da Polícia Civil, o contato de traficantes da região com outros traficantes em cadeias da Região Metropolitana de Belo Horizonte aumenta a rede de informação e a periculosidade dos criminosos: Para ajudar nesse quadro desastroso, a cadeia pública de Conceição do Mato Dentro foi impedida de ter preso em 2011. A gente tinha uma população aí de uns 40 presos [...]. Esses presos, quando interditou a cadeia, eles foram transferidos para diversas cadeias no estado de Minas Gerais. [...] Boa parte desses presos foram condenações por tráfico de drogas [...] esses presos nossos foram “fazer faculdade” em Ribeirão, em Belo Horizonte e num monte de lugar... Em geral, eram primeiras condenações, [...] réus primários [...], aí ele fica ali dois anos, um ano e meio, dois anos e pouco [...] Eles saíram em 2013, no auge da mineração eles chegaram aqui e encontraram um mercado espetacular para vender droga. Fizeram contato lá e a droga passou a vir de grandes centros, aumentaram sua periculosidade (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). 64 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Após o horário de expediente da Delegacia de Polícia e nos finais de semana, os presos não são conduzidos para a Cadeia de Jaboticatubas, mas para a Regional de Santa Luzia. De acordo com a PCMG de Conceição do Mato Dentro, em decorrência do número limitado de policiais militares, para atender demandas administrativas e operacionais, 24 horas por dia, quando é realizada condução de presos, não é possível atender “a qualquer acionamento policial”, como explica o trecho a seguir: Em casos de flagrante delito, após horário de expediente da Delegacia de Polícia e nos finais de semana, como há necessidade de deslocamento para Regional de Santa Luzia, a cidade de Conceição do Mato Dentro conta com apenas um militar de plantão no Quartel, sem que haja condições de atender a qualquer acionamento policial até o retorno da guarnição de serviço. Vale ressaltar que a distância de Conceição do Mato Dentro até a sede da Delegacia Regional de Santa Luzia é de aproximadamente 180 km, totalizando 360 km de ida e volta, o que demanda aproximadamente 6 horas de deslocamento. Além do tempo de movimentação das viaturas policiais, há ainda o lapso temporal de espera dos policiais militares para conclusão do flagrante, o que geralmente é considerável devido à estrutura pouco adequada da Delegacia Regional de Santa Luzia (Trecho retirado de documento concedido pela PCMG de Conceição do Mato Dentro. Processo n°002202105.2014.8.13.0175/0175.14.002202-1 de 12/12/2014). Conforme mencionado no trecho acima, em caso de deslocamento para Santa Luzia, a polícia local não tem como atender ocorrência, “porque o quartel não pode ficar sozinho” (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Em função do pequeno efetivo policial e do aumento da população local, “houve notório acréscimo pela demanda dos serviços da Polícia Civil que se vê obrigada a dar apoio à Polícia Militar” (Trecho retirado de documento concedido pela PCMG de Conceição do Mato Dentro. Processo n°002202105.2014.8.13.0175/0175.14.002202-1 de 12/12/2014). Além disso, as unidades da polícia militar nas comarcas, em função do reduzido efetivo, “ficam boa parte do dia trancadas, sem funcionamento, o que inviabiliza, muitas vezes, que a população tenha acesso aos serviços de segurança pública” (Trecho retirado de documento concedido pela PCMG de Conceição do Mato Dentro. Processo n°0022021-05.2014.8.13.0175/0175.14.002202-1 de 12/12/2014). Situação 65 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] também destacada pelo entrevistado da Polícia Civil para o quartel de Conceição do Mato Dentro: “a PM não consegue vigiar um quartel com o número de policiais que ela tem. Tem dia que você vai lá, o quartel está fechado, de madrugada, muito cedinho...” (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Como consequência, tem-se uma sub-representação dos crimes, pois muitos crimes não são registrados (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Segundo um policial civil, em geral, os homicídios, mesmo que com atraso, são registrados, mas muitos furtos e estupros não são registrados: “[...] então na verdade o número que vocês têm aí, vocês podem multiplicar por alguma coisa. [...] O subregistro e a subnotificação do crime ela é absurda” (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Ainda conforme um entrevistado da PCMG, o fato do município ter recebido milhares de trabalhadores originários de várias partes do país e do mundo dificulta a realização de trabalhos investigativos da PCMG, já que as papilas digitais não são reconhecidas nos registros da polícia de Minas Gerais (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). A PCMG conta com somente uma viatura e uma moto em funcionamento, uma vez que dois carros se encontravam na oficina e uma caminhonete estava estragada (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Tal situação prejudica o deslocamento da polícia, agravado, ainda, pela própria extensão do território municipal, que impossibilita, dependendo da localidade, um rápido deslocamento (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). A PMMG de Conceição do Mato Dentro possui somente 4 viaturas em Conceição do Mato Dentro e 2 viaturas nos demais municípios atendidos pela comarca (Entrevista com policial militar, PMMG Conceição do Mato Dentro, março de 2015). A falta de efetivo policial, de estrutura e a sobrecarga de trabalho, eleva o stress dos policiais, ocasionando doenças e a necessidade de medicação para suportar as condições de trabalho: “Nenhum policial quer ficar aqui [...], você não consegue 66 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] atender. Você sai na rua, a culpa dos crimes tudo é sua. Você que é incompetente” (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Para sanar o aumento da violência, expressa no crescimento do número de assaltos e homicídios, a Prefeitura implantará 54 câmeras de segurança em vários pontos da cidade (JORNAL DEFATO ONLINE, em 01/03/2015),26 um sistema de monitoramento chamado pelos entrevistados de “Olho Vivo” (Entrevista com policial militar, PMMG de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Na visão do policial militar entrevistado, em função do aumento dos furtos e dos arrombamentos, os comerciantes também devem “investir mais em segurança privada”, com implantação, por exemplo, de circuito de segurança interno (Entrevista com policial militar, PMMG Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Além das investigações criminais, a PCMG realiza expedição de carteira de identidade e de CRV’s: “Esses policiais que estão aqui não estão por conta de crime não, nós temos um departamento de trânsito aqui, que teve um aumentou consideravelmente do número de emplacamentos nos últimos anos e tem um setor de identificação, para fazer identidade...” (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Conforme o representante da PCMG, “a polícia está presa na delegacia, presa na burocracia e o crime rolando lá fora” (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). A figura a seguir mostra um crescimento de 156,36% de 2008 para 2014, do número de emissão de CRV’s: 26 JORNAL DEFATO ONLINE. Conceição do Mato Dentro terá 54 câmeras de segurança, em 01/03/2015. Disponível em: http://www.defatoonline.com.br/noticias/ultimas/01-03-2015/conceicao-do-matodentro-tera-54-cameras-de-seguranca. Acesso em: 4/03/2015. 67 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] ANO N°. CRV’S 2008 644 2009 768 2010 957 2011 1108 2012 1212 2013 1621 2014 1651 Figura 23: Número de CRV’S emitidos em Conceição do Mato Dentro. Fonte: PCMG, março de 2015. De acordo com o Cidade e Alteridade (2013, p. 44), [...] os crimes de trânsito se intensificaram em Conceição do Mato Dentro, principalmente, a partir de 2010. Os crimes mais comuns dessa natureza são: abalroamento com vítima, atropelamento, capotamento, colisão, omissão de socorro, conduzir veículo sob influência de álcool ou outras substâncias e a falta de habilitação/permissão para dirigir. Os entrevistados também relataram o aumento do fluxo de veículos no município: “O trânsito está muito pesado. É carro passando sem parar” (Entrevista com moradora U., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Alterou tudo com a mineração, se quisesse podia deitar no asfalto que não passava carro, hoje não pode mais. O movimento aumentou demais” (Entrevista com moradora H., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O aumento do fluxo de veículos modifica a rotina de seus moradores, gerando diversos transtornos, como retratam as entrevistas: “Como o trânsito está intenso tem que sair mais cedo para trabalhar, é pare e siga, é obras... Carretas enormes que passam na cidade e já derrubaram fios...” (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Tem hora que parece que você está na Avenida Afonso Pena, tamanho o movimento, o engarrafamento chega perto da porta da minha casa” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Outros incômodos devem-se ao aumento do barulho e à falta de estacionamento: “De madrugada não dormem mais, em função do movimento de veículos” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato 68 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Dentro, março de 2015). “O barulho dos carros é muito grande, a frota aumentou muito” (Entrevista com moradora D., Conceição do Mato Dentro, março de 2015) “Hoje é difícil sair de casa de carro, porque não há lugar para estacionar, tem que ficar rodando, procurando uma vaguinha” (Entrevista com moradora V., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Como menciona uma moradora, o fluxo intenso de veículos também dificulta a travessia dos pedestres, gerando medo pelo risco de atropelamentos: “Para atravessar a rua agora demora, carros passando na rua da gente, em alta velocidade. Dá medo de carro atropelar, não estou saindo mais na rua” (Entrevista com morador G., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Corroborando essa visão, outra moradora afirma: “O trânsito está perigoso, tem bastante veículo, a cidade não comporta mais não... Pela ânsia do minério, salve-se quem puder” (Entrevista com moradora R., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O intenso fluxo de veículos também impede o uso lúdico da rua pelas crianças, prática recorrente em cidades do interior de Minas Gerais. Ao mesmo tempo em que exige da família cuidados redobrados em função do risco de atropelamento, como retratam os trechos na sequência: “Os netos iam para a escola sozinhos, hoje não podem ir mais. Tem que levar na porta as crianças, por causa do movimento de veículos e de pessoas de fora. Já meus filhos foram criados correndo para todo lado” (Entrevista com moradora D., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Já aconteceu atropelamento de criança de 3 anos de idade, saindo de escola particular, indo entrar na van” (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Os veículos da Anglo American e das empresas terceirizadas transitam normalmente dentro da cidade. De acordo com relatório elaborado pela equipe do Cidade e Alteridade (2013): Alguns relatos de moradores locais confirmam que as “caminhonetes da empresa” andam em alta velocidade, colocando em risco a vida dos transeuntes e de outros motoristas. Nas localidades do Beco e de Água Quente, por exemplo, foi mencionado acidentes que ocorreram nas estradas vicinais, envolvendo moradores de motocicletas e os 69 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] carros da empresa (Entrevistas com moradores locais, Julho de 2013 apud CIDADE E ALTERIDADE, 2013, p. 45) Situação essa também confirmada pelo Promotor de Justiça: No período da instalação, onde o movimento de caminhões pesados era enorme, haviam muitas reclamações decorrentes da poeira, de caminhões andando em comboio, falta de respeito aos pedestres, transeuntes, cavaleiros, porque o transporte à cavalo era muito utilizado. Então a gente ouvia muita reclamação com base nisso, com base na poeira gerada por esse tráfego pesado [...] (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). No ano de 2013, Conceição do Mato Dentro figurou no 8º lugar na pontuação do ICMS Cultural do Estado de Minas Gerais (CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO, 2014). A área urbana do município possui muitas construções coloniais e igrejas barrocas, que podem sofrer danos em função do trânsito intenso de veículos pesados. Os moradores relataram prejuízos à estrutura das casas, cujas fachadas encontram-se próximas à rua, algumas construções bem “antigas”: “Moro numa casa antiga, e o alicerce embaixo do assoalho está soltando, por causa do fluxo de veículos pesados. Isso tem abalado as casas. As pedras estão soltas embaixo do assoalho. Eu tive que trocar o assoalho todo, porque senão a casa cairia se eu não trocasse” (Entrevista com moradora U., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “As casas estão trincadas de tanto passar carro pesado, muito movimento... Minha casa é nova. Imagina essa Igreja que é velha... [referindo-se a Igreja Nossa Senhora do Rosário, localizada próxima à casa da entrevistada]” (Entrevista com moradora D., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Muita poeira, trinca nas casas, porque as casas aqui são mais próximas ao meio fio” (Entrevista com moradora E., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O movimento de carro é grande, de máquinas pesadas... Eu precisei reformar a casa, porque tinha rachaduras enormes. A casa aqui é adobe e pau a pique, na frente é tijolinho. Abala mesmo. As casas são antigas, próximo à rua, até a igreja [se referindo a Igreja Nossa Senhora do Rosário, localizada próxima à casa da entrevistada] sofre com as rachaduras pelo trânsito intenso e de máquinas pesadas (Entrevista com moradora A., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). 70 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Em decorrência do intenso trânsito de veículos pesados, as estradas do município foram depredadas, implicando em gastos constantes com manutenção: As estradas aqui são da década de 50, carreta com 80 toneladas, 10 pneus, a estrada não suporta esse tipo de veículo. Daí se gasta 40 milhões para asfaltar a estrada, depois mais 120 milhões só reparando e molhando... São gastos que não tem fim. E com um transtorno enorme para a população (Entrevista com funcionário da Emater de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O Secretário de Agricultura também menciona os prejuízos aos calçamentos das ruas da cidade, que não foram planejadas para suportar o fluxo intenso de veículos pesados: “Tínhamos uma cultura de interior, não tinha esse movimento de carro todo. Tinha dia que era 15, 20 carretas por dia, em função da mineração. Calçamento que foi feito para passar carro, para passar um ou outro caminhão, não aguenta. Vai estourando a cidade” (Entrevista com Secretário de Agricultura da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). De acordo com os entrevistados, as ruas encontram-se “esburacadas”: “A cidade está esburacada, com muitas obras, ruas estragadas por causa de caminhões pesados que circulam dentro da cidade” (Entrevista com funcionária da Secretária de Turismo da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “A cidade está horrorosa. Está jogada, uma buracada, está uma feiura. Entra e sai prefeito e fica a mesma coisa...” (Entrevista com moradora G., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “As ruas estão horríveis, esburacadas. A cidade está feia” (Entrevista com moradora O., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Segundo o Secretário de Meio Ambiente, os veículos pesados transitavam dentro da cidade, uma vez que “não tinha um anel rodoviário e a MG010 não estava pavimentada” (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Para o Secretário, as questões do trânsito de veículos pesados dentro da cidade e a segurança pública ainda não foram solucionadas: “A questão do anel rodoviário que é necessário e da segurança pública não tiveram solução até agora” (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). 71 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Para realização de melhorias nas vias, para pavimentação e drenagem, a cidade de Conceição do Mato Dentro tem se tornado um grande “canteiro de obras”, como menciona o Secretário de Meio Ambiente (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). A funcionária da Secretária de Turismo atesta que “muitas das obras nas vias são uma consequência do fluxo de veículos pesados da mineração” (Entrevista com funcionária da Secretaria de Turismo da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). As obras da Avenida JK, uma das principais avenidas da cidade, tem causado muito transtorno para a população de Conceição do Mato Dentro, como o aumento da poeira: “A poeira em função das obras está impossível. Já abriram essa via [Avenida JK] 3 vezes. Tampa, abre, tampa, abre” (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015) (vide Figura 24). A prefeitura molha por causa da poeira e vira uma lama. A casa precisa ficar fechada. É esgoto que desce com água da chuva, porque os bueiros não suportam. É um mal cheiro que ninguém suporta. Estão mexendo há tanto tempo. É uma falta de respeito com a gente essa obra que não acaba mais. Está todo mundo irritado com essa avenida (Entrevista com moradora F., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). 72 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 24: Obras na Avenida JK, Conceição do Mato Dentro-MG. Fonte: Trabalho de campo da equipe do Cidade e Alteridade, março de 2015. Para além das obras, os moradores indicam que os veículos que circulam tanto na área da mineração quando no interior da cidade também contribuem para o aumento da poeira: “A poeira é consequência também dos buracos da firma, aí da Anglo. É muito estrago nas vias em função de veículos pesados. É uma poeira vermelha, de obra, de carro sujo... Os carros da Anglo vêm sujos deixando poeira e lama para a rua afora” (Entrevista com moradora U., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “A poeira vem da mineradora. Nem chuva está lavando. Só tem lama, quando não é lama, é pó, terra que vem da mineração, vermelha, misturada com preto do pó de minério. A cidade virou um pó só” (Entrevista com moradora V., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “A cidade ficou muito suja. Não teremos nossa cidade como era antes, a poeira está por toda parte. A cidade ficou vermelha, suja, feia” (Entrevista com moradora F., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “As ruas estão muito estragadas. Quando não é poeira, é lama” (Entrevista com moradora R., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). As obras pela cidade aumentaram a desordem do trânsito, contribuindo para a sensação de “caos urbano” vivenciada cotidianamente pelos moradores de Conceição 73 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] do Mato Dentro (vide Figura 25). Como menciona uma moradora, “as obras atrapalham o ambiente da cidade” (Entrevista com moradora M., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Assim, a ideia de “caos” foi recorrente na fala dos entrevistados ao se referirem ao trânsito e à cidade: “A cidade está um caos, o trânsito está complicado” (Entrevista com moradora S., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “O trânsito ficou um caos, há um fluxo intenso de carros” (Entrevista com representante do CEFORM, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “A cidade recebeu o impacto de repente e não estava preparada para isso. O trânsito é um caos, aumentou consideravelmente o número de veículos” (Entrevista com morador N., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Figura 25: Avenida Getúlio Vargas, Conceição do Mato Dentro-MG. Fluxo intenso ônibus e caminhonetes de empresas. Fonte: Trabalho de campo da equipe do Cidade e Alteridade, março de 2015. 2.6 Convênios entre a Prefeitura de Conceição do Mato Dentro e a Anglo American Conforme informações da Prefeitura Municipal de Conceição do Mato Dentro, fornecidas em março de 2015, os convênios firmados entre a atual gestão pública e a Anglo American resultaram nas seguintes obras: reforma da Escola João Lima (concluído); construção da Ponte Fazenda Paulista (concluído); construção da Ponte Antônio Cego (concluído); construção da Ponte José Tomé (concluído); calçamento no distrito Santo Antônio do Cruzeiro (em andamento); drenagem e pavimentação da Rua 74 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Costa Sena (em andamento); sarjeta e pavimentação no distrito de Córregos (em andamento); construção de passarela Inhá Lina (em andamento); construção de 30 casas populares (em andamento); construção da ponte do Saco Capitão Felizardo (concluída); drenagem e pavimento da rua Levi Costa (a iniciar); drenagem e pavimento da rua da Praia (a iniciar); drenagem e pavimento no distrito de Santo Antônio do Norte (concluído); pavimentação do centro histórico (em andamento); pavimentação da rua Desembargador César (concluída); drenagem e pavimentação da Rua Soares Pacheco (concluída); drenagem e pavimentação da rua José Ponto Fernandes (a iniciar); drenagem e pavimentação da rua Aureliano Chaves (a licitar); drenagem e pavimentação da Vila Caetano (licitado, aguarda aditivo da Anglo); e construção da Vila Militar (concluído). Entretanto, os convênios firmados entre a Prefeitura e a Anglo American não tem sido suficiente para amenizar as consequências negativas do aumento da demanda sobre a infraestrutura pública existente. Como menciona o Promotor de Justiça: “as contrapartidas [da Anglo American] não foram bem executadas, não foram bem planejadas, não foram bem implementadas ao ponto de minimizar ou de adequar a oferta à demanda” (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Nesse quadro, o empreendimento imputa ao município e ao Estado, “a responsabilidade pelos transtornos, justamente porque seriam estes entes os tutores da saúde, da segurança e do planejamento territorial” (CIDADE E ALTERIDADE, 2013, p. 50). Na visão do Promotor de Justiça, as medidas compensatórias e mitigadoras que a Anglo American: se propõe no início da chegada do empreendimento, que são programas que vem na verdade para reforçar as políticas públicas, seja para criança e para o adolescente, seja para mulher, seja para idoso, seja na questão da segurança, seja na questão da mobilidade, e aí tem outras questões aí relacionadas à assistência social, elas foram muito pouco efetivas [...] A gente não vê essas políticas públicas que teoricamente são responsabilidade da administração pública, do Estado, mas que nesse caso a empresa se propõe a implementar, haja vista que ela vai trazer muitas pessoas para cá, que ela vai mudar a realidade socioeconômica completamente. A gente não viu essas políticas acontecendo (Entrevista com Promotor 75 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Na visão do Secretário de Meio Ambiente, as ações de mitigação e compensação “não foram executadas ou foram executadas fora do prazo” (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Logo, há um lapso temporal entre os impactos provocados pelo empreendimento e as políticas públicas adotadas para minimizá-los: “Tem a chegada de muitas pessoas [trabalhadores], muda a realidade [...] dessas pessoas [população local] e as políticas públicas não vem acompanhando” (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Como resultado, tem-se “a adoção imediatista e desproporcional de medidas mitigadoras que se apresentam mais como medidas corretivas, dado o caráter de urgência e, portanto, tardio em que são aplicadas” (CIDADE E ALTERIDADE, 2013, p. 50). O Secretário de Meio Ambiente relatou que a prefeitura tem enfrentado problemas financeiros, uma vez que “o ISS está lá embaixo e o CFEM segue com tímido crescimento” (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Ainda conforme o Secretário, a prefeitura vem enfrentando dificuldades para arcar com a folha de pagamento dos funcionários, cujo corpo técnico precisou crescer em função da própria demanda da Anglo American: Inchamos a máquina, precisamos pagar folha de pagamento dos funcionários. O custo da folha de pagamento, dos técnicos, necessários em função do próprio empreendimento, é alta. A Anglo preenche as nossas agendas, se deixar, nós trabalhamos para a Anglo em tempo integral (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). De acordo com o Promotor de Justiça, concedida a Licença de Operação, concluída a fase de implantação do empreendimento, período visto como de maior geração de impactos, a empresa já não “quer repactuar”, com o discurso de que “o município tem que andar com as próprias pernas”: E se bota muito a ficha na CFEM. Hoje a empresa sai de campo, ela não quer repactuar. Ela entende que o impacto que ela gerou foi na instalação e agora o município tem que andar com as próprias pernas 76 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] porque a empresa está gerando esses royalties de minério [...] (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Nesse contexto, o próprio Secretário de Meio Ambiente afirma que a prefeitura se tornou dependente da mineração para geração de recursos. Este cenário torna o município vulnerável às oscilações de preços do minério de ferro, conforme demanda internacional, implicando em sua subordinação ao mercado globalizado de commodities. 2.7 Mudança social e a relação dos moradores locais com os trabalhadores imigrantes A mineração em Conceição do Mato Dentro conduziu a uma transformação da realidade social da população local, operando mudanças culturais e no comportamento das pessoas. De acordo com os entrevistados, a cidade não possuía infraestrutura e equipamentos públicos para receber um empreendimento minerário de tal porte. Nesse contexto, foi recorrente, na fala dos entrevistados, a comparação entre a “antiga” Conceição do Mato Dentro, “tranquila”, e a realidade atual do município, marcada pela chegada de trabalhadores imigrantes e pela insegurança: “Tenho saudade da Conceição antiga. Tudo tranquilo, hoje não pode mais dormir com a janela aberta, nem de dia. Era uma vez Conceição...” (Entrevista com moradora R., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “É uma movimentação de gente, um aborrecimento... Morei num lugar tranquilo a vida inteira, mas hoje é esse barulhão, essa confusão de gente” (Entrevista com morador D., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Antigamente era mais tranquilo, povoou muito e isso não deixa de causar tumulto” (Entrevista com moradora M., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Ao recordar de como era Conceição do Mato Dentro antes da mineração, uma moradora expressa a sua contrariedade com as mudanças vivenciadas no município: “Era tranquilo, gostoso, silencioso antes da mineração. Fiquei tão assustada com as mudanças da cidade que dá vontade de ir embora e não voltar mais aqui” (Entrevista com moradora J., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). 77 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Vários moradores disseram que Conceição do Mato Dentro “acabou” ou “já não é mais a mesma”: “Conceição acabou. A Conceição que a gente tinha não tem mais. Junto com a água, foi-se o sossego, veio a prostituição e as drogas” (Entrevista com moradora D., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “A cidade acabou, mudou completamente. Minha família que passou um ano sem vir aqui estranhou muito” (Entrevista com moradora V., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “A cidade já não é a mesma. A cidade está assim... feia, não vemos quando essa cidade voltará ao normal” (Entrevista com representante do CEFORM, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Evidencia-se, assim, um estranhamento dos moradores locais em relação a sua própria cidade: “Não era mais Conceição, o mundo todo estava aqui, gente de outros estados, até de outros países... Conceição acabou” (Entrevista com representante do CEFORM, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). A relação dos moradores locais com os trabalhadores imigrantes são relações sociais complexas e não homogêneas. Como explicita a moradora S., “alguns se relacionam com o pessoal de firma, já outros têm até birra, por causa da mudança na cidade” (Entrevista com moradora S., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). A relação, portanto, é por vezes de “aceitação”, por vezes de “rejeição”, como analisa uma moradora: “A relação com os trabalhadores era de aceitação e rejeição, houve esses dois sentimentos. Alguns pensam, ‘o que que esse povo está chegando aqui?’, ‘estão tomando o meu espaço’, outros vão dizer ‘ai que bom, que diferente’” (Entrevista com representante do CEFORM, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). A relação dos moradores com os “trabalhadores de firma” encontra-se, em grande medida, marcada pelas consequências negativas oriundas da depreciação dos serviços públicos e da infraestrutura urbana em função do aumento populacional. Segundo o Promotor de Justiça, até a “padronização por uniforme” causava “um efeito visual psicológico meio desgastante”, parecia “um grande campo de concentração” (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). 78 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Nesse quadro, observa-se que a maioria dos entrevistados afirmou manter uma relação distante com os trabalhadores imigrantes: “É eles para lá e os de Conceição pra cá. Os trabalhadores não se entrosam com os daqui, estão mais para trabalhar mesmo. [...]” (Entrevista com moradora V., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Esse distanciamento, não raro, decorre do “medo” e da “desconfiança”, por parte, principalmente, das mulheres: “A relação é o mínimo possível. A gente tem medo, principalmente nós mulheres, de ser amigo. Na rua quando vem dois homens, já mudo de lado. Eles têm uma mania de andar de duplas, trios, sempre em bando, a gente reconhece por isso, são de firma, sempre em bando...” (Entrevista com moradora E., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Depende do tipo de trabalhador. Mas evito ter relacionamento próximo com eles, é bom dia e boa tarde. Não dá para confiar, não sabemos de onde vieram, qual o interesse deles, não sabemos...” (Entrevista com moradora S., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Não tive relação com trabalhadores de firma. É um povo esquisito, mas alguns são até muito educados” (Entrevista com moradora G., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). No âmbito de uma relação marcada pela insegurança, uma moradora questiona: “Será que a mineração pede atestado de boa conduta para contratar? Não sei. Mas eu acho que é assim: ‘o seu passado pouco me importa eu quero é produzir’” (Entrevista com moradora A., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Ainda segundo um entrevistado, os trabalhadores imigrantes não frequentam a casa dos moradores locais: “Não é gente [referindo-se aos trabalhadores imigrantes] que frequenta as casas do pessoal daqui” (Entrevista com morador Z., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Como menciona o Promotor de Justiça, trata-se de um “grupo muito grande, de pessoas até então desconhecidas da comunidade. Muitas vezes sem um compromisso com a sociedade local, até mesmo pela vida errante que eles levam [...], cada hora num lugar” (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Alguns entrevistados relataram o desrespeito de trabalhadores com mulheres na cidade, manifesta, por exemplo, em “cantadas” e insinuações: “Sou divorciada, às vezes eles ficavam sabendo e jogavam umas cantadas, umas piadinhas” (Entrevista 79 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] com moradora S., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Estava vindo da caminhada e alguns homens mexeram comigo ‘o coroa gostosa!’. Passavam até a mão nas mulheres na rua, se deixasse” (Entrevista com moradora U., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “As mulheres não podiam sair na rua por causa dos peões. Tinha hora que tinha 300 homens pra rua afora. E eles metiam as caras, até com mulher casada” (Entrevista com morador Z., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Final de semana, sábado, fretavam o ônibus para Conceição do Mato Dentro. A cidade ficava intransitável de tantos homens das empresas, ficava tudo tomado, não dava nem para passar. Eram blocos de homens, era uns 50 homens juntos. Blocos de homens pelas ruas, ônibus parados. Mexiam com as mulheres até com a gente, mulheres mais velhas, da religião. Agora não está mais assim, mas vivemos isso em anos anteriores (Entrevista com representante do CEFORM, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Nos finais de semana os trabalhadores dos alojamentos que se localizavam na área rural iam para a cidade em busca de lazer e para fazer compras. De acordo com uma moradora: Fins de semana tem bêbado para tudo quanto é canto pela cidade. Tinha que ter algo para lazer dentro da cidade. Aonde que eles vão? Boteco pra beber. Beber para quê? Para escornar. Eles [os trabalhadores] vêm final de semana fazer compra. Supermercado final de semana acaba tudo, procura as coisas e não acha (Entrevista com moradora J., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Em função da movimentação de trabalhadores no domingo, “todo mundo que queria ir à padaria em Conceição ia no sábado, porque era um índice de alcoolismo, era uma coisa terrível, ninguém se sentia seguro para ir à padaria” (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Ainda conforme a entrevistada, as funcionárias dos estabelecimentos comerciais que abriam no domingo “ficavam morrendo de medo de trabalhar”, “eram assediadas, era muito complicado” (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Para o Promotor de Justiça: 80 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] [...] as pessoas se queixavam muito da falta de segurança, as pessoas se queixavam muito de intranquilidade, algazarra, né? Chegava o fim de semana, esses operários nas suas horas de lazer, de folga, sei lá, iam para um bar, fazer um consumo exagerado de bebida alcoólica, as crianças e as mulheres que andavam livres e soltas num ambiente que até então era de paz e tranquilidade, passaram a ficar temerosas, de sofrer algum tipo de violência, seja física ou psicológica, alguma coisa assim, um constrangimento (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). A moradora P., afirma que na república de trabalhadores existente ao lado da casa de sua mãe, eram frequentes as ameaças de que “iriam colocar fogo” no alojamento: “Minha irmã por várias noites ficou sem dormir porque os funcionários passavam e falavam que ia colocar fogo” (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Como elucida a entrevistada: “as vezes o nível de descontentamento dos funcionários com a empresa era tão grande que fazia com que as pessoas se sentissem ameaçadas” (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). De acordo com os entrevistados, os bares e restaurantes encontravam-se sempre cheios de “trabalhadores de firma”. Como consequência, tem-se uma modificação, inclusive, no lazer dos moradores locais: “Mudou tudo, a cultura, o entretenimento. Hoje, no lazer, na cultura, diminuiu o povo daqui e aumentou o povo de fora. As pessoas ficam esmorecidas de ir” (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Nos bares ninguém conhecia mais ninguém e as pessoas não se sentiam mais à vontade. [...] Os botequeiros de Conceição do Mato Dentro passaram a ficar mais dentro de casa” (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). A chegada dos trabalhadores imigrantes foi percebida pelos moradores, em certa medida, como uma “invasão”: “A cidade ficou invadida de trabalhadores” (Entrevista com moradora E., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “A cidade foi invadida, mas não foi preparada para isso” (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Os moradores que residiam próximos às casas utilizadas como alojamento também sofriam com a perturbação do sossego decorrente de brigas ou festas nas 81 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] repúblicas de trabalhadores. Conta uma moradora que ela já chegou “a chamar a polícia por causa de briga em república” (Entrevista com moradora S., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Ainda segundo a moradora, as brigas “eram sempre por causa de mulher daqui, brigavam entre eles porque se envolviam com mulher de Conceição” (Entrevista com moradora S., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Uma das conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato Dentro, que residia próxima a uma casa alugada para trabalhadores, afirma que frequentemente promoviam “algazarras” e “festas” no local, perturbando o sono e o sossego de sua família (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Outra moradora explicita experiência similar, afirmando que ela e seu vizinho já acionaram a polícia várias vezes em função das festas que aconteciam numa república de trabalhadores próxima (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Comenta a moradora que, certa vez, seu vizinho “não suportou e pegou uma pedra e jogou no telhado da casa [de trabalhadores]. Ele já tinha feito tudo o que podia, já tinha ligado para a polícia. Era a terceira noite de som, de conversa fiada, de coisa que não era suportável” (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Segundo um policial militar, os acionamentos decorrentes de “perturbação do sossego por causa das repúblicas” eram frequentes, embora hoje com a desmobilização dos trabalhadores, não haja “mais tanta república” (Entrevista com policial militar, PMMG de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Contexto também esclarecido pelo Promotor de Justiça: [...] naquela jornada exaustiva, cheia de regras, quando chega o fim de semana, a família dele [do trabalhador] espalhada aí pelo nordeste, pelo norte, o cara vem aqui mais para tentar fazer um pé de meia, mas aí ele [o trabalhador] bebia muito, ele fazia algazarra, ele não respeitava a população e haviam muitas reclamações e isso diminuiu bastante por causa do fim da implantação, diminuiu muito, hoje quase não existem repúblicas [...] (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Para uma entrevistada, os moradores dos núcleos rurais, onde se localizavam os alojamentos de trabalhadores “fora da cidade”, também se sentiram “ameaçados 82 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] pela presença de trabalhadores em bloco” (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Assim, verifica-se uma relação de apreensão e medo entre a comunidade de Beco e os trabalhadores dos alojamentos construídos próximos à Rodovia MG-010, em área adjacente à estrada de acesso à comunidade: Pelos depoimentos dos moradores, os operários circulam por essas vias e, inclusive à noite, ficam “pendurados” sobre cada estaca de cerca que margeia a estrada vicinal de acesso ao Beco, procurando sinal para os celulares, o que intimida até mesmo os homens da comunidade que precisam passar pela estrada. Todos têm medo e não deixam suas filhas e esposas andarem sozinhas na região (Entrevistas realizadas em Julho de 2013) (CIDADE E ALTERIDADE, 2013, p. 37). Lado outro, alguns entrevistados avaliaram a relação com os trabalhadores imigrantes a partir da hospitalidade dos conceicionenses: “O povo de Conceição é muito hospitaleiro, a ponto de dar referência, informação para o pessoal de fora alugar casa” (Entrevista com moradora A., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Entretanto, mesmo reafirmando essa hospitalidade dos moradores de Conceição, alguns entrevistados não deixaram de mencionar certo “mal-estar” que permeia a relação: “O povo de Conceição é muito receptivo. Mas teve um mal-estar sim, é um povo esquisito, parece que vinha até ex-presidiário, gente do Brasil inteiro, do Nordeste, do Norte, Ceará, Piauí, Maranhão, gente de todos os estados. Esse boom já passou, graças a Deus” (Entrevista com morador R., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Para outra entrevistada: “O pessoal daqui é muito acolhedor, trata as pessoas bem. Mas o povo de firma não mistura com as pessoas daqui, é tudo separado. Não conhecemos eles e eles não conhecem a gente. Eu nunca conversei com ninguém de fora (Entrevista com moradora R., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). De acordo com a Secretária de Educação, “os trabalhadores são orientados para serem profissionais, para não abordarem ninguém na rua, manterem uma conduta” (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Ainda conforme a Secretária, atualmente, com a desmobilização dos trabalhadores, “eles ficam mais fora da cidade, frequentam mais 83 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] as áreas periféricas da cidade onde residem, alugam casas” (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Reiterando essa perspectiva, uma moradora afirma que “cada um fica na sua”, os trabalhadores “são treinados para isso”, uma vez que “são muito vigiados” pelas empresas e “não podem fazer bagunça” (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Outro fator, na visão desta moradora, que contribui para que “cada um fique na sua”, deve-se à rotina de trabalho e a diferença cultural: “Os trabalhadores vieram de região tão diferentes, eles não fizeram amizade aqui não. Dá hora que sai para trabalhar e volta. Não dá para fazer amizade não” (Entrevista com moradora L., Conceição de Mato Dentro, março de 2015). A Assistente Social da Prefeitura fornece sua percepção sobre a relação dos moradores de Conceição do Mato Dentro com o “outro”: “O pessoal de Conceição é meio arredio. Acolhem, mas primeiro tem que conhecer a pessoa. São arredios, é como se o outro fosse um intruso. É como se outro fosse um invasor. O estranho para eles não é bom [...]” (Entrevista com Assistente Social da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Há uma dificuldade de adaptação dos moradores de Conceição do Mato Dentro às mudanças vivenciadas na cidade que implicam também em novas relações sociais. A relação dos moradores de Conceição do Mato Dentro com os trabalhadores imigrantes envolve também alteridade. Como expõe uma entrevistada: Tivemos que nos abrir ao diferente, reaprender a viver com pessoas diferentes. Tinha gente de várias localidades, gente, por exemplo, do Norte com dificuldade de se adaptar à nossa cultura e nós também com dificuldades para nos adaptarmos com as mudanças na cidade (Entrevista com representante do CEFORM, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Nessa perspectiva, para alguns moradores não há porque culpabilizar os trabalhadores pelas mudanças na cidade: “A princípio tínhamos aquela visão preconceituosa: ‘os peões’. Mas temos que ver que são pessoas como a gente, tentando ganhar a vida, com seus problemas, dores, solidão, deixando os filhos para traz” (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Não 84 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] houve rejeição, o povo é hospitaleiro. Temos que enxergar a situação dos trabalhadores, eles não têm culpa da situação que vivemos. Morro de pena, a empresa não está nem aí e eles trabalhando de sol a sol nas obras [...]” