GAZETA DO SUL • TERÇA-FEIRA 29 DE SETEMBRO DE 2009 ESPAÇO AZ 27 [email protected] UNIVERSO DAS LETRAS ROSÂNGELA GABRIEL* [email protected] Memória, esquecimento e evocação TECNOLOGIA no agronegócio foi contemplada em foto TRABALHO integrará exposição itinerante pela Europa Três fotos de santa-cruzense são selecionadas na Itália Jansle Appel Junior [email protected] O fotógrafo santa-cruzense César Machado recebeu uma distinção internacional. Ele foi o único brasileiro selecionado no Obiettivo Agricoltura – Concorso Fotografico Internazionale 2009, um dos principais concursos mundiais de fotografia na área do agronegócio. Três das fotografias enviadas por Machado ao prêmio foram selecionadas entre milhares de imagens captadas por fotógrafos de todo o planeta. Duas das fotos foram selecionadas na categoria “O lado do país e seus frutos”. A terceira integra as escolhidas com o tema “Agricultura moderna”. O concurso é organizado pela Fata Assicurazioni, organização italiana dedicada à agricultura. O material vai agora dar origem a um livro e a uma exposição itinerante por países da Europa. A primeira parada será em novembro, em Roma, capital da Itália. César Machado, 41 anos, atua profissionalmente há 20 anos e foi fotógrafo da Gazeta do Sul entre 1993 e 1997. Na carreira também estão passagens por veículos como Zero Hora, Gazeta do Paraná e atualmente presta serviços para a Gazeta do Povo, maior jornal paranaense. O fotógrafo reside há oito em Cascavel, no Paraná. Atualmente, dedica grande parte de seu tempo à fotografia na área do agronegócio. Em 2008, criou o banco de imagens virtual Agrostock (www.agrostock.com.br), onde licencia imagens do setor para uso editorial e em publicidade. Com esse prêmio, acredita que seu trabalho é valorizado e ganha ainda mais projeção. Este ano ele já conquistou outro reconhecimento importante, com o primeiro lugar no 5º Prêmio New Holland de Fotojornalismo. O profissional obteve o principal destaque na categoria Campo e, pelo resultado, recebeu um prêmio em dinheiro da multinacional New Holland. FOTOS: CÉSAR MACHADO/DIVULGAÇÃO/GS RECONHECIMENTO > CÉSAR MACHADO É O ÚNICO BRASILEIRO NO PRÊMIO O filósofo italiano Norberto Bobbio afirmou certa vez: somos aquilo de que nos lembramos. Essa afirmação, aparentemente simples, enseja uma profunda reflexão sobre nossa condição humana. Se alguém nos pergunta Quem tu és?, provavelmente nos ocorra dizer nosso nome, idade, filiação, profissão, local de trabalho, moradia, nossos gostos, manias, etc. Somos capazes de nos autodefinirmos porque somos capazes de lembrar, de resgatar nossas memórias. Desde o nosso nascimento, armazenamos experiências que vão construindo a nossa forma de ser e de ver o mundo. As relações de afeto e de confiança que estabelecemos com nossos familiares, com os companheiros de infância, com os colegas de escola e trabalho têm repercussões na forma como nos relacionamos com as pessoas. Nossas experiências de vida constituem o nosso conhecimento de mundo, que é o nosso referencial para interpretarmos as situações novas com que nos deparamos no dia a dia. Talvez por isso as enfermidades que afetam a memória, como a doença de Alzheimer, a esquizofrenia e as demências, sejam tão temidas, porque usurpam da pessoa aquilo que é a sua essência enquanto ser humano, as suas memórias. O neurocientista Iván Izquierdo acrescenta à frase de Bobbio a seguinte afirmação: somos o que resolvemos esquecer. Essa declaração pode causar certa estranheza, já que não temos controle consciente do que queremos ou não esquecer. Ao contrário, muitas vezes fazemos um esforço para lembrar e ficamos frustrados por não conseguirmos resgatar nossas memórias. No entanto, a neurociência nos mostra que o esquecimento é um mecanismo extremamente saudável e necessário para o nosso cérebro. Se lembrássemos de tudo o que nos ocorreu no dia anterior, por exemplo, nossa vida seria uma constante reprise. Se nosso dia tem 24 horas, precisaríamos de 24 horas