Prof. Ismael DantasLITERATURA BRASILEIRA Defronte da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade / Itabira-MG Postedby prof. Dantas - 06/01/2015 Carlos Drummond de Andrade Carlos Drummond de Andrade ........................................................................................ 05. Julgamento Crítico ........................................................................................................... 06 Alguma Poesia Poema de Sete Faces ...................................................................................................11 Infância ............................................................................................................................. 13 No Meio do Caminho ...................................................................................................... 15 Política ............................................................................................................................. 16 Cidadezinha Qualquer ..................................................................................................... 17 Quadrilha ........................................................................................................................ 18 Balada do Amor através das Idades ..............................................................................19 Cabaré Mineiro ................................................................................................................21 Sociedade .......................................................................................................................22 A Rua Diferente .............................................................................................................. 23 Quero me Casar ............................................................................................................ 24 Cantiga de Viúvo ............................................................................................................ 25 Coração Numeroso ......................................................................................................... 26 1 Lição de Coisas Para Sempre ....................................................................................................................27 Sentimento do Mundo Sentimento do Mundo ..................................................................................................... 28 Confidência do Itabirano .................................................................................................29 Canção da Moça-Fantasma de Belo Horizonte ............................................................30 Mãos Dadas .................................................................................................................... 33 A Noite Dissolve os Homens ..........................................................................................34 José A bruxa ........................................................................................................................... 36 José ............................................................................................................................... 38 A Mão Suja .................................................................................................................. 41 Edifício Esplendor I .......................................................................................................... 43 Viagem na Família ........................................................................................................... 44 A Rosa do Povo Consideração do Poema ............................................................................................. 47 Procura da Poesia ......................................................................................................... 49 Nova Canção do Exílio ................................................................................................. 51 Cidade Prevista ............................................................................................................. 52 O Medo ............................................................................................................................ 54 Claro Enigma Confissão ........................................................................................................................ 56 A Máquina do Mundo ......................................................................................................57 Memória .......................................................................................................................... 60 Perguntas em Forma de Cavalo-Marinho ....................................................................... 61 Discurso de Primavera e Algumas Sombras Visão de Clarice Lispector .............................................................................................. 62 Num Planeta Enfermo ...................................................................................................... 64 Águas e Mágoas do Rio São Francisco .......................................................................... 67 Corpo As Sem-Razões do Amor ................................................................................................ 70 Pintor de Mulher ............................................................................................................... 71 2 Farewell A Ilusão do Migrante .........................................................................................................72 Missão do Corpo ...............................................................................................................74 Elegia a um Tucano Morto ................................................................................................75 Brejo das Almas Soneto da Perdida Esperança ........................................................................................ 76 Hino Nacional ................................................................................................................... 77 Não se Mate ..................................................................................................................... 79 O Amor Natural O Corpo Feminino, Esse Retiro ....................................................................................... 80 Tenho Saudade de uma Dama .......................................................................................81 Oh minha Senhora Óminha Senhora ............................................................................. 82 Você meu Mundo meu Relógio de não Marcar Horas .................................................... 83 Viola de Bolso A Antônio Camilo de Oliveira .......................................................................................... 84 Cidade sem Rio ............................................................................................................... 85 O maior Trem do Mundo ................................................................................................. 86 Boitempo Sobrado do Barão de Alfié .............................................................................................. 87 Paredão .......................................................................................................................... 88 Herói ............................................................................................................................... 89 Terrores ........................................................................................................................... 90 Cultura Francesa .............................................................................................................. 92 Procissão do Encontro ..................................................................................................... 93 Coqueiro de Batistinha ....................................................................................................94 Fruta-Furto ...................................................................................................................... 96 Casa ................................................................................................................................. 97 Ausência ........................................................................................................................... 99 Banho .............................................................................................................................. 100 Fazendeiros de Cana ...................................................................................................... 101 A Puta .............................................................................................................................102 Certificados Escolares ................................................................................................... 103 Final de História ............................................................................................................. 104 As Impurezas do Branco O Homem; as Viagens .................................................................................................. 105 Brasil / Tarsila ..................................................................................................................107 3 A Paixão Medida O que Viveu Meia Hora ..................................................................................................109 Fazendeiro do Ar A Luís Maurício, Infante .................................................................................................110 A Falta que Ama A Falta que Ama .............................................................................................................113 Crônicas Antigamente ...................................................................................................................114 Divagação sobre as Ilhas ..............................................................................................115 Vende a Casa ................................................................................................................116 Assiste à Demolição ......................................................................................................117 Os Dias Lindos ............................................................................................................ 118 Contos A Doida ........................................................................................................................ 119 A Terra do Índio ........................................................................................................... 124 Atividades / Exercícios ............................................................................................. 125 Fonte de Consulta.......................................................................................................159 «A porta da verdade estava aberta, mas só deixava passar meia pessoa de cada vez.» Carlos Drummond de Andrade 4 Carlos Drummond de Andrade (Itabira, MG, 1902 / Rio de Janeiro, RJ, 1987) Passa a infância na cidade natal, onde frequenta durante quatro anos o Grupo Escolar Dr. Carvalho Brito. Aluno interno do Colégio Anchieta dos jesuítas de Nova Friburgo, RJ, colabora no jornal estudantil Aurora Colegial. Em fins de 1919 é expulso do Colégio devido a um incidente com o professor de Português. Após os estudos secundários, forma-se em Farmácia, mas não exerce a profissão. Casa-se em 1925 com Dolores Morais. Dedica-se ao jornalismo. Em 1934 é nomeado oficial de gabinete do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro. Aposenta-se em 1962. Obras – Poesia: Alguma Poesia (1930); Brejo das Almas (1934); Sentimento do Mundo (1940); Poesia (1942); A Rosado Povo (1945); Poesia até Agora (1948); Claro Enigma (1951); Viola de Bolso (1952); Fazendeiro do Ar & Poesia até Agora (1954); Lição de Coisas (1962);José & Outros (1967);Boitempo& A Falta que Ama (1968); As Impurezas do Branco (1973); Discurso de Primavera e Algumas Sombras (1977);A Paixão Medida (1980);Corpo (1984); Amar se Aprende Amando (1985)O Amor Natural (1992); A Vida Passada a Limpo ( 1994); Farewell (1996); A Falta que Ama (2002),entre outras. Crônica:Fala, Amendoeira ( 1957) A Bolsa & a Vida (1962); Cadeira de Balanço (1966); Moça Deitada na Grama (1987); OSorvete e Outras Histórias (1996), entre outras. Conto: O Gerente (1945); Contos de Aprendiz (1951); 70 Historinhas (1978); Contos Plausíveis (1981); O Pipoqueiro da Esquina (1981); História de dois Amores (1985), entre outros. Ensaio: Confissões de Minas (1944); Passeios na Ilha (1952);A Lição do Amigo (1982); O Observador no Escritório (1982); O Avesso das Coisas (1987), entre outras. Apreciação:Milita na imprensa, cultiva o conto, a crônica e o ensaio literário, mas destaca-se como um dos maiores poetas da língua portuguesa de todos os tempos. Drummond é um fino observador do comportamento humano. No cenário internacional, no entanto, é sua poesia que é mais considerada. Há edições de seus poemas em inglês, francês, espanhol, alemão, tcheco entre outras línguas. ................................................................................................................................................ Drummond, o trabalhador da palavra 5 Julgamento Crítico De Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima) [In: Nossos Clássicos - Agir, 118]: ―O aparecimento de uma nova geração, de um novo grupo de poetas vinha retirar o caráter antiestético, poesia versus verso, da primeira geração. Era a poesia vitoriosa do verso, que os novos poetas traziam consigo. (Carlos Drummond de Andrade e outros), todos bigs da segunda geração modernista já não se ocupam de demolir o verso, como haviam feito os seus predecessores. Já o recebiam vencido e despojado do seu prestígio parnasiano ou simbolista. Vinha atrelado ao carro de triunfo da Poesia, como o troféu dos vencedores‖. ................................................................................................................................................ De Antônio Cândido [In: Nossos Clássicos – Agir, 118]: ―A poesia social de Drummond deve ainda a sua eficácia a uma espécie de alargamento do gosto pelo quotidiano, que foi sempre um dos fulcros da sua obra e inclusive explica a sua qualidade de excelente cronista em prosa. Ora, a experiência política permitiu transfigurar o quotidiano através do aprofundamento da consciência do outro. Superando o que há de pitoresco e por vezes anedótico na fixação da vida de todo o dia, ela aguçou a capacidade de apreender o destino individual na malha das circunstâncias e, deste modo, deu lugar a uma forma peculiar de poesia social, não mais no sentido político, mas como discernimento da condição humana em certos dramas corriqueiros da sociedade moderna‖. 6 De Alfredo Bosi [In: Nossos Clássicos – Agir, 118]: ―Na verdade, desde Alguma poesia, foi pelo prosaico, pelo irônico, pelo anti-retórico que Drummond se afirmou como poeta congenialmente moderno. O rigor da sua fala madura, lastreada na recusa e não contenção, assim como o fizera homem de esperança no momento participante de A Rosa do Povo, o faz agora homem de um tempo reificado até a medula pela dificuldade de transcender a crise de sentido e de valor que rói a nossa época, apanhando indiscriminadamente as velhas elites, a burguesia afluente, as massas.‖ De Assis Brasil [In: Nossos Clássicos – Agir, 118]: ― A presença do poeta Carlos Drummond de Andrade, na literatura brasileira moderna, é das mais importantes, não fosse ele o primeiro escritor a ―organizar‖ e sistematizar as conquistas de 1922, a que estavam ligados poetas que vinham de correntes tradicionais. Drummond foi o nosso primeiro poeta a entrar ―puro‖ na fase nova, e a inaugura exatamente em 1930, com Alguma Poesia, etapa que seria uma espécie de ―segundo tempo‖ do modernismo brasileiro, com a revitalização também da prosa.‖ ................................................................................................................................................ De Gilberto Mendonça Teles [In: Nossos Clássicos – Agir, 118]: ―No caso especial de Drummond, não resta dúvida de que a originalidade e a permanência estéticas de suas obras são o resultado de uma dupla atitude criadora em face do idioma: ativando-lhe as forças latentes e acrescentando-lhe novas possibilidades expressivas, inventadas ou dinamizadas pelo escritor. Mas tudo isso num sentido de equilíbrio, que não deixa de ser clássico; e numa angústia de expressão que não deixa de ser superior, maleável e modelar. Daí porque o estudo de seu estilo é o estudo dessa atitude criadora perante a língua e a alma do poeta, esse universo de emoções, ironias e perplexidades.‖ ................................................................................................................................................ De Celso Pedro Luft [In: Dicionário de Literatura Portuguesa e Brasileira]: ―Cronista, contista, ensaísta – C.D.A. é um prosador excepcional. Dono de um estilo inconfundível, distingue-se a sua prosa pela elegância, correção e precisão da linguagem, bem como por uma benevolente simpatia humana repassada de vago desencanto e fino senso de humor. Mas é como poeta que C. D. A. ocupa um dos lugares mais altos, não só na literatura brasileira mas também na literatura contemporânea. Tendo começado como militante do Modernismo, ressentem-se as primeiras obras do «piadismo» inicial daquele movimento. É a poesia do cotidiano, do local, do ambiente provinciano e familiar, com seus costumes e tradições‖. [...] 7 De Massaud Moisés [In: História da Literatura Brasileira – Modernismo]: ―Figura maior do Modernismo, assim como de toda a nossa história literária. Carlos Drummond de Andrade cultivou, ao longo de uma carreira de mais de cinco décadas, o conto, a crônica e a poesia, sempre num alto nível de inventividade e expressão. Contista de primeira água, não obstante a modéstia dos títulos Contos de Aprendiz e 70 Historinhas, na crônica, onde mais concentrou seu labor criativo nos últimos anos, realizou parte significativa do seu potencial estético, iluminando uma faceta que na poesia somente por vezes conhece a lua do dia. A crônica, libertária por natureza, pendente entre o jornalismo e a literatura, dando margem ao jogo franco da sensibilidade e da observação, focaliza-se o perfil dum ângulo apenas sugerido pela poesia: o do humor, no sentido britânico do termo. Não quer dizer que seja elaborada como menos gravidade, senão que constitui, juntamente com a poesia e o conto, uma das manifestações de uma personalidade multiforme, cujo lugar, nos quadros da Literatura Brasileira, tanto poderia resultar de uma como de outra forma de expressão, mas é na poesia que ganhou o singular relevo que todos lhe reconhecem.‖ [...] ..................................................................................................................................... De Antônio Cândido [In: Presença da Literatura Brasileira – Modernismo]: ―Admirável prosador – cronista, contista e ensaísta – destaca-se pela excelência da linguagem, elegante e correta, de grande riqueza e precisão vocabular. À penetração aguda, juntam-se o juízo sóbrio e a simpatia humana do desencantado, repassada de senso de humor. Essas qualidades do prosador são também do poeta, cuja obra, desde o livro de estreia – Alguma Poesia – de 1930, reflete resultados, sempre surpreendentes, de incessante investigação expressiva e temática, numa criação una e densa.‖ ................................................................................................................................................ De Antônio Carlos Villaça [In: Contos Plausíveis]: ― Eis aqui o Drummond de sempre. Escrevendo em verso ou em prosa, ele é sempre o mesmo. Estes contos breves – minicontos – nas trazem a sua visão cheia de ternura e ironia. O Autor parece que se diverte e sofre, ao mesmo tempo. Porque a sua arte é fundamentalmente chapliniana.‖ [...] ................................................................................................................................................ De Rita de Cássia Barbosa [In: Literatura Comentada]: ― Obra de estreia do poeta (1930), Alguma Poesia é marcada pelo senso de humor e pela ironia, que se expressam concretamente através do poema-piada, do poema de circunstância e da captura do cotidiano, tornado assunto poético. O livro incorpora ainda outros procedimentos modernistas, como o verso livre e a linguagem coloquial.‖ [...] 8 Postedby prof. Dantas / Itabira-MG, 06/01/2015 De Wilson Martins [In: A literatura Brasileira - O Modernismo]: Esse terceiro Andrade do Modernismo nasceu para a literatura longe e fora das barrigadas de 1922. Tinha ele quinze anos quando Manuel Bandeira publicou A Cinza das Horas, em 1917, mas, já em 1925, era o poeta modernista da ―Revista‖, de Belo Horizonte. Contudo, só em 1930 publicará ele Alguma Poesia, inaugurando, assim, simbólica e ideologicamente, espiritual e esteticamente, a segunda fase da poesia modernista. Carlos Drummond de Andrade (1902) veio encontrar, de certa forma, estabilizada a revolução: para ele, o Modernismo já era uma revolta, se é verdade que ainda era um desafio (logo transformado, de desafio literário, em desafio político). Em 1930, procedendo com Alguma Poesia ao primeiro balanço da sua obra, Carlos Drummond de Andrade já não precisava exclamar, como Manuel Bandeira: Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado Mas proporia a nova arte poética sob a forma de um enigma figurado: No meio do caminho tinha uma pedra [...] ................................................................................................................................................ De Humberto Werneck [In: Cadernos de Literatura Brasileira] Aquele que foi, na avalição da quase unanimidade dos críticos, o maior poeta brasileiro do século XX volta e meia repetia, para pasmo também quase unânime: sua verdadeira vocação não era a poesia, e sim o jornalismo. ―Ele cansou de dizer que era um poeta que fazia versos nas horas vagas‖, contou um de seus amigos mais próximos, o coestaduano e confrade Otto Lara Resende. Ia além: ―Muitas vezes, disse que nem escritor chegava a ser. Era apenas jornalista‖. Estaria Carlos Drummond de Andrade, do alto de sua glória literária, a fazer charme, atrás de mais louvação? Nada disso, explicou Otto ao mesmo interlocutor, o repórter Geneton Moraes Neto, em entrevista para o livro O dossiêDrummond: ―Havia no seu temperamento uma espécie de modéstia orgulhosa. Mas era sincero‖. [...] 