Prof. Ismael DantasLITERATURA BRASILEIRA
Defronte da Fundação Cultural Carlos Drummond de Andrade / Itabira-MG
Postedby prof. Dantas - 06/01/2015
Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade ........................................................................................ 05.
Julgamento Crítico ........................................................................................................... 06
Alguma Poesia
Poema de Sete Faces ...................................................................................................11
Infância ............................................................................................................................. 13
No Meio do Caminho ...................................................................................................... 15
Política ............................................................................................................................. 16
Cidadezinha Qualquer ..................................................................................................... 17
Quadrilha ........................................................................................................................ 18
Balada do Amor através das Idades ..............................................................................19
Cabaré Mineiro ................................................................................................................21
Sociedade .......................................................................................................................22
A Rua Diferente .............................................................................................................. 23
Quero me Casar ............................................................................................................ 24
Cantiga de Viúvo ............................................................................................................ 25
Coração Numeroso ......................................................................................................... 26
1
Lição de Coisas
Para Sempre ....................................................................................................................27
Sentimento do Mundo
Sentimento do Mundo ..................................................................................................... 28
Confidência do Itabirano .................................................................................................29
Canção da Moça-Fantasma de Belo Horizonte ............................................................30
Mãos Dadas .................................................................................................................... 33
A Noite Dissolve os Homens ..........................................................................................34
José
A bruxa ........................................................................................................................... 36
José ............................................................................................................................... 38
A Mão Suja .................................................................................................................. 41
Edifício Esplendor I .......................................................................................................... 43
Viagem na Família ........................................................................................................... 44
A Rosa do Povo
Consideração do Poema ............................................................................................. 47
Procura da Poesia ......................................................................................................... 49
Nova Canção do Exílio .................................................................................................
51
Cidade Prevista .............................................................................................................
52
O Medo ............................................................................................................................ 54
Claro Enigma
Confissão ........................................................................................................................ 56
A Máquina do Mundo ......................................................................................................57
Memória .......................................................................................................................... 60
Perguntas em Forma de Cavalo-Marinho ....................................................................... 61
Discurso de Primavera e Algumas Sombras
Visão de Clarice Lispector .............................................................................................. 62
Num Planeta Enfermo ...................................................................................................... 64
Águas e Mágoas do Rio São Francisco .......................................................................... 67
Corpo
As Sem-Razões do Amor ................................................................................................ 70
Pintor de Mulher ............................................................................................................... 71
2
Farewell
A Ilusão do Migrante .........................................................................................................72
Missão do Corpo ...............................................................................................................74
Elegia a um Tucano Morto ................................................................................................75
Brejo das Almas
Soneto da Perdida Esperança ........................................................................................ 76
Hino Nacional ................................................................................................................... 77
Não se Mate ..................................................................................................................... 79
O Amor Natural
O Corpo Feminino, Esse Retiro ....................................................................................... 80
Tenho Saudade de uma Dama .......................................................................................81
Oh minha Senhora Óminha Senhora ............................................................................. 82
Você meu Mundo meu Relógio de não Marcar Horas .................................................... 83
Viola de Bolso
A Antônio Camilo de Oliveira .......................................................................................... 84
Cidade sem Rio ............................................................................................................... 85
O maior Trem do Mundo ................................................................................................. 86
Boitempo
Sobrado do Barão de Alfié .............................................................................................. 87
Paredão .......................................................................................................................... 88
Herói ............................................................................................................................... 89
Terrores ........................................................................................................................... 90
Cultura Francesa .............................................................................................................. 92
Procissão do Encontro ..................................................................................................... 93
Coqueiro de Batistinha ....................................................................................................94
Fruta-Furto ...................................................................................................................... 96
Casa ................................................................................................................................. 97
Ausência ........................................................................................................................... 99
Banho .............................................................................................................................. 100
Fazendeiros de Cana ...................................................................................................... 101
A Puta .............................................................................................................................102
Certificados Escolares ................................................................................................... 103
Final de História ............................................................................................................. 104
As Impurezas do Branco
O Homem; as Viagens .................................................................................................. 105
Brasil / Tarsila ..................................................................................................................107
3
A Paixão Medida
O que Viveu Meia Hora ..................................................................................................109
Fazendeiro do Ar
A Luís Maurício, Infante .................................................................................................110
A Falta que Ama
A Falta que Ama .............................................................................................................113
Crônicas
Antigamente ...................................................................................................................114
Divagação sobre as Ilhas ..............................................................................................115
Vende a Casa ................................................................................................................116
Assiste à Demolição ......................................................................................................117
Os Dias Lindos ............................................................................................................ 118
Contos
A Doida ........................................................................................................................ 119
A Terra do Índio ........................................................................................................... 124
Atividades / Exercícios ............................................................................................. 125
Fonte de Consulta.......................................................................................................159
«A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.»
Carlos Drummond de Andrade
4
Carlos Drummond de Andrade
(Itabira, MG, 1902 / Rio de Janeiro, RJ, 1987)
Passa a infância na cidade
natal, onde frequenta durante quatro
anos o Grupo Escolar Dr. Carvalho
Brito. Aluno interno do Colégio
Anchieta dos jesuítas de Nova
Friburgo, RJ, colabora no jornal
estudantil Aurora Colegial. Em fins de
1919 é expulso do Colégio devido a
um incidente com o professor de
Português.
Após
os
estudos
secundários, forma-se em Farmácia,
mas não exerce a profissão. Casa-se
em 1925 com Dolores Morais.
Dedica-se ao jornalismo. Em 1934 é
nomeado oficial de gabinete do Ministério da Educação, no Rio de Janeiro. Aposenta-se
em 1962.
Obras – Poesia: Alguma Poesia (1930); Brejo das Almas (1934); Sentimento do
Mundo (1940); Poesia (1942); A Rosado Povo (1945); Poesia até Agora (1948); Claro
Enigma (1951); Viola de Bolso (1952); Fazendeiro do Ar & Poesia até Agora (1954); Lição
de Coisas (1962);José & Outros (1967);Boitempo& A Falta que Ama (1968); As
Impurezas do Branco (1973); Discurso de Primavera e Algumas Sombras (1977);A Paixão
Medida (1980);Corpo (1984); Amar se Aprende Amando (1985)O Amor Natural (1992); A
Vida Passada a Limpo ( 1994); Farewell (1996); A Falta que Ama (2002),entre outras.
Crônica:Fala, Amendoeira ( 1957) A Bolsa & a Vida (1962); Cadeira de Balanço
(1966); Moça Deitada na Grama (1987); OSorvete e Outras Histórias (1996), entre outras.
Conto: O Gerente (1945); Contos de Aprendiz (1951); 70 Historinhas (1978);
Contos Plausíveis (1981); O Pipoqueiro da Esquina (1981); História de dois Amores
(1985), entre outros.
Ensaio: Confissões de Minas (1944); Passeios na Ilha (1952);A Lição do Amigo
(1982); O Observador no Escritório (1982); O Avesso das Coisas (1987), entre outras.
Apreciação:Milita na imprensa, cultiva o conto, a crônica e o ensaio literário, mas
destaca-se como um dos maiores poetas da língua portuguesa de todos os tempos.
Drummond é um fino observador do comportamento humano.
No cenário internacional, no entanto, é sua poesia que é mais considerada. Há
edições de seus poemas em inglês, francês, espanhol, alemão, tcheco entre outras
línguas.
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Drummond, o trabalhador da palavra
5
Julgamento Crítico
De Tristão de Ataíde (Alceu Amoroso Lima) [In: Nossos Clássicos - Agir, 118]:
―O aparecimento de uma nova geração, de um novo grupo de poetas vinha retirar o
caráter antiestético, poesia versus verso, da primeira geração. Era a poesia vitoriosa do
verso, que os novos poetas traziam consigo. (Carlos Drummond de Andrade e outros),
todos bigs da segunda geração modernista já não se ocupam de demolir o verso, como
haviam feito os seus predecessores. Já o recebiam vencido e despojado do seu prestígio
parnasiano ou simbolista. Vinha atrelado ao carro de triunfo da Poesia, como o troféu dos
vencedores‖.
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De Antônio Cândido [In: Nossos Clássicos – Agir, 118]:
―A poesia social de Drummond deve ainda a sua eficácia a uma espécie de
alargamento do gosto pelo quotidiano, que foi sempre um dos fulcros da sua obra e
inclusive explica a sua qualidade de excelente cronista em prosa. Ora, a experiência
política permitiu transfigurar o quotidiano através do aprofundamento da consciência do
outro. Superando o que há de pitoresco e por vezes anedótico na fixação da vida de todo
o dia, ela aguçou a capacidade de apreender o destino individual na malha das
circunstâncias e, deste modo, deu lugar a uma forma peculiar de poesia social, não mais
no sentido político, mas como discernimento da condição humana em certos dramas
corriqueiros da sociedade moderna‖.
6
De Alfredo Bosi [In: Nossos Clássicos – Agir, 118]:
―Na verdade, desde Alguma poesia, foi pelo prosaico, pelo irônico, pelo anti-retórico
que Drummond se afirmou como poeta congenialmente moderno. O rigor da sua fala
madura, lastreada na recusa e não contenção, assim como o fizera homem de esperança
no momento participante de A Rosa do Povo, o faz agora homem de um tempo reificado
até a medula pela dificuldade de transcender a crise de sentido e de valor que rói a nossa
época, apanhando indiscriminadamente as velhas elites, a burguesia afluente, as
massas.‖
De Assis Brasil [In: Nossos Clássicos – Agir, 118]:
― A presença do poeta Carlos Drummond de Andrade, na literatura brasileira
moderna, é das mais importantes, não fosse ele o primeiro escritor a ―organizar‖ e
sistematizar as conquistas de 1922, a que estavam ligados poetas que vinham de
correntes tradicionais.
Drummond foi o nosso primeiro poeta a entrar ―puro‖ na fase nova, e a inaugura
exatamente em 1930, com Alguma Poesia, etapa que seria uma espécie de ―segundo
tempo‖ do modernismo brasileiro, com a revitalização também da prosa.‖
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De Gilberto Mendonça Teles [In: Nossos Clássicos – Agir, 118]:
―No caso especial de Drummond, não resta dúvida de que a originalidade e a
permanência estéticas de suas obras são o resultado de uma dupla atitude criadora em
face do idioma: ativando-lhe as forças latentes e acrescentando-lhe novas possibilidades
expressivas, inventadas ou dinamizadas pelo escritor. Mas tudo isso num sentido de
equilíbrio, que não deixa de ser clássico; e numa angústia de expressão que não deixa de
ser superior, maleável e modelar. Daí porque o estudo de seu estilo é o estudo dessa
atitude criadora perante a língua e a alma do poeta, esse universo de emoções, ironias e
perplexidades.‖
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De Celso Pedro Luft [In: Dicionário de Literatura Portuguesa e Brasileira]:
―Cronista, contista, ensaísta – C.D.A. é um prosador excepcional. Dono de um
estilo inconfundível, distingue-se a sua prosa pela elegância, correção e precisão da
linguagem, bem como por uma benevolente simpatia humana repassada de vago
desencanto e fino senso de humor.
Mas é como poeta que C. D. A. ocupa um dos lugares mais altos, não só na
literatura brasileira mas também na literatura contemporânea. Tendo começado como
militante do Modernismo, ressentem-se as primeiras obras do «piadismo» inicial daquele
movimento. É a poesia do cotidiano, do local, do ambiente provinciano e familiar, com
seus costumes e tradições‖. [...]
7
De Massaud Moisés [In: História da Literatura Brasileira – Modernismo]:
―Figura maior do Modernismo, assim como de toda a nossa história literária. Carlos
Drummond de Andrade cultivou, ao longo de uma carreira de mais de cinco décadas, o
conto, a crônica e a poesia, sempre num alto nível de inventividade e expressão. Contista
de primeira água, não obstante a modéstia dos títulos Contos de Aprendiz e 70
Historinhas, na crônica, onde mais concentrou seu labor criativo nos últimos anos,
realizou parte significativa do seu potencial estético, iluminando uma faceta que na poesia
somente por vezes conhece a lua do dia. A crônica, libertária por natureza, pendente
entre o jornalismo e a literatura, dando margem ao jogo franco da sensibilidade e da
observação, focaliza-se o perfil dum ângulo apenas sugerido pela poesia: o do humor, no
sentido britânico do termo. Não quer dizer que seja elaborada como menos gravidade,
senão que constitui, juntamente com a poesia e o conto, uma das manifestações de uma
personalidade multiforme, cujo lugar, nos quadros da Literatura Brasileira, tanto poderia
resultar de uma como de outra forma de expressão, mas é na poesia que ganhou o
singular relevo que todos lhe reconhecem.‖ [...]
.....................................................................................................................................
De Antônio Cândido [In: Presença da Literatura Brasileira – Modernismo]:
―Admirável prosador – cronista, contista e ensaísta – destaca-se pela excelência
da linguagem, elegante e correta, de grande riqueza e precisão vocabular. À penetração
aguda, juntam-se o juízo sóbrio e a simpatia humana do desencantado, repassada de
senso de humor. Essas qualidades do prosador são também do poeta, cuja obra, desde o
livro de estreia – Alguma Poesia – de 1930, reflete resultados, sempre surpreendentes, de
incessante investigação expressiva e temática, numa criação una e densa.‖
................................................................................................................................................
De Antônio Carlos Villaça [In: Contos Plausíveis]:
― Eis aqui o Drummond de sempre. Escrevendo em verso ou em prosa, ele é
sempre o mesmo. Estes contos breves – minicontos – nas trazem a sua visão cheia de
ternura e ironia. O Autor parece que se diverte e sofre, ao mesmo tempo. Porque a sua
arte é fundamentalmente chapliniana.‖ [...]
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De Rita de Cássia Barbosa [In: Literatura Comentada]:
― Obra de estreia do poeta (1930), Alguma Poesia é marcada pelo senso de humor
e pela ironia, que se expressam concretamente através do poema-piada, do poema de
circunstância e da captura do cotidiano, tornado assunto poético. O livro incorpora ainda
outros procedimentos modernistas, como o verso livre e a linguagem coloquial.‖ [...]
8
Postedby prof. Dantas / Itabira-MG, 06/01/2015
De Wilson Martins [In: A literatura Brasileira - O Modernismo]:
Esse terceiro Andrade do Modernismo nasceu para a literatura longe e fora das
barrigadas de 1922. Tinha ele quinze anos quando Manuel Bandeira publicou A Cinza das
Horas, em 1917, mas, já em 1925, era o poeta modernista da ―Revista‖, de Belo
Horizonte. Contudo, só em 1930 publicará ele Alguma Poesia, inaugurando, assim,
simbólica e ideologicamente, espiritual e esteticamente, a segunda fase da poesia
modernista. Carlos Drummond de Andrade (1902) veio encontrar, de certa forma,
estabilizada a revolução: para ele, o Modernismo já era uma revolta, se é verdade que
ainda era um desafio (logo transformado, de desafio literário, em desafio político).
Em 1930, procedendo com Alguma Poesia ao primeiro balanço da sua obra, Carlos
Drummond de Andrade já não precisava exclamar, como Manuel Bandeira:
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Mas proporia a nova arte poética sob a forma de um enigma figurado:
No meio do caminho tinha uma pedra
[...]
................................................................................................................................................
De Humberto Werneck [In: Cadernos de Literatura Brasileira]
Aquele que foi, na avalição da quase unanimidade dos críticos, o maior poeta
brasileiro do século XX volta e meia repetia, para pasmo também quase unânime: sua
verdadeira vocação não era a poesia, e sim o jornalismo. ―Ele cansou de dizer que era
um poeta que fazia versos nas horas vagas‖, contou um de seus amigos mais próximos, o
coestaduano e confrade Otto Lara Resende. Ia além: ―Muitas vezes, disse que nem
escritor chegava a ser. Era apenas jornalista‖. Estaria Carlos Drummond de Andrade, do
alto de sua glória literária, a fazer charme, atrás de mais louvação? Nada disso, explicou
Otto ao mesmo interlocutor, o repórter Geneton Moraes Neto, em entrevista para o livro O
dossiêDrummond: ―Havia no seu temperamento uma espécie de modéstia orgulhosa. Mas
era sincero‖. [...]
9
DO ESTADO DE SÃO PAULO, 31 de Outubro de 1982:
A grande declaração de amor
Carlos Drummond de Andrade faz hoje 80 anos. O Brasil, em uníssono, lhe faz
uma grande declaração de amor. O poeta maior, o homem simples, o coração explodindo
humanismo e a lucidez da mente por todas as décadas em que pôs sua palavra a serviço
da Arte, da Liberdade, da Justiça. Como deixar de abraça-lo por esta data? Ele próprio homem comum e mortal que sempre afirma – reconhece que, no fundo, se envaidece. Por
que não confessar essa fraqueza?‖ ―Sei que vou acabar lendo tudo que se publicar sobre
mim...‖ E o que sinceramente disse no sabadoyle de dia 16 deve estar fazendo hoje, esta
semana, este mês. A imprensa de todo o Brasil soube devolver com carinho a atenção e o
zelo profissional que o constante cronista lhe dedicou.
Mas Drummond não é apenas o poeta comemorado pelo que já realizou, pela
poesia que se espalhou pelo mundo. Muitos livros se escreveram sobre ele e a
indiscutível presença de artista maior da língua portuguesa. Hoje, aos 80 anos, não é o
autor que fez. É o autor que está fazendo. A par das paginas de jornal que semanalmente
trazem ao publico a reflexão atual e aguda sobre o difícil mundo em que vivemos, o
escritor segue o preparo de novas obras. Então, nada mais lisonjeiro do que falar dos
livros presentes. Drummond se entusiasma ao conversar sobre a obra que está sendo
lançada, reunindo a correspondência de Mário de Andrade com o poeta‖.[...]
............................................................................................................................................
De Ivan Junqueira [In: Amar se Aprende Amando]:
Falar da poesia de Carlos Drummond de Andrade é como discorrer sobre o
inefável enigma da invenção. Não apenas da invenção formal ou vocabular, mas também
– e sobretudo – de um processo subterrâneo e misterioso que o leva à perpetua recriação
da própria vida dentro dos limites intangíveis de um tempo que ―passa? Não passa / no
abismo do coração‖ e das exigências de um amor que ―não tem idade, /pois só quem ama
escutou / o apelo da eternidade.‖ [...]
..........................................................................................................................................
De Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira:
[...] Em Sentimento do Mundo (1940) mudam os rumos do poeta, que, diante dos
morticínios e da guerra, é tomado pelo desejo de solidarizar-se, de compreender os
homens; sabe que a vida dói, até nas fotografias, e impõe-se a missão de construir o
futuro, trabalhando o presente: um mundo melhor advirá.José sai pela primeira vez em
Poesias (1942), e anuncia A Rosa do Povo (1945), pelo que encerra de condenação à
vida de nossos dias, mecânica, estúpida, sem humanidade. A Rosa do Povo é um livro de
condenação e de esperança, condenação do mundo errado, esperança de um mundo
certo, cheio de beleza e justiça. [...]
10
Alguma Poesia
POEMA DE SETE FACES
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 53-54.
11
ESTUDO DO TEXTO
POEMA DE SETE FACES
01..Quanto à fôrma poética:
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02. Características modernistas no poema:
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03. Apesar de publicado em 1930, o texto apresenta certas características presentes na
obra dos primeiros modernistas, como a fragmentação e a falta de pontuação no segundo
verso da terceira estrofe. Que correntes de vanguarda se associam a essas
características?
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04. O que diferencia os anjos das histórias religiosas do anjo do poema?
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gauche [gôch] adjetivo francês que, no caso, significa ― sem jeito‖. Postura peculiar ao
poeta em face de si e do mundo.
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Fazenda do Pontal – Itabira-MG / Postedby Dantas - 06/01/2015
INFÂNCIA
A AbgarRenault
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 55-56.
______
NOTAS:
Robinson Crusoé é o personagem-título da obra criada pelo inglês Daniel Defoe, publicada originalmente
em 1719. Nela, relata-se a história de um náufrago que passou 27 anos, dois meses e dezenove dias em
uma remota ilha deserta, ao largo da costa venezuelana. As ferramentas, cordas, tábuas e outros utensílios
que retira do navio acidentado o ajudam a enfrentar o desamparo e a solidão que viveu nesse período.
