Salvador BA: UCSal, 8 a 10 de Outubro de 2014,
ISSN 2316-266X, n.3, v. 2, p. 609-624
O TRABALHO E OUTROS ASPECTOS DA “NOVA CLASSE MÉDIA”
BRASILEIRA
LOPES, Cássio de Souza
Mestrando do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Social - UNIMONTES
[email protected]
MACEDO, Luiz Antônio de Matos
Professor do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Social - UNIMONTES
[email protected]
FERREIRA, Maria da Luz Alves
Professora do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Social - UNIMONTES
[email protected]
RESUMO
Este artigo tem como objetivo estabelecer uma comparação entre perspectivas de diferentes autores
sobre a nova classe média brasileira, a qual tem gerado bastante polêmica entre os cientistas sociais
brasileiros, com enfoque no aspecto do trabalho, procurando identificar as mudanças mais
significativas no mercado de trabalho. É utilizada a pesquisa bibliográfica juntamente com o método
comparativo como forma de abordagem. São utilizadas as publicações de Márcio Pochmann, Jessé
Souza - que se enquadram entre os que criticam o conceito de nova classe média - e Marcelo Neri, e o
Projeto Vozes da Nova Classe Média do Governo Federal – os principais divulgadores do conceito de
nova classe média. A partir da comparação entre as diferentes posições/teorias busca-se um
entendimento acerca da polêmica nova classe média, com enfoque no aspecto do trabalho, assim como
o levantamento de questões principais sobre o tema.
Palavras-Chave: Trabalho. Nova Classe Média. Mobilidade Social.
ABSTRACT
This article aims to establish a comparison between perspectives of different authors about the new
Brazilian middle class, which has generated quite controversy among Brazilian social scientists,
focusing on the aspect of the job and seeks to identify the most significant changes in the labor market.
The literature is used together with the comparative method as a way of approach. Are utilized the
publications of Márcio Pochmann, Jessé Souza – that are between those who criticize the concept of
the new middle class – Marcelo Neri and the New Middle Class project by the Federal Government –
the main disseminators of the new middle class concept. From the comparison between the different
positions / theories seeks to an understanding about the controversial new middle class, focusing on
the aspect of the job as well as raising major questions on this theme.
Keywords: Work. New Middle Class. Social Mobility.
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INTRODUÇÃO
A discussão sobre classes está em voga no Brasil. Segundo dados do Governo, entre
2002 e 2012, 35 milhões de pessoas entraram na classe média. Essa transformação tem gerado
bastante polêmica no âmbito acadêmico face a um discurso do governo de que houve redução
da desigualdade e da pobreza e de que a classe média é a classe que representa o país. O
presente trabalho propõe um olhar para um dos principais aspectos dessa transformação - as
mudanças ocorridas no mercado de trabalho.
Percebe-se duas linhas de argumentações: uma com tom otimista, que enfatiza o
progresso do Brasil, a redução da desigualdade e da pobreza, que defende a tese do
surgimento de uma nova classe média e outra que rejeita essa tese, com um olhar diferente
sobre as transformações ocorridas.
O governo federal através da SAE/PR tem elaborado estudos sobre essa transformação
de modo a implementar políticas. O projeto encarregado dessa tarefa chama-se “Vozes da
Classe Média”. Atualmente existem quatro cadernos lançados pelo projeto: 1) Caderno Vozes
da Classe Média, Edição Marco Zero; 2) Caderno vozes da Classe Média: Desigualdade,
Heterogeneidade e Diversidade; 3) Caderno da Nova Classe Média, Empreendedorismo e
Classe Média; 4) Caderno Vozes da Nova Classe Média: Formalização e estabilidade no
Trabalho. O conteúdo dessas publicações traz a nova classe média como um projeto político.
Através dessas edições pode-se detectar a posição do governo sobre o que está acontecendo
na vida das pessoas e na distribuição de classes no Brasil. Para o governo a transformação em
curso é uma carta na manga para conquistar o prestígio da população e trazer o mérito para si.
Coube, portanto à academia fazer as análises críticas acerca de seu discurso.
