PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Administração
Maria Luiza Fátima Costa Proença Doyle
RENOVAÇÃO ESTRATÉGICA E APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL:
um estudo de multicasos em empresas familiares longevas
Belo Horizonte
2014
Maria Luiza Fátima Costa Proença Doyle
RENOVAÇÃO ESTRATÉGICA E APRENDIZAGEM ORGANIZACIONAL:
um estudo de multicasos em empresas familiares longevas
Tese apresentada ao Programa de PósGraduação em Administração da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para a obtenção do título de
Doutor em Administração.
Linha de pesquisa: Estratégia e Inovação.
Orientadora:
Versiani.
Belo Horizonte
2014
Profa .
Dra.
Ângela
França
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
D754r
Doyle, Maria Luiza Fátima Costa Proença
Renovação estratégica e aprendizagem organizacional: um estudo de
multicasos em empresas familiares longevas / Maria Luiza Fátima Costa
Proença Doyle. Belo Horizonte, 2014.
260f.: il.
Orientadora: Ângela França Versiani
Tese (Doutorado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Administração.
1. Empresas familiares - Inovações tecnológicas. Aprendizagem
organizacional. 2. Planejamento estratégico. 3. Longevidade. 4. Produtos
novos. 5.
Reengenharia (Administração). I. Versiani, Ângela França. II.
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação
em Administração. III. Título.
CDU: 658.11
Maria Luiza Fátima Costa Proença Doyle
RENOVAÇÃO ESTRATÉGICA E APRENDIZAGEM
ORGANIZACIONAL: um estudo de multicasos em empresas familiares longevas
Tese apresentada ao Programa de PósGraduação
Pontifícia
em
Administração
Universidade
Católica
da
de
Minas Gerais e Fundação Dom Cabral,
como requisito para a obtenção do título
de Mestre em Administração.
Área de concentração: Administração
_______________________________________________________________
Orientadora Profª. Dra. Ângela França Versiani (Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais)
____________________________________________________________
Profª. Dra. Liliane de Oliveira Guimarães (Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais)
__________________________________________________________
Prof ª. Dra. Denise de Castro Pereira (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais)
__________________________________________________
Prof. Dr. Mário Henrique Ogasavara (Escola Superior de Propaganda e Marketing – SP)
_______________________________________________
Prof. Dr. Walter Bataglia (Universidade Plesbiteriana Mackenzie).
Belo Horizonte, 31 de julho de 2014
Dedico este trabalho à Juliana, Flavia, Luisa, André e Guilherme. Vocês dão sentido à
minha vida, perpetuando os laços de uma família que me inspira e orgulha.
AGRADECIMENTOS
O momento de escrever este agradecimento se transformou em oportunidade de rever o caminho
percorrido. O meu desejo pessoal e profissional de buscar o doutoramento foi naturalmente
despertado pela conclusão do mestrado, mas desde então muitas outras coisas foram acontecendo:
os cargos na gestão acadêmica da PUC, o casamento das filhas, a chegada dos netos, o divórcio, a
mudança de casa. Cada vez mais os planos da academia pareciam difíceis de se realizarem. Mas, o
sonho perseverava e surgiu no PPGA a oportunidade tão desejada. Ingressar no Programa
aconteceu também para fazer parte de uma nova maneira de enfrentar as mudanças da vida. A
escolha da Aprendizagem e da Renovação como tema de estudo, foi quase uma consequência. Ao
retornar à sala de aula, os jovens colegas e professores se tornaram parceiros e seguimos
aprendendo, pesquisando, superando antigos traumas, desvendando um mundo novo. Mais uma
vez era na PUC, com o apoio das minhas filhas, da família e dos amigos que eu me sentia feliz e
fortalecida para prosseguir, deixando para traz o que tinha ficado no meio do caminho. As longas
jornadas de estudo foram se compatibilizando com as atividades docentes, exigindo mais da vida
pessoal e familiar, mas desde o início o sentimento era de que fizera a melhor escolha. Para chegar
até aqui, muitos participaram da jornada e são merecedores do meu profundo agradecimento. Na
impossibilidade de me lembrar de cada um, nomeio aqueles que estiveram mais perto de mim, e
por meio deles retribuo com meu afeto a todos que torceram por mim.