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). 2.8 Condições de trabalho análogas à de escravo em Conceição do Mato Dentro 27 O MPT (Ministério Público do Trabalho) e o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) verificaram, nos anos de 2013 e 2014, a submissão de 358 trabalhadores da Anglo American e de empresas terceirizadas a condições de trabalho análogas à de escravo. As investigações tiveram início com a denúncia feita pela Comissão de Direitos Humanos na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, em 05/07/2013, na qual foi solicitado ao Ministério Público do Trabalho que averiguasse os alojamentos e as condições de trabalho no empreendimento Minas-Rio, da empresa Anglo American, especificamente em Conceição do Mato Dentro. Todo esse processo foi desencadeado pelo incêndio aos alojamentos pertencentes à empresa Montcalm, que abrigava 700 trabalhadores, em julho de 2013. O Incêndio foi provocado pelos próprios trabalhadores em protesto: “o regime de trabalho era semelhante à escravidão, os trabalhadores ficam confinados em campos de concentração. Não há quem suporte ficar confinado num campo de concentração [...] Houve uma explosão e isso foi uma reação” (Notas taquigráficas da 32ª Reunião Extraordinária da Comissão de Direitos Humanos, em 5/07/2013, IC nº 000840.2012.03.000/0, Anexo 1, p. 112). O episódio do incêndio dos alojamentos da Montcalm gerou medo nos moradores locais, que temiam que os trabalhadores também provocassem incêndios pela cidade, como mostram os seguintes relatos: Depois que colocaram fogo nos alojamentos eles falaram que iriam colocar fogo na cidade. E aí parte das pessoas que estavam no alojamento ficaram sem lugar e eles foram para Conceição. Pegaram 27 Este tópico foi elaborado a partir das informações adquiridas em trabalho de campo executado pela equipe do Cidade e Alteridade em março de 2015 e em consulta ao Inquérito Civil número 000840.2012.03.000/0, ofício 12, volumes 1 e 2 e anexos 1, 2 e 3 do Ministério Público do Trabalho (MPT-MG). 85 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] um ônibus e foram para Conceição e todo mundo [trabalhadores] tinha perdido, tinha perdido documento, várias pessoas tinham perdido tudo. [...] No posto de gasolina [da Avenida JK] fez uma trincheira, virou uma trincheira, assim ó... E a população morrendo de medo. Então em diversos momentos a população se sentiu muito ameaçada pela presença dos funcionários. Até por conta das inúmeras situações que foram ocorrendo, né? Então, nesse dia tinham, não sei quantos policiais e funcionários em Conceição. [...] Nesse dia, em Conceição, foi uma coisa tão absurda [...]. A funcionária ligou perguntando se podia fechar a loja. Todo mundo ali da região fechou, parou, todo mundo fechou, entendeu? (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O dia em que teve rebelião e colocaram fogo no alojamento, ameaçaram descer para cidade e destruir tudo. Os trabalhadores chegaram a descer para cá, com o colchão nas costas, mas a polícia conteve a situação e eles foram para outros alojamentos (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Com as fiscalizações realizadas, em novembro de 2013, o MPT constatou que 173 trabalhadores imigrantes, contratados da Diedro Construções e Serviços Ltda, empresa de construção civil terceirizada da Anglo American, encontravam-se submetidos à condições degradantes de trabalho e alojamento, caracterizando trabalho análogo à escravidão. Desses 173 trabalhadores, 100 eram haitianos (admitidos no Brasil em condição de refugiados) arregimentados no estado do Acre e 73 eram imigrantes aliciados na região Nordeste do país (a maioria em Sergipe e em menor medida no Ceará, em Pernambuco e Piauí) (MTP, 2014). Foram lavrados 114 autos de infração da Diedro Construções e Serviços Ltda, entre os quais podemos destacar: aliciamento de mão de obra (conforme artigo 207 do Código Penal); descumprimento da instrução normativa nº. 90/2011 (que dispõe sobre o recrutamento de trabalhadores urbanos e o seu transporte para localidade diversa de sua origem); condições degradantes de trabalho, especialmente em razão da situação verificada nos locais utilizados para alojamento e outras áreas de vivência; manter alojamento sem cobertura de proteção contra intempéries; deixar de dotar alojamentos de camas; deixar de garantir suprimento de água potável e fresca em quantidade mínima; retenção de documentos de trabalhadores (no caso dos haitianos), fato determinante para a sua permanência no local de trabalho (inciso II do § 1º do artigo 149 do Código Penal); a manutenção de empregado trabalhando sob 86 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] condições contrárias às disposições de proteção ao trabalho; a falta de segurança do local de trabalho e de equipamentos; manter empregado trabalhando em feriados nacionais e aos domingos sem permissão da autoridade competente; prorrogar a jornada normal de trabalho, além do limite legal de 2 horas diárias, sem qualquer justificativa legal; deixar de conceder período mínimo de 11 horas consecutivas para descanso entre duas jornadas de trabalho; deixar de conceder período de descanso semanal de 24 horas consecutivas; manter canteiro de obras sem local de refeições, lavanderia, área de lazer, ambulatório; admitir ou manter empregado sem o respectivo registro em livro, ficha ou sistema eletrônico competente; deixar de garantir a elaboração e a efetiva implementação do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional; inadequação do Programa de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Construção – PCMAT. No que concerne à segurança no trabalho foi lavrado termo de interdição, após ter sido constatada situação de risco grave e iminente, devido à possibilidade de acidentes no trabalho com lesão grave à integridade física dos trabalhadores, dada a inexistência/inadequação de proteções coletivas contra quedas de altura no canteiro de obras da Diedro. Consta, também, a existência de vários Boletins de Ocorrência, da Polícia Militar, emitidos em função de denúncias de trabalhadores, envolvendo a sua contratação através de intermediadores, não anotações de CTPS, falsas promessas relativas ao salário e às condições de alojamento, ameaças proferidas por seguranças da empresa e outros atos de violência em locais de alojamento (MTE, 2014, p. 12). Diante do exposto, no conjunto, verifica-se a caracterização da submissão dos trabalhadores à condição de escravo, especialmente na hipótese de trabalho degradante, tipificada no art. 149 do Código Penal (MTE, 2014). Conforme o artigo 149, do Código Penal, a redução à condição análoga à de escravo ocorre pela submissão do trabalhador a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva; pela sujeição a condições degradantes de trabalho; e pela restrição, por qualquer meio, da locomoção do trabalhador em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003). 87 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] O recrutamento dos 100 trabalhadores haitianos ocorreu sem o atendimento dos ditames legais, dentre eles a Instrução Normativa nº. 90 de 28/04/2011, que estabelece procedimentos a serem seguidos pelo empregador no processo de contratação e que são essenciais para que o recrutamento de trabalhadores seja feito não somente dentro da legalidade, mas com respeito aos direitos humanos (MTE, 2014, p. 11). Em desobediência à Instrução Normativa nº. 90, tanto no caso dos haitianos como no dos nordestinos, verifica-se o acometimento do tráfico de pessoas, previsto no art. 207, §1, do Código Penal (aliciamento de trabalhadores de um local para outro do território nacional). Ainda conforme depoimentos dos haitianos, embora a empresa no momento do recrutamento fornecesse a oportunidade de emprego como pedreiro, muitos foram contratados como servente, causando frustração e reduzindo os ganhos salariais: [...] apurou-se que a empresa Diedro prometera contratar como pedreiros aqueles que tinham conhecimento para tanto; contudo, posteriormente, as CTPS de vários deles foram anotadas como servente, sem ter lhes sido concedida a oportunidade de demonstrar seu ofício à empresa, em que pese a promessa feita (MTE, 2014, p. 42). O MTE também constatou o desrespeito ao intervalo interjornada, especialmente no caso dos trabalhadores haitianos. Assim, constatou-se que a empresa Diedro manteve diversos empregados trabalhando com jornada superior a 6 horas, sem lhes conceder o intervalo mínimo de 1 hora, e com jornada extraordinária, superior a 2 horas diárias, sem qualquer justificativa legal (MTP, 2014, p. 51 e p. 52). Ainda conforme o MTE (20014, p. 44), a Diedro celebrou contrato por prazo determinado de 90 dias e, portanto, em caso de rescisão antecipada pelo empregado, este estaria obrigado a indenizar o empregador, conforme artigo 480 da CLT.28 Entretanto, ao invés de explicar 28 Conforme o art. 480 da CLT: “Havendo termo estipulado, o empregado não se poderá desligar do contrato, sem justa causa, sob pena de ser obrigado a indenizar o empregador dos prejuízos que desse fato lhe resultarem. § 1º – A indenização, porém, não poderá exceder àquela a que teria direito o empregado em idênticas condições”. 88 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] [...] tal situação ao empregado, de acordo com a legislação vigente, a empresa Diedro preferiu impor o temor de que a rescisão do contrato de trabalho pelo obreiro dificultaria ou até inviabilizaria a sua recontratação por outro empregador, o que representava verdadeira coação psicológica (MTE, 2014, p. 45). As condições de habitação dos trabalhadores haitianos e nordestinos também desobedeciam às normas técnicas exigidas para alojamento e outras áreas de vivência, configurando a prática de diversas irregularidades, que, em seu conjunto, caracterizaram condições degradantes de trabalho (MTE, 2014, p. 45-46). A improvisação e a precariedade das condições de alojamento advêm em parte da utilização de imóveis unifamiliares enquanto áreas de vivência (alojamento, instalações sanitárias, lavanderia e área de lazer), “não projetadas para tal finalidade e sem qualquer projeto de reforma/adaptação”, configurando “condições degradantes de alojamento e, portanto, a submissão desses obreiros a condições de trabalho análogas às de escravo” (MTE, 2014, p. 8). O MTE enumera as condições degradantes dos imóveis improvisados como alojamentos, constatando: [...] as condições precárias de higiene e limpeza de todos os imóveis, determinando a exposição dos trabalhadores a uma precária condição sanitária e, portanto, a riscos biológicos; a sujidade das instalações sanitárias; a inadequação da área física dos cômodos utilizados como dormitórios, com comprometimento do arejamento, da circulação do ar e do conforto térmico, resultando em condições precárias de ventilação, com elevação do risco de ocorrência de doenças infectocontagiosas; a não disponibilização de quaisquer armários aos trabalhadores na casa e seu fornecimento em número insuficiente nos apartamentos, prejudicando sobremaneira a organização, a circulação, o arejamento e, especialmente, a limpeza e a higienização dos dormitórios; as irregularidades relativas às camas disponibilizadas [beliches], dando ensejo a acidentes (quedas) e comprometendo a qualidade do sono e do descanso; a improvisação de outras áreas de vivência sem atender aos requisitos técnicos ou sua inexistência, especificamente local para refeições, lavanderia, área de lazer e ambulatório; o não fornecimento de água potável, filtrada e fresca, expondo esses obreiros a agravos à saúde decorrentes do trabalho, em especial doenças infectocontagiosas (MTE, 2014, p. 46). Conforme o MTE (2014), 32 haitianos encontravam-se em uma casa, no bairro Brejo, de Conceição do Mato Dentro, o restante vivia em apartamentos num prédio no 89 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] bairro Cuiabá, ficando uma média de 12 trabalhadores por apartamento. Essas condições degradantes de trabalho e alojamento, raramente são percebidas pelos moradores locais, que são levados a acreditar que, apesar das condições de trabalho em Conceição do Mato Dentro, a situação desses trabalhadores no Brasil era melhor que no Haiti, como revelam os relatos na sequência: A Polícia Federal levou eles embora. [...] Ficaram um mês, estavam ilegal no país, vieram debaixo dos panos por isso a Polícia Federal levou eles. O salário lá no país deles era 200 reais, aqui eles ganham 800, 900 reais. Aqui era bom pra eles (Entrevista com morador Z., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Os haitianos ficaram um tempo, mas a polícia federal veio fiscalizar e viu que eles estavam mal acomodados e levaram eles embora. Mas parecia que eles estavam satisfeitos. A gente via eles sempre rindo, às vezes tomando uma cerveja (Entrevista com moradora S., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Lembro de ver os haitianos sentados e comendo próximo a Igreja do Rosário, deixavam os descartáveis por lá... Mas não pode falar dos haitianos, eles não tinha onde ficar direito, era uns coitados, nem ficaram na cidade, a polícia federal encaminhou eles para outro lugar (Entrevista com moradora L., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Próximo a minha casa hoje não tem república. Já teve uma república de haitianos. Eram 6 apartamentos, eles estavam muito mal acomodados, martirizados, mas mesmo assim uns não queriam ir embora. Eles pareciam satisfeitos (Entrevista com moradora D.Z., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Pelo relatório fiscal do MTE (2014), verifica-se a similaridade dos alojamentos dos nordestinos e dos trabalhadores haitianos, ou seja, locais improvisados enquanto alojamento, que não atendiam aos requisitos técnicos exigidos em norma, caracterizando, portanto, condições degradantes de alojamento (MTE, 2014, p. 65). Em uma das casas que serviam como alojamento, cinco trabalhadores nordestinos dormiam em colchões colocados diretamente no piso, sem qualquer condição de conforto e higiene, três deles no cômodo que deveria ser a cozinha (conforme Auto de Infração nº 202.714.781). 90 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] O MTE destaca a precariedade dos imóveis que serviam como alojamento, em péssimo estado de conservação, com portas e janelas quebradas, com buracos e frestas que comprometiam a vedação dos cômodos, com telhados danificados e/ou sem forro (MTE, 2014, p. 56-57). As instalações elétricas apresentavam-se em condições precárias, improvisadas e com risco de eventuais acidentes (MTE, 2014, p. 63). Ainda segundo o MTE, o número de quartos era inadequado para o número de trabalhadores alojados, com ventilação prejudicada em função da insuficiência ou ausência de janelas, não havia espaçamento entre os beliches e o espaço para circulação nos quartos era reduzido. Na casa onde residiam os 32 haitianos não havia quaisquer armários para os trabalhadores, e nos apartamentos o número de armários era insuficiente, o que prejudicava a limpeza e a higienização dos dormitórios. Na descrição dos banheiros, o MTE destaca o péssimo estado de conservação e higiene, sem divisória entre a área do chuveiro e a área do vaso, muitos sem lavatório e sem ventilação (sem janela ou com basculante minúsculo) (MTE, 2014, p. 59). Embora exista uma proibição de alojamentos de trabalhadores no interior da cidade de Conceição do Mato Dentro, tal vedação, como lembra o Promotor de Justiça, não foi respeitada: (...) a empresa [Anglo] não respeitou uma vedação que havia no licenciamento ambiental que era o de não alocar no meio urbano, na cidade, a mão de obra operacional. Que ia construir a obra. Então houve vários mini alojamentos ou repúblicas que foram montadas na cidade. Uma quantidade enorme de empregados que não deveriam ter sido alojados na cidade, foram alojados nas cidades. Eles deveriam estar nos alojamentos, mas isso não foi respeitado. E havia essa vedação (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Em 2015, com a desmobilização de trabalhadores decorrente do fim das obras de implantação, o número de repúblicas em Conceição do Mato Dentro reduziu consideravelmente (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Em trabalho de campo, foi possível entrevistar três trabalhadores alojados numa residência no bairro Brejo. Conforme os trabalhadores entrevistados, a casa já foi compartilhada por 19 trabalhadores, mas atualmente havia 91 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 12 pessoas no local, com uma infraestrutura de 5 quartos, 2 banheiros e uma cozinha (Entrevista com trabalhadores imigrantes, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Conforme os depoimentos dos trabalhadores para o MTE, a alimentação também não era preparada higienicamente, sendo, também, insuficiente: [...] que a empresa de manhã só dá um pão com manteiga e 1 copo de café com leite; que não pode repetir; que fica com fome até o meio dia; que o jantar é uma quentinha [...], que a comida não é boa, que as vezes vem com a carne meio estragada; que um colega [...] encontrou um bicho na comida, ficou muito bravo e mostrou a comida no escritório e depois pediu para sair porque não suportou as condições; que se soubesse antes as condições que encontraria aqui, não viria [...] (Depoimento de trabalhador em 5/11/13. MTE, 2014, p. 50). [...] que a alimentação não é boa, de manhã recebem apenas o pão com manteiga e o copo de café com leite; que no almoço, várias vezes, somente tem disponível arroz, feijão e carne; que a higiene do cozinheiro não é boa, suas mãos e braços são feridos [...] (Depoimento de trabalhador em 5/11/13. MTE, 2014, p. 50). Em entrevista realizada em março de 2015 pela equipe do Cidade e Alteridade, uma moradora também relatou as condições de alimentação no canteiro de obra: Tinha um menino R. [...]. Ele não dava conta de comer a comida lá. Então ele trabalhava por produção então [...], enquanto todo mundo ia almoçar ele continuava trabalhando e depois ele vinha a pé para casa por que não dava conta de comer a comida. Ele falava que [...] era muito conservante assim. Que [...] a comida era velha e que eles colocavam remédio para não estragar a comida [...]. E a descrição dele era isso, que não tinha jeito de comer a comida então que ele preferia trabalhar tudo e ir comer em casa. [...] E eles descreveram a alimentação, a inadequação da comida que era impraticável [...]. Muitas pessoas descreviam assim, bicho, algumas coisas na comida, nas marmitas (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O fornecimento de água potável, filtrada e fresca, conforme estipulado em norma, também não era garantido aos trabalhadores alojados nesses imóveis: [...] que não dispunham de bebedouro de jato inclinado [como previsto em norma], mas tão somente de filtros de cerâmica, um por unidade, alguns em precário estado de conservação e mesmo 92 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] danificados, muitos em precário estado de limpeza, com capacidade unitária de aproximadamente 15 litros (MTE, 2014, p. 72). Na casa onde residiam 18 migrantes nordestinos da empresa Luís Pereira de Souza (trabalhadores ilegalmente terceirizados da Diedro) não havia sequer filtro, ficando os trabalhadores obrigados a consumir água coletada diretamente de torneiras, sem passar por qualquer processo de filtragem e/ou purificação (MTE, 2014, p. 72). Consta no IC 000840.2012.03.000/0, relatos de adoecimento de trabalhadores que, sem qualquer assistência, precisaram recorrer aos serviços de saúde pública (Sistema Único de Saúde – SUS). Em depoimento, um trabalhador comenta que: “[...] por ter uma postura reivindicante de seus direitos e dos demais, havia sido demitido, adoecendo em consequência, sem qualquer apoio e acompanhamento pela empresa” (Depoimento do trabalhador A., IC 000840.2012.03.000/0, Anexo 2, p. 212-217). Continuando o depoimento, comenta sobre o adoecimento de outro trabalhador em decorrência da comida, sendo encaminhado aos cuidados do SUS, sem o devido acompanhamento da empresa, ficando o depoente incumbido de acompanhar o estado de saúde do enfermo. Em outra parte do relato, o depoente destaca a ocorrência de um acidente com um trabalhador, com ferimento na cabeça, somente conduzido ao hospital após inúmeras ligações para a Anglo American (Depoimento do trabalhador A., IC 000840.2012.03.000/0, Anexo 2, p. 212-217). Segundo o Auto de Infração nº 202.713.903, foram constatadas também a precariedade nas instalações de lavanderia dos alojamentos, a maioria contando apenas com um tanque de cerâmica e, em alguns casos, com um tanquinho. A lavagem tanto dos uniformes de trabalho quanto das roupas de cama ficava a cargo dos próprios trabalhadores (Auto de Infração nº 202.714.632). No caso das roupas de cama, a situação de higiene era agravada ainda pelo fato do empregador: [...] ter disponibilizado apenas um conjunto de roupas de cama (lençol, fronha, cobertor todos de má qualidade e apenas uma unidade de cada) o que dificultava, ou mesmo inviabilizava, a sua lavação, dado que não havia outro conjunto para substituí-las enquanto secassem (MTE, 2014, p. 55). 93 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Conforme verificado pelo MTE, somente 4 faxineiras realizavam a higienização dos 25 imóveis usados enquanto alojamentos e das dependências do escritório da Diedro, localizado na obra. Como haviam poucas faxineiras, os próprios trabalhadores alojados que tinham que limpar seu local de alojamento e demais áreas (instalações sanitárias, áreas externas, áreas de circulação, etc.), recolher o lixo, lavar as roupas de cama, uniformes, etc.., além de suas roupas pessoais, tudo após o cumprimento da jornada de trabalho na obra ou nos dias do descanso semanal remunerado (MTE, 2014, p. 55). Nesse contexto, cabe destacar que as condições degradantes de alojamento eram de conhecimento não apenas da empresa Diedro, mas também da contratante Anglo American. A própria Anglo American definia a forma de alojamento dos trabalhadores da obra, aprovando ou não os imóveis selecionados e fiscalizava sistematicamente as condições em que eram mantidos (MTE, 2014). Logo, as condições do alojamento impostas aos trabalhadores, caracterizadas pela submissão a condições degradantes de trabalho, foram impingidas pelas empresas Anglo American e Diedro Construções, aviltando a dignidade dos trabalhadores, submetidos a condições análogas às de escravo. No que se refere às áreas de lazer, conforme o Auto de Infração nº 202.713.920, nos alojamentos inspecionados observou-se somente a existência de uma televisão, algumas vezes instaladas sobre artefatos improvisados como tijolos empilhados, com um sofá de 3 ou 4 lugares, insuficiente para todos os alojados. Face à situação de vulnerabilidade social dos trabalhadores, a disponibilidade de área de lazer adequada torna-se ainda mais importante para prevenção de enfermidades físicas e mentais, posto que os trabalhadores se encontravam afastados, por necessidade, de sua cidade natal, longe de amigos e familiares (MTE, 2014). Desta forma, para o lazer era comum a realização de festas nas chamadas “repúblicas” de trabalhadores no interior da cidade, perturbando os moradores vizinhos, sobretudo, nos finais de semana. Os trabalhadores que viviam nos alojamentos “fora da cidade”, na zona rural do município também frequentavam o centro urbano de Conceição do Mato Dentro nos finais de semana para lazer: 94 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Domingo os trabalhadores iam para a cidade, o ônibus ia soltando os trabalhadores dentro da cidade e depois estacionavam perto do curral de leilão. Depois o ônibus pegava os trabalhadores de volta na Avenida JK que ficava cheia de trabalhadores para pegar o ônibus para voltar para os alojamentos (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Na cidade, o lazer dos trabalhadores era realizar compras, frequentar bares e praças. Muitos aproveitavam a oportunidade para fazer uso de bebida alcoólica, proibida nos alojamentos “fora da cidade”, como ilustram os trechos das entrevistas a seguir: “Tinha os alojamentos, eles fizeram uns alojamentos fora da cidade, mas final de semana eles vinham pra cá, fazer compra, beber, fazer farra” (Entrevista com moradora Z., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Final de semana os trabalhadores ficavam nas praças, bebendo, pegavam as bebidas no supermercado. Faziam isso não só no domingo, mas nos dias de folga também” (Entrevista com moradora S., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Os trabalhadores mais da região iam para casa no final de semana. Os que ficavam aqui, final de semana nos alojamentos, o ônibus da empresa trazia para o centro e buscava. Frequentavam os bares, o Platô [nome do bar]” (Entrevista com Assistente Social da Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). O lazer dos trabalhadores era mais os bares, fazer compras. As empresas faziam o lazer para eles no alojamento, colocava sinuca, campo de futebol para eles não virem para cá, mas vinham mesmo assim, vinham beber porque no alojamento não pode. Os bares a noite ficavam lotados, o Escritório [nome do bar] ficava impossível, só peão (Entrevista com morador R., Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Domingo era tanta gente e as pessoas bebiam tanto, e eles iam nos supermercados, nos botecos e saiam com garrafas de cerveja e sentavam nas vias públicas e comiam e bebiam. Eles permaneciam no eixo do centro, na Avenida JK, não se distanciavam muito dali não (Entrevista com moradora P., Conceição do Mato Dentro, março de 2014). Tal situação também é relatada pelo Promotor de Justiça, que aponta como uma das consequências da presença de grande contingente de trabalhadores na cidade, a geração de insegurança: 95 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Uma quantidade enorme desses empregados que dentro dos programas, dentro do licenciamento, eles deveriam ficar dentro dos alojamentos onde eles teriam opções de lazer, opções de ficar atraídos por ficar lá e não necessariamente terem que vir constantemente para a cidade. Gerou o quê? Gerou falta de segurança [...] (Entrevista com Promotor de Justiça da comarca de Conceição do Mato Dentro, março de 2015). Lado outro, é importante destacar a vulnerabilidade social dos trabalhadores, tanto pela distância do seu local de origem, quanto pelas condições econômicas subalternas. Nas entrevistas os trabalhadores explicitaram as dificuldades e a necessidade de sobrevivência que perpassa a vida de “no trecho”: “Trabalho no trecho porque preciso, porque não é bom não, ficar longe de casa, da família” (Entrevista com trabalhador originário do Pará, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “Eu porque sou casado, porque se eu fosse solteiro, trabalhava na minha cidade mesmo, porque um salário mínimo dá para viver sozinho, mas com família não dá não” (Entrevista com trabalhador originário do Piauí, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). De acordo com os trabalhadores, além de manterem uma relação “distante” com os moradores locais, muitas vezes eles são culpabilizados pelos transtornos causados pelas obras na cidade: “A convivência com os moradores locais é distante, é ruim. Não tem conversa, não tem dialogo. Eles não dão intimidade para gente de fora. Mas a gente é do trecho, já é acostumado” (Entrevista com trabalhador do Maranhão, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “O pessoal as vezes reclama das obras da JK e joga a culpa no trabalhador, não trata bem, porque a obra gera transtornos. Mas não é culpa do trabalhador” (Entrevista com trabalhador originário de Ipatinga, março de 2015). Os trabalhadores informaram ainda que realizam treinamentos na Anglo American para lidarem com a população local: “Tivemos treinamento com a Anglo para lidar com a comunidade, treinamento para poder suportar a situação” (Entrevista com trabalhador originário do Maranhão, Conceição do Mato Dentro, março de 2015). “A Anglo dá cursos, palestras, somos obrigados a fazer, para ver como são as regras de 96 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] conduta na cidade” (Entrevista com trabalhador originário de Serra Azul, março de 2015). Ao fim, após as constatações em 2013 pelo MPT de trabalho análogo à de escravo, foi firmado, em 14 de novembro de 2013, Termo de Ajustamento de Conduta (TAC nº 185/2013) com a Diedro Construções e a Anglo American, para sanar a violação de direitos dos trabalhadores.29 A primeira cláusula do TAC obriga a empresa a: Abster-se de utilizar residências unifamiliares como alojamentos para acomodação coletiva de empregados, observando rigorosamente as disposições regulamentares constantes das NRs 18 e 24, concernentes aos alojamentos e demais áreas de vivência, conforme a atividade econômica da construção civil e mineração desenvolvidas pelas empresas [...] (TAC nº 185/2013, IC nº 000840.2012.03.000/0, p. 329). Ainda conforme o TAC nº. 185/2013: Cláusula Primeira, IV: Em razão do descumprimento das normas fundamentais de garantia, da dignidade dos trabalhadores [...], considerando o aumento de ilícitos e demandas destinadas a conter a violência gerada por esse tipo de ocupação para o desenvolvimento da mineração em pequenas localidades, as compromissadas pagarão a importância de R$100.000,00 (cem mil reais) a título de dano moral coletivo [...]. Nesse sentido, os recursos aqui previstos serão aplicados no oferecimento de opções de lazer, cultura e esportes, durante o tempo livre dos trabalhadores, de acordo com as orientações que podem ser buscadas junto ao Poder Público Municipal, em especial a Secretaria de Esportes, ficando indicada a construção de quadras esportivas e ou reforma delas, ou ainda, campos de futebol e a organização de um primeiro campeonato até outubro de 2014. Para estimular essas atividades, as compromissadas terão que contratar treinadores, adquirir e fornecer uniformes [...] Todas as despesas efetuadas e comprovação da realização do campeonato serão entregues ao Ministério Público do Trabalho até 28 de fevereiro de 2015 (TAC nº 185/2013, nº IC 000840.2012.03.000/0, p. 330). 29 Frente às ações do MPT, cabe informar que a empresa Diedro providenciou, mediante assistência da Auditoria-Fiscal do Trabalho, o pagamento das verbas rescisórias e indenização por dano moral – esta estipulada junto MTE – aos trabalhadores haitianos e nacionais submetidos às condições de trabalho análoga à de escravo e a emissão dos Requerimentos do Seguro Desemprego do Trabalhador Resgatado. Conforme previsto na Instrução Normativa nº 91, de 05 de outubro de 2011, a empresa Diedro também custeou o deslocamento dos trabalhadores para os locais de origem (no caso dos nacionais) ou para locais desejados (no caso dos haitianos). 97 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Para atender ao proposto pelo TAC, a Anglo procurou desenvolver atividades culturais e de esporte para melhor integração dos trabalhadores à sociedade local. Entretanto, em trabalhado de campo realizada em março de 2015, a equipe do Cidade e Alteridade verificou que os moradores locais entrevistados não tomaram conhecimento de qualquer projeto de integração social do gênero. Em abril 2014 ocorreu o rompimento do contrato da Anglo com a Diedro e a formação de outro contrato com a Construtora CIAP e com a Tetra Tech. O MTE classificou como ilícita a terceirização da Tetra Tech, pois os 435 operários da contratada eram coordenados e submetidos diretamente a Anglo American, além do fato das duas empresas desempenharem a mesma atividade-fim (extração de minério) (JORNAL O TEMPO, 24/04/2014; REPÓRTER BRASIL, 17/05/2014). Desses 435 trabalhadores, 67 trabalhadores da Tetra Tech encontravam-se submetidos a condições análogas às de escravo. Logo, não obstante a verificação dos casos de trabalho análogo à escravidão em 2013, em 2014, conforme veiculado na mídia, novamente o MPT e o MTE verificaram a existência de 185 trabalhadores em condições análogas à de escravo, submetidas a jornadas exaustivas de trabalho, como prestadores de serviço terceirizados para a Anglo American (JORNAL O TEMPO, 24/04/2014; REPÓRTER BRASIL, 17/05/2014). Desses 185 trabalhadores terceirizados, 46 trabalhavam para a Milplan, 53 para a Enesa, 19 para a Construtora Modelo e 67 para a Tetra Tech (ou melhor, para a Anglo American, conforme constatação de terceirização ilícita) (REPÓRTER BRASIL, 17/05/2014). As condições análogas à de escravo foram caracterizadas em função de uma série de violações, incluindo a submissão dos operários, motoristas e técnicos que trabalhavam na obra com jornadas exaustivas e sistemáticas (REPÓRTER BRASIL, 17/05/2014). Extrapolando os limites previstos na legislação brasileira, trabalhadores tiveram registrada a realização de 200 horas extras em um só mês; motoristas chegaram a trabalhar 18 horas por dia; o horário de almoço também não era respeitado (em vez de uma hora, as vítimas tinham direito a somente 20 minutos de pausa para comer) (REPÓRTER BRASIL, 17/05/2014). No caso dos motoristas, a 98 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Repórter Brasil (2014) ainda destaca o fato de que as vítimas trabalhavam no deslocamento contínuo de trabalhadores entre Conceição do Mato Dentro (MG), cidade onde estão alojados, e o canteiro de obras, a cerca de 30 km. 30 30 Cabe lembrar, que conforme a legislação brasileira prevê, além das 44 horas semanais de trabalho, divididas em 8 horas diárias, são permitidas somente duas horas extras excedentes. 99 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 3 ALVORADA DE MINAS O distrito de Santo Antônio do Rio do Peixe pertencia ao município de Serro e foi criado pela lei provincial nº 209, de 07-04-1891, e lei estadual nº 2, de 14-09-1891. Desmembrado de Serro, foi elevado à categoria de município com a denominação de Alvorada de Minas pela lei estadual nº 2764, de 30 de dezembro de 1962 (IBGE Cidades, 2014). Localizado na mesorregião Metropolitana de Belo Horizonte e na microrregião de Conceição do Mato Dentro, dista 212 km da capital mineira, com uma área territorial de aproximadamente 375 km². Em divisão territorial datada de 1979, que permanece até a presente data sem alteração, o município é constituído pela sede urbana e pelo distrito de Itapanhoacanga (vide Figura 26 a seguir).31 31 O nome Itapanhoacanga está associado aos escravos negros que trabalhavam na exploração do ouro (PEDRA, 2013, p. 56). Um cartaz afixado em um bar de Itapanhoacanga explica a origem tupi-guarani do nome: Ita – pedra, tapanu- escravo negro, canga – cabeça, que na junção significaria “Pedra cabeça de negro”. Outro dizer popular sobre o nome Itapanhoacanga, conta que “um Cacique possuía uma filha cujo nome era Ita. Em um determinado dia ele colocou uma canga (algo parecido com uma sela de cavalo) para secar e, em seguida, disse para Ita: ‘Ita, põe a canga’. Desse momento em diante a região passou a ser conhecida como Itapanhoacanga” (PEDRA, 2013, p. 60). 100 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 26: Localização de Alvorada de Minas e dos municípios limítrofes. Fonte: Instituto de Geoinformação e Tecnologia de Minas Gerais (IGTEC), 2015. O povoamento que deu origem ao município de Alvorada de Minas surge, inicialmente, ligado às atividades mineradoras da primeira metade do século XVIII. Com a decadência da mineração, os moradores que foram atraídos pelo ouro na região, passaram a se dedicar à agricultura e à pecuária.32 Alvorada de Minas apresenta uma cultura ligada às tradições religiosas, com festas populares como o “Congado Nossa Senhora do Rosário” e a “Festa de Nossa Senhora do Rosário”. As igrejas Matriz de Santo Antônio na sede, a de São José e a capela do Rosário no distrito de Itapanhoacanga foram construídas entre o fim do século XVIII e o começo do século XIX (PEDRA, 2013). Com um passado ligado à extração de recursos minerais, principalmente ouro e diamante no século XVIII, a história do município voltou a ser atrelada à mineração através do empreendimento Minas-Rio, dedicado à extração e ao beneficiamento de 32 Informações contidas no site da Prefeitura de Alvorada de Minas. Disponível em: http://www.alvoradademinas.mg.gov.br/portal1/intro.asp?iIdMun=100131028. Acesso em: 20/06/2014. 