13
ESTUDO DO TEXTO
INFÂNCIA
01...Leia as afirmações feitas a seguir, a respeito do poema:
I...;No texto, o poeta rememora episódios de sua infância.
II. A infância do poeta caracteriza -se pela repetição dos mesmos pequenos
acontecimentosde uma pacata vida doméstica.
III. O menino foge da monotonia, da solidão, lendo as histórias de Robinson
Crusoé.
IV. Desde criança, o poeta já percebia que sua vida tinha mais beleza que a de
RobinsonCrusoé.
Estão corretas as afirmações feitas em
A [ ] I e II, apenas.
B [ ] I, II e III, apenas.
C [ ] II, III e IV, apenas.
D [ ] I, II, III e IV.
E [ ] II e III, apenas.
02. O que o poeta relata?
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Guararema-SP
NO MEIO DO CAMINHO
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 85.
ESTUDO DO TEXTO
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POLÍTICA
A Mário Casassanta
Vivia jogado em casa.
Os amigos o abandonaram
quando rompeu com o chefe político.
O jornal governista ridicularizava seus versos,
os versos que ele sabia bons.
Sentia-se diminuído na sua glória
enquanto crescia a dos rivais
que apoiavam a Câmara em exercício.
Entrou a tomar porres
violentos, diários.
E a desleixar os versos.
Se já não tinha discípulos.
Se só os outros poetas eram imitados.
Uma ocasião em que não tinha dinheiro
para tomar o seu conhaque
saiu à toa pelas ruas escuras.
Parou na ponte sobre o rio moroso,
o rio que lá embaixo pouco se importava com ele
e no entanto o chamava
para misteriosos carnavais.
E teve vontade de se atirar
(só vontade).
Depois voltou para casa
livre, sem correntes
muito livre, infinitamente
livre livrelivre que nem uma besta
que nem uma coisa.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 92-94
ESTUDO DO TEXTO
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16
Paisagem de Sabará, MG – Alberto da Veiga Guignard
CIDADEZINHA QUALQUER
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 109.
ESTUDO DO TEXTO
01.. Qual dos versos abaixo revela o descontentamento do poeta diante da
monotonia que caracteriza a vida dos habitantes daquela cidade?
A [ ] Casas entre bananeiras
B [ ] Eta vida besta, meu Deus.
C [ ] pomar amor cantar.
D [ ] Um homem vai devagar.
E [ ] Devagar... as janelas olham.
02. O que o poema descreve?
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17
Le déjeunerdescanotiers
Auguste Renoir
QUADRILHA
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 116.
ESTUDO DO TEXTO
01..Quanto à fôrma poética.
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02. Na segunda parte do poema, há um destino comum para os nomes citados?
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03. Qual é a ideia central do poema?
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BALADA DO AMOR ATRAVÉS DAS IDADES
Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigamos, morremos.
Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.
Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria de meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal da cruz
e rasgou o pito a punhal...
Me suicidei também.
Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira...
Pulei muro do convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.
Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 128-129.
19
ESTUDO DO TEXTO
BALADA DO AMOR ATRAVÉS DAS IDADES
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CABARÉ MINEIRO
A dançarina espanhola de Montes Claros
dança e redança na sala mestiça.
Cem olhos morenos estão despindo
seu corpo gordo picado de mosquito.
Tem um sinal de bala na coxa direita,
o riso postiço de um dente de ouro,
mas é linda, linda gorda e satisfeita.
Como rebola as nádegas amarelas!
Cem olhos brasileiros estão seguindo
o balanço doce e mole de suas tetas....
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 130.
ESTUDO DO TEXTO
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SOCIEDADE
O homem disse para o amigo:
- Breve irei a tua casa
e levarei minha mulher.
O amigo enfeitou a casa
e quando o homem chegou com a mulher,
soltou uma dúzia de foguetes.
O homem comeu e bebeu.
A mulher bebeu e cantou.
Os dois dançaram.
O amigo estava muito satisfeito.
Quando foi a hora de sair,
o amigo disse para o homem:
- Breve irei a tua casa.
E apertou a mão dos dois.
No caminho o homem resmunga:
- Ora essa, era o que faltava.
E a mulher ajunta: - Que idiota.
- A casa é um ninho de pulgas.
- Reparaste o bife queimado ?
O piano ruim e a comida pouca.
E todas as quintas-feiras
eles voltavam à casa do amigo
que ainda não pôde retribuir a visita.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 133-134.
ESTUDO DO TEXTO
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A RUA DIFERENTE
Na minha rua estão cortando árvores
botando trilhos
construindo casas.
Minha rua acordou mudada.
Os vizinhos não se conformam.
Eles não sabem que a vida
tem dessas exigências brutas.
Só minha filha goza o espetáculo
e se diverte com os andaimes,
a luz da solda autógena
e o cimento escorrendo nas formas.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 78.
ESTUDO DO TEXTO
01..Faça um resumo sucinto das estrofes:
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02. Trata-se dum texto modernista. Justifique.
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23
QUERO ME CASAR
Quero me casar
na noite na rua
no mar ou no céu
quero me casar.
Procuro uma noiva
loura morena
preta ou azul
uma noiva verde
uma noiva no ar
como um passarinho.
Depressa, que o amor
não pode esperar!
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 131.
ESTUDO DO TEXTO
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24
CANTIGA DE VIÚVO
A noite caiu na minh'alma,
fiquei triste sem querer.
Uma sombra veio vindo,
veio vindo, me abraçou.
Era a sombra de meu bem
que morreu há tanto tempo.
Me abraçou com tanto amor
me apertou com tanto fogo
me beijou, me consolou.
Depois riu devagarinho,
me disse adeus com a cabeça
e saiu. Fechou a porta.
Ouvi seus passos na escada.
Depois mais nada...
acabou
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp.14-15.
ESTUDO DO TEXTO
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25
CORAÇÃO NUMEROSO
Foi no Rio.
Eu passava na Avenida quase meia-noite.
Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.
Havia a promessa do mar
e bondes tilintavam,
abafando o calor
que soprava no vento
e o vento vinha de Minas.
Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
(a vida para mim é vontade de morrer)
faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente
na Galeria Cruzeiro quente quente
e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro,
nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso.
Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas
autos abertos correndo caminho do mar
voluptuosidade errante do calor
mil presentes da vida aos homens indiferentes,
que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.
O mar batia em meu peito, já não batia no cais.
A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu
a cidade sou eu
sou eu a cidade
meu amor.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 102-103.
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26
Lição de Coisas
PARA SEMPRE
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
echuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -Mãe e filho, 2006, Edmilson Costa
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Lição de coisas. São Paulo: Companhia Das Letras, 2012, p. 76.
ESTUDO DO TEXTO
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27
Sentimento do Mundo
SENTIMENTO DO MUNDO
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo,
mas estou cheio escravos,
minhas lembranças escorrem
e o corpo transige
na confluência do amor.
Quando me levantar, o céu
estará morto e saqueado,
eu mesmo estarei morto,
morto meu desejo, morto
o pântano sem acordes.
Os camaradas não disseram
que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento.
Sinto-me disperso,
anterior a fronteiras,
humildemente vos peço
que me perdoeis.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 205.
ESTUDO DO TEXTO
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Itabira – MG / Posted by prof. Dantas [06/01/2015]
CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 207.
29
CANÇÃO DA MOÇA-FANTASMA DE BELO HORIZONTE
Eu sou a Moça-Fantasma
que espera na Rua do Chumbo
o carro da madrugada.
Eu sou branca e longa e fria,
a minha carne é um suspiro
na madrugada da serra.
Eu sou a Moça-Fantasma.
O meu nome era Maria,
Maria-Que-Morreu-Antes.
Sou a vossa namorada
que morreu de apendicite,
no desastre de automóvel
ou suicidou-se na praia
e seus cabelos ficaram
longos na vossa lembrança.
Eu nunca fui deste mundo:
Se beijava, minha boca
dizia de outros planetas
em que os amantes se queimam
num fogo casto e se tornam
estrelas, sem ironia.
Morri sem ter tido tempo
de ser vossa, como as outras.
Não me conformo com isso,
e quando as polícias dormem
em mim e fora de mim,
meu espectro itinerante
desce a Serra do Curral,
vai olhando as casas novas,
ronda as hortas amorosas
(Rua Cláudio Manuel da Costa),
para no Abrigo Ceará,
não há abrigo. Um perfume
que não conheço me invade:
é o cheiro do vosso sono
quente, doce, enrodilhado
nos braços das espanholas...
Oh! deixai-me dormir convosco.
30
E vai, como não encontro
nenhum dos meus namorados,
que as francesas conquistaram,
e que beberam todo o uísque
existente no Brasil
(agora dormem embriagados),
espreito os carros que passam
com choferes que não suspeitam
de minha brancura e fogem.
Os tímidos guardas-civis,
coitados! um quis me prender.
Abri-lhe os braços... Incrédulo,
me apalpou. Não tinha carne
e por cima do vestido
e por baixo do vestido
era a mesma ausência branca,
um só desespero branco...
Podeis ver: o que era corpo
foi comido pelo gato.
As moças que ainda estão vivas
(hão de morrer, ficai certos)
têm medo que eu apareça
e lhes puxe a perna... Engano.
Eu fui moça, serei moça
deserta, per omniasaecula.
Não quero saber de moças.
Mas os moços me perturbam.
Não sei como libertar-me.
Se o fantasma não sofresse,
se eles ainda me gostassem
e o espiritismo consentisse,
mas eu sei que é proibido,
vós sois carne, eu sou vapor.
Um vapor que se dissolve
quando o sol rompe na Serra.
Agora estou consolada,
disse tu do que queria,
subirei àquela nuvem,
serei lâmina gelada,
cintilarei sobre os homens.
Meu reflexo na piscina
da Avenida Paraúna
(estrelas não se compreendem),
ninguém o compreenderá.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 210-214.
31
ESTUDO DO TEXTO
01. Sobre o poema, é correto afirmar:
01) O texto é permeado por um tom de lamento da moça fantasma, motivado pela perda
do mundo real.
02) O espaço físico pelo qual a personagem transita é delimitado na superfície do texto.
inorgânico.
04) As expressões ―eu sou branca, ―minha brancura, ausência branca‖ e―desespero
branco‖ intensificam a ideia de um ser abstrato, inorgânico.
08) O discurso lírico da segunda estrofe identifica a figura do fantasma com outros seres
que se tornaram invisíveis para o mundo real.
16) A voz poética revela desejo de comunhão com a natureza, com o sagrado e com os
homens.
32) O poema lírico revela imagens de tédio, de ódio e de desespero de um ser oprimido,
desejoso de mudanças sociais.
64) O final do poema evidencia o restabelecimento da integração da personagem com o
mundo real.
02. Oque o poema aborda?
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MÃOS DADAS
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,a vida presente.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 240
ESTUDO DO TEXTO
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A NOITE DISSOLVE OS HOMENS
A Portinari
A noite desceu. Que noite!
Já não enxergo meus irmãos.
E nem tampouco os rumores
que outrora me perturbavam.
A noite desceu. Nas casas,
nas ruas onde se combate,
nos campos desfalecidos,
a noite espalhou o medo
e a total incompreensão.
A noite caiu. Tremenda,
sem esperança...Os suspiros
acusam a presença negra
que paralisa os guerreiros.
E o amor não abre caminho
na noite. A noite é mortal,
completa, sem reticências,
a noite dissolve os homens,
diz que é inútil sofrer,
a noite dissolve as pátrias,
apagou os almirantes
cintilantes! nas suas fardas.
A noite anoiteceu tudo...
O mundo não tem remédio...
Os suicidas tinham razão.
Aurora,
entretanto eu te diviso, ainda tímida,
inexperiente das luzes que vais ascender
e dos bens que repartirás com todos os homens.
Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,
adivinho-te que sobes, vapor róseo, expulsando a treva noturna.
O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos,
teus dedos frios, que ainda se não modelaram
mas que avançam na escuridão como um sinal verde e peremptório.
Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,
minha carne estremece na certeza de tua vinda.
O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam,
os corpos hirtos adquirem uma fluidez,
uma inocência, um perdão simples e macio...
Havemos de amanhecer. O mundo
se tinge com as tintas da antemanhã
e o sangue que escorre é doce, de tão necessário
para colorir tuas pálidas faces, aurora.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987]Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 246-248.
34
ESTUDO DO TEXTO
01..Obedecendo o critério formal e temático, divida o texto em duas parte.
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02. Justifique a dedicatória do poema ao pintor Cândido Portinari.
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03. Transcreva do texto as imagens que sugerem impressões visuais.
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04. O que representa ―noite‖ e ―aurora‖ no contexto do poema?
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05. Transcreva o verso em que o poeta demonstra seu engajamento contra o totalitarismo
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06. Que ordem temporal se projeta na segunda parte do poema.
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35
JOSÉ
A BRUXA
A Emil Farhat
Nesta cidade do Rio,
de dois milhões de habitantes,
estou sozinho no quarto,
estou sozinho na América.
Estarei mesmo sozinho?
Ainda há pouco um ruído
anunciou vida ao meu lado.
Certo não é vida humana,
mas é vida. E sinto a bruxa
presa na zona de luz.
De dois milhões de habitantes!
E nem precisava tanto…
Precisava de um amigo,
desses calados, distantes,
que leem verso de Horácio
mas secretamente influem
na vida, no amor, na carne.
Estou só, não tenho amigo,
e a essa hora tardia
como procurar amigo?
10/07/1999
E nem precisava tanto.
Precisava de mulher
que entrasse neste minuto,
recebesse este carinho,
salvasse do aniquilamento
um minuto e um carinho loucos
que tenho para oferecer.
Em dois milhões de habitantes,
quantas mulheres prováveis
interrogam-se no espelho
medindo o tempo perdido
até que venha a manhã
trazer leite, jornal e calma.
Porém a essa hora vazia
como descobrir mulher?
36
Esta cidade do Rio!
Tenho tanta palavra meiga,
conheço vozes de bichos,
sei os beijos mais violentos,
viajei, briguei, aprendi.
Estou cercado de olhos,
de mãos, afetos, procuras.
Mas se tento comunicar-me
o que há é apenas a noite
e uma espantosa solidão.
Companheiros, escutai-me!
Essa presença agitada
querendo romper a noite
não é simplesmente a bruxa.
É antes a confidência
exalando-se de um homem.
ANDRADE, Carlos Drummond de. José & outros.13ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010, pp. 97-98.
ESTUDO DO TEXTO
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37
JOSÉ
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,Hotel Itabira – Postedby prof. Dantas [06/01/2015]
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio - e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
38
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse …
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
ANDRADE, Carlos Drummond de. José & outros.13ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010, pp. 123-125.
ESTUDO DO TEXTO
01..Por que o título do poema é José?
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02. O poeta utiliza-se constantemente de um tipo de figura, cuja característica é a
recorrência da mesma expressão no início do verso. Tal figura é:
[ ] Metáfora [ ] Prosopopeia
[ ] Anáfora
[ ] Metonímia
[ ] Sinédoque
03. Qual é a função desta figura no texto?
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04. Quais seriam os sinais mais importantes da solidão de José?
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05. Por que o Autor diz: ―você que é sem nome‖, se a personagem se chama José?
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39
06. Faça um levantamento dos modos e tempos verbais. Quais são os predominantes? E
por que são utilizados tais modos e tempos?
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07. A José são vedados mesmo os atos comuns do dia-a-dia (comer, cuspir, etc.). Como
explicar?
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08. O refrão do texto é: ―E agora, José?‖ Por que a inversão do mesmo na 4ª estrofe?
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09. ―Abrir a porta‖ pode ser uma metáfora do quê?
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10. A que se refere Drummond quando fala em ―terno de vidro‖?
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11. Trata-se dum texto modernista. Justifique.
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40
A MÃO SUJA
Minha mão está suja.
Preciso cortá-la.
Não adianta lavar.
A água está podre.
Nem ensaboar.
O sabão é ruim.
A mão está suja,
suja há muitos anos.
A princípio oculta
no bolso da calça,
quem o saberia?
Gente me chamava
na ponta do gesto.
Eu seguia, duro.
A mão escondida
no corpo espalhava
seu escuro rastro.
E vi que era igual
usá-la ou guardá-la.
O nojo era um só.
Ai, quantas noites
no fundo da casa
lavei essa mão,
poli-a, escovei-a.
Cristal ou diamante,
por maior contraste,
quisera torná-la,
ou mesmo, por fim,
uma simples mão branca,
mão limpa de homem,
que se pode pegar
e levar à boca
ou prender à nossa
num desses momentos
em que dois se confessam
sem dizer palavra…
A mão incurável
abre dedos sujos.
41
E era um sujo vil,
não sujo de terra,
sujo de carvão,
casca de ferida,
suor na camisa
de quem trabalhou.
Era um triste sujo
feito de doença
e de mortal desgosto
na pele enfarada.
Não era sujo preto
– o preto tão puro
numa coisa branca.
Era sujo pardo,
pardo, tardo, cardo.
Inútil, reter
a ignóbil mão suja
posta sobre a mesa.
Depressa, cortá-la,
fazê-la em pedaços
e jogá-la ao mar!
Com o tempo, a esperança
e seus maquinismos,
outra mão virá
pura – transparente –
colar-se a meu braço.
ANDRADE, Carlos Drummond de. José & outros.13ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010, pp. 129-131.
ESTUDO DO TEXTO
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42
Itabira-MG / Posted by prof. Dantas [06/01/2015]
EDIFÍCIO ESPLENDOR
I
Na areia da praia
Oscar risca o projeto.
Salta o edifício
da areia da praia.
No cimento, nem traço
da pena dos homens.
As famílias se fecham
em células estanques.
O elevador sem ternura
expele, absorve
num ranger monótono
substância humana.
Entretanto há muito
se acabaram os homens.
Ficaram apenas
tristes moradores.
ANDRADE, Carlos Drummond de. José & outros. 13ªed., Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 103.
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43
VIAGEM NA FAMÍLIA
A Rodrigues M. F. de Andrade
No deserto de Itabira
a sombra de meu pai
tomou-me pela mão.
Tanto tempo perdido.
Porém nada dizia.
Não era dia nem noite.
Suspiro? Vôo de pássaro?
Porém nada dizia.
Longamente caminhamos.
Aqui havia uma casa.
A montanha era maior.
Tantos mortos amontoados,
o tempo roendo os mortos.Itabira-MG / Postedby prof. Dantas
E nas casas em ruína,
desprezo frio, humidade.
Porém nada dizia.
A rua que atravessava
a cavalo, de galope.
Seu relógio. Sua roupa.
Seus papéis de circunstância.
Suas histórias de amor.
Há um abrir de baús
e de lembranças violentas.
Porém nada dizia.
No deserto de Itabira
as coisas voltam a existir,
irrespiráveis e súbitas.
O mercado de desejos
expõe seus tristes tesouros;
meu anseio de fugir;
mulheres nuas; remorso.
Porém nada dizia.
Pisando livros e cartas,
viajamos na família.
Casamentos; hipotecas;
os primos tuberculosos;
a tia louca; minha avó
traída com as escravas,
rangendo sedas na alcova.
Porém nada dizia.
44
Que cruel, obscuro instinto
movia sua mão pálida
subtilmente nos empurrando
pelo tempo e pelos lugares
defendidos?
Olhei-o nos olhos brancos.
Gritei-lhe: Fala! Minha voz
vibrou no ar um momento,
bateu nas pedras. A sombra
prosseguia devagar
aquela viagem patética
através do reino perdido.
Porém nada dizia.
Vi mágoa, incompreensão
e mais de uma velha revolta
a dividir-nos no escuro.
A mão que eu não quis beijar,
o prato que me negaram,
recusa em pedir perdão.
Orgulho. Terror noturno.
Porém nada dizia.
Fala falafalafala.
Puxava pelo casaco
que se desfazia em barro.
Pelas mãos, pelas botinas
prendia a sombra severa
e a sombra se desprendia
sem fuga nem reação.
Porém ficava calada.
E eram distintos silêncios
que se entranhavam no seu.
Era meu avô já surdo
querendo escutar as aves
pintadas no céu da igreja;
a minha falta de amigos;
a sua falta de beijos;
eram nossas difíceis vidas
e uma grande separação
na pequena área do quarto.
A pequena área da vida
me aperta contra o seu vulto,
e nesse abraço diáfano
é como se eu me queimasse
todo, de pungente amor.
Só hoje nos conhecermos!
Óculos, memórias, retratos
fluem no rio do sangue.