Agradeço à minha orientadora professora Ângela que me conduziu com firmeza ,
sabedoria, dedicação e profunda amizade.
Aos dirigentes da HASA, Delp e PUR pela acolhida à proposta deste estudo, por
facilitarem o acesso a pessoas e materiais e por dividirem comigo a sua história, seus erros e
acertos na longa construção das suas empresas. Ao professor Rômulo Albertini e ao meu irmão
Rodrigo Costa por se empenharam para abrir as portas da HASA e da Delp. Ao professor Sérgio
Rezende por me acompanhar, orientar, encorajar, passar artigos, ajudar a definir caminhos. Aos
meus colegas Denise, Liliane, Lívia, Regina, Guilherme, Marcelo, Wanda, Heloisa e Hélvio pela
paciência de me ouvir, por compreender o meu distanciamento, pelo estímulo constante. À Taiane,
Janete e Ana Luisa por compartilharem comigo a certeza de que o caminho escolhido era o mais
prazeroso e gratificante na evolução da nossa escolha acadêmica. A todos os professores e colegas
do PPGA pelo estimulo. Um carinho especial à Jaqueline, Paola e Cris pela maneira sempre alegre
e leve de me acolher, facilitar informações e pela liberdade que me concediam no seu espaço de
trabalho tornando mais leve a tarefa de ser estudante.
Por fim, agradeço ao meu pai João de quem herdei o encantamento pelo mundo dos
empreendedores e a confiança para nunca desistir. E à minha mãe Eni que me encaminhou para
mundo do saber e do amor às pessoas. A coragem, determinação e sabedoria de vocês dois são os
maiores legados que eu, meus irmãos e irmãs recebemos e estamos cuidando de transmitir às
nossas descendências.
“Para mim, veja, os artistas, os sábios, os filósofos, trabalham duramente polindo
lentes. Um dia essa lente será perfeita; nesse dia todos perceberemos com clareza a
assombrosa, a extraordinária beleza deste mundo”.
Henry Miller.
Paro momentaneamente esta tese, mas continuarei polindo lentes; do amor, do
saber, do fazer, do prazer.
RESUMO
O presente trabalho apresenta uma pesquisa que teve por objetivo verificar como a
longevidade das empresas familiares está relacionada à aprendizagem organizacional. Ao
longo da trajetória do empreendimento familiar foi avaliado, como a renovação estratégica
e os tipos de aprendizado daí decorrentes relacionam-se com a longevidade desses
empreendimentos. Com base nesse objetivo, elaborou-se um referencial teórico que
associou a área dos estudos organizacionais e a da estratégia para a compreensão da
longevidade das empresas familiares. Ao relacionar esses dois referenciais pretendeu-se
preencher uma lacuna verificada na literatura, qual seja de relacionar a aprendizagem
organizacional com a renovação estratégica. Assim sendo, realizou-se uma pesquisa
qualitativa, descritiva e explicativa, investigando pelo método de múltiplos casos três
empresas familiares longevas do Setor de Fabricação de Máquinas e Equipamentos. O
foco de análise buscou identificar as explicações que respondam ao desafio de
longevidade enfrentado pelas empresas familiares. A Análise dos dados revelou que ao se
aliar a perspectiva das lentes da aprendizagem organizacional na construção da trajetória
das empresas, podem-se identificar dois padrões de renovação estratégica. Um primeiro
padrão de renovação cujas mudanças de atributos foram impulsionadas pelo ambiente
externo e um segundo padrão que foi marcado pela mudança endógena. Nos dois tipos de
trajetórias, identificaram-se mudanças organizacionais em que as dimensões estratégicas
se alinhavam com o single, se aproximavam do double ou se alinhavam com o doubleloop learning, caracterizando uma relação entre as trajetórias de renovação e os tipos de
aprendizagem associados. Os resultados empíricos confirmam a relação entre a
longevidade e o aprendizado das empresas familiares, porém concluiu-se que não há
apenas uma condição única e universal para esse fenômeno, pois o processo de renovação
foi impulsionado por causas tanto exploit como explore, realizando tanto o aprendizado
single como o double e um terceiro tipo que se aproxima do double, e esses foram
determinando a trajetória das organizações.