101 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] minério de ferro. No município de Alvorada de Minas encontram-se aproximadamente 70% da planta industrial e 90% da usina de beneficiamento da Anglo American, estando as porções restantes em Conceição do Mato Dentro (SISEMA, 2008, p. 11). Conforme os entrevistados desta pesquisa, a sede sofreu menos intensamente os impactos negativos do empreendimento se comparada ao distrito de Itapanhoacanga, tanto por ter recebido maior quantidade de trabalhadores imigrantes, quanto por localizar-se “mais próximo da MG010 e da mina” (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). O Parecer Único do Sisema (2008, p. 43) já destacava que o distrito de Itapanhoacanga ficaria direta e constantemente exposto “a impacto negativo e mais intenso decorrente da atividade minerária, devido sua localização geográfica, seja na etapa de implantação como também na etapa de operação do empreendimento” (vide Figura a seguir). Figura 27: Mapa da localização da sede de Alvorada de Minas e do distrito de Itapanhoacanga em relação ao complexo minerário da Anglo American. Fonte: Google Earth, 2015. Para o Secretário de Meio Ambiente, os impactos, especificamente para a sede de Alvorada de Minas, “foram mais positivos, com estabelecimentos de convênios 102 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] [entre a prefeitura e a Anglo American] revertidos em obras” (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Segundo entrevista, o distrito de Itapanhoacanga arcou com a maior parte do ônus do empreendimento no município, vem recebendo menos investimentos públicos que a sede: “Os maiores prejuízos foram para o distrito. É o único distrito e a prefeitura recebeu verba da empresa, mas o dinheiro não está vindo para cá, as melhorias não vêm para Itapanhoacanga, fica tudo na sede” (Entrevista com moradora H., Itapanhoacanga, março de 2015). Conforme relatado para a equipe do Cidade Alteridade, “a chegada da empresa em Alvorada se deu em meados de 2009, quando foi feito contato com a prefeitura” (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Ao passo que no distrito de Itapanhoacanga, os relatos sobre a chegada da mineração remontam a anos anteriores: “Pela história do povoado já sabíamos que tinha minério aqui. A Geosol chegou a Itapanhoacanga em 2007. Recebemos esse pessoal como se estivéssemos recebendo reis” (Entrevista com moradora L., Itapanhoacanga, março de 2015). “A movimentação da empresa começou em 2006, com as pesquisas da Geosol. Eles foram chegando se aproximando até da gente. [...] Os engenheiros eram muito bons em dar respostas e colocar as pessoas na expectativa” (Entrevista com moradora S., Itapanhoacanga, março de 2015). “Em 2004 a MMX já fazia sondagem. Veio gente do Pará, da Geosol foram mais de 100 homens. O distrito não tinha estrutura, menos ainda naquela época” (Entrevista com morador B., Itapanhoacanga, março de 2015). Nos tópicos subsequentes, serão analisadas as mudanças sociais ocorridas na dinâmica populacional e nos setores habitacional, comercial, de saúde, educação e segurança no município de Alvorada de Minas, assim como a relação dos moradores locais com os trabalhadores imigrantes no distrito de Itapanhoacanga. Para tanto, além das análises de dados secundários, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os Secretários de Transporte, de Saúde, de Meio Ambiente, de Educação, de Assistência Social, juntamente com uma assistente social, com o Chefe de Gabinete da Prefeitura (que em dezembro de 2014 também era 103 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Gestor de Convênios entre a prefeitura e a Anglo), com a atual Gestora Municipal de Convênios, com uma funcionária da Secretária de Saúde, com representantes da Polícia Militar do município, com as conselheiras do Conselho Tutelar e com o Padre da paróquia. No distrito de Itapanhoacanga foram realizadas entrevistas com o presidente da Associação dos Moradores de Itapanhoacanga (AMORITA), com 9 moradores locais e com uma reassentada, originalmente da comunidade de Água Santa, diretamente atingida e deslocada pela mineradora. 3.1 Dinâmica Demográfica de Alvorada de Minas Conforme o censo demográfico de 2010, a população de Alvorada de Minas é de 3.546 habitantes, dos quais 2.096 (59,1%) é composta pela população rural e 1.450 (40,9%) pela população urbana.33 O distrito de Itapanhoacanga, por sua vez, possui uma população total de 1341 habitantes, sendo 503 residentes na área urbana e 838 na área rural. A Figura 28 a seguir mostra a dinâmica populacional, por situação de domicílio, no período entre 1980 e 2010, em Alvorada de Minas. Figura 28: População rural, urbana e total de Alvorada de Minas, 1980 a 2010. Fonte: IBGE – Censo demográfico, 1980 a 2010. 33 Ressalva-se que o número de habitantes se refere apenas a chamada população permanente, a população circulante ou flutuante não é contabilizada pelo censo. 104 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] A partir de 1990, constata-se um aumento contínuo da população urbana crescimento de 4,26% de 1980 para 1991; 0,56% de 1991 para 2000 e de 2,53% de 2000 para 2010 – pari passo a diminuição da população rural – 1,45% de 1980 para 1991; 1,63% de 1991 para 2000 e de 1,34% de 2000 para 2010 (vide Figura 29). Embora observemos um gradativo aumento da população urbana e uma diminuição da população rural, o município de Alvorada de Minas permanece com uma população majoritariamente rural (59,1%, conforme Censo Demográfico, 2010). Entretanto, conforme entrevistas, embora a população rural do município seja majoritária, as mudanças na dinâmica econômica ocasionada pela mineração resultaram na falta de mão de obra no campo, dado o processo de emigração, sobretudo de jovens para o meio urbano. Contrariando a tendência de diminuição da população total do município entre 1980 e 2000, observa-se uma taxa média de crescimento anual de 0,05% entre 2000 e 2010, com o aumento de 2,53% da população urbana e queda de 1,34% da população rural, conforme mostra a Figura 29 a seguir. Figura 29: Taxa média geométrica de crescimento anual da população residente, por situação de domicílio. Fonte: IBGE – Censo Demográfico, 1980 a 2010. Ainda numa caracterização demográfica, a figura adiante retrata a distribuição percentual da população em Alvorada de Minas, de 2000 para 2010, por faixa etária, sexo e situação domiciliar. Chama a atenção no caso da pirâmide demográfica para a zona rural, a diminuição entre 2000 e 2010 da população jovem tanto de homens 105 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] quanto de mulheres, sobretudo na faixa etária que vai de 10 a 29 anos. Para o contexto urbano notabiliza-se, em linhas gerais, o aumento da população em idade economicamente ativa (15 a 64 anos) de 2000 para 2010, com uma ligeira redução de homens entre 15 e 19 anos e de mulheres e homens entre 60 e 64 anos, sendo esta última faixa etária numericamente maior para a população rural. É notório o extraordinário aumento da população feminina entre 15 e 19 que representava apenas 1,6% da população urbana total em 2000 e 10 anos depois passa a representar 6,8%. Figura 30: Distribuição da população em Alvorada de Minas por faixa etária, sexo e situação domiciliar. Fonte: IBGE – Censo Demográfico, 2000 e 2010. O aumento do êxodo rural e, por conseguinte, da população urbana no município de Alvorada de Minas deve-se, segundo os entrevistados, a uma maior geração de empregos vinculados aos serviços prestados à mineração. Além do aumento do êxodo rural, a maior parte da população atraída para sede de Alvorada de 106 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Minas é composta por pessoas interessadas na abertura de negócios próprios, dado o potencial crescimento do comércio local, como será tratado no tópico subsequente. 3.2 Impactos no Setor Habitacional e Comercial na sede de Alvorada de Minas e no distrito de Itapanhoacanga 3.2.1 Alvorada de Minas Um dos principais problemas elencados nesta pesquisa diz respeito à questão da moradia. Os entrevistados mencionaram o aumento significativo do preço dos imóveis e dos aluguéis na sede de Alvorada de Minas, como ilustram os relatos a seguir: “uma casa que valia 10 mil foi para 350 mil e uma casa que valia 500 mil foi para 1 milhão”; “um lote de 4 mil hoje é 40 mil”; “o aluguel de uma casa de 3, 4 quartos que era 250 reais hoje é mil reais”; “o aluguel que era 1 mil foi para 2 mil e os imóveis foram de 6 mil para 200 mil”; “qualquer lote hoje vale 70, 100 mil. Os lotes são vendidos a preço de ouro” (Entrevistas com representantes da Prefeitura Municipal e da Polícia Militar de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Muitas casas foram construídas, “quase em 24 horas” para alugar para “o pessoal das empresas e para o pessoal do concurso da prefeitura” (Entrevista com Secretária de Assistência Social e uma Assistente Social da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Também “vieram algumas pessoas de fora para montar comércio” (Entrevista com Secretária de Assistência Social e uma Assistente Social da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Entre 2006 e 2011 o número de estabelecimentos comerciais e industriais em Alvorada de Minas aumentou 75,67%, passando de 37 para 65 (IBGE, 2013 apud PEDRA, 2013, p. 31). Conforme o Secretário de Transportes, grande parte do comércio existente atualmente na sede de Alvorada de Minas surgiu entre 2010 e 2011 (posto de gasolina, lojas, padarias, etc.), em decorrência do aumento da demanda, sobretudo de trabalhadores migrantes na região (Entrevista com Secretário de Transportes da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Entretanto, para a Gestora de Convênios entre a Prefeitura e a Anglo American, “a expectativa de geração de 107 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] emprego e renda não foi correspondida” (Entrevista com Gestora Municipal de Convênios entre a Prefeitura de Alvorada de Minas e a Anglo, março de 2015). Os órgãos públicos municipais não sabem ao certo quantos trabalhadores imigrantes Alvorada de Minas recebeu. Ao solicitarmos uma estimativa do número de trabalhadores na sede, o entrevistado intuiu “em torno de 70 pessoas no auge” (Entrevista com Secretário de Saúde de Alvorada de Minas, março de 2015). Somente três casas de Alvorada de Minas foram alugadas para “trabalhadores de firma” (Entrevista com Secretária de Assistência Social e uma Assistente Social da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). “Alugaram para os trabalhadores por 2 mil, basearam no preço do aluguel de Conceição do Mato Dentro. Antes no muito era 400 reais, 1 salário” (Entrevista com Secretária de Assistência Social e uma Assistente Social da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Na visão da Secretária de Assistência Social, o preço dos aluguéis “ficaram altos não tanto pelo aumento da demanda, mas pela perspectiva de aumento da demanda. Eles pensaram que se alguns conseguiram alugar por um valor alto, o valor não poderia ser menor” (Entrevista com Secretária de Assistência Social e uma Assistente Social da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Outra Secretária também corrobora essa perspectiva ao afirmar que “os aluguéis subiram só com a expectativa do fluxo de pessoas, acharam que vinham um fluxo maior de pessoas. Os poucos que vieram arcaram com esse valor que é alto para a cidade de Alvorada” (Entrevista com Gestora Municipal de Convênios da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Mesmo com o fim das obras de implantação, os aluguéis em Alvorada de Minas continuam com valores, nas palavras da entrevistada, “além do normal”: “é 900, 1 mil reais o aluguel para pessoal de fora. Mas já teve casa que caiu para 600 reais” (Entrevista realizada com Secretária de Assistência Social e uma Assistente Social da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Conforme o Secretário de Transportes, em função do crescimento da cidade, dada a movimentação econômica gerada pela mineração no município, ocorreu o surgimento e a expansão de alguns bairros, a exemplo do crescimento do bairro Bicano. Segundo a Secretária de Assistência Social, as terras da região do Bicano 108 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] pertencem à Igreja e os moradores não possuem documentação: “já tem bastante gente na região, barracos de pau a pique. Por ser da Igreja ficou muito tempo lá e a paróquia não correu atrás” (Entrevista com Secretária de Assistência Social e uma Assistente Social da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Os problemas sociais proliferam no bairro, cujo crescimento se deu nos últimos anos: “o bairro é um foco de brigas e de alcoolismo. Duas meninas lá engravidaram de homens de firma. Existem famílias complicadas lá [...] As casas no bairro são emboladas. O povoado rural de Bom Jesus em peso está no Bicano” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Alvorada de Minas, março de 2015). Para a Secretária de Assistência Social, a principal demanda da Secretaria é por habitação, sobretudo no meio rural: “A demanda é de gente do rural, sem renda formal, que vive em construções precárias, de pau a pique, o que gera problemas de saúde e risco. [...] São pessoas que ganham 15, 20 reais por dia, com esse valor não dá para pensar em construir uma casa” (Entrevista com Secretária de Assistência Social e uma Assistente Social da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Atualmente, 14 casas populares estão sendo construídas, mas, ainda segundo a Secretária, não supre a demanda do município: “as casas são feitas no terreno das próprias pessoas no rural, para possibilitar que eles se mantenham na roça, pois preferem ficar lá. Dessas 14 casas, 3 casas são na cidade e 11 na zona rural” (Entrevista com Secretária de Assistência Social e uma Assistente Social da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). 3.2.2 Itapanhoacanga Apesar da construção de alojamentos para os trabalhadores da Anglo American e das empresas terceirizadas, a alta demanda por habitação acaba por desencadear a utilização improvisada de residências, pousadas e hotéis como alojamentos de trabalhadores. Na percepção do Secretário de Meio Ambiente, o distrito de Itapanhoacanga recebeu “em torno 150, 200 trabalhadores, além das pessoas que retornaram para Itapanhoacanga” (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de 109 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Alvorada de Minas, março de 2015). A quantidade de trabalhadores citada representa quase metade da população existente na sede do distrito, que conta com 503 habitantes, dos quais 238 são homens (IBGE, 2010). Portanto, tem-se neste período um acréscimo de quase 100% do número de homens no distrito. O crescimento de Itapanhoacanga, conforme entrevistas, deve-se ao recebimento de trabalhadores imigrantes, ao êxodo rural, ao reassentamento de pessoas de Água Santa atingidas diretamente pela mineração e ao retorno de moradores atraídos pelas promessas de geração de emprego e renda na região: “Aumentou muito mesmo o número de casas. Muita gente veio para procurar emprego, assentaram muita gente em Itapanhoacanga. Vem gente de fora e da roça” (Entrevista com moradora L., Itapanhoacanga, março de 2015); “Sai uma empresa, vem outra. O distrito cresceu de uma hora para outra. Muitos que moravam fora, voltaram” (Entrevista com morador B., Itapanhoacanga, março de 2015). “Itapanhoacanga cresceu muito. Tem muito movimento de gente, trabalhador de firma” (Entrevista com moradora K., Itapanhoacanga, março de 2015). Nota-se no espaço de Itapanhoacanga a proliferação de novas construções, “principalmente nas Ruas São Pedro, Logradouro e Rua do Rosário” (Entrevista com moradora L., Itapanhoacanga, março de 2015). Outra área que vem sofrendo um processo recente de ocupação de terras, com novas construções, é identificada por uma moradora como “mato da pobreza”: “Ali é o ‘mato da pobreza’, para tirar madeira para construir casa e hoje lá cada um tirou um pedaço e cercou, ’isso é meu, isso é meu’. Ali já está tudo dividido, cercaram suas terras e falaram ’aqui é meu, ali é dela’” (Entrevista com moradora L., Itapanhoacanga, março de 2015). Segundo a moradora entrevistada, várias pessoas que vieram “da roça moram no ‘mato da pobreza’” (Entrevista com moradora, L., Itapanhoacanga, março de 2015). Conforme relatado por alguns habitantes de Itapanhoacanga, “essas terras são da Arquidiocese, da Igreja, são terras de Santo. Os moradores que lá estão não possuem escritura da terra, somente a posse” (Entrevista com moradores de Itapanhoacanga, março de 2015). Em função da especulação imobiliária e da valorização das terras, aumentaram as ocupações de terras da igreja, o que tem 110 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] gerado novos conflitos (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Conforme o Secretário de Meio Ambiente, a prefeitura tentará regularizar as áreas para que não ocorra mais invasão: “A intenção é regularizar judicialmente e a igreja tomar posse das terras que não foram apropriadas ainda” (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Conforme relata uma moradora de Itapanhoacanga: “todos nós estamos morando no terreno da igreja. Alguém tem escritura, mas são poucos. Pagamos IPTU como proprietários, é o comprovante que temos” (Entrevista com moradora L., Itapanhoacanga, março de 2015). O Padre da Paróquia de Alvorada de Minas de Minas informou que as pessoas realizam a compra e a venda das terras sem documentação (Entrevista com Padre da Paróquia de Alvorada de Minas, março de 2015). Outra residente de Itapanhoacanga corrobora a informação: “Tem gente que vende e compra, mesmo sem ter escritura. Tem muito registro de compra e venda. Mas esse tipo de registro não tem garantia nenhuma não. No cartório aqui não faz registro de compra e venda” (Entrevista com moradora L., Itapanhoacanga, março de 2015). A moradora informou que sua família requereu usucapião das terras em que seus avós e pais moraram: “Somos seis irmão e não podemos vender o lote se não requerermos o usucapião para fazer escritura” (Entrevista com moradora L, Itapanhoacanga, março de 2015). Segundo uma entrevistada, a Igreja tem registrado no Cartório de Registro de Imóveis de Diamantina oito alqueires de terra em Itapanhoacanga (Entrevista com moradora L, Itapanhoacanga, março de 2015). O Padre entrevistado disse que “não é intenção da Igreja tirar as pessoas que estão no local, mas evitar novas ocupações” (Entrevista com Padre da Paróquia de Alvorada de Minas, março de 2015). Algumas casas e uma pousada foram alugadas para trabalhadores de empresas terceirizadas da Anglo American, como evidenciam os trechos de entrevistas a seguir: “alugaram casas em Itapanhoacanga por 10 mil reais” (Entrevista com moradora S., Itapanhoacanga, março de 2015). “Tinha muitos trabalhadores da MMX, Geosol, muitos homens da EGT e muitas casas da comunidade foram alugadas para eles” 111 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] (Entrevista com moradora H., Itapanhoacanga, março de 2015). O valor dos imóveis também sofreu aumento: “Compra varia muito, às vezes vendiam um lote de 5 mil, hoje fala em 15, 20 mil, daí para lá, encareceu muito. O aluguel também aumentou” (Entrevista com moradora L, Itapanhoacanga, março de 2015). Contudo, conforme relata uma moradora, desde 2014 o número de empresas e trabalhadores presentes no distrito diminuiu: “Hoje não tem muitas empresas, só a Tamasa. Ano passado, início de 2014, diminuiu a quantidade de trabalhadores, empresas foram embora, a EGT foi embora” (Entrevista com moradora H., Itapanhoacanga, março de 2015). Atualmente, “há muitas placas de aluga-se em Itapanhoacanga”, informou o presidente da Associação de Moradores de Itapanhoacanga (AMORITA). Conforme uma moradora do distrito, uma das duas pousadas existentes é de uso exclusivo para trabalhadores de empresas terceirizadas da Anglo American e atualmente encontra-se alugada para trabalhadores da Tamasa Engenharia S.A. (Entrevista com moradora H, Itapanhoacanga, março de 2015). As refeições dos trabalhadores são realizadas em outra pousada que conta com um restaurante (Entrevista com moradora H, Itapanhoacanga, março de 2015). O dono da pousada que serve refeições, afirmou que preferia alugar quartos para turistas do que para trabalhadores (Entrevista com dono de pousada, Itapanhoacanga, março de 2015). Isto porque a sua pousada, que na época contava com somente um quarto, foi alugada durante dois meses para trabalhadores que estavam prestando serviços para a prefeitura. No entanto, “a firma ficou sem pagar” uma dívida de mais de 8 mil reais (Entrevista com dono de pousada, Itapanhoacanga, março de 2015). Nas entrevistas realizadas comentou-se que a economia local se baseava na agricultura, no funcionalismo público e nos benefícios sociais do governo federal (Entrevista com moradora S., Itapanhoacanga, março de 2015). Também foram mencionadas algumas das atividades que eram praticadas nas proximidades do distrito: cultivos de café e mandioca, produção de goma34 e farinha, queijo artesanal, quitandas e doces, criações de gado de corte, vaca leiteira e de recria. Entretanto, 34 Goma é o nome popular do polvilho azedo. 112 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] ocorreu uma diminuição da produção agrícola em decorrência do êxodo rural, “muitos deixaram a roça”, “muitos venderam terrenos para a Anglo” (Entrevista com moradora L., Itapanhoacanga, março de 2015). Junto com a população flutuante o comércio do distrito também aumentou, como evidenciam os seguintes relatos: “o comércio cresceu, surgiram mercearias, depósito de material de construção” (Entrevista com moradora S., Itapanhoacanga, março de 2015); “tem duas pousadas uma antiga que está alugada por 7, 8 mil por mês para funcionários de empresa e a outra tem uns 2 anos; depósito de material de construção, todos dois bem equipados; uma lan house que abriu de um ano para cá” (Entrevista com moradora M., Itapanhoacanga, março de 2015). “A Anglo ofereceu curso para microempreendedor, o comércio melhorou muito. Cheguei a servir 40 refeições por noite” (Entrevista com dono de pousada, Itapanhoacanga, março de 2015). Num primeiro momento, em função da estada dos trabalhadores no distrito, houve uma ampliação dos serviços e do comércio local, gerando expectativa na população local: “a comunidade se acostumou com os serviços gerados, as mulheres que lavavam roupa, os barzinhos” (Entrevista com presidente da AMORITA, dezembro de 2014). Todavia, de acordo com os moradores entrevistados, ocorreu uma queda no comércio e na geração de empregos quando o empreendimento entrou em funcionamento: “hoje o emprego diminuiu muito, pois o empreendimento já está funcionando. Foi um desenvolvimento provisório” (Entrevista com moradora H., Itapanhoacanga, março de 2015). “Há pessoas daqui trabalhando na Anglo, mas são gatos pingados. Há mais tempo todo mundo trabalhava. Hoje tem só a Tamasa nas obras da MG10” (Entrevista com moradora H., Itapanhoacanga, março de 2015). Ademais, alguns entrevistados relataram prejuízos ao turismo: No turismo de maneira geral vai ter impacto. [...] A mineração é um impacto visual muito grande. Aqui nós temos a segunda maior lavra a céu aberto do Brasil. O jeito é fazer com que isso vire um atrativo também, para além das belezas naturais, das cachoeiras (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). 113 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Os turistas chegavam e ficavam sem lugar. As pousadas cheias, caras, alugaram as pousadas tudo para a Anglo. [...] Daí ele [o turista] passa de passagem, preferem se hospedar em outros lugares. Antes passava, muita cavalgada, pessoal do rally dos sertões, motos... (Entrevista com dono de pousada, Itapanhoacanga, março de 2015). Embora o fluxo de trabalhadores vinculados à mineração tenha diminuído, Itapanhoacanga poderá receber mais trabalhadores, em outro momento, uma vez que há a possibilidade de expansão da área da mina para a região (Entrevista com Secretário de Transportes da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Segundo o Parecer Único do Sisema (2008), a expansão da exploração do minério de ferro para a Serra de Itapanhoacanga “começará somente a partir do 28° ano” de exploração do empreendimento (SISEMA, 2008, p. 10). Certos de que a mineração um dia chegará à Itapanhoacanga, os moradores vivem as incertezas e a insegurança em relação ao futuro, por não saberem quais serão as consequências dessa expansão ou mesmo quando ocorrerá: “Temos muitas incertezas em relação ao futuro. Estamos muito próximos da mina aqui. [...] O empreendimento vai tirar a gente do mapa mesmo. Mas não temos previsão da expansão da mina” (Entrevista com moradora S., Itapanhoacanga, março de 2015). “Me sinto como na história dos ‘Narradores de Javé’.35 Daqui há alguns anos como será nossa vida?” (Entrevista com moradora H., Itapanhoacanga, março de 2015). “A mineração vai chegar aqui. Não sei quanto tempo leva, acho que deve levar muito tempo ainda” (Entrevista com moradora T., Itapanhoacanga, março de 2015). 3.3 Impactos no Setor de Saúde em Alvorada de Minas Na figura adiante, observa-se que entre os anos de 2000 e 2005, o percentual de filhos de mães casadas é superior ao percentual de filhos de mães solteiras. Entretanto, a partir de 2006 o percentual de crianças nascidas de mães solteiras ultrapassa o número de filhos de mães casadas, voltando a se equivaler somente em 2010. 35 “Narradores de Javé” é uma produção cinematográfica que retrata uma situação de deslocamento compulsório de uma comunidade rural para a construção de uma hidrelétrica. 114 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 31: Comparação do percentual de nascimentos de crianças vivas entre mães solteiras e casadas, 2000 a 2013. Fonte: DATASUS, 2015. Ao compararmos Alvorada de Minas e o Estado de Minas Gerais, constatamos em ambos um aumento do percentual de mães solteiras. Nota-se que até 2006, Alvorada de Minas apresentava uma porcentagem inferior de mães solteiras, em comparação com o estado de Minas Gerais, situação que se altera entre 2006 e 2012. Entre os anos de 2006 e 2012, o número de mães solteiras em Alvorada de Minas, notadamente maior que nos anos anteriores, apresenta algumas oscilações, com valores superiores ao número de mães solteiras em Minas Gerais nos anos de 2006, 2008 e 2011, como mostra o gráfico a seguir. Figura 32: Comparação do percentual de nascimentos de crianças vivas entre mães solteiras e casadas para Alvorada de Minas e Minas Gerais, 2000 a 2013. Fonte: DATASUS, 2015. 115 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Dentre os números de nascimentos de crianças vivas, observa-se uma representatividade considerável no percentual de mães na faixa dos 15 a 19 anos de idade. Em linhas gerais, a partir de 2007, tem-se um ligeiro aumento do número de mães na faixa etária supracitada, com uma elevação significativa a partir de 2011, superando em 2012 o percentual de mães das demais faixas etárias (de 20 a 24 anos e de 25 a 29 anos), historicamente superiores no município (vide figura a seguir). Figura 33: Porcentagem de nascimentos por faixa etária da mãe, em Alvorada de Minas, de 2000 a 2013. Fonte: DATASUS, 2015. Através dos gráficos seguintes, nota-se a tendência nacional e do Estado de Minas Gerais à diminuição do número de mães na faixa etária entre 15 e 19 anos, bem como o aumento do número de mães, principalmente, na faixa etária entre 30 e 34 anos. Com tendência contrária, em Alvorada de Minas constatamos o aumento do número de mães adolescentes, superando a média do estado e do país, em 2000, 2004, 2009, 2010 e 2012. Ao mesmo tempo, tem-se, em Alvorada de Minas, uma diminuição do percentual de mães na faixa etária entre 30 e 34, com valores abaixo da média do estado e do país, em 2003, 2009, 2010, 2011 e 2012. 116 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 34: Porcentagem de nascimentos por faixa etária da mãe, de 2000 a 2013, em Alvorada de Minas, Minas Gerais e Brasil. Fonte: DATASUS, 2015. Enquanto as mulheres de Minas Gerais e do Brasil estão engravidando mais tardiamente, o novo contexto de interação observado em Alvorada de Minas proporciona uma tendência contrária. Conforme o gráfico a seguir, a partir de 2007, o número de gestantes com idade inferior a 20 anos, em Alvorada de Minas, manteve-se superior ao percentual do estado de Minas Gerais que apresenta uma tendência de queda desde 2006. Além de Alvorada de Minas não acompanhar essa tendência, no ano de 2013 ocorreu uma elevação brusca, chegando a quase 30% dos nascidos vivos no município serem de mães adolescentes. 117 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 35: Relação percentual do número de gestantes menores de 20 anos de idade em Alvorada de Minas e Minas Gerais, 2000 a 2013. Fonte: DATASUS, 2015. Os dados de campo revelam que, de fato, ocorreu um envolvimento maior das mulheres locais, principalmente de Itapanhoacanga, com trabalhadores das firmas: “Teve um envolvimento de mulheres daqui com trabalhadores que vieram para cá. Em Itapanhoacanga o impacto foi maior” (Entrevista com Secretária de Assistência Social e uma Assistente Social da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Em Itapanhoacanga os relatos apontam para alguns casos de mães solteiras e de separações de mulheres já casadas, decorrentes do envolvimento com trabalhadores imigrantes: “Arranja mulher, deixa filho para traz. Não sabe se é solteiro, se é casado. Tem uns casos, uns três casos de mulheres que engravidaram de homens de firma” (Entrevista com moradora T., Itapanhoacanga, março de 2015). “A atividade teve muitos reflexos, vieram muitos funcionários. Moças daqui se envolveram com peões, tivemos casos de gravidez indesejada, separações, [...] relação de mulheres casadas com trabalhadores, o que gera conflitos familiares. [...] Fiquei sabendo de uns 3 filhos de homens de firma” (Entrevista com moradora S., Itapanhoacanga, março de 2015). “Teve alguns casos, mulher que casou com homem de firma, da Geosol, de Belém do Pará. Teve filho, separou. Teve uma mãe solteira que teve filho de homem da EGT” (Entrevista com moradora L., Itapanhoacanga, março de 2015). O Conselho Tutelar de Alvorada de Minas mencionou um caso em que uma adolescente grávida de “homem de firma”, que não sabia sequer o nome do pai da 118 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] criança: “não sabia nem o nome do sujeito, nem onde morava, sabia somente o apelido. Queria que o Conselho Tutelar encontrasse o cara para ela. E ficou brava com as conselheiras por não conseguirem descobrir o nome do sujeito” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Alvorada de Minas, março de 2015). Em entrevista com policial militar do município foi mencionado um episódio em que meninas menores de idade filmaram o ato sexual com trabalhadores de empresa (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). O fato é confirmado em outra entrevista: “A menor que tinha por volta de 12, 13 anos filmou a outra de 17 anos de Serro com rapazes de firma, do Mato Grosso” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Alvorada de Minas, março de 2015). Como comenta a Secretária de Educação de Alvorada de Minas, “a Anglo tenta controlar o comportamento dos trabalhadores, mas as meninas não estavam preparadas para isso” (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Segundo o policial entrevistado, para resolver o problema da relação de trabalhadores com adolescentes locais vem sendo realizadas campanhas educativas nas escolas do município (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Em função da presença de trabalhadores imigrantes mobilizados pela atividade minerária, houve o aumento da demanda sobre vários setores da saúde municipal, sobretudo entre 2012 e 2013 (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Para exemplificar a nova demanda, o Secretário de Saúde mencionou um surto de diarreia em funcionários de uma empresa, cujo atendimento ocorreu em uma unidade básica de saúde local (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Nesse quadro, tem-se um pequeno aumento das unidades da categoria “centros de saúde e unidade básica de saúde” e o surgimento, a partir de 2009, de um consultório e de uma clínica especializada. Não há hospital no município e os casos mais graves são levados aos hospitais de Diamantina e Belo Horizonte (vide figura a seguir). 119 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Tipo 2005 Centro de saúde e unidade básica de saúde Clinica especializada e ambulatório especializado 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 1 1 1 3 3 3 3 3 4 5 - - - - 1 1 1 1 1 1 Consultório - - - - 1 1 1 1 1 1 Hospital geral - - - - - - - - - - Policlínica - - - - - - - - - - Posto de saúde 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 Total 3 3 3 5 7 7 7 7 8 9 Figura 36: Quantidade de Estabelecimentos de Saúde, por tipo, entre 2005 e 2014, em Alvorada de Minas/MG. Fonte: Secretária de Saúde de Alvorada de Minas, março de 2015. Conforme informações do Secretário de Saúde de Alvorada de Minas, o município possui um posto de saúde na sede, com plantão 24 horas; um posto de saúde em Itapanhoacanga; cinco “Centros de Saúde e unidades básicas de saúde”: um na sede e quatro nos povoados rurais de São José do Arrudas (desde 2008), Ribeirão de Trás (desde 2008), São José do Jassém (desde 2013) e Rio das Pedras (desde 2014) (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). No âmbito do SUS, o município conta com o Programa Saúde da Família (PSF). Verifica-se, de 2008 para 2009, um aumento do número de famílias atendidas pelo PSF, que se mantém estável para os anos subsequentes, como explicita o gráfico a seguir. 120 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 37: Número de Famílias cadastradas por ano no Programa Saúde da Família (PSF), 2000 a 2014. Fonte: DATASUS, 2015. Em termos de recursos humanos no setor da saúde, o município conta com três médicos para atender a sede e as localidades rurais, 4 enfermeiros e cerca de 12 técnicos de enfermagem (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). No posto de Saúde do distrito de Itapanhoacanga há uma médica cubana, pelo programa de governo Mais Médicos, que atende no posto de saúde local, 1 enfermeira, 2 técnicos de enfermagem e 6 agentes comunitários (Entrevista com funcionária do Posto de Saúde de Itapanhoacanga, março de 2015). A figura a seguir apresenta o número de profissionais de nível superior no sistema de saúde de Alvorada de Minas, tanto no setor público quanto privado. É possível notar que o número total de profissionais com nível superior aumentou somente a partir de 2012, quando a demanda aos serviços públicos estava em sua plenitude, mas próxima ao fim da implantação. 121 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Alvorada de Minas Ano/mês 2008/Jan 2009/Jan 2010/Jan 2011/Jan 2012/Jan 2013/Jan 2014/Jan 2015/Jan Bioquímico / farmacêutico 1 1 1 1 1 1 1 1 Clínico Geral - - - - 1 1 1 1 Enfermeiro 1 2 2 2 5 4 6 3 Fisioterapeuta - - 1 1 1 1 2 2 Fonoaudiólogo - - 1 1 1 1 - 1 - - - - 2 1 1 1 - - 1 1 1 1 1 1 Nutricionista - - - 1 1 1 1 - Odontologista 1 1 2 1 1 2 3 2 Pediatra - - - - - - 1 1 Psicólogo - - 1 1 1 1 1 1 Total 3 4 9 9 15 14 18 14 Ginecologista Obstetra Médico de Família Figura 38: Número de profissionais de nível superior no sistema de saúde público e privado de Alvorada de Minas, 2008 a 2015. Fonte: DATASUS, 2015. Como o município não possui hospital, os pacientes são encaminhados, com veículos da prefeitura, principalmente para Diamantina e, em alguns casos, para Belo Horizonte. “Há um veículo todos os dias para Diamantina e para Belo Horizonte”, afirma o Secretário de Transportes, que acrescenta: “os carros agora têm ar condicionado, frigobar. O paciente hoje se dá ao luxo de escolher como ir” (Entrevista com Secretário de Transportes da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). A Secretaria de Saúde conta com 33 veículos (um ônibus, um micro-ônibus, quinze automóveis, sete motocicletas, uma mini van ducato, uma caminhonete S.10, duas caminhonetes amarok, quatro ambulâncias e uma Kombi) (Informação fornecida pela Secretaria de Transportes da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Para viabilizar o acesso das comunidades rurais ao posto de saúde do município, a prefeitura realiza a condução dos pacientes, que não possuem veículos, de casa para o posto de saúde e do posto para a casa (Entrevista com funcionária da Secretária de Saúde da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Segundo o Secretário de Saúde de Alvorada de Minas, os principais atendimentos realizados no 122 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] município referem-se a doenças como hipertensão, diabetes, infecções respiratórias e parasitoses em crianças (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Podemos ainda tratar a questão da água e do acréscimo na quantidade de lixo produzido no município como uma questão de saúde pública. A questão da água configura-se como um problema em Itapanhoacanga tanto pelo secamento das nascentes quanto pelo fato da caixa d’água de alvenaria, que abastece o distrito, encontrar-se em um estado degradante, o que ocasiona problemas de diarreia, sobretudo em crianças (Entrevista com presidente da AMORITA, Itapanhoacanga, dezembro de 2014). Figura 39: Estação de Tratamento de Água no distrito Itapanhoacanga, Alvorada de Minas-MG. Fonte: Trabalho de campo da equipe do Cidade e Alteridade, março de 2015. O presidente da AMORITA relata que recorreu à Anglo, várias vezes, em busca de melhorias para a comunidade, mas “a Anglo vem, mas não age” (Entrevista com presidente da AMORITA, Itapanhoacanga, dezembro de 2014). Desde o início do processo da mineração, com os furos de sondagem, os moradores já sentiam diferença na quantidade da água (Entrevista com presidente da AMORITA, Itapanhoacanga, 123 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] dezembro de 2014). Pelos relatos, a empresa muda de funcionários com frequência, o que dificulta o atendimento das demandas locais, além de existir “um jogo de empurra-empurra entre a prefeitura e a Anglo” (Entrevista com presidente da AMORITA, Itapanhoacanga, dezembro de 2014). Em meio aos problemas vivenciados em função da mineração, os moradores encaminham ofícios ou telefonam no serviço de 0800 da Anglo, mas não obtêm retorno, muito menos solução para as demandas (Entrevista com presidente da AMORITA, Itapanhoacanga, dezembro de 2014). Com o aumento do fluxo de trabalhadores também ocorreu um incremento da demanda para a coleta de lixo em Alvorada de Minas, que era realizada três vezes por semana e hoje precisa ser diária (Entrevista com Secretário de Transportes da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). O aumento na produção do lixo sem o devido tratamento e/ou descarte pode agravar o processo de contaminação de solos e rios e piorar a qualidade da saúde da população local. De toda forma, conforme a equipe do Cidade Alteridade verificou em campo, a prefeitura mantém um aterro controlado e está construindo uma usina de compostagem de lixo (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015) (ver Figura 40). Entretanto, conforme Lei nº 12.305/2010, cujo prazo para cumprimento findou em agosto de 2014, todos os municípios precisarão implantar aterro sanitário. De acordo com o Secretário de Meio Ambiente, a questão da sua construção ainda não foi solucionada, embora exista uma condicionante que prevê um consórcio entre os municípios atingidos pela mineração para construção de um aterro sanitário compartilhado, uma vez que a quantidade de lixo aumentou consideravelmente (Entrevista com Secretário de Meio Ambiente da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). 124 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 40: Entrada do aterro controlado de Alvorada de Minas. Fonte: Trabalho de campo da equipe do Cidade e Alteridade, dezembro de 2014. 