para lembrar de cada instante do dia anterior. Por isso, o esquecimento apaga o que considera irrelevante. Uma das questões que intriga os estudiosos do tema é quanto aos critérios usados pelo cérebro para definir o que deve ser descartado e o que deve ficar disponível na memória. O que se sabe é que a emoção e a frequência de acesso às memórias ajudam a manter uma memória acessível, possível de ser recordada. Memórias carregadas de emoção, tanto positivas quanto negativas, tendem a estar disponíveis por muito tempo, até mesmo por toda a vida. O mesmo acontece com os conhecimentos que usamos diariamente: não titubeamos ao escrever “casa” com “s”, mas paramos por um instante (ou recorremos ao dicionário) para escrever “reprise” com “s”. Outra forma de manter uma memória viva é a evocação. A cada vez que contamos ao nosso filho uma história pitoresca que aconteceu quando ele era bebê e repetimos essa história para familiares e amigos estamos reforçando os mecanismos cerebrais que mantêm essa memória ativa, disponível. Por isso, contar a um amigo uma situação que nos aconteceu, relatar o conteúdo de um livro, registrar em um blog nossas impressões e sentimentos fazem com que uma memória permaneça viva. O mesmo acontece com nossas memórias culturais: a história de nossa família, de nossa comunidade, de nossa região precisa ser relembrada e registrada, para que esse conhecimento não se perca nos labirintos da memória. IMAGEM em granja aviária foi uma das selecionadas no concurso italiano Orgulho O pai de César, Felipe Machado, se dedicou durante muitos anos à fotografia e hoje está aposentado. Três de seus filhos seguiram nessa área.“O reconhecimento do César com o prêmio internacional deveuse à garra que ele demonstra para crescer nesse setor”, afirma, dizendo que é motivo de muito orgulho. “Ele se dedicou ao extremo. A gente ensinou, mas ele evoluiu muito além daquilo que foi transmitido”. Nos tempos de Gazeta do Sul, Machado mostrou que não via limites para a realização de seu trabalho. Uma das mostras é uma imagem capturada durante uma cobertura nos anos 90, na reforma da Catedral São João Batista. O fotógrafo fez questão de subir na cruz de pedra localizada no ponto mais alto do templo. Uma forma de manter memórias ativas é a demarcação de datas. O 7 de Setembro nos faz revisitar nosso passado colonial, o 20 de Setembro recupera uma identidade regional e a luta contra a exploração. Mas também datas que não constituem feriados merecem ser retomadas: o dia do nosso aniversário de nascimento; o aniversário de casamento; o aniversário daquele amigo com quem há tempo não conversamos... E também é importante recordar datas que simbolizem conquistas. E por falar em conquistas, gostaria de compartilhar com os leitores duas que nos dizem respeito: há um ano, em 25 de setembro de 2008, foi inaugurada a coluna Universo das Letras, com o texto Linguagem e pensamento” junto ao Espaço AZ, do jornal Gazeta do Sul. Ao longo desses 12 meses, vários autores – professores e alunos do Programa de Pós-Graduação em Letras e do curso de Letras da Unisc – escreveram sobre temas diversos que constituem esse “Universo”. Para nós, autores desta coluna, é uma grande satisfação compartilhar com os leitores nossos pensamentos e reflexões. Esses 12 meses de convívio têm gosto de “quero mais” e esperamos que esse sentimento seja comum aos leitores da coluna. A outra conquista que também merece ser evocada já conta com cinco anos (uma mão cheia): em novembro de 2004, a Universidade de Santa Cruz do Sul teve seu projeto de Mestrado em Letras reconhecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Nível Superior (Capes), órgão ligado ao Ministério da Educação. Nesses cinco anos, foram formados mais de 40 novos mestres, que atuam como professores, pesquisadores, coordenadores pedagógicos, jornalistas, empresários, atores, etc. Evocar memórias positivas faz muito bem! * Professora e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc)