ESTUDO SOBRE O SOFRIMENTO PSÍQUICO E SUA RELAÇÃO COM
ACIDENTES DE TRABALHO
Camila Barbosa Pedroso*
Francisco Hashimoto**
Rita Helena dos Santos ***
RESUMO
O objetivo deste artigo constitui-se em refletir sobre o sofrimento psíquico do indivíduo
que vivencia situações precárias e a sua relação com acidentes de trabalho. A base
teórica que fundamenta o estudo é a da Psicodinâmica do Trabalho. O estudo de caso é
a metodologia utilizada, em relatos de quatro trabalhadores acometidos de acidentes de
trabalho, obtidos no INSS, de uma cidade do interior de São Paulo. Os resultados
mostram que a negação e a racionalização são os mecanismos de defesa mais
freqüentes, e que quando estes fracassam, pode ocasionar acidentes de trabalho.
PALAVRAS-CHAVE
Psicodinâmica do trabalho, saúde do trabalhador, acidente de trabalho, sofrimento
psíquico, estratégias de defesa.
ABSTRACT
The purpose of this article is to reflect on the psychological suffering of individuals that
experience precarious situations and their relations with work accidents. The study is
founded on the Labor Psychodynamics theory. The case-study is the methodology used
to analyze the reports of four workers who experienced work accidents. These reports
were gotten from the INSS of a town in the suburban area of São Paulo. The results
show that negation and rationalization are the most common mechanisms of defense
and that when these fail, work accidents may occur.
* Psicóloga pela Unesp de Assis —SP
** Psicóloga pela Unesp de Assis —SP
***Professora Assistente Doutora dos cursos de graduação e pós-graduação em Psicologia da Unesp de
Assis —SP
TRANSVERSAL - Revista Anual do IEDA, v.4, n.4, 2006.
KEYWORDS
Work Psychodynamics, labor‘s health, work accidents, psychological suffering,
mechanisms of defense.
INTRODUÇÃO
Os pesquisadores na área de Psicologia do Trabalho têm apresentado cada vez
mais preocupações em relação à saúde do trabalhador, principalmente aqueles que se
dedicam ao estudo da Psicodinâmica do Trabalho. Tais estudos pretendem desenvolver
a capacidade de lidar com a organização do trabalho. A Psicodinâmica considera que os
sujeitos estão totalmente implicados em suas vivências do trabalho. Transformando-as
e/ou elaborando-as, eles estarão aptos a intervir com ações que lhes propiciem
modificar a organização do trabalho, que é um dos aspectos que provoca o sofrimento
mental.
Para Dejours, o trabalho é um elemento fundamental para a saúde, pois pode
propiciar a identificação do sujeito enquanto ser produtivo e saudável. Ela não é estável,
mas sim um contínuo de compromissos com a realidade que pode se alterar. A saúde,
portanto, é uma possibilidade de adaptação de cada um na organização de sua vida.
Essa possibilidade de adaptação pode ocorrer no âmbito da organização do
trabalho, para evitar o sofrimento psíquico, ou seja, a satisfação dos desejos dos
trabalhadores na medida em que o contrário pode provocar perturbações e, às vezes,
doenças físicas e mentais.
Dentre os inúmeros aspectos que são envolvidos na temática saúde do
trabalhador, pretendemos refletir sobre a questão do sofrimento psíquico do indivíduo
que vivencia situações precárias e sua relação com os acidentes de trabalho.
Para compreender tal relação, o presente artigo, propõe um estudo de caso
baseado em relatos obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas, tem como
sujeitos os trabalhadores acometidos de acidentes de trabalho. O referencial teórico
fundamenta-se na Psicodinâmica do Trabalho.
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CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS
O sistema capitalista vigente não prioriza a relação homem-trabalho, uma vez
que esse modo de produção captura a subjetividade do trabalhador e este, percebendo
esse processo, luta para assegurar sua saúde, que significa buscar as condições
necessárias para trilhar seu próprio caminho em direção ao bem-estar físico, psíquico e
social. Assim, o homem torna-se prisioneiro do sofrimento tanto psíquico quanto físico
das relações socialmente construídas no trabalho.
Em decorrência desse processo, o homem procura elaborar meios originais de
resolver seu conflito favorecendo a produção e a saúde, ou seja, ―o sofrimento criativo‖.