Na mesma linha dos discursos do governo, porém com uma definição dos estratos de
renda diferente do governo, aparecem com destaque os trabalhos de Marcelo Neri, através do
Centro de Políticas Sociais da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Em linha oposta ao discurso pomposo do governo sobre a nova classe média estão
Jessé Souza e Marcio Pochmann, que refutam a ideia do surgimento de uma nova classe
média e trazem aspectos contraditórios quando ao quadro traçado pelos demais autores.
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O CONCEITO DE CLASSE SOCIAL
Segundo Sandroni (1999), classe social pode ser definida como cada um dos grandes
grupos diferenciados que compõem a sociedade. Para a estratificação dessas classes são
utilizados, em geral, fatores socioeconômicos tais como riqueza, apropriação dos meios de
produção, posição no sistema de produção, profissão, nível de consumo e origem dos
rendimentos, entre outros. Os indivíduos de cada estrato social tendem a compartilhar valores
semelhantes, sendo que a definição dos fatores que determinam as classes sociais varia muito
entre os autores. Marx, por exemplo, caracteriza classe social pela posição no processo de
produção, tendo identificado no capitalismo, duas classes principais: a burguesia e o
proletariado. Sandroni observa que atualmente os autores consideram que a hierarquização se
processa de acordo com as diferenças profissionais.
Por sua vez, Regis (1955) define classe social como: um grupo hierárquico, mais ou
menos aberto, de grande número de pessoas, de ambos os sexos, e todas as idades, com status
semelhantes, proveniente de família, profissão ou riqueza, apresentando cultura própria. É um
grupo hierárquico, porque as classes pressupõem estratificação e umas estão sempre sobre as
outras. Nunca se encontram em níveis iguais. São mais ou menos abertas, havendo maior ou
menor possibilidade de circulação entre as diferentes classes.
Quanto à mobilidade social, podem ser identificados dois tipos: a horizontal e a
vertical. A mobilidade horizontal é aquela que ocorre devido à mudança de características
dentro do grupo social, como a conversão do protestantismo para o catolicismo, a mudança de
uma localidade para outra, de uma família para outra do mesmo nível social, não provocando
mudança de classe. A mobilidade vertical por sua vez, é a modificação do status de uma
pessoa ou grupo para posições mais ou menos elevadas, ou seja, é a mudança de uma classe
social inferior para uma classe superior ou vice-versa. O principal fator de ascensão social nas
sociedades modernas é a educação. Quanto mais acessível for a instrução às classes inferiores,
mais facilmente os indivíduos conseguirão migrar para classes mais altas devido ao leque de
oportunidades que se abre (REGIS, 1955).
Nas sociedades ocidentais como a nossa, predomina o capitalismo, em que os seus
sistemas econômicos são dominados por empresas industriais de propriedade privada, com
existência de diferenças sociais muito pronunciadas entre o grupo dos proprietários industriais
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e o grupo de assalariados. No entanto, para além das desigualdades entre classes sociais,
existem outras formas de desigualdade, de privilégio e dominação, como aquelas originadas
por diferenças de raça, linguagem ou religião, resultantes de conquistas, de diferenças de
superfície e recursos naturais, de oportunidades históricas específicas e derrotas. Até mesmo o
poder político é capaz de criar novas classes sociais, e não são sempre determinados pela
filiação de classe, como afirmam os marxistas. Depreende-se disto que há uma controvérsia
entre os sociólogos a respeito da teoria da classe social e da estratificação social 1. O que é
possível afirmar com um certo consenso é que um sistema de escalões não deriva de uma
ordem natural e invariável de coisas, mas é uma invenção do pensamento humano sujeita a
mudanças históricas. São grupos econômicos não constituídos ou apoiados por quaisquer
regulamentos legais ou religiosos específicos sendo que a filiação a elas não confere aos
indivíduos direitos civis ou políticos especiais. Tal filiação é geralmente menos estável do que
a de outros tipos de grupo hierárquico. O indivíduo pode subir ou descer na hierarquia social,
não necessitando de nenhum reconhecimento oficial a fim de confirmar o seu novo status,
bastando somente que seja rico, desempenhe um determinado papel econômico ou
profissional e talvez adquirir algumas das características culturais secundárias da camada
social para a qual ele ascendeu (BOTTOMORE, 1968).