As águas já não permitem
distinguir seu rosto longe,
para lá de setenta anos...
45
Senti que me perdoava
porém nada dizia.
As águas cobrem o bigode,
a família, Itabira, tudo.
ANDRADE, Carlos Drummond de. José & outros. 13ªed., Rio de Janeiro: Record, 2010, pp.133-136.
ESTUDO DO TEXTO
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46
A Rosa do Povo
CONSIDERAÇÃO DO POEMA
Não rimarei a palavra sono
com a incorrespondente palavra outono.
Rimarei com a palavra carne
ou qualquer outra, que todas me convêm.
As palavras não nascem amarradas,
elas saltam, se beijam, se dissolvem,
no céu livre por vezes um desenho,
são puras, largas, autênticas, indevassáveis.
Uma pedra no meio do caminho
ou apenas um rastro, não importa.
Estes poetas são meus. De todo o orgulho,
de toda a precisão se incorporam
ao fatal meu lado esquerdo. Furto a Vinicius
sua mais límpida elegia. Bebo em Murilo.
Que Neruda me dê sua gravata
chamejante. Me perco em Apollinaire. Adeus, Maiakovski.
São todos meus irmãos, não são jornais
nem deslizar de lancha entre camélias:
é toda a minha vida que joguei.
Estes poemas são meus. É minha terra
e é ainda mais do que ela. É qualquer homem
ao meio-dia em qualquer praça. É a lanterna
em qualquer estalagem, se ainda as há.
– Há mortos? há mercados? há doenças?
É tudo meu. Ser explosivo, sem fronteiras,
por que falsa mesquinhez me rasgaria?
Que se depositem os beijos na face branca, nas principiantes rugas.
O beijo ainda é um sinal, perdido embora,
da ausência de comércio,
boiando em tempos sujos.
Poeta do finito e da matéria,
cantor sem piedade, sim, sem frágeis lágrimas,
boca tão seca, mas ardor tão casto.
Dar tudo pela presença dos longínquos,
sentir que há ecos, poucos, mas cristal,
não rocha apenas, peixes circulando
sob o navio que leva esta mensagem,
e aves de bico longo conferindo
sua derrota, e dois ou três faróis,
últimos! esperança do mar negro.
Essa viagem é mortal, e começá-la.
Saber que há tudo. E mover-se em meio
a milhões e milhões de formas raras,
secretas, duras. Eis aí meu canto.
47
Ele é tão baixo que sequer o escuta
ouvido rente ao chão. Mas é tão alto
que as pedras o absorvem. Está na mesa
aberta em livros, cartas e remédios.
Na parede infiltrou-se. O bonde, a rua,
o uniforme de colégio se transformam,
são ondas de carinho te envolvendo.
Como fugir ao mínimo objeto
ou recusar-se ao grande? Os temas passam,
eu sei que passarão, mas tu resistes,
e cresces como fogo, como casa,
como orvalho entre dedos,
na grama, que repousam.
Já agora te sigo a toda parte,
e te desejo e te perco, estou completo,
me destino, me faço tão sublime,
tão natural e cheio de segredos,
tão firme, tão fiel… Tal uma lâmina,
o povo, meu poema, te atravessa.
ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. 36ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2006, pp. 21-23.
ESTUDO DO TEXTO
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48
PROCURA DA POESIA
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.
Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.
Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem; rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.
O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.
Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.
Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.
49
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.
ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. 36ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2006, pp. 24-26.
ESTUDO DO TEXTO
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50
NOVA CANÇÃO DO EXÍLIO
A Josué Montello
Um sabiá
na palmeira, longe.
Estas aves cantam
um outro canto.
O céu cintila
sobre flores úmidas.
Vozes na mata,
e o maior amor.
Só, na noite,
seria feliz:
um sabiá,
na palmeira, longe.
Onde é tudo belo
e fantástico,
só, na noite,
seria feliz.
(Um sabiá,
na palmeira, longe.)
Ainda um grito de vida e
voltar
para onde é tudo belo
e fantástico:
a palmeira, o sabiá,
o longe.
ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. 36ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2006, p.71.
ESTUDO DO TEXTO
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51
CIDADE PREVISTA
Guardei-me para a epopeia
que jamais escreverei.
Poetas de Minas Gerais
e bardos do AltoAraguaia,
vagos cantores tupis,
recolhei meu pobre acervo,
alongai meu sentimento.
O que eu escrevi não conta.
O que desejei é tudo.
Retomai minhas palavras,
meus bens, minha inquietação,
fazei o canto ardoroso,
cheio de antigo mistério
mas límpido e resplendente.
Cantai esse verso puro,
que se ouvirá no Amazonas,
na choça do sertanejo
e no subúrbio carioca,
no mato, na vila X,
no colégio, na oficina,
território de homens livres
que será nosso país
e será pátria de todos.
Irmãos, cantai esse mundo
que não verei, mas virá
um dia, dentro em mil anos,
talvez mais... não tenho pressa.
Um mundo enfim ordenado,
uma pátria sem fronteiras,
sem leis e regulamentos,
uma terra sem bandeiras,
sem igrejas nem quartéis,
sem dor, sem febre, sem ouro,
um jeito só de viver,
mas nesse jeito a variedade,
a multiplicidade toda
que há dentro de cada um.
Uma cidade sem portas,
de casas sem armadilha,
um país de riso e glória
como nunca houve nenhum.
Este país não é meu
nem vosso ainda, poetas.
Mas ele será um dia
o país de todo homem.
ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. 36ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2006, pp. 156-157.
52
ESTUDO DO TEXTO
01..O que o poeta oferece aos outros poetas?
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02. Como será a repercussão desse tema?
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03. Como viverão os homens nesse país do futuro?
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.04. Como será o mundo previsto pelo poeta?
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05. Justifique o título do poema.
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«Ao homem livre não faz falta um deus»
Vladimir Nabokov
53
O Medo
A Antonio Candido
―Porque há para todos nós um problema sério...
Este problema é o do medo‖.
ANTONIO CANDIDO, Plataforma de uma geração.
Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.
Somos apenas uns homens
e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
doenças galopantes, fomes.
Refugiamo-nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia,
ventava, fazia frio em São Paulo.
Fazia frio em São Paulo…
Nevava.
O medo, com sua capa,
nos dissimula e nos berça.
Fiquei com medo de ti,
meu companheiro moreno,
De nós, de vós: e de tudo.
Estou com medo da honra.
Assim nos criam burgueses,
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?
Vem, harmonia do medo,
vem, ó terror das estradas,
susto na noite, receio
de águas poluídas. Muletas
do homem só. Ajudai-nos,
lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa
se parte, se transe e cala-se.
54
Faremos casas de medo,
duros tijolos de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.
E com asas de prudência,
com resplendores covardes,
atingiremos o cimo
de nossa cauta subida.
O medo, com sua física,
tanto produz: carcereiros,
edifícios, escritores,
este poema; outras vidas.
Tenhamos o maior pavor,
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.
Adeus: vamos para a frente,
recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes…
Fiéis herdeiros do medo,
eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo.
ANDRADE, Carlos Drummond de. A rosa do povo. 36ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2006, pp. 35-37.
ESTUDO DO TEXTO
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55
Claro Enigma
CONFISSÃO
Não amei bastante meu semelhante,
não catei o verme nem curei a sarna.
Só proferi algumas palavras,
melodiosas, tarde , ao voltar da festa.
Dei sem dar e beijei sem beijo.
(Cego é talvez quem esconde os olhos
embaixo do catre.) E na meia-luz
tesouros fanam-se, os mais excelentes.
Do que restou, como compor um homem
e tudo o que ele implica de suave,
de concordâncias vegetais, murmúrios
de riso, entrega, amor e piedade?
Não amei bastante sequer a mim mesmo,
contudo próximo. Não amei ninguém.
Salvo aquele pássaro -vinha azul e doidoque se esfacelou na asa do avião.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro enigma. 19ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 28.
ESTUDO DO TEXTO
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56
A MÁQUINA DO MUNDO
E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves
pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,Postedby prof. Dantas
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,
assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,
a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
57
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.‖
As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge
distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos
e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade;
e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.
Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;
como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face
que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,
58
passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes
em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,
baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro enigma. 19ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010, pp. 127-131.
ESTUDO DO TEXTO
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59
MEMÓRIA
Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que lindas,
essas ficarão.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro enigma. 19ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 34.
ESTUDO DO TEXTO
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60
PERGUNTAS EM FORMA
DE CAVALO-MARINHO
Que metro serve
para medir-nos?
Que forma é nossa
e que conteúdo?
Contemos algo?
Somos contidos?
Dão-nos um nome?
Estamos vivos?
A que aspiramos?
Que possuímos?
Que relumbramos?
Onde jazemos?
(Nunca se finda
nem se criara.
Mistério é o tempo
inigualável.)
ANDRADE, Carlos Drummond de. Claro enigma. 19ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010, p. 29.
ESTUDO DO TEXTO
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61
Dicurso de Primavera e Algumas Sombras
VISÃO DE CLARICE LISPECTOR
Clarice,
veio de um mistério, partiu para outro.
Ficamos sem saber a essência do mistério.
Ou o mistério não era essencial,
era Clarice viajando nele.
Era Clarice bulindo no fundo mais fundo,
onde a palavra parece encontrar
sua razão de ser, e retratar o homem.
O que Clarice disse, o que Clarice
viveu por nós em forma de história
em forma de sonho de história
em forma de sonho de sonho de história
(no meio havia uma barata
ou um anjo?)
não sabemos repetir nem inventar.
São coisas, são joias particulares de Clarice
que usamos de empréstimo, ela dona de tudo.
Clarice não foi um lugar-comum,
carteira de identidade, retrato.
De Chirico a pintou? Pois sim.
O mais puro retrato de Clarice
só se pode encontrá-lo atrás da nuvem
que o avião cortou, não se percebe mais.
De Clarice guardamos gestos. Gestos,
tentativas de Clarice sair de Clarice
para ser igual a nós todos
em cortesia, cuidados, providências.
Clarice não saiu, mesmo sorrindo.
Dentro dela
o que havia de salões, escadarias,
tetos fosforescentes, longas estepes,
zimbórios, pontes do Recife em bruma envoltas,
formava um país, o país onde Clarice
vivia, só e ardente, construindo fábulas.
Não podíamos reter Clarice em nosso chão
salpicado de compromissos. Os papéis,
os cumprimentos falavam em agora,
edições, possíveis coquetéis
à beira do abismo.
Levitando acima do abismo Clarice riscava
um sulco rubro e cinza no ar e fascinava.
62
Fascinava-nos, apenas.
Deixamos para compreendê-la mais tarde.
Mais tarde, um dia… saberemos amar Clarice.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Discurso de primavera e algumas sombras.São Paulo: Companhia Das
Letras, 2014, pp. 71-72.
ESTUDO DO TEXTO
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63
A culpa é tua, Pai Tietê? A culpa é tua,
se tuas águas estão podres de fel
e majestade falsa?
MÁRIO DE ANDRADE
NUM PLANETA ENFERMO (Meditação sobre o Tietê)
Cai neve em Parnaíba,
noiva branca.
Vem dos lados de Pirapora do Bom Jesus.
Presente de Deus, com certeza,
a seus filhos que jamais viram Europa.
Ou talvez cortesia do Prefeito?
Moleques, brinquem na neve pura e rara.
Garotas, não tenham cerimônia.
Cai neve em Parnaíba, é promoção.
O senhor que é tabelião, o dr. promotor
por que não vão fazer bonecos dessa neve
especial, que reacende
o espírito infantil?
Correm todos a ver a neve santa,
a alvorejar em sua alvura.
Olha a rua vestida de sonho,
olha o jardim envolto em toalha de nuvens,
olha as nossas tristezas lavadas, enxaguadas!
O professor chega perto e não se encanta.
Esse cheiro... diz ele. Realmente,
quem pode com esse cheiro nauseante?
A neve foi malfeita, não se faz
neve como em filmes e gravuras.
E me dói a cabeça, diz alguém.
E a minha também, e o mal-estar
me invade o corpo. Desculpem se vomito
à vista de pessoas tão distintas.
64
Envenenada morre a flor-de-outubro
no canteiro onde o branco
deixa uma escura marca de gordura.
Marcadas ficarão
as casas coloniais da Praça da Matriz
tombadas pelo IPHAN?
A pele dos rostos mais limpinhos
— ai Rita, ai Mariazinha —
cheira a óleo queimado.
Estranha neve:
espuma, espuma apenas
que o vento espalha, bolha em baile no ar,
vinda do Tietê alvoroçado
ao abrir de comportas,
espuma de dodecilbenzeno irredutível,
emergindo das águas profanadas
do rio-bandeirante, hoje rio-despejo
de mil imundícies do progresso.
Pesadelo? Sinal dos tempos?
Jeito novo de punir as cidades, pois a Bíblia
esgotou os castigos de água e fogo?
Entre flocos de espuma detergente
vão se findar os dias lentamente
de pecadores e nãopecadores,
se pecado é viver entre rios sem peixe
e chaminés sem filtro e monstrimultinacionais,
onde quer que a valia
valha mais do que a vida?
Minha Santana pobre de Parnaíba,
meu dorido Bom Jesus de Pirapora,
meu infecto Anhambi de glória morta,
fostes os chamados
não para anunciar uma outra luz do dia,
mas o branco sinistro, o negro branco,
o branco sepultura do que é cor, perfume
e graça de viver, enquanto a vida
ou memória de vida se consente
neste planeta enfermo.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Discurso de primavera e algumas sombras. São Paulo: Companhia Das
Letras, 2014, pp. 16-18.
65
Rio Tietê /Postedbyprof. Dantas
ESTUDO DO TEXTO
NUM PLANETA ENFERMO
01..Quais os malefícios causados pela ―neve‖ de Santana de Parnaíba?
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02. Destaque do poema um termo científico e um neologismo.
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03. O que o poeta Carlos Drummond escreve?
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66
Rio São Francisco na divisa entre Alagoas e Serjipe /Postedby prof. Dantas
AGUAS E MÁGOAS DO RIO SÃO FRANCISCO
Está secando o velho Chico.
Está mirrando, está morrendo.
Já não quer saber de lanchas-ônibus,
nem de chatas e seus empurradores.
Cansou-se de gaiolas
e literatura encomiástica
e mostra o leito pobre,
as pedras, as areias desoladas
onde nenhum caboclo-d‘água
nenhum minhocão ou cachorrinha-d‘água,
cativados a nacos de fumo forte,
restam para semente
de contos fabulosos e assustados.
Ei, velho Chico,
deixas teus barqueirose barranqueiros na pior?
Recusas pegar frete em Pirapora
e ir levando pro Norte as alegrias?
Negas teus surubins,teus mitos e dourados,
teus postais alucinantes de crepúsculo
à gula dos turistas?
Ou é apenas
seca de junho-julhopara descanso
e volta mais barrenta na explosão
da chuva gorda?
67
Já te estranham, meu Chico. Desta vez,
encolheste demais. O cemitério
de barcos encalhados se desdobra
na lama que deixaste. O fio d‘água
(ou lágrimas?) escorre
entre carcaças novas: é brinquedo
de curumins, os únicos navios
que aceitas transportar com desenfado.
Mulheres quebram pedra
no pátio ressequido
que foi teu leito e esboça teu fantasma.
Não escutas, ó Chico, as rezas músicas
dos fiéis que em procissãoimploram chuva?
São amigos que te querem,Postedby prof. Dantas
companheiros que carecem
de teu deslizar sem pressa
(tão suave que corrias,
embora tão artioso
que muitas vezes tiravas
a terra de um lado e a punhas
mais adiante, de moleque).
É gente que vai murchando
em frente à lavoura morta
e ao esqueleto do gado,
por entre portos de lenha
e comercinhos decrépitos;
a dura gente sofrida
que carregas (carregavas)
no teu lombo de água turva
mas afinal água santa,
meu rio, amigo roteiro
de Pirapora a Juazeiro.
Responde, Chico, responde!
Não vem resposta de Chico,
e vai sumindo seu rastro
como rastro da viola
se esgarça no vão do vento.
E na secura da terra
e no barro que ele deixa
onde Martius viu seu reino,
na carranca dos remeiros
(memória de outras carrancas,
há muito peças de living),
nas tortas margens que o homem
não soube retificar
(não soube ou não quis? paciência),
nos pilares sem serviço
de pontes sobre o vazio,
na negra ausência de verde,
no sacrifício das árvores
68
cortadas, carbonizadas,
no azul, que virou fumaça,
nas araras capturadas
que não mandam mais seus guinchos
à paisagem de seca
(onde o tapete de finas
gramíneas,dos viajantes antigos?),
no chão deserto, na fome
dos subnutridos nus,
não colho qualquer resposta,
nada fala, nada conta
das tristuras e renúncias,
dos desencantos, dos males,
das ofensas, das rapinas
que no giro de três séculos
fazem secar e morrer
a flor de água de um rio.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Discurso de primavera e algumas sombras. São Paulo: Companhia Das
Letras, 2014, pp. 13-15.
ESTUDO DO TEXTO
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69
Corpo
AS SEM-RAZÕES DO AMOR
Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é dado de graça
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.Carlos Leão
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Corpo. 4ª., Rio de Janeiro: Record, 1984. pp. 35-36.
ESTUDO DO TEXTO
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NOTA:
Carlos Leão [Rio de Janeiro, 1906-1983] – arquiteto, pintor, aquarelista e desenhista.
70
Carlos Leão
PINTOR DE MULHER
A Augusto Rodrigues
Este pintor
sabe o corpo feminino e seus possíveis
de linha e de volume reinventados.
Sabe a melodia do corpo em variações entrecruzadas.
Lê o código do corpo, de A ao infinito
dos signos e das curvas que dão vontade de morrer
de santo orgasmo e de beleza."
ANDRADE, Carlos Drummond de. Corpo. 4ª ed., Rio de Janeiro: Record, 1984. p. 19.
ESTUDO DO TEXTO
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71
Farewell
Itabira- MG
/ Posted by prof. Dantas [06/01/2015]
A ILUSÃO DO MIGRANTE
Quando vim da minha terra,
se é que vim da minha terra
(não estou morto por lá?),
a correnteza do rio
me sussurrou vagamente
que eu havia de quedar
lá donde me despedia.
Os morros, empalidecidos,
no entrecerrar-se da tarde,
pareciam me dizer
que não se pode voltar,
porque tudo é conseqüência
de um certo nascer ali.
Quando vim, se é que vim
de algum para outro lugar,
o mundo girava, alheio
à minha baça pessoa,
e no seu giro entrevi
que não se vai nem se volta
de sítio algum a nenhum.
72
Que carregamos as coisas,
moldura da nossa vida,
rígida cerca de arame,
na mais anônima célula,
e um chão, um riso, uma voz
ressoam incessantemente
em nossas fundas paredes.
Novas coisas, sucedendo-se
iludem a nossa fome
de primitivo alimento.
As descobertas são máscaras
do mais obscuro real,
essa ferida alastrada
na pele de nossas almas.
Quando vim da minha terra
não vim, perdi-me no espaço,
na ilusão de ter saído.
Ai de mim, nunca saí.
Lá estou eu, enterrado
por baixo da falas mansas,
por baixo de negras sombras,
por baixo de lavras de ouro,
por baixo de gerações,
por baixo, eu sei, de mim mesmo,
este vivente enganado, enganoso.
ANDRADE, Carlos Drummond de. 8ª ed.,Farewell. Rio de Janeiro: Record, 2002, pp. 2526.
ESTUDO DO TEXTO
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73
MISSÃO DO CORPO
Claro que o corpo não é feito só para sofrer,
mas para sofrer e gozar.
Na inocência do sofrimento
como na inocência do gozo,
o corpo se realiza, vulnerável
e solene.
Salve, meu corpo, minha estrutura de viver
e de cumprir os ritos do existir!
Amo tuas imperfeições e maravilhas,
amo-as com gratidão, pena e raiva intercadentes.
Em ti me sinto dividido, campo de batalha
sem vitória para nenhum lado
e sofro e sou feliz
na medida do que acaso me ofereças.
Será mesmo acaso,
será lei divina ou dragonária
que me parte e reparte em pedacinhos?
Meu corpo, minha dor,
meu prazer e transcendência,
és afinal meu ser inteiro e único.
ANDRADE, Carlos Drummond de. 8ª ed., Farewell. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 89.
ESTUDO DO TEXTO
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74
ELEGIA A UM TUCANO MORTO
Ao Pedro
O sacrifício da asa corta o vôo
no verdor da floresta.Citadino
serás e mutilado,
caricatura de tucano
para a curiosidade de crianças
e a indiferença de adultos.
Sofrerás a agressão de aves vulgares
e morto quedarás
no chão de formigas e de trapos.
Eu te celebro em vão
como à festa colorida mas truncada
projeto da natureza interrompido
ao azar de peripécias e viagens
do Amazonas ao asfalto
da feira de animais.
Eu te registro, simplesmente,
no caderno de frustrações deste mundo
pois para isto vieste:
para a inutilidade de nascer.
ANDRADE, Carlos Drummond de. 8ª ed.,Farewell. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 69.
ESTUDO DO TEXTO
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75
Brejo das Almas
SONETODAPERDIDA ESPERANÇA
Perdi o bonde e a esperança.
Volto pálido para casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.
Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.
Não sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não? na noite escassa
com um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, p. 159.
ESTUDO DO TEXTO
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76
HINO NACIONAL
Precisamos descobrir o Brasil!
Escondido atrás das florestas,
com a água dos rios no meio,
o Brasil está dormindo, coitado.
Precisamos colonizar o Brasil.
O que faremos importando francesas
muito louras, de pele macia,
alemãs gordas, russas nostálgicas para
garçonettes dos restaurantes noturnos.
E virão sírias fidelíssimas.
Não convém desprezar as japonesas...
Precisamos educar o Brasil.
Compraremos professores e livros,
assimilaremos finas culturas,
abriremos dancings e subvencionaremos as elites.
Cada brasileiro terá sua casa
com fogão e aquecedor elétricos, piscina,
salão para conferências científicas.
E cuidaremos do Estado Técnico.
Precisamos louvar o Brasil.
Não é só um país sem igual.
Nossas revoluções são bem maiores
do que quaisquer outras; nossos erros também.
E nossas virtudes? A terra das sublimes paixões...
os Amazonas inenarráveis... os incríveis João-Pessoas...
77
Precisamos adorar o Brasil!
Se bem que seja difícil caber tanto oceano e tanta solidão
no pobre coração já cheio de compromissos...
se bem que seja difícil compreender o que querem esses homens,
por que motivo eles se ajuntaram e qual a razão de seus sofrimentos.
Precisamos, precisamos esquecer o Brasil!
Tão majestoso, tão sem limites, tão despropositado,
ele quer repousar de nossos terríveis carinhos.
O Brasil não nos quer! Está farto de nós!
Nosso Brasil é no outro mundo. Este não é o Brasil.
Nenhum Brasil existe. E acaso existirão os brasileiros?
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 173-174.
ESTUDO DO TEXTO
HINO NACIONAL
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78
NÃO SE MATE
Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.
Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.
O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.
Edvard Munch (1863-1944)
Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp. 187-188..
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79
O Amor Natural
NO CORPO FEMININO, ESSE RETIRO
No corpo feminino, esse retiro
– a doce bunda – é ainda o que prefiro.
A ela, meu mais íntimo suspiro,
pois tanto mais a apalpo quanto a miro.
Que tanto mais a quero, se me firo
em unhas protestantes, e respiro
a brisa dos planetas, no seu giro
lento, violento… Então, se ponho e tiro
a mão em concha – a mão, sábio papiro,
iluminando o gozo, qual lampiro ou se, dessedentado, já me estiro,
me penso, me restauro, me confiro,
o sentimento da morte eis que o adquiro:
de rola, a bunda torna-se vampiro.
ANDRADE, Carlos Drummond de.O amor natural. São Paulo: Companhia Das Letras, 2013, p. 35.
ESTUDO DO TEXTO
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CARLOS LEÃO / Nu deitado/ Aquarela
TENHO SAUDADE DE UMA DAMA
Tenho saudades de uma dama
como jamais houve na cama
outra igual, e mais terna amante.
Não era sequer provocante.
Provocada, como reagia!
São palavras só: quente, fria.
No banheiro nos enroscávamos.
Eram flamas no preto favo,
um guaiar, um matar-morrer.
Tenho saudades de uma dama
que me passeava na medula
e atomizava os pés da cama.
ANDRADE, Carlos Drummond de.O amor natural. São Paulo: Companhia Das Letras, 2013, p. 55.
ESTUDO DO TEXTO
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81
Carlos Leão
OH MINHA SENHORA Ó MINHA SENHORA
Oh minha senhora ó minha senhora oh não se incomode senhora minha não faça
isso eulhe peço eu lhe suplico por Deus nosso redentor minha senhora não dê
importância a umsimples mortal vagabundo como eu que nem mereço a glória de quanto
mais de… nãonão não minha senhora não me desabotoe a braguilha não precisa também
se despir oque é isso é verdadeiramente fora de normas e eu não estou absolutamente
preparadopara semelhante emoção ou comoção sei lá minha senhora nem sei mais o que
digo eudisse alguma coisa? sinto-me sem palavras sem fôlego sem saliva para molhar a
língua eensaiar um discurso coerente na linha do desejo sinto-me desamparado do Divino
EspíritoSanto minha senhora eu eu eu ó minha senh… esses seios são seus ou é uma
aparição eesses pelos essas nád… tanta nudez me deixa naufragado me mata me
pulveriza louvadobendito seja Deus é o fim do mundo desabando no meu fim eu eu …
ANDRADE, Carlos Drummond de. O amor natural. São Paulo: Companhia Das Letras, 2013, p. 50.
ESTUDO DO TEXTO
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82
Carlos Leão
VOCÊ MEU MUNDO MEU RELÓGIO
DE NÃO MARCAR HORAS
Você meu mundo meu relógio de não marcar horas; de esquecê-las. Você meu
andar meu ar meu comer meu descomer. Minha paz de espadas acesas. Meu sono
festival meu acordar entre girândolas. Meu banho quente morno frio quente pelando.
Minha pele total. Minhas unhas afiadas aceradas aciduladas. Meu sabor de veneno.
Minhas cartas marcadas que se desmarcam e voam. Meu suplício. Minha mansa onça
pintada pulando. Minha saliva minha língua passeadeira possessiva meu esfregar de
barriga em barriga. Meu perder-me entre pelos algas águas ardências. Meu pênis
submerso. Túnel cova covacova cada vez mais funda estreita mais mais. Meus gemidos
gritos uivos guais guinchos miados ofegos ah oh ai ui nhemahah minha evaporação meu
suicídio gozoso glorioso.
ANDRADE, Carlos Drummond de. O amor natural. São Paulo: Companhia Das Letras, 2013, p. 58.
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83
Viola de Bolso
Itabira-MG, 06/01/2015
Posted by prof. Dantas
A ANTÔNIO CAMILO DE OLIVEIRA
Vai, carteiro, sobre as serras,
rumo da velha Itabira,
terra saudosa entre as terras,
e em certo sobrado mira
aquele em quem tanta viagem
pelas partidas do mundo
não ressecou a miragem
e o sentimento profundo
que acompanha o itabirano
e o faz lembrar, com carinho,
na Pérsia ou no Vaticano,
Tico, João Rosa, Todinho...
Conta-lhe que outro exilado
inveja essa romaria
que ora faz pelo passado
na claridade do dia.
Augura-lhe ao lar perfeitos
momentos, no ano feliz,
e apresenta meus respeito
à senhora Embaixatriz.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, p. 338.
84
Córrego da Penha na Av. Carlos Drummond de Andrade / Itabira-MG
Posted by prof. Dantas, 07/01/2015
CIDADE SEM RIO
O Rio Amazonas é o maior do mundo,
mas o Rio do Tanque é o menor.
(Desliza na fazenda de meu irmão.)
O Rio Doce banha terras amargas
de maleita, ferro e melancolia.
O córrego da Penha, esse, coitado,
mal fazia um poço raso
onde a gente, fugindo, se banhava.
Talvez porque me faltasse água corrente,
hoje a tenho represada nos olhos
e neste vago verso fluvial.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp. 318-319.
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85
Itabira – MG /Posted by prof. Dantas
O MAIOR TREM DO MUNDO
O maior trem do mundo
leva minha terra
para a Alemanha
leva minha terra
para o Canadá
leva minha terra
para o Japão
O maior trem do mundo
puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
engatadas geminadas desembestadas
leva meu tempo, minha infância, minha vida
triturada em 163 vagões de minério e destruição.
O maior trem do mundo
transporta a coisa mínima do mundo
meu coração itabirano.
Lá vai o trem maior do mundo
vai serpenteando, vai sumindo
e um dia, eu sei, não voltará
pois nem terra nem coração existem mais.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp. 1450-1451.
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Boitempo
Hotel Itabira- MG /Posted by prof. Dantas
[06/01/2015]
SOBRADO DO BARÃO DE ALFIÉ
Este é o Sobrado.
Existem outros, mas não se chamem
o Sobrado, peremptoriamente.
A escada de duas subidas já define
sua importância: lembra um trono.
É casa de barão, entre plebeus.
Sob a cimalha vejo a estatueta
de louça lusitana, vejo os vasos
de azul-vaidade, contra o azul do céu.
As sacadas, onde pairam minhas primas
acima das procissões, jovens olímpicas
entre voo e terra.
Ó século glorioso 19,
reinante no Sobrado, onde a quadrilha
estronda as tábuas do soalho, mal sabendo
que outro tempo chegou para levar
na dança o que é sobrado e contradança.
ANDRADE, Calos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 3. 6ª ed., Rio de Janeiro:
BestBolso, 2014, pp. 70-71.
87
Itabira– MG /
Postedby prof. Dantas [06/01/2015]
PAREDÃO
Uma cidade toda paredão.
Paredão em volta das casas.
Em volta, paredão, das almas.
O paredão dos precipícios.
O paredão familial.
Ruas feitas de paredão.
O paredão é a própria rua,
onde passar ou não passar
é a mesma forma de prisão.
Paredão de umidade e sombra,
sem uma fresta para a vida.
A canivete perfurá-lo,
a unha, a dente, a bofetão?
Se do outro lado existe apenas
outro, mais outro, paredão?
ANDRADE, Calos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 3. 6ª ed., Rio de Janeiro:
BestBolso, 2014, p. 35.
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88
HERÓI
Regressa da Europa Doutor Oliveira.
É dia de festa na cidade inteira.
Doutor Oliveira fez longa viagem.
Maior, mais brilhante ficou sua imagem.
Viajou de cavalo, de trem, de navio.
Foi bravo, foi forte, venceu desafio.
Falou língua estranja, que não percebemos.
Ergueu nosso nome a pontos extremos.
Itabira- MG / Postedbyprof. Dantas
Conversou doutores de barbas sorbônicas
e viu catedrais, joias arquitetônicas.
Papou iguarias jamais igualadas
nas jantas mais finas: consommés, saladas,
ovas de esturjão, e pratos mil flambantes,
que aqui falecemos sem conhecer antes.
Praticou mulheres das mais perigosas,
ofertou-lhes mimos, madrigais e rosas.
Nenhuma o prendeu entre grades de seda.
Volta o nosso amigo, livre, de alma leda.
Tudo há de contar-nos à luz do lampião,
para nosso pasmo e nossa ilustração.
Depressa, cavalos e arreios de prata,
que vai esperá-lo o povo bom, a nata.
Da cidade às portas, como triunfador,
eis chega Oliveira, preclaro doutor.
Ginetes aos centos correm a saudá-lo.
Foguetes, discursos e até o abalo
de tiros festivos no azul — eta nós!
dados por Janjão e por Tatau Queirós.
Pois quem destes matos foi até Paris
honrou nossa terra, deu-lhe mais verniz.
E assim, ao apear, desembarca na História
Doutor Oliveira, para nossa glória.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 3. 6ª ed., Rio de Janeiro:
BestBolso, 2014, pp. 18-19.
89
Beco do Calvário, Itabira – MG / Postedby prof. Dantas
TERRORES
Na Rua do Matadouro
eno Beco do Calvário
a nuvem de mau agouro
e o clarão extraordinário
vão gritando o fim do mundo
mal a vida começara
e o corpo, esse trem imundo
que em pecado se atolara,
não tem tempo de lavar-se
para o Dia do Juízo
nem de vestir o disfarce
que cause dó sob riso.
Nas lajes de ferro e medo
os pés correm desvairados
sentindo chegar tão cedo
a morte em seus véus queimados.
Fuge, fuge, itabirano,
que embora o raio te pegue
na porta de Emerenciano,
o Diabo não te carregue
antes que vejas teu pai
e lhe passes num olhar
o que da boca não sai
mas se conta sem falar.
90
A procissão corta
o passo.
São vultos encapuçados
são fantasmas alinhados
pesadelos esticados
fantoches tochas fachos
almas uivando
todos os antepassados
sem missa
presos
da cadeia em ruínas
soltos em bando
o assassino do Carmo
e sua faca-relâmpago
enorme, sobre a igreja,
os anjinhos que vão sendo carregados
tão depressa que é um apostar corrida
de caixões brancos no escuro
da Rua do Matadouro
rumo ao Beco do Calvário
onde te espera o carrasco
eo Capeta com seu casco
de fogo ao pé do carrasco.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp. 983-985.
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Itabira - MG /Postedbyprof. Dantas [ 06/01/2015]
CULTURA FRANCESA
Com Mestre Emílio aprendi
esse pouco de francês
que deu para ler Jarry.
Murilo, diabo na aula,
tinha gestos impossíveis,
que nem macaco na jaula.
Mestre Emílio, tão severo
não via no último banco
o aluno moral-zero.
Os verbos irregulares
saltavam do meu Halbout,
perdiam-se pelos ares.
Nunca mais os encontrei...
Talvez Brigitte Bardot
me ensinasse o que não sei.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, p. 1057.
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Centro Histórico de Itabira–MG
/ Posted by prof. Dantas
PROCISSÃO DO ENCONTRO
Lá vai a procissão da igreja do Rosário.
Lá vem a procissão da igreja da Saúde.
O encontro é em frente à casa de João Rosa.
Encontro de Mãe e Filho
trágicos, imóveis nos andores.
Ao ar livre
o púlpito de púrpura drapeja
no entardecer da serra fria.
A voz censura ternamente o Homem
que se deixa imolar por muito amor
e do amor materno se desprende.
Não há nada a fazer para impedi-lo?
A terra abre mão de seu resgate
para salvar o Deus que quis salvá-la.
O ferro da cidade se comove,
não o peito de Cristo.
E o roxo manto, as lágrimas de sangue,
a cruz, as sete espadas
vão navegando sobre os ombros
pela rua-teatro, lentamente.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp. 1036-1037.
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Largo do Batistinha, Centro Histórico de Itabira – MG / Posted by prof. Dantas
COQUEIRO DE BATISTINHA
Ausente de meu querido torrão natal, havia muitos
anos,quis rever os sítios amenos... Revoltou-me
não rever maiso encantador e quase secular
coqueiro do saudoso tambémBatistinha.
Do volante assinado ―Um itabirano‖,
remetido ao autor em 1955.
Já não vejo onde se via
aqueleesbeltocoqueiro
de Batistinha.
Batistinha não nascera,
o coqueiro ali pousava
a esperá-lo.
Queria ser seu amigo.
Com lentidão de coqueiro
espiava ele crescer.
Amizade que não fala
mas se irradia por tudo
que é silêncio de verdura.
Até que alguém lhe decifra
esse bem-querer de palmas
e chama-lhe:
Coqueiro de Batistinha.
94
Batistinha vai à Europa,
vê Paris de antes da guerra,
vê o mundo
e a luz que o mundo tinha.
O coqueiro, mui sisudo
jamais saiu a passeio.
Tomava conta da loja
de Batistinha.
Vem Batistinha contando
as maravilhas da terra.
Maravilha outra, a escutá-lo,
o coqueiro
era coqueiro-viajante
nos passos de Batistinha.
O dia se repetindo
dez mil dias, Batistinha
tem esse amigo a seu lado.
Já se finou Batistinha
com tudo que tinha visto
em giros de mocidade.
Sua loja está fechada.
E resta ao coqueiro? Nada.
De manhã cedo, pois cedo
começa o rodar mineiro,
passando por lá não vejo
nem retrato de coqueiro.
A Prefeitura o cortou?
Ou o raio o siderou,
o caterpilar levou?
No perguntar-se geral,
sabe menos cada qual
do que saberia um coco.
Tão simples,
e ninguém viu:
sem razão de estar ali,
privado de Batistinha,
o seu coqueiro
sumiu.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp. 1060-1061.
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Escola Estadual Cel. José Batista / Centro Histórico de Itabira-MG / Posted by prof. Dantas
FRUTA-FURTO
Atrás do grupo-escolar ficam as jabuticabeiras.
Estudar, a gente estuda. Mas depois,
ei pessoal: furtar jabuticaba.
Jabuticaba chupa-se no pé.
O furto exaure-se no ato de furtar.
Consciência mais leve do que asa
ao descer,
volto de mãos vazias para casa.
ANDRADE, Calos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 3. 6ª ed., Rio de Janeiro:
BestBolso, 2014, p. 84.
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Casa / Centro Histórico de Itabira-MG / Posted by prof. Dantas
CASA
Há de dar para a Câmara,
de poder a poder.
No flanco, a Matriz,
de poder a poder.
Ter vista para a serra,
de poder a poder.
Sacadas e sacadas
comandando a paisagem.
Há de ter dez quartos
de portas sempre abertas
ao olho e pisar do chefe.
Areia fina lavada
na sala de visitas.
Alcova no fundo
sufocando o segredo
de cartas e baús
enferrujados.
Terá um pátio
quase espanhol vazio
pedrento
fotografando o silêncio
do sol sobre a laje,
da família sobre o tempo.
Forno estufado
fogão com muita fumaça
e renda de picumã nos barrotes.
97
Galinheiro comprido
à sombra do muro úmido.
Quintal erguido
em rampa suave, flores
convertidas em hortaliça
e chão ofertado ao corpo
que adore conviver
com formigas, desenterrar minhocas,
ler revista e nuvem.
Quintal terminando
em pasto infinito
onde um cavalo espere
o dia seguinte
e o bambual receba
telex do vento.
Há de ter tudo isso
mais o quarto de lenha
mais o quarto de arreios
mais a estrebaria
para o chefe apear e montar
na maior comodidade.
Há de ser por fora
azul 1911.
Do contrário não é casa.
Posted by prof. Dantas
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp. 917-918.
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Pico do Amor / Itabira –MG
/ Posted by prof. Dantas
AUSÊNCIA
Subir ao Pico do Amor
e lá em cima
sentir presença de amor.
No Pico do Amor amor não está.
Reina serenidade de nuvens
sussurrando ao coração: Que importa?
Lá embaixo, talvez, amor está,
em lagoa decerto, em grota funda.
Ou? mais encoberto ainda, onde se refugiam
coisas que não são, e tremem de vir a ser.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, p. 993.
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Parque Municipal da Água Santa / Cento de Itabira - MG / Posted by prof. Dantas
BANHO
Banheiro de meninos, a Água Santa
lava nossos pecados infantis
ou lembra que pecado não existe?
Água de duas fontes entrançadas,
uma aquece, outra esfria surdo anseio
de apalpar na laguna a perna, o seio
a forma irrevelada que buscamos
quando, antes de amar, confusamente
amamos.
A tarde não cai na Água Santa.
Ela pousa na sombra da gameleira,
fica vendo meninos se banharem.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, p. 1046.
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100
Posted by prof. Dantas
[2010]
FAZENDEIROS DE CANA
Minha terra tem palmeiras?
Não. Minha terra tem engenhocas de rapadura e cachaça
e açúcar marrom, tiquinho, para o gasto.
Canavial se alastra pela serra do Onça,
vai ao Mutum, ao Sarcundo,
clareia Morro Escuro, Queixadas, Sete Cachoeiras.
Capitão-do-Mato enverdece de cana madura,
tem cheiro de parati no Bananal e no Lava,
no Piçarrão, nas Cobras, no Toco.
no Alegre, na Mumbaça.
Tem rolete de cana chamando para chupar
nas Abóboras, no Quenta-Sol, nas Botas.
Tem cana caiana e cana crioula,
cana-pitu, cana rajada, cana-do-governo
e muitas outras canas e garapas,
e bagaço para os porcos em assembleia grunhidora
diante da moenda
movida gravemente pela junta de bois
de sólida tristeza e resignação.