Em contrapartida, o trabalhador pode se deparar com situações em que as soluções
encontradas serão desfavoráveis tanto à saúde quanto à produção, identificado como
―sofrimento patogênico‖.
A fim de refletir sobre o sofrimento psíquico do trabalhador, faremos um breve
estudo acerca da organização do trabalho. Abordaremos os aspectos relacionados à
organização prescrita e à organização real do trabalho para melhor compreendermos o
modo pelo qual se processa o encontro do indivíduo com o trabalho.
A organização prescrita refere-se ao planejamento das funções, assim como
consta na descrição de cargos, regulamentos e normas da empresa. Diante da
organização prescrita, tem-se uma organização real, a qual implica na verdadeira
execução prática de cada função, em que o trabalhador enfrenta situações com os
imprevistos, incoerências, equívocos e tensões. À medida que tal condição o
desestrutura, causa-lhe angústia.
Segundo Dejours (1992), as relações que o sujeito estabelece com o trabalho são
decorrentes da infância. Assim, a criança depara-se com um sofrimento e o vivencia
como sendo algo seu; todavia, esse é oriundo da angústia de seus pais. A partir do
momento em que a criança desenvolve a fala, ela tenta entender essa angústia, o que é
para ela um enigma. Tal enigma, o qual a acompanhará para sua idade adulta, possibilita
a elaboração de ―teorias infantis‖. E, com intuito de compreender tais teorias, a criança
utiliza-se do jogo lúdico, dispondo como tema central o seu sofrimento.
No desenvolvimento do indivíduo, a fase seguinte, a da passagem do teatro da
infância [momento em que a criança brinca de estar atuando no mundo do trabalho] para
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o teatro do trabalho [situação real vivenciada na fase adulta], existe uma fase de
ambigüidade para que possa ocorrer a ressonância simbólica.
A escolha da profissão é uma das condições necessárias para ocorrência da
ressonância simbólica. Essa escolha depende, para sua efetivação, do indivíduo, da sua
história de vida.
No trabalho, o sujeito muda o cenário inicial de seu sofrimento para a situação
real. Os personagens deixam de ser os pais e passam a ser outros trabalhadores. Por fim,
encontram no trabalho um meio de retornar às questões iniciais que influenciaram na
formação de sua personalidade e no seu equilíbrio psíquico.
Por meio do trabalho o homem se implica nas relações sociais para onde ele
desloca questões provenientes de sua história de vida e, dessa forma, busca a
ressonância simbólica,
[...] como uma condição necessária para a articulação bem sucedida da
dicotomia singular com a sincronia coletiva. Esse ponto é essencial, porque
em relação a produção e a qualidade do trabalho, a ressonância simbólica
permite fazer o trabalho beneficiar-se da força extraordinária que a
mobilização dos processos psíquicos nascidos do inconsciente conferem.
(DEJOURS, 1992, p.157)
Sendo assim, a ressonância simbólica é essencial para o restabelecimento de um
equilíbrio entre conteúdos inconscientes e fatores relacionados à produção. Esse
processo, na tentativa de amenizar o sofrimento psíquico do trabalhador, remete ao
mecanismo da sublimação.
A sublimação é a maneira mais desejável e saudável de lidar com os
impulsos inaceitáveis. Ocorre quando o indivíduo encontra uma meta e um
objeto socialmente aceitáveis para a expressão de um impulso inaceitável, o
que permite descarregá-lo e reduzir a sua pressão. (CLONINGER, 1999,
p.53)
Dessa forma, o trabalhador encontra um outro objeto, socialmente aceito, para
satisfazer seus desejos, ou seja, ele busca em seus afazeres um meio de direcionar seus
impulsos inaceitáveis. Vale ressaltar que a sublimação ocorre no plano inconsciente.
De acordo com a teoria das relações objetais, a sublimação atua possibilitando a
resolução do conflito, e dessa forma, direcionando tanto o objeto bom como o mau e as
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partes correspondentes ao ego a eles ligadas, a uma interação concordante e socialmente
satisfatória. (Bleger, 1989)
Assim, a sublimação é considerada um mecanismo importante para a saúde
mental, visto que essa tem papel fundamental na formação da identidade do sujeito.