9 DO ESTADO DE SÃO PAULO, 31 de Outubro de 1982: A grande declaração de amor Carlos Drummond de Andrade faz hoje 80 anos. O Brasil, em uníssono, lhe faz uma grande declaração de amor. O poeta maior, o homem simples, o coração explodindo humanismo e a lucidez da mente por todas as décadas em que pôs sua palavra a serviço da Arte, da Liberdade, da Justiça. Como deixar de abraça-lo por esta data? Ele próprio homem comum e mortal que sempre afirma – reconhece que, no fundo, se envaidece. Por que não confessar essa fraqueza?‖ ―Sei que vou acabar lendo tudo que se publicar sobre mim...‖ E o que sinceramente disse no sabadoyle de dia 16 deve estar fazendo hoje, esta semana, este mês. A imprensa de todo o Brasil soube devolver com carinho a atenção e o zelo profissional que o constante cronista lhe dedicou. Mas Drummond não é apenas o poeta comemorado pelo que já realizou, pela poesia que se espalhou pelo mundo. Muitos livros se escreveram sobre ele e a indiscutível presença de artista maior da língua portuguesa. Hoje, aos 80 anos, não é o autor que fez. É o autor que está fazendo. A par das paginas de jornal que semanalmente trazem ao publico a reflexão atual e aguda sobre o difícil mundo em que vivemos, o escritor segue o preparo de novas obras. Então, nada mais lisonjeiro do que falar dos livros presentes. Drummond se entusiasma ao conversar sobre a obra que está sendo lançada, reunindo a correspondência de Mário de Andrade com o poeta‖.[...] ............................................................................................................................................ De Ivan Junqueira [In: Amar se Aprende Amando]: Falar da poesia de Carlos Drummond de Andrade é como discorrer sobre o inefável enigma da invenção. Não apenas da invenção formal ou vocabular, mas também – e sobretudo – de um processo subterrâneo e misterioso que o leva à perpetua recriação da própria vida dentro dos limites intangíveis de um tempo que ―passa? Não passa / no abismo do coração‖ e das exigências de um amor que ―não tem idade, /pois só quem ama escutou / o apelo da eternidade.‖ [...] .......................................................................................................................................... De Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira: [...] Em Sentimento do Mundo (1940) mudam os rumos do poeta, que, diante dos morticínios e da guerra, é tomado pelo desejo de solidarizar-se, de compreender os homens; sabe que a vida dói, até nas fotografias, e impõe-se a missão de construir o futuro, trabalhando o presente: um mundo melhor advirá.José sai pela primeira vez em Poesias (1942), e anuncia A Rosa do Povo (1945), pelo que encerra de condenação à vida de nossos dias, mecânica, estúpida, sem humanidade. A Rosa do Povo é um livro de condenação e de esperança, condenação do mundo errado, esperança de um mundo certo, cheio de beleza e justiça. [...] 10 Alguma Poesia POEMA DE SETE FACES Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos. O bonde passa cheio de pernas: pernas brancas pretas amarelas. Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração. Porém meus olhos não perguntam nada. O homem atrás do bigode é sério, simples e forte. Quase não conversa. Tem poucos, raros amigos o homem atrás dos óculos e do bigode. Meu Deus, por que me abandonaste se sabias que eu não era Deus se sabias que eu era fraco. Mundo mundo vasto mundo, se eu chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é meu coração. Eu não devia te dizer mas essa lua mas esse conhaque botam a gente comovido como o diabo. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 53-54. 11 ESTUDO DO TEXTO POEMA DE SETE FACES 01..Quanto à fôrma poética: ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. 02. Características modernistas no poema: ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 03. Apesar de publicado em 1930, o texto apresenta certas características presentes na obra dos primeiros modernistas, como a fragmentação e a falta de pontuação no segundo verso da terceira estrofe. Que correntes de vanguarda se associam a essas características? ................................................................................................................................................ 04. O que diferencia os anjos das histórias religiosas do anjo do poema? ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ________ gauche [gôch] adjetivo francês que, no caso, significa ― sem jeito‖. Postura peculiar ao poeta em face de si e do mundo. 12 ‗ Fazenda do Pontal – Itabira-MG / Postedby Dantas - 06/01/2015 INFÂNCIA A AbgarRenault Meu pai montava a cavalo, ia para o campo. Minha mãe ficava sentada cosendo. Meu irmão pequeno dormia. Eu sozinho menino entre mangueiras lia a história de Robinson Crusoé, comprida história que não acaba mais. No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu chamava para o café. Café preto que nem a preta velha café gostoso café bom. Minha mãe ficava sentada cosendo olhando para mim: - Psiu... Não acorde o menino. Para o berço onde pousou um mosquito. E dava um suspiro... que fundo! Lá longe meu pai campeava no mato sem fim da fazenda. E eu não sabia que minha história era mais bonita que a de Robinson Crusoé. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 55-56. ______ NOTAS: Robinson Crusoé é o personagem-título da obra criada pelo inglês Daniel Defoe, publicada originalmente em 1719. Nela, relata-se a história de um náufrago que passou 27 anos, dois meses e dezenove dias em uma remota ilha deserta, ao largo da costa venezuelana. As ferramentas, cordas, tábuas e outros utensílios que retira do navio acidentado o ajudam a enfrentar o desamparo e a solidão que viveu nesse período. 13 ESTUDO DO TEXTO INFÂNCIA 01...Leia as afirmações feitas a seguir, a respeito do poema: I...;No texto, o poeta rememora episódios de sua infância. II. A infância do poeta caracteriza -se pela repetição dos mesmos pequenos acontecimentosde uma pacata vida doméstica. III. O menino foge da monotonia, da solidão, lendo as histórias de Robinson Crusoé. IV. Desde criança, o poeta já percebia que sua vida tinha mais beleza que a de RobinsonCrusoé. Estão corretas as afirmações feitas em A [ ] I e II, apenas. B [ ] I, II e III, apenas. C [ ] II, III e IV, apenas. D [ ] I, II, III e IV. E [ ] II e III, apenas. 02. O que o poeta relata? ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... .................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... .................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... 14 Guararema-SP NO MEIO DO CAMINHO No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 85. ESTUDO DO TEXTO ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... .................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... 15 POLÍTICA A Mário Casassanta Vivia jogado em casa. Os amigos o abandonaram quando rompeu com o chefe político. O jornal governista ridicularizava seus versos, os versos que ele sabia bons. Sentia-se diminuído na sua glória enquanto crescia a dos rivais que apoiavam a Câmara em exercício. Entrou a tomar porres violentos, diários. E a desleixar os versos. Se já não tinha discípulos. Se só os outros poetas eram imitados. Uma ocasião em que não tinha dinheiro para tomar o seu conhaque saiu à toa pelas ruas escuras. Parou na ponte sobre o rio moroso, o rio que lá embaixo pouco se importava com ele e no entanto o chamava para misteriosos carnavais. E teve vontade de se atirar (só vontade). Depois voltou para casa livre, sem correntes muito livre, infinitamente livre livrelivre que nem uma besta que nem uma coisa. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 92-94 ESTUDO DO TEXTO ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... .................................................................................................................... ..................................................................................................................... 16 Paisagem de Sabará, MG – Alberto da Veiga Guignard CIDADEZINHA QUALQUER Casas entre bananeiras mulheres entre laranjeiras pomar amor cantar. Um homem vai devagar. Um cachorro vai devagar. Um burro vai devagar. Devagar... as janelas olham. Eta vida besta, meu Deus. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 109. ESTUDO DO TEXTO 01.. Qual dos versos abaixo revela o descontentamento do poeta diante da monotonia que caracteriza a vida dos habitantes daquela cidade? A [ ] Casas entre bananeiras B [ ] Eta vida besta, meu Deus. C [ ] pomar amor cantar. D [ ] Um homem vai devagar. E [ ] Devagar... as janelas olham. 02. O que o poema descreve? ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... 17 Le déjeunerdescanotiers Auguste Renoir QUADRILHA João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém. João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes que não tinha entrado na história. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 116. ESTUDO DO TEXTO 01..Quanto à fôrma poética. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 02. Na segunda parte do poema, há um destino comum para os nomes citados? ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... 03. Qual é a ideia central do poema? .................................................................................................................... .................................................................................................................... 18 BALADA DO AMOR ATRAVÉS DAS IDADES Eu te gosto, você me gosta desde tempos imemoriais. Eu era grego, você troiana, troiana mas não Helena. Saí do cavalo de pau para matar seu irmão. Matei, brigamos, morremos. Virei soldado romano, perseguidor de cristãos. Na porta da catacumba encontrei-te novamente. Mas quando vi você nua caída na areia do circo e o leão que vinha vindo, dei um pulo desesperado e o leão comeu nós dois. Depois fui pirata mouro, flagelo da Tripolitânia. Toquei fogo na fragata onde você se escondia da fúria de meu bergantim. Mas quando ia te pegar e te fazer minha escrava, você fez o sinal da cruz e rasgou o pito a punhal... Me suicidei também. Depois (tempos mais amenos) fui cortesão de Versailles, espirituoso e devasso. Você cismou de ser freira... Pulei muro do convento mas complicações políticas nos levaram à guilhotina. Hoje sou moço moderno, remo, pulo, danço, boxo, tenho dinheiro no banco. Você é uma loura notável, boxa, dança, pula, rema. Seu pai é que não faz gosto. Mas depois de mil peripécias, eu, herói da Paramount, te abraço, beijo e casamos. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 128-129. 19 ESTUDO DO TEXTO BALADA DO AMOR ATRAVÉS DAS IDADES ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... .................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... .................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ................................................................................................................... ................................................................................................................... 20 CABARÉ MINEIRO A dançarina espanhola de Montes Claros dança e redança na sala mestiça. Cem olhos morenos estão despindo seu corpo gordo picado de mosquito. Tem um sinal de bala na coxa direita, o riso postiço de um dente de ouro, mas é linda, linda gorda e satisfeita. Como rebola as nádegas amarelas! Cem olhos brasileiros estão seguindo o balanço doce e mole de suas tetas.... ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 130. ESTUDO DO TEXTO ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... ..................................................................................................................... .................................................................................................................... .................................................................................................................... 21 SOCIEDADE O homem disse para o amigo: - Breve irei a tua casa e levarei minha mulher. O amigo enfeitou a casa e quando o homem chegou com a mulher, soltou uma dúzia de foguetes. O homem comeu e bebeu. A mulher bebeu e cantou. Os dois dançaram. O amigo estava muito satisfeito. Quando foi a hora de sair, o amigo disse para o homem: - Breve irei a tua casa. E apertou a mão dos dois. No caminho o homem resmunga: - Ora essa, era o que faltava. E a mulher ajunta: - Que idiota. - A casa é um ninho de pulgas. - Reparaste o bife queimado ? O piano ruim e a comida pouca. E todas as quintas-feiras eles voltavam à casa do amigo que ainda não pôde retribuir a visita. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 133-134. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 22 A RUA DIFERENTE Na minha rua estão cortando árvores botando trilhos construindo casas. Minha rua acordou mudada. Os vizinhos não se conformam. Eles não sabem que a vida tem dessas exigências brutas. Só minha filha goza o espetáculo e se diverte com os andaimes, a luz da solda autógena e o cimento escorrendo nas formas. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 78. ESTUDO DO TEXTO 01..Faça um resumo sucinto das estrofes: ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... 02. Trata-se dum texto modernista. Justifique. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 23 QUERO ME CASAR Quero me casar na noite na rua no mar ou no céu quero me casar. Procuro uma noiva loura morena preta ou azul uma noiva verde uma noiva no ar como um passarinho. Depressa, que o amor não pode esperar! ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 131. ESTUDO DO TEXTO ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... 24 CANTIGA DE VIÚVO A noite caiu na minh'alma, fiquei triste sem querer. Uma sombra veio vindo, veio vindo, me abraçou. Era a sombra de meu bem que morreu há tanto tempo. Me abraçou com tanto amor me apertou com tanto fogo me beijou, me consolou. Depois riu devagarinho, me disse adeus com a cabeça e saiu. Fechou a porta. Ouvi seus passos na escada. Depois mais nada... acabou ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp.14-15. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... 25 CORAÇÃO NUMEROSO Foi no Rio. Eu passava na Avenida quase meia-noite. Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis. Havia a promessa do mar e bondes tilintavam, abafando o calor que soprava no vento e o vento vinha de Minas. Meus paralíticos sonhos desgosto de viver (a vida para mim é vontade de morrer) faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente na Galeria Cruzeiro quente quente e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro, nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso. Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas autos abertos correndo caminho do mar voluptuosidade errante do calor mil presentes da vida aos homens indiferentes, que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram. O mar batia em meu peito, já não batia no cais. A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu a cidade sou eu sou eu a cidade meu amor. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 102-103. .......................................................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 26 Lição de Coisas PARA SEMPRE Por que Deus permite que as mães vão-se embora? Mãe não tem limite, é tempo sem hora, luz que não apaga quando sopra o vento echuva desaba, veludo escondido na pele enrugada, água pura, ar puro, puro pensamento. Morrer acontece com o que é breve e passa sem deixar vestígio. Mãe, na sua graça é eternidade. Por que Deus se lembra - mistério profundo -Mãe e filho, 2006, Edmilson Costa de tirá-la um dia? Fosse eu Rei do Mundo baixava uma lei: Mãe não morre nunca, mãe ficará sempre junto de seu filho e ele, velho embora, será pequenino feito grão de milho. ANDRADE, Carlos Drummond de. Lição de coisas. São Paulo: Companhia Das Letras, 2012, p. 76. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 27 Sentimento do Mundo SENTIMENTO DO MUNDO Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo, mas estou cheio escravos, minhas lembranças escorrem e o corpo transige na confluência do amor. Quando me levantar, o céu estará morto e saqueado, eu mesmo estarei morto, morto meu desejo, morto o pântano sem acordes. Os camaradas não disseram que havia uma guerra e era necessário trazer fogo e alimento. Sinto-me disperso, anterior a fronteiras, humildemente vos peço que me perdoeis. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 205. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 28 Itabira – MG / Posted by prof. Dantas [06/01/2015] CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas. E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação. A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes. E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, é doce herança itabirana. De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço: este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval; esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil; este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas; este orgulho, esta cabeça baixa... Tive ouro, tive gado, tive fazendas. Hoje sou funcionário público. Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói! ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 207. 29 CANÇÃO DA MOÇA-FANTASMA DE BELO HORIZONTE Eu sou a Moça-Fantasma que espera na Rua do Chumbo o carro da madrugada. Eu sou branca e longa e fria, a minha carne é um suspiro na madrugada da serra. Eu sou a Moça-Fantasma. O meu nome era Maria, Maria-Que-Morreu-Antes. Sou a vossa namorada que morreu de apendicite, no desastre de automóvel ou suicidou-se na praia e seus cabelos ficaram longos na vossa lembrança. Eu nunca fui deste mundo: Se beijava, minha boca dizia de outros planetas em que os amantes se queimam num fogo casto e se tornam estrelas, sem ironia. Morri sem ter tido tempo de ser vossa, como as outras. Não me conformo com isso, e quando as polícias dormem em mim e fora de mim, meu espectro itinerante desce a Serra do Curral, vai olhando as casas novas, ronda as hortas amorosas (Rua Cláudio Manuel da Costa), para no Abrigo Ceará, não há abrigo. Um perfume que não conheço me invade: é o cheiro do vosso sono quente, doce, enrodilhado nos braços das espanholas... Oh! deixai-me dormir convosco. 30 E vai, como não encontro nenhum dos meus namorados, que as francesas conquistaram, e que beberam todo o uísque existente no Brasil (agora dormem embriagados), espreito os carros que passam com choferes que não suspeitam de minha brancura e fogem. Os tímidos guardas-civis, coitados! um quis me prender. Abri-lhe os braços... Incrédulo, me apalpou. Não tinha carne e por cima do vestido e por baixo do vestido era a mesma ausência branca, um só desespero branco... Podeis ver: o que era corpo foi comido pelo gato. As moças que ainda estão vivas (hão de morrer, ficai certos) têm medo que eu apareça e lhes puxe a perna... Engano. Eu fui moça, serei moça deserta, per omniasaecula. Não quero saber de moças. Mas os moços me perturbam. Não sei como libertar-me. Se o fantasma não sofresse, se eles ainda me gostassem e o espiritismo consentisse, mas eu sei que é proibido, vós sois carne, eu sou vapor. Um vapor que se dissolve quando o sol rompe na Serra. Agora estou consolada, disse tu do que queria, subirei àquela nuvem, serei lâmina gelada, cintilarei sobre os homens. Meu reflexo na piscina da Avenida Paraúna (estrelas não se compreendem), ninguém o compreenderá. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 210-214. 31 ESTUDO DO TEXTO 01. Sobre o poema, é correto afirmar: 01) O texto é permeado por um tom de lamento da moça fantasma, motivado pela perda do mundo real. 02) O espaço físico pelo qual a personagem transita é delimitado na superfície do texto. inorgânico. 04) As expressões ―eu sou branca, ―minha brancura, ausência branca‖ e―desespero branco‖ intensificam a ideia de um ser abstrato, inorgânico. 08) O discurso lírico da segunda estrofe identifica a figura do fantasma com outros seres que se tornaram invisíveis para o mundo real. 16) A voz poética revela desejo de comunhão com a natureza, com o sagrado e com os homens. 32) O poema lírico revela imagens de tédio, de ódio e de desespero de um ser oprimido, desejoso de mudanças sociais. 64) O final do poema evidencia o restabelecimento da integração da personagem com o mundo real. 02. Oque o poema aborda? ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 32 MÃOS DADAS Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,a vida presente. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 240 ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. 33 A NOITE DISSOLVE OS HOMENS A Portinari A noite desceu. Que noite! Já não enxergo meus irmãos. E nem tampouco os rumores que outrora me perturbavam. A noite desceu. Nas casas, nas ruas onde se combate, nos campos desfalecidos, a noite espalhou o medo e a total incompreensão. A noite caiu. Tremenda, sem esperança...Os suspiros acusam a presença negra que paralisa os guerreiros. E o amor não abre caminho na noite. A noite é mortal, completa, sem reticências, a noite dissolve os homens, diz que é inútil sofrer, a noite dissolve as pátrias, apagou os almirantes cintilantes! nas suas fardas. A noite anoiteceu tudo... O mundo não tem remédio... Os suicidas tinham razão. Aurora, entretanto eu te diviso, ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascender e dos bens que repartirás com todos os homens. Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações, adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna. O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos, teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam na escuridão como um sinal verde e peremptório. Minha fadiga encontrará em ti o seu termo, minha carne estremece na certeza de tua vinda. O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam, os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão simples e macio... Havemos de amanhecer. O mundo se tinge com as tintas da antemanhã e o sangue que escorre é doce, de tão necessário para colorir tuas pálidas faces, aurora. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 246-248. 34 ESTUDO DO TEXTO 01..Obedecendo o critério formal e temático, divida o texto em duas parte. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 02. Justifique a dedicatória do poema ao pintor Cândido Portinari. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 03. Transcreva do texto as imagens que sugerem impressões visuais. ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................. 04. O que representa ―noite‖ e ―aurora‖ no contexto do poema? ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 05. Transcreva o verso em que o poeta demonstra seu engajamento contra o totalitarismo ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ 06. Que ordem temporal se projeta na segunda parte do poema. ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. 