As fazendas misturam dor e consolo
em caldo verde-garrafa
e sessenta mil-réis de imposto fazendeiro.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 3. 6ª ed., Rio de Janeiro:
BestBolso, 2014, pp. 125-126.
101
A PUTA
Quero conhecer a puta.
A puta da cidade. A única.
A fornecedora.
Na Rua de Baixo
onde é proibido passar.
Onde o ar é vidro ardendo
e labaredas torram a língua
de quem disser: Eu quero
a puta
quero a puta quero a puta.
Ela arreganha dentes largos
de longe. Na mata do cabelo
se abre toda, chupante
boca de mina amanteigada
quente. A puta quente.
É preciso crescer
esta noite inteira sem parar
de crescer e querer
a puta que não sabe
o gosto do desejo do menino
o gosto menino
que nem o menino
sabe, e quer saber, querendo a puta.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp. 997-998.
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102
CERTIFICADOS ESCOLARES
I
Do certame literário
neste grande educandário,
o nosso aluno mineiro,
pacato, aplicado, ordeiro,
sai louvado com justiça,
por ter galgado na liça
este sonhado ouropel:
o posto de coronel
em francês, inglês, latim.
Que Deus o conserve assim.
II
Em literário certame
após rigoroso exame
escrito, oral e o que mais,
de resulatdos cabais,
o nosso caro estudante
discreto, pouco falante,
conquistou em Português,
sem mas, porém ou talvez,
o ápice colegial
dos galões de general.
III
Por seu bom comportamento
em cada hora e momento,
seja em aula ou no recreio,
na capela ou no passeio,
acordado e até no sono
(do que todos dão abono),
receberá hoje ufano,
o prêmio maior do ano,
e que em silêncio não passe:
medalha de prima classe.
IV
Que resta fazer agora
no adiantado da hora
de nossa faina escolar
em forma complementar
com relação a este aluno
e que se torne oportuno
para melhor prepará-lo
qual adestrado cavalo,
da vida no páreo duro?
Que seja expulso – escuro.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 3. 6ª ed., Rio de Janeiro:
BestBolso, 2014, pp. 278-280.
103
FINAL DE HISTÓRIA
[...]
Meu Deus, formei-me deveras?
Sou eu, de beca alugada,
uma beca só de frente,
para uso fotográfico,
sou eu, ao lado de mestres
Ladeira, Laje, Roberto,
e do ínclito diretor
doutor Washington Pires?
Eu e meus nove colegas
mais essas três coleguinhas,
é tudo verdade? Vou
manipular as poções
que cortam a dor do próximo
e salvam os brasileiros
do canguari e do gálico?
Não posso crer. [...]
[...]
Fico apenas na moldura
Do quadro de formatura.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Nova reunião: 23 livros de poesia – volume 3. 6ª ed., Rio de Janeiro:
BestBolso, 2014, pp. 345-346.
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104
As Impurezas do Branco
O HOMEM; AS VIAGENS
O homem, bicho da Terra tão pequeno
Chateia-se na Terra
lugar de muita miséria e pouca diversão,
faz um foguete, uma cápsula, um módulo
toca para a Lua
desce cauteloso na Lua
pisa na Lua
planta bandeirola na Lua
experimenta a Lua
coloniza a Lua
civiliza a Lua
humaniza a Lua.
Lua humanizada: tão igual à Terra.
O homem chateia-se na Lua.
Vamos para Marte - ordena a suas máquinas.
Elas obedecem, o homem desce em Marte
pisa em Marte
experimenta
coloniza
civiliza
humaniza Marte com engenho e arte.
Marte humanizado, que lugar quadrado.
Vamos a outra parte?
Claro - diz o engenho
sofisticado e dócil.
Vamos a Vênus.
O homem põe o pé em Vênus,
vê o visto - é isto?
idem
idem
idem.
O homem funde a cuca se não for a Júpiter
proclamar justiça junto com injustiça
repetir a fossa
repetir o inquieto
repetitório.
Outros planetas restam para outras colônias.
O espaço todo vira Terra-a-terra.
O homem chega ao Sol ou dá uma volta
só para tever?
Não-vê que ele inventa
roupa insiderável de viver no Sol.
105
Põe o pé e:
mas que chato é o Sol, falso touro
espanhol domado.
Restam outros sistemas fora
Do solar a colonizar.
Ao acabarem todos
só resta ao homem
(estará equipado?)
a dificílima dangerosíssima viagem
de si a si mesmo:
pôr o pé no chão
do seu coração
experimentar
colonizar
civilizar
humanizar
o homem
descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
a perene, insuspeitada alegria
de con-viver.
ANDRADE, Carlos Drummond de. As impurezas do branco. São Paulo: Companhia Das Letras, 2012, pp.
27-29.
ESTUDO DO TEXTO
01..Por que o homem conquista o espaço?
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02. Como o poeta vê as possibilidades da tecnologia?
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03. Qual é a verdadeira aventura humana, segundo o texto?
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04. Como você entendeu os versos: ―descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas
/ a perene, insuspeitada alegria / de con-viver‖. ?
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106
BRASIL / TARSILA
A Aracy Amaral
Tarsila
descendente direta de Brás Cubas
Tarsila
princesa do café na alta de ilusões
Tarsila
engastada na pulseira gótica do colégio Barcelona
Tarsila
medularmente paulistinha de Capivari reaprendendo
o amarelo vivo
o rosa violáceo
o azul pureza
o verde cantante
desprezados pelo doutor bom gosto oficial.
Tarsila radar tranquilo
captando em traço elíptico
o vazio da rua de Congonhas com um cachorro e uma galinha servindo de multidão
a mudez da rua de São João del Rei com duas meninas no cenário operístico de casas e
[igreja
o silencio do desvio ferroviário
o sono da cidade pequena onde as casas são boizinhos espalhados em presépio.
(Tarsila, Oswald e Mário revelando Minas aos mineiros de Anatole.)
107
Tarsila acordando para o pesadelo
de assombrações pré-colombianas tão vivas agora como outrora
abaporu das noites na fazenda
bichos que não existem? mas existentes
cactos-animais, pedras-árvores,
monstros a expulsar de nossa mente
ou a recolher para melhor
seguir nosso traçado preternatural.
Tarsila mágica,
meu Deus, tão simples,
alheia às técnicas analíticas de Freud
e desvendando
as grutas, os alçapões, as perambeiras
da consciência rural,
expondo ao sol
a alegria colorida da libertação.
Tarsila relâmpago
de beleza no Grande Hotel de Belo Horizonte em 24
acabando com o mandamento das pintoras feias
Quero ser em arte
a caipirinha de São Bernardo
A mais elegante das caipirinhas
a mais sensível das parisienses
jogada de brincadeira na festa antropofágica .
Tarsila
nome brasil, musa radiante
que não queima, dália sobrevivente
no jardim desfolhado, mas constante
em serem presença nacional
fixada com doçura,
Tarsila
amora amorável d‘amaral
prazer dos olhos meus te encontres
azul e rosa e verde para sempre.
ANDRADE, Carlos Drummond de. As impurezas do branco. São Paulo: Companhia Das Letras, 2012, pp.
97-98.
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108
A Paixão Medida
O QUE VIVEU MEIA HORA
Nascer para não viver
só para ocupar
estrito espaço numerado
ao sol-e-chuva
que meticulosamente vai delindo
o número
enquanto o nome vai-se autocorroendo
na terra, nos arquivos
na mente volúvel ou cansada
até que um dia
trilhões de milênios antes do Juízo Final
não reste em qualquer átomo
nada de uma hipótese de existência.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, p. 1203.
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Fazendeiro do Ar
Nenúfaresde Claude Monet (1840-1926)
A LUÍS MAURÍCIO, INFANTE
Acorda, Luís Maurício. Vou te mostrar o mundo,
se é que não preferes vê-lo de teu reino profundo.
Despertando, Luís Maurício, não chores mais que um tiquinho.
Se as crianças da América choram em coro, que seria, digamos, do teu vizinho?
Que seria de ti, Luís Maurício, pranteando mais que o necessário?
Os olhos se inflamam depressa, e do mundo o espetáculo é vário
e pede ser visto e amado. É tão pouco, cinco sentidos.
Pois que sejam lépidos, Luís Maurício, que sejam novos e comovidos.
E como há tempo para viver, Luís Maurício, podes gastá-lo à janela
que dá para a JusticiadelTrabajo, onde a imaginosa linha da hera
tenazmente compõe seu desenho, recobrindo o que é feio, formal e triste.
Sucede que chegou a primavera, menino, e o muro já não existe.
Admito que amo nos vegetais a carga de silêncio, Luís Maurício.
Mas há que tentar o diálogo quando a solidão é vício.
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E agora, começa a crescer. Em poucas semanas um homem
se manifesta na boca, nos rins, na medalhinha do nome.
Já te vejo na proporção da cidade, dessa caminha em que dormes.
Dir-se-ia que só o anão de Harrods, hoje velho, entre garotos enormes,
conserva o disfarce da infância, como, na sua imobilidade,
à esquina de Córdoba e Florida, só aquele velho pendido e sentado,
de luvas e sobretudo, vê passar (é cego) o tempo que não enxergamos,
o tempo irreversível, o tempo estático, espaço vazio entre ramos.
O tempo - que fazer dele? Como adivinhar, Luís Maurício,
o que cada hora traz em si de plenitude e sacrifício?
Hás de aprender o tempo, Luís Maurício. E há de ser tua ciência
uma tão íntima conexão de ti mesmo e tua existência,
que ninguém suspeitará nada. E teu primeiro segredo
seja antes de alegria subterrânea que de soturno medo.
Aprenderás muitas leis, Luís Maurício. Mas se as esqueceres depressa,
outras mais altas descobrirás, e é então que a vida começa,
e recomeça, e a todo instante é outra: tudo é distinto de tudo,
e anda o silêncio, e fala o nevoento horizonte; e sabe guiar-nos o mundo.
Pois a linguagem planta suas árvores no homem e quer vê-las cobertas
de folhas, de signos, de obscuros sentimentos, e avenidas desertas
são apenas as que vemos sem ver, há pelo menos formigas
atarefadas, e pedras felizes ao sol, e projetos e cantigas
que alguém um dia cantará, Luís Maurício. Procura deslindar o canto.
Ou antes, não procures. Ele se oferecerá sob forma de pranto
ou de riso. E te acompanhará, Luís Maurício. E as palavras serão servas
de estranha majestade. É tudo estranho. Medita por, exemplo, as ervas,
enquanto és pequeno e teu instinto, solerte, festivamente se aventura
até o âmago das coisas. A que veio, que pode, quanto dura
essa discreta forma verde, entre formas? E imagina ser pensado,
pela erva que pensas. Imagina um elo, uma afeição surda, um passado
articulando os bichos e suas visões, o mundo e seus problemas;
imagina o rei com suas angústias, o pobre com seus diademas,
imagina uma ordem nova; ainda que uma nova desordem, não será bela?
Imagina tudo: o povo,com sua música; o passarinho, com sua donzela;
o namorado com seu espelho mágico; a namorada, com seu mistério;
a casa, com seu calor próprio; a despedida, com seu rosto sério;
o físico, o viajante, o afiador de facas, o italiano das sortes e seu realejo;
o poeta, sempre meio complicado; o perfume nativo das coisas e seu arpejo;
111
o menino que é teu irmão, e sua estouvada ciência
de olhos líquidos e azuis, feita de maliciosa inocência,
que ora viaja enigmas extraordinários; por tua vez, a pesquisa
há de solicitar-te um dia, mensagem perturbadora na brisa.
É preciso criar de novo, Luís Maurício. Reinventar nagôs e latinos,
e as mais severas inscrições, e quantos ensinamentos e os modelos mais finos,
de tal maneira a vida nos excede e temos de enfrentá-la com poderosos recursos.
Mas seja humilde tua valentia. Repara que há veludo nos ursos.
Inconformados e prisioneiros, em Palermo, eles procuram o outro lado,
e na sua faminta inquietação, algo se liberta da jaula e seu quadrado.
Detém-te. A grande flor do hipopótamo brota da água - nenúfar!
E dos dejetos do rinoceronte se alimentam os pássaros. E o açúcar
que dás na palma da mão à língua terna do cão adoça todos os animais.
Repara que autênticos, que fiéis a um estatuto sereno, e como são naturais.
É meio-dia, Luís Maurício, hora belíssima entre todas,
pois, unindo e separando os crepúsculos, à sua luz se consumam as bodas
do vivo com o que já viveu ou vai viver, e a seu puríssimo raio
entre repuxos, os chicos e as palomas confraternizam na Plaza de Mayo.
Aqui me despeço e tenho por plenamente ensinado o teu ofício,
que de ti mesmo e em púrpura o aprendeste ao nascer, meu netinho Luís Maurício.
ANDRADE, Carlos Drummond de [1902-1987] Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012, pp.724-729.
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A Falta que Ama
A FALTA QUE AMA
Entre areia, sol e grama
o que se esquiva se dá,
enquanto a falta que ama
procura alguém que não há.
Está coberto de terra,
forrado de esquecimento.
Onde a vista mais se aferra,
a dália é toda cimento.
A transparência da hora
corrói ângulos obscuros:
cantiga que não implora
nem ri, patinando muros.
Já nem se escuta a poeira
que o gesto espalha no chão.
A vida conta-se inteira,
em letras de conclusão.
Por que é que revoa à toa
o pensamento, na luz?
E por que nunca se escoa
o tempo, chaga sem pus?
O inseto petrificado
na concha ardente do dia
une o tédio do passado
a uma futura energia.
No solo vira semente?
Vai tudo recomeçar?
É falta ou ele que sente
o sonho do verbo amar?
ANDRADE, Carlos Drummond de. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006, pp. 680-681.
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Crônicas
ANTIGAMENTE
I
ANTIGAMENTE, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas e muito
prendadas. Não faziam anos: completavam primaveras, em geral dezoito. Os janotas,
mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficava
longos meses debaixo do balaio. E levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo da chuva
e ir pregar em outra freguesia. As pessoas, quando corriam, antigamente, era de tirar o
pai da forca, e não caíam de cavalo magro. Algumas jogavam verde para colher maduro,
e sabiam com quantos paus se faz uma canoa. O que não impedia que, nesse
entrementes, esse ou aquele embarcasse em canoa furada. Encontravam alguém que
lhes passava manta e azulava, dando às de Vila-Diogo. Os idosos, depois da janta,
faziam o quilo, saindo para tomar a fresca; e também tomavam cautela de não apanhar
sereno. Os mais jovens, esses iam ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo,
chupando balas de altéia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco siso,
se metiam em camisa de onze varas, e até em calças pardas; não admira que dessem
com os burros n'água. [...]
ANDRADE, Carlos Drummond de. Carlos Drummond de Andrade: prosa seleta: volumeúnico / selecionadas
pelo autor. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003, p. 557.
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Posted by prof. Dantas
DIVAGAÇÃO SOBRE AS ILHAS
QUANDO ME ACONTECER alguma pecúnia, passante de um milhão de cruzeiros,
compro uma ilha; não muito longe do litoral, que o litoral faz falta; nem tão
perto, também que de lá possa eu aspirar a fumaça e a graxa do porto. Minha ilha( e só
de a imaginar já me considero habitante) ficará no justo ponto de latitude e de longitude,
que, pondo-me a coberto de ventos, sereias e pestes, nem me afaste demasiado dos
homens nem me obrigue a praticá-los diuturnamente. Porque esta é a ciência e, direi, a
arte do bem-viver; uma fuga relativa, e uma não muito estouvada confraternização.
De há muito sonho esta ilha, se é que não a sonhei sempre. Se é que a não
sonhamos sempre, inclusive os mais agudos participantes. Objetais-me: "Como podemos
amar as ilhas, se buscamos o centro mesmo da ação?" Engajados, vosso engajamento é
a vossa ilha, dissimulada e transportável. Por onde fordes, ela irá convosco. Significa a
evasão daquilo para que toda alma necessariamente tende, ou seja, a gratuidade dos
gestos naturais, o cultivo das formas espontâneas, o gosto de ser um com os bichos, as
espécies vegetais, os fenômenos atmosféricos. Substitui , sem anular. Que miragens vê o
iluminado no fundo da iluminação?....... Supõe-se político, e é um visionário. Abomina o
espírito de fantasia, sendo dos que mais o possuem. Nessa ilha tão irreal, ao cabo, como
as da literatura, ele constrói a sua cidade de ouro, e nela reside por efeito da imaginação,
administra-a, e até mesmo a tiraniza. Seu mito vale o da liberdade nas ilhas. E, contendor
do mundo burguês, que outra coisa faz senão aplicar a técnica do sonho, com que os
sensíveis dentre os burgueses se acomodam à realidade, elidindo-a? [...]
ANDRADE, Carlos Drummond de. Carlos Drummond de Andrade: prosa seleta: volumeúnico / selecionadas
pelo autor. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003, p. 231.
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VENDE A CASA
[...]
Agora temos de fechar e sair; vendi a casa. Será demolida, como todas as casas
que restam serão demolidas. Era a única que sobrava nesta quadra; fora do alinhamento,
sua massa barriguda tinha alguma coisa de insolente, de provocativo. Não podia
continuar.
Isto é, podia. Eu é que entreguei os pontos. Agora veja o que está se passando.
Mal assinei a escritura e voltei, começo a sentir-me estranho na casa. Rompeu-se um
laço, mais do que isso, uma fibra. Eu não sabia ao certo o que é uma casa. Agora sei, e
estou meio envergonhado.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Prosa seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 2003, p.489.
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ASSISTE À DEMOLIÇÂO
[...] Chega o instante em que compreendemos a demolição como um resgate de formas
cansadas, sentença de liberdade. Talvez sejamos levados a essa compreensão pelo
trabalho similar, mais surdo, que se vai desenvolvendo em nós. E não preciso imaginar a
alegria de formas novas, mais claras, a surgirem constantemente de formas caducas,
para aceitar de coração sereno o fim das coisas que se ligaram à nossa vida.
[...]
ANDRADE, Carlos Drummond de. Prosa seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 2003, p.490.
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OS DIAS LINDOS
NÃO BASTA SENTIR a chegada dos dias lindos. É necessário proclamrar: ― Os dias
ficaram lindos‖.
Acontece em abril, nessa curva do mês que descamba para a segunda metade. Os
bolentins meteorológicos não se lembraram de anunciá-lo em lingaugem especial.
Nenhuma autoridade, munida de organismo publicitário, tirou partido do acontecimento.
Discretos, silenciosos, chegaram os dias lindos.
[...]
ANDRADE, Carlos Drummond de. Prosa seleta. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 2003, p. 769.
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Contos
A DOIDA
A DOIDA habitava um chalé no centro do jardim maltratado. E a rua descia para o
córrego, onde os meninoscostumavam banhar-se. Era só aquele chalezinho, à esquerda,
entre o barranco e um chão abandonado; àdireita, o muro de um grande quintal. E na rua,
tornada maior pelo silêncio, o burro pastava. Rua cheia decapim, pedras soltas, num
declive áspero. Onde estava o fiscal, que não mandava capiná-la?
Os três garotos desceram manhã cedo, para o banho e a pega de passarinho. Só
com essa intenção. Mas erabom passar pela casa da doida e provocá-la. As mães diziam
o contrário: que era horroroso, poucos pecadosseriam maiores. Dos doidos devemos ter
piedade, porque eles não gozam dos benefícios com que nós, ossãos, fomos
aquinhoados. Não explicavam bem quais fossem esses benefícios, ou explicavam
demais, erestava a impressão de que eram todos privilégios de gente adulta, como fazer
visitas, receber cartas, entrarpara irmandade. E isso não comovia ninguém. A loucura
parecia antes erro do que miséria. E os três sentiam-seinclinados a lapidar a doida,
isolada e agreste no seu jardim.
Como era mesmo a cara da doida, poucos poderiam dizê-lo. Não aparecia de
frente e de corpo inteiro, comoas outras pessoas, conversando na calma. Só o busto,
recortado, numa das janelas da frente, as mãos magras,ameaçando. Os cabelos, brancos
e desgrenhados. E a boca inflamada, soltando xingamentos, pragas, numavoz rouca.
Eram palavras da Bíblia misturadas a termos populares, dos quais alguns pareciam
escabrosos, etodos fortíssimos na sua cólera.
Sabia-se confusamente que a doida tinha sido moça igual às outras no seu tempo
remoto (contava mais de sessentaanos, e loucura e idade, juntas, lhe lavravam o corpo).
Corria, com variantes, a história de que fora noiva deum fazendeiro, e o casamento, uma
festa estrondosa; mas na própria noite de núpcias o homem a repudiara,Deus sabe por
que razão. O marido ergueu-se terrível e empurrou-a, no calor do bate-boca; ela rolou
escadaabaixo, foi quebrando ossos, arrebentando-se. Os dois nunca mais se viram. Já
outros contavam que o pai,não o marido, a expulsara, e esclareciam que certa manhã o
velho sentira um amargo diferente no café, eleque tinha dinheiro grosso e estava
119
custando a morrer – mas nos racontos antigos abusava-se de veneno. Dequalquer modo,
as pessoas grandes não contavam a história direito, e os meninos deformavam o
conto.Repudiada por todos, ela se fechou naquele chalé do caminho do córrego, e
acabou perdendo o juízo. Perderaantes todas as relações. Ninguém tinha ânimo de visitála. O padeiro mal jogava o pão na caixa de madeira, àentrada, e eclipsava-se. Diziam que
nessa caixa uns primos generosos mandavam pôr, à noite, provisões eroupas, embora
oficialmente a ruptura com a família se mantivesse inalterável. Às vezes uma preta
velhaarriscava-se a entrar, com seu cachimbo e sua paciência educada no cativeiro, e lá
ficava dois ou três meses,cozinhando. Por fim a doida enxotava-a. E, afinal, empregada
nenhuma queria servi-la. Ir viver com a doida,pedir a bênção à doida, jantar em casa da
doida, passou a ser, na cidade, expressões de castigo e símbolos deirrisão.
Vinte anos de tal existência, e a legenda está feita. Quarenta, e não há mudá-la. O
sentimento de que a doidacarregava uma culpa, que sua própria doidice era uma falta
grave, uma coisa aberrante, instalou-se noespírito das crianças. E assim, gerações
sucessivas de moleques passavam pela porta, fixavamcuidadosamente a vidraça e
lascavam uma pedra. A princípio, como justa penalidade. Depois, por prazer.Finalmente,
e já havia muito tempo, por hábito. Como a doida respondesse sempre furiosa, criara-se
namente infantil a ideia de um equilíbrio por compensação, que afogava o remorso.
Em vão os pais censuravam tal procedimento. Quando meninos, os pais daqueles
três tinham feito o mesmo,com relação à mesma doida, ou a outras. Pessoas sensíveis
lamentavam o fato, sugeriam que se desse umjeito para internar a doida. Mas como? O
hospício era longe, os parentes não se interessavam. E daí –explicava-se ao forasteiro
que porventura estranhasse a situação – toda cidade tem seus doidos; quase quetoda
família os tem. Quando se tornam ferozes, são trancados no sótão; fora disto, circulam
pacificamentepelas ruas, se querem fazê-lo, ou não, se preferem ficar em casa. E doido é
quem Deus quis que ficassedoido... Respeitemos sua vontade. Não há remédio para
loucura; nunca nenhum doido se curou, que a cidadesoubesse; e a cidade sabe bastante,
ao passo que livros mentem.
Os três verificaram que quase não dava mais gosto apedrejar a casa. As vidraças
partidas não se recompunham mais. A pedra batia no caixilho ou ia aninhar-se lá dentro,
para voltar com palavras iradas.Ainda haveria louça por destruir, espelho, vaso intato? Em
todo caso, o mais velho comandou, e os outrosobedeceram na forma do sagrado
costume. Pegaram calhaus lisos, de ferro, tomaram posição. Cada umjogaria por sua vez,
com intervalos para observar o resultado. O chefe reservou-se um objetivo ambicioso:
achaminé.
O projétil bateu no canudo de folhadeflandres enegrecido – blem – e veio espatifar
uma telha, comestrondo. Um bem-te-vi assustado fugiu da mangueira próxima. A doida,
porém, parecia não ter percebido aagressão, a casa não reagia. Então o do meio vibrou
um golpe na primeira janela. Bam! Tinha atingido umalata, e a onda de som propagou-se
lá dentro; o menino sentiu-se recompensado. Esperaram um pouco, paraouvir os gritos.
As paredes descascadas, sob as trepadeiras e a hera da grade, as janelas abertas e
vazias, ojardim de cravo e mato, era tudo a mesma paz.
Aí o terceiro do grupo, em seus onze anos, sentiu-se cheio de coragem e resolveu
invadir o jardim. Não sópodia atirar mais de perto na outra janela, como até, praticar
outras e maiores façanhas. Os companheiros,desapontados com a falta do espetáculo
cotidiano, não, queriam segui-lo. E o chefe, fazendo valer suaautoridade, tinha pressa em
chegar ao campo.
120
O garoto empurrou o portão: abriu-se. Então, não vivia trancado? ...E ninguém
ainda fizera a experiência.Era o primeiro a penetrar no jardim, e pisava firme, posto que
cauteloso. Os amigos chamavam-no,impacientes. Mas entrar em terreno proibido é tão
excitante que o apelo perdia toda a significação. Pisar umchão pela primeira vez; e chão
inimigo. Curioso como o jardim se parecia com qualquer um; apenas era maisselvagem, e
o melão-de-são-caetano se enredava entre as violetas, as roseiras pediam poda, o
canteiro decravinas afogava-se em erva. Lá estava, quentando sol, a mesma lagartixa de
todos os jardins, cabecinhamóbil e suspicaz. O menino pensou primeiro em matar a
lagartixa e depois em atacar a janela. Chegou pertodo animal, que correu. Na
perseguição, foi parar rente do chalé, junto à cancelinha azul (tinha sido azul) quefechava
a varanda da frente. Era um ponto que não se via da rua, coberto como estava pela
massa de folhagemo A cancela apodrecera, o soalho da varanda tinha buracos, a parede,
outrora pintada de rosa e azul,abria-se em reboco, e no chão uma farinha de caliça
denunciava o estrago das pedras, que a louca desistira dereparar.
A lagartixa salvara-se, metida em recantos só dela sabidos, e o garoto galgou os
dois degraus, empurroucancela, entrou. Tinha a pedra na mão, mas já não era
necessária; jogou-a fora. Tudo tão fácil, que até iaperdendo o senso da precaução.
Recuou um pouco e olhou para a rua: os companheiros tinham sumido. Ouestavam
mesmo com muita pressa, ou queriam ver até aonde iria a coragem dele, sozinho em
casa da doida.Tomar café com a doida. Jantar em casa da doida. Mas onde estaria a
doida?
A princípio não distinguiu bem, debruçado à janela, a matéria confusa do interior.
Os olhos estavam cheiosde claridade, mas afinal se acomodaram, e viu a sala,
completamente vazia e esburacada, com umcorredorzinho no fundo, e no fundo do
corredorzinho uma caçarola no chão, e a pedra que o companheirojogará.
Passou a outra janela e viu o mesmo abandono, a mesma nudez. Mas aquele
quarto dava para outro cômodo,com a porta cerrada. Atrás da porta devia estar a doida,
que inexplicavelmente não se mexia, para enfrentar oinimigo. E o menino saltou o peitoril,
pisou indagador no soalho gretado, que cedia.
A porta dos fundos cedeu igualmente à pressão leve, entreabrindo-se numa faixa
estreita que mal davapassagem a um corpo magro.
No outro cômodo a penumbra era mais espessa parecia muito povoada. Difícil
identificar imediatamente asformas que ali se acumulavam. O tato descobriu uma coisa
redonda e lisa, a curva de uma cantoneira. O fiode luz coado do jardim acusou a presença
de vidros e espelhos. Seguramente cadeiras. Sobre uma mesagrande pairavam um amplo
guarda-comida, uma mesinha de toalete mais algumas cadeiras empilhadas, umabajur de
renda e várias caixas de papelão. Encostado à mesa, um piano também soterrado sob a
pilha deembrulhos e caixas. Seguia-se um guarda-roupa de proporções majestosas,
tendo ao alto dois quadrosvirados para a parede, um baú e mais pacotes. Junto à única
janela, olhando para o morro, e tapando pelametade a cortina que a obscurecia, outro
armário. Os móveis enganchavam-se uns nos outros, subiam ao teto. A casa tinha se
espremido ali, fugindo à perseguição de quarenta anos.
O menino foi abrindo caminho entre pernas e braços de móveis, contorna aqui,
esbarra mais adiante. quarto era pequeno e cabia tanta coisa.
Atrás da massa do piano, encurralada a um canto, estava a cama. E nela, busto
soerguido, a doida esticava orosto para a frente, na investigação do rumor insólito.
121
Não adiantava ao menino querer fugir ou esconder-se. E ele estava determinado a
conhecer tudo daquelacasa. De resto, a doida não deu nenhum sinal de guerra. Apenas
levantou as mãos à altura dos olhos, comopara protegê-los de uma pedrada.
Ele encarava-a, com interesse. Era simplesmente uma velha, jogada num catre
preto de solteiro, atrás de umabarricada de móveis. E que pequenininha! O corpo sob a
coberta formava uma elevação minúscula. Miúda,escura, desse sujo que o tempo
deposita na pele, manchando-a. E parecia ter medo.
Mas os dedos desceram um pouco, e os pequenos olhos amarelados encararam
por sua vez o intruso comatenção voraz, desceram às suas mãos vazias, tornaram a subir
ao rosto infantil.
A criança sorriu, de desaponto, sem saber o que fizesse.
Então a doida ergueu-se um pouco mais, firmando-se nos cotovelos. A boca
remexeu, deixou passar um somvago e tímido.
Como a criança não se movesse, o som indistinto se esboçou outra vez.
Ele teve a impressão de que não era xingamento, parecia antes um chamado.
Sentiu-se atraído para a doida, etodo desejo de maltratá-la se dissipou. Era um apelo,
sim, e os dedos, movendo-se canhestramente, oconfirmavam.
O menino aproximou-se, e o mesmo jeito da boca insistia em soltar a mesma
palavra curta, que entretantonão tomava forma. Ou seria um bater automático de queixo,
produzindo um som sem qualquer significação?
Talvez pedisse água. A moringa estava no criado - mudo, entre vidros e papéis. Ele
encheu o copo pelametade, estendeu-o. A doida parecia aprovar com a cabeça, e suas
mãos queriam segurar sozinhas, mas foipreciso que o menino a ajudasse a beber.
Fazia tudo naturalmente, e nem se lembrava mais por que entrara ali, nem
conservava qualquer espécie deaversão pela doida. A própria ideia de doida
desaparecera. Havia no quarto uma velha com sede, e que talvezestivesse morrendo.
Nunca vira ninguém morrer, os pais o afastavam se havia em casa um agonizante.
Mas deve ser assim que aspessoas morrem.
Um sentimento de responsabilidade apoderou-se dele. Desajeitadamente, procurou
fazer com que a cabeçarepousasse sobre o travesseiro. Os músculos rígidos da mulher
não o ajudavam. Teve que abraçar-lhe osombros – com repugnância – e conseguiu,
afinal, deitá-la em posição suave.
Mas a boca deixava passar ainda o mesmo ruído obscuro, que fazia crescer as
veias do pescoço, inutilmente.Água não podia ser, talvez remédio...
Passou-lhe um a um, diante dos olhos, os frasquinhos do criado-mudo. Sem
receber qualquer sinal deaquiescência. Ficou perplexo, irresoluto. Seria caso talvez de
chamar alguém, avisar o farmacêutico maispróximo, ou ir à procura do médico, que
morava longe. Mas hesitava em deixar a mulher sozinha na casaaberta e exposta a
pedradas. E tinha medo de que ela morresse em completo abandono, como ninguém
nomundo deve morrer, e isso ele sabia que não apenas porque sua mãe o repetisse
sempre, senão tambémporque muitas vezes, acordando no escuro, ficara gelado por não
sentir o calor do corpo do irmão e seu bafoprotetor.
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Foi tropeçando nos móveis, arrastou com esforço o pesado armário da janela,
desembaraçou acortina, e a luz invadiu o depósito onde a mulher morria. Com o ar fino
veio uma decisão. Não deixaria amulher para chamar ninguém. Sabia que não poderia
fazer nada para ajudá-la, a não ser sentar-se à beira dacama, pegar-lhe nas mãos e
esperar o que ia acontecer.
ANDRADE, Carlos Drummond de. A doida. In: Contos de aprendez. 58ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010,
pp.37-44.
ESTUDO DO TEXTO
A Doida
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123
A TERRA DO ÍNDIO
O ÍNDIO, informado de que aquela era A Semana do Índio, espera na oca a
chegada de visitante, que certamente iriam cumprimenta -lo e levar-lhe algumas
utilidades como presente.
Chegou foi um homem de papel na mão, convidando-o a mudar-se com
presteza, pois a terra fora adquirida por uma empresa de reflorestamento, que
estava com toda a documentação em ordem.
O índio objetou que naquele chão viveram seu pai, o pai de seu pai e
todos os pais anteriores, juntamente com a tribo. E ele não tinha para onde ir.
O homem sugeriu-lhe que fosse trabalhar na construção do metrô do Rio
de Janeiro, cuja empresa não alimenta discriminação contra índios. Era
solução a curto prazo. A longo prazo, cogitava -se de criar a reserva indígena
urbana de Jacarepaguá – a Indiamares -, financiada pelo BNH e controlada
pela Riotur. Os índios teriam direito a INPS, férias e aposentadoria,
apresentando-se em shows, como autônomos. Mas ali, não. Aquela terra tinha
dono, com papel passado. Fim.
ANDRADE, Carlos Drummond de. A terra do índio. In: Contos plausíveis. Rio de Janeiro:
José Olympio, 1985, p.48.
ESTUDO DO TEXTO
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124
ATIVIDADES
01. Cidadezinha Qualquer
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.
Todas as características modernistas citadas abaixo podem ser identificadas no poema
de Drummond, exceto:
A [ ] Reaproveitamento do popular e do coloquial, uso de uma linguagem simples, fácil,
próxima da expressão oral.
B [ ] Concepção do poético como um texto aberto; um discurso que oferece multiplicidade
de sentidos e interpretações.
C [ ] Crítica ao mundo rural, ao universo primitivo, distante do progresso, da civilização
mecânica e industrial.
D [ ] Exploração do imprevisível, do inesperado; o corte brusco, a fragmentação de
ideias possibilita o surgimento do humor.
02..Sobre Carlos Drummond de Andrade, é incorreto afirmar que:
A [ ] O autor dedicou sua carreira exclusivamente à poesia.
B [ ] A obra poética do autor percorreu várias fases, representando a própria evolução da
poesia moderna brasileira.
C [
] Utiliza em muitos de seus poemas o verso livre, correspondendo aos
ideaisrenovadores instaurados em 1922.
D [ ] Cita em muitos poemas Itabira, sua cidade natal.
E [ ] Estreou em 1930 com o livro Alguma Poesia.
125
03. Texto
"Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
o tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente."
(Carlos Drummond de Andrade - Mãos Dadas)
A leitura dos versos acima nos leva à seguinte interpretação:
A [ ] O autor reafirma a temática do Romantismo com expressões "suspiros ao anoitecer",
"paisagem vista da janela"
B [ ]Embora use a negação em uma série de versos, o poeta concebe um mundo em
ilhas onde pretende viver.
C [ ] A matéria ou os temas de escolha do poeta estão relacionados com a época em que
ele vive, ou seja, a atualidade.
D [ ] os temas escolhidos pelo autor devem incluir, obrigatoriamente, a mulher e a
natureza.
E [ ] Devido ao emprego excessivo de negações e de verbos no futuro, não se pode
precisar a intenção do poeta.
04. Enem 2012
AQUELE BÊBADO
— Juro nunca mais beber — e fez o sinal da cruz com os indicadores. Acrescentou:
— Álcool.
O mais ele achou que podia beber. Bebia paisagens, músicas de Tom Jobim, versos de
Mário Quintana. Tomou um pileque de Segall. Nos fins de semana, embebedava-se de
Índia Reclinada, de Celso Antônio.
— Curou-se 100% do vício — comentavam os amigos.
Só ele sabia que andava mais bêbado que um gambá. Morreu de etilismo abstrato, no
meio de uma carraspana de pôr do sol no Leblon, e seu féretro ostentava inúmeras
coroas de ex-alcoólatras anônimos.
ANDRADE, C. D. Contos plausíveis. Rio de Janeiro: Record, 1991.
A causa mortis do personagem, expressa no último parágrafo, adquire um efeito irônico
no texto porque, ao longo da narrativa, ocorre uma
A [ ] metaforização do sentido literal do verbo ―beber‖.
B [ ] aproximação exagerada da estética abstracionista.
C [ ] apresentação gradativa da coloquialidade da linguagem.
D [ ] exploração hiperbólica da expressão ―inúmeras coroas‖.
E [ ] citação aleatória de nomes de diferentes artistas.
126
05. Enem 2009
Confidência do Itabirano
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e [comunicação.
A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres esem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.
De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...
Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!
ANDRADE, C. D. Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003.
Carlos Drummond de Andrade é um dos expoentes do movimento modernista brasileiro.
Com seus poemas, penetrou fundo na alma do Brasil e trabalhou poeticamente as
inquietudes e os dilemas humanos. Sua poesia é feita de uma relação tensa entre o
universal e o particular, como se percebe claramente na construção do
poema Confidência do Itabirano. Tendo em vista os procedimentos de construção do
texto literário e as concepções artísticas modernistas, conclui-se que o poema acima
A [ ] representa a fase heroica do modernismo, devido ao tom contestatório e à utilização
de expressões e usos linguísticos típicos da oralidade.
B [ ] apresenta uma característica importante do gênero lírico, que é a apresentação
objetiva de fatos e dados históricos.
C [ ] evidencia uma tensão histórica entre o ―eu‖ e a sua comunidade, por intermédio de
imagens que representam a forma como a sociedade e o mundo colaboram para a
constituição do indivíduo.
D [ ] critica, por meio de um discurso irônico, a posição de inutilidade do poeta e da poesia
em comparação com as prendas resgatadas de Itabira.
E [ ] apresenta influências românticas, uma vez que trata da individualidade, da saudade
da infância e do amor pela terra natal, por meio de recursos retóricos pomposos.
127
06. Relacione a imagem abaixo a um dos poemas citados:
A [ ] Que beleza, Montes Claros.
Como cresceu Montes Claros.
Quanta indústria em Montes Claros.
Montes Claros cresceu tanto,
ficou urbe tão notória,
prima-rica do Rio de Janeiro,
que já tem cinco favelas
por enquanto, e mais promete.
[Carlos Drummond de Andrade. ―Favelário nacional‖. In: Corpo]
B [ ] Cada um de nós tem seu pedaço no pico do Cauê.
Na cidade toda de ferro
as ferraduras batem como sinos.
Os meninos seguem para a escola.
Os homens olham para o chão.
Os ingleses compram a mina.
[...]
[Carlos Drummond de Andrade. ―Laterna mágica‖. In: Alguma poesia]
C [ ]Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.
[Carlos Drummond de Andrade. ―Cidadezinha Qualquer.‖ In: Alguma poesia]
128
07. ENADE – 2005 [Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes]
A ―cidade‖ retratada na pintura de
Alberto Veiga Guinard está tematizada
nos versos
A).Por entre o Beberibe, e o Oceano
Em uma areia sáfia, e lagadiça
Jaz o Recife povoação mestiça,
Que o belga edificou ímpio tirano.
(MATOS, Gregório de. Obra poética. Ed. James Amado. Rio de Janeiro: Record, 1990. Vol. II, p. 1191.)
(B)Repousemos na pedra de Ouro Preto,
Repousemos no centro de Ouro Preto:
São Francisco de Assis! igreja ilustre, acolhe,
À tua sombra irmã, meus membros lassos.
(MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Org. Luciana Stegagno Picchio. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1994. p. 460.)
(C) Bembelelém
Viva Belém!
Belém do Pará porto moderno integrado naequatorial
Beleza eterna da paisagem
Bembelelém
Viva Belém!
(BANDEIRA, Manuel. Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958. Vol. I, p. 196.)
(D) Bahia, ao invés de arranha-céus, cruzes e cruzes
De braços estendidos para os céus,
E na entrada do porto,
Antes do Farol da Barra,
O primeiro Cristo Redentor do Brasil!
(LIMA, Jorge de. Poesia completa. Org. Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997. p. 211.)
