O Direito
com foco no
desenvolvimento
Terminado o primeiro processo seletivo para o Mestrado
da Direito GV em São Paulo, seu coordenador fala sobre o curso
Por Oscar Vilhena Vieira
D
esde o início a Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas em São Paulo foi pensada como criação
de um bem público e não como meio de obter A
idéia foi, desde as primeiras rodadas de discussão,
conceber um centro que capacitasse jovens advogados a operar nessa situação de transição por que o país passa,
neste marco da globalização. Um mundo mais complexo em
que o direito não vem dando conta de preparar advogados
em sintonia com as novas demandas.
A criação do Mestrado Direito e Desenvolvimento tem
uma dupla finalidade. Em primeiro lugar, produzir juristas
capazes de uma interlocução com outras ciências – principalmente com a economia, a ciência política, com a gestão da
coisa pública. E que pudessem contribuir intelectualmente
na produção de conhecimento no âmbito de um direito que
não fosse autista, alheio aos desafios que a sociedade brasileira enfrenta. Seja em seu desenvolvimento interno seja na sua
integração no cenário internacional. Preparar pesquisadores
capazes de uma interlocução e de uma reflexão que leve o
direito a contribuir com o desenvolvimento e não servir de
obstáculo para esse desenvolvimento.
A segunda proposta do Mestrado é formar advogados capacitados para a docência. Uma das dificuldades das escolas
de direito é que elas têm professores que jamais receberam
treinamento para a atividade docente. São práticos que ensinam, repetindo modelos que já eram superados quando
freqüentavam os bancos de suas faculdades. O mestrado da
Direito GV também tem essa missão: qualificar advogados
que dominem métodos de ensino, capazes de inovar no cenário acadêmico brasileiro.
O desafio da excelência
Como o próprio presidente da FGV e o diretor da faculdade insistiram, o mestrado não é uma unidade de receita
dentro da instituição. Ele tem como objetivo ser instituição
que preste à sociedade brasileira uma contribuição de natureza pública. Sua missão é produzir excelência.
Isso trouxe conforto aos professores que participam do programa de mestrado, pois o desafio está muito claro: qualificar
ao máximo esses pesquisadores e contribuir para que sejam
bons docentes. Então, no processo seletivo que terminamos
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Julho 2008
nesta última semana de junho, entre 60 candidatos vindos de
diferentes partes do país, selecionamos 10 jovens extremamente talentosos para um total de 20 vagas: ficamos com os melhores, na proposta da excelência. E esses melhores passaram por
provas difíceis e tiveram de apresentar propostas de projetos.
Com satisfação, analisamos projetos bastante alinhados
com as diretrizes da escola, que dizem respeito à de que
modo o desenvolvimento pode se relacionar com a sustentabilidade ambiental, por exemplo. Ou de como o sistema
tributário pode estar sendo obstáculo para o desenvolvimento
econômico, sem gerar resultados positivos em termos de justiça social. Outro projeto, entre os aprovados, quer analisar
como a governança coorporativa consegue alavancar maiores
investimentos junto à Bolsa de Valores. Outro projeto, também muito interessante, de uma jovem candidata aprovada,
pretende trabalhar com cartórios e a titulação da propriedade
como instrumento para obtenção de credito – baseada nas
idéias do economista peruano Hernando de Soto, que intuiu
que boa parte dos problemas dos países periféricos vem de
que uma parcela da população não obtém credito por não
ser proprietária de bens imóveis. De Soto criou uma política
em seu país, incorporada pelo governo, que foi a titulação em
massa nas favelas e comunidades mais pobres, o que trouxe
forte impacto na inserção dessas famílias no mercado.
Outra candidata aprovada, vinda da Bahia, apresentou
projeto sobre “Políticas publicas de educação no Brasil e
sua relação com o direito universal e de que forma isto se
realiza na prática”. Uma mostra de que nosso mestrado foi
procurado por estudantes preocupados com o impacto que
o direito traz à sociedade. Deu para perceber, ainda, que boa
parte dos candidatos selecionados vem de fora de São Paulo,
o que reforça a imagem de que a FGV é uma instituição
com presença nacional – e que nosso projeto não é algo
que margeia a avenida Paulista. Esses alunos voltarão depois
de formados a seus Estados, seja Pará, Piauí ou Bahia, e lá
continuarão a irradiar essas idéias.
Condições de financiamento
O mestrado da Direito GV pode ser realizado em 18 meses, tempo mínimo, ou 24 meses no máximo, e tem incorporado o conceito da “integralidade”, uma imersão em tempo
Me strado
integral num ambiente de pesquisa. Esse fator eliminou
bons candidatos, que se deram conta, por serem funcionários de órgãos públicos, por exemplo, de que não teriam a
possibilidade da dedicação integral. A preocupação com o
custo de curso, que ao exigir integralidade impossibilita trabalhar para manter-se, pode parecer um complicador. Mas
há vários mecanismos para financiar a empreitada. Como os
potenciais financiadores externos, tanto do mercado como
de fundações – como da própria FGV, que está criando mecanismos, como a bolsa pagável no final do curso, para que a
questão financeira não seja obstáculo. Essa bolsa é um modo
de que o candidato possa abdicar do trabalho durante dois
anos, vir para a escola, se empenhar nas atividades acadêmicas e depois sair, amortizando o empréstimo. O que não se
quer é que falta de recurso se torne obstáculo.