35 JOSÉ A BRUXA A Emil Farhat Nesta cidade do Rio, de dois milhões de habitantes, estou sozinho no quarto, estou sozinho na América. Estarei mesmo sozinho? Ainda há pouco um ruído anunciou vida ao meu lado. Certo não é vida humana, mas é vida. E sinto a bruxa presa na zona de luz. De dois milhões de habitantes! E nem precisava tanto… Precisava de um amigo, desses calados, distantes, que leem verso de Horácio mas secretamente influem na vida, no amor, na carne. Estou só, não tenho amigo, e a essa hora tardia como procurar amigo? 10/07/1999 E nem precisava tanto. Precisava de mulher que entrasse neste minuto, recebesse este carinho, salvasse do aniquilamento um minuto e um carinho loucos que tenho para oferecer. Em dois milhões de habitantes, quantas mulheres prováveis interrogam-se no espelho medindo o tempo perdido até que venha a manhã trazer leite, jornal e calma. Porém a essa hora vazia como descobrir mulher? 36 Esta cidade do Rio! Tenho tanta palavra meiga, conheço vozes de bichos, sei os beijos mais violentos, viajei, briguei, aprendi. Estou cercado de olhos, de mãos, afetos, procuras. Mas se tento comunicar-me o que há é apenas a noite e uma espantosa solidão. Companheiros, escutai-me! Essa presença agitada querendo romper a noite não é simplesmente a bruxa. É antes a confidência exalando-se de um homem. ANDRADE, Carlos Drummond de. José & outros.13ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010, pp. 97-98. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... 37 JOSÉ E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora, você? você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama protesta, e agora, José? Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho, já não pode beber,Hotel Itabira – Postedby prof. Dantas [06/01/2015] já não pode fumar, cuspir já não pode, a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou, e agora, José? E agora, José? Sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio - e agora? Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas, Minas não há mais. José, e agora? 38 Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse a valsa vienense, se você dormisse, se você cansasse, se você morresse … Mas você não morre, você é duro, José! Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja a galope, você marcha, José! José, para onde? ANDRADE, Carlos Drummond de. José & outros.13ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010, pp. 123-125. ESTUDO DO TEXTO 01..Por que o título do poema é José? ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 02. O poeta utiliza-se constantemente de um tipo de figura, cuja característica é a recorrência da mesma expressão no início do verso. Tal figura é: [ ] Metáfora [ ] Prosopopeia [ ] Anáfora [ ] Metonímia [ ] Sinédoque 03. Qual é a função desta figura no texto? ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 04. Quais seriam os sinais mais importantes da solidão de José? ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 05. Por que o Autor diz: ―você que é sem nome‖, se a personagem se chama José? .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................ 39 06. Faça um levantamento dos modos e tempos verbais. Quais são os predominantes? E por que são utilizados tais modos e tempos? ............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. .............................................................................................................................................. 07. A José são vedados mesmo os atos comuns do dia-a-dia (comer, cuspir, etc.). Como explicar? ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. 08. O refrão do texto é: ―E agora, José?‖ Por que a inversão do mesmo na 4ª estrofe? ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 09. ―Abrir a porta‖ pode ser uma metáfora do quê? ............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................. 10. A que se refere Drummond quando fala em ―terno de vidro‖? ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 11. Trata-se dum texto modernista. Justifique. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 40 A MÃO SUJA Minha mão está suja. Preciso cortá-la. Não adianta lavar. A água está podre. Nem ensaboar. O sabão é ruim. A mão está suja, suja há muitos anos. A princípio oculta no bolso da calça, quem o saberia? Gente me chamava na ponta do gesto. Eu seguia, duro. A mão escondida no corpo espalhava seu escuro rastro. E vi que era igual usá-la ou guardá-la. O nojo era um só. Ai, quantas noites no fundo da casa lavei essa mão, poli-a, escovei-a. Cristal ou diamante, por maior contraste, quisera torná-la, ou mesmo, por fim, uma simples mão branca, mão limpa de homem, que se pode pegar e levar à boca ou prender à nossa num desses momentos em que dois se confessam sem dizer palavra… A mão incurável abre dedos sujos. 41 E era um sujo vil, não sujo de terra, sujo de carvão, casca de ferida, suor na camisa de quem trabalhou. Era um triste sujo feito de doença e de mortal desgosto na pele enfarada. Não era sujo preto – o preto tão puro numa coisa branca. Era sujo pardo, pardo, tardo, cardo. Inútil, reter a ignóbil mão suja posta sobre a mesa. Depressa, cortá-la, fazê-la em pedaços e jogá-la ao mar! Com o tempo, a esperança e seus maquinismos, outra mão virá pura – transparente – colar-se a meu braço. ANDRADE, Carlos Drummond de. José & outros.13ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010, pp. 129-131. ESTUDO DO TEXTO ............................................................................................................................................................................. ............................................................................................................................................................................ ......................................................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. 42 Itabira-MG / Posted by prof. Dantas [06/01/2015] EDIFÍCIO ESPLENDOR I Na areia da praia Oscar risca o projeto. Salta o edifício da areia da praia. No cimento, nem traço da pena dos homens. As famílias se fecham em células estanques. O elevador sem ternura expele, absorve num ranger monótono substância humana. Entretanto há muito se acabaram os homens. Ficaram apenas tristes moradores. ANDRADE, Carlos Drummond de. José & outros. 13ªed., Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 103. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 43 VIAGEM NA FAMÍLIA A Rodrigues M. F. de Andrade No deserto de Itabira a sombra de meu pai tomou-me pela mão. Tanto tempo perdido. Porém nada dizia. Não era dia nem noite. Suspiro? Vôo de pássaro? Porém nada dizia. Longamente caminhamos. Aqui havia uma casa. A montanha era maior. Tantos mortos amontoados, o tempo roendo os mortos.Itabira-MG / Postedby prof. Dantas E nas casas em ruína, desprezo frio, humidade. Porém nada dizia. A rua que atravessava a cavalo, de galope. Seu relógio. Sua roupa. Seus papéis de circunstância. Suas histórias de amor. Há um abrir de baús e de lembranças violentas. Porém nada dizia. No deserto de Itabira as coisas voltam a existir, irrespiráveis e súbitas. O mercado de desejos expõe seus tristes tesouros; meu anseio de fugir; mulheres nuas; remorso. Porém nada dizia. Pisando livros e cartas, viajamos na família. Casamentos; hipotecas; os primos tuberculosos; a tia louca; minha avó traída com as escravas, rangendo sedas na alcova. Porém nada dizia. 44 Que cruel, obscuro instinto movia sua mão pálida subtilmente nos empurrando pelo tempo e pelos lugares defendidos? Olhei-o nos olhos brancos. Gritei-lhe: Fala! Minha voz vibrou no ar um momento, bateu nas pedras. A sombra prosseguia devagar aquela viagem patética através do reino perdido. Porém nada dizia. Vi mágoa, incompreensão e mais de uma velha revolta a dividir-nos no escuro. A mão que eu não quis beijar, o prato que me negaram, recusa em pedir perdão. Orgulho. Terror noturno. Porém nada dizia. Fala falafalafala. Puxava pelo casaco que se desfazia em barro. Pelas mãos, pelas botinas prendia a sombra severa e a sombra se desprendia sem fuga nem reação. Porém ficava calada. E eram distintos silêncios que se entranhavam no seu. Era meu avô já surdo querendo escutar as aves pintadas no céu da igreja; a minha falta de amigos; a sua falta de beijos; eram nossas difíceis vidas e uma grande separação na pequena área do quarto. A pequena área da vida me aperta contra o seu vulto, e nesse abraço diáfano é como se eu me queimasse todo, de pungente amor. Só hoje nos conhecermos! Óculos, memórias, retratos fluem no rio do sangue. As águas já não permitem distinguir seu rosto longe, para lá de setenta anos... 45 Senti que me perdoava porém nada dizia. As águas cobrem o bigode, a família, Itabira, tudo. ANDRADE, Carlos Drummond de. José & outros. 13ªed., Rio de Janeiro: Record, 2010, pp.133-136. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. 46 A Rosa do Povo CONSIDERAÇÃO DO POEMA Não rimarei a palavra sono com a incorrespondente palavra outono. Rimarei com a palavra carne ou qualquer outra, que todas me convêm. As palavras não nascem amarradas, elas saltam, se beijam, se dissolvem, no céu livre por vezes um desenho, são puras, largas, autênticas, indevassáveis. Uma pedra no meio do caminho ou apenas um rastro, não importa. Estes poetas são meus. De todo o orgulho, de toda a precisão se incorporam ao fatal meu lado esquerdo. Furto a Vinicius sua mais límpida elegia. Bebo em Murilo. Que Neruda me dê sua gravata chamejante. Me perco em Apollinaire. Adeus, Maiakovski. São todos meus irmãos, não são jornais nem deslizar de lancha entre camélias: é toda a minha vida que joguei. Estes poemas são meus. É minha terra e é ainda mais do que ela. É qualquer homem ao meio-dia em qualquer praça. É a lanterna em qualquer estalagem, se ainda as há. – Há mortos? há mercados? há doenças? É tudo meu. Ser explosivo, sem fronteiras, por que falsa mesquinhez me rasgaria? Que se depositem os beijos na face branca, nas principiantes rugas. O beijo ainda é um sinal, perdido embora, da ausência de comércio, boiando em tempos sujos. Poeta do finito e da matéria, cantor sem piedade, sim, sem frágeis lágrimas, boca tão seca, mas ardor tão casto. Dar tudo pela presença dos longínquos, sentir que há ecos, poucos, mas cristal, não rocha apenas, peixes circulando sob o navio que leva esta mensagem, e aves de bico longo conferindo sua derrota, e dois ou três faróis, últimos! esperança do mar negro. Essa viagem é mortal, e começá-la. Saber que há tudo. E mover-se em meio a milhões e milhões de formas raras, secretas, duras. Eis aí meu canto. 47 Ele é tão baixo que sequer o escuta ouvido rente ao chão. Mas é tão alto que as pedras o absorvem. Está na mesa aberta em livros, cartas e remédios. Na parede infiltrou-se. O bonde, a rua, o uniforme de colégio se transformam, são ondas de carinho te envolvendo. Como fugir ao mínimo objeto ou recusar-se ao grande? Os temas passam, eu sei que passarão, mas tu resistes, e cresces como fogo, como casa, como orvalho entre dedos, na grama, que repousam. Já agora te sigo a toda parte, e te desejo e te perco, estou completo, me destino, me faço tão sublime, tão natural e cheio de segredos, tão firme, tão fiel… Tal uma lâmina, o povo, meu poema, te atravessa. ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. 36ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2006, pp. 21-23. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 48 PROCURA DA POESIA Não faças versos sobre acontecimentos. Não há criação nem morte perante a poesia. Diante dela, a vida é um sol estático, não aquece nem ilumina. As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam. Não faças poesia com o corpo, esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica. Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro são indiferentes. Nem me reveles teus sentimentos, que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem. O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia. Não cantes tua cidade, deixa-a em paz. O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas. Não é música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma. O canto não é a natureza nem os homens em sociedade. Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam. A poesia (não tires poesia das coisas) elide sujeito e objeto. Não dramatizes, não invoques, não indagues. Não percas tempo em mentir. Não te aborreças. Teu iate de marfim, teu sapato de diamante, vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável. Não recomponhas tua sepultada e merencória infância. Não osciles entre o espelho e a memória em dissipação. Que se dissipou, não era poesia. Que se partiu, cristal não era. 49 Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície intata. Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. Convive com teus poemas, antes de escrevê-los. Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam. Espera que cada um se realize e consume com seu poder de palavra e seu poder de silêncio. Não forces o poema a desprender-se do limbo. Não colhas no chão o poema que se perdeu. Não adules o poema. Aceita-o como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço. Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: Trouxeste a chave? Repara: ermas de melodia e conceito elas se refugiaram na noite, as palavras. Ainda úmidas e impregnadas de sono, rolam num rio difícil e se transformam em desprezo. ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. 36ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2006, pp. 24-26. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 50 NOVA CANÇÃO DO EXÍLIO A Josué Montello Um sabiá na palmeira, longe. Estas aves cantam um outro canto. O céu cintila sobre flores úmidas. Vozes na mata, e o maior amor. Só, na noite, seria feliz: um sabiá, na palmeira, longe. Onde é tudo belo e fantástico, só, na noite, seria feliz. (Um sabiá, na palmeira, longe.) Ainda um grito de vida e voltar para onde é tudo belo e fantástico: a palmeira, o sabiá, o longe. ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. 36ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2006, p.71. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................... 51 CIDADE PREVISTA Guardei-me para a epopeia que jamais escreverei. Poetas de Minas Gerais e bardos do AltoAraguaia, vagos cantores tupis, recolhei meu pobre acervo, alongai meu sentimento. O que eu escrevi não conta. O que desejei é tudo. Retomai minhas palavras, meus bens, minha inquietação, fazei o canto ardoroso, cheio de antigo mistério mas límpido e resplendente. Cantai esse verso puro, que se ouvirá no Amazonas, na choça do sertanejo e no subúrbio carioca, no mato, na vila X, no colégio, na oficina, território de homens livres que será nosso país e será pátria de todos. Irmãos, cantai esse mundo que não verei, mas virá um dia, dentro em mil anos, talvez mais... não tenho pressa. Um mundo enfim ordenado, uma pátria sem fronteiras, sem leis e regulamentos, uma terra sem bandeiras, sem igrejas nem quartéis, sem dor, sem febre, sem ouro, um jeito só de viver, mas nesse jeito a variedade, a multiplicidade toda que há dentro de cada um. Uma cidade sem portas, de casas sem armadilha, um país de riso e glória como nunca houve nenhum. Este país não é meu nem vosso ainda, poetas. Mas ele será um dia o país de todo homem. ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. 36ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2006, pp. 156-157. 52 ESTUDO DO TEXTO 01..O que o poeta oferece aos outros poetas? ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................. 02. Como será a repercussão desse tema? ............................................................................................................................................. .............................................................................................................................................. 03. Como viverão os homens nesse país do futuro? .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ .04. Como será o mundo previsto pelo poeta? ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. 05. Justifique o título do poema. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ «Ao homem livre não faz falta um deus» Vladimir Nabokov 53 O Medo A Antonio Candido ―Porque há para todos nós um problema sério... Este problema é o do medo‖. ANTONIO CANDIDO, Plataforma de uma geração. Em verdade temos medo. Nascemos escuro. As existências são poucas: Carteiro, ditador, soldado. Nosso destino, incompleto. E fomos educados para o medo. Cheiramos flores de medo. Vestimos panos de medo. De medo, vermelhos rios vadeamos. Somos apenas uns homens e a natureza traiu-nos. Há as árvores, as fábricas, doenças galopantes, fomes. Refugiamo-nos no amor, este célebre sentimento, e o amor faltou: chovia, ventava, fazia frio em São Paulo. Fazia frio em São Paulo… Nevava. O medo, com sua capa, nos dissimula e nos berça. Fiquei com medo de ti, meu companheiro moreno, De nós, de vós: e de tudo. Estou com medo da honra. Assim nos criam burgueses, Nosso caminho: traçado. Por que morrer em conjunto? E se todos nós vivêssemos? Vem, harmonia do medo, vem, ó terror das estradas, susto na noite, receio de águas poluídas. Muletas do homem só. Ajudai-nos, lentos poderes do láudano. Até a canção medrosa se parte, se transe e cala-se. 54 Faremos casas de medo, duros tijolos de medo, medrosos caules, repuxos, ruas só de medo e calma. E com asas de prudência, com resplendores covardes, atingiremos o cimo de nossa cauta subida. O medo, com sua física, tanto produz: carcereiros, edifícios, escritores, este poema; outras vidas. Tenhamos o maior pavor, Os mais velhos compreendem. O medo cristalizou-os. Estátuas sábias, adeus. Adeus: vamos para a frente, recuando de olhos acesos. Nossos filhos tão felizes… Fiéis herdeiros do medo, eles povoam a cidade. Depois da cidade, o mundo. Depois do mundo, as estrelas, dançando o baile do medo. ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. 36ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2006, pp. 35-37. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. 55 Claro Enigma CONFISSÃO Não amei bastante meu semelhante, não catei o verme nem curei a sarna. Só proferi algumas palavras, melodiosas, tarde , ao voltar da festa. Dei sem dar e beijei sem beijo. (Cego é talvez quem esconde os olhos embaixo do catre.) E na meia-luz tesouros fanam-se, os mais excelentes. Do que restou, como compor um homem e tudo o que ele implica de suave, de concordâncias vegetais, murmúrios de riso, entrega, amor e piedade? Não amei bastante sequer a mim mesmo, contudo próximo. Não amei ninguém. Salvo aquele pássaro -vinha azul e doidoque se esfacelou na asa do avião. ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro enigma. 19ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 28. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................... 56 A MÁQUINA DO MUNDO E como eu palmilhasse vagamente uma estrada de Minas, pedregosa, e no fecho da tarde um sino rouco se misturasse ao som de meus sapatos que era pausado e seco; e aves pairassem no céu de chumbo, e suas formas pretas lentamente se fossem diluindo na escuridão maior, vinda dos montes e de meu próprio ser desenganado, a máquina do mundo se entreabriu para quem de a romper já se esquivava e só de o ter pensado se carpia. Abriu-se majestosa e circunspecta,Postedby prof. Dantas sem emitir um som que fosse impuro nem um clarão maior que o tolerável pelas pupilas gastas na inspeção contínua e dolorosa do deserto, e pela mente exausta de mentar toda uma realidade que transcende a própria imagem sua debuxada no rosto do mistério, nos abismos. Abriu-se em calma pura, e convidando quantos sentidos e intuições restavam a quem de os ter usado os já perdera e nem desejaria recobrá-los, se em vão e para sempre repetimos os mesmos sem roteiro tristes périplos, convidando-os a todos, em coorte, a se aplicarem sobre o pasto inédito da natureza mítica das coisas, assim me disse, embora voz alguma ou sopro ou eco ou simples percussão atestasse que alguém, sobre a montanha, a outro alguém, noturno e miserável, em colóquio se estava dirigindo: "O que procuraste em ti ou fora de teu ser restrito e nunca se mostrou, mesmo afetando dar-se ou se rendendo, e a cada instante mais se retraindo, 57 olha, repara, ausculta: essa riqueza sobrante a toda pérola, essa ciência sublime e formidável, mas hermética, essa total explicação da vida, esse nexo primeiro e singular, que nem concebes mais, pois tão esquivo se revelou ante a pesquisa ardente em que te consumiste... vê, contempla, abre teu peito para agasalhá-lo.‖ As mais soberbas pontes e edifícios, o que nas oficinas se elabora, o que pensado foi e logo atinge distância superior ao pensamento, os recursos da terra dominados, e as paixões e os impulsos e os tormentos e tudo que define o ser terrestre ou se prolonga até nos animais e chega às plantas para se embeber no sono rancoroso dos minérios, dá volta ao mundo e torna a se engolfar, na estranha ordem geométrica de tudo, e o absurdo original e seus enigmas, suas verdades altas mais que todos monumentos erguidos à verdade; e a memória dos deuses, e o solene sentimento de morte, que floresce no caule da existência mais gloriosa, tudo se apresentou nesse relance e me chamou para seu reino augusto, afinal submetido à vista humana. Mas, como eu relutasse em responder a tal apelo assim maravilhoso, pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio, a esperança mais mínima — esse anelo de ver desvanecida a treva espessa que entre os raios do sol inda se filtra; como defuntas crenças convocadas presto e fremente não se produzissem a de novo tingir a neutra face que vou pelos caminhos demonstrando, e como se outro ser, não mais aquele habitante de mim há tantos anos, 58 passasse a comandar minha vontade que, já de si volúvel, se cerrava semelhante a essas flores reticentes em si mesmas abertas e fechadas; como se um dom tardio já não fora apetecível, antes despiciendo, baixei os olhos, incurioso, lasso, desdenhando colher a coisa oferta que se abria gratuita a meu engenho. A treva mais estrita já pousara sobre a estrada de Minas, pedregosa, e a máquina do mundo, repelida, se foi miudamente recompondo, enquanto eu, avaliando o que perdera, seguia vagaroso, de mãos pensas. ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro enigma. 19ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010, pp. 127-131. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... 59 MEMÓRIA Amar o perdido deixa confundido este coração. Nada pode o olvido contra o sem sentido apelo do Não. As coisas tangíveis tornam-se insensíveis à palma da mão. Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão. ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro enigma. 19ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 34. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. 60 PERGUNTAS EM FORMA DE CAVALO-MARINHO Que metro serve para medir-nos? Que forma é nossa e que conteúdo? Contemos algo? Somos contidos? Dão-nos um nome? Estamos vivos? A que aspiramos? Que possuímos? Que relumbramos? Onde jazemos? (Nunca se finda nem se criara. Mistério é o tempo inigualável.) ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro enigma. 19ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 29. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................... 61 Dicurso de Primavera e Algumas Sombras VISÃO DE CLARICE LISPECTOR Clarice, veio de um mistério, partiu para outro. Ficamos sem saber a essência do mistério. Ou o mistério não era essencial, era Clarice viajando nele. Era Clarice bulindo no fundo mais fundo, onde a palavra parece encontrar sua razão de ser, e retratar o homem. O que Clarice disse, o que Clarice viveu por nós em forma de história em forma de sonho de história em forma de sonho de sonho de história (no meio havia uma barata ou um anjo?) não sabemos repetir nem inventar. São coisas, são joias particulares de Clarice que usamos de empréstimo, ela dona de tudo. Clarice não foi um lugar-comum, carteira de identidade, retrato. De Chirico a pintou? Pois sim. O mais puro retrato de Clarice só se pode encontrá-lo atrás da nuvem que o avião cortou, não se percebe mais. De Clarice guardamos gestos. Gestos, tentativas de Clarice sair de Clarice para ser igual a nós todos em cortesia, cuidados, providências. Clarice não saiu, mesmo sorrindo. Dentro dela o que havia de salões, escadarias, tetos fosforescentes, longas estepes, zimbórios, pontes do Recife em bruma envoltas, formava um país, o país onde Clarice vivia, só e ardente, construindo fábulas. Não podíamos reter Clarice em nosso chão salpicado de compromissos. Os papéis, os cumprimentos falavam em agora, edições, possíveis coquetéis à beira do abismo. Levitando acima do abismo Clarice riscava um sulco rubro e cinza no ar e fascinava. 62 Fascinava-nos, apenas. Deixamos para compreendê-la mais tarde. Mais tarde, um dia… saberemos amar Clarice. ANDRADE, Carlos Drummond de. Discurso de primavera e algumas sombras.São Paulo: Companhia Das Letras, 2014, pp. 71-72. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... 63 A culpa é tua, Pai Tietê? A culpa é tua, se tuas águas estão podres de fel e majestade falsa? MÁRIO DE ANDRADE NUM PLANETA ENFERMO (Meditação sobre o Tietê) Cai neve em Parnaíba, noiva branca. Vem dos lados de Pirapora do Bom Jesus. Presente de Deus, com certeza, a seus filhos que jamais viram Europa. Ou talvez cortesia do Prefeito? Moleques, brinquem na neve pura e rara. Garotas, não tenham cerimônia. Cai neve em Parnaíba, é promoção. O senhor que é tabelião, o dr. promotor por que não vão fazer bonecos dessa neve especial, que reacende o espírito infantil? Correm todos a ver a neve santa, a alvorejar em sua alvura. Olha a rua vestida de sonho, olha o jardim envolto em toalha de nuvens, olha as nossas tristezas lavadas, enxaguadas! O professor chega perto e não se encanta. Esse cheiro... diz ele. Realmente, quem pode com esse cheiro nauseante? A neve foi malfeita, não se faz neve como em filmes e gravuras. E me dói a cabeça, diz alguém. E a minha também, e o mal-estar me invade o corpo. Desculpem se vomito à vista de pessoas tão distintas. 64 Envenenada morre a flor-de-outubro no canteiro onde o branco deixa uma escura marca de gordura. Marcadas ficarão as casas coloniais da Praça da Matriz tombadas pelo IPHAN? A pele dos rostos mais limpinhos — ai Rita, ai Mariazinha — cheira a óleo queimado. Estranha neve: espuma, espuma apenas que o vento espalha, bolha em baile no ar, vinda do Tietê alvoroçado ao abrir de comportas, espuma de dodecilbenzeno irredutível, emergindo das águas profanadas do rio-bandeirante, hoje rio-despejo de mil imundícies do progresso. Pesadelo? Sinal dos tempos? Jeito novo de punir as cidades, pois a Bíblia esgotou os castigos de água e fogo? Entre flocos de espuma detergente vão se findar os dias lentamente de pecadores e nãopecadores, se pecado é viver entre rios sem peixe e chaminés sem filtro e monstrimultinacionais, onde quer que a valia valha mais do que a vida? Minha Santana pobre de Parnaíba, meu dorido Bom Jesus de Pirapora, meu infecto Anhambi de glória morta, fostes os chamados não para anunciar uma outra luz do dia, mas o branco sinistro, o negro branco, o branco sepultura do que é cor, perfume e graça de viver, enquanto a vida ou memória de vida se consente neste planeta enfermo. ANDRADE, Carlos Drummond de. Discurso de primavera e algumas sombras. São Paulo: Companhia Das Letras, 2014, pp. 16-18. 65 Rio Tietê /Postedbyprof. Dantas ESTUDO DO TEXTO NUM PLANETA ENFERMO 01..Quais os malefícios causados pela ―neve‖ de Santana de Parnaíba? ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 02. Destaque do poema um termo científico e um neologismo. ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 03. O que o poeta Carlos Drummond escreve? ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 66 Rio São Francisco na divisa entre Alagoas e Serjipe /Postedby prof. Dantas AGUAS E MÁGOAS DO RIO SÃO FRANCISCO Está secando o velho Chico. Está mirrando, está morrendo. Já não quer saber de lanchas-ônibus, nem de chatas e seus empurradores. Cansou-se de gaiolas e literatura encomiástica e mostra o leito pobre, as pedras, as areias desoladas onde nenhum caboclo-d‘água nenhum minhocão ou cachorrinha-d‘água, cativados a nacos de fumo forte, restam para semente de contos fabulosos e assustados. Ei, velho Chico, deixas teus barqueirose barranqueiros na pior? Recusas pegar frete em Pirapora e ir levando pro Norte as alegrias? Negas teus surubins,teus mitos e dourados, teus postais alucinantes de crepúsculo à gula dos turistas? Ou é apenas seca de junho-julhopara descanso e volta mais barrenta na explosão da chuva gorda? 67 Já te estranham, meu Chico. Desta vez, encolheste demais. O cemitério de barcos encalhados se desdobra na lama que deixaste. O fio d‘água (ou lágrimas?) escorre entre carcaças novas: é brinquedo de curumins, os únicos navios que aceitas transportar com desenfado. Mulheres quebram pedra no pátio ressequido que foi teu leito e esboça teu fantasma. Não escutas, ó Chico, as rezas músicas dos fiéis que em procissãoimploram chuva? São amigos que te querem,Postedby prof. Dantas companheiros que carecem de teu deslizar sem pressa (tão suave que corrias, embora tão artioso que muitas vezes tiravas a terra de um lado e a punhas mais adiante, de moleque). É gente que vai murchando em frente à lavoura morta e ao esqueleto do gado, por entre portos de lenha e comercinhos decrépitos; a dura gente sofrida que carregas (carregavas) no teu lombo de água turva mas afinal água santa, meu rio, amigo roteiro de Pirapora a Juazeiro. Responde, Chico, responde! Não vem resposta de Chico, e vai sumindo seu rastro como rastro da viola se esgarça no vão do vento. E na secura da terra e no barro que ele deixa onde Martius viu seu reino, na carranca dos remeiros (memória de outras carrancas, há muito peças de living), nas tortas margens que o homem não soube retificar (não soube ou não quis? paciência), nos pilares sem serviço de pontes sobre o vazio, na negra ausência de verde, no sacrifício das árvores 68 cortadas, carbonizadas, no azul, que virou fumaça, nas araras capturadas que não mandam mais seus guinchos à paisagem de seca (onde o tapete de finas gramíneas,dos viajantes antigos?), no chão deserto, na fome dos subnutridos nus, não colho qualquer resposta, nada fala, nada conta das tristuras e renúncias, dos desencantos, dos males, das ofensas, das rapinas que no giro de três séculos fazem secar e morrer a flor de água de um rio. ANDRADE, Carlos Drummond de. Discurso de primavera e algumas sombras. São Paulo: Companhia Das Letras, 2014, pp. 13-15. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 69 Corpo AS SEM-RAZÕES DO AMOR Eu te amo porque te amo. Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga. Amor é dado de graça é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários. Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim.Carlos Leão Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo. Amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor. ANDRADE, Carlos Drummond de. Corpo. 4ª., Rio de Janeiro: Record, 1984. pp. 35-36. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ____ NOTA: Carlos Leão [Rio de Janeiro, 1906-1983] – arquiteto, pintor, aquarelista e desenhista. 70 Carlos Leão PINTOR DE MULHER A Augusto Rodrigues Este pintor sabe o corpo feminino e seus possíveis de linha e de volume reinventados. Sabe a melodia do corpo em variações entrecruzadas. Lê o código do corpo, de A ao infinito dos signos e das curvas que dão vontade de morrer de santo orgasmo e de beleza." ANDRADE, Carlos Drummond de. Corpo. 4ª ed., Rio de Janeiro: Record, 1984. p. 19. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. 71 Farewell Itabira- MG / Posted by prof. Dantas [06/01/2015] A ILUSÃO DO MIGRANTE Quando vim da minha terra, se é que vim da minha terra (não estou morto por lá?), a correnteza do rio me sussurrou vagamente que eu havia de quedar lá donde me despedia. Os morros, empalidecidos, no entrecerrar-se da tarde, pareciam me dizer que não se pode voltar, porque tudo é conseqüência de um certo nascer ali. Quando vim, se é que vim de algum para outro lugar, o mundo girava, alheio à minha baça pessoa, e no seu giro entrevi que não se vai nem se volta de sítio algum a nenhum. 72 Que carregamos as coisas, moldura da nossa vida, rígida cerca de arame, na mais anônima célula, e um chão, um riso, uma voz ressoam incessantemente em nossas fundas paredes. Novas coisas, sucedendo-se iludem a nossa fome de primitivo alimento. As descobertas são máscaras do mais obscuro real, essa ferida alastrada na pele de nossas almas. Quando vim da minha terra não vim, perdi-me no espaço, na ilusão de ter saído. Ai de mim, nunca saí. Lá estou eu, enterrado por baixo da falas mansas, por baixo de negras sombras, por baixo de lavras de ouro, por baixo de gerações, por baixo, eu sei, de mim mesmo, este vivente enganado, enganoso. ANDRADE, Carlos Drummond de. 8ª ed.,Farewell. Rio de Janeiro: Record, 2002, pp. 2526. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ 73 MISSÃO DO CORPO Claro que o corpo não é feito só para sofrer, mas para sofrer e gozar. Na inocência do sofrimento como na inocência do gozo, o corpo se realiza, vulnerável e solene. Salve, meu corpo, minha estrutura de viver e de cumprir os ritos do existir! Amo tuas imperfeições e maravilhas, amo-as com gratidão, pena e raiva intercadentes. Em ti me sinto dividido, campo de batalha sem vitória para nenhum lado e sofro e sou feliz na medida do que acaso me ofereças. Será mesmo acaso, será lei divina ou dragonária que me parte e reparte em pedacinhos? Meu corpo, minha dor, meu prazer e transcendência, és afinal meu ser inteiro e único. ANDRADE, Carlos Drummond de. 8ª ed., Farewell. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 89. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 74 ELEGIA A UM TUCANO MORTO Ao Pedro O sacrifício da asa corta o vôo no verdor da floresta.Citadino serás e mutilado, caricatura de tucano para a curiosidade de crianças e a indiferença de adultos. Sofrerás a agressão de aves vulgares e morto quedarás no chão de formigas e de trapos. Eu te celebro em vão como à festa colorida mas truncada projeto da natureza interrompido ao azar de peripécias e viagens do Amazonas ao asfalto da feira de animais. Eu te registro, simplesmente, no caderno de frustrações deste mundo pois para isto vieste: para a inutilidade de nascer. ANDRADE, Carlos Drummond de. 8ª ed.,Farewell. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 69. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................. 75 Brejo das Almas SONETODAPERDIDA ESPERANÇA Perdi o bonde e a esperança. Volto pálido para casa. A rua é inútil e nenhum auto passaria sobre meu corpo. Vou subir a ladeira lenta em que os caminhos se fundem. Todos eles conduzem ao princípio do drama e da flora. Não sei se estou sofrendo ou se é alguém que se diverte por que não? na noite escassa com um insolúvel flautim. Entretanto há muito tempo nós gritamos: sim! ao eterno. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 159. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 76 HINO NACIONAL Precisamos descobrir o Brasil! Escondido atrás das florestas, com a água dos rios no meio, o Brasil está dormindo, coitado. Precisamos colonizar o Brasil. O que faremos importando francesas muito louras, de pele macia, alemãs gordas, russas nostálgicas para garçonettes dos restaurantes noturnos. E virão sírias fidelíssimas. Não convém desprezar as japonesas... Precisamos educar o Brasil. Compraremos professores e livros, assimilaremos finas culturas, abriremos dancings e subvencionaremos as elites. Cada brasileiro terá sua casa com fogão e aquecedor elétricos, piscina, salão para conferências científicas. E cuidaremos do Estado Técnico. Precisamos louvar o Brasil. Não é só um país sem igual. Nossas revoluções são bem maiores do que quaisquer outras; nossos erros também. E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões... os Amazonas inenarráveis... os incríveis João-Pessoas... 77 Precisamos adorar o Brasil! Se bem que seja difícil caber tanto oceano e tanta solidão no pobre coração já cheio de compromissos... se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens, por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão de seus sofrimentos. Precisamos, precisamos esquecer o Brasil! Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado, ele quer repousar de nossos terríveis carinhos. O Brasil não nos quer! Está farto de nós! Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil. Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros? ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 173-174. ESTUDO DO TEXTO HINO NACIONAL ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 78 NÃO SE MATE Carlos, sossegue, o amor é isso que você está vendo: hoje beija, amanhã não beija, depois de amanhã é domingo e segunda-feira ninguém sabe o que será. Inútil você resistir ou mesmo suicidar-se. Não se mate, oh não se mate, reserve-se todo para as bodas que ninguém sabe quando virão, se é que virão. O amor, Carlos, você telúrico, a noite passou em você, e os recalques se sublimando, lá dentro um barulho inefável, rezas, vitrolas, santos que se persignam, anúncios do melhor sabão, barulho que ninguém sabe de quê, praquê. Edvard Munch (1863-1944) Entretanto você caminha melancólico e vertical. Você é a palmeira, você é o grito que ninguém ouviu no teatro e as luzes todas se apagam. O amor no escuro, não, no claro, é sempre triste, meu filho, Carlos, mas não diga nada a ninguém, ninguém sabe nem saberá. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 187-188.. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 79 O Amor Natural NO CORPO FEMININO, ESSE RETIRO No corpo feminino, esse retiro – a doce bunda – é ainda o que prefiro. A ela, meu mais íntimo suspiro, pois tanto mais a apalpo quanto a miro. Que tanto mais a quero, se me firo em unhas protestantes, e respiro a brisa dos planetas, no seu giro lento, violento… Então, se ponho e tiro a mão em concha – a mão, sábio papiro, iluminando o gozo, qual lampiro ou se, dessedentado, já me estiro, me penso, me restauro, me confiro, o sentimento da morte eis que o adquiro: de rola, a bunda torna-se vampiro. ANDRADE, Carlos Drummond de.O amor natural. São Paulo: Companhia Das Letras, 2013, p. 35. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 80 CARLOS LEÃO / Nu deitado/ Aquarela TENHO SAUDADE DE UMA DAMA Tenho saudades de uma dama como jamais houve na cama outra igual, e mais terna amante. Não era sequer provocante. Provocada, como reagia! São palavras só: quente, fria. No banheiro nos enroscávamos. Eram flamas no preto favo, um guaiar, um matar-morrer. Tenho saudades de uma dama que me passeava na medula e atomizava os pés da cama. ANDRADE, Carlos Drummond de.O amor natural. São Paulo: Companhia Das Letras, 2013, p. 55. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 81 Carlos Leão OH MINHA SENHORA Ó MINHA SENHORA Oh minha senhora ó minha senhora oh não se incomode senhora minha não faça isso eulhe peço eu lhe suplico por Deus nosso redentor minha senhora não dê importância a umsimples mortal vagabundo como eu que nem mereço a glória de quanto mais de… nãonão não minha senhora não me desabotoe a braguilha não precisa também se despir oque é isso é verdadeiramente fora de normas e eu não estou absolutamente preparadopara semelhante emoção ou comoção sei lá minha senhora nem sei mais o que digo eudisse alguma coisa? sinto-me sem palavras sem fôlego sem saliva para molhar a língua eensaiar um discurso coerente na linha do desejo sinto-me desamparado do Divino EspíritoSanto minha senhora eu eu eu ó minha senh… esses seios são seus ou é uma aparição eesses pelos essas nád… tanta nudez me deixa naufragado me mata me pulveriza louvadobendito seja Deus é o fim do mundo desabando no meu fim eu eu … ANDRADE, Carlos Drummond de. O amor natural. São Paulo: Companhia Das Letras, 2013, p. 50. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 82 Carlos Leão VOCÊ MEU MUNDO MEU RELÓGIO DE NÃO MARCAR HORAS Você meu mundo meu relógio de não marcar horas; de esquecê-las. Você meu andar meu ar meu comer meu descomer. Minha paz de espadas acesas. Meu sono festival meu acordar entre girândolas. Meu banho quente morno frio quente pelando. Minha pele total. Minhas unhas afiadas aceradas aciduladas. Meu sabor de veneno. Minhas cartas marcadas que se desmarcam e voam. Meu suplício. Minha mansa onça pintada pulando. Minha saliva minha língua passeadeira possessiva meu esfregar de barriga em barriga. Meu perder-me entre pelos algas águas ardências. Meu pênis submerso. Túnel cova covacova cada vez mais funda estreita mais mais. Meus gemidos gritos uivos guais guinchos miados ofegos ah oh ai ui nhemahah minha evaporação meu suicídio gozoso glorioso. ANDRADE, Carlos Drummond de. O amor natural. São Paulo: Companhia Das Letras, 2013, p. 58. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 83 Viola de Bolso Itabira-MG, 06/01/2015 Posted by prof. Dantas A ANTÔNIO CAMILO DE OLIVEIRA Vai, carteiro, sobre as serras, rumo da velha Itabira, terra saudosa entre as terras, e em certo sobrado mira aquele em quem tanta viagem pelas partidas do mundo não ressecou a miragem e o sentimento profundo que acompanha o itabirano e o faz lembrar, com carinho, na Pérsia ou no Vaticano, Tico, João Rosa, Todinho... Conta-lhe que outro exilado inveja essa romaria que ora faz pelo passado na claridade do dia. Augura-lhe ao lar perfeitos momentos, no ano feliz, e apresenta meus respeito à senhora Embaixatriz. ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, p. 338. 84 Córrego da Penha na Av. Carlos Drummond de Andrade / Itabira-MG Posted by prof. Dantas, 07/01/2015 CIDADE SEM RIO O Rio Amazonas é o maior do mundo, mas o Rio do Tanque é o menor. (Desliza na fazenda de meu irmão.) O Rio Doce banha terras amargas de maleita, ferro e melancolia. O córrego da Penha, esse, coitado, mal fazia um poço raso onde a gente, fugindo, se banhava. Talvez porque me faltasse água corrente, hoje a tenho represada nos olhos e neste vago verso fluvial. ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp. 318-319. .......................................................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. 85 Itabira – MG /Posted by prof. Dantas O MAIOR TREM DO MUNDO O maior trem do mundo leva minha terra para a Alemanha leva minha terra para o Canadá leva minha terra para o Japão O maior trem do mundo puxado por cinco locomotivas a óleo diesel engatadas geminadas desembestadas leva meu tempo, minha infância, minha vida triturada em 163 vagões de minério e destruição. O maior trem do mundo transporta a coisa mínima do mundo meu coração itabirano. Lá vai o trem maior do mundo vai serpenteando, vai sumindo e um dia, eu sei, não voltará pois nem terra nem coração existem mais. ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp. 1450-1451. ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 86 Boitempo Hotel Itabira- MG /Posted by prof. Dantas [06/01/2015] SOBRADO DO BARÃO DE ALFIÉ Este é o Sobrado. Existem outros, mas não se chamem o Sobrado, peremptoriamente. A escada de duas subidas já define sua importância: lembra um trono. É casa de barão, entre plebeus. Sob a cimalha vejo a estatueta de louça lusitana, vejo os vasos de azul-vaidade, contra o azul do céu. As sacadas, onde pairam minhas primas acima das procissões, jovens olímpicas entre voo e terra. Ó século glorioso 19, reinante no Sobrado, onde a quadrilha estronda as tábuas do soalho, mal sabendo que outro tempo chegou para levar na dança o que é sobrado e contradança. ANDRADE, Calos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 3. 6ª ed., Rio de Janeiro: BestBolso, 2014, pp. 70-71. 87 Itabira– MG / Postedby prof. Dantas [06/01/2015] PAREDÃO Uma cidade toda paredão. Paredão em volta das casas. Em volta, paredão, das almas. O paredão dos precipícios. O paredão familial. Ruas feitas de paredão. O paredão é a própria rua, onde passar ou não passar é a mesma forma de prisão. Paredão de umidade e sombra, sem uma fresta para a vida. A canivete perfurá-lo, a unha, a dente, a bofetão? Se do outro lado existe apenas outro, mais outro, paredão? ANDRADE, Calos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 3. 6ª ed., Rio de Janeiro: BestBolso, 2014, p. 35. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 88 HERÓI Regressa da Europa Doutor Oliveira. É dia de festa na cidade inteira. Doutor Oliveira fez longa viagem. Maior, mais brilhante ficou sua imagem. Viajou de cavalo, de trem, de navio. Foi bravo, foi forte, venceu desafio. Falou língua estranja, que não percebemos. Ergueu nosso nome a pontos extremos. Itabira- MG / Postedbyprof. Dantas Conversou doutores de barbas sorbônicas e viu catedrais, joias arquitetônicas. Papou iguarias jamais igualadas nas jantas mais finas: consommés, saladas, ovas de esturjão, e pratos mil flambantes, que aqui falecemos sem conhecer antes. Praticou mulheres das mais perigosas, ofertou-lhes mimos, madrigais e rosas. Nenhuma o prendeu entre grades de seda. Volta o nosso amigo, livre, de alma leda. Tudo há de contar-nos à luz do lampião, para nosso pasmo e nossa ilustração. Depressa, cavalos e arreios de prata, que vai esperá-lo o povo bom, a nata. Da cidade às portas, como triunfador, eis chega Oliveira, preclaro doutor. Ginetes aos centos correm a saudá-lo. Foguetes, discursos e até o abalo de tiros festivos no azul — eta nós! dados por Janjão e por Tatau Queirós. Pois quem destes matos foi até Paris honrou nossa terra, deu-lhe mais verniz. E assim, ao apear, desembarca na História Doutor Oliveira, para nossa glória. ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 3. 6ª ed., Rio de Janeiro: BestBolso, 2014, pp. 18-19. 89 Beco do Calvário, Itabira – MG / Postedby prof. Dantas TERRORES Na Rua do Matadouro eno Beco do Calvário a nuvem de mau agouro e o clarão extraordinário vão gritando o fim do mundo mal a vida começara e o corpo, esse trem imundo que em pecado se atolara, não tem tempo de lavar-se para o Dia do Juízo nem de vestir o disfarce que cause dó sob riso. Nas lajes de ferro e medo os pés correm desvairados sentindo chegar tão cedo a morte em seus véus queimados. Fuge, fuge, itabirano, que embora o raio te pegue na porta de Emerenciano, o Diabo não te carregue antes que vejas teu pai e lhe passes num olhar o que da boca não sai mas se conta sem falar. 90 A procissão corta o passo. São vultos encapuçados são fantasmas alinhados pesadelos esticados fantoches tochas fachos almas uivando todos os antepassados sem missa presos da cadeia em ruínas soltos em bando o assassino do Carmo e sua faca-relâmpago enorme, sobre a igreja, os anjinhos que vão sendo carregados tão depressa que é um apostar corrida de caixões brancos no escuro da Rua do Matadouro rumo ao Beco do Calvário onde te espera o carrasco eo Capeta com seu casco de fogo ao pé do carrasco. ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp. 983-985. .......................................................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................................................... .......................................................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................................................... .......................................................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................................................... 91 Itabira - MG /Postedbyprof. Dantas [ 06/01/2015] CULTURA FRANCESA Com Mestre Emílio aprendi esse pouco de francês que deu para ler Jarry. Murilo, diabo na aula, tinha gestos impossíveis, que nem macaco na jaula. Mestre Emílio, tão severo não via no último banco o aluno moral-zero. Os verbos irregulares saltavam do meu Halbout, perdiam-se pelos ares. Nunca mais os encontrei... Talvez Brigitte Bardot me ensinasse o que não sei. ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, p. 1057. ......................................................................................................................................................................................... .......................................................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................................................... ......................................................................................................................................................................................... .......................................................................................................................................................................................... .......................................................................................................................................................................................... 92 Centro Histórico de Itabira–MG / Posted by prof. Dantas PROCISSÃO DO ENCONTRO Lá vai a procissão da igreja do Rosário. Lá vem a procissão da igreja da Saúde. O encontro é em frente à casa de João Rosa. Encontro de Mãe e Filho trágicos, imóveis nos andores. Ao ar livre o púlpito de púrpura drapeja no entardecer da serra fria. A voz censura ternamente o Homem que se deixa imolar por muito amor e do amor materno se desprende. Não há nada a fazer para impedi-lo? A terra abre mão de seu resgate para salvar o Deus que quis salvá-la. O ferro da cidade se comove, não o peito de Cristo. E o roxo manto, as lágrimas de sangue, a cruz, as sete espadas vão navegando sobre os ombros pela rua-teatro, lentamente. ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp. 1036-1037. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 93 Largo do Batistinha, Centro Histórico de Itabira – MG / Posted by prof. Dantas COQUEIRO DE BATISTINHA Ausente de meu querido torrão natal, havia muitos anos,quis rever os sítios amenos... Revoltou-me não rever maiso encantador e quase secular coqueiro do saudoso tambémBatistinha. Do volante assinado ―Um itabirano‖, remetido ao autor em 1955. Já não vejo onde se via aqueleesbeltocoqueiro de Batistinha. Batistinha não nascera, o coqueiro ali pousava a esperá-lo. Queria ser seu amigo. Com lentidão de coqueiro espiava ele crescer. Amizade que não fala mas se irradia por tudo que é silêncio de verdura. Até que alguém lhe decifra esse bem-querer de palmas e chama-lhe: Coqueiro de Batistinha. 94 Batistinha vai à Europa, vê Paris de antes da guerra, vê o mundo e a luz que o mundo tinha. O coqueiro, mui sisudo jamais saiu a passeio. Tomava conta da loja de Batistinha. Vem Batistinha contando as maravilhas da terra. Maravilha outra, a escutá-lo, o coqueiro era coqueiro-viajante nos passos de Batistinha. O dia se repetindo dez mil dias, Batistinha tem esse amigo a seu lado. Já se finou Batistinha com tudo que tinha visto em giros de mocidade. Sua loja está fechada. E resta ao coqueiro? Nada. De manhã cedo, pois cedo começa o rodar mineiro, passando por lá não vejo nem retrato de coqueiro. A Prefeitura o cortou? Ou o raio o siderou, o caterpilar levou? No perguntar-se geral, sabe menos cada qual do que saberia um coco. Tão simples, e ninguém viu: sem razão de estar ali, privado de Batistinha, o seu coqueiro sumiu. ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp. 1060-1061. ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 95 Escola Estadual Cel. José Batista / Centro Histórico de Itabira-MG / Posted by prof. Dantas FRUTA-FURTO Atrás do grupo-escolar ficam as jabuticabeiras. Estudar, a gente estuda. Mas depois, ei pessoal: furtar jabuticaba. Jabuticaba chupa-se no pé. O furto exaure-se no ato de furtar. Consciência mais leve do que asa ao descer, volto de mãos vazias para casa. ANDRADE, Calos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 3. 6ª ed., Rio de Janeiro: BestBolso, 2014, p. 84. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. .............................................................................................................................................. 96 Casa / Centro Histórico de Itabira-MG / Posted by prof. Dantas CASA Há de dar para a Câmara, de poder a poder. No flanco, a Matriz, de poder a poder. Ter vista para a serra, de poder a poder. Sacadas e sacadas comandando a paisagem. Há de ter dez quartos de portas sempre abertas ao olho e pisar do chefe. Areia fina lavada na sala de visitas. Alcova no fundo sufocando o segredo de cartas e baús enferrujados. Terá um pátio quase espanhol vazio pedrento fotografando o silêncio do sol sobre a laje, da família sobre o tempo. Forno estufado fogão com muita fumaça e renda de picumã nos barrotes. 97 Galinheiro comprido à sombra do muro úmido. Quintal erguido em rampa suave, flores convertidas em hortaliça e chão ofertado ao corpo que adore conviver com formigas, desenterrar minhocas, ler revista e nuvem. Quintal terminando em pasto infinito onde um cavalo espere o dia seguinte e o bambual receba telex do vento. Há de ter tudo isso mais o quarto de lenha mais o quarto de arreios mais a estrebaria para o chefe apear e montar na maior comodidade. Há de ser por fora azul 1911. Do contrário não é casa. Posted by prof. Dantas ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp. 917-918. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 98 Pico do Amor / Itabira –MG / Posted by prof. Dantas AUSÊNCIA Subir ao Pico do Amor e lá em cima sentir presença de amor. No Pico do Amor amor não está. Reina serenidade de nuvens sussurrando ao coração: Que importa? Lá embaixo, talvez, amor está, em lagoa decerto, em grota funda. Ou? mais encoberto ainda, onde se refugiam coisas que não são, e tremem de vir a ser. ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, p. 993. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 99 Parque Municipal da Água Santa / Cento de Itabira - MG / Posted by prof. Dantas BANHO Banheiro de meninos, a Água Santa lava nossos pecados infantis ou lembra que pecado não existe? Água de duas fontes entrançadas, uma aquece, outra esfria surdo anseio de apalpar na laguna a perna, o seio a forma irrevelada que buscamos quando, antes de amar, confusamente amamos. A tarde não cai na Água Santa. Ela pousa na sombra da gameleira, fica vendo meninos se banharem. ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, p. 1046. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. 100 Posted by prof. Dantas [2010] FAZENDEIROS DE CANA Minha terra tem palmeiras? Não. Minha terra tem engenhocas de rapadura e cachaça e açúcar marrom, tiquinho, para o gasto. Canavial se alastra pela serra do Onça, vai ao Mutum, ao Sarcundo, clareia Morro Escuro, Queixadas, Sete Cachoeiras. Capitão-do-Mato enverdece de cana madura, tem cheiro de parati no Bananal e no Lava, no Piçarrão, nas Cobras, no Toco. no Alegre, na Mumbaça. Tem rolete de cana chamando para chupar nas Abóboras, no Quenta-Sol, nas Botas. Tem cana caiana e cana crioula, cana-pitu, cana rajada, cana-do-governo e muitas outras canas e garapas, e bagaço para os porcos em assembleia grunhidora diante da moenda movida gravemente pela junta de bois de sólida tristeza e resignação. As fazendas misturam dor e consolo em caldo verde-garrafa e sessenta mil-réis de imposto fazendeiro. ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 3. 6ª ed., Rio de Janeiro: BestBolso, 2014, pp. 125-126. 101 A PUTA Quero conhecer a puta. A puta da cidade. A única. A fornecedora. Na Rua de Baixo onde é proibido passar. Onde o ar é vidro ardendo e labaredas torram a língua de quem disser: Eu quero a puta quero a puta quero a puta. Ela arreganha dentes largos de longe. Na mata do cabelo se abre toda, chupante boca de mina amanteigada quente. A puta quente. É preciso crescer esta noite inteira sem parar de crescer e querer a puta que não sabe o gosto do desejo do menino o gosto menino que nem o menino sabe, e quer saber, querendo a puta. ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp. 997-998. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. .............................................................................................................................................. 102 CERTIFICADOS ESCOLARES I Do certame literário neste grande educandário, o nosso aluno mineiro, pacato, aplicado, ordeiro, sai louvado com justiça, por ter galgado na liça este sonhado ouropel: o posto de coronel em francês, inglês, latim. Que Deus o conserve assim. II Em literário certame após rigoroso exame escrito, oral e o que mais, de resulatdos cabais, o nosso caro estudante discreto, pouco falante, conquistou em Português, sem mas, porém ou talvez, o ápice colegial dos galões de general. III Por seu bom comportamento em cada hora e momento, seja em aula ou no recreio, na capela ou no passeio, acordado e até no sono (do que todos dão abono), receberá hoje ufano, o prêmio maior do ano, e que em silêncio não passe: medalha de prima classe. IV Que resta fazer agora no adiantado da hora de nossa faina escolar em forma complementar com relação a este aluno e que se torne oportuno para melhor prepará-lo qual adestrado cavalo, da vida no páreo duro? Que seja expulso – escuro. ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 3. 6ª ed., Rio de Janeiro: BestBolso, 2014, pp. 278-280. 103 FINAL DE HISTÓRIA [...] Meu Deus, formei-me deveras? Sou eu, de beca alugada, uma beca só de frente, para uso fotográfico, sou eu, ao lado de mestres Ladeira, Laje, Roberto, e do ínclito diretor doutor Washington Pires? Eu e meus nove colegas mais essas três coleguinhas, é tudo verdade? Vou manipular as poções que cortam a dor do próximo e salvam os brasileiros do canguari e do gálico? Não posso crer. [...] [...] Fico apenas na moldura Do quadro de formatura. ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 3. 6ª ed., Rio de Janeiro: BestBolso, 2014, pp. 345-346. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. 104 As Impurezas do Branco O HOMEM; AS VIAGENS O homem, bicho da Terra tão pequeno Chateia-se na Terra lugar de muita miséria e pouca diversão, faz um foguete, uma cápsula, um módulo toca para a Lua desce cauteloso na Lua pisa na Lua planta bandeirola na Lua experimenta a Lua coloniza a Lua civiliza a Lua humaniza a Lua. Lua humanizada: tão igual à Terra. O homem chateia-se na Lua. Vamos para Marte - ordena a suas máquinas. Elas obedecem, o homem desce em Marte pisa em Marte experimenta coloniza civiliza humaniza Marte com engenho e arte. Marte humanizado, que lugar quadrado. Vamos a outra parte? Claro - diz o engenho sofisticado e dócil. Vamos a Vênus. O homem põe o pé em Vênus, vê o visto - é isto? idem idem idem. O homem funde a cuca se não for a Júpiter proclamar justiça junto com injustiça repetir a fossa repetir o inquieto repetitório. Outros planetas restam para outras colônias. O espaço todo vira Terra-a-terra. O homem chega ao Sol ou dá uma volta só para tever? Não-vê que ele inventa roupa insiderável de viver no Sol. 105 Põe o pé e: mas que chato é o Sol, falso touro espanhol domado. Restam outros sistemas fora Do solar a colonizar. Ao acabarem todos só resta ao homem (estará equipado?) a dificílima dangerosíssima viagem de si a si mesmo: pôr o pé no chão do seu coração experimentar colonizar civilizar humanizar o homem descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas a perene, insuspeitada alegria de con-viver. ANDRADE, Carlos Drummond de. As impurezas do branco. São Paulo: Companhia Das Letras, 2012, pp. 27-29. ESTUDO DO TEXTO 01..Por que o homem conquista o espaço? ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 02. Como o poeta vê as possibilidades da tecnologia? ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 03. Qual é a verdadeira aventura humana, segundo o texto? ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 04. Como você entendeu os versos: ―descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas / a perene, insuspeitada alegria / de con-viver‖. ? ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 106 BRASIL / TARSILA A Aracy Amaral Tarsila descendente direta de Brás Cubas Tarsila princesa do café na alta de ilusões Tarsila engastada na pulseira gótica do colégio Barcelona Tarsila medularmente paulistinha de Capivari reaprendendo o amarelo vivo o rosa violáceo o azul pureza o verde cantante desprezados pelo doutor bom gosto oficial. Tarsila radar tranquilo captando em traço elíptico o vazio da rua de Congonhas com um cachorro e uma galinha servindo de multidão a mudez da rua de São João del Rei com duas meninas no cenário operístico de casas e [igreja o silencio do desvio ferroviário o sono da cidade pequena onde as casas são boizinhos espalhados em presépio. (Tarsila, Oswald e Mário revelando Minas aos mineiros de Anatole.) 107 Tarsila acordando para o pesadelo de assombrações pré-colombianas tão vivas agora como outrora abaporu das noites na fazenda bichos que não existem? mas existentes cactos-animais, pedras-árvores, monstros a expulsar de nossa mente ou a recolher para melhor seguir nosso traçado preternatural. Tarsila mágica, meu Deus, tão simples, alheia às técnicas analíticas de Freud e desvendando as grutas, os alçapões, as perambeiras da consciência rural, expondo ao sol a alegria colorida da libertação. Tarsila relâmpago de beleza no Grande Hotel de Belo Horizonte em 24 acabando com o mandamento das pintoras feias Quero ser em arte a caipirinha de São Bernardo A mais elegante das caipirinhas a mais sensível das parisienses jogada de brincadeira na festa antropofágica . Tarsila nome brasil, musa radiante que não queima, dália sobrevivente no jardim desfolhado, mas constante em serem presença nacional fixada com doçura, Tarsila amora amorável d‘amaral prazer dos olhos meus te encontres azul e rosa e verde para sempre. ANDRADE, Carlos Drummond de. As impurezas do branco. São Paulo: Companhia Das Letras, 2012, pp. 97-98. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. 108 A Paixão Medida O QUE VIVEU MEIA HORA Nascer para não viver só para ocupar estrito espaço numerado ao sol-e-chuva que meticulosamente vai delindo o número enquanto o nome vai-se autocorroendo na terra, nos arquivos na mente volúvel ou cansada até que um dia trilhões de milênios antes do Juízo Final não reste em qualquer átomo nada de uma hipótese de existência. ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, p. 1203. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... 109 Fazendeiro do Ar Nenúfaresde Claude Monet (1840-1926) A LUÍS MAURÍCIO, INFANTE Acorda, Luís Maurício. Vou te mostrar o mundo, se é que não preferes vê-lo de teu reino profundo. Despertando, Luís Maurício, não chores mais que um tiquinho. Se as crianças da América choram em coro, que seria, digamos, do teu vizinho? Que seria de ti, Luís Maurício, pranteando mais que o necessário? Os olhos se inflamam depressa, e do mundo o espetáculo é vário e pede ser visto e amado. É tão pouco, cinco sentidos. Pois que sejam lépidos, Luís Maurício, que sejam novos e comovidos. E como há tempo para viver, Luís Maurício, podes gastá-lo à janela que dá para a JusticiadelTrabajo, onde a imaginosa linha da hera tenazmente compõe seu desenho, recobrindo o que é feio, formal e triste. Sucede que chegou a primavera, menino, e o muro já não existe. Admito que amo nos vegetais a carga de silêncio, Luís Maurício. Mas há que tentar o diálogo quando a solidão é vício. 110 E agora, começa a crescer. Em poucas semanas um homem se manifesta na boca, nos rins, na medalhinha do nome. Já te vejo na proporção da cidade, dessa caminha em que dormes. Dir-se-ia que só o anão de Harrods, hoje velho, entre garotos enormes, conserva o disfarce da infância, como, na sua imobilidade, à esquina de Córdoba e Florida, só aquele velho pendido e sentado, de luvas e sobretudo, vê passar (é cego) o tempo que não enxergamos, o tempo irreversível, o tempo estático, espaço vazio entre ramos. O tempo - que fazer dele? Como adivinhar, Luís Maurício, o que cada hora traz em si de plenitude e sacrifício? Hás de aprender o tempo, Luís Maurício. E há de ser tua ciência uma tão íntima conexão de ti mesmo e tua existência, que ninguém suspeitará nada. E teu primeiro segredo seja antes de alegria subterrânea que de soturno medo. Aprenderás muitas leis, Luís Maurício. Mas se as esqueceres depressa, outras mais altas descobrirás, e é então que a vida começa, e recomeça, e a todo instante é outra: tudo é distinto de tudo, e anda o silêncio, e fala o nevoento horizonte; e sabe guiar-nos o mundo. Pois a linguagem planta suas árvores no homem e quer vê-las cobertas de folhas, de signos, de obscuros sentimentos, e avenidas desertas são apenas as que vemos sem ver, há pelo menos formigas atarefadas, e pedras felizes ao sol, e projetos e cantigas que alguém um dia cantará, Luís Maurício. Procura deslindar o canto. Ou antes, não procures. Ele se oferecerá sob forma de pranto ou de riso. E te acompanhará, Luís Maurício. E as palavras serão servas de estranha majestade. É tudo estranho. Medita por, exemplo, as ervas, enquanto és pequeno e teu instinto, solerte, festivamente se aventura até o âmago das coisas. A que veio, que pode, quanto dura essa discreta forma verde, entre formas? E imagina ser pensado, pela erva que pensas. Imagina um elo, uma afeição surda, um passado articulando os bichos e suas visões, o mundo e seus problemas; imagina o rei com suas angústias, o pobre com seus diademas, imagina uma ordem nova; ainda que uma nova desordem, não será bela? Imagina tudo: o povo,com sua música; o passarinho, com sua donzela; o namorado com seu espelho mágico; a namorada, com seu mistério; a casa, com seu calor próprio; a despedida, com seu rosto sério; o físico, o viajante, o afiador de facas, o italiano das sortes e seu realejo; o poeta, sempre meio complicado; o perfume nativo das coisas e seu arpejo; 111 o menino que é teu irmão, e sua estouvada ciência de olhos líquidos e azuis, feita de maliciosa inocência, que ora viaja enigmas extraordinários; por tua vez, a pesquisa há de solicitar-te um dia, mensagem perturbadora na brisa. É preciso criar de novo, Luís Maurício. Reinventar nagôs e latinos, e as mais severas inscrições, e quantos ensinamentos e os modelos mais finos, de tal maneira a vida nos excede e temos de enfrentá-la com poderosos recursos. Mas seja humilde tua valentia. Repara que há veludo nos ursos. Inconformados e prisioneiros, em Palermo, eles procuram o outro lado, e na sua faminta inquietação, algo se liberta da jaula e seu quadrado. Detém-te. A grande flor do hipopótamo brota da água - nenúfar! E dos dejetos do rinoceronte se alimentam os pássaros. E o açúcar que dás na palma da mão à língua terna do cão adoça todos os animais. Repara que autênticos, que fiéis a um estatuto sereno, e como são naturais. É meio-dia, Luís Maurício, hora belíssima entre todas, pois, unindo e separando os crepúsculos, à sua luz se consumam as bodas do vivo com o que já viveu ou vai viver, e a seu puríssimo raio entre repuxos, os chicos e as palomas confraternizam na Plaza de Mayo. Aqui me despeço e tenho por plenamente ensinado o teu ofício, que de ti mesmo e em púrpura o aprendeste ao nascer, meu netinho Luís Maurício. ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp.724-729. ............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ .............................................................................................................................................. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 112 A Falta que Ama A FALTA QUE AMA Entre areia, sol e grama o que se esquiva se dá, enquanto a falta que ama procura alguém que não há. Está coberto de terra, forrado de esquecimento. Onde a vista mais se aferra, a dália é toda cimento. A transparência da hora corrói ângulos obscuros: cantiga que não implora nem ri, patinando muros. Já nem se escuta a poeira que o gesto espalha no chão. A vida conta-se inteira, em letras de conclusão. Por que é que revoa à toa o pensamento, na luz? E por que nunca se escoa o tempo, chaga sem pus? O inseto petrificado na concha ardente do dia une o tédio do passado a uma futura energia. No solo vira semente? Vai tudo recomeçar? É falta ou ele que sente o sonho do verbo amar? ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp. 680-681. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 113 Crônicas ANTIGAMENTE I ANTIGAMENTE, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficava longos meses debaixo do balaio. E levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era de tirar o pai da forca, e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro, e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que lhes passava manta e azulava, dando às de Vila-Diogo. Os idosos, depois da janta, faziam o quilo, saindo para tomar a fresca; e também tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando balas de altéia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso, se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem com os burros n'água. [...] ANDRADE, Carlos Drummond de. Carlos Drummond de Andrade: prosa seleta: volumeúnico / selecionadas pelo autor. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003, p. 557. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 114 Posted by prof. Dantas DIVAGAÇÃO SOBRE AS ILHAS QUANDO ME ACONTECER alguma pecúnia, passante de um milhão de cruzeiros, compro uma ilha; não muito longe do litoral, que o litoral faz falta; nem tão perto, também que de lá possa eu aspirar a fumaça e a graxa do porto. Minha ilha( e só de a imaginar já me considero habitante) ficará no justo ponto de latitude e de longitude, que, pondo-me a coberto de ventos, sereias e pestes, nem me afaste demasiado dos homens nem me obrigue a praticá-los diuturnamente. Porque esta é a ciência e, direi, a arte do bem-viver; uma fuga relativa, e uma não muito estouvada confraternização. De há muito sonho esta ilha, se é que não a sonhei sempre. Se é que a não sonhamos sempre, inclusive os mais agudos participantes. Objetais-me: "Como podemos amar as ilhas, se buscamos o centro mesmo da ação?" Engajados, vosso engajamento é a vossa ilha, dissimulada e transportável. Por onde fordes, ela irá convosco. Significa a evasão daquilo para que toda alma necessariamente tende, ou seja, a gratuidade dos gestos naturais, o cultivo das formas espontâneas, o gosto de ser um com os bichos, as espécies vegetais, os fenômenos atmosféricos. Substitui , sem anular. Que miragens vê o iluminado no fundo da iluminação?....... Supõe-se político, e é um visionário. Abomina o espírito de fantasia, sendo dos que mais o possuem. Nessa ilha tão irreal, ao cabo, como as da literatura, ele constrói a sua cidade de ouro, e nela reside por efeito da imaginação, administra-a, e até mesmo a tiraniza. Seu mito vale o da liberdade nas ilhas. E, contendor do mundo burguês, que outra coisa faz senão aplicar a técnica do sonho, com que os sensíveis dentre os burgueses se acomodam à realidade, elidindo-a? [...] ANDRADE, Carlos Drummond de. Carlos Drummond de Andrade: prosa seleta: volumeúnico / selecionadas pelo autor. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003, p. 231. ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 115 VENDE A CASA [...] Agora temos de fechar e sair; vendi a casa. Será demolida, como todas as casas que restam serão demolidas. Era a única que sobrava nesta quadra; fora do alinhamento, sua massa barriguda tinha alguma coisa de insolente, de provocativo. Não podia continuar. Isto é, podia. Eu é que entreguei os pontos. Agora veja o que está se passando. Mal assinei a escritura e voltei, começo a sentir-me estranho na casa. Rompeu-se um laço, mais do que isso, uma fibra. Eu não sabia ao certo o que é uma casa. Agora sei, e estou meio envergonhado. ANDRADE, Carlos Drummond de. Prosa seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 2003, p.489. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 116 ASSISTE À DEMOLIÇÂO [...] Chega o instante em que compreendemos a demolição como um resgate de formas cansadas, sentença de liberdade. Talvez sejamos levados a essa compreensão pelo trabalho similar, mais surdo, que se vai desenvolvendo em nós. E não preciso imaginar a alegria de formas novas, mais claras, a surgirem constantemente de formas caducas, para aceitar de coração sereno o fim das coisas que se ligaram à nossa vida. [...] ANDRADE, Carlos Drummond de. Prosa seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 2003, p.490. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... 117 OS DIAS LINDOS NÃO BASTA SENTIR a chegada dos dias lindos. É necessário proclamrar: ― Os dias ficaram lindos‖. Acontece em abril, nessa curva do mês que descamba para a segunda metade. Os bolentins meteorológicos não se lembraram de anunciá-lo em lingaugem especial. Nenhuma autoridade, munida de organismo publicitário, tirou partido do acontecimento. Discretos, silenciosos, chegaram os dias lindos. [...] ANDRADE, Carlos Drummond de. Prosa seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 2003, p. 769. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ 118 Contos A DOIDA A DOIDA habitava um chalé no centro do jardim maltratado. E a rua descia para o córrego, onde os meninoscostumavam banhar-se. Era só aquele chalezinho, à esquerda, entre o barranco e um chão abandonado; àdireita, o muro de um grande quintal. E na rua, tornada maior pelo silêncio, o burro pastava. Rua cheia decapim, pedras soltas, num declive áspero. Onde estava o fiscal, que não mandava capiná-la? Os três garotos desceram manhã cedo, para o banho e a pega de passarinho. Só com essa intenção. Mas erabom passar pela casa da doida e provocá-la. As mães diziam o contrário: que era horroroso, poucos pecadosseriam maiores. Dos doidos devemos ter piedade, porque eles não gozam dos benefícios com que nós, ossãos, fomos aquinhoados. Não explicavam bem quais fossem esses benefícios, ou explicavam demais, erestava a impressão de que eram todos privilégios de gente adulta, como fazer visitas, receber cartas, entrarpara irmandade. E isso não comovia ninguém. A loucura parecia antes erro do que miséria. E os três sentiam-seinclinados a lapidar a doida, isolada e agreste no seu jardim. Como era mesmo a cara da doida, poucos poderiam dizê-lo. Não aparecia de frente e de corpo inteiro, comoas outras pessoas, conversando na calma. Só o busto, recortado, numa das janelas da frente, as mãos magras,ameaçando. Os cabelos, brancos e desgrenhados. E a boca inflamada, soltando xingamentos, pragas, numavoz rouca. Eram palavras da Bíblia misturadas a termos populares, dos quais alguns pareciam escabrosos, etodos fortíssimos na sua cólera. Sabia-se confusamente que a doida tinha sido moça igual às outras no seu tempo remoto (contava mais de sessentaanos, e loucura e idade, juntas, lhe lavravam o corpo). Corria, com variantes, a história de que fora noiva deum fazendeiro, e o casamento, uma festa estrondosa; mas na própria noite de núpcias o homem a repudiara,Deus sabe por que razão. O marido ergueu-se terrível e empurrou-a, no calor do bate-boca; ela rolou escadaabaixo, foi quebrando ossos, arrebentando-se. Os dois nunca mais se viram. Já outros contavam que o pai,não o marido, a expulsara, e esclareciam que certa manhã o velho sentira um amargo diferente no café, eleque tinha dinheiro grosso e estava 119 custando a morrer – mas nos racontos antigos abusava-se de veneno. Dequalquer modo, as pessoas grandes não contavam a história direito, e os meninos deformavam o conto.Repudiada por todos, ela se fechou naquele chalé do caminho do córrego, e acabou perdendo o juízo. Perderaantes todas as relações. Ninguém tinha ânimo de visitála. O padeiro mal jogava o pão na caixa de madeira, àentrada, e eclipsava-se. Diziam que nessa caixa uns primos generosos mandavam pôr, à noite, provisões eroupas, embora oficialmente a ruptura com a família se mantivesse inalterável. Às vezes uma preta velhaarriscava-se a entrar, com seu cachimbo e sua paciência educada no cativeiro, e lá ficava dois ou três meses,cozinhando. Por fim a doida enxotava-a. E, afinal, empregada nenhuma queria servi-la. Ir viver com a doida,pedir a bênção à doida, jantar em casa da doida, passou a ser, na cidade, expressões de castigo e símbolos deirrisão. Vinte anos de tal existência, e a legenda está feita. Quarenta, e não há mudá-la. O sentimento de que a doidacarregava uma culpa, que sua própria doidice era uma falta grave, uma coisa aberrante, instalou-se noespírito das crianças. E assim, gerações sucessivas de moleques passavam pela porta, fixavamcuidadosamente a vidraça e lascavam uma pedra. A princípio, como justa penalidade. Depois, por prazer.Finalmente, e já havia muito tempo, por hábito. Como a doida respondesse sempre furiosa, criara-se namente infantil a ideia de um equilíbrio por compensação, que afogava o remorso. Em vão os pais censuravam tal procedimento. Quando meninos, os pais daqueles três tinham feito o mesmo,com relação à mesma doida, ou a outras. Pessoas sensíveis lamentavam o fato, sugeriam que se desse umjeito para internar a doida. Mas como? O hospício era longe, os parentes não se interessavam. E daí –explicava-se ao forasteiro que porventura estranhasse a situação – toda cidade tem seus doidos; quase quetoda família os tem. Quando se tornam ferozes, são trancados no sótão; fora disto, circulam pacificamentepelas ruas, se querem fazê-lo, ou não, se preferem ficar em casa. E doido é quem Deus quis que ficassedoido... Respeitemos sua vontade. Não há remédio para loucura; nunca nenhum doido se curou, que a cidadesoubesse; e a cidade sabe bastante, ao passo que livros mentem. Os três verificaram que quase não dava mais gosto apedrejar a casa. As vidraças partidas não se recompunham mais. A pedra batia no caixilho ou ia aninhar-se lá dentro, para voltar com palavras iradas.Ainda haveria louça por destruir, espelho, vaso intato? Em todo caso, o mais velho comandou, e os outrosobedeceram na forma do sagrado costume. Pegaram calhaus lisos, de ferro, tomaram posição. Cada umjogaria por sua vez, com intervalos para observar o resultado. O chefe reservou-se um objetivo ambicioso: achaminé. O projétil bateu no canudo de folhadeflandres enegrecido – blem – e veio espatifar uma telha, comestrondo. Um bem-te-vi assustado fugiu da mangueira próxima. A doida, porém, parecia não ter percebido aagressão, a casa não reagia. Então o do meio vibrou um golpe na primeira janela. Bam! Tinha atingido umalata, e a onda de som propagou-se lá dentro; o menino sentiu-se recompensado. Esperaram um pouco, paraouvir os gritos. As paredes descascadas, sob as trepadeiras e a hera da grade, as janelas abertas e vazias, ojardim de cravo e mato, era tudo a mesma paz. Aí o terceiro do grupo, em seus onze anos, sentiu-se cheio de coragem e resolveu invadir o jardim. Não sópodia atirar mais de perto na outra janela, como até, praticar outras e maiores façanhas. Os companheiros,desapontados com a falta do espetáculo cotidiano, não, queriam segui-lo. E o chefe, fazendo valer suaautoridade, tinha pressa em chegar ao campo. 120 O garoto empurrou o portão: abriu-se. Então, não vivia trancado? ...E ninguém ainda fizera a experiência.Era o primeiro a penetrar no jardim, e pisava firme, posto que cauteloso. Os amigos chamavam-no,impacientes. Mas entrar em terreno proibido é tão excitante que o apelo perdia toda a significação. Pisar umchão pela primeira vez; e chão inimigo. Curioso como o jardim se parecia com qualquer um; apenas era maisselvagem, e o melão-de-são-caetano se enredava entre as violetas, as roseiras pediam poda, o canteiro decravinas afogava-se em erva. Lá estava, quentando sol, a mesma lagartixa de todos os jardins, cabecinhamóbil e suspicaz. O menino pensou primeiro em matar a lagartixa e depois em atacar a janela. Chegou pertodo animal, que correu. Na perseguição, foi parar rente do chalé, junto à cancelinha azul (tinha sido azul) quefechava a varanda da frente. Era um ponto que não se via da rua, coberto como estava pela massa de folhagemo A cancela apodrecera, o soalho da varanda tinha buracos, a parede, outrora pintada de rosa e azul,abria-se em reboco, e no chão uma farinha de caliça denunciava o estrago das pedras, que a louca desistira dereparar. A lagartixa salvara-se, metida em recantos só dela sabidos, e o garoto galgou os dois degraus, empurroucancela, entrou. Tinha a pedra na mão, mas já não era necessária; jogou-a fora. Tudo tão fácil, que até iaperdendo o senso da precaução. Recuou um pouco e olhou para a rua: os companheiros tinham sumido. Ouestavam mesmo com muita pressa, ou queriam ver até aonde iria a coragem dele, sozinho em casa da doida.Tomar café com a doida. Jantar em casa da doida. Mas onde estaria a doida? A princípio não distinguiu bem, debruçado à janela, a matéria confusa do interior. Os olhos estavam cheiosde claridade, mas afinal se acomodaram, e viu a sala, completamente vazia e esburacada, com umcorredorzinho no fundo, e no fundo do corredorzinho uma caçarola no chão, e a pedra que o companheirojogará. Passou a outra janela e viu o mesmo abandono, a mesma nudez. Mas aquele quarto dava para outro cômodo,com a porta cerrada. Atrás da porta devia estar a doida, que inexplicavelmente não se mexia, para enfrentar oinimigo. E o menino saltou o peitoril, pisou indagador no soalho gretado, que cedia. A porta dos fundos cedeu igualmente à pressão leve, entreabrindo-se numa faixa estreita que mal davapassagem a um corpo magro. No outro cômodo a penumbra era mais espessa parecia muito povoada. Difícil identificar imediatamente asformas que ali se acumulavam. O tato descobriu uma coisa redonda e lisa, a curva de uma cantoneira. O fiode luz coado do jardim acusou a presença de vidros e espelhos. Seguramente cadeiras. Sobre uma mesagrande pairavam um amplo guarda-comida, uma mesinha de toalete mais algumas cadeiras empilhadas, umabajur de renda e várias caixas de papelão. Encostado à mesa, um piano também soterrado sob a pilha deembrulhos e caixas. Seguia-se um guarda-roupa de proporções majestosas, tendo ao alto dois quadrosvirados para a parede, um baú e mais pacotes. Junto à única janela, olhando para o morro, e tapando pelametade a cortina que a obscurecia, outro armário. Os móveis enganchavam-se uns nos outros, subiam ao teto. A casa tinha se espremido ali, fugindo à perseguição de quarenta anos. O menino foi abrindo caminho entre pernas e braços de móveis, contorna aqui, esbarra mais adiante. quarto era pequeno e cabia tanta coisa. Atrás da massa do piano, encurralada a um canto, estava a cama. E nela, busto soerguido, a doida esticava orosto para a frente, na investigação do rumor insólito. 121 Não adiantava ao menino querer fugir ou esconder-se. E ele estava determinado a conhecer tudo daquelacasa. De resto, a doida não deu nenhum sinal de guerra. Apenas levantou as mãos à altura dos olhos, comopara protegê-los de uma pedrada. Ele encarava-a, com interesse. Era simplesmente uma velha, jogada num catre preto de solteiro, atrás de umabarricada de móveis. E que pequenininha! O corpo sob a coberta formava uma elevação minúscula. Miúda,escura, desse sujo que o tempo deposita na pele, manchando-a. E parecia ter medo. Mas os dedos desceram um pouco, e os pequenos olhos amarelados encararam por sua vez o intruso comatenção voraz, desceram às suas mãos vazias, tornaram a subir ao rosto infantil. A criança sorriu, de desaponto, sem saber o que fizesse. Então a doida ergueu-se um pouco mais, firmando-se nos cotovelos. A boca remexeu, deixou passar um somvago e tímido. Como a criança não se movesse, o som indistinto se esboçou outra vez. Ele teve a impressão de que não era xingamento, parecia antes um chamado. Sentiu-se atraído para a doida, etodo desejo de maltratá-la se dissipou. Era um apelo, sim, e os dedos, movendo-se canhestramente, oconfirmavam. O menino aproximou-se, e o mesmo jeito da boca insistia em soltar a mesma palavra curta, que entretantonão tomava forma. Ou seria um bater automático de queixo, produzindo um som sem qualquer significação? Talvez pedisse água. A moringa estava no criado - mudo, entre vidros e papéis. Ele encheu o copo pelametade, estendeu-o. A doida parecia aprovar com a cabeça, e suas mãos queriam segurar sozinhas, mas foipreciso que o menino a ajudasse a beber. Fazia tudo naturalmente, e nem se lembrava mais por que entrara ali, nem conservava qualquer espécie deaversão pela doida. A própria ideia de doida desaparecera. Havia no quarto uma velha com sede, e que talvezestivesse morrendo. Nunca vira ninguém morrer, os pais o afastavam se havia em casa um agonizante. Mas deve ser assim que aspessoas morrem. Um sentimento de responsabilidade apoderou-se dele. Desajeitadamente, procurou fazer com que a cabeçarepousasse sobre o travesseiro. Os músculos rígidos da mulher não o ajudavam. Teve que abraçar-lhe osombros – com repugnância – e conseguiu, afinal, deitá-la em posição suave. Mas a boca deixava passar ainda o mesmo ruído obscuro, que fazia crescer as veias do pescoço, inutilmente.Água não podia ser, talvez remédio... Passou-lhe um a um, diante dos olhos, os frasquinhos do criado-mudo. Sem receber qualquer sinal deaquiescência. Ficou perplexo, irresoluto. Seria caso talvez de chamar alguém, avisar o farmacêutico maispróximo, ou ir à procura do médico, que morava longe. Mas hesitava em deixar a mulher sozinha na casaaberta e exposta a pedradas. E tinha medo de que ela morresse em completo abandono, como ninguém nomundo deve morrer, e isso ele sabia que não apenas porque sua mãe o repetisse sempre, senão tambémporque muitas vezes, acordando no escuro, ficara gelado por não sentir o calor do corpo do irmão e seu bafoprotetor. 122 Foi tropeçando nos móveis, arrastou com esforço o pesado armário da janela, desembaraçou acortina, e a luz invadiu o depósito onde a mulher morria. Com o ar fino veio uma decisão. Não deixaria amulher para chamar ninguém. Sabia que não poderia fazer nada para ajudá-la, a não ser sentar-se à beira dacama, pegar-lhe nas mãos e esperar o que ia acontecer. ANDRADE, Carlos Drummond de. A doida. In: Contos de aprendez. 58ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010, pp.37-44. ESTUDO DO TEXTO A Doida ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 123 A TERRA DO ÍNDIO O ÍNDIO, informado de que aquela era A Semana do Índio, espera na oca a chegada de visitante, que certamente iriam cumprimenta -lo e levar-lhe algumas utilidades como presente. Chegou foi um homem de papel na mão, convidando-o a mudar-se com presteza, pois a terra fora adquirida por uma empresa de reflorestamento, que estava com toda a documentação em ordem. O índio objetou que naquele chão viveram seu pai, o pai de seu pai e todos os pais anteriores, juntamente com a tribo. E ele não tinha para onde ir. O homem sugeriu-lhe que fosse trabalhar na construção do metrô do Rio de Janeiro, cuja empresa não alimenta discriminação contra índios. Era solução a curto prazo. A longo prazo, cogitava -se de criar a reserva indígena urbana de Jacarepaguá – a Indiamares -, financiada pelo BNH e controlada pela Riotur. Os índios teriam direito a INPS, férias e aposentadoria, apresentando-se em shows, como autônomos. Mas ali, não. Aquela terra tinha dono, com papel passado. Fim. ANDRADE, Carlos Drummond de. A terra do índio. In: Contos plausíveis. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985, p.48. ESTUDO DO TEXTO ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 124 ATIVIDADES 01. Cidadezinha Qualquer Casas entre bananeiras mulheres entre laranjeiras pomar amor cantar. Um homem vai devagar. Um cachorro vai devagar. Um burro vai devagar. Devagar... as janelas olham. Eta vida besta, meu Deus. Todas as características modernistas citadas abaixo podem ser identificadas no poema de Drummond, exceto: A [ ] Reaproveitamento do popular e do coloquial, uso de uma linguagem simples, fácil, próxima da expressão oral. B [ ] Concepção do poético como um texto aberto; um discurso que oferece multiplicidade de sentidos e interpretações. C [ ] Crítica ao mundo rural, ao universo primitivo, distante do progresso, da civilização mecânica e industrial. D [ ] Exploração do imprevisível, do inesperado; o corte brusco, a fragmentação de ideias possibilita o surgimento do humor. 02..Sobre Carlos Drummond de Andrade, é incorreto afirmar que: A [ ] O autor dedicou sua carreira exclusivamente à poesia. B [ ] A obra poética do autor percorreu várias fases, representando a própria evolução da poesia moderna brasileira. C [ ] Utiliza em muitos de seus poemas o verso livre, correspondendo aos ideaisrenovadores instaurados em 1922. D [ ] Cita em muitos poemas Itabira, sua cidade natal. E [ ] Estreou em 1930 com o livro Alguma Poesia. 125 03. Texto "Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. o tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente." (Carlos Drummond de Andrade - Mãos Dadas) A leitura dos versos acima nos leva à seguinte interpretação: A [ ] O autor reafirma a temática do Romantismo com expressões "suspiros ao anoitecer", "paisagem vista da janela" B [ ]Embora use a negação em uma série de versos, o poeta concebe um mundo em ilhas onde pretende viver. C [ ] A matéria ou os temas de escolha do poeta estão relacionados com a época em que ele vive, ou seja, a atualidade. D [ ] os temas escolhidos pelo autor devem incluir, obrigatoriamente, a mulher e a natureza. E [ ] Devido ao emprego excessivo de negações e de verbos no futuro, não se pode precisar a intenção do poeta. 04. Enem 2012 AQUELE BÊBADO — Juro nunca mais beber — e fez o sinal da cruz com os indicadores. Acrescentou: — Álcool. O mais ele achou que podia beber. Bebia paisagens, músicas de Tom Jobim, versos de Mário Quintana. Tomou um pileque de Segall. Nos fins de semana, embebedava-se de Índia Reclinada, de Celso Antônio. — Curou-se 100% do vício — comentavam os amigos. Só ele sabia que andava mais bêbado que um gambá. Morreu de etilismo abstrato, no meio de uma carraspana de pôr do sol no Leblon, e seu féretro ostentava inúmeras coroas de ex-alcoólatras anônimos. ANDRADE, C. D. Contos plausíveis. Rio de Janeiro: Record, 1991. A causa mortis do personagem, expressa no último parágrafo, adquire um efeito irônico no texto porque, ao longo da narrativa, ocorre uma A [ ] metaforização do sentido literal do verbo ―beber‖. B [ ] aproximação exagerada da estética abstracionista. C [ ] apresentação gradativa da coloquialidade da linguagem. D [ ] exploração hiperbólica da expressão ―inúmeras coroas‖. E [ ] citação aleatória de nomes de diferentes artistas. 126 05. Enem 2009 Confidência do Itabirano Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas. E esse alheamento do que na vida é porosidade e [comunicação. A vontade de amar, que me paralisa o trabalho, vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres esem horizontes. E o hábito de sofrer, que tanto me diverte, é doce herança itabirana. De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço: esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil, este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval; este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas; este orgulho, esta cabeça baixa... Tive ouro, tive gado, tive fazendas. Hoje sou funcionário público. Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói! ANDRADE, C. D. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003. Carlos Drummond de Andrade é um dos expoentes do movimento modernista brasileiro. Com seus poemas, penetrou fundo na alma do Brasil e trabalhou poeticamente as inquietudes e os dilemas humanos. Sua poesia é feita de uma relação tensa entre o universal e o particular, como se percebe claramente na construção do poema Confidência do Itabirano. Tendo em vista os procedimentos de construção do texto literário e as concepções artísticas modernistas, conclui-se que o poema acima A [ ] representa a fase heroica do modernismo, devido ao tom contestatório e à utilização de expressões e usos linguísticos típicos da oralidade. B [ ] apresenta uma característica importante do gênero lírico, que é a apresentação objetiva de fatos e dados históricos. C [ ] evidencia uma tensão histórica entre o ―eu‖ e a sua comunidade, por intermédio de imagens que representam a forma como a sociedade e o mundo colaboram para a constituição do indivíduo. D [ ] critica, por meio de um discurso irônico, a posição de inutilidade do poeta e da poesia em comparação com as prendas resgatadas de Itabira. E [ ] apresenta influências românticas, uma vez que trata da individualidade, da saudade da infância e do amor pela terra natal, por meio de recursos retóricos pomposos. 127 06. Relacione a imagem abaixo a um dos poemas citados: A [ ] Que beleza, Montes Claros. Como cresceu Montes Claros. Quanta indústria em Montes Claros. Montes Claros cresceu tanto, ficou urbe tão notória, prima-rica do Rio de Janeiro, que já tem cinco favelas por enquanto, e mais promete. [Carlos Drummond de Andrade. ―Favelário nacional‖. In: Corpo] B [ ] Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê. Na cidade toda de ferro as ferraduras batem como sinos. Os meninos seguem para a escola. Os homens olham para o chão. Os ingleses compram a mina. [...] [Carlos Drummond de Andrade. ―Laterna mágica‖. In: Alguma poesia] C [ ]Casas entre bananeiras mulheres entre laranjeiras pomar amor cantar. Um homem vai devagar. Um cachorro vai devagar. Um burro vai devagar. Devagar... as janelas olham. Eta vida besta, meu Deus. [Carlos Drummond de Andrade. ―Cidadezinha Qualquer.‖ In: Alguma poesia] 128 07. ENADE – 2005 [Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes] A ―cidade‖ retratada na pintura de Alberto Veiga Guinard está tematizada nos versos A).Por entre o Beberibe, e o Oceano Em uma areia sáfia, e lagadiça Jaz o Recife povoação mestiça, Que o belga edificou ímpio tirano. (MATOS, Gregório de. Obra poética. Ed. James Amado. Rio de Janeiro: Record, 1990. Vol. II, p. 1191.) (B)Repousemos na pedra de Ouro Preto, Repousemos no centro de Ouro Preto: São Francisco de Assis! igreja ilustre, acolhe, À tua sombra irmã, meus membros lassos. (MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Org. Luciana Stegagno Picchio. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 460.) (C) Bembelelém Viva Belém! Belém do Pará porto moderno integrado naequatorial Beleza eterna da paisagem Bembelelém Viva Belém! (BANDEIRA, Manuel. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958. Vol. I, p. 196.) (D) Bahia, ao invés de arranha-céus, cruzes e cruzes De braços estendidos para os céus, E na entrada do porto, Antes do Farol da Barra, O primeiro Cristo Redentor do Brasil! (LIMA, Jorge de. Poesia completa. Org. Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. p. 211.) (E) No cimento de Brasília se resguardam maneiras de casa antiga de fazenda, de copiar, de casa-grande de engenho, enfim, das casaronas de alma fêmea. (MELO NETO, João Cabral. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 343.) 129 08. PROVÂO – 1998 É correto afirmar que a poesia de Carlos Drummondde Andrade, (A) fiel às raízes modernistas, revela permanentepreocupação com a pesquisa de formas e com onacionalismo crítico. (B) não obstante tributária das várias vanguardaseuropéias, realizou-se enquanto lírica de autênticovalor regional. (C) atendendo a uma vocação satírica, fez do mundo oobjeto de seu escárnio e, das formas clássicas,matéria de suas paródias. (D) expressão de uma personalidade conflitiva, é marcada, em suas várias fases, pela negação ou pela relativização crítica. (E) essencialmente emotiva, afirma as paixões positivasdo indivíduo contra a tendência moderna damassificação. 09..(FUVEST-SP) Procura da Poesia Não faças versos sobre acontecimentos. Não há criação nem morte perante a poesia. Diante dela, a vida é um sol estático, não aquece nem ilumina. (...) Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. Estão paralisados, mas não há desespero, há calma e frescura na superfície intata. Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário. (...) ( Carlos Drummond de Andrade, A rosa do povo.) No contexto do livro, a afirmação do caráter verbal da poesia e a incitação a que se penetre ―no reino das palavras‖, presentes no excerto, indicam que, para o poeta de ARosa do Povo, a)..praticar a arte pela arte é a maneira mais eficaz de se opor ao mundo capitalista. b) a procura da boa poesia começa pela estrita observância da variedade padrão da linguagem. c) fazer poesia é produzir enigmas verbais que não podem nem devem ser interpretados. d) as intenções sociais da poesia não a dispensam de ter em conta o que é próprio da linguagem. e) os poemas metalinguísticos, nos quais a poesia fala apenas de si mesma, são superiores aos poemas que falam também de outros assuntos. 130 10. ENADE -2008 Considerando, para além do aspecto temático, a associação entrea forma e o estilo de representação dos textos literários e dosquadros apresentados a seguir, assinale a opção em que não severifica uma inter-relação de semelhança entre literatura e pintura. [A]Alucinação de mesas que se comportam como fantasmas reunidos solitários glacia. [Carlos Drummond de Andrade. Farewell] Van Gogh. Café Noturno [B] A perfeição, a graça, o doce jeito, A Primavera cheia de frescura, Que sempre em vós floresce; a que a ventura E a razão entregaram este peito.[Luís de Camões. Obras] Sandro Botticelli. Onascimento de Vênus [C]A luz de três sóis ilumina as três luas girando sobre a terra varrida de defuntos. Varrida de defuntos mas pesada de morte: como a água parada, a fruta madura [João Cabral de Melo Neto. Poesias completas] Vicente do Rego Monteiro. PaisagemZero [D] Cidade a fervilhar cheia de sonhos, onde O espectro, em pleno dia, agarra-se ao passante! Flui o mistério em cada esquina, cada fronte, Cada estreito canal do colosso possante. [Charles Baudelaire. Asflores do mal.] Frans Post. Povoado do Brasil Frans Post. Povoado no Brasil [E] Não vê que me lembrei lá no norte, meu Deus! muito longe de mim, Na escuridão ativa da noite que caiu, Um homem (...) Depois de fazer uma pele com a borracha do dia, Faz pouco se deitou, está dormindo. Esse homem é brasileiro que nem eu... [Mário de Andrade. Descobrimento] Santa Rosa. Madrugada 131 11. (FUVEST) I (...) Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples. Se quer fumar um charuto aperte um botão. Paletós abotoam-se por eletricidade. Amor se faz pelo sem-fio. Não precisa estômago para digestão. (...) (O sobrevivente) II Cota zero Stop. A vida parou. Ou foi o automóvel? Sobre esses versos, extraídos de Alguma Poesia, pode-se dizer que: (A).Os dois textos podem ser aproximados quanto ao tema (mecanização do cotidiano); entretanto, enquanto o primeiro apresenta uma visão crítica sobre o tema, o segundo faz uma apologia bem-humorada do progresso urbano. (B) Os textos assemelham-se não apenas quanto ao tema (automatização da vida humana), mas também quanto à linguagem: ambos apresentam a brevidade e a descontinuidade sintática características de Alguma Poesia. (C) A crítica à mecanização excessiva que caracteriza a vida moderna evidencia-se, no texto I, especialmente no emprego da antítese no primeiro verso, e, no texto II, no emprego do estrangeirismo, ou barbarismo (stop). (D) O texto II apresenta, através de uma linguagem marcada pela concisão telegráfica, a crítica presente no texto I, uma vez que os termos zero, stop e parou indicam a total dependência da vida moderna em relação às máquinas. (E) A máquina como assunto poético pode ser verificada nos dois textos, o que torna evidente a influência exercida, sobre o autor, da vanguarda artística conhecida como futurismo. 132 12. Marque as alternativas corretas e some os valores: 01..Carlos Drummond de Andrade, que nasceu em Cordisburgo-MG, pode ser considerado o maior poeta contemporâneo brasileiro, pela complexidade de sua visão-demundo e pela linguagem. 02.. Em sua obra encontramos quatro fases: a do cotidiano; a da denúncia social; a da retomada dos mitos primitivos e infantis e a da reflexão sobre a poesia. 04. Em ―Cidadezinha Qualquer‖, Drummond nos fala de uma pequena cidade, de modo irônico: «Eta vida besta, meu Deus!» 08. O texto ―José‖ resume as características fundamentais da carreira de Drummond: o cotidiano, a denúncia da situação vazia e sem sentido, a amargura frente ao mundo e a ironia. 16. O poeta extrai poesia da realidade banal, elevando o homem José a símbolo da Humanidade. ________ 13. (FUVEST) Pode-se dizer que os poemas de Alguma Poesia filiam-se às propostas estéticas da primeira geração modernista porque: (A) exalta-se o dinamismo da urbanidade, que possibilita uma vida mais plena e satisfatória. (B) demonstram a preocupação do autor em abordar temas relacionados à diversidade cultural brasileira, a partir de uma ótica ingênua que pode ser chamada de "primitivista". (C) através do desenvolvimento de temas prosaicos, incorporam o cotidiano como matéria de poesia, idealizando-o como o âmbito dos acontecimentos e sentimentos sublimes. (D) caracterizam-se pela brevidade e pelo espírito de síntese, já que se apresentam na forma de poemas-pílula. (E) apresentam retratos urbanos e provincianos em que, normalmente, prevalece menos uma lógica descritiva que uma perspectiva prismática da realidade vivida e observada. 133 14. XLIV SABERÁS que não te amo e que te amo posto que de dois modos é a vida, a palavra é uma asa do silêncio, o fogo tem uma metade de frio. Eu te amo para começar a amar-te,Pablo Neruda para recomeçar o infinito e para não deixar de amar-te nunca: por isso não te amo ainda. Te amo e não te amo como se tivesse em minhas mãos as chaves da fortuna e um incerto destino desafortunado. Meu amor tem duas vidas para amar-te. Por isso te amo quando não te amo e por isso te amo quando te amo. NERUDA, Pablo. Cem sonetos de amor. Porto Alegre: L&PM, s/d, p. 56. AS SEM-RAZÕES DO AMOR Eu te amo porque não amo bastante ou demais a mim. Porque amor não se troca, não se conjuga nem se ama. Porque amor é amor a nada, feliz e forte em si mesmo. Eu te amo porque te amo. Não precisas ser amante, e nem sempre sabes sê-lo. Eu te amo porque te amo. Amor é estado de graça e com amor não se paga. Amor é primo da morte, e da morte vencedor, por mais que o matem (e matam) a cada instante de amor. Amor é dado de graça é semeado no vento, na cachoeira, no eclipse. Amor foge a dicionários e a regulamentos vários. ANDRADE, Carlos Drummond de. In: Corpo. Nos dois poemas, o amor é algo que se possa controlar, regular ou explicar com lógica e coerência ? Por quê? ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 134 15. Marque as alternativas incorretas e some os valores: 01..Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 1902. Após os estudos secundários em Friburgo e Belo Horizonte, forma-se em Farmácia. 02..A poesia de Drummond denuncia um tempo, onde as pessoas são coisificadas (transformadas em coisas, em objetos). 04. A fase de Sentimento do Mundo e Rosa do Povo foi marcada pela temática social, sob o signo da resistência à expansão nazifascista. 08. Desde seu primeiro livro, Carlos Drummond de Andrade escreveu uma obra poética vasta, densa de poesia, refletindo a vida do ser humano deste atormentado século. 16. A estreia de Drummond ocorreu em 1945 com o volume Alguma Poesia. 32. O poema Quadrilha, publicado em Alguma Poesia representa bem a fase modernista de Carlos Drummond de Andrade. Nele, os versos são soltos, o tom ameno, natural, cotidiano; no entanto, o tema é sério. O encontro amoroso. 64. O primeiro grande poeta que se afirmou depois das estreias modernistas foi CarlosDrummond de Andrade. Definindo-lhe lucidamente o caráter, disse Otto Maria Carpeaux da sua obra que ―expressão duma alma muito pessoal, é poesia objetiva.‖ _______ 16. Marque as alternativas corretas e some os valores 01..Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira (Minas Gerais), em 1902. É de família ligada às tradições dos povoados, mineradores e fazendeiros de sua região. Apesar de formado em Farmácia, dedicou-se ao jornalismo. 02..O Drummond ―poeta público‖ da Rosa do Povo foi a fase intensa, mas breve, de uma esperança que nasceu sob a Resistência do mundo livre à fúria nazifascista, mas que logo se retraiu com o advento da Guerra Fria. 04. Independentemente da temática, a poesia de Carlos Drummond de Andrade revela sempre uma grande elaboração formal. A maioria das composições é em versos livres ou irregulares. 08. Em Brejo das Almas (1934), estão presentes a reflexão amarga, o sentimento absurdo da existência, o impasse entre o artista e a sociedade. 16. Em Sentimento do Mundo (1940), o poeta, horrorizado diante dos morticínios da II Guerra Mundial, expressa o desejo de solidariedade humana. 32. O famoso poema José é um manifesto de desesperança. 64. Em Rosa do Povo (1945), atinge seu ponto máximo no terreno da poesia participante. _______ 135 17. Relacione a imagem abaixo a um dos poemas citados: A [ ] (O que se passa na cama é segredo de quem ama.) É segredo de quem ama não conhecer pela rama gozo que seja profundo, [...] ANDRADE, Carlos Drummond de. In: ―O que se passa na cama‖. In: O amor natural. B [ ] A moça mostrava a coxa, a moça mostrava a nádega, só não mostrava aquilo – concha, berilo, esmeralda – [...] ANDRADE, Carlos Drummond de. In: ―A moça mostrava a coxa‖. In: O amor natural. C [ ] As coisas que amamos, as pessoas que amamos são eternas até certo ponto. Duram o infinito variável no limite de nosso poder de respirar a eternidade. [...] ANDRADE, Carlos Drummond de. ―A hora do cansaço‖. In:Corpo. 136 18. Relacione a imagem abaixo a um dos poemas citados: A [ ] Seu desejo não era desejo corporal. Era desejo de ter filho, de sentir, de saber que tinha filho, um só filho que fosse, mas um filho. [...] ANDRADE, Carlos Drummond de. ―Maternidade ‖. In:Corpo. B [ ] Por que nascemos para amar, se vamos morrer? Por que morrer, se amamos? Por que falta sentido ao sentido de viver, amar, morrer? " [...] ANDRADE, Carlos Drummond de. ―Por que? ‖. In:Corpo. C [ ] A metafísica do corpo se entremostra nas imagens. A alma do corpo modula em cada fragmento sua música de esferas e de essências além da simples carne e simples unhas. [...] ANDRADE, Carlos Drummond de. ―A metafísica do corpo ‖. In:Corpo. 137 19. (PUCCAMP) Texto para as questões 1 e 2 SENTIMENTAL Ponho-me a escrever teu nome com letras de macarrão. No prato, a sopa esfria, cheia de escamas E debruçados na mesa todos contemplam esse romântico trabalho. Desgraçadamente falta uma letra, uma letra somente para acabar teu nome! - Está sonhando? Olhe que a sopa esfria! Eu estava sonhando... E há em todas as consciências um cartaz amarelo: ―Neste país é proibido sonhar.‖ 1. Este poema é caracteristicamente modernista, porque nele: a) A uniformidade dos versos reforça a simplicidade dos sentimentos experimentados pelo poeta. b) Tematiza-se o ato de sonhar, valorizando-se o modo de composição da linguagem surrealista. c) Satiriza-se o estilo da poesia romântica, defendendo os padrões da poesia clássica. d) A linguagem coloquial dos versos livres apresenta com humor o lirismo encarnado na cena cotidiana. e) O dia-a-dia surge como novo palco das sensações poéticas, sem imprimir a alteração profunda na linguagem lírica. 2. Destacam-se neste poema características marcantes do Drummond modernista. São elas: a) A tendência metafísica, o discurso sentencioso e o humor sutil. b) A memória familiar, o canto elegíaco e a linguagem fragmentada. c) A exposição da timidez pessoal, a fala amargurada e a recuperação da forma fixa. d) A preocupação de cunho social, o pessimismo e a desintegração do verso. e) O isolamento da personalidade lírica, a ironia e o estilo prosaico. 138 20.(PUC-RS) "Quando nasci, um anjo torto desses que vivem na sombra disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida. As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos." Um dos traços da poesia de Carlos Drummond de Andrade, como demonstram os versos acima, é a ..... entre as estrofes, o que nos oferece uma ideia de fragmentação da realidade. a)..disponibilidadeb)carência.c)descontinuidade. d)indagação. e)dissolução. 21. (PUC-RS) "Não faça versos sobre acontecimentos. Não há criação nem morte perante a poesia. Diante dela, a vida é um sol estático, Não aquece nem ilumina." Uma das constantes da obra de Carlos Drummond de Andrade, como se verifica nos versos acima, é: a)..Louvação do homem social. b)..Negativismo destrutivo. c)..A violação e desintegração da palavra. d)..Pessimismo lírico. e)..Questionamento da própria poesia. 22. É incorreto afirmar sobre a obra de Carlos Drummond de Andrade que: A[ ] Seu posicionamento individualista o afasta da problemática do homem comum, do dia-a-dia. B [ ] Uma de suas temáticas é a reflexão em torno da própria poesia. C [ ] A lembrança de Itabira, sua terra natal, aparece em parte de sua obra. D [ ] Ocorre-lhe, muitas vezes, a mostragem de uma angústia proveniente de acreditar que não há saída para a problemática existencial. E [ ] A ironia madura é uma das características marcantes de sua poesia. 139 23.ENADE 2011[Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes] Nas expressões plásticas, todas as partes estão presentes constantemente, ao passo que, no poema, temos querecorrer a formações ou imagens retidas pela memória. Todavia, não nos podemos valer das diferenças reais, cujasdistâncias têm sido bastante atenuadas pelas duas artes ao longo da história, para desfigurar procedimentos sutis, masverdadeiros, existentes numa e noutra arte. GONÇALVES, A. J. Laokoon revisitado: relações homológicas entre texto e imagem. São Paulo: EDUSP, 1984, p. 80 (com adaptações). Considerando esse excerto, redija um texto dissertativo estabelecendo pontos de aproximação e distanciamento entreduas obras reproduzidas abaixo. Em seu texto, aborde aspectos temáticos e formais que caracterizem o movimentoartístico a que pertencem essas obras. Revelação do Subúrbio Quando vou para Minas, gosto de ficar de pé contra a vidraça do carro, vendo o subúrbio passar. O subúrbio todo se condensa para ser visto depressa, com medo de não repararmos suficientemente em suas luzes que mal têm tempo de brilhar. A noite logo come o subúrbio e logo o devolve, ele reage, luta, se esforça, até que vem o campo onde pela manhã repontam laranjais e à noite só existe a tristeza do Brasil. ANDRADE, C. D. Reunião: 10 livros de poesia de Carlos Drummond de Andrade. Pueblito (Morro Da FavelaII) AMARAL, T. Pueblito (Morro da Favela II), 1945. 140 ESTUDO DO TEXTO / PADRÃO DE RESPOSTA Aspectos temáticos: ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................ Aspectos formais: ............................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 141 24. ENADE 2005 [Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes] Instruções: Considere os textos abaixo para responder às questões de números 01 e 02. 01. Em meados do século passado, o pintor brasileiro Candido Portinari fez uma série de desenhos para ilustrar uma edição nacional do Dom Quixote, de Cervantes. Posteriormente, o poeta Carlos Drummond de Andrade compôs uma série de poemas, referidos a cada um desses desenhos de Portinari. Atente para este desenho de Portinari e os versos de Drummond que o interpretam. XXI. ANTEFINAL NOTURNO Dorme, Alonso Quexana. Pelejaste mais do que a peleja (e perdeste). Amaste mais que amor se deixa amar. O ímpeto o relento a desmesura fábulas que davam rumo ao semrumo de tua vida levada a tapa e a coice d´armas, de que valeu o tudo desse nada? Vilões discutem e brigam de braço enquanto dormes. Neutras estátuas de alimárias velam a areia escura de teu sono despido de todo encantamento. Dorme, Alonso, andante petrificado cavaleiro-desengano. Analisando-se as relações entre o desenho, o poema e a obra Dom Quixote de Cervantes, é correto afirmar: A). na situação representada, em que o herói repousa, o desenho e o poema realçam o cansaço do triunfal cavaleiro andante. (B) no desenho e no poema, o plano da realidade bruta do cotidiano contrasta com o do sacrifício final do cavaleiro idealista de Cervantes. (C) na situação representada, pela qual se inicia a narrativa de Cervantes, o pintor e o poeta preveem as violências que Dom Quixote deverá enfrentar. (D). no desenho e no poema, encontram-se interpretações diferentes da cena final de Dom Quixote: no primeiro lamenta-se a derrota, e no segundo se enaltece a vitória do cavaleiro. (E) no desenho e no poema, reforça-se o sentido final da obra de Cervantes, que é o de resgatar os valores da nobreza medieval. 142 02. Os versos do poema Antefinal noturno, transcrito na questão anterior, têm fortes pontos de contato com estes versos de um outro poema de Carlos Drummond de Andrade, ―Consolo na praia‖: A injustiça não se resolve. À sombra do mundo errado murmuraste um protesto tímido. Mas virão outros. Tudo somado, devias precipitar-te, de vez, nas águas. Estás nu na areia, no vento... Dorme, meu filho. (A rosa do povo) Entre os poemas, há em comum a expressão dos sentimentos (A). da impotência do indivíduo e do malogro do ideal. (B) da amargura amorosa e da vingança reparadora. (C) do ideal religioso e da perseverança inútil. (D) da hipocrisia social e da culpa pessoal. (E) da indignação inútil e do consolo na fé. 25. ―O livro trata, sem artifícios, dos prazeres corporais, dos relacionamento sexuais, da liberdade concedida aos amantes na cama‖: A [ ] Discurso de Primavera e Algumas Sombras B [ ] O Amor Natural C [ ] Lição de Coisas D [ ] A Rosa do Povo E [ ] Claro Enigma 26. Assinale a alternativa que não se aplica à obra de Carlos Drummond de Andrade. A [ ] Participante da Semana de Arte Moderna, sua poesia é típica representante da primeira geração modernista brasileira. B [ ]Em muitos poemas, apresenta seu desencanto em relação à vida. C [ ]"Morte do leiteiro" é um poema baseado na problemática do dia-a-dia. D [ ]Extrai do mundo interiorano de Itabira o tema para alguns de seus poemas. E [ ] "A procurada poesia" é um poema em que o autor se preocupa com a própria confecção da poesia. 