Palavras-chave: Renovação Estratégica. Aprendizagem organizacional. Empresas
familiares. Exploitation. Exploration.
ABSTRACT
This study aims to analyze how the longevity of family firms is related to organizational
learning. More specifically, we zoom on in how strategic renewal and the resulting types
of learning are related to the longevity of these types of firms, this relation being
examined along their trajectories. We built a novel theoretical framework in order to
bridge the extant literature on organizational studies and strategy. In doing so, we helped
to fill the literature gap that relates organizational learning to strategic renewal. We carried
out a descriptive and explanatory research by employing a qualitative multiple case
studies. Three long-lived family businesses from the machinery and equipment
manufacturing industry were selected. We analyzed primary data by placing particular
attention to the explanatory mechanisms that enable family firms to survive. Through the
lens of organizational learning, our results point to two patterns of strategic renewal: a
pattern in which changes in attributes are driven by the external environment, and a
pattern in which changes in attributes are endogenously triggered.
In both types of
trajectories, we identify organizational changes whose strategic dimensions are in line
with single-loop learning, quasi-double-loop learning or double-loop learning, thus
pointing to a relation between the renewal trajectories and these types of learning. We
conclude by suggesting that our results lend support to the relation between longevity and
learning in the family business. However, we posit that there is no single and worldwide
condition underpinning this relation. This is because the renewal process is driven by both
exploiting and exploring, thus involving not only single, but also quasi-double and
double-loop learning. These three types of learning have shaped the trajectories of the
firms.
Keywords: Strategic Renewal. Organizational Learning. Family Businesses.
Exploitation. Exploration.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Framework conceitual da pesquisa sobre renovação estratégica em
empresas familiares................................................................................... 96
Figura 2 - 1ª fase da trajetória da HASA – 1933-1974...............................................
120
Figura 3 - 2ª fase da trajetória da HASA – 1974-1984...............................................
125
Figura 4 - 3ª fase da trajetória da HASA – 1985-2002...............................................
131
Figura 5 - 4ª fase da trajetória da HASA – 2000-2013 (atual)....................................
134
Figura 6 - 1ª fase da trajetória da Delp – 1965-1970..................................................
147
Figura 7 - 2ª fase da trajetória da Delp – 1970-1977..................................................
151
Figura 8 - 3ª fase da trajetória da Delp – 1977-1988..................................................
154
Figura 9 - 4ª fase da trajetória da Delp – 1988-2003..................................................
157
Figura 10 - 5ª fase da trajetória da Delp – 2003-2013................................................
164
Figura 11 - 1ª fase da trajetória da PUR – 1968-1995................................................
177
Figura 12 - 2ª fase da trajetória da PUR – 1995-2013................................................
185
Figura 13 - Trajetórias de renovação e aprendizado associado....................................
228
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Significado teórico e prático do refreshment de atributos..........................
66
Tabela 2 - Tipos, aspectos relacionados e resultados associados ao processo de
renovação...................................................................................................
77
Tabela 3 - Total de empresas mineiras por porte.........................................................
88
Tabela 4 - Setores da indústria mineira mais representativos quanto ao número de
empresas.....................................................................................................
89
Tabela 5 - Os seis níveis de informantes......................................................................
94
Tabela 6 - Categorias de pesquisa deduzidas do framework conceitual......................
99
Tabela 7 - Categorias de análise identificadas na análise indutiva dos dados.............
103
Tabela 8 - A participação da família na criação e desenvolvimento da Horácio
Albertini.....................................................................................................