(E) No cimento de Brasília se resguardam
maneiras de casa antiga de fazenda,
de copiar, de casa-grande de engenho,
enfim, das casaronas de alma fêmea.
(MELO NETO, João Cabral. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p. 343.)
129
08. PROVÂO – 1998
É correto afirmar que a poesia de Carlos Drummondde Andrade,
(A) fiel às raízes modernistas, revela permanentepreocupação com a pesquisa de formas
e com onacionalismo crítico.
(B) não obstante tributária das várias vanguardaseuropéias, realizou-se enquanto lírica de
autênticovalor regional.
(C) atendendo a uma vocação satírica, fez do mundo oobjeto de seu escárnio e, das
formas clássicas,matéria de suas paródias.
(D) expressão de uma personalidade conflitiva, é marcada, em suas várias fases, pela
negação ou pela relativização crítica.
(E) essencialmente emotiva, afirma as paixões positivasdo indivíduo contra a tendência
moderna damassificação.
09..(FUVEST-SP)
Procura da Poesia
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
(...)
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
(...)
( Carlos Drummond de Andrade, A rosa do povo.)
No contexto do livro, a afirmação do caráter verbal da poesia e a incitação a que se
penetre ―no reino das palavras‖, presentes no excerto, indicam que, para o poeta
de ARosa do Povo,
a)..praticar a arte pela arte é a maneira mais eficaz de se opor ao mundo capitalista.
b) a procura da boa poesia começa pela estrita observância da variedade padrão da
linguagem.
c) fazer poesia é produzir enigmas verbais que não podem nem devem ser interpretados.
d) as intenções sociais da poesia não a dispensam de ter em conta o que é próprio da
linguagem.
e) os poemas metalinguísticos, nos quais a poesia fala apenas de si mesma, são
superiores aos poemas que falam também de outros assuntos.
130
10. ENADE -2008
Considerando, para além do aspecto temático, a associação entrea
forma e o estilo de representação dos textos literários e dosquadros
apresentados a seguir, assinale a opção em que não severifica uma
inter-relação de semelhança entre literatura e pintura.
[A]Alucinação de mesas
que se comportam como fantasmas
reunidos
solitários
glacia. [Carlos Drummond de Andrade. Farewell]
Van Gogh. Café Noturno
[B] A perfeição, a graça, o doce jeito,
A Primavera cheia de frescura,
Que sempre em vós floresce;
a que a ventura
E a razão entregaram este peito.[Luís de Camões. Obras]
Sandro Botticelli. Onascimento de Vênus
[C]A luz de três sóis
ilumina as três luas
girando sobre a terra
varrida de defuntos.
Varrida de defuntos
mas pesada de morte:
como a água parada,
a fruta madura [João Cabral de Melo Neto. Poesias completas]
Vicente do Rego Monteiro. PaisagemZero
[D] Cidade a fervilhar cheia de sonhos, onde
O espectro, em pleno dia, agarra-se ao
passante!
Flui o mistério em cada esquina, cada
fronte,
Cada estreito canal do colosso possante.
[Charles Baudelaire. Asflores do mal.]
Frans Post. Povoado do Brasil
Frans Post. Povoado no Brasil
[E] Não vê que me lembrei lá no norte, meu
Deus!
muito longe de mim,
Na escuridão ativa da noite que caiu,
Um homem (...)
Depois de fazer uma pele com a
borracha do dia,
Faz pouco se deitou, está dormindo.
Esse homem é brasileiro que nem eu...
[Mário de Andrade. Descobrimento]
Santa Rosa. Madrugada
131
11. (FUVEST)
I
(...)
Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.
(...)
(O sobrevivente)
II
Cota zero
Stop.
A vida parou.
Ou foi o automóvel?
Sobre esses versos, extraídos de Alguma Poesia, pode-se dizer que:
(A).Os dois textos podem ser aproximados quanto ao tema (mecanização do cotidiano);
entretanto, enquanto o primeiro apresenta uma visão crítica sobre o tema, o segundo faz
uma apologia bem-humorada do progresso urbano.
(B) Os textos assemelham-se não apenas quanto ao tema (automatização da vida
humana), mas também quanto à linguagem: ambos apresentam a brevidade e a
descontinuidade sintática características de Alguma Poesia.
(C) A crítica à mecanização excessiva que caracteriza a vida moderna evidencia-se, no
texto I, especialmente no emprego da antítese no primeiro verso, e, no texto II, no
emprego do estrangeirismo, ou barbarismo (stop).
(D) O texto II apresenta, através de uma linguagem marcada pela concisão telegráfica, a
crítica presente no texto I, uma vez que os termos zero, stop e parou indicam a total
dependência da vida moderna em relação às máquinas.
(E) A máquina como assunto poético pode ser verificada nos dois textos, o que torna
evidente a influência exercida, sobre o autor, da vanguarda artística conhecida como
futurismo.
132
12. Marque as alternativas corretas e some os valores:
01..Carlos Drummond de Andrade, que nasceu em Cordisburgo-MG, pode ser
considerado o maior poeta contemporâneo brasileiro, pela complexidade de sua visão-demundo e pela linguagem.
02.. Em sua obra encontramos quatro fases: a do cotidiano; a da denúncia social; a da
retomada dos mitos primitivos e infantis e a da reflexão sobre a poesia.
04. Em ―Cidadezinha Qualquer‖, Drummond nos fala de uma pequena cidade, de modo
irônico: «Eta vida besta, meu Deus!»
08. O texto ―José‖ resume as características fundamentais da carreira de Drummond: o
cotidiano, a denúncia da situação vazia e sem sentido, a amargura frente ao mundo e a
ironia.
16. O poeta extrai poesia da realidade banal, elevando o homem José a símbolo da
Humanidade.
________
13. (FUVEST) Pode-se dizer que os poemas de Alguma Poesia filiam-se às propostas
estéticas da primeira geração modernista porque:
(A) exalta-se o dinamismo da urbanidade, que possibilita uma vida mais plena e
satisfatória.
(B) demonstram a preocupação do autor em abordar temas relacionados à diversidade
cultural brasileira, a partir de uma ótica ingênua que pode ser chamada de "primitivista".
(C) através do desenvolvimento de temas prosaicos, incorporam o cotidiano como matéria
de poesia, idealizando-o como o âmbito dos acontecimentos e sentimentos sublimes.
(D) caracterizam-se pela brevidade e pelo espírito de síntese, já que se apresentam na
forma de poemas-pílula.
(E) apresentam retratos urbanos e provincianos em que, normalmente, prevalece menos
uma lógica descritiva que uma perspectiva prismática da realidade vivida e observada.
133
14.
XLIV
SABERÁS que não te amo e que te amo
posto que de dois modos é a vida,
a palavra é uma asa do silêncio,
o fogo tem uma metade de frio.
Eu te amo para começar a amar-te,Pablo Neruda
para recomeçar o infinito
e para não deixar de amar-te nunca:
por isso não te amo ainda.
Te amo e não te amo como se tivesse
em minhas mãos as chaves da fortuna
e um incerto destino desafortunado.
Meu amor tem duas vidas para amar-te.
Por isso te amo quando não te amo
e por isso te amo quando te amo.
NERUDA, Pablo. Cem sonetos de amor. Porto Alegre: L&PM, s/d, p. 56.
AS SEM-RAZÕES DO AMOR
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
Eu te amo porque te amo.
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.
Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.
Amor é dado de graça
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.
ANDRADE, Carlos Drummond de. In: Corpo.
Nos dois poemas, o amor é algo que se possa controlar, regular ou explicar com lógica e
coerência ? Por quê?
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15. Marque as alternativas incorretas e some os valores:
01..Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira, Minas Gerais, em 1902. Após os
estudos secundários em Friburgo e Belo Horizonte, forma-se em Farmácia.
02..A poesia de Drummond denuncia um tempo, onde as pessoas são coisificadas
(transformadas em coisas, em objetos).
04. A fase de Sentimento do Mundo e Rosa do Povo foi marcada pela temática social, sob
o signo da resistência à expansão nazifascista.
08. Desde seu primeiro livro, Carlos Drummond de Andrade escreveu uma obra poética
vasta, densa de poesia, refletindo a vida do ser humano deste atormentado século.
16. A estreia de Drummond ocorreu em 1945 com o volume Alguma Poesia.
32. O poema Quadrilha, publicado em Alguma Poesia representa bem a fase modernista
de Carlos Drummond de Andrade. Nele, os versos são soltos, o tom ameno, natural,
cotidiano; no entanto, o tema é sério. O encontro amoroso.
64. O primeiro grande poeta que se afirmou depois das estreias modernistas foi
CarlosDrummond de Andrade. Definindo-lhe lucidamente o caráter, disse Otto Maria
Carpeaux da sua obra que ―expressão duma alma muito pessoal, é poesia objetiva.‖
_______
16. Marque as alternativas corretas e some os valores
01..Carlos Drummond de Andrade nasceu em Itabira (Minas Gerais), em 1902. É de
família ligada às tradições dos povoados, mineradores e fazendeiros de sua região.
Apesar de formado em Farmácia, dedicou-se ao jornalismo.
02..O Drummond ―poeta público‖ da Rosa do Povo foi a fase intensa, mas breve, de uma
esperança que nasceu sob a Resistência do mundo livre à fúria nazifascista, mas que
logo se retraiu com o advento da Guerra Fria.
04. Independentemente da temática, a poesia de Carlos Drummond de Andrade revela
sempre uma grande elaboração formal. A maioria das composições é em versos livres ou
irregulares.
08. Em Brejo das Almas (1934), estão presentes a reflexão amarga, o sentimento absurdo
da existência, o impasse entre o artista e a sociedade.
16. Em Sentimento do Mundo (1940), o poeta, horrorizado diante dos morticínios da II
Guerra Mundial, expressa o desejo de solidariedade humana.
32. O famoso poema José é um manifesto de desesperança.
64. Em Rosa do Povo (1945), atinge seu ponto máximo no terreno da poesia participante.
_______
135
17. Relacione a imagem abaixo a um dos poemas citados:
A [ ] (O que se passa na cama
é segredo de quem ama.)
É segredo de quem ama
não conhecer pela rama
gozo que seja profundo,
[...]
ANDRADE, Carlos Drummond de. In: ―O que se passa na cama‖. In: O amor natural.
B [ ] A moça mostrava a coxa,
a moça mostrava a nádega,
só não mostrava aquilo
– concha, berilo, esmeralda –
[...]
ANDRADE, Carlos Drummond de. In: ―A moça mostrava a coxa‖. In: O amor natural.
C [ ] As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.
[...]
ANDRADE, Carlos Drummond de. ―A hora do cansaço‖. In:Corpo.
136
18. Relacione a imagem abaixo a um dos poemas citados:
A [ ] Seu desejo não era desejo
corporal.
Era desejo de ter filho,
de sentir, de saber que tinha filho,
um só filho que fosse, mas um filho.
[...]
ANDRADE, Carlos Drummond de. ―Maternidade ‖. In:Corpo.
B [ ] Por que nascemos para amar, se vamos morrer?
Por que morrer, se amamos?
Por que falta sentido
ao sentido de viver, amar, morrer? "
[...]
ANDRADE, Carlos Drummond de. ―Por que? ‖. In:Corpo.
C [ ] A metafísica do corpo se entremostra
nas imagens. A alma do corpo
modula em cada fragmento sua música
de esferas e de essências
além da simples carne e simples unhas.
[...]
ANDRADE, Carlos Drummond de. ―A metafísica do corpo ‖. In:Corpo.
137
19. (PUCCAMP) Texto para as questões 1 e 2
SENTIMENTAL
Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
E debruçados na mesa todos contemplam
esse romântico trabalho.
Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nome!
- Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!
Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
―Neste país é proibido sonhar.‖
1. Este poema é caracteristicamente modernista, porque nele:
a) A uniformidade dos versos reforça a simplicidade dos sentimentos experimentados pelo
poeta.
b) Tematiza-se o ato de sonhar, valorizando-se o modo de composição da linguagem
surrealista.
c) Satiriza-se o estilo da poesia romântica, defendendo os padrões da poesia clássica.
d) A linguagem coloquial dos versos livres apresenta com humor o lirismo encarnado na
cena cotidiana.
e) O dia-a-dia surge como novo palco das sensações poéticas, sem imprimir a alteração
profunda na linguagem lírica.
2. Destacam-se neste poema características marcantes do Drummond modernista. São
elas:
a) A tendência metafísica, o discurso sentencioso e o humor sutil.
b) A memória familiar, o canto elegíaco e a linguagem fragmentada.
c) A exposição da timidez pessoal, a fala amargurada e a recuperação da forma fixa.
d) A preocupação de cunho social, o pessimismo e a desintegração do verso.
e) O isolamento da personalidade lírica, a ironia e o estilo prosaico.
138
20.(PUC-RS)
"Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos."
Um dos traços da poesia de Carlos Drummond de Andrade, como demonstram os versos
acima, é a ..... entre as estrofes, o que nos oferece uma ideia de fragmentação da
realidade.
a)..disponibilidadeb)carência.c)descontinuidade.
d)indagação.
e)dissolução.
21. (PUC-RS)
"Não faça versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
Não aquece nem ilumina."
Uma das constantes da obra de Carlos Drummond de Andrade, como se verifica nos
versos acima, é:
a)..Louvação do homem social.
b)..Negativismo destrutivo.
c)..A violação e desintegração da palavra.
d)..Pessimismo lírico.
e)..Questionamento da própria poesia.
22. É incorreto afirmar sobre a obra de Carlos Drummond de Andrade que:
A[ ] Seu posicionamento individualista o afasta da problemática do homem comum, do
dia-a-dia.
B [ ] Uma de suas temáticas é a reflexão em torno da própria poesia.
C [ ] A lembrança de Itabira, sua terra natal, aparece em parte de sua obra.
D [ ] Ocorre-lhe, muitas vezes, a mostragem de uma angústia proveniente de acreditar
que não há saída para a problemática existencial.
E [ ] A ironia madura é uma das características marcantes de sua poesia.
139
23.ENADE 2011[Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes]
Nas expressões plásticas, todas as partes estão presentes constantemente, ao
passo que, no poema, temos querecorrer a formações ou imagens retidas pela memória.
Todavia, não nos podemos valer das diferenças reais, cujasdistâncias têm sido bastante
atenuadas pelas duas artes ao longo da história, para desfigurar procedimentos sutis,
masverdadeiros, existentes numa e noutra arte.
GONÇALVES, A. J. Laokoon revisitado: relações homológicas entre texto e imagem. São Paulo: EDUSP,
1984, p. 80 (com adaptações).
Considerando esse excerto, redija um texto dissertativo estabelecendo pontos de
aproximação e distanciamento entreduas obras reproduzidas abaixo. Em seu texto,
aborde aspectos temáticos e formais que caracterizem o movimentoartístico a que
pertencem essas obras.
Revelação do Subúrbio
Quando vou para Minas, gosto de ficar de pé contra a
vidraça do carro,
vendo o subúrbio passar.
O subúrbio todo se condensa para ser visto depressa,
com medo de não repararmos suficientemente
em suas luzes que mal têm tempo de brilhar.
A noite logo come o subúrbio e logo o devolve,
ele reage, luta, se esforça,
até que vem o campo onde pela manhã repontam laranjais
e à noite só existe a tristeza do Brasil.
ANDRADE, C. D. Reunião: 10 livros de poesia de Carlos Drummond de Andrade.
Pueblito (Morro Da FavelaII)
AMARAL, T. Pueblito (Morro da Favela II), 1945.
140
ESTUDO DO TEXTO / PADRÃO DE RESPOSTA
Aspectos temáticos:
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Aspectos formais:
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................................................................................................................................................
141
24. ENADE 2005 [Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes]
Instruções: Considere os textos abaixo para responder às questões de números 01 e 02.
01. Em meados do século passado, o pintor brasileiro Candido Portinari fez uma série de
desenhos para ilustrar uma edição nacional do Dom Quixote, de Cervantes.
Posteriormente, o poeta Carlos Drummond de Andrade compôs uma série de poemas,
referidos a cada um desses desenhos de Portinari.
Atente para este desenho de Portinari e os versos de Drummond que o interpretam.
XXI. ANTEFINAL NOTURNO
Dorme, Alonso Quexana.
Pelejaste mais do que a peleja
(e perdeste).
Amaste mais que amor se deixa amar.
O ímpeto
o relento
a desmesura
fábulas que davam rumo ao semrumo
de tua vida levada a tapa
e a coice d´armas,
de que valeu o tudo desse nada?
Vilões discutem e brigam de braço
enquanto dormes.
Neutras estátuas de alimárias velam
a areia escura de teu sono
despido de todo encantamento.
Dorme, Alonso, andante
petrificado
cavaleiro-desengano.
Analisando-se as relações entre o desenho, o poema e a obra Dom Quixote de
Cervantes, é correto afirmar:
A). na situação representada, em que o herói repousa, o desenho e o poema realçam o
cansaço do triunfal cavaleiro andante.
(B) no desenho e no poema, o plano da realidade bruta do cotidiano contrasta com o do
sacrifício final do cavaleiro idealista de Cervantes.
(C) na situação representada, pela qual se inicia a narrativa de Cervantes, o pintor e o
poeta preveem as violências que Dom Quixote deverá enfrentar.
(D). no desenho e no poema, encontram-se interpretações diferentes da cena final de
Dom Quixote: no primeiro lamenta-se a derrota, e no segundo se enaltece a vitória do
cavaleiro.
(E) no desenho e no poema, reforça-se o sentido final da obra de Cervantes, que é o de
resgatar os valores da nobreza medieval.
142
02. Os versos do poema Antefinal noturno, transcrito na questão anterior, têm fortes
pontos de contato com estes versos de um outro poema de Carlos Drummond de
Andrade, ―Consolo na praia‖:
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.
Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.
(A rosa do povo)
Entre os poemas, há em comum a expressão dos sentimentos
(A). da impotência do indivíduo e do malogro do ideal.
(B) da amargura amorosa e da vingança reparadora.
(C) do ideal religioso e da perseverança inútil.
(D) da hipocrisia social e da culpa pessoal.
(E) da indignação inútil e do consolo na fé.
25. ―O livro trata, sem artifícios, dos prazeres corporais, dos relacionamento sexuais, da
liberdade concedida aos amantes na cama‖:
A [ ] Discurso de Primavera e Algumas Sombras
B [ ] O Amor Natural
C [ ] Lição de Coisas
D [ ] A Rosa do Povo
E [ ] Claro Enigma
26. Assinale a alternativa que não se aplica à obra de Carlos Drummond de Andrade.
A [ ] Participante da Semana de Arte Moderna, sua poesia é típica representante da
primeira geração modernista brasileira.
B [ ]Em muitos poemas, apresenta seu desencanto em relação à vida.
C [ ]"Morte do leiteiro" é um poema baseado na problemática do dia-a-dia.
D [ ]Extrai do mundo interiorano de Itabira o tema para alguns de seus poemas.
E [ ] "A procurada poesia" é um poema em que o autor se preocupa com a própria
confecção da poesia.
143
27. Fuvest- 2001
Chega!
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos.
Minha boca procura a "Canção do Exílio".
Como era mesmo a "Canção do Exílio"?
Eu tão esquecido de minha terra...
Ai terra que tem palmeiras
onde canta o sabiá!
(Carlos Drummond de Andrade, "Europa, França e Bahia", ALGUMA POESIA)
Neste excerto, a citação e a presença de trechos.............. constituem um caso de..............
Os espaços pontilhados da frase acima deverão ser preenchidos, respectivamente, com o
que está em:
a) do famoso poema de Álvares de Azevedo / discurso indireto.
b) da conhecida canção de Noel Rosa / paródia.
c) do célebre poema de Gonçalves Dias/ intertextualidade.
d) da célebre composição de Villa-Lobos/ ironia.
e) do famoso poema de Mário de Andrade / metalinguagem.
loura morena
preta ou azul
uma noiva verde
uma noiva no ar
como um passarinho.
28. Fuvest- 2000
QUERO ME CASAR
Quero me casar
na noite na rua
no mar ou no céu
quero me casar.
Depressa, que o amor
não pode esperar!
Procuro uma noiva
(Carlos Drummond de Andrade, ALGUMA POESIA)
a) Caracterize brevemente a concepção de amor presente neste poema.
................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
b) Compare essa concepção de amor com a que predominava na literatura do
Romantismo.
................................................................................................................................................