Quando o encontro do indivíduo com seu trabalho dá-se de forma favorável,
ocorrerá uma relação saudável e produtiva. Caso esse encontro não se torna satisfatório,
pode causar angústia no trabalhador que buscará estratégias para enfrentar esse
desconforto gerado no ambiente de trabalho. Tal desconforto provoca uma tensão
coletiva que pode manifestar-se em adoecimentos individuais. A essa tensão coletiva os
sujeitos desenvolvem mecanismos
denominados de defesas coletivas e ideologias
defensivas da profissão. Nas situações em que essas defesas falham, o sofrimento passa
do coletivo ao individual (DEJOURS, 1987).
Pesquisas em Psicodinâmica do Trabalho
apontam como sendo vários os
mecanismos de defesas utilizados, destacando-se a negação, a racionalização, o
deslocamento, a fuga, a repressão pulsional, entre outros.
Em situações que esses mecanismos fracassam, pode ser desencadeado um
acidente de trabalho que, além do sofrimento físico, remeterá o trabalhador ao lugar do
―encostado‖, do inválido, do improdutivo. É exatamente essa relação, o sofrimento no
trabalho e o acidente, que pretendemos compreender, a partir da fala de trabalhadores
que vivenciam tal situação.
METODOLOGIA
Esse estudo baseia-se em trabalhadores que sofreram algum tipo de acidente de
trabalho, os quais passaram pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) do
município do interior do Estado de São Paulo.
Os três sujeitos que constituem nosso material de estudo, aos quais daremos
nomes fictícios para ser preservado em sigilo suas identidades, são: Marta, que tem 22
anos, é casada e mãe de dois filhos, registrada como faxineira por uma empresa
terceirizada; Paulo, que tem 32 anos, é amasiado e pai de três filhos, registrado como
movimentador de mercadoria por uma empresa terceirizada e Júlio, com 52 anos,
casado e pai de uma filha, registrado como empacotador.
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Os dados foram coletados por meio de entrevistas semi-estruturadas feitas na
instituição citada acima, a qual presta assistência a acidentados de trabalho. As
entrevistas foram feitas individualmente, em uma sala reservada para este fim, com a
duração aproximada de trinta minutos cada.
Analisamos os dados por meio de uma leitura dos depoimentos dos
trabalhadores entrevistados, tendo a precaução de observar outros indícios além do
momento do acidente propriamente dito, com o intuito de buscar como o sofrimento
emergia e a maneira pela qual se relacionava com o acidente. Face a isso, buscamos
compreender o processo psíquico vivenciado pelo sujeito na sua relação com o trabalho,
fundamentado na Psicodinâmica do Trabalho.
ANÁLISE DE DADOS
A partir do momento que o homem percebe-se aprisionado à organização do
trabalho, seu bem-estar físico, psíquico e social será afetado e, dessa forma, sua relação
com o trabalho estará engajada num movimento que lhe trará angústia e sofrimento.
Para um melhor entendimento sobre as relações que se constróem no encontro
do sujeito com o seu trabalho, faz-se necessário um apontamento dos aspectos que
compõem a organização prescrita e a real do trabalho, implícitos nas falas dos
trabalhadores entrevistados:
[...] é muito trabalho, excesso de trabalho. Tudo que eu vou fazer tem que ser
rápido: comer, ir ao banheiro, tudo para não atrasar meu serviço...eu tiro toda
a sujeira pra fora, levo a bobina pra perto das máquinas, e tem bobina pesada
de até 78 quilos. Levo num carrinho, mas depois eu pego ela e ponho na
mesa. (Júlio)
Júlio expressa as exigências subumanas, a relação com o trabalho e de como a
organização prescrita determina a forma de atuação, seja pela descrição de cargos, ou
por meio dos regulamentos e normas. A pressão que permeia o trabalhador para que este
cumpra com as determinações, faz com que ele, na tentativa de superar os imprevistos e
as tensões, leva-o a desestruture-se.
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Eu tava ajudando a administradora a levar as mesas, mas ela (a mesa) é duas
vezes maior que eu. Daí na quarta mesa que eu levantei foi peso demais para
minha coluna. (Marta)
O excesso e a carga de trabalho parecem ser fatores que contribuem para o
desencadeamento do acidente, uma vez que essa condição não possibilita ao trabalhador
perceber seus próprios limites físicos, exigindo de seu corpo um esforço maior que o
suportável e, conseqüentemente, ele [o corpo] procura alguma saída, que muitas vezes
provoca o acidente, podendo ser exemplificado pelo discurso de Marta, quando esta diz
que a mesa era duas vezes maior que ela.