114
Tabela 9 - Recorte das fases da trajetória da HASA...................................................
137
Tabela 10 - A participação da família Zica e dos profissionais na criação e
desenvolvimento da Delp Engenharia........................................................ 145
Tabela 11 - Recorte das fases da trajetória da Delp.....................................................
167
Tabela 12 - A participação da família Augustin e dos profissionais na criação e
desenvolvimento da PUR...........................................................................
173
Tabela 13 - Recorte das fases da trajetória da PUR....................................................
187
Tabela 14 - Cross case Display 1: mudança de atributos estratégicos........................
189
Tabela 15 - Cross case display 2 – fase 1: renovação estratégica impulsionada pelo
ambiente externo e aprendizagem single-looping learning.......................
193
Tabela 16 - Cross case display 3 – fase 2: das trajetórias movidas por estímulos
externos......................................................................................................
195
Tabela 17 - Cross Case Display 4 – Fase 3: renovação estratégica impulsionada
pelo ambiente externo e aprendizagem single-looping learning...............
200
Tabela 18 - Associação entre o comportamento estratégico, o tipo de renovação e o
tipo de aprendizagem.................................................................................
204
Tabela 19 - Cross case display 5 – Fase 4: renovação estratégica impulsionada
pelo ambiente externo e aprendizagem single-looping learning...............
206
Tabela 20 - Cross case display 6 – fase 5: renovação estratégica impulsionada pelo
ambiente externo e aprendizagem single-looping learning.......................
211
Tabela 21 - Cross case display 7 – fase 1: renovação estratégica impulsionada pelo
ambiente interno e double-loop learning...................................................
216
Tabela 22 - Cross case display 8 – fase 2: renovação estratégica impulsionada pelo
ambiente interno e double-looping learning..............................................
220
Tabela 23 - Relacionamento entre a tensão exploit-explore e o familiness nos
mecanismos de renovação e tipos de aprendizado organizacional............
235
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABNT
Associação Brasileira de Normas Técnicas
ALBRÁS
Alumínio Brasileiro S/A.
ALUMAR
Consórcio de Alumínio do Maranhão
ALUNORTE
Alumina do Norte do Brasil S.A
ANSY
American Nacional Standards Institute
API
Application Programming Interface
ASME
American Society of Mechanical Engineers
BDMG
Banco do Desenvolvimento de Minas Gerais
CAPES
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior
CBA
Companhia Brasileira de Alumínio
CBMM
Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração
CEMIG
Companhia Energética de Minas Gerais
CENIBRA
Celulose Nipo-Brasileira S/A.
CEO
Chief executive officer
CIF
Cost, Insurance and Freight
CINCO
Centro Industrial de Contagem
CNC
Máquina de controle numérico
CNPJ
Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica
COMAU
Consorzio Macchine Utensili
CPC
Canada Post Corporations
CPRM
Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais
CSN
Companhia Siderúrgica Nacional
DELP
Deus, Eliezer, Loureiro e Pimentel
DNA
Ácido desoxirribonucleico
ERP
Sistema de gestão integrada
FD
Fator desencadeador
FGTS
Fundo de Garantia por tempo de Serviço
FIAT
Fabbrica Italiana Automobili Torino
FIEMG
Federação das Indústrias de Minas Gerais
FOSFÉRTIL
Fertilizantes Fosfatados S/A.
GE
General Electric
GEIA
Grupo Executivo da Indústria Automobilística
HASA
Horácio Albertini Comércio e Indústria Mecânica Ltda.
HP
Hewlett-Packard
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IBM
International Business Machines
IMPSA
Indústrias Metarlúgicas Pescarmona
INPI
Instituto Nacional de Propriedade Industrial
IP
Instruções de Procedimentos
ISO
International Organization for Standardization
JK
Juscelino Kubitschek
MINASLIGAS
Companhia Ferroligas Minas Gerais
O&S
Revista Organização e Sociedade
OHSAS
Occupational Health and Safety Assessment Series
OS
Ordem de serviço
P&D
Pesquisa e Desenvolvimento
PDCA
Plan, do, check, act
PETROBRÁS
Petróleo Brasileiro S/A.