A questão das classes sociais é interpretada de maneiras diversas ao longo da
construção do pensamento nas Ciências Sociais. Nos escritos de Marx percebe-se uma grande
ênfase acerca do tema. O problema das classes sempre norteou o seu pensamento. No entanto
não é tarefa fácil sistematizar as ideias do autor acerca de classes sociais, porquanto Marx
nunca escreveu sistematicamente sobre o que são classes sociais e as referências acerca do
tema são esparsas, por vezes genéricas e abstratas, e muitas vezes restritas à uma significação
histórica e social específica. Dessa forma, acontece muitas vezes com o conceito de classes
em Marx, um viés de interpretação do significado teórico do conceito de classe social,
transformando um conceito que é determinado por uma dada produção ou modo de produção
social historicamente determinado em um conceito universal e genérico. (HIRANO, 2002).
Estratificação social “pode ser usado para indicar qualquer ordenação hierárquica de grupos ou camadas
sociais, dentro de uma sociedade e os sociólogos têm distinguido as suas formas principais, que seriam as
seguintes: casta, estamento, classe social e grupo de status. Cada um desses tipos de estratificação social é
complexo, e existem numerosas questões duvidosas a respeito da base e das características das castas e dos
estamentos, assim como a propósito das classes e dos grupos de status, embora os primeiros sejam mais
facilmente definidos, e suas fronteiras sejam mais claramente delimitadas, na maioria dos casos.”
(BOTTOMORE, p. 13, 1968)
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Em Marx, as categorias explicativas são sempre categorias históricas e transitórias,
assim como o é uma dada formação social. Entende-se que a estrutura de classes é um
fenômeno histórico-social determinado pela produção capitalista moderna, assim como na
produção feudal a estrutura social é baseada em estamentos. A classe social é especificamente
um produto da sociedade burguesa moderna. Hirano (2002) sistematiza os elementos
condicionais definidores e diferenciais das classes sociais em Marx:
a) os elementos condicionais são, em primeiro lugar, a desagregação do
modo de produção feudal e a emergência do modo de produção capitalista
moderno; em segundo lugar, a formação – neste período de transição – de
uma comunidade de interesses polarizados pelas oposições efetivas ou
potenciais da burguesia e do proletariado em fase de gestação
(posteriormente, a oposição potencial entre eles se transforma em oposição
efetiva) contra a nobreza decadente; b) os elementos definidores das classes
sociais são as condições comuns ou, como afirma Marx: “Idênticas
condições, idênticas antíteses e idênticos interesses”, os quais resultaram, em
todas as partes em que houve aqueles elementos condicionais, com a mesma
amplitude, em “idênticos costumes”, e, posteriormente, a conversão destas
condições pelo desenvolvimento histórico-social em condições de classe, c)
(...) é a “posição que os indivíduos ocupam” nos diferentes setores da
produção e em seus vários desdobramentos resultantes da divisão social do
trabalho, tanto da divisão que ocorre dentro de cada ramo quanto por setores
(agrícola, industrial e comercial) da produção – é essa posição que define as
classes sociais (HIRANO, p. 132-133, 2002).
Hirano (2002) conclui que as classes sociais em Marx são categorias históricas e
transitórias e são determinadas pela transição do feudalismo ao capitalismo moderno, sendo
que na sua fase de constituição, a oposição central é entre a burguesia e a nobreza, aparecendo
aí uma classe revolucionária - que se harmoniza com os interesses de todas as classes não
dominantes – que luta contra a classe dominante. Essa luta entre opressores e oprimidos,
segundo Marx, é ininterrupta e termina sempre por uma transformação revolucionária de toda
a sociedade ou pela destruição das duas classes em luta.
NOVA CLASSE MÉDIA – MARCELO NERI E SAE/PR
A ideia de Nova Classe Média foi introduzida primeiramente por Marcelo Neri em
Agosto de 2008, em um estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Segundo este estudo, a
classe média (Classe C), cujos limites de renda foram definidos entre R$ 1064,00 e R$
4.561,00, passara de 42% para 51% da população entre 2003 e 2008. As Classes de renda
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foram definidas com os seguintes limites: Classe E – 0 a R$ 768,00; Classe D – R$ 768,00 a
R$ 1064,00; Classe C – R$ 1064,00 a R$ 4.591,00; Elite A e B acima de R$ 4.591,00. A
partir deste, vários estudos da FGV sobre o tema foram publicados até 2014. O gráfico abaixo
mostra a evolução da participação da classe C no período.