A aula inaugural do curso já aconteceu. Foi no lançamento do projeto do mestrado – e muitos candidatos assistiram a ela. Uma aula magistral proferida pelo professor José
Eduardo Faria, que é de algum modo a figura idealizada do
jurista que o curso se propõe preparar. Um jurista de natureza interdisciplinar que pensa o país socialmente e de forma
profunda sem descolamento da realidade brasileira. E faz isso numa
inserção no cenário
internacional. É esta
realidade que fomenta
as reflexões de Faria.
Na grade curricular,
pensada com esse foco,
alguns cursos serão da
linha comum e obrigatórios, como o de Direito e Desenvolvimento,
ministrado pelos professores Carlos Guilherme Mota e por
mim, Oscar Vilhena. Colocar esse curso no início do programa é importante para que os alunos tenham uma gramática
comum sobre a concepção de desenvolvimento.
Outra matéria será “metodologia de pesquisa”, ministrada pelos professores José Reinaldo Lopes e Luciana Gross
Cunha. É também disciplina estratégica, pois a grande dificuldade dos alunos que fazem mestrado e doutorado em
Direito é que aprendem muita teoria do Direito, mas não
necessariamente o modo de produzir conhecimento em
Direito. Há uma tradição entre nós de dissertações que são
meras descrições temporais ou factuais de procedimentos ou
revisão bibliográfica manualesca. Uma das propostas do mestrado da Direito GV será aguçar e aperfeiçoar a capacidade
de os advogados olharem para as instituições jurídicas não
apenas da perspectiva de compreender qual é a regra que ela
determina, mas de como essa instituição interfere e interage
com o todo, afetando o desenvolvimento e o crescimento.
um comentário. O Brasil teve um ciclo de desenvolvimento
nos anos 70 que gerou riquezas, mas provocou um enorme
desequilibro social. Houve um crescimento que aumentou
a riqueza, industrializou o país, mas sem desenvolver as pessoas implicadas no processo, criando as periferias em nossas
grandes cidades, com as favelas de São Paulo e Rio de Janeiro.
Por isso, no momento em que houve a desaceleração ou a
desindustrialização, ocorreu a explosão de criminalidade e a
favelização das periferias. Tivemos desenvolvimento, mas que
não foi socialmente sustentável, não beneficiou o cidadão de
modo coletivo.
A própria noção de desenvolvimento, como formulada
por Adam Smith, tinha preocupação com a acumulação
de capital, e o excedente reinvestido possibilitaria avanços
tecnológicos, novas divisões do trabalho, etc. Essa visão teve
contrapontos posteriores, com a crítica marxista e neomarxista, de que tivemos grandes intelectuais pensando o desenvolvimento, como Celso furtado e Fernando Henrique
Cardoso – com a visão de que a acumulação se dá de modo
distinto nos países da periferia. Já os weberianos insistem que
fatores culturais são imprescindíveis, etc.
O ponto em que nos
encontramos, hoje, nesse debate, é que os ciclos
de desenvolvimento se
dão na medida em que
haja respeito pelas normas jurídicas, responsabilidade nas relações, e
que o crescimento traga
melhoria de vida para
a maior parcela da população. Não é possível
pensar em desenvolvimento que não busque incluir o maior número de cidadãos.
As instituições do direito são tema nuclear na construção
do desenvolvimento. E quem conhece melhor estas instituições, por operar de dentro, são os juristas: eles são os especialistas no modo de operar as normas, sabem dos detalhes
que geram conseqüências no arranjo institucional. São eles
que estabelecem as regras do jogo e são essas regras que estabelecem expectativas. Na medida em que as expectativas
se confirmam acontece a confiança social e as possibilidades
de ciclos de desenvolvimento.
Essa é uma preocupação brasileira antiga. Se pegarmos os
grandes debates em que se discutiu o crescimento e o futuro
do país, ali estavam bacharéis. De Rui Barbosa a Alberto
Torres, de Sergio Buarque e Raimundo Faoro. É possível
perceber uma preocupação comum a todos eles: de que forma estamos criando as instituições no Brasil? Ou seja, de
que forma estabilizamos as regras de convívio social ou de
que modo essa “institucionalização” produzirá efeito benéfico para a sociedade. Na esteira dessa busca, o programa de
mestrado da Direito GV terá um olhar novo para a forma
como esses bacharéis pensaram a “institucionalidade”. Para,
daí, compreender o papel que essas instituições têm num
desenvolvimento que beneficie a sociedade e promova um
mundo mais democrático e justo.
O Brasil teve um ciclo de
desenvolvimento nos anos 70 que
gerou riquezas, mas provocou grande
desequilibro social. Hoje não faz sentido
pensar crescimento que não crie um
mundo mais democrático e justo
Desenvolvimento com foco no cidadão
No caso dessa proposta matricial de nosso curso, que tem
duas linhas de pesquisa, Direito dos Negócios e Desenvolvimento Econômico e Social; e Instituições do Estado Democrático de Direito e Desenvolvimento Político e Social, vale
M e s t rad o
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