2. Ensino a distância Na bibliografia consultada temos encontrado diferentes terminologias para referirem o que chamamos vulgarmente de Ensino a Distância (EaD), embora nem sempre a ideia seja exactamente a mesma. Neste capítulo iremos enunciar as que nos parecem ser mais relevantes, o que têm em comum e o que as pode distinguir. Descrevemos, também, um pouco da já longa história do EaD. 2.1. Resenha histórica No desenvolvimento do EaD interagem exigências de ordem social, profissional e cultural. A Declaração Universal dos Direitos do Homem (Dezembro de 1948) ao consagrar no seu artigo 26º, que “Toda a pessoa tem direito à Educação.” obriga a uma mudança das políticas educativas, exigindo a criação de condições igualitárias de acesso à educação. O EaD tornou-se uma alternativa ao ensino tradicional, sobretudo para aqueles que se encontram mais isolados e/ou com problemas de mobilidade. Com o aparecimento da Sociedade de Informação surge a necessidade de formação/actualização permanente dos conhecimentos, apresentando-se o EaD como uma solução que permite, através de um acesso constante, a flexibilidade de horários. A evolução do EaD pode ser dividida em três fases. Ensino por Correspondência Recorre ao material impresso como único suporte para a distribuição da informação, através do correio. Começa a funcionar institucionalmente já na segunda metade do século XIX – o primeiro curso é ministrado na Suécia em 1833 e a primeira escola é criada em Inglaterra em 1840. 5 2. Ensino a distância Rádio e Televisão Utilizam-se cassetes áudio e vídeo como meios complementares ao material impresso, usando o rádio e a televisão para a sua difusão. O material impresso continua a ser um importante elemento de complemento. O ensino a distância alcança o nível universitário, com a Open University britânica (1969) que tem por objectivo possibilitar aos adultos a frequência do ensino superior. Este modelo não foi ainda posto de parte tendo-se começado a misturar com o da fase digital. Fase Digital Esta fase tem início com a evolução das TIC. Assistimos, na década de 90, à entrada na era das comunidades virtuais, institutos virtuais, turmas virtuais, conteúdos e cursos acessíveis na Internet, etc. Existe a possibilidade de aulas colaborativas e interacções síncronas e assíncronas, utilizando vários tipos de metodologias e de tecnologias que promovem o ensino/aprendizagem, tendo a Internet como dispositivo de mediação. O EaD possuía, desde os seus primeiros passos, um enorme potencial social. Tendo agora à sua disposição as TIC e, em particular, a Internet, o EaD é um fortíssimo instrumento pedagógico, e acreditamos que será uma das metodologias mais eficientes, em termos de disponibilidade e motivação dos formandos, a facilitar a formação permanente, nomeadamente a dos professores, de que falaremos no Capítulo 4. 2.2. Conceito de EaD O termo Educação a Distância tornou-se popular, quando, em 1982, o International Council for Correspondence Education (Conselho Internacional para o Ensino por Correspondência) muda o nome para International Council for Distance Education (Conselho Internacional para a Educação a Distância). Esta mudança deveu-se à utilização das TIC no processo de ensino/aprendizagem. A utilização desta denominação não é consensual. Actualmente, devido à evolução das TIC e, em particular, da Internet, a expressão mais utilizada para este contexto é a palavra inglesa e-learning (e de electronic). A tradução directa do termo seria “eaprendizagem”, podendo também usar-se, de forma análoga, “e-ensino”. Pode-se ainda encontrar outras expressões, como: “ensino-aprendizagem a distância”, “ensino a distância”, “aprendizagem a distância”, “ensino aberto a distância” e “e-trainning”. Com a 6 2. Ensino a distância evolução das tecnologias móveis sem fios, o termo “m-learning” (mobile-learning) começa também a surgir, estando já a ser considerados alguns cenários de formação. A designação “ensino a distância” compreende também outras formas de ensino não presencial que recorrem, por exemplo, à televisão, rádio ou correspondência postal. Todos os termos atrás referidos são caracterizados pela separação física e/ou temporal entre o professor e o aluno e por um objectivo comum: disponibilizar um conjunto de recursos e técnicas a populações que desejem estudar em regime de autoaprendizagem. Convém acentuar que estas expressões também encerram em