125 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 3.4 Impactos no Setor de Educação em Alvorada de Minas A taxa de analfabetismo em Alvorada de Minas é maior na zona rural do que na zona urbana e vem diminuindo ao longo dos anos, como mostra a Figura 41. É importante destacar, que as taxas totais de analfabetismo em Alvorada de Minas são superiores em todos os anos às taxas totais do estado de Minas Gerais (de 33,7% em 1991, 23,3% em 2000 e 19,5% em 2010), mas com percentuais aproximados. Figura 41: Taxa de analfabetismo total e por situação de domicílio em Alvorada de Minas. Fonte: IBGE – Censo Demográfico, 1991, 2000 e 2010. Quando se compara a faixa etária com a taxa de analfabetismo, observa-se que os indivíduos mais jovens apresentam percentuais menores de analfabetismo enquanto os indivíduos mais velhos possuem maiores índices (vide Figura 42). Assim, a tendência à diminuição da taxa de analfabetismo ao longo dos anos, só é verificada nas faixas etárias mais jovens. Entre 70 e 79 anos a taxa de analfabetismo aumentou de 1991 para 2000, voltando a diminuir de 2000 para 2010, embora em 2010 apresentese com valor ainda superior a 1991. Para a faixa etária de 80 anos ou mais, a taxa de analfabetismo também aumentou de 2000 para 2010. 126 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 42: Taxa de analfabetismo, por faixa etária, em Alvorada de Minas. Fonte: IBGE – Censo Demográfico, 1991, 2000 e 2010. Ainda no que se refere ao setor de educação, o número de matrículas dos alunos da primeira parte do ensino fundamental (1ª a 4ª) sofreu quedas consecutivas a partir de 2004. No ensino médio e no pré-escolar, observa-se certa regularidade no número de matrículas para todos os anos, principalmente a partir de 2007. O número de matrículas nas creches, disponíveis a partir de 2009, apesar de apresentar queda em 2011, vem se mantendo constante, como mostra o gráfico adiante. Figura 43: Número de matrículas escolares por ensino em Alvorada de Minas, 2000 a 2014. Fonte: Mec/Inep/Deed/Csi, 2000 a 2014. A Figura a seguir traz as escolas estaduais e municipais do município e dos povoados rurais. Algumas escolas foram construídas e outras reformadas e/ou 127 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] ampliadas, mas, conforme relatado pela Secretária de Educação, somente a reforma e ampliação da E.M de São José do Arrudas foi realizada através de convênios entre a prefeitura e a Anglo American. Entretanto, devido ao deslocamento das famílias atingidas pelo empreendimento, ocorreu uma diminuição do número de alunos na referida Escola. Escola Alvorada de Minas (Sede) Estadual Escola Estadual José Madureira (1° do Ensino Fundamental ao Ensino Médio) Itapanhoacanga Escola Estadual José Daniel Utsch (1° do Ensino Fundamental ao Ensino Médio e EJA) Municipal Construção do Centro Municipal de Educação Construção de Escola Infantil (de 3 a 5 anos), onde funciona também EJA. Construção da Escola de Educação Infantil – 3 a 5 anos São José do Arrudas Reforma, ampliação da E. M. de São José de Arrudas, funciona séries iniciais do ensino fundamental (Fund. 1 -1° ao 5° ano) e educação infantil (alunos de 4 e 5 anos). Rocinha Construção da Escola Municipal de Rocinha (Anexo que pertence a Escola do Arrudas, Ed I – alunos de 4 e 5 anos e EF I - 1° ao 5° ano) Barbeiro Escola municipal do Barbeiro. Ampliação e reforma da Escola. Retiro do Construção da E. M. Retiro do Limoeiro Limoeiro e de uma quadra coberta. (Ed. 1 – alunos de 4 e 5 anos; EF. 1 1° ao 5° ano; EF. II - 6° ao 9° ano). São José do Escola Estadual de São José de Educação infantil (Anexo da Escola Jassém Jassém. Municipal de São José do Arrudas, 4 Ensino Fundamental completo e 5 anos) Rio das Pedras Escola Estadual Rio das Pedras A Educação Infantil que funciona na (Educação Infantil e Ensino Escola Estadual Rio das Pedras é Fundamental) municipal Fazenda da Ponte EJA (Anexo da Escola Retiro do Limoeiro) Figura 44: Escolas em Alvorada de Minas. Fonte: Secretaria de Educação de Alvorada de Minas, dezembro de 2014. Diversos problemas relacionados à Escola de São José do Arrudas, localizada às margens da rodovia MG-10, no trecho compreendido entre a portaria principal da Anglo American e o distrito de Itapanhoacanga, foram recorrentemente denunciados 128 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] em reuniões da REASA (Rede de Acompanhamento Socioambiental) e em reuniões públicas das comunidades atingidas com o Ministério Público de Conceição do Mato Dentro (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Em ata de audiência pública realizada em abril de 2012, em São Sebastião do Bom Sucesso, município de Conceição do Mato Dentro, Jerusa (professora da Escola Municipal de São José do Arrudas) comentou os problemas vivenciados no ambiente escolar relativos a poeira e ao barulho, devido à localização da escola às margens de uma via com grande fluxo de veículos da Anglo American (ALMG, 2012).36 De acordo com a Secretária de Educação de Alvorada de Minas, a qualidade da água na Escola também não era boa, sendo “necessário utilizar água mineral até para lavar vasilhas e fazer a merenda escolar” (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). A poeira estaria causando problemas respiratórios em diversos alunos, em decorrência dos “carros leves e pesados do empreendimento que passam em alta velocidade” (MPMG. Ata de reunião Pública, São José do Jassém, município de Alvorada de Minas, 17/05/2012).37 Além dos problemas respiratórios agravados pela poeira, a Secretária de Educação menciona o déficit de aprendizagem dos alunos, “que pode ter relação com a falta de concentração em função do barulho decorrente do trânsito de veículos” (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Em ata da reunião pública, realizada em junho de 2012, na Escola de São José do Arrudas38, os moradores destacam que as instalações escolares não são apropriadas (não há banheiros) e que o trânsito de carretas pesadas na porta da escola, traz consequências para além da poeira, como a insegurança na travessia de 36 Notas taquigráficas da audiência pública ocorrida em abril de 2012. Disponível em: http://wwwantigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/repositorio/id/34675. Acesso em: 15/05/2015. 37 MPMG. Ata de reunião Pública, São José do Jassém, município de Alvorada de Minas, 17/05/2012. Disponível em: http://cimos.blog.br/wp-content/uploads/2012/06/ATA-Reuni%C3%83%C2%A3ioP%C3%83%C2%BAblica-Jass%C3%83%C2%A9m.pdf Acesso em: 17/05/2015. 38 MPMG. Ata da 1ª Reunião da Reasa, São José do Arrudas, Alvorada de Minas, 11/06/2012. Disponível em: http://cimos.blog.br/wp-content/uploads/2012/06/Ata-1%C3%82%C2%AAreuni%C3%83%C2%A3o-REASA-11.06.12-1.pdf. Acesso em: 17/05/2015. 129 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] alunos, familiares e professores e a depredação das vias, resultando na interrupção do transporte escolar (MPMG. Ata da 1ª Reunião da Reasa, São José do Arrudas, Alvorada de Minas, 11/06/2012). Na ata de audiência pública, do dia 17 de abril de 2012, o Diretor da Escola Estadual de São José do Jassém, comentou: “as empresas estão contratando jovens naquela comunidade e que isso vem provocando evasão escolar, pois preferem trabalhar a estudar” (ALMG, 2012). Em ata da 3ª reunião pública da REASA, em 13 de agosto de 2012, realizada em Itapanhoacanga, também foi mencionada a situação da Escola Estadual José Daniel Utsch, em função da “péssima qualidade da água fornecida para consumo dos alunos” e da existência de rachaduras e trincas ocasionadas pelas explosões na área da mineração. Como menciona uma entrevistada, em Itapanhoacanga é possível ouvir o barulho das explosões da mineração (Entrevista com moradora B., Itapanhoacanga, dezembro de 2014). Conforme a Secretária de Educação, o ponto positivo da chegada do empreendimento foi o aumento da receita municipal, com qualificação de professores através de cursos oferecidos pela Anglo e a aquisição de materiais escolares de boa qualidade. Lado outro, ela observa que embora seja obrigatório por lei a aplicação de 25% das receitas tributárias municipais na educação, as escolas locais não possuem infraestrutura adequada para aplicação desse recurso: “não adiantava comprar aquele tanto de coisa e não ter lugar para colocar” (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). A Secretaria de Educação possui 29 veículos (nove ônibus, dois volare, dois micro-volare, três micro-ônibus, duas sprinters, dois automóveis, uma amarok, duas stradas, cinco kombis, uma iveco) (Informação fornecida pela Secretaria de Transporte da Prefeitura de Alvorada de Minas, em dezembro de 2014). Conforme o Chefe de Gabinete da prefeitura, haverá um remanejamento de verbas da educação e da saúde para a área de saneamento do município, para melhor aproveitamento dos recursos 130 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] dos convênios firmados com a Anglo American (Entrevista com Gestor de Convênio entre a Prefeitura de Alvorada de Minas e a Anglo, dezembro de 2014). 39 3.5 Impactos no Setor de Segurança em Alvorada de Minas O gráfico a seguir mostra que a taxa de crimes violentos em Alvorada de Minas aumentou ao longo dos anos.40 Conforme dados da Polícia Militar de Minas Gerais, as maiores taxas, no período de 2000 a 2010, se dão nos anos de 2004, 2006 e 2008, respectivamente 113.07, 112.94 e 141.07 (por 100 mil habitantes) (FJP, 2010). Figura 45: Taxa de crimes violentos (por 100 mil hab.) em Alvorada de Minas, 2000 a 2010. Fonte: Polícia Militar de Minas Gerais e IBGE, Censos Demográficos de 2000 e 2010 (a população nos anos intercensitários foi estimada por interpolação). O número de armas apreendidas em Alvorada de Minas diminuiu 4,39% de 2006 para 2007, mas desde então sofreu aumentos de 13,6% de 2007 para 2008, de 7,97% de 2008 para 2009 e de 44,42% de 2009 para 2010 (vide Figura 46). No período de 2000 até 2005 não foi apreendida uma arma de fogo sequer no município. 39 Para o Secretário de Transportes há necessidade de maiores investimentos na área de saneamento, pois a rede de coleta de esgoto existente, operada pela prefeitura, é precária, “vai areia para o esgoto, água da chuva, muitas casas não têm caixa de gordura” e até hoje o esgoto é lançado no Rio do Peixe (Entrevista com Secretário de Transportes da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). 131 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 46: Número de armas apreendidas (por 100 mil habitantes) em Alvorada de Minas, 2006 a 2010. Fonte: Índice Mineiro de Responsabilidade Social. Fundação João Pinheiro, 2013. Conforme entrevista realizada com um policial militar, a criminalidade no município não chega a ser elevada. Entretanto, se comparada com o período anterior à chegada da mineração, o aumento é significativo, “já que esse índice foi de zero para um” (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Segundo o policial militar, a incidência de roubos aumentou, a exemplo do fato de que em uma única festa em Alvorada de Minas ocorreram 54 furtos, por indivíduos de fora da cidade, sendo também recorrentes brigas nas festividades locais (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Para o Secretário de Saúde existe um problema na contratação das empresas que não verificam o histórico criminal do contratado: “não tem critérios para contratar, está precisando de gente, pega qualquer pessoa” (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). No início de 2015, a PM de Alvorada de Minas prendeu um assaltante, que conforme informações do Secretário de Saúde “era migrante, foi preso e num conflito no quartel com um policial militar, o meliante reagiu e foi morto” (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). No distrito de Itapanhoacanga, os moradores afirmam que os roubos ocorrem principalmente nas propriedades rurais, como explicitam os trechos de entrevistas na sequência: “acontece roubos de coisa simples, roubo de galinha” (Entrevista com moradora H., Itapanhoacanga, março de 2015). “Roubo acontece, mas nunca 132 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] descobre. Roubaram porco, galinhas nas roças, máquina de passar ração. Não descobre quem foi não” (Entrevista com moradora T., Itapanhoacanga, março de 2015). “Roubo de duas porcas, animais de criação, um boi que não conseguiram levar, mas ficou com o laço no pescoço” (Entrevista com morador B., Itapanhoacanga, março de 2015). Muitas tentativas de furtos e pequenos delitos não são registrados, uma vez que a maioria dos entrevistados, afirmou que não registram crimes dessa natureza, situação favorecida pela ausência de policiais no distrito. Em 2014, com o início das operações do empreendimento, ocorreu a diminuição do número de trabalhadores temporários e parte da população da região contratada pela mineradora e pelas empresas terceirizadas estão em situação de desemprego. Tal situação, alerta o policial militar de Alvorada de Minas, aumenta a criminalidade: “com a evasão o cara não tem como viver e acaba se envolvendo em atividades ilícitas” (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Além da incidência de roubos em Alvorada de Minas, ocorreu um aumento do tráfico e do consumo de drogas (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). O aumento do tráfico de drogas deve-se ao mercado potencial de usuários que surge com a chegada de grande contingente de trabalhadores na região. No distrito de Itapanhoacanga, conforme foi relatado à equipe do Cidade Alteridade, há trabalhadores de firma que fazem uso deliberado de drogas: “Já vi um trabalhador da Tamasa fumando maconha no meio de todo mundo. Encarregado já foi avisado e ele será chamado atenção” (Entrevista com moradora H., Itapanhoacanga, março de 2015). Como mencionado pelo policial militar, muitos trabalhadores utilizam drogas em decorrência das condições precárias de alojamento e de trabalho (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Os traficantes, vindos de fora, aliciam as pessoas da cidade para o tráfico e para o consumo de drogas (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). O Conselho Tutelar e a Secretária de Assistência Social também afirmam o aumento do consumo de drogas no município: “Aqui antigamente sabíamos 133 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] de dois ou três usuários de drogas. Hoje está incontável” (Entrevista com conselheiras do Conselho Tutelar de Alvorada de Minas, março de 2015). “As drogas aumentaram com o empreendimento. As ilícitas eram mais ocultas. Estou impressionada porque antes não via e hoje está muito evidente. Acho que são pessoas de fora que trazem, favorecendo o consumo dos jovens” (Entrevista com Secretária de Assistência Social e uma Assistente Social da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Segundo a Secretária de Assistência Social, as drogas têm chegado às localidades rurais como algo novo, “as comunidades são simples e não perceberam ainda as drogas, não percebem que a mudança de comportamento do jovem deve-se as drogas” (Entrevista com Secretária de Assistência Social e uma Assistente Social da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). No povoado rural de São José do Jassém, como relatado, a droga chegou, sobretudo, após a entrada da mineração, viciando muitos jovens da zona rural, embora o número de ocorrências por uso e tráfico de drogas não tenham aumentado expressivamente na localidade (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). No distrito de Itapanhoacanga, as entrevistas com os moradores apontam para o aumento do consumo e do tráfico de drogas: “Drogas aqui já é um caso sério. Não tem ninguém que foi preso, mas sabemos quem são os usuários. São pessoas que moraram fora, nas favelas e era daqui e voltaram para Itapanhoacanga” (Entrevista com moradora S., Itapanhoacanga, março de 2015). “As drogas aumentaram significativamente, está demais. Há boatos de jovens da comunidade que hoje são usuários de drogas” (Entrevista com moradora H., Itapanhoacanga, março de 2015). “As drogas aumentaram de uns 5 anos para cá, o fumo está rolando mesmo, a maconha. Tem gente aqui que está até vendendo” (Entrevista com moradora M.; Itapanhoacanga, março de 2015). Conforme informações coletadas em entrevista com o policial militar, a violência e o tráfico de drogas se intensificaram significativamente em Itapanhoacanga, entretanto, muitos crimes no distrito não são registrados, em função da ausência da polícia no local (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Mesmo com ocorrências de crimes a polícia não é 134 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] acionada pela população do distrito, porque, segundo o policial militar entrevistado, muitos moradores ficam receosos de que a polícia realize apreensões de motos e automóveis na comunidade, já que muitos dirigem sem CNH e algumas motos são alienadas ou roubadas (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Além de local de residência temporária de trabalhadores, o distrito era frequentado pelos operários “em busca de lazer e distração, porque lugar onde tem polícia, o pessoal não vai” (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Ainda conforme o policial militar: “há 4 meses que a polícia não vai em Itapanhoacanga”, porque não são acionados (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Por outro lado, os moradores do distrito reclamam da falta de policiamento: “A segurança não é boa não, falta policiamento” (Entrevista com moradora T., Itapanhoacanga, março de 2015). “Nunca tivemos segurança, vivemos a poder de Deus” (Entrevista com moradora E., Itapanhoacanga, março de 2015). “São poucas as visitas de policial, está precisando mais de assistência policial” (Entrevista com moradora M., Itapanhoacanga, março de 2015). “O policiamento é escasso. Tinham que cobrar mais da polícia. [...] Liga para lá e fala que está sem carro. Não atende ao telefone. Só vem quando tem evento e faz ofício e envia com antecedência. No carnaval fizemos ofício e policiais vieram” (Entrevista com morador B., Itapanhoacanga, março de 2015). Atualmente existem quatro policiais militares no município de Alvorada de Minas, sendo que no período de férias destes, o munícipio passa a contar com apenas três policiais. Como consequência, “a polícia está aqui para registrar BO, não temos como fazer segurança pública, sem efetivo” (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Ressalta-se que o número de policiais militares no município manteve-se o mesmo desde 2000 (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014), mesmo com a iminência de impactos graves que um empreendimento desse porte poderia trazer para a segurança pública não houve investimentos de precaução. 135 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Hoje a PM possui três viaturas (um carro, uma moto, uma camionete) e um novo quartel está sendo construído, via convênio entre a prefeitura e a Anglo American, conforme previsto em Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). Ou seja, medidas estão sendo implantadas somente após o dano causado (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Para o policial militar entrevistado, o aumento do fluxo intenso de veículos no município vem ocasionando maior número de acidentes, principalmente na zona rural (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Para reduzir os acidentes, a Anglo American estabeleceu uma velocidade máxima de segurança, com monitoramento eletrônico, o que tem contribuído para a diminuição do número de acidentes com vítimas (Entrevista com Secretário de Transportes da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). A frota de veículos em Alvorada de Minas aumentou 27,31% de 2005 para 2013, com destaque para o aumento de automóveis, caminhões, caminhonetes e motocicletas (vide Figura 47). Frota Automóvel 2005 2006 2007 2009 2010 2011 2012 2013 129 135 149 183 201 240 291 353 Caminhão 3 4 6 6 8 10 14 21 Caminhão trator 0 0 0 0 0 0 0 0 13 14 18 40 46 49 69 74 Camioneta 0 0 0 0 14 14 11 14 Micro-Ônibus 0 1 3 5 6 7 11 14 53 71 96 143 173 221 259 292 Motoneta 0 0 0 0 1 3 4 6 Ônibus 5 6 7 7 7 11 14 19 Trator de rodas 0 0 0 0 0 0 2 2 Utilitário 0 0 0 0 0 0 0 0 Outros 0 0 0 0 1 1 2 3 2208 2237 2286 2393 2467 2567 2689 2811 Caminhonete Motocicleta Total Figura 47: Frota de veículos em Alvorada de Minas, 2005 a 2013. Fonte: IBGE Cidades, 2014.41 41 Não há dados para a frota de veículos para o ano de 2008. 136 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Conforme o Secretário, a intensidade do fluxo de veículos no município decorre do aumento da frota e da circulação de veículos das empresas vinculadas à mineração. O acréscimo de veículos em Alvorada de Minas é tão grande que “os estacionamentos da cidade estão ficando pouco para o número de carros” (Entrevista com Secretário de Transportes da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). As entrevistas revelaram que o fluxo intenso de veículos traz transtornos para a população local: Hoje em dia não dorme mais aquele sono não. É transporte de empresa que traz funcionários, os ônibus que trazem e levam os funcionários em diferentes turnos que passam por Alvorada de Minas, caminhões e veículos pesados. Nas ruas sem bloquetes, o calçamento afundou. Melhoram as ruas, mas não dura nada... (Entrevista com Secretária de Assistência Social e uma Assistente Social da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Fluxo de veículos hoje é 10 vezes mais. Antes podia andar no meio da rua, sem problemas. Hoje é muito caminhão, o fluxo de pessoas é maior, muita gente diferente. O fluxo de veículos pesados arrebenta as ruas, causa rachaduras nas casas, fico até com medo das casas caírem, causa muita poeira também (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Alvorada de Minas, março de 2015). O fluxo de veículos pesados abala as casas, aumenta da poeira e os problemas respiratórios para a população. No Arrudas gerou muito problema respiratório para as crianças e o posto de saúde também fica na beira da estrada. Hoje o problema diminuiu (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). A frota de veículos da prefeitura de Alvorada de Minas também obteve um aumento de 389%, desde a chegada da mineração no município, indo de 18 para 88 veículos (vide figura a seguir). Em função do alto custo gerado com a manutenção dos veículos, o Secretário de Transportes expõe a necessidade de redução da frota em 15%, principalmente com a previsão de queda na arrecadação municipal com o fim da prestação de serviços de empresas na construção do empreendimento minerário na região (Entrevista com Secretário de Transportes da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). 137 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Descrição Secretaria de Saúde Administração Gabinete Assistência Secretaria Social de Cultura Secretaria Secretaria de de Obras Agricultura Secretaria de Educação Ônibus 1 1 0 0 0 0 0 9 Volare 0 0 0 0 0 0 0 2 Micro-Volare 0 0 0 0 0 0 0 2 Micro-ônibus 1 0 0 0 0 0 0 3 Sprinter 0 0 0 0 0 0 0 2 Automóveis 15 4 1 3 1 0 1 2 Motocicleta 7 2 0 0 0 0 0 0 Ducato 1 0 0 0 0 0 0 0 Caminhonete S.10 1 0 0 0 0 0 0 0 Amarok 2 0 0 1 0 0 0 1 Strada 0 0 0 0 0 0 0 2 Ambulância 4 0 0 0 0 0 0 0 Kombi 1 0 0 0 0 0 0 5 Hilux 0 0 0 0 1 0 0 0 Iveco 0 0 0 0 0 0 0 1 Caminhão 0 0 0 0 0 5 0 0 Motoniveladora 0 0 0 0 0 2 0 0 Retroescavadeira 0 0 0 0 0 1 1 0 Trator 0 0 0 0 0 2 0 0 TOTAL 33 7 1 4 2 10 2 29 Figura 48: Veículos, por repartição, da Prefeitura de Alvorada de Minas. Fonte: Adaptado de planilhas fornecidas pela Secretaria de Transportes de Alvorada de Minas, dezembro de 2014. Em Itapanhoacanga os moradores locais também comentaram sobre o aumento do fluxo de veículos e suas consequências, como evidenciam os trechos de entrevista a seguir: “tem um fluxo intenso de veículos e muita poeira” (Entrevista com moradora H., Itapanhoacanga, março de 2015). “Aumentou o número de carros, quase todo mundo tem carro, moto. Tem muito carro daqui também, não é só de empresa. No tempo de seca tem muita poeira” (Entrevista com moradora T. Itapanhoacanga, março de 2015). “Os veículos aumentaram, todo mundo tem carro. É um movimento de carro, uma barulhada” (Entrevista com moradora E., Itapanhoacanga, março de 2015). “Passa direto carro da Anglo para buscar e levar trabalhador” (Entrevistada com moradora M., Itapanhoacanga, março de 2015). O número de motos aumentou significativamente no distrito, gerando transtornos pela sua utilização irregular: “Motos demais, pessoal anda sem capacete, capacete de cotovelo, que a gente fala. Muitas motos de fazendeiros duvidosas” 138 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] (Entrevista com moradora S., Itapanhoacanga, março de 2015). “Temos problemas com motoqueiros, a facilidade que é para ter moto, não respeitam quebra-molas” (Entrevista com morador B., Itapanhoacanga, março de 2015). “Tem gente que dirige sem carteira, está precisando da polícia. Não está andando de moto, está voando. Direto é esse movimento de carro, muito movimento” (Entrevista com moradora MC, Itapanhoacanga, março de 2015). “A onda é comprar moto, isso para eles basta, a pessoa vivi em comunidade e se conforma dessa forma” (Entrevista com moradora H., Itapanhoacanga, março de 2015). Antigamente era cavalo, hoje é moto. Moto, carro de som também. Tenho medo desse movimento podemos ser atropelados a qualquer hora... Gente sem carteira, os veículos não legais. Movimento de caminhões, ônibus vão para onde estão os alojamentos (Entrevista com moradora E., Itapanhoacanga, março de 2015). Além das motos os moradores reclamam do som alto dos veículos nas ruas do distrito: “As motos estão desenfreadas, som fora de hora, em tempo de ter um desastre” (Entrevista com moradora M., Itapanhoacanga, março de 2015). “Moto faz muito barulho, costuma ter som de carro ligado, outro dia fui pedir para parar... Para uns tempos e depois começa de novo” (Entrevista com moradora T., Itapanhoacanga, março de 2015). “Um problema é o som automotivo de moradores locais” (Entrevista com moradora S., Itapanhoacanga, março de 2015). “Liga som fora de hora, carro, moto, muito barulho, povo novo hoje bebe muito. Não sabe participar de uma festa e não beber” (Entrevista com moradora T., Itapanhoacanga, março de 2015). Embora uma entrevistada tenha afirmado que não é comum acidentes de trânsito, outra moradora relatou um acidente envolvendo seu filho pequeno: “Meu filho já foi atropelado por moto, não chegou a machucar, não foi nada grave, mas foi um susto” (Entrevista com moradora L., Itapanhoacanga, março de 2015). O fluxo intenso de veículos pesados, carros e motos também impede as crianças de brincarem na rua: “Agora ninguém pode jogar bola no meio da rua, porque os carros vêm doidos” (Entrevista com moradora M., Itapanhoacanga, março de 2015). Com o intenso fluxo de veículos, o deslocamento a cavalo, atividade tradicional, também se tornou inviável; como menciona a Secretária de Educação, embora já 139 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] tenha feito o trajeto várias vezes de Itapanhoacanga para Alvorada de Minas a cavalo, hoje, pelo fluxo de camionetes e caminhões, ela considera a estrada imprópria e perigosa para prática (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Hoje os cavalos são utilizados no trabalho das fazendas, “para tocar criação”, porque “o que está mandando é carro e moto. Com esse movimento de carro é perigoso cavalo na estrada” (Entrevista com moradora M., Itapanhoacanga, março de 2015). As cavalgadas, tradicionais na região, também são afetadas pelo movimento de veículos: “O jovem hoje tem é moto. Empina moto no meio de animal [...] Hoje tem que ter cuidado com o fluxo de caminhão. A cavalgada atravessa a MG010 até pegar outra estrada” (Entrevista com morador B., Itapanhoacanga, março de 2015). Apesar das reclamações recorrentes sobre a piora nas estradas e do aumento da poeira, o Secretário de Transportes afirmou que as “as estradas estragaram mais, mas arrumou-se mais também” (Entrevista com Secretário de Transporte da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2015). Ainda conforme o Secretário, “antigamente” a Viação Serro ficava até 15 dias sem ir a Alvorada de Minas, mas “hoje as estradas permitem que se transite por qualquer local do município” (Entrevista com Secretário de Transporte da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2015). Lado outro, o presidente da AMORITA afirma que não há transporte com frequência de Itapanhoacanga para Alvorada de Minas, pois quando chove o ônibus não entra no distrito. A própria Viação Serro, responsável pelo transporte intermunicipal, avisou à equipe de campo do Cidade Alteridade que em função da piora da estrada em épocas de chuva, o ônibus não entra na cidade de Alvorada de Minas. 140 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 3.6 Convênios entre a Prefeitura de Alvorada de Minas e a Anglo American 42 Na área de Educação foram firmados convênios para reforma da Escola Municipal de São José de Arrudas, com construção de Quadra poliesportiva coberta; reforma da Escola Municipal Retiro do Limoeiro, com construção de quadra poliesportiva; construção de uma Escola Infantil e de uma creche na sede; construção de uma escola infantil em Itapanhoacanga (Informações fornecidas pelo Gestor de Convênios entre a Prefeitura de Alvorada de Minas e a Anglo, dezembro de 2014). Na área de lazer, cultura e turismo, os convênios estão voltados para construção de infraestrutura para o parque de exposição de Alvorada de Minas (construção de ginásio poliesportivo, bar e restaurante, galpões para bovinos, equinos e para concurso leiteiro, portaria e estacionamento externo). Na área de esporte, os convênios abarcaram construção de quadra poliesportiva e de um alambrado no campo de futebol em Itapanhoacanga e a construção de quadra poliesportiva em São José do Jassém. Na estrutura viária foram realizadas as seguintes obras: construção de duas passarelas no Rio do Peixe; construção de ponte em Água Quente; execução de passeios e meios-fios na sede e em Itapanhoacanga e implantação asfáltica no trecho que liga a sede à Fazenda da Ponte. Também foram doados: uma motoniveladora, uma retroescavadeira, dois caminhões basculante, um automóvel, dois ônibus escolares, um caminhão pipa, um micro-ônibus e uma ambulância. No âmbito das secretarias de Cultura, Turismo, Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, foram firmados convênios para aquisição de equipamentos (notebook, projetor, GPS, máquina fotográfica e impressora). Na assistência social foi construída uma casa de abrigo comunitária e está em licitação a construção de 14 casas populares. Na área de saúde foi concluída a construção de unidade básica e de um laboratório. 42 As informações sobre os convênios firmados entre a Prefeitura Municipal de Alvorada de Minas e a Anglo American foram fornecidas em planilha e em entrevista com Gestor de Convênios da prefeitura em dezembro de 2014. Entretanto, é importante ressalvar que verificamos dissonâncias entre as informações do Gestor de Convênios e as informações fornecidas por outros Secretários da prefeitura. Optamos por manter as informações do Gestor, na medida em que o mesmo exerce especificamente a função de gerir os convênios entre a Anglo American e a Prefeitura. 141 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] No prédio da prefeitura há um projeto para construção de uma biblioteca e um auditório. A prefeitura também almeja que a Anglo firme convênio para asfaltamento da sede até a rodovia MG10 (Informações fornecidas pelo Gestor de Convênios entre a Prefeitura de Alvorada de Minas e a Anglo, dezembro de 2014). Segundo o Secretário de Transportes há muita burocracia no processo de implantação dos convênios de cooperação entre a prefeitura e Anglo. Os convênios e o repasse de recurso da Anglo é realizado mediante apresentação de um projeto, com planilha de custo. A Anglo faz o pagamento de 30% do valor total da obra, conforme medição, para a prefeitura, com contratação de empresas via licitação para execução das obras (Entrevista com Gestor de Convênios entre a Prefeitura de Alvorada de Minas e a Anglo, dezembro de 2014). Os convênios foram firmados em 2010 e entre os anos 2011 e 2012 as obras começaram a ser executadas e em dezembro de 2014, 80% dos convênios tinham sido concluídos (Entrevista com Gestor de Convênios entre a Prefeitura de Alvorada de Minas e a Anglo, dezembro de 2014). Os convênios são firmados como compensação e mitigação aos impactos ocasionados pela mineração nos municípios, mas apresentamse frequentemente atrelados ao discurso do desenvolvimento proporcionado pela mineração, proporcionando legitimidade ao empreendimento. Como comenta a Secretária de Educação: “cria-se a ideia de que está melhorando, mas eu pergunto: vale a pena? Eles levam tanto e dão tão pouco” (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Ademais, tais convênios deveriam ser firmados antes, como prevenção aos impactos da mineração e não a posteriori quando os impactos já são sentidos pela população. Além dos convênios, a Anglo ofereceu cursos para a população de Alvorada de Minas, entretanto somente duas pessoas do município participaram (Entrevista com Secretário de Transportes da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Para o Secretário de Transportes, o desinteresse deve-se a uma dificuldade de comunicação entre os proponentes dos cursos e a população, “têm que falar a mesma língua da comunidade, explicar direito e não falar de maneira técnica e superficial” 142 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] (Entrevista com Secretário de Transportes da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). De acordo com representante da prefeitura, a arrecadação do município foi de 12 para 42 milhões por ano (Entrevista com Gestor de Convênios entre a Prefeitura e a Anglo, dezembro de 2014). Nesse quadro, Alvorada de Minas se tornou a “única cidade de Minas Gerais a integrar a lista de maiores arrecadadores do país” (JORNAL ESTADO DE MINAS, 21/12/2014).43 Entretanto, com o fim das obras da construção da usina de beneficiamento da Anglo American, a prefeitura calcula “uma queda de pelo menos 80% na arrecadação da cidade” (JORNAL ESTADO DE MINAS, 21/12/2014). Alvorada de Minas recebe atualmente 40% do ISS que recebia durante as obras da usina de beneficiamento e em 2015 a diminuição do ISS será ainda maior (Entrevista com Gestor de Convênios entre a Prefeitura de Alvorada de Minas e a Anglo, dezembro de 2014). Nesse quadro, o Gestor de Convênios da prefeitura, comenta que num contexto de queda de arrecadação de impostos, e de aumento do número de concursados da prefeitura (hoje são 51 funcionários), a receita municipal diminuirá consideravelmente (Entrevista com Gestor de Convênios entre a Prefeitura de Alvorada de Minas e a Anglo, dezembro de 2014). Segundo o prefeito Valter Antônio Costa (PR), “a administração vem se preparando para cortes no custeio e na folha de pessoal” (JORNAL ESTADO DE MINAS, 21/12/2014). Os municípios de Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas, Dom Joaquim e Serro discutem a implantação de um distrito industrial regional, via consórcio municipal, para atendimento à Anglo American: “com indústrias hidráulicas, serviço de caldeiraria, alimentação, vestuário, elétrica, tudo que a Anglo possa precisar” (Entrevista com Gestor de Convênios entre a Prefeitura de Alvorada de Minas e a Anglo, dezembro de 2014). Inicialmente, a mineradora, solicitou aos municípios propostas, para escolher “a melhor oferta” para a localização do distrito, demandando ainda como contrapartida, a isenção de algumas obrigações tributárias (JORNAL 43 JORNAL ESTADO DE MINAS. Prefeito de Alvorada de Minas prevê dificuldades nas contas para 2015, em 21/12/2014. Disponível em: http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2014/12/21/interna_politica,601438/prefeito-aperta-ocinto.shtml. Acesso em: 5/2/2015. 143 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] DEFATO ONLINE, 30/11/2014).44 Conforme o Gestor de Convênios da prefeitura de Alvorada de Minas, os municípios ao invés de concorrerem entre si, optaram pela realização de um consórcio intermunicipal – que “decidiria tudo, onde ficaria o parque industrial e as infraestruturas do empreendimento” – o que possibilitaria uma divisão igualitária dos impostos gerados entre os municípios, independentemente da localização do distrito (Entrevista com Gestor de Convênios entre a Prefeitura de Alvorada de Minas e a Anglo, dezembro de 2014). Para o desenvolvimento do consórcio os municípios têm contado com a experiência da CODAP (Consórcio Público para o Desenvolvimento do Alto Paraopeba) de Conselheiro Lafaiete (Entrevista com Gestor de Convênios entre a Prefeitura de Alvorada de Minas e a Anglo, dezembro de 2014). Segundo o prefeito do município de Dom Joaquim, a localização do distrito industrial encontra-se em discussão, podendo ser implantando em Dom Joaquim, Alvorada de Minas, Conceição do Mato Dentro ou Serro. Ainda de acordo com o prefeito, uma das possibilidades que vem sendo apontadas é a de instalação do distrito nas proximidades do povoado de São José da Ilha, na divisa entre os municípios de Conceição do Mato Dentro e Dom Joaquim (Entrevista com Prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). 3.7 A relação dos moradores locais com os trabalhadores imigrantes em Itapanhoacanga Como Itapanhoacanga recebeu o maior número de trabalhadores do município de Alvorada de Minas, a relação entre moradores locais e trabalhadores pode ser melhor observada no distrito que na sede. Para a Secretária de Educação, moradora de Itapanhoacanga, o distrito “não estava preparado para receber essa quantidade de trabalhadores”: “Me incomodava muito, porque mudou completamente as características do lugar. Você chegava lá e já não conhecia mais ninguém” (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). 44 JORNAL DEFATO ONLINE. Distrito industrial regional, em 31/11/2014. Disponível em: http://www.defatoonline.com.br/noticias/ultimas/30-11-2014/distrito-industrial-regional. Acesso em: 6/02/2015. 144 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] A presença de trabalhadores imigrantes, pessoas desconhecidas para os moradores locais, por si só já desperta insegurança, como retratam os seguintes relatos: “As pessoas estão mais apreensivas com a circulação de pessoas de fora. Ninguém mais deixa porta, janela destrancada [...]” (Entrevista com Gestora Municipal de Convênios da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). “Trouxe medo, apreensão em função do movimento de pessoas de fora, é um risco que passamos a correr” (Entrevista com moradora S., Itapanhoacanga, março de 2015). “O povo daqui não tem essa maldade, é um povo muito simples. Antes podia dormir com a casa só no trinco, hoje vai caçando...” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Alvorada de Minas, março de 2015). “Claro que fica insegura, pessoas que não conhecemos, fico com o pé atrás” (Entrevista com moradora E., Itapanhoacanga, março de 2015). “A presença de pessoas de fora gera insegurança. Não estamos acostumadas com gente de fora, gente estranha... À noite estava com outras mulheres na porta de casa e passou um carro mexendo com a gente” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Alvorada de Minas, março de 2015). Nesse contexto, a preocupação com a criminalidade e violência em Itapanhoacanga se desdobrava em sentimentos de medo e de insegurança, trazendo mudanças para o cotidiano dos moradores locais, que passaram a adotar medidas de segurança como trancar as portas de casa (Entrevista com moradora B., Itapanhoacanga, dezembro de 2014). A mineração e a chegada de trabalhadores em Alvorada de Minas trouxeram mudanças culturais para a população local. De acordo com o Secretário de Transportes, “a cabeça do pessoal mudou. Em 2009 parecia que tinha parado no tempo, era rural mesmo, casa de pau a pique, casas de vara e barro batido... Hoje todo mundo ficou ambicioso, evoluiu muito” (Entrevista com Secretário de Transportes da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Os trabalhadores vieram de vários locais do Brasil como retratam as entrevistas: “São trabalhadores de todo lugar do mundo: Bahia, Ceará, Pará, de longe” (Entrevista com moradora T., Itapanhoacanga, março de 2015). Trabalhadores atrelados direta ou indiretamente a Anglo American: “Veio gente de vários locais para 145 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] a região, do Amapá, do Nordeste. Vem devido às obras da Anglo. Mas se é terceirizada que vem é consequência da mesma forma do empreendimento” (Entrevista com Secretária de Assistência Social e uma Assistente Social da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). Entretanto, os moradores afirmam que a convivência com os trabalhadores imigrantes é boa, principalmente, em função da receptividade da população local: “A convivência é boa, o pessoal do interior recebe muito bem. Não teve problema não” (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). “O pessoal de Itapanhoacanga é muito receptivo, gosta de agradar as pessoas” (Entrevista com moradora H., Itapanhoacanga, março de 2015). No âmbito dessa receptividade dos moradores locais, duas entrevistadas afirmaram que há um entrosamento e que a relação com os trabalhadores imigrantes é de aceitação, como expõem os trechos a seguir: “os trabalhadores iam ao barzinho para jantar, não davam problemas. Mas muita gente implicou com os trabalhadores... [...] Tem um entrosamento com pessoal de fora” (Entrevista com moradora M., Itapanhoacanga, março de 2015). “A relação é de aceitação. Passa muita gente aqui por causa da Estada Real, as pessoas estão acostumadas com gente de fora” (Entrevista com moradora S., Itapanhoacanga, março de 2015). Para o policial militar entrevistado, a relação entre moradores locais e trabalhadores da mineração também não é problemática, já que os trabalhadores “ganham bem” e há muitos moradores locais que trabalham na empresa (Entrevista com policial militar, PMMG de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). Mas na visão de outras entrevistadas, “a relação com os trabalhadores de fora é de indiferença. Alguns têm amizade, alguns que ficam em barzinho...” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Alvorada de Minas, março de 2015). A relação entre moradores locais e trabalhadores imigrantes também é mediada pelas próprias empresas contratantes que agem, segundo entrevistados, de forma rigorosa para evitar transtornos para a população local: “A empresa é rigorosa, a presença de trabalhadores em Alvorada não chega a afetar. O pessoal recebe muito bem as pessoas de fora” (Entrevista com Secretária de Assistência Social e uma 146 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Assistente Social da Prefeitura de Alvorada de Minas, março de 2015). “Hoje em dia sabemos lidar melhor com a situação, qualquer coisa reclamamos com a empresa” (Entrevista com moradora H., Itapanhoacanga, março de 2015). “Se fizerem qualquer coisa [trabalhadores] são punidos pelos empregadores” (Entrevista com moradora T., Itapanhoacanga, março de 2015). Entretanto, algumas entrevistadas relataram problemas de relacionamento com trabalhadores imigrantes. Duas entrevistadas recordaram que em 2007 “um rapaz de firma bebeu e tirou a roupa no meio da rua” (Entrevista com moradora S., Itapanhoacanga, março de 2015). Segundo outra entrevistada: “deram uma surra no sujeito na hora e a empresa o mandou embora para outro lugar” (Entrevista com moradora H., Itapanhoacanga, março de 2015). No dia 21 de março de 2015, em um sábado, em Itapanhoacanga, a equipe de campo do Cidade e Alteridade presenciou dois homens sentados em frente a uma mercearia tomando cerveja. Eles apresentavam fortes sinais de embriaguez e mexiam com as mulheres na rua. No momento em que passávamos, um deles falou em voz alta: “eu fumo mesmo, eu fumo maconha e cheiro cocaína, mas sou feliz” (Registrado no caderno de campo, em março de 2015). Em entrevista com um morador, foi comentado que se tratava de trabalhadores da empresa Tamasa, originários do Espírito Santo, e que, logo depois, quando a equipe de campo já não estava nas proximidades, “urinaram no meio da rua, na frente de todos” (Entrevista com morador B., Itapanhoacanga, março de 2015). Ainda segundo o entrevistado, “quando os trabalhadores aprontam, os moradores reclamam e a firma dispensa. Aqueles dois trabalhadores vão ter que dispensar” (Entrevista com morador B., Itapanhoacanga, março de 2015). Para o mesmo entrevistado: “vem gente boa trabalhar, mas vem muita porcariada de firma. [...] A empresa traz quem quer, gente que não respeita ninguém e mete a cara com todo mundo” (Entrevista com morador B., Itapanhoacanga, março de 2015). Em outra entrevista, uma moradora relata o incômodo de residir próximo à república de “trabalhadores de firma”: “o pessoal de firma incomodava os vizinhos 147 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] com som. Eu morava próximo a república de 8 ou 10 trabalhadores. Ficavam sentados na beirada da porta, fumando, falando no celular” (Entrevista com Conselheiras do Conselho Tutelar de Alvorada de Minas, março de 2015). Também foi relatado uma diferença nos locais de lazer, em decorrência da presença de forasteiros: “quando fui ao trailer comer sanduiche, eu não conhecia mais ninguém que estava lá” (Entrevista com moradora S., Itapanhoacanga, março de 2015). Mas não houve estranhamento somente com trabalhadores vindos de fora. A relação dos moradores locais com uma das famílias, que foram deslocadas de Água Santa pela mineração e reassentadas no distrito, revela mais um fator que contribui para uma mudança na sociabilidade local, em consequência do empreendimento. Verificou-se em campo uma inadaptação dessa família reassentada com o novo local de moradia, assim como uma dificuldade na relação dos moradores locais com esta família. Os entrevistados de Itapanhoacanga apresentaram críticas ao comportamento destes novos moradores: “os reassentados chegaram ao distrito com muito dinheiro” e “mudaram o seu comportamento por causa do dinheiro” (Entrevista com moradora B., Itapanhoacanga, dezembro de 2014). São três famílias reassentadas em Itapanhoacanga, sendo uma delas “muito grande”, e “que vale por muitas, pois é muito barulhenta” (Entrevista com moradora B., Itapanhoacanga, dezembro de 2014). Essas famílias hoje “já perderam todo o dinheiro [das indenizações da Anglo], comprando carros, animais” (Entrevista com moradora B., Itapanhoacanga, dezembro de 2014).45 Segundo relatos, uma das famílias reassentadas no distrito tem problemas com o uso abusivo de bebida alcoólica, o que gera transtornos para a comunidade e para a própria família: “Uma família reassentada aqui traz muito transtorno. Mais uma herança que a Anglo nos deixou de Água Santa. Tem muita bebida na família” (Entrevista com moradora H., Itapanhoacanga, março de 2015). “Filho alcoólatra, venderam caminhonetes baratas para outro que foi mais esperto” (Entrevista com 45 As localidades que receberam mais famílias reassentadas foram Córregos, Tapera e a cidade de Conceição do Mato Dentro (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Alvorada de Minas, dezembro de 2014). 148 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] moradora S., Itapanhoacanga, março de 2015). “A família reassentada é uma família grande, um povo complicado. Ele [o patriarca da família] colocou fogo na casa, pensou que Anglo ia ficar socorrendo a vida toda. O cachorro deles entra no quintal da gente...” (Entrevista com E., moradora de Itapanhoacanga, março de 2015). A referida família possui 12 filhos e 15 netos, sendo que seis filhos e alguns netos residem no mesmo reassentamento em Itapanhoacanga. No mesmo lote existem duas casas, uma casa construída pela Anglo American e outra reformada. Conforme a matriarca da família, no reassentamento: “não tem como plantar, antes tinha como plantar, tinha cafezeiro, fazia farinha, tinha cana, um quintal bom. Não gastava comprar nada. Hoje em dia só não está comprando água, o resto tudo tem que comprar” (Entrevista com reassentada de Água Santa, Itapanhoacanga, março de 2015). Pelos relatos coletados é possível perceber a desestruturação no modo de vida e de reprodução social existentes anteriormente: “A renda aqui é só gastar o que a gente tem. Lá podia fazer uma farinha, aqui não tem como. A braquiária não deixa nada crescer, não tem jeito. Tento plantar um milho, mas não vai pra frente” (Entrevista com reassentada de Água Santa, Itapanhoacanga, março de 2015). Os laços de vizinhança existentes em Água Santa foram desfeitos, como mostra o relato a seguir: Lá na roça tinha todo mundo, vizinhos. Tirou todo mundo. Foram para perto de Conceição. Só tem o C. [morador] aqui. Eu não queria vir pra cá, meu marido que quis vir. Todo mundo morava lá, nascido e criado lá [...]. Tem 3 anos que vivo aqui e não vi mais meus vizinhos. Muito difícil ir para Conceição. Tem muita gente que não vejo, mas sinto falta, era amigo, quase tudo gente da gente, era primo, da família (Entrevista com reassentada de Água Santa, Itapanhoacanga, março de 2015). A entrevistada ainda afirmou que não possui relações com seus vizinhos de Itapanhoacanga: “Hoje os vizinhos é eles para lá e a gente para cá. Não fico frequentando a casa deles” (Entrevista com reassentada de Água Santa, Itapanhoacanga, março de 2015). Evidencia-se, portanto, uma não adaptação ao local escolhido para reassentamento: “Meus filhos choravam querendo ir embora, falavam da roça. Essa menina [filha] me deu um trabalho, só queria voltar, falava que aqui era 149 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] ruim. Se falar com eles [os filhos], eles ainda querem ir para lá...” (Entrevista com reassentada de Água Santa, Itapanhoacanga, março de 2015). 150 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 4 DOM JOAQUIM Da mesma forma que Alvorada de Minas e Conceição do Mato Dentro, o município de Dom Joaquim tem seu histórico de fundação atrelado ao ciclo do ouro, no século XVIII. Por volta de 1770, o português Domingues Barbosa de Carvalho instalou-se na região (pertencente até então ao português João Lopes de Albuquerque) após encontrar indícios de ouro e diamante no Ribeirão Gaya, afluente do Rio do Peixe. Nesta época o Ribeirão do Gaya foi rebatizado de Folheta, já que o ouro era encontrado em folhetos, ou seja, em lascas (IBGE Cidades, 2014). Em 1870, o Arraial de São Domingo do Rio do Peixe, fundado por Domingues Barbosa, foi elevado à categoria freguesia e em 1920 passou à categoria de distrito, pertencente ainda a Conceição do Serro (atual Conceição do Mato Dentro). Após diversos abaixo-assinados do distrito e da região, em 17 de dezembro de 1938 pelo decreto-lei n° 148, São Domingos emancipa-se e eleva-se à categoria de município, com território desmembrado de Conceição do Mato Dentro. Com a criação do município, o distrito de São Domingo, recebe o nome de Dom Joaquim, em homenagem ao Arcebispo da Arquidiocese de Diamantina, Dom Joaquim Silvério de Souza (IBGE Cidades, 2014). Localizado na mesorregião metropolitana de Belo Horizonte e na microrregião de Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim dista 200 km da capital mineira (vide Figura 49). Com uma área de 398,822 km², o município é composto pela sede urbana e pelo distrito de Gororós. O município também se integra aos circuitos turísticos da Serra do Cipó e da Estrada Real. 151 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 49: Localização de Dom Joaquim e dos municípios limítrofes. Fonte: Instituto de Geoinformação e Tecnologia de Minas Gerais (IGTEC), 2015. De acordo com o prefeito de Dom Joaquim, a Anglo American chegou ao município em 2008, mas desde “2004 já tem uma conversa da chegada da mineração, uma movimentação de sondagem, pesquisa...” (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). Sobre a chegada da mineração, uma moradora comentou que “de início as pessoas ficavam muito receosas. Havia muitas coisas envolvidas como a água. Mas a decisão já estava tomada. Uns aprovaram, outros não tinham conhecimento, outros reprovaram” (Entrevista com moradora Q., Dom Joaquim, março de 2015). Em Dom Joaquim não há extração de minério de ferro, entretanto a captação de água para o empreendimento minerário ocorre no Rio do Peixe, no Bairro Lopes, na periferia do município. De acordo com o Parecer Único do Sisema (2008, p. 14) “serão captados 250 m³/h de água que serão transportados por meio de uma adutora de 32 km de extensão até a planta de beneficiamento”. A água captada será utilizada no 152 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] processo de beneficiamento do minério e para a condução da polpa via mineroduto (SISEMA, 2008, p. 54). Como será explicitado ao longo deste relatório, as obras para construção da estação de bombeamento e adutora de água do Rio do Peixe causaram danos ambientais e transtornos para a população local. O município também sofreu com as mudanças decorrentes da chegada de grande contingente de trabalhadores imigrantes, sobretudo no período de implantação do empreendimento. Nos tópicos subsequentes analisaremos as mudanças sociais ocorridas na dinâmica populacional e nos setores habitacional, comercial, de saúde, educação e segurança. Também trataremos da relação dos moradores locais com os trabalhadores imigrantes. Para fins desta pesquisa, além das análises de dados secundários, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com o prefeito do município, com os Secretários de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente, da Fazenda, de Administração e Planejamento, de Obras e Serviços Urbanos, de Governo, de Saúde, de Assistência Social, juntamente com uma equipe de funcionários da Secretaria, com policiais militares, com duas coordenadoras de creche, com uma conselheira do Conselho Tutelar, com o Administrador do Hospital Nossa Senhora das Graças e com a gerente do Sicoob (Sistema de Cooperativas de Crédito do Brasil) do município. No Bairro Lopes, onde ocorre a captação de água no Rio do Peixe, foram realizadas entrevistas com o presidente da Associação Comunitária dos Bairros Bela Vista, Lopes e adjacências (Ascobelo) e com quatro moradores. Na área mais central de Dom Joaquim foram realizadas entrevistas com cinco moradores locais, sendo dois deles também comerciantes no município. No povoado de São José da Ilha, onde se encontram dois alojamentos de trabalhadores imigrantes, foram realizadas entrevistas com oito moradores. Entre as mudanças vivenciadas em São José da Ilha, abordamos a abertura de duas casas de prostituição nas proximidades da comunidade, o envolvimento de mulheres locais com trabalhadores imigrantes e o surgimento de mães solteiras. São José da Ilha, situado às margens da MG010, possui uma população de 145 pessoas, e encontra-se a 9 km de Dom Joaquim (SISEMA, 2008). O povoado é 153 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] identificado pelo relatório do Sisema (2008) como “comunidade negra”. Conforme os moradores, São José da Ilha “é terra de Santo, da Igreja”, “as pessoas quase não tem documento [da terra]” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). “Aqui não tinha dono, os moradores daqui não tem documento da terra. Não era da gente, não pagamos imposto. A terra era da Igreja, é terra de santo. E terra de Santo não pode vender, nem comprar. Se vender o certo é dar o dinheiro para igreja” (Entrevista com morador A., São José da Ilha, março de 2015). O padroeiro do povoado é São José e a toponímia “Ilha”, segundo moradores, advém pelo fato do povoado ser margeado por cursos d’água: “Chama Ilha porque tem água no fundo, que margeia a comunidade” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). 4.1 Dinâmica Demográfica de Dom Joaquim Conforme o censo demográfico de 2010, a população total do município é de 4.535, das quais 2.922 (64,43%) encontram-se na zona urbana e 1.613 (35,57%) na zona rural (vide Figura a seguir). Figura 50: População rural, urbana e total de Dom Joaquim, 1980 a 2010. Fonte: IBGE – Censo demográfico, 1980 a 2010. A Figura 51 mostra uma diminuição da população total do município de Dom Joaquim ao longo das décadas: 2,26% de 1980 para 1991; 0,54% de 1991 para 2000; 0,35% de 2000 para 2010. Não obstante, nota-se um aumento da população urbana – 0,76% de 1980 para 1991; 1,17% de 1991 para 2000 e de 0,74% de 2000 para 2010 – 154 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] pari passo a diminuição significativa da população rural – 4,14% de 1980 para 1991; 2,46% de 1991 para 2000 e 2,04% de 2000 para 2010. Figura 51: Taxa média geométrica de crescimento anual da população residente, por situação de domicílio, 1980 a 2010. Fonte: IBGE – Censo demográfico, 1980 a 2010. As pirâmides etárias a seguir mostram a distribuição percentual da população em Dom Joaquim, de 2000 para 2010, por faixa etária, sexo e situação domiciliar. No geral, notabiliza-se um aumento de mulheres na zona urbana, de 2000 para 2010, em quase todas as faixas etárias, exceto de 0 a 4 anos, de 5 a 9 anos e de 20 a 24 anos. Da mesma forma, para o sexo masculino verifica-se um aumento da maioria das faixas etárias, com exceção das faixas de 5 a 9 anos, 10 a 14 anos, 40 a 44 anos; além de uma diminuição irrisória para as faixas de 15 a 19 anos, 65 a 69 anos e 75 a 79 anos. A partir desses dados, pode-se constatar que o aumento populacional na zona urbana, se dá, sobretudo, nas faixas etárias que compreendem a população em idade economicamente ativa (15 a 64 anos). Para a zona rural de Dom Joaquim, observa-se uma diminuição das mulheres em várias faixas etárias, com destaque para a população de 0 a 19 anos e de 30 a 39 anos. Guardadas algumas exceções, não há grandes alterações de 2000 para 2010 nas faixas etárias acima de 49 anos. Para os homens da zona rural, nota-se, de 2000 para 2010, uma diminuição na maioria das faixas etárias, com exceção das faixas etárias de 10 a 14 anos, de 40 a 44 anos, de 55 a 59 anos e com mais de 80 anos. 155 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 52: Distribuição da população em Dom Joaquim por faixa etária, sexo e situação de domicílio. Fonte: IBGE – Censo Demográfico, 2000 e 2010. Conforme o Secretário de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente, a mineração desencadeou êxodo rural e consequente falta de mão de obra no campo: “A mão de obra está comprometida, inflacionou o preço do trabalhador na roça”, em função da atratividade que o emprego na mineração exerce sobre a população rural (Entrevista com Secretário de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Embora haja maior facilidade para vender os produtos da zona rural (queijo, requeijão), a produção encontra-se afetada pela falta de mão de obra, “o dia a dia da fazenda não tem mais” (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Conforme o Secretário de Governo, a demanda de trabalho na mineração influenciou inclusive a disponibilidade de mão de obra no meio urbano: “não tem operador para máquina da 156 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] prefeitura” (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). 4.2 Impactos no Setor Habitacional e Comercial em Dom Joaquim Segundo entrevistas realizadas pela equipe do Cidade Alteridade, Dom Joaquim recebeu aproximadamente dois mil trabalhadores em função tanto das obras da adutora de água de 32 km de extensão, quanto por localizar-se próximo a área da mina em Conceição do Mato Dentro, tornando-se, nos termos dos entrevistados, “uma cidade dormitório”. O aumento da demanda por habitação fomentou o mercado imobiliário local, resultando no surgimento de novos loteamentos e na construção de casas e prédios voltados para locação. A alta demanda habitacional provocou o aumento significativo do preço dos aluguéis: “de um salário mínimo o aluguel foi para 5 mil, 7 mil”; “aluguel hoje é de 3 a 4 mil. No auge, as casas foram alugadas por 11 mil”; “o preço é de 8 a 10 mil o aluguel de um imóvel”; “a cidade tinha casas antigas e grandes, o aluguel foi de 400 reais para 6, 7 mil” (Entrevistas com Secretários da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014 e março de 2015). De acordo com o prefeito de Dom Joaquim ocorreu uma supervalorização de lotes e de terras: “um lugar que valia 80, 100 mil foi para 500, 600, 1 milhão. É um impacto terrível e não tem jeito de fugir dele” (Entrevista com Prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). Muitas pessoas ampliaram suas próprias casas para alugar quartos aos trabalhadores, transformaram suas residências em pousadas ou ainda se mudaram para casas menores, para casa dos pais ou para porões, para receberem aluguel (Entrevistas com Secretários da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). A demanda por casas de aluguel apresentava-se alta: “não achava mais casa para alugar. As pessoas estavam saindo das suas casas, moravam com os pais para poder alugar. Alugavam por um valor bem caprichado” (Entrevista com moradora A., Dom Joaquim, março de 2015). Foi mencionado ainda a existência de dois alojamentos grandes de trabalhadores, localizados nas proximidades do povoado de São José da Ilha. Os 157 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] alojamentos não poderiam ser construídos na área central, conforme acordo entre o segmento empresarial e a Secretaria de Meio Ambiente (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Assim, as empresas construíram galpões para alojamentos fora da cidade, mas diversas casas e pousadas no interior da cidade também foram alugadas como alojamento (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). A condição das casas utilizadas como alojamento também foi ressaltada pelos entrevistados, que comentaram sobre situações de superlotação e de higiene precária: “Eram 30, 20 pessoas no imóvel, quatro beliches onde dormiam oito pessoas” (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). “A higienização dos alojamentos era péssima, eram 30 homens, três banheiros e nove quartos” (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Conforme a Assistência Social, no final de 2014 os trabalhadores chegaram a colocar fogo num alojamento dentro da cidade, e “para reivindicar [melhorias], também colocaram as camas no meio da rua” (Entrevista com Assistente Social da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Foi relatada, ainda, a tentativa de utilização de containers como alojamento em dois lotes alugados no centro da cidade, o que foi prontamente embargado pela prefeitura de Dom Joaquim (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). No povoado de São José da Ilha, onde se encontram dois alojamentos de trabalhadores, também foram alugadas casas para imigrantes. Segundo uma moradora, “o aluguel subiu muito, tinha casa alugada na Ilha por 1500 reais. Alugaram muitas casas. Antes não tinha casa para alugar, ninguém alugava casa antes da Ilha. [...] Hoje comprar casa não dá, porque está muito alto o preço” (Entrevista com moradora F., São José da Ilha, março de 2015). De acordo com uma moradora, alguns trabalhadores também vieram com família, “tinha umas 3, 4 famílias de trabalhadores em São José da Ilha” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). Conforme a moradora local, alguns locatários tiveram problemas para receber os aluguéis e as contas de luz: 158 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Tinha muita casa alugada também na Ilha. Teve uns problemas sérios aí... Alugavam as casas e tentavam ir embora sem pagar aluguel. Conta de luz sem pagar, três, quatro meses sem pagar e foram embora. A dona lá em cima pagou uns 300 reais de conta de luz que eles deixaram sem pagar (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). Outra moradora comenta que algumas casas alugadas foram danificadas pelos trabalhadores temporários: “Danificaram muito as casas, teve gente que não quis alugar de novo” (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). Com o término das obras, o contingente de trabalhadores diminuiu e, consequentemente, muitos imóveis foram desocupados, resultando na diminuição dos preços dos aluguéis, embora os valores ainda permaneçam elevados (Entrevista com Secretário de Obras da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Atualmente, há muitas construções vazias (Entrevista com moradora A., Dom Joaquim, março de 2015), como atestado pelas placas de “aluga-se” afixadas nas residências na área central do município (vide figura a seguir). Figura 53: Anúncio de casa para locação em Dom Joaquim. Fonte: Fonte: Trabalho de campo da equipe do Cidade e Alteridade, março de 2015. Em função da valorização dos aluguéis, muitas pessoas investiram na construção de imóveis para alugar: “a cidade tem muitas construções, fizeram prédios, hoje está tudo fechado, sem alugar. Muita gente investiu e não recuperou o 159 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] investimento” (Entrevista com morador C., Dom Joaquim, março de 2015). Com a queda da demanda por aluguéis, muitos moradores locais se endividaram, uma vez que investiram na construção de casas para alugar, mas não receberam o retorno esperado, como menciona a Gerente do Sicoob: “As pessoas não se planejaram. Aluguel não é uma coisa que é para sempre. Se endividaram para construir casas para alugar. Muitas pessoas fizeram compromissos contando com esse rendimento de aluguel de 5, 7 mil por mês” (Entrevista com Gerente do Sicoob, Dom Joaquim, março de 2015). Ainda segundo a Gerente, o nível de contas atrasadas aumentou e empréstimos foram realizados, embora o índice de inadimplência seja baixo, uma vez que o Siccob “pede garantias em troca” (Entrevista com Gerente do Sicoob, Dom Joaquim, março de 2015). De acordo com o Secretário de Governo, Dom Joaquim não tinha suporte para acomodar centenas de trabalhadores e cresceu desordenadamente, sem planejamento. Os entrevistados mencionaram o surgimento de novos loteamentos como o Parque Dom Joaquim, um empreendimento da empresa “Geo Brasil de Belo Horizonte”, voltado para classe média e alta (Entrevista com Prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). Os lotes começaram a ser vendidos há cerca de um ano, a partir de 80 mil reais, em área asfaltada e com luz, mas a comercialização dos lotes não tem sido executada com presteza, uma vez que “aquela movimentação que teve na cidade não era real” (Entrevista com Prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). Os entrevistados mencionaram também o crescimento de algumas regiões da cidade, conhecidas como bairros,46 em especial o bairro do Lopes, que será abordado mais adiante. O êxodo rural tem contribuído com a problemática habitacional no município. Segundo a Secretária de Assistência Social, há uma demanda por material de construção do “pessoal da zona rural que veio morar aqui”. As funcionárias da Assistência Social comentaram: “quem da roça que veio fica jogado em canto de rua, morando em situação precária, em área de risco, em pedaço de barranco” (Entrevista com equipe da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). As funcionárias da Assistência Social ressaltam que as verbas recebidas pela 46 O município oficialmente possui apenas um bairro, o Centro, entretanto, a população nomeia algumas ruas da cidade como bairro. Esse é o caso da rua Lopes, popularmente conhecida como Bairro Lopes. 160 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Secretaria são irrisórias frente à demanda, o que inviabiliza a execução adequada dos serviços de assistência social (Entrevista com equipe da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Ao mesmo tempo em que o mercado imobiliário cresceu, ocorreu uma ampliação significativa do comércio, com o aumento do número de hotéis, pousadas, padarias, restaurantes, lojas, pois, “antes a cidade tinha somente um hotel e dois restaurantes” (Entrevista com Secretário de Administração e Planejamento da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Dois comerciantes locais afirmaram que o comércio melhorou com a chegada de trabalhadores: “Tinha cerca de três mil homens na cidade. Foi bom para o comércio, eles compravam na loja” (Entrevista com comerciante de loja de ferramentas, material de construção e produtos agropecuários, Dom Joaquim, março de 2015). “O comércio melhorou, os trabalhadores frequentavam o comércio” (Entrevista com comerciante de loja de roupas, Dom Joaquim, março de 2015). Embora tenha ocorrido um aumento do comércio local, segundo a Gerente do Sicoob (que também é membro da Associação Comercial do município), também ocorreram inadimplências, uma vez que “acontecia das empresas comprarem, não pagarem e irem embora” (Entrevista com Gerente do Sicoob, Dom Joaquim, março de 2015). Para minimizar os “calotes” foram adotadas algumas medidas: As pessoas precisam entender que as referências mudaram. Hoje é necessário mais critério na hora de fazer o cadastro do cliente. A Associação de comerciantes pensou num projeto para minimizar os impactos no comércio em função de calote. As empresas contratadas [terceirizadas da Anglo American] para irem embora não podem ter pendências no comércio local. Implantou-se também máquina de cartão para que as vendas fossem mais seguras (Entrevista com Gerente Sicoob, Dom Joaquim, março de 2015). Com o fim das obras de implantação e consequente diminuição do número de trabalhadores imigrantes na cidade, a movimentação no comércio reduziu: “Faz uns 6 meses que a movimentação diminuiu. Isso afetou o comércio uns 50% ou mais” (Entrevista com comerciante de loja de ferramentas, material de construção e produtos agropecuários, Dom Joaquim, março de 2015). Também ocorreu um 161 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] endividamento dos moradores locais em função de investimentos voltados para ampliação e montagem de comércios (Entrevista com Gerente do Sicoob, Dom Joaquim, março de 2015). Dada a queda na demanda comercial, uma entrevistada relatou que dos novos estabelecimentos que surgiram, um restaurante já fechou (Entrevista com moradora A., Dom Joaquim, março de 2015). No povoado de São José da Ilha, incialmente, também ocorreu um crescimento do comércio, com o surgimento, principalmente, de novos bares: “Dois [bares] são mais recentes, dois são mais antigos. O do lado do orelhão é mais novo, abriram no ano passado” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). “A Ilha cresceu, têm mais casas, restaurantes, barzinhos” (Entrevista com moradora G., São José da Ilha, março de 2015). Lado outro, segundo uma moradora que também trabalha em uma mercearia, o movimento no comércio, atualmente, decresceu: “não teve comércio que fechou, mas teve gente que passou o ponto para outro. Ainda tem movimento, não igual antes. Sempre vêm alguns de Conceição, sempre vem alguém de empresa” (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). Segundo os moradores entrevistados, a economia do município antes era movimentada por servidores públicos e fazendeiros, culturas de subsistência e agropecuária (Entrevista com equipe da Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). No povoado de São José da Ilha a economia local era dedicada à agropecuária e à agricultura: “O pessoal da Ilha trabalha na roça ou em firma. Planta milho, verdura. É vaqueiro, trabalha para si ou para os outros. Vende os produtos na porta de casa mesmo” (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). Embora tenha gerado um crescimento provisório do comércio local, a mineração também gerou impactos sobre a atividade turística do munícipio. Segundo o prefeito de Dom Joaquim: “nossa cidade era visitada pelo mundo. Deixamos de receber turistas” (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). Com os aluguéis inflacionados “ninguém vinha mais para Dom Joaquim porque não tinha lugar para ficar”, pois as pousadas também se encontravam totalmente ocupadas com trabalhadores (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). 162 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] A geração de empregos teve seu auge no período de implantação do empreendimento, mas gerou demissões a posteriori, como expõe os trechos das entrevistas seguintes: “Gerou muito emprego, mas hoje tem muita gente demitida” (Entrevista com comerciante de loja de ferramentas, material de construção e produtos agropecuários, Dom Joaquim, março de 2015). “Com o fim das obras, as turmas foram embora e aumentou o desemprego. Muitos foram dispensados no final do ano passado. Tem bastante gente desempregada” (Entrevista com moradora P, São José da Ilha, março de 2015). A renda na época da implantação da mineração aumentou. Mas em função do fim das obras, a economia e os empregos caíram muito. Hoje em dia não tem tanta construção como antes. Os contratos de aluguel acabaram [...] As empresas não pegam mais gente de Dom Joaquim. Hoje falta emprego (Entrevista com equipe da Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Na opinião do Secretário de Governo, “a população flutuante do município ainda é alta”, embora hoje haja somente “uns 30%” do número de trabalhadores do período das obras de implantação do empreendimento” (Entrevista com Secretário de Governo de Dom Joaquim, março de 2015). O prefeito estimou que aproximadamente entre 50 a 80 pessoas do município ainda trabalham na mineração (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). Para a gerente do Sicoob o momento atual é de desemprego e recessão: Fase do impacto é agora [...] Eram cerca de 18 mil trabalhadores, 6, 7 mil pessoas só na operação. A realidade atual é outra, muitas pessoas perderam emprego, foram desmobilizadas. Até as pessoas aceitarem a realidade atual do município... O município vive mais a recessão no momento (Entrevista com Gerente do Sicoob, Dom Joaquim, março de 2015). Em função da alta demanda, o custo de vida (alimentação, serviços) em Dom Joaquim elevou consideravelmente (Entrevistas com os Secretários da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014), conforme nos confirma um comerciante local: “Com certeza aumentou, os produtos eram vendidos mais caros” (Entrevista com comerciante de loja de ferramentas, material de construção e produtos agropecuários, Dom Joaquim, março de 2015). No povoado de São José da Ilha os preços dos produtos 163 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] também aumentaram: “Em Conceição do Mato Dentro eles supervalorizaram demais as coisas. Na Ilha também encareceu, porque os produtos daqui tomam por média, Conceição e Dom Joaquim” (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). 4.2.1 A questão da habitação e os transtornos decorrentes de infraestrutura da Anglo American no Bairro Lopes Verifica-se no Bairro Lopes, localizado na periferia de Dom Joaquim, uma dinâmica de ocupação, inclusive em áreas de risco, intensificada pela especulação imobiliária no município. Para a Secretária de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, as casas foram construídas há mais de um ano e alguns lotes estão sendo cercados no local, inclusive em “barrancos” de propriedade da prefeitura, devido a valorização da terra e dos imóveis no município (Entrevista com Secretária de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Desde 2008 o bairro Lopes vem crescendo com a chegada de pessoas, “alguns com intenção de trabalhar na firma, outros da zona rural, das redondezas da região” (Entrevista com presidente da Ascobelo, Bairro Lopes, março de 2015). No auge das obras de implantação do empreendimento, conta o presidente da Ascobelo que havia “muita gente de fora procurando casa para alugar, foi aquela explosão”, resultando no surgimento de novas construções (Entrevista com presidente da Ascobelo, Bairro Lopes, março de 2015). O bairro enfrenta problemas como deslizamentos de terras, principalmente no período de chuvas: “Já ocorreram no bairro deslizamentos de terra, mas o sujeito quer morar, precisa de morar. Hoje a chuva está pouca, então não têm ocorrido deslizamentos” (Entrevista com presidente da Ascobelo, Bairro Lopes, março de 2015). De acordo com o presidente da Ascobelo as terras do Lopes são “terra de santo”, “é da prefeitura” e muitos dos lotes foram doados por prefeitos do município ao longo dos anos (Entrevista com presidente da Ascobelo, Bairro Lopes, março de 2015). Para além da questão habitacional, os moradores do Lopes sofrem com diversos transtornos ocasionados pela construção da estação de bombeamento e 164 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] adutora de água do Rio do Peixe, indispensável à Anglo American para o beneficiamento do minério e ao seu transporte via mineroduto (vide figura a seguir). Figura 54: Estação de Bombeamento de Água Nova do Rio do Peixe, Dom Joaquim-MG. Fonte: Trabalho de campo da equipe do Cidade e Alteridade, março de 2015. Entre os transtornos causados à população do entorno pela construção e o funcionamento das infraestruturas supracitadas, destacamos: o trânsito de veículos pesados com depredação das vias; vibrações nas residências próximas às ruas; explosões com dinamite; poeira e barulho que persistiu, por alguns meses, mesmo durante o funcionamento da estação de bombeamento de água. Para construção das infraestruturas alguns lotes foram comprados e alguns moradores indenizados: “indenizou alguns lotes, alguns vizinhos da área tiveram que sair e uma casa foi derrubada” (Entrevista com presidente da Ascobelo, Bairro Lopes, março de 2015). Em função do movimento de carros pesados, as vias sofreram prejuízos e “os canos da rede de esgoto embaixo dos bloquetes amassaram” (Entrevista com moradora T., Bairro Lopes, março de 2015). O presidente da Associação Comunitária menciona que além das ruas que carecem de manutenção, os moradores locais necessitam da implantação de transporte público (Entrevista com presidente da Ascobelo, Bairro Lopes, março de 2015). 165 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Também em função do movimento de veículos, uma moradora entrevistada conta: “a minha casa ficava balançando todinha e eu falava com o povo da empresa: ‘Moço, moço, minha casa vai cair!’. Até as colheres penduradas na parede caiam quando as máquinas passavam e balançava” (Entrevista com moradora T., Bairro Lopes, março de 2015). Segundo a moradora, três ou quatro casas no bairro trincaram por causa da movimentação de veículos pesados (Entrevista com moradora T., Bairro Lopes, março de 2015). A equipe da Secretaria de Assistência Social também comentou da existência de rachaduras nas casas e da promessa da empresa de que os danos seriam compensados: “A empresa disse que se tivesse rachadura iam consertar, mas não voltaram para arrumar” (Entrevista com equipe da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Outro fator que pode ter provocado rachaduras nas casas, conforme entrevistas realizadas, foram as explosões com dinamite ocorridas na época da construção da infraestrutura da área de captação e bombeamento de água da Anglo American: “Explodiram pedras, trincaram casas, muitas explosões foram durante o dia” (Entrevista com presidente da Ascobelo, Bairro Lopes, março de 2015). Além disso, os episódios de explosão causaram quebra de telhas de casas localizadas próximo às obras e medo nos moradores: “Com as explosões, voou pedaço de telha para cá. Menino pequeno acordava, as colheres da cozinha caíram... Quebrou muita telha na casa da dona L.. Passamos muito medo” (Entrevista com moradora T., Bairro Lopes, março de 2015). Conforme uma entrevistada, quando ocorriam as explosões, a empresa solicitava aos moradores das proximidades que saíssem do local: [...] um ônibus da empresa pegava os moradores e os levavam para a barragem de Dom Joaquim. Isso ocorreu umas duas vezes, na terceira eu não quis ir para barragem e subi para o alto de um morro e foi aquela explosão, aquele barulho, aquela fumaça com poeira. Quase morri do coração... (Entrevista com moradora T., Bairro Lopes, março de 2015). Os moradores entrevistados comentaram ainda do incômodo provocado pelo barulho oriundo da estação de bombeamento da Anglo: “durante um tempo os 166 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] moradores reclamaram do barulho na área de captação” (Entrevista com equipe da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). “A bomba funciona dia e noite, quem mora próximo a ponte reclama” (Entrevista com moradora M., Bairro Lopes, março de 2015). “Próximo à adutora parecia que tinha um grilo gritando alto o tempo todo” (Entrevista com moradora T., Bairro Lopes, março de 2015). “Era uma zueirada dia e noite, sem parar, muito alto. De noite também tinha uma zoeira bem enjoada” (Entrevista com moradora R., Bairro Lopes, março de 2015). “Atrapalhou muito [a infraestrutura da Anglo], muita zueira, muita gente trabalhando” (Entrevista com moradora L., Bairro Lopes, março de 2015). Atualmente, o barulho cessou e os moradores afirmam que não incomoda mais. Em trabalho de campo em março de 2015, notamos ainda um ruído contínuo, mas quase imperceptível, no fundo das casas próximas à estação de bombeamento da Anglo American. Para outra moradora, a poeira também piorou, o que afetou seu estado de saúde: “Tem muita poeira hoje e eu sofro de bronquite, sou asmática. [...] Com as obras [da Anglo American] teve bastante amolação, já fiz reclamação. Mudou para pior” (Entrevista com moradora R., Bairro Lopes, março de 2015). “Deu muito movimento para implantação dos equipamentos, alguns tiveram problemas com barulho e poeira” (Entrevista com presidente da Ascobelo, Bairro Lopes, março de 2015) (vide Figura a seguir). 