PIB
Produto Interno Bruto
PMQP
Programa Mineiro de Excelência
PND
Plano Nacional de Desenvolvimento
RAC
Revista de Administração Contemporânea
RAE
Revista de Administração de Empresas
RAM
Revista de Administração do Maquenzie
RAUSP
Revista de Administração da USP
RBV
Visão baseada em recursos
RDP
Rotinas de desenvolvimento de produtos
RE
Renovação estratégica
READ
Revista de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul
REFIS
Programa de Recuperação Fiscal
RH
Recursos Humanos
RMBH
Região Metropolitana de Belo Horizonte
RNC
Relatório de Não Conformidade
SEBRAE
Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Microempresas
SENAI
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SINDIMEC
Sindicato da Indústria Mecânica em Minas Gerais
SUDENE
Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
SWOT
Strengths, Weaknesses, Opportunities e Threats
USIMINAS
Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais
VM
Vallourec & Mannesmann
SUMÁRIO 1
1 Introdução.................................................................................................................
18
1.1 Propósito de pesquisa............................................................................................
24
1.2 Organização da tese..............................................................................................
26
2 A Renovação Estratégica das Empresas Familiares: um Olhar sob as Lentes
da Aprendizagem Organizacional.............................................................................
29
2.1 A pesquisa sobre estratégia nas empresas familiares........................................
31
2.2 A renovação estratégica em diferentes abordagens teóricas.............................
35
2.2.1 As perspectivas do incrementalismo lógico e do equilíbrio pontual na
compreensão da renovação estratégica.......................................................................
38
2.2.2 A perspectiva da aprendizagem na compreensão da renovação estratégica.....
42
2.2.3 A perspectiva das capacidades dinâmicas na compreensão da renovação
estratégica.....................................................................................................................
52
3 Metodologia..............................................................................................................
82
3.1 Abordagem de pesquisa........................................................................................
82
3.1.1 Delimitação do objeto empírico..........................................................................
87
3.2 Quadro analítico da empresa...............................................................................
94
3.2.1 Framework conceitual da pesquisa....................................................................
95
3.2.2 Instrumentos de coleta dos dados.......................................................................
99
3.2.3 O processo de análise dos dados.........................................................................
101
1
Este trabalho foi revisado de acordo com as novas regras ortográficas aprovadas pelo Acordo Ortográfico
assinado entre os países que integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), em vigor no
Brasil desde 2009. E foi formatado de acordo com a norma APA 2012.
4 Descrição dos Casos.................................................................................................
107
4.1 Caracterização da empresa HASA......................................................................
107
4.1.2 As gerações dos Albertini na HASA...................................................................
108
4.1.3 A trajetória da HASA..........................................................................................
114
4.1.3.1 A primeira fase: de 1933 a 1974 – A criação e o apogeu do negócio..............
115
4.1.3.2 A segunda fase: de 1974 a 1984 – a segunda geração decide os rumos da
empresa com a forjaria em Vespasiano-MG................................................................
120
4.1.3.3 A terceira fase: de 1985 a 2002 – a nova planta, a recuperação financeira e
a entrada da terceira geração......................................................................................
125
4.1.3.4 A quarta fase: de 2002 a 2013 (atual) – a inovação tecnológica no parque
industrial, as novas práticas de gestão e a participação da terceira e quarta
gerações........................................................................................................................
131
4.2 Caracterização da Delp Engenharia...................................................................
137
4.2.1 Os fundadores, as gerações da família Zica e os profissionais na Delp...........
141
4.2.2 A trajetória da Delp.............................................................................................
146
4.2.2.1 A criação: a aquisição da empresa em Guarulhos-SP e a transferência para
a Vila dos Urubus - 1965-1970.....................................................................................