si, objectivos diferenciados. O “ensino” diz respeito ao acto de transmissão de conhecimentos pelo professor, enquanto que a “aprendizagem” está relacionada com o esforço do aprendente em organizar o conhecimento a partir da informação disponibilizada. Quando se faz referência à “educação” há um objectivo mais amplo do que a simples transmissão de informação, nomeadamente o desenvolvimento harmónico do ser humano nos seus aspectos intelectual, moral e físico, bem como a sua inserção na sociedade. Educação será, então, entendida como um processo global de ensino e aprendizagem. Neste sentido é bom estarmos conscientes que a designação de “Ensino a Distância”, embora comummente escrita, vai mais longe do que as próprias palavras que encerra. Talvez o termo adequado seja “Educar a Distância” A designação “ensino aberto a distância” enfatiza o adjectivo “aberto”. Na realidade, nem todo o ensino a distância é absolutamente aberto; a educação aberta pode ser a distância ou presencial. Ivônio Nunes (1993), baseando-se em Cirigliano, sustenta que qualquer pessoa deve poder ingressar num sistema de ensino aberto, sem quaisquer restrições, mesmo em relação ao grau de escolaridade. Nesta modalidade de ensino existe liberdade para o estudante organizar o seu próprio currículo e estudar segundo o seu próprio ritmo, o que implica, da parte deste, responsabilidade e disciplina na gestão da sua aprendizagem. A expressão “aberto” convida, pois, à ideia de auto-aprendizagem apoiada. O ensino aberto pode ser adaptado a plataformas de e-learning mas parece-nos abusivo dizer que todo o Ensino a Distância tem de ser aberto. No capítulo 3 desenvolveremos alguns desses aspectos e outros relacionados com o e-learning por ser uma das metodologias que usamos no nosso estudo. 7 2. Ensino a distância 2.3. Modos de operação A utilização do EaD nem sempre é, nem se aconselha que seja, feita de forma exclusiva. Algumas sessões presenciais, para além de serem imprescindíveis em alguns cursos, ajudam à interacção do aluno com o sistema. Armando Trindade (2000) distingue três modos de operação em EaD. O Modo Simples (single-mode) que se define pelas actividades a distância predominarem relativamente às presenciais, ou seja, os alunos realizam, essencialmente, um auto-estudo, fora do ambiente de sala de aula. A coexistência de actividades de EaD com as do ensino presencial é o Modo Duplo (dual-mode). Esta modalidade é adoptada, principalmente, para os alunos que não se podem deslocar à escola com regularidade, sendo considerada uma solução de recurso. Numa fusão dos dois modos anteriores começou a desenvolver-se o Modo Misto (mixed-mode). Para o mesmo programa, para os mesmos alunos são propostas actividades de EaD e actividades tradicionais. Desta forma, uma parte do trabalho do aluno, passado na sala de aula com um professor, é substituído por actividades de auto-aprendizagem. Equivalente ao modo misto mas relacionado com o e-learning existe a estratégia de formação blended learning, que combina situações de e-learning com momentos de formação presencial. Neste caso, a formação deve ser planificada de forma a reservar para os momentos presenciais a aprendizagem de conteúdos que são mais dificilmente adquiridos à distância (MODELO, 2003). Esta convergência dos paradigmas de aprendizagem em sala de aula e a distância, deve-se ao sucesso dos modos duplo e misto. Deve-se também ao facto da utilização do computador e acesso à Internet, em ambiente de sala de aula, ajudar a criar condições para aumentar a autonomia do aluno e estimular a auto-aprendizagem. Iremos desenvolver alguns destes pontos no Capítulo 5 quando apresentarmos o trabalho realizado com os alunos. 8 2. Ensino a distância 2.4. Em Portugal Pensamos que se pode afirmar que o ensino a distância não é uma novidade em Portugal. Em 1928 já tinha sido editado um curso de ensino por correspondência na área de Contabilidade e depois deste outros projectos foram surgindo. 