167 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 55: Poeira acumulada às margens da ponte sobre o Rio do Peixe no Bairro Lopes, em Dom Joaquim-MG. Fonte: Trabalho de campo da equipe do Cidade e Alteridade, março de 2015. A Dona L., que reside nas proximidades da adutora e tem o hábito de pescar no Rio do Peixe, afirma que as infraestruturas no local também prejudicaram a sua prática, embora muitas pessoas ainda pesquem em outros locais do rio: “Atrapalhou muito porque mexeu muito na beirada do rio. Mas muita gente pescava e pesca ainda” (Entrevista com moradora L., Bairro Lopes, março de 2015). Conforme conversa com a equipe da Secretaria de Assistência Social, na área de captação de água do Lopes também ocorreu o assoreamento do rio em função das construções “de qualquer jeito” (Entrevista com equipe da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Nesse quadro, consta no Inquérito Civil (IC MPMG) número 0174.14.000006-8, instaurado em 14/02/2014, denúncias da Secretaria de Meio Ambiente de Dom Joaquim de “danos ambientais em razão das obras de construção das estações de água, adutora e dutos de transporte no Rio do Peixe e no município de Dom Joaquim” (IC MPMG-0174.14.000006-8, p. 1). Em diligência realizada pelos técnicos da Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente de Dom Joaquim, em 7/02/2013, foi relatado o: 168 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] [...] assoreamento no leito do Rio do Peixe, alterando a qualidade física e química dos recursos hídricos; carreamento de terras em vários pontos, fluindo diretamente para o Rio do Peixe (IC MPMG0174.14.000006-8, p. 9). Grande quantidade de terra e materiais de construção sendo levados diretamente para o Rio do Peixe, alterando as propriedades físicas e químicas do rio dificultando e até impedindo a subida de peixes durante a Piracema (IC MPMG-0174.14.000006-8, p. 10). Somando-se aos danos ambientais supracitados, a notificação da Secretaria de Meio Ambiente de Dom Joaquim para as empresas Anglo American e Integral Engenharia Ltda, responsáveis pela terraplanagem e ADME (Área de Disposição de Material Excedente, ou seja, “bota fora”), informa sobre a existência de: Depósito de terra ADME BOTA FORA em cima de uma nascente, manancial da Unidade de Conservação APA Gameleira: Córrego da Arataca Tributário do Rio do Peixe da micro bacia hidrográfica do Santo Antônio (IC MPMG-0174.14.000006-8, p. 17). Os moradores locais têm a percepção dos prejuízos ambientais decorrentes da construção das infraestruturas da Anglo American no Rio do Peixe, sendo que muitos afirmaram que a água do rio diminuiu. Em uma das falas uma moradora comenta que o rio se encontra praticamente “morto”: “mexeram no rio e na água. Um braço do rio está praticamente morto e vai matar o resto. Nunca mexeram na água da região. Depois de eu velha que vem acontecer essas coisas aqui” (Entrevista com moradora T., Bairro Lopes, março de 2015). “A riqueza da gente vai embora: o minério e a água” (Entrevista com Conselheira do Conselho Tutelar de Dom Joaquim, março de 2015). Contraditoriamente, no bairro onde se situa o rio que fornece água para transporte do minério de ferro da Anglo, os moradores locais sofrem com a carência e a qualidade da água: Falta água, a água está com péssima qualidade, é uma água amarelada e de três anos para cá e nos últimos três, quatro meses piorou. Dizem que a água sai limpa da Copasa, mas por causa dos encanamentos e vazamentos chega amarelada ou não chega às residências. Tem hora que a gente não consegue tomar a água, tem que gastar com água mineral, mas nem todos podem comprar (Entrevista com presidente da Ascobelo, Bairro Lopes, março de 2015). 169 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Cabe mencionar que o Rio do Peixe, em que a Anglo American realiza a captação de água, é o mesmo rio que abastece a cidade de Dom Joaquim.47 O Secretário de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente informou que a adutora de água da Anglo encontra-se abaixo do ponto de captação de água para abastecimento local. Entretanto, o rio também abastece o município de Carmésia e várias comunidades rurais à jusante do ponto de captação da adutora da Anglo. As aldeias Pataxó, da Reserva Indígena Guarani, localizadas em Carmésia, vem sofrendo com a redução da vazão do Rio do Peixe (vide localização da Reserva Indígena na Figura 49). Em novembro de 2013, os índios “fecharam a rodovia MG-232, que corta três aldeias, em protesto contra a redução do volume do rio do Peixe, que passa pelo local” (JORNAL O TEMPO, em 24/03/2014). O cacique da aldeia Imburuçu, Romildo Alves de Conceição, “teme que a redução do volume do rio prejudique a pesca, base da alimentação de 350 moradores das aldeias” (JORNAL O TEMPO, em 24/03/2014).48 A outorga que a Anglo American possui permite a captação de até 2.500 metros cúbicos de água por hora do Rio do Peixe, volume capaz de abastecer um município com população de 200 mil habitantes (SISEMA, 2008, p. 14; JORNAL HOJE EM DIA, 10/08/2013).49 Num contexto de seca sem precedente vivenciado na região Sudeste nos anos 2014 e 2015, a utilização intensiva de água para transportar minério é amplamente questionável e insustentável, embora economicamente viável para o segmento minerário ao proporcionar a redução dos custos com transporte e estocagem (MILANEZ, 2012). 47 O Rio do Peixe integra a sub bacia do Rio Santo Antônio, dentro da Bacia Federal do Rio Doce. JORNAL O TEMPO. Nem reserva indígena foi poupada, em 24/03/2014. Disponível em: http://www.otempo.com.br/cmlink/hotsites/especial-mineroduto/nem-reserva-ind%C3%ADgena-foipoupada-1.812017. Acessado em 05 jun. 2015. 49 JORNAL HOJE EM DIA. Anglo American cede às pressões da prefeitura de Dom Joaquim, em 10/08/2013. Disponível em: http://www.hojeemdia.com.br/noticias/economia-e-negocios/angloamerican-cede-as-press-es-da-prefeitura-de-dom-joaquim-1.156132. Acesso em: 04/02/2015. 48 170 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 4.3 Impactos no Setor de Saúde em Dom Joaquim Ao analisarmos o número de nascimentos de crianças vivas por estado civil das mães em Dom Joaquim, nota-se que entre 2000 e 2007 a porcentagem de filhos de mães casadas supera o percentual de filhos de mães solteiras, com exceção do ano de 2003. No entanto, a partir de 2007, o percentual de crianças nascidas de mães solteiras ultrapassa o número de filhos de mães casadas, mantendo-se superior para os demais anos analisados, e com um acréscimo vertiginoso em 2012 (vide Figura 56). Figura 56: Comparação do percentual de nascimentos de crianças vivas entre mães solteiras e casadas, 2000 a 2013. Fonte: DATASUS, 2015. Comparando Dom Joaquim e o Estado de Minas Gerais, constatamos em ambos um aumento do percentual de mães solteiras. Até o ano de 2007, Dom Joaquim apresentava uma porcentagem inferior à do Estado, com exceção do ano de 2003. Entretanto, a partir de 2007, o percentual de mães solteiras do município supera o percentual de mães solteiras em Minas Gerais, exceto para os anos de 2009 e 2011, como pode ser visualizado no gráfico a seguir. 171 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 57: Comparação do percentual de nascimentos de crianças vivas entre mães solteiras e casadas para Dom Joaquim e Minas Gerais, 2000 a 2013. Fonte: DATASUS, 2015. No que se refere à idade das mães, observa-se um maior percentual de mães na faixa etária de 20 a 24 anos, seguida da faixa etária de 25 a 29 anos. A faixa etária de mães entre 15 a 19 anos, embora representativa, somente supera a porcentagem de mães entre 25 e 29 anos nos anos 2000, 2003, 2007 e 2010 (vide a seguir). Figura 58: Porcentagem de nascimentos por faixa etária da mãe, em Dom Joaquim, 2000 a 2013. Fonte: DATASUS, 2015. Lado outro, verifica-se que em Dom Joaquim o número de mães adolescentes supera a média do estado e do país, em 2000, 2005, 2007 e 2010. Para as faixas etárias de 25 a 29 anos e de 30 a 34 anos, o município de Dom Joaquim apresenta-se, na 172 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] maior parte dos anos, com percentual de nascimentos por faixa etária da mãe inferior ao estado e ao país, como explicitam os gráficos a seguir. Figura 59: Porcentagem de nascimentos por faixa etária da mãe, de 2000 a 2013, em Dom Joaquim, Minas Gerais e Brasil. Fonte: DATASUS, 2015. Apesar de ser possível verificar uma tendência de queda no percentual de gestantes menores de 20 anos para o estado de Minas Gerais e Brasil, o município de Dom Joaquim mantém certa regularidade, com exceção de picos de altas ocorridos em 2007, 2010 e 2013 e de uma baixa em 2009. Portanto, através dos dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, podemos afirmar que Dom Joaquim ainda não incorporou essa tendência de queda dos nascimentos de bebês oriundos das mães menores de 20 anos, em detrimento do número de mães com faixas etárias mais elevadas. 173 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 60: Relação percentual do número de gestantes menores de 20 anos de idade em Dom Joaquim e Minas Gerais, 2000 a 2013. Fonte: DATASUS, 2015. A chegada de um empreendimento de grande porte na região pode ter influenciado na interrupção da queda do percentual de nascimentos de filhos de mães adolescentes, verificada no intervalo entre 2007 e 2009, conforme aponta o gráfico anterior. Segundo relatos de pessoas entrevistadas no município, com o aumento do fluxo de homens, muitas adolescentes e mulheres casadas se envolveram com trabalhadores migrantes. Como menciona a coordenadora da creche: a “chegada de trabalhadores desestruturaram muitas famílias, houve muita separação de casais, gravidez na adolescência, tudo isso” (Entrevista com coordenadoras de creche de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Nas palavras do Secretário de Governo, as mulheres se “iludiam” com os trabalhadores, às vezes, “por pouco ou quase nada, por qualquer presente, ou um salário um pouco melhor” (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Havia uma ilusão de que os “homens de firma” ganhavam bem e “quase não tinha campanha de conscientização” para prevenir o envolvimento de adolescentes locais com trabalhadores imigrantes (Entrevista com equipe da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Logo, a população masculina de Dom Joaquim (2.223 de acordo com o IBGE, 2010), praticamente dobrou com a presença dos trabalhadores imigrantes, provocando problemas sociais como gravidez na adolescência, desestruturação das 174 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] famílias e prostituição. A assistente social menciona ainda que o envolvimento de mulheres casadas com trabalhadores das empresas desembocou, não raro, em atos de violência contra a mulher, abandono do lar e dos filhos, “a mulher deixa as crianças em casa e procura um suposto companheiro” (Entrevista com Secretária de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Mais especificamente no povoado de São José da Ilha, em função da existência de alojamentos de trabalhadores imigrantes nas proximidades, os entrevistados relataram certa frequência no envolvimento de mulheres locais com “trabalhadores de firmas”: “Saiu bastante namoro, fizeram filho e foram embora e os filhos ficaram” (Entrevista com moradora G., São José da Ilha, março de 2015). “Muitas moças namoraram homens de firma. Algumas tiveram crianças, outras não” (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). Como menciona uma moradora de São José da Ilha: “ficaram muitas viúvas de marido vivo. Os trabalhadores namoraram e foram embora, deixando filho” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). As entrevistadas de São José da Ilha estimam que cerca de 6 ou 7 mulheres engravidaram de “homens de firma”, como mostram os dois relatos na sequência: “Teve envolvimento de mulheres da Ilha com trabalhadores. Uma meia dúzia pelo menos engravidou. Eram solteiras e maiores de idade” (Entrevista com moradora F., São José da Ilha, março de 2015). “Mais ou menos 6, 7 filhos de homens de firma na Ilha. Nenhum casamento. Eles são do trecho, não é do tipo que leva mulher junto não. Tem um que vem de vez em quando, manda dinheiro. [...] Duas dessas moças têm na faixa de 18 anos, as outras são mais velhas” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). A moradora F., que inclusive namora um trabalhador de firma originário da Bahia, ao ser questionada se o envolvimento das mulheres locais com os imigrantes resultou em casamento, comentou: “Casamento? Saiu foi menino. Os trabalhadores [que engravidaram mulheres] sumiram. Só um assumiu o filho, era um sujeito da Bahia” (Entrevista com moradora F., São José da Ilha, março de 2015). Como comenta 175 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] P., “muitos desses trabalhadores já têm família, são homens casados” em outros lugares do país (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). Próximo ao povoado de São José da Ilha também surgiram duas casas de prostituição, atraídas pela clientela em potencial dos alojamentos de trabalhadores imigrantes. Uma das casas, chamada Babilônia (antiga Boate Babalu), situa-se na estrada que liga Conceição do Mato Dentro à Dom Joaquim e dista aproximadamente a 5 quilômetros da Ilha; a outra casa, conhecida como “casa vermelha”, localiza-se a 500 metros de distância da Ilha, embora pelo limite municipal também pertença ao município de Conceição do Mato Dentro. Figura 61: Mapa de São José da Ilha e a localização dos alojamentos e das casas de prostituição. Fonte Google Earth. Imagem de janeiro de 2015. 176 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 62: Casa de Prostituição a 500 mts do povoado de São José da Ilha, conhecida como “Casa Vermelha”. Fonte: Trabalho de campo da equipe do Cidade e Alteridade, março de 2015. Conforme descrito pela representante da Assistência Social, as casas de prostituição possuem grande mobilidade e fluxo de mulheres (Entrevista com Secretária de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Atualmente, com a redução considerável do número de trabalhadores imigrantes nos alojamentos, os moradores da Ilha contam que o movimento das casas de prostituição diminuiu e muitas moças que se prostituíam foram embora: “Eram umas 30 mulheres, muitas foram embora” (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). Como menciona Moreno (2015), a prostituição se desenvolve acompanhando os fluxos migratórios, aumentando e diminuindo de acordo com o ritmo das obras. Situação retratada no seguinte relato: A boate Babilônia, que era a antiga Babalu, foi a primeira. Abriram uma outra do lado da ponte, uma casa vermelha. As moças da boate nova falaram que agora estão quase morrendo de fome. Mas estão sempre falando que vai chegar mais homens. [...] Na zona hoje deve ter umas cinco moças hoje, não tem nem movimento (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). Os moradores de São José da Ilha fizeram um abaixo assinado contra a instalação da “Casa Vermelha”, localizada nas proximidades do povoado (vide Figura 61): “Fizeram abaixo assinado contra a zona nova. É muito perto da Ilha, é uns cinco minutos daqui. Todo mundo sabe que lá é zona” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). “As mulheres de lá são muito complicadas. O pessoal daqui não aceitou. É muito ruim, muito próximo do povoado [“Casa Vermelha”]. Foi feito abaixo assinado, mas ali já pertence à Conceição do Mato Dentro. Não podíamos fazer muita coisa” (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). Para uma entrevistada, o local é frequentado tanto por trabalhadores imigrantes quanto por homens da região, que não raro, “se endividam no barzinho da casa” (Entrevista com moradora G., São José da Ilha, março de 2015). Foi relatado ainda que muitos vão à casa de prostituição “para beber e se drogar. [...] diz que lá a droga é liberada” (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). 177 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] De acordo com a conselheira do Conselho Tutelar de Dom Joaquim, meninas menores de idade passaram pelas casas de prostituição (Entrevista com Conselheira do Conselho Tutelar de Dom Joaquim, março de 2015). A Assistência Social mencionou que algumas meninas da cidade também estavam se prostituindo, “cobrando para ter relações com os trabalhadores, mas elas não chegaram a ir parar nas casas de prostituição” (Entrevista com Secretária de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Nesse contexto, ao passo que as mulheres locais se envolveram com trabalhadores imigrantes, foi relatado à equipe do Cidade Alteridade que os rapazes da Ilha têm se envolvido com as moças da casa de prostituição: A situação da Ilha é a seguinte: as meninas daqui preferem dar oportunidade para os homens de fora, de firma. Enquanto as mulheres da casa de prostituição se misturaram com os homens daqui. Teve confusão, uma mulher de vida arrumou um namorado da Ilha e não aceitou ser largada por ele, daí veio arrumar confusão com os outros (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). As moças das casas de prostituição não saem da Ilha. Estão aqui todo dia. Tudo com namorado, uma namora meu sobrinho, a outra namora o irmão da moça que entrou nessa casa aí agora... São 5 moças hoje que namoram 5 rapazes da Ilha. Eles dormem com elas lá em cima... As famílias não aceitam. Não é preconceito não, mas não tem como aceitar. Diz que chegou mais duas moças ontem. Está chegando... Mas elas namoram e trabalham do mesmo jeito. Diz o menino que meu sobrinho estava lá na casa e ela foi atender outro e falou: ‘você entende, né amor, é meu trabalho’, e ele falou: ‘não tem problema’ e sentou, ficou lá esperando (Entrevista com moradora F., São José da Ilha, março de 2015). Como mostram os trechos acima a comunidade local não “aceita” o envolvimento das moças da casa de prostituição com os rapazes da Ilha. Entretanto, como alerta Moreno (2015, s.p), a prostituição não deve ser pensada somente como “um comportamento individual” – o que implica na estigmatização das mulheres que se prostituem – mas, “como uma instituição que está ancorada nas estruturas econômicas e nas mentalidades coletivas”. 178 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Pari passu a chegada da prostituição e de trabalhadores imigrantes, tem-se o risco da difusão de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs). Para o Secretário de Saúde de Dom Joaquim, o aumento das DSTs no município é uma das consequências negativas do empreendimento. Campanhas estão sendo realizadas para a prevenção, ilustra a Figura a seguir: Figura 63: Faixa de conscientização contra DSTs em Dom Joaquim. Fonte: Trabalho de campo da equipe do Cidade e Alteridade, março de 2015. Como explica uma funcionária da Secretaria de Saúde, há um déficit no registro de ocorrências de DSTs no município: [...] há um sub registro gigantesco dos casos de DSTs no município, nem sempre as pessoas permitem fazer o registro e os casos de HIV não são tratados no município, em função da discriminação e por ser uma cidade pequena onde todo mundo fica sabendo de tudo (Entrevista com funcionária da Secretária de Saúde da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Conforme consulta, em março de 2015, aos registros de DSTs disponíveis na Secretária de Saúde da Prefeitura de Dom Joaquim, verifica-se uma ocorrência de DST em 2007, outra em 2010 e cinco em 2014, sendo que não averiguamos nenhum registro anterior ao ano de 2007. 179 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] No âmbito dos serviços de saúde, observa-se que a quantidade de estabelecimentos se manteve praticamente inalterada, com exceção para o número de consultórios particulares e de um Posto de Saúde, implantado em São José da Ilha (vide Figura 64). Tipo 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 Centro de saúde e unidade básica 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 de saúde Consultório 1 1 1 2 2 2 1 1 3 Hospital geral 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 Policlínica - - - - - - - - - - Posto de saúde 1 1 1 1 1 1 1 1 2 2 Total 4 5 5 5 6 6 6 5 6 8 Figura 64: Quantidade de Estabelecimentos de Saúde, por tipo, entre 2005 e 2014, em Dom Joaquim/MG. Fonte: Secretária de Saúde da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015. Nos pontos de atendimento municipal, existem dois médicos, cinco enfermeiros e cinco auxiliares e técnicos (Entrevista com Secretário Saúde da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Para o setor de saúde, a prefeitura conta com três ambulâncias e mais 10 veículos (entre van, carro pequeno etc.) (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). O Posto de Saúde de São José da Ilha foi inaugurado em 2013, antes o atendimento era realizado na escola local. O posto conta com uma enfermeira de segunda a sexta-feira, um médico uma vez por semana, um fisioterapeuta duas vezes por semana, um psicólogo uma vez por semana e um dentista uma vez por semana (que atualmente está em falta na comunidade) (Entrevista com uma funcionária do Posto de Saúde, São José da Ilha, março de 2015). O município possui duas unidades básicas de saúde, vinculadas ao Programa Saúde da Família (PSF). Com a chegada do PSF em 2002, observa-se uma significativa elevação do número de famílias atendidas de 2002 para 2003. Depois de 2003, o número de famílias atendidas pelo PSF praticamente não se alterou, conforme demonstra o gráfico seguinte: 180 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 65: Número de Famílias cadastradas por ano no Programa Saúde da Família (PSF). Fonte: DATASUS, 2015. Em conformidade com os dados de atendimentos totais realizados pelo setor de saúde municipal (Centro de Saúde, Posto Gororós, PSF, Psiquiatria, Psicologia, Ginecologia, Nutrição, Consultas Especializadas), verifica-se um aumento de 43,82% nos atendimentos de 2006 para 2008. Há uma redução deste número em 2009 e 2010, embora ainda com valores totais superiores ao ano de 2006. De 2010 para 2011 o número de atendimentos nas unidades de saúde municipais supracitadas sofreu um aumento de 17, 62%, mantendo-se praticamente inalterado em 2012, como mostra a Figura na sequência. 12000 10000 8000 6000 4000 2000 0 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 Total de Atendimentos Figura 66: Atendimentos totais em Centro de Saúde, Posto Gororós, PSF, Psiquiatria, Psicologia, Ginecologia, Nutrição, Consultas Especializadas. Fonte: Secretária de Saúde da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015. 181 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] O Hospital Nossa Senhora das Graças possui os mesmos 26 leitos desde 2005, e atualmente conta com dois enfermeiros, um coordenador de enfermagem, seis auxiliares e dois médicos que atendem em plantões noturnos, entre 18 e 7 horas da manhã e também aos finais de semana (Entrevista com Administrador do Hospital Nossa Senhora das Graças, março de 2015). O hospital que “tem 58 anos”, passou por uma reforma e ampliação, finalizada em 2014, através de recursos da Anglo American (Entrevista com Administrador do Hospital Nossa Senhora das Graças, março de 2015). Também foi firmado um convênio de 5 anos com a Anglo, desde 2010, para área de saúde, voltado para o custeio de mão de obra (Entrevista com Administrador do Hospital Nossa Senhora das Graças, março de 2015). Conforme o Secretário, com o fim do convênio com a Anglo American para custeio da mão de obra na saúde: “em janeiro de 2015 ocorreu um tumulto grande porque não tinha mais o dinheiro para custear os profissionais de saúde [...] Até maio a prefeitura custeará esses profissionais, mas com grande dificuldade” (Entrevista com Secretário Saúde da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). No site da Prefeitura de Dom Joaquim consta que o convênio do Hospital com a Prefeitura foi prorrogado até 30 de outubro de 2015, para custeio dos plantões médicos noturnos e aos finais de semana.50 O hospital historicamente enfrenta problemas para a sua manutenção, uma vez que sobrevive de doações de sócios da irmandade e de contribuintes da cidade. (Entrevista com Administrador do Hospital Nossa Senhora das Graças, março de 2015). “Hoje não tem recurso. Tudo a prefeitura tem que dar conta. Funcionários de saúde foram mandados embora, psiquiatra não tem mais. A Anglo não paga mais” (Entrevista com equipe da Secretaria de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Segundo o Administrador do Hospital o convênio para custeio de recursos humanos não foi renovado porque em reunião com a Anglo, em 2013, a empresa demonstrou com dados estatísticos que não houve impacto na área de saúde de Dom 50 Disponível em: http://www.domjoaquim.mg.gov.br. Acesso em: 20/05/2015. 182 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Joaquim, justificando assim o fim do convênio (Entrevista com Administrador do Hospital Nossa Senhora das Graças, março de 2015). De acordo com o administrador da instituição a demanda no hospital de trabalhadores de empresas terceirizadas da Anglo American “era uma demanda rotineira” (Entrevista com Administrador do Hospital Nossa Senhora das Graças, março de 2015). O hospital não tem infraestrutura adequada para determinados tratamentos e internação, assim, Guanhães figura como uma referência na área de saúde para os dom-joaquinenses e os casos mais graves são encaminhados para Belo Horizonte e Diamantina (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Os principais problemas de saúde tratados no hospital são desnutrição, diarreia, diabete e hipertensão (Entrevista com Administrador do Hospital Nossa Senhora das Graças, março de 2015). 4.4 Mudanças sociais e a relação dos moradores locais com os trabalhadores imigrantes em Dom Joaquim A relação entre moradores locais e trabalhadores vinculados à mineração em Dom Joaquim, encontra-se marcada pelas consequências negativas oriundas da depreciação dos serviços públicos e da infraestrutura urbana em função do aumento populacional. As entrevistas realizadas evidenciaram que os moradores de Dom Joaquim deixaram de frequentar determinados locais de lazer, como a barragem e os bares, em função da presença inibidora de trabalhadores migrantes. A Barragem, local antes muito frequentado pela população, encontrava-se sempre com grande quantidade de trabalhadores, fazendo uso abusivo de bebidas alcoólicas e com música alta, de forma a inibir e constranger a presença dos moradores do município, principalmente das mulheres: “Já cansei de ir à barragem para comer sanduiche e não poder ficar” (Entrevista com Secretária de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). “Muita bebida nas festas, nos finais de semana na barragem. [...] Nesses locais como era muito homem, o pessoal, principalmente as mulheres, ficam retraídas” (Entrevista com moradora A., Dom Joaquim, março de 2015). “A represa ficava lotadinha. A gente na barragem final de semana ficava meio inibida” (Entrevista com moradora Q., Dom Joaquim, março de 183 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 2015). “O movimento de trabalhadores incomodava, pois tirou a liberdade. Dia de domingo a barragem ficava cheia” (Entrevista com comerciante de loja de roupa, Dom Joaquim, março de 2015). Figura 67: Barragem de Dom Joaquim, março de 2015. Fonte: Trabalho de campo da equipe do Cidade e Alteridade, março de 2015. Figura 68: Barragem de Dom Joaquim, março de 2015. Fonte: Trabalho de campo da equipe do Cidade e Alteridade, março de 2015. 184 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Como explicita o Secretário de Governo, nos finais de semana paravam 4, 5 ônibus com trabalhadores de empresa na barragem: “o convívio dos Domjoaquinenses com a barragem foi alterado” (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Reforçando o sentimento da perda de um lugar de lazer, o Secretário de Saúde também comenta que na Barragem paravam 3, 4 ônibus de trabalhadores, fato que fez com que a barragem deixasse “de ser um ponto de lazer dos dom-joaquinenses”, já que nos finais de semana era “impossível pegar a família e ir...” (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Situação igualmente mencionada por uma Conselheira do Conselho Tutelar de Dom Joaquim, que afirma que aos domingos a Barragem encontrava-se sempre lotada de trabalhadores dos “alojamentos fora da cidade”: “Então, tirou bem a liberdade da gente. Não tinha liberdade nem de levar os filhos para passear. Deve ter uns 6 meses que parou de vir ônibus para a barragem [...]” (Entrevista com Conselheira do Conselho Tutelar de Dom Joaquim, março de 2015). De acordo com o Secretário de Governo, os trabalhadores utilizavam a barragem de forma inadequada, situação também relatada pelo prefeito da cidade: “Os trabalhadores utilizavam a barragem usando cueca, embebedavam e acabavam tendo escoriações por acidentes. [...] Jogavam tarrafa no lago e lá não pode” (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). De acordo com o presidente da Ascobelo, chegou a morrer um “trabalhador de firma” na Barragem (Entrevista com presidente da Ascobelo, Bairro Lopes, março de 2015). As praças da cidade também ficavam sempre lotadas de trabalhadores, constrangendo e limitando os espaços de convivência dos frequentadores locais. Como menciona os trechos das entrevistas: “o pessoal parou de frequentar a barragem, em praça ninguém senta mais” (Entrevista com equipe da Secretária de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). “Não temos mais um ambiente tranquilo. O nível de drogas inibe frequentar os lugares. Os moradores não vão mais às pracinhas” (Entrevista com Gerente do Sicoob, Dom Joaquim, março de 2015). Logo, os 185 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] principais espaços públicos de lazer de Dom Joaquim, a Barragem e as praças públicas, deixaram de ser frequentadas pela população local, afetando a qualidade de vida dos moradores, assim como a convivência e a sociabilidade do lugar. Em dezembro de 2014, mesmo com a diminuição do número de trabalhadores, verifica-se, sobretudo no horário de almoço, a presença de muitos trabalhadores das empresas, sentados ou deitados embaixo das árvores, na praça em frente da Igreja Matriz, no centro da cidade (vide figura na sequência). Figura 69: Trabalhadores descansando na praça em frente à Igreja Matriz São Domingos de Gusmão, Dom Joaquim-MG, dezembro de 2014. Fonte: Trabalho de campo da equipe do Cidade e Alteridade, dezembro de 2014. 186 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 70: Trabalhadores descansando na praça em frente à Igreja Matriz São Domingos de Gusmão, Dom Joaquim-MG, dezembro de 2014. Fonte: Trabalho de campo da equipe do Cidade e Alteridade, dezembro de 2014. Para o Prefeito de Dom Joaquim as áreas de lazer do município foram “invadidas” por trabalhadores imigrantes (Entrevista com Prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). “Eles tomaram o nosso espaço”, afirma uma coordenadora da creche, “a maconha e a cachaça rolavam soltas e nós trancados dentro de casa”, afirma a outra coordenadora de creche (Entrevistas realizadas com coordenadoras de creche de Dom Joaquim, dezembro de 2014). A prefeitura conseguiu estabelecer um acordo com a Anglo American para que os ônibus das empresas não fossem para o município nos finais de semana, “mas não adiantava, eles [os trabalhadores] fretavam ônibus e vinham” (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Além da vinda de trabalhadores dos alojamentos situados fora da cidade, muitos trabalhadores residiam em casas no centro da cidade e passavam os finais de semana: “bebendo e fazendo churrasco”, “dia de domingo o inferno estava pronto” (Entrevista com coordenadoras de creche de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Vários entrevistados comentaram que as festas nas casas utilizadas como alojamentos de 187 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] trabalhadores dentro da cidade eram realizadas com muita bebida alcoólica. Tal situação incomodava, sobretudo, os moradores vizinhos das “repúblicas” de trabalhadores: “Era comum churrascos nas repúblicas nos finais de semana. Os vizinhos de perto não deixam de ser incomodados” (Entrevista com Conselheira do Conselho Tutelar de Dom Joaquim, março de 2015). Segundo uma coordenadora de creche que residia ao lado de uma casa que funcionava como alojamento para trabalhadores, o consumo de droga e de bebida alcoólica era muito grande: “[...] os trabalhadores cheiravam cocaína e jogavam o pino no meu terreiro [...]. Tinha dia que eu tinha medo mesmo [...] o que os trabalhadores achavam comum para a gente não era” (Entrevista com coordenadora de creche de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Os trabalhadores das diversas empresas terceirizadas da Anglo American, que passaram por Dom Joaquim (como por exemplo, Integral, Milplan, Geosedna, Geosol, dentre outras), eram originários de vários lugares do Brasil, sendo comum imigrantes de outras cidades de Minas Gerais (como Itabira e Ipatinga), mas sobretudo, da região Nordeste e Norte do país (estados da Paraíba, Pará, Espírito Santo, Bahia e Pernambuco) (Entrevista com Secretários da Prefeitura de Dom Joaquim e com moradores locais, março de 2015). Tal diversidade implicava na relação dos moradores locais com “culturas diferentes”, como eles mesmos disseram. Os moradores revelam em suas falas a grande quantidade de trabalhadores existentes na cidade: “Veio muito trabalhador. A gente tropeçava em trabalhador na rua, de tanto trabalhador que tinha” (Entrevista com moradora Q., Dom Joaquim, março de 2015). “Não tinha mais onde por gente. Dobrou o número de pessoas da cidade” (Entrevista com moradora A., Dom Joaquim, março de 2015). Durante o trabalho de campo, era comum ouvirmos das pessoas que “a cidade não estava preparada” para as mudanças provocadas pelo empreendimento MinasRio: “A cidade não estava preparada para receber esse impacto do empreendimento” (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). “Uma cidade pequena, com 4.600 habitantes, sem infraestrutura para receber as mudanças geradas pelo empreendimento. As mudanças chegaram de uma vez numa 188 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] cidade sem preparo nenhum para receber esse número de trabalhadores” (Entrevista com gerente do Sicoob, Dom Joaquim, março de 2015). Sobretudo no período de implantação do empreendimento, os “impactos sociais”, como menciona o prefeito de Dom Joaquim, foram diversos: aumento das drogas, prostituição, criminalidade, gravidez precoce e indesejada (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). Ainda segundo o prefeito: A cidade se transformou de água para cachaça [...] foi uma destruição total, ambiental, cultural e social [...], era uma cidade bonita, organizada e hoje não conseguimos mais organizar a cidade” (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). Entre as várias mudanças vivenciadas cotidianamente pelos moradores, também eram frequentes as queixas de que “a cidade está mais movimentada”, “o barulho aumentou”, a tranquilidade diminuiu: “A cidade era parada, agora tem mais movimento, mais carros, mais pessoas” (Entrevista com moradora Q., Dom Joaquim, março de 2015). “Aquela coisa de cidade pequena, aquela calma diminuiu. Não tem mais aquela tranquilidade” (Entrevista com moradora A., Dom Joaquim, março de 2015). “Muda a cidade, o barulho aumentou, os ambientes são mais cheios” (Entrevista com Conselheira do Conselho Tutelar de Dom Joaquim, março de 2015). “Mudou muito, teve uma mudança cultural por causa da movimentação” (Entrevista com equipe da Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Para a Secretária de Assistência Social, os moradores locais estranharam a chegada dos trabalhadores: “é estranho quando você está acostumada com uma rotina e muda tudo, os moradores se sentiam acuados, constrangidos” (Entrevista com Secretária de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). O fato de não conhecer mais as pessoas da sua própria cidade também é apontado pelos moradores como uma questão problemática, como exemplifica a fala do Secretário de Saúde: “Dom Joaquim é uma cidade de pessoas humildes, todo mundo conhece todo mundo, com o empreendimento isso acabou” (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Ao questionarmos os moradores locais sobre como era relação com os trabalhadores imigrantes, duas entrevistadas comentaram que a convivência era 189 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] marcada pela hospitalidade e receptividade dos dom-joaquinenses: “A relação dos moradores com os trabalhadores era normal, não tinha nada de diferente. Os moradores saíram de suas casas, foram para residências menores para alugar para os trabalhadores. Os dom-joaquinenses são muito hospitaleiros” (Entrevista com moradora M., Dom Joaquim, março de 2015). A população de Dom Joaquim é muito receptiva, a ponto de largar a própria casa, seu espaço, para ir morar em casas menores, deixando a própria casa para alugar para o pessoal da Anglo. As pessoas da cidade focaram tanto nas pessoas de fora para atender bem essas pessoas que se fecharam para a própria população da cidade (Entrevista com gerente do Sicoob de Dom Joaquim, março de 2015). Não obstante a receptividade dos dom-joaquinenses, os moradores reagiram de formas distintas. Alguns receberam melhor os trabalhadores e afirmaram ter uma “relação normal” com os imigrantes, enquanto outros ficaram “insatisfeitos” e incomodados com a situação, como explicitam os trechos a seguir: “Para uns era normal, para outros incomodava. Às vezes eu caminhava de manhã e encontrava com turma de trabalhadores...” (Entrevista com moradora R., Dom Joaquim, março de 2015). “O pessoal de Dom Joaquim é muito receptivo. Com a locação de imóveis, alguns acolheram melhor porque estava tendo algum retorno. Já outros ficaram insatisfeitos com o tumulto, não tinham mais privacidade” (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Na percepção da equipe da Assistência Social, os moradores locais “não se misturavam” com os trabalhadores imigrantes porque “tinham receio” (Entrevista com equipe da Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Lado outro, três moradores afirmaram que na relação com os trabalhadores imigrantes “não houve conflito”, que a relação “era tranquila”, também em função das instruções e sanções exercidas pelas empresas: “A relação com os trabalhadores foi tranquila, respeitavam bem o povo da cidade. Alguns iam embora final de semana. Outros iam para a barragem, restaurante, bar” (Entrevista com moradora A., Dom Joaquim, março de 2015). “Não houve conflito dos moradores locais com os de fora, porque qualquer coisa a firma mandava embora” (Entrevista com presidente da Ascobelo, Bairro Lopes, 190 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] março de 2015). “A relação é tranquila, porque os trabalhadores já vêm instruídos do que podem e não podem fazer, senão são mandados embora. O movimento, o barulho já não é possível controlar” (Entrevista com Conselheira do Conselho Tutelar de Dom Joaquim, março de 2015). Na visão de outra moradora, haviam trabalhadores civilizados e respeitadores, alguns deles, inclusive, frequentavam a igreja e participavam da paróquia, embora ela já tenha ficado sabendo de situação de desrespeito de trabalhadores com senhoras idosas na cidade (Entrevista com moradora Q., Dom Joaquim, março de 2015). Em entrevista com o prefeito de Dom Joaquim, ao perguntarmos como ele percebia a relação dos moradores locais com os trabalhadores imigrantes, o mesmo afirmou que “a convivência é normal”. Entretanto, recordou que no Complexo da Barragem onde aglomerava muitos trabalhadores imigrantes, algumas mulheres sofriam com “cantadas”. Nesse ponto, segundo o prefeito, “a convivência não era tão boa não” (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). Diversos outros problemas são vivenciados pela população de Dom Joaquim em função do aumento populacional, contexto que não deixa de influenciar a relação dos moradores locais com os trabalhadores imigrantes. Conforme o Secretário de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente, os bancos (que já não são muitos: Bradesco, Sicoob, Banco do Brasil via Correios e Caixa Econômica via loteria) encontravam-se com frequência sem dinheiro. Até mesmo ir à padaria, para os moradores locais, tornou-se um transtorno: “dobrou a população, era sufocante” (Entrevista com coordenadora de creche de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Homens andando na rua, fazendo barulho cinco horas da manhã indo para padaria. Na padaria tinha que fazer fila... Com isso, às vezes faziam as coisas de qualquer jeito para atender a demanda”. [...] na rua da minha casa ficam todos os ônibus da empresa que sai às 5 da manhã daqui da frente. Fica aquela barulheira, fumaça, gente conversando (Entrevista com equipe da Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Como menciona o Secretário de Administração e Planejamento, o prejuízo não foi só ambiental e visual, mas no estilo de vida e de cidade (Entrevista com Secretário de Administração e Planejamento da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). 