146
4.2.2.2 A segunda fase da trajetória da Delp: as primeiras expansões da planta,
novos produtos e clientes - 1970-1977.........................................................................
148
4.2.2.3 A terceira fase da trajetória da Delp: a diversificação e a entrada no
negócio de agropecuária e siderurgia - 1977-1988.....................................................
151
4.2.2.4 A quarta fase da trajetória da Delp: a cisão do grupo, a entrada da segunda
geração e os negócios no ramo do Petróleo - 1998-2003............................................
154
4.2.2.5 A quinta fase da trajetória da Delp: a nova planta em Vespasiano, a
157
participação da segunda geração e a profissionalização da gestão - 2003 a 2013
(atual)............................................................................................................................
4.3 Caracterização da empresa PUR.........................................................................
168
4.3.1 As gerações dos Augustins e os profissionais na PUR......................................
171
4.3.2 A trajetória da PUR.............................................................................................
174
4.3.2.1 A primeira fase: de 1968 a 1995 – a criação e a atual razão social................
174
4.3.2.2 A segunda fase: 1995-2013 - a nova razão social, a entrada da segunda
geração e o afastamento do fundador...........................................................................
177
5 Análise Cruzada dos Casos.....................................................................................
188
5.1 Renovação estratégica impulsionada pelo ambiente externo e aprendizagem
single-looping learning – HASA e Delp.....................................................................
191
5.1.1 A HASA e a Delp na fase 1.................................................................................
191
5.1.2 A HASA e a Delp na fase 2.................................................................................
195
5.1.3 A HASA e a Delp na fase 3.................................................................................
200
5.1.4 A HASA e a Delp na fase 4.................................................................................
206
5.1.5 A Delp na fase 5..................................................................................................
211
5.2 Renovação estratégica impulsionada pelo ambiente interno e double-loop
learning: PUR..............................................................................................................
213
5.2.1 A PUR na fase 1..................................................................................................
214
5.2.2 A PUR na fase 2..................................................................................................
219
6 Considerações Finais................................................................................................
224
6.1 Os propósitos, os resultados de pesquisa e suas implicações teóricas..............
224
6.2
Contribuições,
limitações
do
estudo
e
sugestões
para
novas
237
investigações................................................................................................................
Referências....................................................................................................................
240
Apêndice A...................................................................................................................
258
18
1 Introdução
As empresas familiares têm peso extraordinário no capitalismo mundial e brasileiro.
Estima-se que entre 70 e 90% das empresas de Portugal, Reino Unido, Espanha e Suíça
sejam familiares. Esse percentual chega a 96% das empresas nos Estados Unidos e a 99%
na Itália (Campos, Bertucci & Pimentel, 2008). No Brasil, calcula-se que 95% das
empresas sejam controladas por famílias e que estas contribuam com mais de 50% do
Produto Interno Bruto (PIB), respondendo por mais de 3/4 dos empregos gerados (Garcia,
2001). Dados da Bain&Company (Blecher, 2005) complementam que no universo das 200
maiores corporações nacionais, 1/3 do faturamento total é produzido por 76 grupos
empresariais controlados por famílias.
Em que pese a significativa presença das empresas familiares e a sua relevância
econômica e social, a condição de sobrevivência das empresas familiares brasileiras não
tem sido muito confortável, confirmando a condição geral de uma vida mais curta que a
das empresas não familiares (Kets de Vries, 1997). O fato é que organizações de pequeno,
médio ou mesmo as empresas familiares de grande porte têm enfrentado a competição de
concorrentes não familiares no mercado interno e sido ameaçadas pelas empresas
originadas do mercado externo e que têm se mostrado atraídas em disputar espaços no
mercado brasileiro. Em consequência, observa-se um processo de desnacionalização do
controle de capital das empresas familiares, ameaçando a sua sobrevivência ou o status de
empresa familiar. De acordo com Birchal (2004), a partir da década de 1990, as empresas
de capital privado nacionais reduziram sua participação de 21 para apenas oito setores,
incluindo a construção pesada e civil, bebidas, confecções e têxteis, comércio varejista,
automotivo, eletroeletrônico, máquinas e equipamentos e alimentos.