Pra gente descansar tem que faltar um dia. Eles não aceitam atestado para
faltar. O atestado que eles aceitam é assim: você se machucou, então encosta.
(Paulo)
Paulo tenta justificar, de maneira racional, a exploração exercida pela empresa.
De forma geral, ele diz que para ter folga no trabalho é necessário um atestado emitido
pelo INSS, como relata: “O atestado que eles aceitam é assim: você se machucou,
então encosta”. Também é possível perceber uma acomodação frente a situação
precária de trabalho.
Na medida em que o trabalhador incorpora a atividade à dimensão física e
psíquica convencendo-se de que esse processo não pode cessar, utiliza-se de mecanismo
de defesa, como por exemplo, a racionalização, para evitar o surgimento da angústia e
assim justificar seu excesso de trabalho.
Foi possível notar, nas falas dos trabalhadores acidentados, a presença do
estigma do ―encostado‖, no sentido de sentir-se inválido, improdutivo, como ilustra o
trecho abaixo:
A gente só fica triste é de tá parado, encostado, porque é um fato psicológico
(...) é encostado porque fica parado, sem fazer nada, não dá pra tá fazendo
mais nada. (Júlio)
No decorrer da entrevista, ao ser questionado sobre a fala do ―encostado‖, Júlio
atribui a esta um grande sofrimento, causando-lhe incômodo ao responder a pergunta.
Essa fala estava permeada por um sentimento de invalidez e de inutilidade,
desencadeados pelo afastamento abrupto do indivíduo de seu meio de trabalho,
provocando-lhe angústia e fazendo-o sentir-se improdutivo.
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É interessante analisar a fala de alguns trabalhadores a respeito da relação que
estabelecem com o risco real, que provoca medo e tensão, atribuindo a esse um poder
irrisório para tornar sua tarefa menos angustiante criando, assim, certos mecanismos
para driblar sua própria consciência e proteger sua saúde mental.
Não era área de risco onde eu estava porque não tinha nenhuma máquina
perto, nada que eu pudesse cair ou cair na minha cabeça. Na área onde eu
trabalhava não tinha necessidade de usar equipamento de segurança. (Paulo )
O trecho acima remete ao discurso de um trabalhador que sofreu uma lesão na
coluna ao levantar uma saca de açúcar. Foi possível perceber que Paulo nega a
existência do risco presente em seu acidente, atribuindo como única prevenção deste o
E.P.I. (Equipamento de Proteção Individual), desconsiderando os fatores ergonômicos
como, por exemplo, a postura correta para o levantamento de peso.
Vale ressaltar o fato de muitos trabalhadores atribuírem a causa de seus
acidentes ao acaso ou até mesmo a algo inevitável, no sentido de ser inerente àquela
função, como no caso de Paulo, pois a questão do peso da saca de açúcar parecia ser
algo que pertencia à execução de sua função.
O trabalhador não questiona a possibilidade de que um peso excessivo pode ser
prejudicial a sua saúde física. Dessa forma, exclui a responsabilidade da empresa de
estar informando sobre prevenção, no sentido de orientar sobre equipamentos de
segurança, sobrecarga de trabalho, e questões relacionadas à postura correta no
momento de carregar e levantar pesos; ou até mesmo outras maneiras que podem
facilitar a movimentação do material. Assim, causa um sofrimento no trabalhador pelo
fato de culpabilizar-se pelo ocorrido.
Não sei como seria evitado, é difícil. Uma coisa que o máximo de cuidado
que você tem é imprevisível o acidente. (Paulo)
Outra possibilidade de relacionar o sofrimento psíquico com o acidente é a
questão ligada à insatisfação que permeia os trabalhadores.
Nos relatos foi possível perceber que a insatisfação vincula-se tanto à função
desempenhada, quanto aos inter-relacionamentos, sendo estes desde colegas de trabalho
até superiores.
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Os colegas são mais novos e eles brincam de forma chata e eu respondo ... eu
só não peço as contas porque tenho que defender o pão de cada dia e porque
tá perto da aposentadoria, mas eu não me conformo de tá aqui até hoje, já faz
quatro anos ... o supervisor vinha me perseguindo, daí ele me transferiu para
o empacotamento porque descobriu que eu gostava mais da refinaria. Não
gosto do empacotamento porque não tem futuro, lá tem muita mulher, tem
muita gente. (Júlio)
A fala anterior é de um trabalhador que teve um ferimento no dedo médio
durante o levantamento do BAG (sacolão de aproximadamente uma tonelada de açúcar),
quando foi contratado pela empresa para trabalhar no setor de refinaria. Após um tempo
foi transferido para o setor de empacotamento, fato este que lhe causou muita revolta.
Durante toda a entrevista Júlio relata uma insatisfação enorme em relação aos
seus companheiros de trabalho, alegando que, por estes serem mais jovens, são pouco
responsáveis e não o respeitam. O vínculo com o supervisor apresenta-se, pela sua fala,
em conflito, chegando a afirmar que a perseguição que supostamente sofre é algo que
lhe prejudica e causa extremo desconforto.
Tratando-se ainda de aspectos ligados à insatisfação, o discurso a seguir
evidencia um sofrimento decorrente de um desvio de função:
Meu acidente poderia ter sido evitado porque não fazia parte do meu serviço,
se fosse ver, aquilo lá ... o meu serviço devia ser de limpar o chão
e
o
banheiro e não as mesas da praça de alimentação. (Marta)
Marta teve uma lesão na coluna vertebral por causa do levantamento de uma
mesa de mármore. Ela mostrou-se inconformada com o fato de ter sido contratada como
faxineira e nunca ter exercido tal função. No mesmo estabelecimento, esta trabalhava
como garçonete e foi nessa função que sofreu o acidente.
Pudemos perceber, aqui, a organização do trabalho influenciando na ocorrência
do acidente. Havia, de um lado, a organização prescrita com o planejamento das
funções, que neste caso era a função de faxineira e, de um outro lado, a organização
real, a qual implica na verdadeira execução prática de cada tarefa. Assim sendo, Marta
encontrou-se numa situação incoerente, com equívocos e tensões, uma vez que estava
desviada de sua função, causando-lhe um desconforto ainda maior.
Enfim, a partir do discurso dos trabalhadores acidentados foi possível perceber
como o modo de produção capitalista não considera importante a construção satisfatória
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da relação homem - trabalho na medida em que esse modo de produção anula a
singularidade do trabalhador e exige que este ultrapasse seus próprios limites. Dessa
forma, muitas vezes o acidente aparece ligado ao sofrimento, na tentativa ilusória de
amenizá-lo.
Os dados nos mostraram que questões referentes à organização do trabalho, à
negação da existência de um risco real, à insatisfação e ao excesso e à sobrecarga de
trabalho, permitiram-nos relacionar a esses fatores a existência de um sofrimento
psíquico no trabalhador, o qual contribuiu para o desencadeamento do acidente.
CONCLUSÃO
A relação existente entre o sofrimento psíquico ocasionado pelos muitos fatores
que permeiam o ambiente de trabalho, e acidentes ocorridos neste contexto, levou-nos a
concluir que o sofrimento psíquico pode desencadear o acidente de trabalho.
Fatores como o excesso de trabalho, a insatisfação, os relacionamentos
interpessoais, o risco real, o cumprimento da descrição de cargo e normas locais
contribuem para a desestruturação e desequilíbrio psíquico do trabalhador, sendo este
obrigado a elaborar estratégias próprias para resolver o conflito. Quando há falha nas
estratégias defensivas, pode ser desencadeado o acidente.
Foi possível observar que o sofrimento e a ocorrência do acidente antecede o
discurso do ―encostado‖, mostrando a situação de estar afastado do trabalho.
Pesquisas e estudos mais detalhados a respeito do sofrimento psíquico do
trabalhador podem contribuir para um maior entendimento da relação desse sofrimento
com os possíveis acidentes. No entanto, seria viável um programa de prevenção para
evitar a incidência de acidentes. Também seria interessante pensar em um
acompanhamento psicológico aos acidentados de trabalho.
O sofrimento psíquico e os acidentes de trabalho não devem ser pensados numa
relação de causa e efeito, mas cada caso deve ser considerado em suas peculiaridades
para que, dessa forma, seja valorizada a singularidade do trabalhador, suas
potencialidades e limites.
TRANSVERSAL - Revista Anual do IEDA, v.4, n.4, 2006.
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REFERÊNCIAS
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