................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
144
29. Fuvest-1992:
"Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, onojo e o ódio. "
Este é um fragmento do poema "A Flor e a Náusea" do livro A ROSA DO POVO de Carlos
Drummond de Andrade.
a) O que o nascimento da flor representa?
................................................................................................................................................
................................................................................................................................................
b) Que relação se poderia estabelecer entre este poema e o momento histórico em que foi
elaborado?
..............................................................................................................................................
.............................................................................................................................................
30. ENEM -2001
O mundo é grande
O mundo é grande e cabe
Nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
Na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
No breve espaço de beijar.
Neste poema, o poeta realizou uma opção estilística: a reiteração de
determinadasconstruções e expressões linguísticas, como o uso da mesma conjunção
para estabelecer a relação entre as frases.
Essa conjunção estabelece, entre as ideias relacionadas, um sentido de
(A) oposição.
(B) comparação.
(C) conclusão.
(D) alternância.
(E) finalidade.
145
31. Poema de Sete Faces
[...]
"Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é o meu coração."
[...]
Nessa estrofe, o poeta:
A [ ] deixa claro que desejaria mudar de nome
B [ ] declara que seu nome é sonoro por causa da rima
C [ ] afirma que a questão central não é o nome e sim sua origem.
D [ ] tem dúvida quanto ao tamanho do seu coração.
E [ ] sugere que a atividade poética não consiste apenas em "fazer rimas".
32. Assinale a alternativa incorreta a respeito da poesia de Carlos Drummond de Andrade:
A [ ] O jogo verbal, em alguns poemas, acentua a relativização das várias faces da
realidade.
B [ ] O sujeito poético, várias vezes, reveste suas expressões de um fino traço de humor.
C [ ] O sujeito poético, constantemente, transmite sensações de dúvida e de negação.
D [ ] Os versos que contêm uma ênfase mística podem ser vistos como produtos do
fervor católico do poeta.
E [ ] Importantes poemas publicados na década de 1940 tratam de temas de caráter
social.
«Considerado o mais intenso e último dos poetas contemporâneos, Drummond não se
transformou numa província da crítica, exilado e suas páginas».
[Poesia sempre - Revista semestral de poesia, outubro 2002]
146
33..FUVEST -2015
Os versos de Carlos Drummond de Andrade que mais adequadamente traduzem a
principal mensagem da figura acima são:
a) Stop.
A vida parou
ou foi o automóvel?
b) As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
c) Um silvo breve. Atenção, siga.
Dois silvos breves: Pare.
Um silvo breve à noite: Acenda a lanterna.
Um silvo longo: Diminua a marcha.
Um silvo longo e breve: Motoristas a postos.
(A este sinal todos os motoristas tomam lugar nos
seus veículos para movimentá-los imediatamente.)
d) proibido passear sentimentos
ternos ou desesperados
nesse museu do pardo indiferente
e) Sim, meu coração é muito pequeno.
Só agora vejo que nele não cabem os homens.
Os homens estão cá fora, estão na rua.
147
34. Relacione a imagem a um dos poemas citados:
A [ ] O mundo é grande e cabe
nesta janela sobre o mar.
O mar é grande e cabe
na cama e no colchão de amar.
O amor é grande e cabe
no breve espaço de beijar.
[...]
ANDRADE, Carlos Drummond de. ―O mundo é grande‖. In: Amar se aprende amando. Rio de Janeiro:
Record, 1987, p. 19.
B [ ] A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra
certo oculto botão, e vai tecendo
lépidas variações de leves ritmos.
[...]
ANDRADE, Carlos Drummond de. ―A língua lambe‖. In: O amor natural. São Paulo: Companhia Das Letras,
2013, p.31.
C [ ] A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.
Na mansuetude das ovelhas mochas,
e tão estreita, como se alargava.
[...]
ANDRADE, Carlos Drummond de. ―A castidade com que abria as coxas.‖ In: O amor natural. São Paulo:
Companhia Das Letras, 2013, p.56.
148
Postedby prof. Dantas [06/01/2015]
35. O texto abaixo apresenta aspecto da:
CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO
Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente, nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
[...]
[ANDRADE, Carlos Drummond de. In: Sentimento do mundo]
A [ ] Poesia metalinguística.
B [ ] Poesia de temática amorosa.
C [ ] Poesia do cotidiano
D [ ] Poesia de reminiscências
36. O texto abaixo apresenta aspecto da:
POLÍTICA LITERÁRIA
A Manuel Bandeira
O poeta municipal
discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal.
Enquanto isso o poeta federal
tira ouro do nariz.
[ANDRADE, Carlos Drummond de. In: Alguma poesia]
A [ ] Poesia metalinguística.
B [ ] Poesia de temática amorosa.
C [ ] Poesia do cotidiano
D [ ] Poesia de reminiscências
149
37. Simulado – FOLHA DE SÃO PAULO, 19/11/2006.
Texto para as questões 01, 02, e 03:
LEGADO
Que lembrança darei ao país que me deu
tudo que lembro e sei, tudo quanto senti?
Na noite do sem-fim, breve o tempo esqueceu
minha incerta medalha, e a meu nome se ri.
E mereço esperar mais do que os outros, eu?
Tu não me enganas, mundo, e não te engano a ti.
Esses monstros atuais, não os cativa Orfeu,
a vagar, taciturno, entre o talvez e o se.
Não deixarei de mim nenhum canto radioso,
uma voz matinal palpitando na bruma
e que arranque de alguém seu mais secreto espinho.
De tudo quanto foi meu passo caprichoso
na vida, restará, pois o resto se esfuma,
uma pedra que havia em meio do caminho.
01..Sobre o texto ―Legado‖, de CarlosDrummond de Andrade, é corretoafirmar:
a).Olegado de Drummond é asua vida de cidadão exemplar ecumpridor de seus deveres;
b)Olegado de Drummond é asua poesia, uma obra que, segundoo próprio autor, não
servede consolo dos males, mas,antes, de denúncia da realidadee de seus problemas;
c) O legado de Drummond é asua poesia, obra que, convidandoo leitor ao sonho e à
evasão,o faz esquecer-se dos problemasdomundo;
d)Olegado de Drummond é a sua poesia, uma obra panfletária, marcada pelo discurso
político de reivindicação de melhoriassociais;
e)Olegado de Drummond é asua poesia, dedicada às mulheresqueamou.
02. No verso final do texto, o poetafaz alusão a outro texto de sua autoria.O nome desse
recurso que permiteao poeta estabelecer uma espéciedediálogoentretextosé
a)intertextualidade;b)metalinguagem;c)ironia;
d) citação;e)prosopopeia.
03. O termo ―taciturno‖, empregadopelopoeta,querdizer
a)misterioso, hermético;b)ameaçador, tenebroso;c)astuto,mordaz;
d) silencioso,melancólico;e)traiçoeiro,insidioso.
150
38. PROVÃO – 1998. É correto afirmar que a poesia de Carlos Drummond de Andrade,
(A) fiel às raízes modernistas, revela permanente
formas e com o nacionalismo crítico.
preocupação com a pesquisa de
(B) não obstante tributária das várias vanguardas europeias, realizou-se enquanto lírica
de autêntico valor regional.
(C) atendendo a uma vocação satírica, fez do mundo o objeto de seu escárnio e, das
formas clássicas, matéria de suas paródias.
(D) expressão de uma personalidade conflitiva, é marcada, em suas várias fases, pela
negação ou pela relativização crítica.
(E) essencialmente emotiva, afirma as paixões positivas do indivíduo contra a tendência
moderna da massificação.
39.. (FATEC)
"Era a negra Fulô que nos chamava
de seu negro vergel. E eram trombetas,
salmos, carros de fogo, esses murmúrios
de Deus a seus eleitos, eram puras
canções de lavadeira ao pé da fonte,
era a fonte em si mesma, eram nostálgicas
emanações de infância e de futuro,
era um ai português desfeito em cana."
Neste poema de Fazendeiro do Ar (1954), ..... homenageia ....., um dos grandes poetas
do Modernismo brasileiro, referindo-se a tópicos característicos de sua poesia, como se
constata na alusão a um de seus mais conhecidos poemas contida no primeiro verso.
Assinale a alternativa que completa corretamente as lacunas do texto acima.
A [ ]Carlos Drummond de Andrade – Jorge de Lima
B [ ] Manuel Bandeira - Carlos Drummond de Andrade
C [ ] Manuel Bandeira – Mário de Andrade
D [ ] João Cabral de Melo Neto – Murilo Mendes
E [ ] Vinícius de Morais – Raul Bopp
―A popularidade nada tem a ver com poesia. A popularidade pode acontecer. Mas
um grande poeta também pode passar desapercebido‖.
(―O repouso do poeta‖. Entrevista a Geneton Moraes Neto. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 08.08. 1987)
151
40. (UFOP-MG) Observe o texto abaixo:
Fazendeiro de cana
Minha terra tem palmeiras? Não.
Minha terra tem engenhocas de rapadura e cachaça
e açúcar marrom, tiquinho, para o gasto.
[...]
Tem cana caiana e cana crioula,
cana-pitu, cana rajada, cana-do-governo
e muitas outras canas de garapas,
e bagaço para os porcos em assembleia grunhidora
diante da moenda
movida gravemente pela junta de bois
de sólida tristeza e resignação.
As fazendas misturam dor e consolo
em caldo verde-garrafa
e sessenta mil-réis de imposto fazendeiro.
Carlos Drummond de Andrade.
Assinale a alternativa incorreta:
Carlos Drummond de Andrade, neste poema, valendo-se das linguagens desenvolvidas
pelo Modernismo:
a)..retoma a linguagem do poema romântico, de maneira simétrica e linear, apontando a
ideologia nele subjacente.
b)..retoma parodisticamente um importante poema do Romantismo brasileiro.
c)..faz, em relação ao romântico, uma ruptura ao nível da consciência e ao nível da
linguagem.
d)..satiriza o sentimento ufanista, comum aos poetas românticos.
e) desmitifica a visão ingênua dos românticos, operando uma leitura crítica da realidade.
―Drummond é considerado como ―uma espécie de Baudelaire da nossa poesia moderna‖
Tristão de Ahayde
152
41. Marque as alternativas corretas e some os valores:
01..O poema ―Política‖, escrito em 1924, foi recolhido no primeiro livro de Drummond,
Alguma poesia, de 1930. Cinematograficamente, os versos mostram um personagem
abandonado pelos amigos ―quando rompeu com o chefe político.‖
02. A poesia de Carlos Drummond de Andrade exprime um conflito dentro da própria
atitude poética: transformar uma arte toda pessoal, a mais pessoal de todas, em
expressão duma época coletiva.
04. A capacidade de comunicação da poesia de Carlos Drummond de Andrade é a maior
prova do seu significado profundo, de sua poderosa humanidade.
08. Escritor cuja atividade começa a ser marcante em 1924, embora só publique o
primeiro livro seis anos depois, Carlos Drummond de Andrade, nascido em 1902 na vela
cidade mineira de Itabira do Mato Dentro.
16. Carlos Drummond de Andrade alcançou, pelo caminho firme e áspero da sua obra, a
universalidade.
32. Como todo grande poeta (e não sendo senão poeta e somente poeta), Carlos
Drummond de Andrade é muito mais que um bom escritor. É um grande praticante da
poesia como jogo do conhecimento – e da sabedoria.
64. Carlos Drummond de Andrade dedicou-se também à crônica, gênero tão intimamente
ligado à cultura moderna.
______
42. Assinale as alternativas corretas sobre Carlos Drummond de Andrade:
A [ ] Superando o episódio desvairismo da fase heroica do Modernismo, elabora uma obra
rica, densa, complexa, atingindo a plenitude da expressão pessoal.
B [ ] Carlos Drummond de Andrade é poeta dos inícios do nosso Modernismo: fundou a
em 1925 A Revista, de Belo Horizonte, de que foi diretor.
C [ ] Drummond desejava trabalhar a realidade com mãos puras: seu primeiro livro,
Alguma Poesia (1930), tem portanto simples anotações, poemas de quem vê e registra o
que vê, como vê, afastado de preconceitos anteriores.
D [ ] Note-se que Carlos Drummond de Andrade não fala de si no tom espontâneo com
que o faz Manuel Bandeira, por exemplo; seu tom é recatado, seco, constrangido.
E [ ] Embora Drummond tem escrito ótimos romances e crônicas, daremos ênfase ao
estudo de sua poesia, gênero em que mais se destacou.
―A poesia faz bem. Ela cria certo contato, certa conveniência com as pessoas.
Desde o namorado para a namorada, como desde o amigo para o inimigo, para a pessoa
que recebe uma mensagem fraterna e, talvez, se torne menos inimigo.‖
(Entrevista a Leda Nagle. Jornal Hoje, Rede Globo, novembro de 1980)
153
43. (Fuvest-2001)
POLÍTICA LITERÁRIA
O poeta municipal
discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal.
Enquanto isso o poeta federal
tira ouro do nariz.
(Carlos Drummond de Andrade. Alguma poesia)
ANEDOTA BÚLGARA
Era uma vez um czar naturalista
que caçava homens.
Quando lhe disseram que também se caçam borboletas e andorinhas,
ficou muito espantado
e achou uma barbaridade.
(Carlos Drummond de Andrade. Alguma poesia)
Costuma-se reconhecer que estes poemas, pertencentes ao Modernismo, apresentam
aspectos característicos do ―poema-piada‖, modalidade bastante praticada nesse período
literário.
a). Identifique um recurso de estilo tipicamente modernista que esteja presente em ambos
os poemas. Explique-o sucintamente.
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................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
....................................................................................................................................
b). Considere a seguinte afirmação:
O poema-piada visa a um humorismo instantâneo e, por isso, esgota-se em si mesmo,
não indo além desse objetivo imediato.
A afirmação aplica-se aos poemas aqui reproduzidos? Justifique brevemente sua
resposta.
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................................................................................................................................................
...............................................................................................................................................
.....................................................................................................................................
154
44. (ENEM-2006)
No poema Procura da poesia, Carlos Drummond de Andrade expressa a concepção
estética de se fazer com palavras o que o escultor Michelangelo fazia com mármore. O
fragmento abaixo exemplifica essa afirmação.
(...)
Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
(...)
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
trouxeste a chave?
(...)
Carlos Drummond de Andrade. A rosa do povo. Rio de Janeiro: Record, 1997, p. 13-14.
Esse fragmento poético ilustra o seguinte tema constante entre autores modernistas:
a)..a nostalgia do passado colonialista revisitado.
b) a preocupação com o engajamento político e social da literatura.
c) o trabalho quase artesanal com as palavras, despertando sentidos novos.
d) a produção de sentidos herméticos na busca da perfeição poética.
e) a contemplação da natureza brasileira na perspectiva ufanista da pátria.
45. Das obras abaixo, a única não escrita por Carlos Drummond de Andrade:
A [ ]Conto de Aprendiz
B [ ] O Amor Natural
C [ ] Corpode Baile
D [ ] Corpo
E [ ] As Impurezas do Branco
155
46. (Fatec-2007)
Mãos dadas
Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao amanhecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.
Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo (1940)
Considerando o poema ―Mãos dadas‖, no conjunto da obra a que pertence (Sentimento
do mundo), é correto afirmar que Carlos Drummond de Andrade
a).recusa os princípios formais e temáticos do primeiro Modernismo.
b).tematiza o lugar da poesia num momento histórico caracterizado por graves problemas
mundiais.
c).vale-se de temas que valorizam aspectos recalcados da cultura brasileira.
d).alinha-se à poética que critica as técnicas do verso livre.
e) relativiza sua adesão à poesia comprometida com os dilemas históricos, pois a arte
deve priorizar o tema da união entre os homens.
47. Assinale as alternativas corretas sobre o poeta Carlos Drummond de Andrade.
A [ ] Fez sempre jornalismo colaborando assiduamente no Correio da Manhã.
B [ ] Descendente de povoadores e mineradores de ouro das Gerais, passou a infância
numa fazenda de Itabira.
C [ ] Em 1925 fundou, com Emílio Moura, João Alphonsus e outros escritores mineiros,
ARevista que, apesar da sua curta duração, foi o órgão mais importante do Modernismo
no Estado.
D [ ] A temática social é comum em Sentimento do Mundo, A Rosa do Povo e o Amor
Natural.
E [ ] Um dos processos poéticos de que mais frequentemente se serve Carlos Drummond
de Andrade em sua obra é o que podemos chamar de associação semântica e
paronomástica ou jogo de palavra-puxa-palavra. Col. Fort. Crítica, p. 202.
156
48. (ENEM 2007)
Antigamente
Acontecia o indivíduo apanhar constipação; ficando perrengue, mandava o próprio
chamar o doutor e, depois, ir à botica para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas
fedorentas. Doença nefasta era a phtysica, feia era o gálico. Antigamente, os sobrados
tinham assombrações, os meninos, lombrigas (…)
Carlos Drummond de Andrade.
Observe outra versão do texto acima, em linguagem atual.
Antigamente
Acontecia o indivíduo apanhar um resfriado; ficando mal, mandava o próprio chamar o
doutor e, depois, ir à farmácia para aviar a receita, de cápsulas ou pílulas fedorentas.
Doença nefasta era a tuberculose, feia era a sífilis. Antigamente, os sobrados tinham
assombrações, os meninos, vermes (…)
Comparando-se esses dois textos, verifica-se que, na segunda versão, houve mudanças
relativas:
a).vocabulário
b).construções sintáticas.
c).pontuação.
d) fonética
e).regência verbal.
49. Fuvest- 2000:
Leia com atenção os versos finais do poema "Jardim da Praça da Liberdade", de Carlos
Drummond de Andrade:
De repente uma banda preta
vermelha retinta suando
bate um dobrado batuta
na doçura
do jardim.
Repuxos espavoridos fugindo.
a) Identifique um dos recursos sonoros empregados nestes versos, explicando qual é o
efeito expressivo obtido.
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b) Interprete o último verso do poema, indicando o sentido da palavra "repuxos" e
explicando por que os repuxos estão "espavoridos fugindo".
................................................................................................................................................
157
50. Sobre o que abordam o poema e a imagem:
REVOLTA
Não quero este pão — Quinquim atira
o pão no chão.
A mesa vira vidro, transparente
de emoção.
Quem ousa fazer isso em pleno almoço?
Pede castigo
o pão jogado ao chão.
O Castigador decreta:
Agora de joelhos você vai
apanhar este pão.
Vai trazer um barbante e amarrar
o pão no seu pescoço
e vai ficar o dia todo
de pão no peito, expiação.
Quinquim perdeu a força da revolta.Operários (1933) Tarsila do Amaral
Apanha o pão, amarra o pão
no pescoço humilhado
e ostenta o dia todo
a condecoração.
ANDRADE, Carlos Drummond de.Boitempo. In: Poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 2006,
p. 954.
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FONTE DE CONSULTA:
I..Obras de Carlos Drummond de Andrade:
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. 11ª ed., Rio de Janeiro: José
Olympio, 1978.
_______________________ . A rosa do povo. 36ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2006.
_______________________ . Clara enigma. 19ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010.
_______________________ . Farewell. Rio de Janeiro: Record, 2002.
______________________
José & outros. 13ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010.
_______________________ . Contos de aprendiz. 58ª ed., Rio de Janeiro: Record, 2010.
_______________________. Amar se aprende amando: poesia de convívio e de humor.
7ª ed., Rio de Janeiro: Record, 1987.
_______________________. Corpo. 4ªed., Rio de Janeiro: Record, 2010.
______________________.Discurso de primavera e algumas sombras. São Paulo:
Companhia Das Letras, 2014.
______________________.Lição de coisas. São Paulo: Companhia Das Letras, 2012.
______________________ . O amor natural.São Paulo: Companhia Das Letras, 2013.
______________________ . A bolsa & a vida. São Paulo: Companhia Das Letras, 2012.
______________________ .A vida passada a limpo. São Paulo Companhia Das Letras,
2013.
______________________ . As impurezas do branco.São Paulo Companhia Das Letras,
2012.
______________________ Contos plausíveis. Rio de Janeiro: José Olympio, 1985.
______________________ .Carlos Drummond de Andrade: poesia 1930-62: de alguma
poesia alição de coisas. São Paulo: Cosac Naif, 2012.
_____________________ . Carlos Drummond de Andrade: prosa seleta: volume único/
selecionadas pelo autor. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2003.
_____________________ .Poesia completa.Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2006.
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