191 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] A rede de esgoto e de água também não era adequada para comportar o aumento populacional (Entrevista com Secretário de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Conforme a Secretária de Educação, o abastecimento é realizado pela COPASA, mas a caixa d’água que abastece a cidade, antes e depois dos trabalhadores é a mesma: “a demanda aumentou, mas a caixa não” (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). A população conviveu com a falta de água nas residências e nas escolas, somente quem tinha “caixa d’água em casa ou poços artesianos não sentiu a falta de água” (Entrevista com coordenadoras de creche de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Para além dos impactos ocasionados pelo afluxo populacional, há os impactos causados pelas obras da adutora de água, como: supressão da vegetação e destruição de paisagens naturais; assoreamento dos Rios Folheta e do Peixe, com impactos sobre os mananciais e sobre a represa; desapropriações de áreas para construção da adutora, gerando conflitos e demandas judiciais (Entrevistas com Secretário da Fazenda e com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). No terreno do Hospital Nossa Senhora das Graças existia uma área de camping destinada à realização de eventos, como o carnaval e o rodeio realizado nos meses de setembro na cidade. Atualmente a tubulação da adutora de água da Anglo American atravessa a área: “O hospital alugava a área de camping para eventos na cidade e hoje está com tubulação” (Entrevista com equipe da Secretária de Assistência Social da prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Conforme o prefeito de Dom Joaquim, ainda é possível utilizar a área, “mas não está igual antes” (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). O administrador do hospital informou que atualmente a área encontra-se alugada para Anglo American, que vem utilizando o local como canteiro de obras e não se sabe ainda onde será a nova área de festas da cidade (Entrevista com Administrador do Hospital Nossa Senhora das Graças, Dom Joaquim, março de 2015). 192 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Outro problema verificado na construção da adutora, foi a possibilidade da empresa não adquirir integralmente as propriedades que foram cortadas por esta estrutura. Existe uma faixa de servidão de 8 metros que a empresa utiliza por meio de desapropriação (Entrevista com Secretário da Fazenda da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). O Secretário de Administração e Planejamento comentou que a empresa se apropriou de cerca de “20 lotes” da propriedade de seu sogro, ou seja, “mais de 1 km no terreno”, sem qualquer indenização. O juiz determinou o pagamento de 28 mil em conta, ainda não efetivado pela empresa (Entrevista com Secretário de Administração e Planejamento da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Para o Secretário, o valor pago é irrisório, já que cada lote valeria “no mínimo 40 mil”. Há cerca de 20 pessoas em situação semelhante, uma vez que a empresa “não resolveu a questão da indenização com ninguém bem” (Entrevista com Secretário de Administração e Planejamento da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). As áreas desapropriadas, sem qualquer indenização, assim como a faixa de servidão não podem ser mais utilizadas pelos proprietários (Entrevista com Secretário de Administração e Planejamento da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). As negociações das indenizações são realizadas individualmente, “negociaram com três irmãos separados, causando discórdia entre as famílias” (Entrevista com Secretário de Administração e Planejamento da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Além disso, a alta rotatividade de funcionários na empresa obsta a eficácia da comunicação para a solução das demandas das comunidades atingidas: “na Anglo toda semana muda o personagem, liga e já é outro funcionário (Entrevista com Secretário de Administração e Planejamento da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Além das desapropriações, a Anglo adquiriu algumas propriedades em Dom Joaquim, valendo-se de “testas de ferro”, para aferir preços mais baixos (Entrevista com Secretário de Administração e Planejamento da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Segundo o Secretário, uma propriedade de 2 mil hectares de seu sogro, de 83 anos, foi vendida para um “testa de ferro” da empresa por 4 milhões, sendo revendida pelo sujeito para a Anglo por 15 milhões, já que o preço solicitado 193 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] pelo proprietário na venda para a mineradora era superior (Entrevista com Secretário de Administração e Planejamento da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). O futuro ainda parece incerto para os habitantes de Dom Joaquim, já que, há possibilidade da implantação de mais um projeto de mineração na região, desta vez da Manabi, em Morro do Pilar, localizado a 61 km de Dom Joaquim: “a perspectiva é de chegada de muitos trabalhadores” (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Os entrevistados afirmaram que provavelmente Dom Joaquim se tornará novamente uma cidade dormitório, recebendo os trabalhadores da mineração de Morro do Pilar, que obteve a Licença Prévia em novembro de 2014, prolongando os impactos negativos e os conflitos relacionados ao grande afluxo populacional no município. Ademais, a Vale também pretende minerar a Serra da Serpentina, em Conceição do Mato Dentro. Conforme o prefeito de Dom Joaquim, a empresa tem adquirido terras na região: “A Vale está chegando, fazendo sondagem. Em São João, povoado rural, já se ofereceram para comprar terrenos” (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). 4.5 Mudanças sociais e a relação dos moradores locais com os trabalhadores imigrantes em São José da Ilha Os moradores do povoado de São José da Ilha sempre fazem referência à dois grandes alojamentos de trabalhadores mais próximos. Um dos alojamentos pertence à empresa Novaluz, a leste do povoado, especializada na recuperação de áreas degradadas e em desmatamento.51 O outro, a oeste, já foi alugado para várias empresas e, atualmente, segundo moradores, encontra-se locado para a empresa Brasil (vide figura seguinte). 51 A empresa Novaluz é uma empresa prestadora de serviços fundada em Itabira-MG, “especializada em recuperação e reabilitação de áreas degradadas, produção e plantio de mudas arbóreas e arbustivas, supressão vegetal, remoção de ‘top soil’, cobertura vegetal de taludes com hidrossemeadura e semeadura manual, aplicação de manta vegetal, retirada mecânica de macrófitas em barragens e reservatórios, construção de aceiro (manual e mecanizado), e elaboração e execução de projetos técnicos ambientais” (Disponível em: http://www.novaluzitabira.com.br/pg.php?id_cat=53&&id=1. Acesso em: 29/05/2015). 194 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 71: Mapa de São José da Ilha e Intermediações. Em destaque os dois alojamentos próximos ao povoado. Fonte Google Earth (foto de novembro de 2014), 2015. Entre as empresas que passaram por São José da Ilha, os entrevistados citaram o nome de algumas: “Cada hora os alojamentos são de uma firma, foi da Linhares, da Milplan, da Brasil” (Entrevista com moradora F., São José da Ilha, março de 2015). “A Ilha recebeu trabalhadores de dentro da mina fazendo montagem de bomba e tubulações. Da Emflortec de reflorestamento, da Novaluz de replantio, reflorestamento, cerca, desmatamento [...]” (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). Conforme vimos em depoimentos anteriores, os trabalhadores imigrantes eram provenientes de vários lugares do Brasil, principalmente “do Nordeste, do Norte” (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). No período da implantação, contratou-se também mão de obra local para limpeza e cozinha dos alojamentos (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). Três das moradoras entrevistadas de São José da Ilha trabalharam nos alojamentos, duas delas na cozinha e uma delas na faxina. O número de trabalhadores nos alojamentos variava: “Era uns 270/300 homens no alojamento. Saia e chegava muito homem. Quando ia embora, uns 50 ficavam, mas já aliviava, mas aí chegava outros 50” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). 195 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] “Trabalhamos no alojamento na faxina por 11 meses. Tinha uns 400 trabalhadores no alojamento na época” (Entrevista com moradora F., São José da Ilha, março de 2015). A moradora que trabalhou na cozinha conta da sua rotina de trabalho no alojamento, na época locado para a Milplan: Trabalhei de agosto até novembro no alojamento da Milplan servindo comida, almoço e janta. A comida servida vinha de Dom Joaquim. [...] Quando era da cozinha do alojamento largava serviço umas 22:30. Pegava serviço umas 10 da manhã, o almoço era entre 11 e 13:30, deixava a cozinha depois do almoço organizada. Duas e pouco largava o serviço e voltava umas 17 horas, 19 horas até às 21 horas acabava o jantar. Depois organizava, limpava tudo para sair. Para trabalhar nos alojamentos, faxina e cozinha, contratavam pessoal daqui mesmo. Já a Brasil não contratou mulher, só tem homem de fora para fazer a faxina do alojamento hoje (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). Ainda segundo a moradora, os trabalhadores reclamavam com frequência da comida e da quantidade de carne servida nas refeições: Eles reclamavam muito da comida. Eram baianos, não era o tipo de comida que eles estavam acostumados. A carne sempre faltava, sempre queriam carne para mais. O pedaço de carne era pequeno, era bife pequeno, daí pediam para colocar dois, daí faltava no final. Eles ameaçavam colocar fogo no alojamento se não desse mais carne e melhorasse a comida. Mudou umas três vezes a cozinha do alojamento (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). Os trabalhadores sentiam-se “presos” no alojamento e reclamavam da sua localização: “Os trabalhadores reclamavam que estavam nesse buraco, no meio do mato. Eles falavam que o alojamento era igual ao Carandiru. Eles ficavam é preso aqui mesmo... Não conheciam ninguém, não iam para lado nenhum” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). De acordo com uma moradora, nos alojamentos utiliza-se poço artesiano para lavar máquinas e água mineral para consumo dos trabalhadores (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). Ainda segundo a moradora, o esgoto dos alojamentos, atualmente, não é lançado nos cursos d’água do município, embora já tenha ocorrido descarte de dejetos de banheiro químico em curso d’água local: “Nos 196 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] alojamentos eles fazem a coleta e leva... não sei para onde. Tinha uns banheiros químicos que eles estavam jogando no rio, daí reclamaram e pararam. A fiscalização nos alojamentos é maior” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). Como lazer, os trabalhadores dos alojamentos frequentavam, principalmente, os bares / “vendas” do povoado. Entretanto, a presença de trabalhadores nos bares (que na Ilha funcionavam também como mercearias, já que “vendiam de tudo” e não há supermercados no povoado), inibia a presença de mulheres, que se sentiam constrangidas de frequentar as “vendas”, principalmente nos finais de semana, como ilustram os relatos a seguir: “Os barzinhos ficavam lotados. Eu saía de casa mais de precisão, preferia ficar mais em casa” (Entrevista com moradora G., São José da Ilha, março de 2015). “Os barzinhos ficavam lotados. [...] O pessoal fazia churrasquinho na porta das vendas. O pessoal daqui frequentava, mas era sem graça para as moças frequentarem” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). De acordo com uma moradora de São José da Ilha, acontecia dos trabalhadores imigrantes “mexerem” com as mulheres locais, provocando brigas com homens do povoado: A gente fica com receio. Em Dom Joaquim já teve um caso de um homem de fora atacar mulheres. Antes tinha paz para sair. Depois não podia nem ir nas vendas, não sentia vontade nem de ir, porque sabia que o bar estava cheio... Pra evitar a fadiga, né, sabia que podia dar conflito. Todo mundo [trabalhadores] caçando namorada. Os homens mexiam com as mulheres não queriam saber se a pessoa tinha namorado, se era casada... Isso já deu até briga de pau aqui (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). Havia, portanto, conflitos, principalmente de homens locais com “homens de firma”, motivado por ciúmes: Tinha um cara que estava cantando as moças e estava xingando o pessoal daqui, daí teve uma turma que acabou quebrando ele... [...] Tinha muita confusão por ciúmes. Os homens daqui pegavam os trabalhadores no couro. Quando tem briga o povo daqui se junta e se defende. Mas tirando isso era tranquila a convivência (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). 197 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Na visão da Secretária de Assistência Social, a relação dos moradores de São José da Ilha com os trabalhadores “é bem complicada, som alto, falta de respeito...” (Entrevista com Secretária de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Para uma moradora que trabalha em um bar da Ilha, o relacionamento com os trabalhadores imigrantes “era bom”, embora ela considere um aspecto negativo a chegada de “grande quantidade de pessoas de fora para trabalhar. Não são pessoas conhecidas, a gente não sabe quem é quem, se é boa ou ruim, se vai aprontar alguma coisa ou não” (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). Outra moradora, que já foi proprietária de um bar na Ilha, comentou: “tinha um entrosamento entre os locais e os trabalhadores de fora” (Entrevista com moradora B., São José da Ilha, março de 2015). Para a moradora local que namora um trabalhador de firma: “Ficamos ressabiados quando eles chegaram... [...] Mas não tive problema com ninguém... Até quando alguns foram embora, senti falta. As firmas são muito rígidas quanto ao comportamento dos trabalhadores” (Entrevista com F., São José da Ilha, março de 2015). Por sua vez, outra moradora disse que a relação dela com os trabalhadores locais era de desconfiança: “Eu não tinha amizade com os trabalhadores, mas se passasse cumprimentava. Fico com o pé atrás [...]” (Entrevista com moradora G., São José da Ilha, março de 2015). Duas moradoras comentaram que embora os barzinhos ficassem movimentados, os trabalhadores não podiam “ficar até tarde da noite”, uma vez que a “firma exigia horário para retornar para o alojamento” (Entrevista com moradoras F. e D., São José da Ilha, março de 2015). Lado outro, conta uma moradora que alguns trabalhadores “bebiam até cair” e não conseguiam chegar até o alojamento, “dormiam no meio da estrada” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). Para aqueles moradores que residem próximo aos bares, o barulho, principalmente aos sábados, perturba, impedindo, inclusive, de dormir à noite: “É muito barulho de barzinho dia de sábado. Nossa Senhora da Aparecida, dia de sábado para domingo nem dorme...” (Entrevista com morador S., São José da Ilha, março de 198 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 2015). “Hoje a zueira é mais dia de sábado, enche de gente comendo salgado, bebendo, com música alta. Sábado é ainda pior que domingo” (Entrevista com morador A., São José da Ilha, março de 2015). Além dos bares, os trabalhadores frequentavam as festas na Ilha e os torneios de futebol, eventos também frequentados pelos moradores locais e por pessoas da região: “O lazer dos trabalhadores era jogar futebol, para isso juntava com os daqui” (Entrevista com morador G., São José da Ilha, março de 2015). Também é comum forró e música ao vivo em um restaurante localizado na beira da estrada: “Tem um restaurante na beira da estrada que tem festa, cantor, forró a noite inteira lá... Esse restaurante tem um ano e pouco, é em frente ao alojamento da Novaluz” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). Mesmo após muitos trabalhadores terem ido embora, segundo uma moradora, as festas e os torneios de futebol na Ilha “ainda tem movimento”, atraindo “gente de fora e da redondeza e trabalhadores de firma” (Entrevista com moradora B., São José da Ilha, março de 2015). Com o fim das obras de implantação do complexo minerário Minas-Rio, o número de trabalhadores em São José da Ilha também diminuiu consideravelmente: “Quando concluiu as obras das tubulações foram muitos homens embora. Desde a metade do ano passado já diminuiu bem a turma” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). Os moradores não sabem ao certo se no alojamento da Brasil ainda há trabalhadores: “Já teve muito trabalhador aqui. Dois alojamentos grandes. Um hoje está arrendado para a Brasil. Tinham dispensados os trabalhadores, mas ia chegar outra turma. Em Dom Joaquim também tinha muito alojamento” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). “Não sei... Mas eu acho que ainda tem trabalhador da Brasil no alojamento” (Entrevista com moradora F., São José da Ilha, março de 2015). Durante o trabalho de campo, verificamos a presença de trabalhadores da Novaluz em São José da Ilha. De acordo com moradoras, a empresa Novaluz comprou um terreno para plantio de braquiária, onde criaram búfalos durante um tempo: “A Nova Luz comprou uns 700 alqueires. Hoje na área existe só o alojamento, acabaram 199 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] com a criação de búfalos” (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). “A Nova Luz presta serviço para a Anglo. [...], é um pessoal de uniforme amarelo. Compraram terreno, plantaram braquiária e criaram búfalo por um tempo” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). Para além dos alojamentos, vale ressaltar que várias casas em São José da Ilha foram alugadas para trabalhadores imigrantes (como relatado no tópico “Impactos no setor habitacional e comercial em Dom Joaquim”). Além de toda problemática vivenciada em São José da Ilha em função da mineração, o povoado também enfrenta, ocasionalmente, problemas de falta de água. A água de São José da Ilha advém de poço artesiano, cuja bomba frequentemente queima: “A comunidade tem carência de água. Aqui é poço, bomba queimada direto, uma bomba só não manda água para abastecer todo mundo” (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). “Na Ilha tem dois poços para fornecimento de água. A água é de poço artesiano, bomba queima e a prefeitura tem que arrumar” (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). De acordo com o prefeito de Dom Joaquim, na Ilha também há problemas com o uso indevido da água por “gente de empresa” para lavagem de veículos (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). Em função da recorrência dos problemas da falta de água no povoado, os moradores tentaram recorrer a Anglo American, na esperança de que empresa intervisse na questão: Fizeram manifestação fechando as pistas para a Anglo intervir em favor da comunidade na questão da água. Quando tem problema de água precisa de caminhão pipa, que passava duas vezes na semana. Alguns utilizavam o rio para lavar roupa e vasilhas e até para beber, mas hoje não dá, a água é poluída, traz problemas como xistose (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). O esgoto tanto de São José da Ilha quanto da sede, segundo uma moradora local, é lançado no Rio Folheta, que desagua na barragem de Dom Joaquim (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). 200 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 4.6 Impactos no Setor de Educação em Dom Joaquim A taxa de analfabetismo em Dom Joaquim diminuiu ao longo dos anos tanto para a zona rural, quanto para a zona urbana. Tal taxa apresenta-se, consideravelmente, maior no meio rural que no meio urbano, para todos os anos analisados, como mostra o gráfico seguinte. 44,5% 34,9% 33,5% 25,1% 26,5% 27,1% 22,4% 18,2% 13,7% Urbano Rural 1991 2000 Total 2010 Figura 72: Taxa de analfabetismo total e por situação de domicílio, para indivíduos com 15 anos ou mais, em Dom Joaquim. Fonte: IBGE – Censo Demográfico, 1991, 2000 e 2010. Ao analisarmos a taxa de analfabetismo por faixa etária, observa-se que os indivíduos mais jovens apresentam percentuais menores de analfabetismo se comparados aos indivíduos mais velhos. Verifica-se, ainda, uma tendência a diminuição da taxa de analfabetismo ao longo dos anos em todas as faixas etárias, como mostra o gráfico na sequência. 201 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 59,6% 54,6% 56,3% 55,6% 48,5% 42,8% 38,8% 35,1% 51,6% 45,9% 39,9% 28,2% 22,9% 20,2% 15,9% 5,3% 4,2% 15 a 24 anos 7,5% 25 a 39 anos 40 a 59 anos 1991 60 a 69 anos 2000 70 a 79 anos 80 anos e mais 2010 Figura 73: Taxa de analfabetismo, por faixa etária, em Dom Joaquim. Fonte: IBGE – Censo Demográfico, 1991 a 2010. Quanto ao número de matrículas, observamos no gráfico seguinte sua diminuição em quase todos os períodos escolares, com exceção para o Ensino Médio e para a Creche, esta última com dados disponíveis a partir de 2012, mas com número de matrículas sempre crescente. Figura 74: Número de matrículas escolares por ensino em Dom Joaquim, 2000 a 2014. Fonte: Mec/Inep/Deed/Csi, 2000 a 2014. Na visão da Secretária de Educação e das duas coordenadoras de creche entrevistadas, com a mineração ocorreu um incremento da demanda por vagas nas escolas públicas, embora o impacto não tenha sido significativo. A expectativa das entrevistadas é de que em 2015 a demanda seja ainda maior, em função da 202 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] possibilidade de chegada dos trabalhadores da Manabi. De acordo com uma moradora, que se encontra na fila de espera por vaga na creche do município, a demanda aumentou consideravelmente (Entrevista com moradora P., São José da Ilha, março de 2015). O município conta com três escolas estaduais, duas localizadas na sede e uma no distrito de Gororós, cinco escolas municipais na zona rural e dois centros educacionais, um na sede e outro no distrito, onde funciona educação infantil e creche (vide figura a seguir). Nome da Escola Escola Municipal Cônego Firmiano Escola Municipal João Thomaz Escola Municipal João Miranda Escola Municipal João Ferreira de Santa Cruz Escola Municipal São José da Ilha Centro de Educação Infantil Arlinda Viana Centro Educacional Luiza Marilac Josafá de Figueiredo Escola Estadual Ângelo Ribeiro Miranda Escola Estadual Cristiano Machado Escola Estadual Cônego Bento Ribeiro Localidade Córrego da Sesmaria – zona rural Córrego dos Machados – zona rural Córrego do São João – zona rural Córrego da Serra – zona rural Povoado São José da Ilha – zona rural Sede Distrito de Gororós Distrito de Gororós Sede Sede Modalidade Educação Infantil; 1° ao 5° ano do E.F. Educação Infantil; 1° ao 5° ano do E.F. Educação Infantil; 1° ao 5° ano do E.F. Educação Infantil; 1° ao 5° ano do E.F. Educação Infantil; 1° ao 5° ano do E.F. Creche – 0 a 3 anos 1° e 2° Período Creche – 0 a 3 anos 1° e 2° Período 1° ao 9° ano do E.F. Ensino Médio 1° ao 5° ano do E.F. 6° ao 9° ano do E.F. Ensino Médio Figura 75: Relação das Escolas no Município de Dom Joaquim – MG. Fonte: Secretária de Educação da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015. As escolas contam com secretaria, diretor de departamento, coordenadores, especialistas, nutricionistas, serviçais e auxiliares de serviços gerais (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). O Governo Federal forneceu 9 ônibus escolares, mas ainda assim há necessidade da prestação de serviços de ônibus terceirizados (Entrevista com Secretária de Educação da Prefeitura 203 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Segundo as entrevistadas, em algumas escolas há necessidade de ampliação das salas e do número de professores, assim como problemas relacionados à poeira e ao barulho decorrente do intenso fluxo de veículos (Entrevistas com a Secretária de Educação e com coordenadoras de creche de Dom Joaquim, dezembro de 2014), como é o caso da Escola Estadual Cristiano Machado (Entrevista com professora M., Dom Joaquim, março de 2015). 4.7 Impactos no Setor de Segurança em Dom Joaquim O gráfico a seguir mostra que a taxa de crimes violentos em Dom Joaquim variou ao longo dos anos, embora esta variação tenha sido aparentemente controlada em 2007 e 2008, as taxas voltaram a subir e, em 2010, quando atingiram quase o máximo histórico para o período. 160 140 120 100 80 60 40 20 0 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 Taxa de crimes violentos Figura 76: Taxa de crimes violentos (por 100 mil hab.) em Alvorada de Minas, 2000 a 2010. Fonte: Polícia Militar de Minas Gerais e IBGE, Censos Demográficos de 2000 e 2010 (a população nos anos intercensitários foi estimada por interpolação). A taxa de armas apreendidas em Dom Joaquim sofreu uma redução de 115,88% de 2006 para 2007, mas apresentou um aumento de 284,77% de 2007 para 2008, como mostra o gráfico a seguir. De 2008 para 2009 e de 2009 para 2010 ocorreram diminuições de, respectivamente, 12,71% e 14,67% na taxa de armas apreendidas. Os dados entre 2000 e 2005 não aparecem no gráfico seguinte porque não houve apreensões de armas de fogo no município neste período. 204 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Figura 77: Taxa de armas apreendidas (por 100 mil habitantes) em Dom Joaquim, 2006 a 2010. Fonte: Índice Mineiro de Responsabilidade Social. Fundação João Pinheiro, 2013. Para um policial militar entrevistado, embora tenha ocorrido o aumento da criminalidade, esta ainda é muito pequena e, normalmente, são ocorrências de “crimes leves” (Entrevista com policial militar, PMMG de Dom Joaquim, dezembro de 2014). A taxa de homicídio, por exemplo, “é quase zero” (Entrevista com policiais militares, PMMG de Dom Joaquim, março de 2015). Ainda conforme os policiais militares entrevistados, as empresas mantem um rígido controle sobre os funcionários “e demite se eles se envolverem em confusão”, o que inibi o aumento da criminalidade. Lado outro, problemas como consumo e tráfico de drogas e prostituição obtiveram um crescimento mais expressivo no município. Também sofreram aumentos as ocorrências de atritos verbais, ameaças e brigas, que hoje constituem os principais atendimentos da polícia local (Entrevista com policiais militares, PMMG de Dom Joaquim, março de 2015). De janeiro até março foram realizados 293 registros de ocorrências (Registro de Eventos de Defesa Social – REDs) (Entrevista com policiais militares, PMMG de Dom Joaquim, março de 2015). Dom Joaquim pertence à Comarca da 15ª Delegacia de Polícia de Conceição do Mato Dentro e conta, atualmente, com seis policiais militares (Entrevista com policiais 205 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] militares, PMMG de Dom Joaquim, março de 2015).52 A cadeia que atende o município localiza-se em Jaboticatubas, sendo que depois das 18 horas e nos finais de semana há necessidade de deslocamento para a Regional de Santa Luzia (Entrevista com policiais militares, PMMG de Dom Joaquim, março de 2015). Segundo os entrevistados, a Polícia Militar de Dom Joaquim possui três viaturas e duas motocicletas, mas em função do pequeno efetivo policial, “há complicações para o deslocamento, pois a cidade ficaria sem policiamento”, já que trabalham por turno duas equipes de três policiais e, em caso de deslocamento ou de funcionamento do quartel, são necessários, no mínimo, dois policiais (Entrevista com policiais militares, PMMG de Dom Joaquim, março de 2015). A equipe de campo teve acesso a um documento intitulado: “Dossiê: Segurança Pública – Comarca de Conceição do Mato Dentro/MG”, cuja elaboração fundamentouse na colaboração mútua entre membros do Conselho Comunitário de Segurança Pública da Comarca de Conceição do Mato Dentro (CONSEP), da Associação dos Municípios da Microrregião do Médio Espinhaço (AMME) e Prefeituras Municipais de Conceição do Mato Dentro, Congonhas do Norte, Dom Joaquim, Morro do Pilar, Santo Antônio do Rio Abaixo e São Sebastião do Rio Preto. Com base nas informações retiradas desse Dossiê, a tabela seguinte apresenta de forma sucinta a estrutura física e humana da policial militar em Dom Joaquim, bem como a demanda necessária, segundo o prognóstico da Instituição, para uma adequação quantitativa e qualitativa da nova realidade regional. 52 O número de policiais militares em Dom Joaquim oscilou ao longo dos anos, em 2012 eram seis policiais militares (CONSEP, 2012). Em 2014, o município dispunha apenas de dois policiais. Em 2015 o número de policiais foi para seis novamente (Entrevista com Prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). 206 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Tabela 1: Estrutura da Polícia Militar de Minas Gerais, Dom Joaquim. 6 1 0 0 Estrutura física e pessoal - Quartel da PMMG Qtd. Recursos Humanos / Qtd. Atual Equipamentos Necessária Policiais Totais 20 viatura 4x4 POG 1 motocicleta p/ POG 2 viatura c/ cofre p/ POG 1 Fonte: CONSEP, 2012. Segundo a coordenadora da creche: “o consumo de drogas aumentou uns 1500%” com a imigração de trabalhadores, influenciando no crescimento do consumo de drogas também pelos jovens locais (Entrevista com coordenadora de creche de Dom Joaquim, dezembro de 2014). A entrevistada, inclusive, chegou a presenciar trabalhadores dentro dos ônibus da empresa “fumando maconha” (Entrevista com coordenadora de creche de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Esta situação também é reforçada pela equipe da Secretária de Assistência Social que comentou sobre o aumento considerável do tráfico de drogas no município e a existência de adolescentes locais envolvidos com o tráfico: “Os traficantes pagam 20 reais para cada vez que o adolescente desce o morro. Os meninos da roça se tornaram aviãozinho” (Entrevista com equipe da Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). “Um menino de 12 anos da Sesmaria, a mãe achando que ele estava na escola, mas estava passando droga” (Entrevista com equipe da Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). No bairro Lopes, o presidente da Ascobelo também afirmou que “tem criança da comunidade fazendo avião” e que no auge da mineração o consumo de drogas aumentou: “a droga está solta já tem um tempo”, embora tenha melhorado nos últimos meses (Entrevista com presidente da Ascobelo, Bairro Lopes, março de 2015). O tráfico e os pontos de venda de drogas aumentaram em função do potencial mercado consumidor criado com a imigração de trabalhadores para o município (Entrevista com policial militar, PMMG de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Para outros dois entrevistados da PM, os traficantes são da região, da cidade de Ipatinga e os principais locais de tráfico em Dom Joaquim são Rua Cafezeiro, Rua Lopes e Rua 207 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Bela Vista (Entrevista com policiais militares, PMMG de Dom Joaquim, março de 2015). Todos os logradouros citados estão na periferia de Dom Joaquim. Um entrevistado da Polícia Civil de Conceição do Mato Dentro, afirmou que em 2014 foram presos 8 traficantes no município (Entrevista com policial civil, PCMG de Conceição do Mato Dentro, dezembro de 2014). Para o Secretário da Fazenda o contingente de trabalhadores influenciou Dom Joaquim “de forma trágica”, com o crescimento da prostituição, da criminalidade e das drogas. Corroborando essa visão, o Secretário de Saúde também afirma que em decorrência da procura, a oferta e o tráfico de drogas aumentaram (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Para o Conselho Tutelar, “o problema das drogas está bem avançado e vai só piorando. Não está adiantando polícia, não está adiantando nada” (Entrevista com conselheira do Conselho Tutelar de Dom Joaquim, março de 2015). Em termos gerais, praticamente todos os moradores de Dom Joaquim entrevistados comentaram que o consumo e o tráfico de drogas aumentaram, embora já existisse no município (Entrevista com moradores de Dom Joaquim, março de 2015). São José da Ilha, segundo um entrevistado, também sofre com a problemática das drogas e com a falta de policiamento: “ia por polícia na Ilha, mas não pôs, precisamos de polícia, porque as drogas vêm mesmo” (Entrevista com morador S., São José da Ilha, março de 2015). A equipe da Assistência Social comentou que devido a falta de policiamento em São José da Ilha, o povoado apresenta-se como um local “sem lei”, onde se concentra grande contingente de trabalhadores dos alojamentos: “A Ilha virou uma cidade sem lei. Som alto, pessoas peladas, de biquíni, moças grávidas, drogas...” (Entrevista com equipe da Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Conforme o Secretário de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente o aumento da violência, assim como do número de roubos foi sentido pela população local. De modo geral, os moradores locais também relataram que ocorreu o aumento da criminalidade e dos roubos em Dom Joaquim (Entrevista com moradores locais de Dom Joaquim, março de 2015). 208 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Entretanto, segundo as Secretárias de Educação e de Assistência Social, no caso dos roubos “não necessariamente se tratavam de trabalhadores da empresa”, já que foi constatado que alguns adolescentes locais estavam se aproveitando “da chegada de gente de fora”, para agir criminosamente (Entrevistas com as Secretárias de Educação e de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Os policiais militares entrevistados, com pouco tempo de trabalho em Dom Joaquim, não tinham condições de apresentar um histórico da criminalidade local, mas recordaram que detiveram um sujeito originário de Ipatinga que praticou 20 furtos no município (Entrevista com policiais militares, PMMG de Dom Joaquim, março de 2015). Para além da questão da criminalidade em si, há um sentimento de insegurança que perpassa o cotidiano dos moradores decorrente da chegada de “gente de fora”, desconhecida, como retratam os trechos de entrevistas a seguir: “Chega uma determinada hora, que não mando minha filha ir ali à esquina por medo” (Entrevista com coordenadora de creche de Dom Joaquim, dezembro de 2014). “Não me sinto segura, tem muita gente de fora hoje... Não saio à noite, procuro sair mais cedo. É necessário tomar precaução devido à realidade” (Entrevista com moradora Q., Dom Joaquim, março de 2015). “Antes eu deixava a casa aberta, depois com a chegada de gente que não conhecia, de longe, não tem como...” (Entrevista com moradora A., Dom Joaquim, março de 2015). “Hoje fico na dúvida com a questão da segurança, é muita gente diferente que não conhece...” (Entrevista com comerciante de loja de roupas, Dom Joaquim, março de 2015). As agressões físicas e as brigas entre os próprios trabalhadores e entre os trabalhadores e os moradores locais também se tornaram recorrentes, sobretudo em bares, nos finais de semana. Como menciona o Secretário de Governo, ao falar dos trabalhadores: “a própria situação torna a pessoa agressiva, longe da família, refugiado nas drogas” (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). A coordenadora de creche também comentou que no alojamento próximo a sua residência era comum brigas entre os trabalhadores, inclusive “já teve até facada” (Entrevista com coordenadora de creche de Dom Joaquim, dezembro de 2014). O presidente da Ascobelo também recordou de um episódio de briga entre 209 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] trabalhadores, envolvendo o uso de arma: “há um tempo fiquei sabendo de uma briga à mão armada na cidade, envolvendo trabalhadores de empresa” (Entrevista com presidente da Ascobelo, Bairro Lopes, março de 2015). A Assistência Social comentou, ainda, sobre a chegada de outros imigrantes que vieram com a expectativa de encontrar emprego no município. Alguns desses chegaram a pedir apoio à prefeitura para ligar para a família ou para retornar ao local de origem, justamente por não conseguirem emprego (Entrevista com Secretária de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Foi relatado à equipe do Cidade Alteridade que ao pesquisar os dados de um desses imigrantes na polícia, encontraram vários antecedentes criminais: “não sei se a empresa vê os antecedentes desses trabalhadores antes de contratar” (Entrevista com Secretária de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Em Dom Joaquim foi instalado um Posto de Apoio ao Migrante, que atualmente encontrase desativado, funcionando no local um escritório de apoio da Anglo: “Quando construíram o posto já não tinha mais tanta demanda” (Entrevista com Secretária de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). O número de ocorrências de trânsito aumentou no município (Entrevista com policial militar de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Segundo os policiais militares entrevistados: “antigamente era muito difícil fiscalizar o trânsito, ocorriam muitos acidentes. Hoje com o aumento do efetivo policial, vem sendo realizadas blitz, para evitar que as pessoas dirijam inabilitadas” (Entrevista com policiais militares, PMMG de Dom Joaquim, março de 2015). Como pode ser visualizado na figura adiante, o número de veículos em Dom Joaquim sofreu um aumento ao longo dos anos para quase todos os tipos de veículos, em torno de 30% de 2005 para 2013. 