2.4.1. Passado O “Centro de Estudos por Correspondência” e a “Escola Lusitana de Ensino por Correspondência”, surgiram na década de 40; a “Escola Comercial Portuguesa por Correspondência” e o “Instituto de Estudos por Correspondência”, são criados na década de 50. Estas foram algumas das instituições que desenvolveram o ensino por correspondência. Os Correios utilizaram um curso por correspondência, em 1958, destinado aos seus trabalhadores que se encontravam espalhados pelos diversos postos do país. Nos anos 60 surge a Telescola, cujo o objectivo primordial era contribuir para o alargamento da escolaridade obrigatória – na altura de 6 anos – possibilitando, sobretudo às crianças dos meios rurais, o acesso a esse grau de ensino. O facto das aulas serem transmitidas pela televisão tinha inconvenientes como cortes de energia ou a transmissão de outros programas à hora das aulas. Em 1987 dá-se a primeira reforma da telescola: equipam-se todos os postos com reprodutores de vídeo e são fornecidas as cassetes correspondentes a cada disciplina. A existência deste equipamento aumentou a margem de manobra dos professores. Em 1991 a Telescola muda de nome para Ensino Básico Mediatizado (EBM), ensino este que tem vindo a ser desactivado à medida que a rede escolar vai sendo alargada. As disciplinas e os programas leccionados são os mesmos para todos os estabelecimentos de ensino. Existem estudos que comprovam que os alunos de meios rurais provenientes deste sistema com elevado grau de aprendizagem a distância, tiveram mais sucesso nos estudos posteriores do que os alunos que frequentaram o ensino regular. 9 2. Ensino a distância 2.4.2. Presente O EaD está previsto na Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE)1 como forma de garantir o cumprimento de princípios relativos à organização do Sistema Educativo. Desse conjunto de princípios gerais enunciados no artigo 2º da Lei de Bases do Sistema Educativo destacamos alguns que serão mais facilmente realizados com recurso ao EaD: • todos os portugueses têm direito à educação e à cultura; • a democratização do ensino deverá ser traduzida numa justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares; • a liberdade de aprender e ensinar. O mesmo acontece em relação ao estabelecido no artigo 3º da LBSE: • deve assegurar a formação cívica e moral dos jovens; • desenvolver a capacidade para o trabalho; • descentralizar, desconcentrar e diversificar as estruturas e acções educativas; • promover a correcção das assimetrias regionais no que respeita aos benefícios da educação, da cultura e da ciência; • assegurar a existência de uma escolaridade de segunda oportunidade. Com base nestes princípios foi organizado o sistema educativo que inclui, no artigo 16º da LBSE, modalidades especiais de educação escolar. O ensino a distância (artigo 21º) constitui uma dessas modalidades, e pode ser desenvolvido como forma complementar do ensino regular ou como modalidade alternativa da educação escolar. Pode ser aplicado a qualquer nível de ensino, desde o ensino básico (em qualquer dos níveis) até ao ensino superior, passando pelo ensino secundário. O ensino a distância realiza-se com recurso ao multimédia e às novas tecnologias de informação, “(...) sessões presenciais de curta duração e outros que a inovação e criatividade possam desenvolver. (...)” (PIRES, 1987). Neste momento, existem 280 escolas EBM: os distritos de Viseu com 40 e Vila Real com 30 aparecem com o maior número de escolas EBM2. 1 Lei nº 46/86, de 14 de Outubro (com as alterações incorporadas pela Lei nº 115/97, de 19 de Setembro) 2 Dados recolhidos em 7 de Abril de 2003 (Base de Dados dos Estabelecimentos Públicos de Educação) 10 2. Ensino a distância A Universidade Aberta encontra-se inserida nesta modalidade de ensino. Sendo uma instituição de ensino superior de referência conta já com um grande número de licenciados, sendo também reconhecido o seu trabalho em áreas como a formação contínua de professores, cursos de profissionalização em exercício e produção de materiais didácticos em suporte de papel, áudio e vídeo. O ciclo de aprendizagem de um indíviduo já não termina com o início da sua vida profissional, a formação é uma necessidade constante na sociedade actual, uma sociedade de informação e conhecimento. Todavia, para que a formação ao longo da vida seja uma actividade com sucesso, necessário se torna que os alunos que hoje frequentam as escolas sejam preparados para essa mesma realidade. É preciso desde já que desenvolvam a capacidade de aprender de forma autónoma, ensaiando competências de comunicação e de trabalho em equipa e capacidades de adaptação à mudança. Pelo exposto verificamos a pertinência em dar relevo ao EaD como meio de atingir, mais facilmente, uma população que de outra maneira ficaria, talvez, impossibilitada de dispor de uma Educação Permanente. 11