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Gráfico 1 – Participação da Classe C
Fonte: Extraído de “A Nova Classe Média” - CPS/IBRE/FGV a partir de dados da PME/IBGE.
No primeiro estudo de Marcelo Neri sobre a Nova Classe Média, intitulado “A Nova
Classe Média”, é indicado um “boom” na classe C com recordes nos itens casa, carro,
computadores, crédito e carteira de trabalho. A classe média é colocada como a imagem mais
próxima da sociedade brasileira, uma classe com planos bem definidos de ascensão social
para o futuro que são o motor fundamental para a conquista da riqueza das nações. Este seria
o “combustível”, já o “lubrificante” seria o ambiente de trabalho e negócios.
A ascensão desta nova classe média é a principal inovação recente nesta
década que se confirma aqui como a da redução da desigualdade e tem sido
propulsionada por ela e agora pela volta do crescimento. O ingrediente
fundamental deste crescimento do bolo com mais fermento para os grupos
pobres e agora nos últimos anos para a classe média é a recuperação do
mercado de trabalho, em particular da ocupação (NERI, p. 6, 2008).
O estudo da FGV lança mão de dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) para
mensurar as condições de vida da população do Brasil, indicando que houve redução da
miséria e da desigualdade – medida pelo índice de Gini – de maneira substantiva entre 2002 e
2008:
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Gráfico 2 – Séries de Miséria
Fonte: Extraído de “A Nova Classe Média” - CPS/IBRE/FGV a partir de dados da PME/IBGE.
Gráfico 3 – Evolução da desigualdade pelo Índice de Gini
Fonte: Extraído de “A Nova Classe Média” - CPS/IBRE/FGV a partir de dados da PME/IBGE.
Pode-se observar a melhoria da distribuição de renda e da miséria que segundo o
estudo ocorreram tanto em função do crescimento acelerado da média de renda como da
redução da desigualdade de renda. A volta da carteira de trabalho, o emprego formal, é
apontado como o elemento mais representativo de ressurgimento de uma nova classe média
brasileira. Durante a observação dos dados, segundo Neri, o Brasil vinha mês a mês, a partir
de 2004, quebrando seu recorde anterior mais elevado de geração de novas “carteiras de
trabalho”. Segundo dados do Caged, nos sete primeiros meses de 2004 o Brasil gerou 1,7
milhões de postos de trabalho formais superando todos os anos da série observada. Em seu
trabalho, Neri previa para 2010, um montante de dois milhões de novos empregos formais,
uma expectativa bastante positiva dadas as dificuldades referentes aos elevados custos de
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contratação e demissão de trabalhadores constantes na legislação trabalhista brasileira. No
próximo gráfico pode-se ver a evolução da geração líquida de empregos entre 2000 e 2010:
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Gráfico 4 – Geração Líquida de Empregos
Fonte: Extraído de “A Nova Classe Média: O lado brilhante dos pobres” - CPS/FGV a partir de dados do
CAGED/MTE. *dados até agosto de 2010.
Mesmo considerando os grandes aumentos da renda derivados de programas sociais e
aposentadorias ligadas ao salário mínimo, o crescimento da renda relativo às mudanças no
trabalho é de 4,72% entre 2003 e 2009. O incremento médio no período, de 4,61% ao ano da
renda trabalhista por brasileiro que corresponde a 76% da renda média recebida por brasileiro
dá uma base de sustentabilidade além das transferências de renda. Destaque também para a
contribuição do aumento da escolaridade. Aumentos nos anos de escolaridade no mesmo
período são responsáveis por 65,3% do crescimento de 7,95% ao ano da renda per capta
média dos 20% mais pobres, e correspondem a 24% do aumento de renda de 3,66% dos 20%
mais ricos (NERI, 2011).