210 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Frota 2005 Automóvel 2006 2007 2009 2010 2011 2012 2013 141 151 157 187 223 273 326 370 Caminhão 3 4 4 10 14 18 27 31 Caminhão trator 0 0 0 0 0 0 1 1 18 20 34 57 63 77 87 99 Camioneta 0 0 0 0 8 7 6 6 Micro-Ônibus 2 2 3 4 4 4 4 5 125 140 157 223 251 309 358 413 Motoneta 0 0 1 1 1 1 1 1 Ônibus 4 4 4 5 5 8 9 9 Trator de rodas 0 0 0 0 0 0 2 2 Utilitário 0 0 0 0 0 0 0 2 Outros 0 0 0 0 4 4 7 9 2298 2327 2367 2496 2583 2712 2840 2961 Caminhonete Motocicleta Total Figura 78: Frota de veículos em Dom Joaquim, 2005 a 2013. Fonte: IBGE Cidades, 2014. Conforme dados da Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG), o número de Certificados de Registro de Veículos de Dom Joaquim, teve um acréscimo de 146% de 2008 para 2014 (vide figura a seguir): ANO 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 N° de CRV’S 124 101 000 000 154 283 342 Figura 79: Número de CRV’S emitidos em Dom Joaquim. Fonte: PCMG, dezembro de 2014.53 Entretanto, os problemas enfrentados pela circulação de veículos em Dom Joaquim não se devem ao aumento do número de veículos locais, mas ao intenso fluxo de caminhões e maquinários da Anglo American e de suas empresas terceirizadas. Foi recorrente, nas entrevistas com os moradores locais e os Secretários da Prefeitura de 53 Nos anos de 2010 e 2011, os CRVs (Certificado de Registro de Veículo) eram realizados em Guanhães. Logo, na PCMG de Conceição do Mato Dentro não há dados para ambos os anos. 211 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Dom Joaquim, relatos sobre problemas decorrentes do fluxo intenso de veículos pesados no município. A intensificação do fluxo ocasionou prejuízos às vias públicas, à pavimentação e aos encanamentos de água e esgoto, além do aumento da poeira e de trincas nas casas em função dos abalos provocados pelos veículos pesados (Entrevista com moradores locais e Secretários da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014 e março de 2015). Para o Secretário de Governo, os veículos pesados “arrebentaram os encanamentos”, uma vez que o município já não contava com uma boa estrutura de água e esgoto (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Como as casas são próximas à rua, muitas sofreram transtornos decorrentes tanto das vibrações quanto do barulho e da poeira provocado pelo trânsito intenso, como exemplificam os relatos a seguir: “Tivemos muitos problemas de buracos nas ruas em função dos carros pesados. Os bloquetes abaixam. É proibido trânsito de veículos pesados, mas mesmo assim passa carreta pesada. Quando passa parece até que a casa da gente vai cair” (Entrevista com Conselheira do Conselho Tutelar de Dom Joaquim, março de 2015). “Há muito barulho e poeira em função da restauração das ruas, necessidade que é uma consequência da mineração” (Entrevista com moradora M., Dom Joaquim, março de 2015). “Era bem calminho. Antes deitava na cama e não sabia se ia passar um carro na rua. Hoje não, passam vários” (Entrevista com moradora E., Dom Joaquim, março de 2015). De modo geral, os moradores afirmaram que o trânsito de veículos pesados danificou as ruas: “Bastante carros, caminhões, isso deixou o calçamento bastante estragado” (Entrevista com moradora A., Dom Joaquim, março de 2015). “Sofremos com o aumento do trânsito e com as ruas danificadas” (Entrevista com moradora M., Dom Joaquim, março de 2015). Nos termos do Secretário de Saúde, o trânsito intenso de veículos “foi um arraso” nas vias. (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). De acordo com o gestor municipal, a prefeitura consertava as vias danificadas, mas tão logo estavam “esburacadas de novo” (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). 212 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] O prefeito de Dom Joaquim, baixou um decreto em agosto de 2013 proibindo a circulação de caminhões no munícipio, fixando, inclusive, barreiras em todas as vias de acesso da cidade (JORNAL HOJE EM DIA, 10/08/2013). “Foi colocado estacas de eucalipto chumbadas com concreto” que permitiam a passagem somente de veículos menores, impedindo a passagem de veículos pesados (Entrevista com Prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). A atitude do prefeito foi motivada pelos impactos causados pelo trânsito de caminhões pesados nas vias e na rede de esgoto do município e pelo assoreamento dos cursos d’água (JORNAL HOJE EM DIA, 10/08/2013). Como menciona uma moradora local: “o prefeito paralisou as estradas, porque estava danificando as ruas e as casas. A cidade ficou muito danificada, os calçamentos, teve que barrar para não dar mais problemas” (Entrevista com moradora Q., Dom Joaquim, março de 2015). Conforme o prefeito, os veículos que adentrassem a cidade não podiam estacionar, pois antes os veículos ficavam todos estacionados dentro da cidade e os carros dispunham-se até em cima dos passeios (Entrevista com Prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). Com o bloqueio, quando chegavam caminhões com carga local, como carreta de cimento, solicitava-se o fracionamento da carga para que somente veículos menores entrassem na cidade (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). O peso máximo para veículos permitido dentro da cidade é de 12 toneladas (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Em retaliação à ação do prefeito, as empresas ameaçaram sair do município e os trabalhadores promoveram greves e reivindicações na prefeitura (Entrevista com Secretário de Administração e Planejamento da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). O protesto durou uma semana, até que, com a intermediação do Ministério Público, a empresa começou a negociar as compensações (JORNAL HOJE EM DIA, 10/08/2013).54 54 JORNAL HOJE EM DIA. Anglo American cede às pressões da prefeitura de Dom Joaquim, em 10/08/2014. Disponível em: http://www.hojeemdia.com.br/noticias/economia-e-negocios/angloamerican-cede-as-press-es-da-prefeitura-de-dom-joaquim-1.156132. Acesso em: 4/02/2015. 213 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] Embora atualmente, para alguns entrevistados, a movimentação de veículos ainda seja grande, diminuiu com o fim das obras de implantação do empreendimento: “A prefeitura tentou durante os impactos ir corrigindo. Hoje diminuiu bastante o fluxo de veículos” (Entrevista com Secretário de Saúde da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). “A movimentação de veículos diminuiu bem, antes ficavam ônibus e caminhões próximos à escola” (Entrevista com moradora M., Dom Joaquim, março de 2015). O povoado de São José da Ilha, assim como a sede de Dom Joaquim, sofreu com o aumento do fluxo de veículos e da poeira, principalmente de ônibus que transportavam os trabalhadores (Entrevista com moradores de São José da Ilha, março de 2015). Com o fim das obras e com a redução do número de trabalhadores nos alojamentos o fluxo de veículos diminuiu: “era um fluxo grande de veículos, antes era muito mais carro e ônibus” (Entrevista com moradora D., São José da Ilha, março de 2015). 4.8 Convênios entre a Prefeitura de Dom Joaquim e a Anglo American Diferentemente de Conceição do Mato Dentro e de Alvorada de Minas, Dom Joaquim não recebeu nenhum tipo de arrecadação em decorrência da captação de água do Rio do Peixe. Como menciona o prefeito do município, “como não tem mineração, não tem recurso”, uma vez que a água pertence à União (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). O ISS do munícipio aumentou consideravelmente, por dois anos, tendo seu auge em 2011, durante a fase de implantação da adutora, mas com o fim das obras e a saída das empresas terceirizadas, diminuiu novamente (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). De acordo com o prefeito, em função das várias empresas terceirizadas, o município já chegou a receber 2 milhões de ISS, mas atualmente o valor do ISS é de 600 mil mensais (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). Frente à situação, o prefeito comenta que: “a prefeitura não tem dinheiro para pagar nada” e a “folha de pagamento da 214 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] prefeitura está inchada. Já mandamos os contratados embora” (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). Conforme os secretários, o processo de execução dos convênios é burocrático, para cada obra é necessário fazer um aditivo e submeter à aprovação da Anglo, mas “até aprovar o projeto já mudou tudo em termos físico-financeiros” (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Aprovado o projeto, é feita licitação de empresas para execução das obras: “Os aditivos dos convênios estão lá para assinar e a Anglo não manda. Você primeiro precisa fazer o aditivo para depois fazer licitação. Estamos com uma obra atrasada 150 dias” (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Em conformidade com o Secretário de Governo, até o momento nem 1/3 dos convênios foram pagos (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015) e praticamente nenhuma obra foi concluída (Entrevista com Secretário de Obras da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). De acordo com o prefeito de Dom Joaquim, a prefeitura tem somente até o ano de 2015 para gastar o recurso dos convênios e concluir tudo. Entretanto, “os convênios não estão avançando”, as empreiteiras contratadas para executar as obras estão indo embora, porque estão com o pagamento atrasado. Para o prefeito de Dom Joaquim: “agora que já tem a LO, já tem tudo que eles queriam, fica difícil negociar” (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). O atual Convênio firmado entre a prefeitura e a Anglo American é de 9 milhões e 105 mil. A intenção inicial do convênio, que seria firmado entre a Anglo, a prefeitura e o DER-MG (Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais), era construir um anel rodoviário (alça viária) ligando Dom Joaquim à MG010, para que os carros da empresa passassem fora do perímetro urbano municipal (Entrevistas com os Secretários da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Como o projeto do anel não foi executado, o dinheiro do convênio está sendo repactuado para projetos internos (Entrevista com Secretário da Fazenda da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Conforme o prefeito, foi realizada reunião com vereadores, secretarias e sociedade civil para decidirem como aplicar o dinheiro, que está sendo 215 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] destinado, por exemplo, para reforma do prédio da prefeitura, construção de pontes, troca do calçamento da cidade e reaproveitamento dos bloquetes da cidade nos distritos e periferias (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). Sinteticamente, elencamos adiante os convênios que foram firmados para o município: pavimentação das ruas, canalização do Córrego Paciência, construção de uma ETE, reforma da capela Padre Bento, compra de ambulância, asfaltamento, recuperação das vias, desassoreamento do Rio Folheta, construção de pista de ciclovia de 2 km em torno do Córrego Paciência, reforma do hospital, captação de água pluvial, recuperação de estradas vicinais e passeios públicos, retirada de bloquetes, melhorias no complexo da barragem, construção do prédio do CRAS, construção de quartel da PM, galpão para produtor rural, construção de casas populares (em fase de projeto cerca de 40 casas), rede de esgoto, rede pluvial, reforma de 4 pontes (1 já foi construída), reforma dos cemitérios do distrito e da sede, 2 ônibus para transporte rural, reforma do prédio da prefeitura, construção do centro cultural, compra de terreno para construção do parque de exposição, posto de saúde na Ilha (concluído) e recuperação do centro da cidade (Entrevistas com os Secretários da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Pelas informações fornecidas pelo prefeito de Dom Joaquim, em gestões anteriores ocorreram investimentos da Anglo American para reforma de escolas, reforma do hospital, construção de um quartel, recuperação de estradas e calçamentos, rede de esgoto, rede pluvial e ETE, dentre outras obras (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2014). De acordo com o prefeito, na reforma do hospital foram gastos 4 milhões, “um investimento num hospital que não tem como se manter, a prefeitura não tem como manter [...], a filantropia não tem como sustentar o hospital”, que corre risco de fechar (Entrevista com prefeito de Dom Joaquim, março de 2015). Além dos convênios, a Anglo vem fornecendo cursos de capacitação para os funcionários da Educação, além de outros cursos de educação sexual através da ONG Reprolatina, para prevenção das doenças sexualmente transmissíveis, gravidez na adolescência e violência contra a mulher (Entrevistas com as Secretárias de Educação, 216 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] de Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, e com moradora do distrito de Gororós, dezembro de 2014). Também foi mencionado o oferecimento de cursos profissionalizantes de curto prazo para eletricista e pintor (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). Entretanto, segundo a equipe de Assistência Social, a maioria dos cursos é oferecida em Serro ou Conceição do Mato Dentro (Entrevista com equipe da Assistência Social da Prefeitura de Dom Joaquim, março de 2015). Embora a prefeitura de Dom Joaquim tenha firmado convênio com a Anglo para execução de algumas obras, os Secretários e moradores entrevistados foram enfáticos ao afirmarem que mais “perderam” do que “ganharam”, como explicitam as falas seguintes: “o município ficou só com o ônus da mineração, giro de pessoas, pavimentação destruída, sem água. [...] A mineração é como a mega sena, é um sonho. Promete muito, mas não faz nada” (Entrevista com Secretário de Obras da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). “Nós só perdemos, não ficamos com nada” (Entrevista com Secretário de Governo da Prefeitura de Dom Joaquim, dezembro de 2014). “Outras cidades foram mais beneficiadas que nós. Nós não conseguimos muito não” (Entrevista com moradora Q., Dom Joaquim, março de 2015). 217 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo desta pesquisa, analisamos as mudanças sociais e as relações de conflito no contexto urbano dos municípios de Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas e Dom Joaquim frente às atividades de mineração que se iniciaram, mais intensamente, a partir de 2008. Para cumprimento do objetivo proposto foram realizadas: análise de dados secundários e primários, compilados para períodos anteriores e posteriores ao início do empreendimento minerário; trabalhos de campo e entrevistas semiestruturadas com atores locais, agentes públicos e moradores; coleta de informações veiculadas na mídia sobre a mineração na região de interesse da pesquisa; consulta a documentos do licenciamento ambiental; pesquisa documental, com visitas ao Ministério Público do Trabalho (MPT-MG) e ao Ministério Público Estadual de Minas Gerais, comarca de Conceição do Mato Dentro. Os impactos urbanos vivenciados em Conceição do Mato Dentro, Alvorada de Minas (principalmente no distrito de Itapanhoacanga) e Dom Joaquim estão vinculados, em grande medida, ao aumento populacional, decorrente da presença de trabalhadores imigrantes, sobretudo, no período de implantação do empreendimento minerário. Observa-se uma similaridade das mudanças e impactos provocados pelo empreendimento nos municípios da pesquisa, embora tais mudanças sejam vivenciadas de forma singular. Assim, a atividade mineradora cria um novo cenário socioterritorial regional, com implicações tanto estruturais, quanto no âmbito da vida cotidiana. Em suas especificidades no plano local, os conflitos também se atrelam aos impactos de outras estruturas vitais para o projeto da mineração, na medida em que pessoas são prejudicadas também pela implantação e/ou funcionamento do mineroduto, da adutora e da estação de bombeamento de água no Rio do Peixe, sem mencionar, é claro, que esta mesma lógica permeou a construção do porto no litoral norte do Rio de Janeiro. Nessa perspectiva, os municípios selecionados para esta pesquisa passaram por uma reconfiguração territorial para dar espaço à infraestrutura 218 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] produtiva da mineração, subordinando os territórios locais aos processos políticoeconômicos de alcance global. Entre os impactos verificados em função do aumento populacional em Conceição do Mato Dentro, destacam-se: o aumento do valor dos aluguéis e da especulação imobiliária; déficit habitacional e profusão de ocupações irregulares, principalmente no entorno da Unidade de Conservação do Parque Municipal Salão de Pedras; aumento do custo de vida; crescimento alarmante da criminalidade; aumento do consumo e do tráfico de drogas; aumento do trânsito na cidade e nos arredores, inclusive com fluxo de veículos pesados; gravidez na adolescência; aumento do número de mães solteiras; prostituição; aumento da demanda por educação infantil e por creche; incremento da demanda por serviços de saúde; aumento da poeira em função do trânsito de veículos, da mineração e das obras de mitigação das mazelas deste projeto na cidade; dentre outras demandas sobre serviços e equipamentos públicos. Em Alvorada de Minas os impactos decorrentes da presença de trabalhadores imigrantes foram vivenciados mais intensamente no distrito de Itapanhoacanga do que na sede urbana. Entretanto, tanto a sede quanto o distrito sofreram mudanças conectadas, por exemplo, ao aumento do valor dos aluguéis (na sede mais em função da expectativa do aumento da demanda, do que de uma demanda real); ao crescimento da criminalidade, do tráfico e do consumo de drogas; ao aumento do fluxo de veículos (que gera transtornos como prejuízos às vias, aumento da poeira, do barulho e do número de acidentes); ao incremento da demanda por serviços públicos de saúde; ao aumento do número de gravidez na adolescência e de mães solteiras. Como a propriedade da terra em Itapanhoacanga é da igreja católica, verificase uma expansão das ocupações em terras da instituição, em função da valorização imobiliária e do crescimento populacional decorrente da chegada de pessoas atraídas pelo discurso da geração de emprego e renda vinculado à mineração. Assim como Alvorada de Minas e Conceição do Mato Dentro, em Dom Joaquim verifica-se o mesmo aumento do preço dos aluguéis e do custo de vida, além do crescimento de regiões periféricas da cidade, como o Bairro Lopes, por exemplo. Como 219 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] se observa, a mineração constitui a mola central da valorização fundiária e imobiliária nas cidades pesquisadas, provocando crescimento desordenado, periferização e segregação urbana. Em Dom Joaquim verifica-se também o aumento da demanda por serviços públicos de saúde e por creche; aumento do número de gravidez na adolescência; aumento da prostituição; assim como o crescimento da criminalidade e do consumo e do tráfico de drogas. O fluxo intenso de veículos pesados em Dom Joaquim, situação também verificada nos dois outros municípios pesquisados, ocasionou prejuízos às vias públicas, à pavimentação e aos encanamentos de água e esgoto, além do aumento da poeira e de rachaduras nas casas em função dos abalos provocados pelo trânsito de veículos de grande porte. No bairro Lopes onde é realizada a captação de água do Rio do Peixe para a usina de beneficiamento e para o mineroduto, foram verificados vários transtornos causados à população do entorno, como o trânsito de veículos pesados; explosões com dinamite; poeira e barulho que persistiu por alguns meses, mesmo durante o funcionamento da estação de bombeamento de água. No povoado de São José da Ilha, frente à miríade de mudanças sociais provocadas pela presença de grandes alojamentos de trabalhadores de empresas terceirizadas da Anglo American, destaca-se o aumento da prostituição e o envolvimento de mulheres locais com trabalhadores imigrantes. A relação entre prostituição e o desenvolvimento de atividades econômicas vinculadas às obras de infraestrutura e mineração no Brasil é histórica (MORENO, 2015). Logo, não por acaso, duas casas de prostituição surgiram nas proximidades dos alojamentos de trabalhadores de empresas terceirizadas da Anglo American. Na esfera local, os impactos da prostituição são verificados principalmente no povoado de São José da Ilha (que dista a 5 km de uma das casas e a 500 metros de outra), na medida em que os rapazes da comunidade estabeleceram relacionamentos afetivos com as moças de uma das casas de prostituição, gerando conflitos familiares. Em termos dos impactos urbanos, é importante destacar que nos três municípios pesquisados a infraestrutura, os equipamentos e serviços públicos 220 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] disponíveis não se apresentam adequados para suportar o aumento da demanda decorrente do crescimento da população flutuante nas municipalidades. No tocante à relação entre moradores locais e trabalhadores imigrantes nos municípios pesquisados, temos de ressaltar a complexidade e heterogeneidade para o estabelecimento de tais relações sociais, que se configuraram, em linhas gerais, sob as marcas dos impactos negativos do empreendimento. Conceição do Mato Dentro recebeu cerca de sete mil trabalhadores imigrantes no período de implantação da mineração, fato que impactou diretamente o cotidiano dos moradores locais. No âmbito da relação dos moradores com os trabalhadores imigrantes foram recorrentes os relatos que apontam para os constrangimentos e assédios sofridos, principalmente pelas mulheres e a perturbação do sossego na vizinhança das casas utilizadas como alojamento pelos trabalhadores. Como exposto pelas entrevistas com os moradores de Conceição do Mato Dentro, predominam sentimentos de insegurança e desconfiança, na medida em que a população se sentia ameaçada pela presença repentina de forasteiros. Prevalece, assim, uma relação conflituosa, vivenciada a partir do estranhamento e do mal-estar com as mudanças na cidade. Os entrevistados de Alvorada de Minas também relataram um aumento da sensação de insegurança em função da presença de trabalhadores imigrantes na cidade, principalmente no distrito de Itapanhoacanga. No distrito, os entrevistados apontam para uma mudança na sociabilidade local e para situações de constrangimento vivenciadas pelos moradores em função do comportamento de trabalhadores imigrantes. Entretanto, muitos entrevistados afirmaram que a relação com os trabalhadores era marcada pela receptividade característica dos moradores locais. Depois de Conceição do Mato Dentro, Dom Joaquim foi o município que recebeu maior número de trabalhadores imigrantes. No âmbito da relação dos moradores locais com os trabalhadores, verifica-se que os dom-joaquinenses deixaram de frequentar determinados locais de lazer, como a Barragem, em função do comportamento dos trabalhadores imigrantes no local. Embora prevaleça um 221 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] sentimento de que a cidade foi “invadida” por trabalhadores, pela diversidade de respostas dos entrevistados, verifica-se que a relação dos moradores com os trabalhadores imigrantes é também contraditória, em certos momentos de aceitação, de rejeição, de indiferença, enfim, mobilizadora de sentimentos diversos. Nesse contexto, nos municípios pesquisados, o conflito se instaura de forma iminente na relação dos moradores com os trabalhadores, no momento em que as transformações vivenciadas se sobrepõem às formas e às normas morais dos habitantes locais, implicando na emergência de novas relações sociais e espaciais, a partir da desestruturação de antigas relações e da vivência dos impactos negativos do empreendimento. No que se refere aos trabalhadores imigrantes em Conceição do Mato Dentro, o MPT (Ministério Público do Trabalho) e o MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) verificaram, nos anos de 2013 e 2014, a submissão de 358 trabalhadores da Anglo American e de empresas terceirizadas a condições de trabalho análogas à de escravo. O relatório também retrata a situação de vulnerabilidade social e econômica dos trabalhadores, não raro culpabilizados pelos transtornos causados pelas obras do empreendimento. Com o início da operação e o fim das obras de implantação da infraestrutura da mineração, o número de trabalhadores imigrantes diminuiu consideravelmente, amenizando alguns dos impactos negativos provocado pelo afluxo populacional. Lado outro, emergem novos impactos em função da desmobilização de trabalhadores, como o desemprego, a recessão econômica e o endividamento daqueles que investiram na construção de casas para aluguel e no comércio, justamente pela expectativa de ganho por uma demanda sempre elevada. Embora o discurso do desenvolvimento se apresente sistematicamente associado à mineração, a realidade mostra que o incremento do comércio local e a geração de emprego e de impostos (como o ISS) para as prefeituras, são temporários, restringindo-se, mormente, ao período de implantação do empreendimento. Logo, o discurso e o próprio modelo de desenvolvimento, fundamentado somente no crescimento econômico, funcionam como garantia e justificativa da exploração e da 222 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] mercantilização do espaço e de seus recursos. Em nome da geração de emprego e do desenvolvimento, as atividades extrativas expandem-se promovendo a exploração dos territórios ricos em recursos naturais em proveito da iniciativa privada, revestido pelo discurso do interesse público, não obstante violando direitos humanos e acarretando danos sociais e ambientais irreversíveis. Outra consequência econômica já constatada em função do empreendimento, refere-se à dependência dos municípios em relação ao valor das commodities no mercado internacional, altamente volátil em termos de cotação.55 Nesta dimensão, verifica-se a desintegração produtiva dos espaços locais e sua reconfiguração como fragmentos socioterritoriais economicamente subordinados às cadeias mundializadas de valor (ARÁOZ, 2009). Nesse contexto, os conflitos e as mudanças sociais negativas do empreendimento emergem da violação e da negação sistemática de direitos, em função do descumprimento explícito das regras que permeiam o licenciamento ambiental e da postergação ou não adoção de medidas protetivas, mitigadoras e compensatórias. Como compensação e mitigação, os convênios firmados entre as prefeituras e a Anglo American, apresentam-se marcados pela burocracia, que vem obstando a realização de obras, não raro, corretivas aos impactos do próprio empreendimento. Por essa perspectiva, as negociações apresentam-se apenas como um instrumento de administração de relações desiguais de poder, voltada para a produção do espaço necessário aos interesses do empreendedor (ZHOURI, 2014; SANTOS, 2014). Logo, nos conflitos em torno dos empreendimentos minerários, as políticas compensatórias e mitigatórias adotadas são sempre provisórias e precárias, e os conflitos sempre abertos, não apresentando uma solução definitiva (ARÁOZ, 2014). Tais conflitos manifestam disputas em torno da capacidade e da legitimidade das decisões sobre os territórios, revelando assimetrias do poder em sua regulação e produção, expressa no reordenamento territorial comandado pelo segmento 55 Vale destacar que a mineração brasileira tem sido impulsionada pelo crescimento da demanda em termos mundiais e pela elevação dos preços internacionais dos minérios, fruto da escalada de produção e do consumo de aço nos países asiáticos, como China e Japão, apesar do momento atual de retraída do crescimento econômico destes países e, consequentemente, da queda no valor desta commodity. 223 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] empresarial transnacional. Desta forma, ressalta-se que as mudanças urbanas verificadas nos setores de habitação, saúde, educação e segurança nos municípios pesquisados, são reflexos do reordenamento territorial promovido pelo empreendimento minerário, implicando na reestruturação das relações sociais, na transformação das formas de ocupação do espaço e em impactos materiais e imateriais vivenciados cotidianamente pela população local. O empreendimento Minas-Rio expressa as contradições de um dito desenvolvimento levado a cabo pelo Estado e por grandes corporações mineradoras transnacionais, gerando conflitos estruturais e multidimensionais (ARÁOZ, 2014). Os conflitos, aqui, se reproduzem e se multiplicam na medida em que os megaempreendimentos minerários se expandem em Minas e no Brasil, sob o mesmo modus operandi, perpetuando os impactos socioambientais que transformam completamente a organização social, política, cultural e econômica dos municípios atingidos. 224 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMG. Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Notas taquigráficas da audiência pública ocorrida em 17 de abril de 2012. Disponível em: http://wwwantigo.mpmg.mp.br/portal/public/interno/repositorio/id/34675. Acesso em: 15/05/2015. ANGLO AMERICAN; FERREIRA ROCHA. Projeto de otimização da mina do sapo estudo de impacto ambiental (EIA). Volume I, Outubro de 2014. ARÁOZ, Horácio Machado. Territorios y cuerpos en disputa: Extractivismo minero y ecología política de las emociones. Intertícios: Revista Sociológica de Pensiamento Crítico. Vol 8 (1) 2014. Disponível em: http://www.intersticios.es/article/view/11288/8604. Acesso em: 14/06/2015. ARÁOZ, Horácio Machado. Auge minero y dominción neocolonial en América Latina. Ecología política de las transformaciones socioterritoriales neoliberales. CONGRESO DE LA ASOCIACIÓN LATINOAMERICANA DE SOCIOLOGÍA. ASOCIACIÓN LATINOAMERICANA DE SOCIOLOGÍA, 27., 2009. Buenos Aires. Anais... Buenos Aires: Acta Académica, 2009. Disponível em: http://www.aacademica.com/000062/1107.pdf. Acesso em: 14/06/2015. BARCELOS, E. (Coord.). O Projeto Minas-Rio e seus impactos socioambientais. Olhares desde a perspectiva dos atingidos. Relatório preliminar. Minas Gerais - Rio de Janeiro, dezembro de 2013. Produzido no âmbito do Encontro de Intercâmbio das Comunidades em Resistência ao Projeto Minas-Rio. Disponível em: https://agburbana.files.wordpress.com/2014/03/dossic3aa-minas-rio-final.pdf. Acesso em: 10/10/14. BECKER, L. C. & PEREIRA, D. O Projeto Minas-Rio e o desafio do desenvolvimento territorial integrado e sustentado: a grande mina em Conceição do Mato Dentro. In: FERNANES, F. R. C, ENRIQUEZ, M. A. R. S, & ALAMINO, R. C. J. (orgs). Recursos minerais e sustentabilidade territorial. Brasília: MCT-CETEM, 2011. BECKER, D. de C; BECKER, L.C; WILDHAGEN, R.O. Mineração e insustentabilidade do desenvolvimento de territórios: fragilidades institucionais e conflitos socioambientais. ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISADORES EM GESTÃO SOCIAL, 7., 2013. Belém do Pará. Anais... Belém do Pará: ENAPEGES, 2013. Disponível em: http://www.anaisenapegs.com.br/2013/dmdocuments/1665.pdf. Acesso em: 5/12/2014. BLOG POLÍCIA NO LOCAL. Conceição do Mato Dentro: seis homens são presos suspeitos de envolvimento com o tráfico de drogas, em Disponível em: http://policianolocal.blogspot.com.br/2013/07/conceicao-do-mato-dentro-seishomens.html. Acesso em: 4/06/2015. CIDADE E ALTERIDADE. Relatório Parcial do Eixo Temático Mineração na região de Conceição de Mato Dentro. 2013a. Disponível em: http://cimos.blog.br/cidade-ealteridade/. CIDADE E ALTERIDADE. Relatório sobre os impactos da mineração e as mudanças no contexto urbano de Conceição do Mato Dentro-MG, Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2013. 225 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO. Prefeitura Municipal de Conceição do Mato Dentro. Plano diretor participativo de Conceição do Mato Dentro. Conceição do Mato Dentro: Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, 2014. CONSEP. Conselho Comunitário de Segurança Pública. Dossiê sobre a Segurança Pública em Conceição do Mato Dentro/MG, 2012. GESTA. Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais - Resistência à mineração da Anglo Ferrous Minas-Rio S.A. em Conceição do Mato Dentro, 2014. Disponível em: http://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br. Acessado em: 10/07/2014. IBGE CIDADES. Histórico do município de Alvorada de Minas. Disponível em: http://cod.ibge.gov.br/1g0g. Acesso em: 03/03/2015. IBGE CIDADES. Histórico do município de Conceição do Mato Dentro. Disponível em: http://cod.ibge.gov.br/101W. Acesso em: 20/11/2014. IBGE CIDADES. Histórico do município de Dom Joaquim. Disponível em: http://cod.ibge.gov.br/1G1E. Acesso em: 01/10/2014. JORNAL BRASIL DE FATO. Moradores protestam contra mineroduto em Minas Gerais, em 5/12/2014. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/30742. Acesso em: 17/02/2015. JORNAL DEFATO ONLINE. Justiça determina que prédio do hospital de Conceição do Mato Dentro seja leiloado, em 08/09/2013. Disponível em: http://www.defatoonline.com.br/noticias/ultimas/08-09-2013/justica-determina-quepredio-do-hospital-de-conceicao-do-mato-dentro-seja-leiloado. Acesso em: 20/05/2015. JORNAL DEFATO ONLINE. Distrito industrial regional, em 30/11/2014. Disponível em: http://www.defatoonline.com.br/noticias/ultimas/30-11-2014/distritoindustrial-regional. Acesso em: 6/02/2015. JORNAL DEFATO ONLINE. Bandidos armados assaltam Prefeitura de Conceição do Mato Dentro, em 9/02/2015. Disponível em: http://www.defatoonline.com.br/noticias/ultimas/09-02-2015/bandidos-armadosassaltam-prefeitura-de-conceicao-do-mato-dentro. Acesso em: 4/06/2015. JORNAL DEFATO OLINE. Diretora do Hospital de Conceição do Mato Dentro renuncia ao cargo, em 10/02/2015. Disponível em: http://www.defatoonline.com.br/noticias/ultimas/10-02-2015/diretora-do-hospitalde-conceicao-do-mato-dentro-renuncia-ao-cargo. Acesso em: 20/5/2015. JORNAL DEFATO ONLINE. Conceição do Mato Dentro terá 54 câmeras de segurança, em 01/03/2015. Disponível em: http://www.defatoonline.com.br/noticias/ultimas/01-03-2015/conceicao-do-matodentro-tera-54-cameras-de-seguranca. Acesso em: 4/03/2015. JORNAL DEFATO ONLINE. Homem é executado na porta de casa em Conceição do Mato Dentro, em 28/04/2015. Disponível em: http://www.defatoonline.com.br/noticias/ultimas/28-04-2015/homem-e-executadona-porta-de-casa-em-conceicao-do-mato-dentro. Acesso em 05/06/2015. 226 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] JORNAL DEFATO ONLINE. Três adolescentes de 16 anos tentam assaltar mercearia em Conceição do Mato Dentro, 16/05/2015. Disponível em: http://www.defatoonline.com.br/noticias/ultimas/16-05-2015/tres-adolescentes-de16-anos-tentam-assaltar-mercearia-em-conceicao-do-mato-dentro. Acesso em: 4/06/2015. JORNAL ESTADO DE MINAS. Prefeito de Alvorada de Minas prevê dificuldades nas contas para 2015, em 21/12/2014. Disponível em: http://www.em.com.br/app/noticia/politica/2014/12/21/interna_politica,601438/pref eito-aperta-o-cinto.shtml. Acesso em: 5/2/2015 JORNAL HOJE EM DIA. Anglo American cede às pressões da prefeitura de Dom Joaquim, em 10/08/2013. Disponível em: http://www.hojeemdia.com.br/noticias/economia-e-negocios/anglo-american-cedeas-press-es-da-prefeitura-de-dom-joaquim-1.156132. Acesso em: 04/02/2015. JORNAL HOJE EM DIA. Protesto fecha MG-010 por 12 horas e moradores prometem novo ato para sexta-feira, em 4/12/2014. Disponível em: http://www.hojeemdia.com.br/horizontes/protesto-fecha-mg-010-por-12-horas-emoradores-prometem-novo-ato-para-sexta-feira-1.286465. Acesso: 10/03/2015. JORNAL MGTV 2ª EDIÇÃO. Conceição do Mato Dentro entra na rotina da criminalidade, em 20/05/2015. Disponível em: http://globotv.globo.com/redeglobo/mgtv-2a-edicao/v/conceicao-do-mato-dentro-entra-na-rotina-dacriminalidade/4195435/. Acesso em: 4/06/2015. JORNAL O TEMPO. Anglo American é autuada por trabalho análogo à escravidão, em 24/04/2014. Disponível em: http://www.otempo.com.br/capa/economia/angloamerican-%C3%A9-autuada-por-trabalho-an%C3%A1logo-%C3%A0-escravid%C3%A3o-1.827736. Acesso em: 19/11/2014. JORNAL O TEMPO. Licença prévia da Manabi é aprovada sob muita polêmica, em 08/11/2014. Disponível em: http://www.otempo.com.br/capa/economia/licen%C3%A7apr%C3%A9via-da-manabi-%C3%A9-aprovada-sob-muita-pol%C3%AAmica-1.944406. Acesso em: 15/02/2015. JORNAL O TEMPO. Grupo protesta contra problemas causados por mineroduto na MG-010, em 3/12/2014. Disponível em: http://www.otempo.com.br/capa/economia/grupo-protesta-contra-problemascausados-por-mineroduto-na-mg-010-1.956090. Acesso em 10/03/2015. JORNAL VALOR ECONÔMICO. Anglo American vai demitir 12 mil pessoas com o fim da obra da Minas-Rio, em 9/12/2014. Disponível em: http://www.valor.com.br/empresas/3810046/anglo-american-vai-demitir-12-milpessoas-com-fim-da-obra-da-minas-rio. Acesso em: 01/02/2015. MILANEZ, Bruno. O novo marco legal da mineração: contexto, mitos e riscos. In: MALERBA, J. (org.); MILANEZ, B.; WANDERLEY, L. J. M.. Novo Marco Legal da Mineração no Brasil: Para quê? Para quem?. Rio de Janeiro: Fase, 2012. MORENO, T. Mineração e prostituição, em 4/05/2015. Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/node/31977. Acesso em: 28/05/2015. MPMG. Ministério Público de Minas Gerais. Ata de reunião Pública, São José do Jassém, município de Alvorada de Minas, 17/05/2012. Disponível em: 227 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] http://cimos.blog.br/wp-content/uploads/2012/06/ATA-Reuni%C3%83%C2%A3ioP%C3%83%C2%BAblica-Jass%C3%83%C2%A9m.pdf Acesso em: 17/05/2015. MPMG. Ministério Público de Minas Gerais. Ata da 1ª Reunião da Reasa, São José do Arrudas, Alvorada de Minas, 11/06/2012. Disponível em: http://cimos.blog.br/wp-content/uploads/2012/06/Ata-1%C3%82%C2%AAreuni%C3%83%C2%A3o-REASA-11.06.12-1.pdf. Acesso em: 17/05/2015. MPMG. Ministério Público de Minas Gerais, comarca conceição do Mato Dentro. IC MPMG 0175.14.000063-9, instaurado em 03/09/2014. MPMG. Ministério Público de Minas Gerais, comarca Conceição do Mato Dentro. IC MPMG-0174.14.000006-8, instaurado em 14/02/2014. MPT. Ministério Público do Trabalho. IC 000840.2012.03.000/0, ofício 12, volumes 1 e 2 e anexos 1, 2 e 3. MTE. Ministério do Trabalho e Emprego. Relatório de ação fiscal, de 31 de janeiro de 2014. In: MPT. Ministério Público do Trabalho. IC. Inquérito Civil. 000840.2012.03.000/0, Anexo 1. OBSERVATÓRIO DOS CONFLITOS AMBIENTAIS DE MINAS GERAIS. Resistência contra a construção do mineroduto Minas-Rio. Disponível em: http://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/conflito/?id=549. Acesso em: 7/03/2015. OBSERVATÓRIO DOS CONFLITOS AMBIENTAIS DE MINAS GERAIS. Resistência à mineração da Anglo Ferrous Minas-Rio S.A. em Conceição do Mato Dentro. Disponível em: http://conflitosambientaismg.lcc.ufmg.br/conflito/?id=253. Acesso em, 5/12/2014. OBSERVATÓRIO DO PRÉ-SAL E DA INDÚSTRIA EXTRATIVA MINERAL. Contaminação de córrego e morte de peixes pelo projeto Minas-Rio, em 01/09/2014. Disponível em: http://www.observatoriodopresal.com.br/?p=4758. Acesso em: 15/05/2015. PEDRA, Bruno Victor. Atlas Municipal Escolar de Alvorada de Minas. Belo Horizonte: Territorium Editora, 2013. REPÓRTER BRASIL. Fiscalização volta a flagrar escravidão em megaobra da Anglo American, em 17/05/2014. Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/2014/05/fiscalizacao-volta-a-flagrar-escravidao-emmegaobra-da-anglo-american/. Acesso em: 19/11/2014. RIBEIRO, Gustavo Lins. Cultura e política no mundo contemporâneo: paisagens e passagens. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000. 320p. SANTOS, Ana Flávia Moreira. Não se pode proibir comprar e vender terra: terras de ocupação tradicional em contexto de grandes empreendimentos. In: ZHOURI, A. & VALENCIO, N. (orgs.). Formas de matar, de morrer e de resistir: limites da resolução negociada de conflitos ambientais. SISEMA. Sistema Estadual de Meio Ambiente. Parecer Único SISEMA. nº. 001/2008. Processo COPAM N.º0472/2007/001/2007. 2008. SISNAC. Consolidação do Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos – 2011. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sinasc/Consolida_Sinasc_2011.pdf. Acesso em: 20/07/2014. TÔRRES, M. A. Histórias de água e minério: os efeitos do Projeto Minas-Rio em Água Quente, Conceição do Mato Dentro. 172 f. Trabalho de Conclusão de Curso 228 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected] (Graduação em Ciências Sociais) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2014. ZHOURI, Andréa. Mapeando desigualdades ambientais: mineração e desregulação ambiental. In: ZHOURI, A. & VALÊNCIO, N. (orgs.). Formas de matar, de morrer e de resistir: limites da resolução negociada de conflitos ambientais. ZUCARELLI, Marcos Cristiano. O papel do Termo de Ajustamento de Conduta no licenciamento ambiental de hidrelétricas. In: ZHOURI, A. (org.). As tensões do lugar: hidrelétricas, sujeitos e licenciamento ambiental. Belo Horizonte: Editora UFMG. 2011. 229 ____________________________________________________________________________ Avenida João Pinheiro, nº 100, Prédio 01, 5º andar, sala 512 – Centro – Belo Horizonte, MG / CEP: 30.130-180. E-mail: [email protected]