19
Birchal (2004) comenta que os setores de alimentos e o de comércio varejista foram
os que perderam, de forma mais expressiva, a participação do capital nacional. Entre as 10
maiores empresas do setor de alimentos, seis eram nacionais em 1990 e já em 1999 apenas
três apresentavam essa característica. O setor varejista sofreu, apenas em 1999, redução de
29% de participação do capital nacional. Nesse processo de desnacionalização, também o
destino de muitas das empresas familiares tem sido o desaparecimento ou as fusões e
aquisições, como as que ocorreram com as empresas familiares Metal Leve, Adler,
Mindlin, Brandalise, Vidigal e Vilares. A Granja Resende, em Uberlândia-MG, passou ao
controle da Sadia. A Perdigão, a Seara e o Frigorífico Chapecó seguiram o mesmo
caminho. Entre as empresas mineiras, apenas para citar algumas, a Aymoré e a Forno de
Minas, adquirida pela Pilsbury Companhy, sucedida pela General Mills, passaram ao
controle de capitais estrangeiros, confirmando a tendência. Ressalta-se que em junho de
2009 a Forno de Minas voltou às mãos da família originalmente criadora da marca.
Além de serem ameaçadas pelos processos de desnacionalização ou de fusões e
aquisições, as empresas familiares ainda enfrentam, em determinado ponto de sua
trajetória, o risco de desaparecer, vir a falir ou mesmo de serem vendidas a grupos ou
empresas mais aptas em garantir a continuidade do crescimento e adaptação estratégica.
Dados revelam que cerca de metade das empresas familiares fracassam, quebram ou são
vendidas, realizando uma expectativa de vida de apenas 25 anos, período em geral que
corresponde ao tempo em que é gerida pelos seus fundadores (Grzybovski, 2000). Esses
momentos de crise situam-se próximo, durante ou após o processo de sucessão, quando
ocorre a transferência do comando entre uma geração e a seguinte. Porém, estudos
demonstram que, apesar de toda sorte de adversidades, complicações decorrentes da
multiplicação do número de prováveis herdeiros e sucessores e a ação dos concorrentes,
em torno de 15%, para outros menos otimistas 10%, das empresas familiares conseguem
20
sobreviver, permanecendo nas mãos da mesma família até a terceira geração (Kets de
Vries, 1997). Diante desse quadro de dificuldade de sobreviver e se tornar longeva e da
situação das que conseguem superá-lo, diversos estudos indagam quais seriam os
mecanismos e instrumentos gerenciais que possibilitam as empresas familiares superar a
reestruturação da ordem econômica ou as fases de transição de gerações, mantendo-se sob
a propriedade e/ou a gestão das famílias.
Pesquisadores interessados nesse grupo específico de organizações têm se dedicado a
compreender as estratégias adotadas pelas empresas familiares longevas, no sentido de
superar os momentos de transição e sobreviver, sugerindo que uma questão crucial que a
empresa familiar enfrenta consiste em estabelecer mecanismos que permitam sua
sobrevivência ao longo das sucessivas transições que ocorrem entre as várias gerações
(Gersick et al., 1997). Outros estudos se concentram na preocupação com a formação
gerencial dos dirigentes e sucessores, na análise das relações estratégia-estrutura e
estratégia-ambiente. Entre as explicações que abordam a longevidade da empresa familiar,
pode-se relacionar a capacidade das novas lideranças de saber enfrentar o contexto de
mudanças em que estão inseridas e a capacidade de renovar as estratégias do negócio.
Entre esses, Ward (2004) cita a orientação para o futuro como o fator mais decisivo para
que a empresa familiar sobreviva preparada para lidar com a crescente complexidade que
as relações familiares e dos negócios vão adquirindo ao longo das gerações. Resumindo, a
empresa familiar precisa buscar formas para sobreviver.