Nos demais estudos coordenados por Neri, vê-se o destaque para uma ascensão de
milhões de pessoas em vários países, numa época de estagnação global, que contribui para
manter a economia girando. Essas estão representadas na classe média dos BRICs (Brasil,
Rússia, Índia e China), que são “a face humana mais palpável desta revolução” (NERI, p. 12,
2011). Neri destaca o Brasil como recordista de felicidade futura – numa escala de 0 a 10 o
brasileiro dá uma nota média de 8,70 à sua expectativa de satisfação coma vida em 2014 –
que segundo o autor corrobora a expressão de que “o Brasil é o país do futuro”.
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Por sua vez, “animado” pelo surgimento de uma nova classe média, o governo criou o
Projeto Vozes da Classe Média através da SAE/PR (Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República) com o objetivo de entender a nova classe média em múltiplos
aspectos e
oferecer importantes subsídios tanto para o entendimento das mudanças
socioeconômicas recentes e de suas consequências, quanto para a
imprescindível adequação das políticas públicas a um país que tem na classe
média a maioria de sua população (NINIS, p. 9, 2012).
A metodologia de definição da SAE difere da utilizada por Neri. O projeto utiliza o
conceito de vulnerabilidade à pobreza:
Segundo esse critério, foram considerados pertencentes à classe baixa todos
aqueles com alta probabilidade de permanecer ou passar a ser pobres no
futuro próximo; verificou-se empiricamente que estes são os que vivem em
famílias com renda per capita inferior a R$291 por mês2. Foram
considerados pertencentes à classe média todos aqueles com baixa
probabilidade de passarem a ser pobres no futuro próximo; verificou-se
empiricamente que estes são os que vivem em famílias com renda per capita
entre R$291 e R$1.019 por mês. Por fim, foram considerados pertencentes à
classe alta todos aqueles com probabilidade irrisória de passarem a ser
pobres no futuro próximo; seriam aqueles em famílias com nível de renda
per capita acima de R$1.019 por mês (NINIS, p. 12, 2012).
Segundo estimativa do projeto, em 2012, 53% (100 milhões de pessoas) da população
era pertencente à classe média. “Se a classe média fosse um país ela seria o 12º país mais
populoso do mundo, logo depois do México”. O projeto defende que a expansão da classe
média resultou de um processo de crescimento econômico com redução da desigualdade e que
por causa dessa combinação, a redução da classe baixa foi mais intensa que a expansão da
classe alta. Se forem mantidas a taxa de crescimento e a tendência de queda na desigualdade
dos últimos 10 anos, a classe média deverá abranger 57% da população brasileira em 2022, no
entanto se a desigualdade deixar de cair, o tamanho da classe média permanecerá estável em
53% (NINIS, p 12, 2012).
A classe média responde ainda por 36% da renda e 38% do consumo das famílias.
Outra característica da nova classe é que ela é heterogênea, representando vários grupos
econômicos e está bastante concentrada na área urbana, na região Sudeste (45%) e no
Nordeste (24%), nas pessoas com educação média, nos trabalhadores formais e nos segmentos
de indústria e comércio. Quanto à cor, negros e brancos são representados aproximadamente
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da mesma forma na classe média (53% e 47% respectivamente). No que diz respeito à
educação, os grupos que têm até a educação média representam mais de 90% da classe média.
Para o trabalho, 58% dos trabalhadores formais estão na classe média (NINIS, 2012).
Quanto à população ocupada, 58% da população brasileira em idade ativa está
ocupada enquanto que na classe média esta proporção é de 61%. Na população total, o grau
de formalização é de 54%, enquanto na classe média este índice é de 56%. A porcentagem de
trabalhadores que pertencem à classe média é maior que a proporção da classe média na
população e idade ativa no Brasil (NINIS, 2010).
(...) dentre as pessoas em idade ativa, as ocupadas se encontram
sobrerepresentadas na classe média, já as desempregadas e inativas
permanecem subrepresentadas. Com efeito, enquanto 58% da população em
idade ativa estão ocupados, na classe média esse número sobe para 61%. No
caso dos inativos, oposto se verifica: enquanto representam 37% de toda a
população em idade ativa, na classe média representam 35% (NINIS, p. 25,
2010).
Outros aspectos do trabalho na classe média: os trabalhadores formais estão
sobrerepresentados na classe média enquanto os informais estão subrepresentados; os setores
com maior presença na classe média são os da indústria da transformação, da construção civil,
do comércio e da agricultura; há também uma sobrerepresentação dos trabalhadores
domésticos na classe média, sendo este o segmento com maior sobrerepresentação, com 64%
de seus membros pertencentes à classe média, no entanto sua participação no total de
trabalhadores é de 8%; estão subrepresentados na classe média os trabalhadores da agricultura
(que se encontram em sua maioria na classe baixa), da administração pública e dos serviços
de educação, saúde e sociais (que se encontram na maioria na classe alta) (NINIS, 2012).
Resumidamente, conforme Ninis (2012), o crescimento da renda na classe média se
deu pelos seguintes fatores: 1) Demografia – a porcentagem de membros adultos subiu de
73% para 79% ao longo da última década; 2) Transferências – Programa Bolsa Família,
Benefício de Prestação Continuada (BPC), previdência rural, entre outras; 3) Acesso ao
trabalho – a porcentagem de adultos na classe média que se encontravam ocupados cresceu
ligeiramente, passando de 60% para 64%; 4) Ganhos de produtividade que respondem por
40% do crescimento ocorrido na renda da classe média.
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NOVA CLASSE MÉDIA – JESSÉ SOUZA E MÁRCIO POCHMANN
Em seu livro “Os Batalhadores Brasileiros – Nova classe média ou nova classe
trabalhadora?”, Jessé Souza faz uma análise do que “o Brasil tem de si mesmo” (segundo
prefácio de Mangabeira Unger), baseado em uma pesquisa apoiada pelo CGEE (Centro de
Gestão e Estudos Estratégicos). Vemos duras críticas tecidas em seu livro:
Todas as sociedades têm os seus “profetas da boa ventura” – que Max Weber
percebia desde o judaísmo antigo, os quais vendem o mundo que
efetivamente existe como o melhor dos mundos possíveis – e, eles são, numa
sociedade profundamente conservadora e desigual como a brasileira, a
imensa maioria (SOUZA, p. 20, 2012).
O autor afirma que o argumento de que o Brasil se tornou um país de classe média é
uma mentira, ou, uma meia verdade como toda ideologia dominante, pois as mudanças
ocorridas são interpretadas de modo distorcido, sem contradições, sem compromisso em
esclarecer o que acontece, mas, ao contrário, reforça o domínio do novo tipo de capitalismo
que tomou o Brasil, naturalizando a sociedade tal como ela se apresenta, e ao mesmo tempo
construindo a violência simbólica necessária para reproduzi-la. Esta violência simbólica se dá
sempre que não se percebem a construção e a dinâmica das classes sociais na realidade,
encobrindo opressão e dominação injusta, uma vez que o pertencimento às classes sociais
predetermina todo acesso privilegiado a todos os bens e recursos escassos. (SOUZA, 2012).
Souza (2012) condena tanto o liberalismo economicista quanto o marxismo enrijecido.
Segundo ele, há uma negação da existência de classes no Brasil pelo liberalismo economicista
ao vincular classe à renda. Por outro lado o marxismo enrijecido é cego às novas realidades de
classe por vincular as classes à um lugar econômico na produção e a uma “consciência de
classe” vinda desse lugar econômico. Por essas duas óticas é possível perceber a realidade das
classes sociais apenas economicamente, escondendo todos os fatores e precondições sociais,
emocionais e culturais que constituem a renda diferencial, confundindo, dessa forma, a causa
e o efeito.
Classes sociais não são determinadas pela renda – como para os liberais –
nem pelo simples lugar na produção – como para o marxismo clássico –,
mas sim por uma visão de mundo “prática” que se mostra em todos os
comportamentos e atitudes como (...) Esse esclarecimento teórico é
fundamental para que a dominação social de alguns poucos setores
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privilegiados , com acesso à possibilidade de construir e utilizar para seus
próprios fins “a pauta das questões julgadas relevantes” em cada época e
sociedade específica, não distorça os fatos de modo a legitimar os próprios
privilégios (SOUZA, p. 45, 2012).
Souza (2012) defende que não está havendo a constituição de uma nova classe média,
mas sim de uma nova classe trabalhadora. Por meio de sua pesquisa, o autor conclui que a
visão de mundo dessa classe não tem a ver com o que se entende por classe média como
conceito sociológico. Na sua visão, essa classe conseguiu um “lugar ao sol” devido:
À sua capacidade de resistir ao cansaço de vários turnos de trabalho, à dupla
jornada na escola e no trabalho, à extraordinária capacidade de poupança e
de resistência ao consumo imediato e, tão ou mais importante que tudo que
foi dito, a uma extraordinária crença em si mesmo e no próprio trabalho
(SOUZA, p. 50, 2012).
Em sua pesquisa, o autor faz uma série de estudos de caso para exemplificar sua
teoria, e verifica a prevalência de histórias de vida individuais de superação e poder atribuído
ao trabalho e a recorrência do discurso da simplicidade, mesmo após a ascensão econômica. É
identificado também um empreendedorismo comum a todos os casos, traduzido na
preocupação por poupança e a busca de oportunidades de microcrédito.
Ademais, vê-se um esforço interpretativo dos dados que não se percebe na maioria dos
estudos. Souza chama de pseudociência aquela com pouca qualidade interpretativa, que se
serve de uma gama considerável de números e indicadores. Em seu livro não se vê um
predomínio de dados, mas uma característica discursiva refinada. Souza vai até a intimidade
da vida do batalhador, versando sobre a relação de seu trabalho e posição social e sua religião,
sua moralidade, suas motivações e necessidades.
Por sua vez, Márcio Pochmann, em seu livro “Nova Classe Média? O trabalho na base
da pirâmide social brasileira” chama a atenção para a necessidade de interpretações mais
profundas e abrangentes que possam ir além da abordagem tendenciosa a respeito da nova
classe média. O autor entende que não se trata da emergência de uma nova classe e muito
menos de uma classe média, mas sim,
uma orientação alienante sem fim orquestrada para o sequestro do debate
sobre a natureza e a dinâmica das mudanças econômicas e sociais, incapaz
de permitir a politização classista do fenômeno de transformação da
estrutura social e sua comparação com outros períodos dinâmicos do Brasil
(POCHMANN, p. 8, 2012).
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Segundo a pesquisa do autor, a renovação na base da pirâmide social brasileira na
década de 2000 possui elementos que a diferenciam de momentos anteriores, o mais marcante
deles é o aumento dos postos de trabalho no setor terciário, gerando 2,3 vezes mais empregos
do que o setor secundário. Houve também uma redução significativa dos postos de trabalho
no setor primário. Esse aumento no setor de serviços concentra-se na base da pirâmide social
– 95% das vagas abertas tinham remuneração mensal de 1,5 salário mínimo – significando um
aumento de 2 milhões de ocupações ao ano, em média para o segmento dos trabalhadores de
salários de base. Percebe-se que houve, concomitantemente, uma redução dos trabalhadores
ocupados sem remuneração e daqueles com rendimento mensal acima de três salários
mínimos. Assim o peso das ocupações da base da pirâmide social aumentou
significativamente, havendo também uma recuperação do valor real do salário mínimo, uma
proteção e elevação do piso do poder de compra das remunerações dos trabalhadores,
principalmente do setor terciário. Para além do rendimento, Pochmann (2012) identifica
também neste assentamento de uma nova estratificação social, a incorporação do grau de
escolaridade, posse de propriedade, moradia e bens de consumo.
A classe média em si, como a percebe o autor, não sofreu alteração considerável, mas
houve a superação da condição de pobreza por uma parcela considerável da força de trabalho,
“transitando para o nível inferior da estrutura ocupacional de baixa remuneração”. A
representação dos trabalhadores de salário de base passou de 27% em 1995 para 46,3% em
2009. A queda na pobreza foi 37,2% para 7,2 no mesmo período. Há uma combinação de uma
ampliação na renda per capta com uma redução no grau de desigualdade na distribuição
pessoal da renda do trabalho. Verifica-se, ademais, a recuperação da participação do
rendimento do trabalho na renda nacional acompanhado pela melhora generalizada da
situação do exercício do trabalho, com diminuição do desemprego e crescimento do emprego
formal (POCHMANN, 2012).