143 27. Fuvest- 2001 Chega! Meus olhos brasileiros se fecham saudosos. Minha boca procura a "Canção do Exílio". Como era mesmo a "Canção do Exílio"? Eu tão esquecido de minha terra... Ai terra que tem palmeiras onde canta o sabiá! (Carlos Drummond de Andrade, "Europa, França e Bahia", ALGUMA POESIA) Neste excerto, a citação e a presença de trechos.............. constituem um caso de.............. Os espaços pontilhados da frase acima deverão ser preenchidos, respectivamente, com o que está em: a) do famoso poema de Álvares de Azevedo / discurso indireto. b) da conhecida canção de Noel Rosa / paródia. c) do célebre poema de Gonçalves Dias/ intertextualidade. d) da célebre composição de Villa-Lobos/ ironia. e) do famoso poema de Mário de Andrade / metalinguagem. loura morena preta ou azul uma noiva verde uma noiva no ar como um passarinho. 28. Fuvest- 2000 QUERO ME CASAR Quero me casar na noite na rua no mar ou no céu quero me casar. Depressa, que o amor não pode esperar! Procuro uma noiva (Carlos Drummond de Andrade, ALGUMA POESIA) a) Caracterize brevemente a concepção de amor presente neste poema. ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... b) Compare essa concepção de amor com a que predominava na literatura do Romantismo. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... 144 29. Fuvest-1992: "Uma flor ainda desbotada ilude a polícia, rompe o asfalto. Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu. Sua cor não se percebe. Suas pétalas não se abrem. Seu nome não está nos livros. É feia. Mas é realmente uma flor. É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, onojo e o ódio. " Este é um fragmento do poema "A Flor e a Náusea" do livro A ROSA DO POVO de Carlos Drummond de Andrade. a) O que o nascimento da flor representa? ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ b) Que relação se poderia estabelecer entre este poema e o momento histórico em que foi elaborado? .............................................................................................................................................. ............................................................................................................................................. 30. ENEM -2001 O mundo é grande O mundo é grande e cabe Nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe Na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe No breve espaço de beijar. Neste poema, o poeta realizou uma opção estilística: a reiteração de determinadasconstruções e expressões linguísticas, como o uso da mesma conjunção para estabelecer a relação entre as frases. Essa conjunção estabelece, entre as ideias relacionadas, um sentido de (A) oposição. (B) comparação. (C) conclusão. (D) alternância. (E) finalidade. 145 31. Poema de Sete Faces [...] "Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo seria uma rima, não seria uma solução. Mundo mundo vasto mundo, mais vasto é o meu coração." [...] Nessa estrofe, o poeta: A [ ] deixa claro que desejaria mudar de nome B [ ] declara que seu nome é sonoro por causa da rima C [ ] afirma que a questão central não é o nome e sim sua origem. D [ ] tem dúvida quanto ao tamanho do seu coração. E [ ] sugere que a atividade poética não consiste apenas em "fazer rimas". 32. Assinale a alternativa incorreta a respeito da poesia de Carlos Drummond de Andrade: A [ ] O jogo verbal, em alguns poemas, acentua a relativização das várias faces da realidade. B [ ] O sujeito poético, várias vezes, reveste suas expressões de um fino traço de humor. C [ ] O sujeito poético, constantemente, transmite sensações de dúvida e de negação. D [ ] Os versos que contêm uma ênfase mística podem ser vistos como produtos do fervor católico do poeta. E [ ] Importantes poemas publicados na década de 1940 tratam de temas de caráter social. «Considerado o mais intenso e último dos poetas contemporâneos, Drummond não se transformou numa província da crítica, exilado e suas páginas». [Poesia sempre - Revista semestral de poesia, outubro 2002] 146 33..FUVEST -2015 Os versos de Carlos Drummond de Andrade que mais adequadamente traduzem a principal mensagem da figura acima são: a) Stop. A vida parou ou foi o automóvel? b) As casas espiam os homens que correm atrás de mulheres. A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos. c) Um silvo breve. Atenção, siga. Dois silvos breves: Pare. Um silvo breve à noite: Acenda a lanterna. Um silvo longo: Diminua a marcha. Um silvo longo e breve: Motoristas a postos. (A este sinal todos os motoristas tomam lugar nos seus veículos para movimentá-los imediatamente.) d) proibido passear sentimentos ternos ou desesperados nesse museu do pardo indiferente e) Sim, meu coração é muito pequeno. Só agora vejo que nele não cabem os homens. Os homens estão cá fora, estão na rua. 147 34. Relacione a imagem a um dos poemas citados: A [ ] O mundo é grande e cabe nesta janela sobre o mar. O mar é grande e cabe na cama e no colchão de amar. O amor é grande e cabe no breve espaço de beijar. [...] ANDRADE, Carlos Drummond de. ―O mundo é grande‖. In: Amar se aprende amando. Rio de Janeiro: Record, 1987, p. 19. B [ ] A língua lambe as pétalas vermelhas da rosa pluriaberta; a língua lavra certo oculto botão, e vai tecendo lépidas variações de leves ritmos. [...] ANDRADE, Carlos Drummond de. ―A língua lambe‖. In: O amor natural. São Paulo: Companhia Das Letras, 2013, p.31. C [ ] A castidade com que abria as coxas e reluzia a sua flora brava. Na mansuetude das ovelhas mochas, e tão estreita, como se alargava. [...] ANDRADE, Carlos Drummond de. ―A castidade com que abria as coxas.‖ In: O amor natural. São Paulo: Companhia Das Letras, 2013, p.56. 148 Postedby prof. Dantas [06/01/2015] 35. O texto abaixo apresenta aspecto da: CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO Alguns anos vivi em Itabira. Principalmente, nasci em Itabira. Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro. Noventa por cento de ferro nas calçadas. Oitenta por cento de ferro nas almas. [...] [ANDRADE, Carlos Drummond de. In: Sentimento do mundo] A [ ] Poesia metalinguística. B [ ] Poesia de temática amorosa. C [ ] Poesia do cotidiano D [ ] Poesia de reminiscências 36. O texto abaixo apresenta aspecto da: POLÍTICA LITERÁRIA A Manuel Bandeira O poeta municipal discute com o poeta estadual qual deles é capaz de bater o poeta federal. Enquanto isso o poeta federal tira ouro do nariz. [ANDRADE, Carlos Drummond de. In: Alguma poesia] A [ ] Poesia metalinguística. B [ ] Poesia de temática amorosa. C [ ] Poesia do cotidiano D [ ] Poesia de reminiscências 149 37. Simulado – FOLHA DE SÃO PAULO, 19/11/2006. Texto para as questões 01, 02, e 03: LEGADO Que lembrança darei ao país que me deu tudo que lembro e sei, tudo quanto senti? Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu minha incerta medalha, e a meu nome se ri. E mereço esperar mais do que os outros, eu? Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti. Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu, a vagar, taciturno, entre o talvez e o se. Não deixarei de mim nenhum canto radioso, uma voz matinal palpitando na bruma e que arranque de alguém seu mais secreto espinho. De tudo quanto foi meu passo caprichoso na vida, restará, pois o resto se esfuma, uma pedra que havia em meio do caminho. 01..Sobre o texto ―Legado‖, de CarlosDrummond de Andrade, é corretoafirmar: a).Olegado de Drummond é asua vida de cidadão exemplar ecumpridor de seus deveres; b)Olegado de Drummond é asua poesia, uma obra que, segundoo próprio autor, não servede consolo dos males, mas,antes, de denúncia da realidadee de seus problemas; c) O legado de Drummond é asua poesia, obra que, convidandoo leitor ao sonho e à evasão,o faz esquecer-se dos problemasdomundo; d)Olegado de Drummond é a sua poesia, uma obra panfletária, marcada pelo discurso político de reivindicação de melhoriassociais; e)Olegado de Drummond é asua poesia, dedicada às mulheresqueamou. 02. No verso final do texto, o poetafaz alusão a outro texto de sua autoria.O nome desse recurso que permiteao poeta estabelecer uma espéciedediálogoentretextosé a)intertextualidade;b)metalinguagem;c)ironia; d) citação;e)prosopopeia. 03. O termo ―taciturno‖, empregadopelopoeta,querdizer a)misterioso, hermético;b)ameaçador, tenebroso;c)astuto,mordaz; d) silencioso,melancólico;e)traiçoeiro,insidioso. 150 38. PROVÃO – 1998. É correto afirmar que a poesia de Carlos Drummond de Andrade, (A) fiel às raízes modernistas, revela permanente formas e com o nacionalismo crítico. preocupação com a pesquisa de (B) não obstante tributária das várias vanguardas europeias, realizou-se enquanto lírica de autêntico valor regional. (C) atendendo a uma vocação satírica, fez do mundo o objeto de seu escárnio e, das formas clássicas, matéria de suas paródias. (D) expressão de uma personalidade conflitiva, é marcada, em suas várias fases, pela negação ou pela relativização crítica. (E) essencialmente emotiva, afirma as paixões positivas do indivíduo contra a tendência moderna da massificação. 39.. (FATEC) "Era a negra Fulô que nos chamava de seu negro vergel. E eram trombetas, salmos, carros de fogo, esses murmúrios de Deus a seus eleitos, eram puras canções de lavadeira ao pé da fonte, era a fonte em si mesma, eram nostálgicas emanações de infância e de futuro, era um ai português desfeito em cana." Neste poema de Fazendeiro do Ar (1954), ..... homenageia ....., um dos grandes poetas do Modernismo brasileiro, referindo-se a tópicos característicos de sua poesia, como se constata na alusão a um de seus mais conhecidos poemas contida no primeiro verso. Assinale a alternativa que completa corretamente as lacunas do texto acima. A [ ]Carlos Drummond de Andrade – Jorge de Lima B [ ] Manuel Bandeira - Carlos Drummond de Andrade C [ ] Manuel Bandeira – Mário de Andrade D [ ] João Cabral de Melo Neto – Murilo Mendes E [ ] Vinícius de Morais – Raul Bopp ―A popularidade nada tem a ver com poesia. A popularidade pode acontecer. Mas um grande poeta também pode passar desapercebido‖. (―O repouso do poeta‖. Entrevista a Geneton Moraes Neto. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 08.08. 1987) 151 40. (UFOP-MG) Observe o texto abaixo: Fazendeiro de cana Minha terra tem palmeiras? Não. Minha terra tem engenhocas de rapadura e cachaça e açúcar marrom, tiquinho, para o gasto. [...] Tem cana caiana e cana crioula, cana-pitu, cana rajada, cana-do-governo e muitas outras canas de garapas, e bagaço para os porcos em assembleia grunhidora diante da moenda movida gravemente pela junta de bois de sólida tristeza e resignação. As fazendas misturam dor e consolo em caldo verde-garrafa e sessenta mil-réis de imposto fazendeiro. Carlos Drummond de Andrade. Assinale a alternativa incorreta: Carlos Drummond de Andrade, neste poema, valendo-se das linguagens desenvolvidas pelo Modernismo: a)..retoma a linguagem do poema romântico, de maneira simétrica e linear, apontando a ideologia nele subjacente. b)..retoma parodisticamente um importante poema do Romantismo brasileiro. c)..faz, em relação ao romântico, uma ruptura ao nível da consciência e ao nível da linguagem. d)..satiriza o sentimento ufanista, comum aos poetas românticos. e) desmitifica a visão ingênua dos românticos, operando uma leitura crítica da realidade. ―Drummond é considerado como ―uma espécie de Baudelaire da nossa poesia moderna‖ Tristão de Ahayde 152 41. Marque as alternativas corretas e some os valores: 01..O poema ―Política‖, escrito em 1924, foi recolhido no primeiro livro de Drummond, Alguma poesia, de 1930. Cinematograficamente, os versos mostram um personagem abandonado pelos amigos ―quando rompeu com o chefe político.‖ 02. A poesia de Carlos Drummond de Andrade exprime um conflito dentro da própria atitude poética: transformar uma arte toda pessoal, a mais pessoal de todas, em expressão duma época coletiva. 04. A capacidade de comunicação da poesia de Carlos Drummond de Andrade é a maior prova do seu significado profundo, de sua poderosa humanidade. 08. Escritor cuja atividade começa a ser marcante em 1924, embora só publique o primeiro livro seis anos depois, Carlos Drummond de Andrade, nascido em 1902 na vela cidade mineira de Itabira do Mato Dentro. 16. Carlos Drummond de Andrade alcançou, pelo caminho firme e áspero da sua obra, a universalidade. 32. Como todo grande poeta (e não sendo senão poeta e somente poeta), Carlos Drummond de Andrade é muito mais que um bom escritor. É um grande praticante da poesia como jogo do conhecimento – e da sabedoria. 64. Carlos Drummond de Andrade dedicou-se também à crônica, gênero tão intimamente ligado à cultura moderna. ______ 42. Assinale as alternativas corretas sobre Carlos Drummond de Andrade: A [ ] Superando o episódio desvairismo da fase heroica do Modernismo, elabora uma obra rica, densa, complexa, atingindo a plenitude da expressão pessoal. B [ ] Carlos Drummond de Andrade é poeta dos inícios do nosso Modernismo: fundou a em 1925 A Revista, de Belo Horizonte, de que foi diretor. C [ ] Drummond desejava trabalhar a realidade com mãos puras: seu primeiro livro, Alguma Poesia (1930), tem portanto simples anotações, poemas de quem vê e registra o que vê, como vê, afastado de preconceitos anteriores. D [ ] Note-se que Carlos Drummond de Andrade não fala de si no tom espontâneo com que o faz Manuel Bandeira, por exemplo; seu tom é recatado, seco, constrangido. E [ ] Embora Drummond tem escrito ótimos romances e crônicas, daremos ênfase ao estudo de sua poesia, gênero em que mais se destacou. ―A poesia faz bem. Ela cria certo contato, certa conveniência com as pessoas. Desde o namorado para a namorada, como desde o amigo para o inimigo, para a pessoa que recebe uma mensagem fraterna e, talvez, se torne menos inimigo.‖ (Entrevista a Leda Nagle. Jornal Hoje, Rede Globo, novembro de 1980) 153 43. (Fuvest-2001) POLÍTICA LITERÁRIA O poeta municipal discute com o poeta estadual qual deles é capaz de bater o poeta federal. Enquanto isso o poeta federal tira ouro do nariz. (Carlos Drummond de Andrade. Alguma poesia) ANEDOTA BÚLGARA Era uma vez um czar naturalista que caçava homens. Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas, ficou muito espantado e achou uma barbaridade. (Carlos Drummond de Andrade. Alguma poesia) Costuma-se reconhecer que estes poemas, pertencentes ao Modernismo, apresentam aspectos característicos do ―poema-piada‖, modalidade bastante praticada nesse período literário. a). Identifique um recurso de estilo tipicamente modernista que esteja presente em ambos os poemas. Explique-o sucintamente. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ............................................................................................................................................... .................................................................................................................................... b). Considere a seguinte afirmação: O poema-piada visa a um humorismo instantâneo e, por isso, esgota-se em si mesmo, não indo além desse objetivo imediato. A afirmação aplica-se aos poemas aqui reproduzidos? Justifique brevemente sua resposta. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ............................................................................................................................................... ..................................................................................................................................... 154 44. (ENEM-2006) No poema Procura da poesia, Carlos Drummond de Andrade expressa a concepção estética de se fazer com palavras o que o escultor Michelangelo fazia com mármore. O fragmento abaixo exemplifica essa afirmação. (...) Penetra surdamente no reino das palavras. Lá estão os poemas que esperam ser escritos. (...) Chega mais perto e contempla as palavras. Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta, pobre ou terrível, que lhe deres: trouxeste a chave? (...) Carlos Drummond de Andrade. A rosa do povo. Rio de Janeiro: Record, 1997, p. 13-14. Esse fragmento poético ilustra o seguinte tema constante entre autores modernistas: a)..a nostalgia do passado colonialista revisitado. b) a preocupação com o engajamento político e social da literatura. c) o trabalho quase artesanal com as palavras, despertando sentidos novos. d) a produção de sentidos herméticos na busca da perfeição poética. e) a contemplação da natureza brasileira na perspectiva ufanista da pátria. 45. Das obras abaixo, a única não escrita por Carlos Drummond de Andrade: A [ ]Conto de Aprendiz B [ ] O Amor Natural C [ ] Corpode Baile D [ ] Corpo E [ ] As Impurezas do Branco 155 46. (Fatec-2007) Mãos dadas Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas. Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao amanhecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins. O tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente. Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo (1940) Considerando o poema ―Mãos dadas‖, no conjunto da obra a que pertence (Sentimento do mundo), é correto afirmar que Carlos Drummond de Andrade a).recusa os princípios formais e temáticos do primeiro Modernismo. b).tematiza o lugar da poesia num momento histórico caracterizado por graves problemas mundiais. c).vale-se de temas que valorizam aspectos recalcados da cultura brasileira. d).alinha-se à poética que critica as técnicas do verso livre. e) relativiza sua adesão à poesia comprometida com os dilemas históricos, pois a arte deve priorizar o tema da união entre os homens. 47. Assinale as alternativas corretas sobre o poeta Carlos Drummond de Andrade. A [ ] Fez sempre jornalismo colaborando assiduamente no Correio da Manhã. B [ ] Descendente de povoadores e mineradores de ouro das Gerais, passou a infância numa fazenda de Itabira. C [ ] Em 1925 fundou, com Emílio Moura, João Alphonsus e outros escritores mineiros, ARevista que, apesar da sua curta duração, foi o órgão mais importante do Modernismo no Estado. D [ ] A temática social é comum em Sentimento do Mundo, A Rosa do Povo e o Amor Natural. E [ ] Um dos processos poéticos de que mais frequentemente se serve Carlos Drummond de Andrade em sua obra é o que podemos chamar de associação semântica e paronomástica ou jogo de palavra-puxa-palavra. Col. Fort. Crítica, p. 202. 156 48. (ENEM 2007) Antigamente Acontecia o indivíduo apanhar constipação; ficando perrengue, mandava o próprio chamar o doutor e, depois, ir à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era a phtysica, feia era o gálico. Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos, lombrigas (…) Carlos Drummond de Andrade. Observe outra versão do texto acima, em linguagem atual. Antigamente Acontecia o indivíduo apanhar um resfriado; ficando mal, mandava o próprio chamar o doutor e, depois, ir à farmácia para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas. Doença nefasta era a tuberculose, feia era a sífilis. Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meninos, vermes (…) Comparando-se esses dois textos, verifica-se que, na segunda versão, houve mudanças relativas: a).vocabulário b).construções sintáticas. c).pontuação. d) fonética e).regência verbal. 49. Fuvest- 2000: Leia com atenção os versos finais do poema "Jardim da Praça da Liberdade", de Carlos Drummond de Andrade: De repente uma banda preta vermelha retinta suando bate um dobrado batuta na doçura do jardim. Repuxos espavoridos fugindo. a) Identifique um dos recursos sonoros empregados nestes versos, explicando qual é o efeito expressivo obtido. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ b) Interprete o último verso do poema, indicando o sentido da palavra "repuxos" e explicando por que os repuxos estão "espavoridos fugindo". ................................................................................................................................................ 157 50. Sobre o que abordam o poema e a imagem: REVOLTA Não quero este pão — Quinquim atira o pão no chão. A mesa vira vidro, transparente de emoção. Quem ousa fazer isso em pleno almoço? Pede castigo o pão jogado ao chão. O Castigador decreta: Agora de joelhos você vai apanhar este pão. Vai trazer um barbante e amarrar o pão no seu pescoço e vai ficar o dia todo de pão no peito, expiação. Quinquim perdeu a força da revolta.Operários (1933) Tarsila do Amaral Apanha o pão, amarra o pão no pescoço humilhado e ostenta o dia todo a condecoração. ANDRADE, Carlos Drummond de.Boitempo. In: Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 2006, p. 954. ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ ................................................................................................................................................ 158 FONTE DE CONSULTA: I..Obras de Carlos Drummond de Andrade: ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. 11ª ed., Rio de Janeiro: José Olympio, 1978. _______________________ . A rosa do povo. 36ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2006. _______________________ . Clara enigma. 19ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010. _______________________ . Farewell. Rio de Janeiro: Record, 2002. ______________________ José & outros. 13ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010. _______________________ . Contos de aprendiz. 58ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010. _______________________. Amar se aprende amando: poesia de convívio e de humor. 7ª ed., Rio de Janeiro: Record, 1987. _______________________. Corpo. 4ªed., Rio de Janeiro: Record, 2010. ______________________.Discurso de primavera e algumas sombras. São Paulo: Companhia Das Letras, 2014. ______________________.Lição de coisas. São Paulo: Companhia Das Letras, 2012. ______________________ . O amor natural.São Paulo: Companhia Das Letras, 2013. ______________________ . A bolsa & a vida. São Paulo: Companhia Das Letras, 2012. ______________________ .A vida passada a limpo. São Paulo Companhia Das Letras, 2013. ______________________ . As impurezas do branco.São Paulo Companhia Das Letras, 2012. ______________________ Contos plausíveis. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985. ______________________ .Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012. _____________________ . Carlos Drummond de Andrade: prosa seleta: volume único/ selecionadas pelo autor. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003. _____________________ .Poesia completa.Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006. _____________________ . Carlos Drummond de Andrade. 2ª ed., Rio de Janeiro: Agir, 1998. (Nossos Clássicos, 118) ______________________ . Carlos Drummond de Andrade. São Paulo: 2ª ed., São Paulo: Nova Cultural, 1988. [Literatura Comentada) _____________________ Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 3. 6ª ed., Rio de Janeiro: BestBolso, 2014. 159 II. 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