Esse segmento em destaque na década de 2000 deveria ser chamado de working poor
(trabalhadores pobres) em conformidade com a literatura internacional e não de nova classe
média, devido ao caráter da remuneração de salário de base destes ocupados. O autor faz uma
análise exaustiva de dados, comparando alguns períodos recentes da história econômica
brasileira, numa análise remuneração/proporção de trabalhadores versus setor de ocupação
(primário, secundário, terciário).
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Outras características importantes detectadas pelo autor: i) há um processo de
envelhecimento dos ocupados na base da pirâmide social brasileira. Os ocupados com mais de
35 anos respondem por 49% do total dos trabalhadores de salário de base em 2009, ao .passo
que em 1979 representavam 37%. Por sua vez, os jovens com até 24 anos de idade
representavam 39,4% em 1979 e em 2009 essa proporção era de 24%; ii) constata-se a
importância das ocupações de salário de base geradas para os trabalhadores não brancos; iii)
crescimento de postos de trabalho para os que possuem maior grau de escolaridade – em
2003, 43% dos ocupados possuíam mais de 9 anos de escolaridade, em comparação com
apenas 9% em 1979, 15,1% em 1989, e 23,2% em 1999; iv) há um aumento considerável da
presença feminina na composição dos ocupados de baixa remuneração; v) inchaço do setor
terciário e redução dos demais setores (POCHMANN, 2012).
Finalmente, para além desta análise geral sobre o que aconteceu no panorama
econômico brasileiro, o autor faz – assim como Jessé Souza – alguns estudos de caso, porém
de modo mais economicista, servindo-se de uma grande quantidade de dados para traçar o
perfil de grupos de atividades presentes realidade brasileira – o trabalho doméstico, as
atividades autônomas e primárias, o trabalho temporário e o trabalho terceirizado.
CONCLUSÕES
A proposta deste trabalho foi de estabelecer uma comparação entre algumas
perspectivas sobre as transformações recentes no panorama socioeconômico brasileiro. Estas
transformações se traduzem, como se pode perceber pelos estudos abordados, na ascensão de
um grande contingente de pessoas que experimentou um novo patamar de consumo, podendo
sair da pobreza e conquistar seu “lugar ao sol”. Pelos diversos pontos de vista expostos podese perceber a grande controvérsia acerca do tema de classes sociais, resultante tanto de
metodologias de estratificação, quanto pontos de vista distintos ou mesmo pelas diferentes
intenções ao se disseminar uma ideia.
Em Marcelo Neri e SAE/PR percebe-se uma redução economicista ao tratarem das
transformações ocorridas. Estes enquadram em uma nova classe média um contingente de
pessoas, sem se preocupar em descrever como é essa “nova classe”, deixando em dúvida
mesmo se houve uma formação de uma nova classe média. Ora, uma classe média não se
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define somente por uma melhoria de sua renda. Como exposto no referencial sobre classes
sociais, os indivíduos de uma mesma classe compartilham valores, modos de vida que não são
traduzidos apenas por números. Ademais classe média nos remete a um estilo de vida
razoavelmente confortável, predominante em países de primeiro mundo, que não se observa
no Brasil.
Souza e Pochmann são mais razoáveis ao tratar do tema, dizendo que há sim uma nova
classe trabalhadora, de trabalhadores pobres. Isto porque o que ocorreu foi a saída da
condição de pobreza de uma grande parcela da população devido a um aumento do emprego e
valorização do salário real, longe de se poder afirmar que houve a formação de uma “nova
classe média”. As conquistas alcançadas por esta parcela da população foram obtidas de
forma árdua segundo Souza, mas que não propiciaram uma qualidade de vida no estilo de
uma classe média. Em seu trabalho percebe-se a ausência da grande quantidade de dados
estatísticos que são utilizados para fazer uma descrição da população nos trabalhos dos
demais autores. Não que Souza não se sirva de estatísticas, mas este vai além de uma simples
descrição de dados. Este interpreta-os, entrando no cotidiano das pessoas, na mística de suas
vidas.
O perigo que se corre ao se disseminar a ideia de uma nova classe média está na
negação da pobreza, das necessidades ainda latentes da sociedade brasileira, e na
disseminação de uma ideologia neoliberal que não se preocupa com as questões reais da
população, mas que perpetua uma alienação e uma dominação na sociedade brasileira.
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