No âmbito da pesquisa nacional interessada em empresas familiares, o levantamento
feito neste estudo, em 2012, realizado no banco de teses da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior (CAPES), compreendendo o período de
2006 a 2011, revelou a existência de nove teses. Os temas tratados nas pesquisas incluíram
o cruzamento das temáticas empresa familiar e empreendedorismo (três), empresa familiar
21
e sucessão (duas), busca da compreensão do que seja a empresa familiar (duas), empresa
familiar e competências (uma), empresa familiar, governança e conflitos (uma).
O que se percebeu na análise das teses é que a discussão sobre renovação estratégica
tem sido considerada de forma implícita. Portanto, investigar a renovação estratégica
relacionada à sobrevivência e à longevidade das empresas familiares caracteriza-se como
uma oportunidade na qual se sustentou a presente pesquisa. Essa oportunidade torna -se
mais acentuada ao se contemplar o estágio de desenvolvimento da arte sobre renovação
estratégica, objeto próprio do campo da área de estratégia. Ainda que muitas referências
sobre mudanças estratégicas incluam a renovação como um dos seus tipos, a perspectiva da
renovação propriamente dita, sua função, dinâmica, significados operacionais e
mensurações têm recebido pouca consideração da pesquisa empírica sobre empresas
familiares (Jaana & Stahle, 2011). Entretanto, na literatura de estratégia a mudança
estratégica tem estado no centro de várias abordagens, com destaque específico na
abordagem das capacidades dinâmicas (Eisenhardt & Martin, 2000).
Ao adotar esse enfoque, os estudos buscam evidenciar como as firmas desenvolvem
competências específicas e se renovam para as mudanças na indústria (Baden-Fuller &
Volberda, 1997). Uma definição mais recente proposta por Agarwal & Helfat (2009) sobre
renovação estratégica parece trazer implícito esse enfoque. Segundo esses autores, a
renovação estratégica refere-se à substituição dos atributos de uma organização que possui
o potencial de lhe afetar substancialmente no longo prazo, incluindo o processo, o
conteúdo e os resultados da renovação. Ao assim definirem a renovação, observa-se que os
estudos tendem a considerá-la a partir de duas opções, muitas vezes tomadas como
excludentes. De um lado, a opção por adotar mecanismos que aproveitem (exploit) as
competências e o conhecimento existente (Barney, 1991); de outro, aquelas que explorem
(explore) novos conhecimentos.
22
Raramente o que é denominado por March (1991) como a tensão da exploration e
exploitation, ou seja, o movimento em que se aproveitam os recursos existentes (visão da
estabilidade, exploit) e, ao mesmo tempo, modifica-os (visão da mudança, explore), é
contemplado teoricamente na pesquisa empírica sobre renovação estratégica (Burgelman,
1994; Crossan & Bedrow, 2003), embora seja considerado a chave dessa renovação
(Crossan, Lane & White, 2011).
Exceção a esse quadro são os trabalhos de McNamara & Baden-Fuller (1999) e, mais
recentemente, de Huang (2009), salvo maior engano. McNamara & Baden-Fuller (1999)
utilizaram as lentes da aprendizagem no dilema exploitation e exploration para avaliar a
renovação estratégica da Celltech, uma das maiores firmas de biotecnologia da Europa. E o
trabalho de Huang (2009) buscou desenvolver um entendimento dos efeitos das
capacidades dinâmicas, pela exploitation e exploration, na escolha entre os investimentos
de risco internos e os investimentos de risco externos.
Cabe destacar que, se na abordagem sobre renovação estratégica a tensão exploitation
e exploration é relativamente pouco explorada, nos estudos organizacionais essa mesma
tensão, denominada de oximoro da aprendizagem (Weick, 1991), tem sido mais
especificamente reconhecida pelas referências da aprendizagem organizacional. Portanto,
parece fazer sentido associar a área dos estudos organizacionais e a da estratégia para a
compreensão do fenômeno da renovação estratégica. Inclusive, essa é uma sugestão de
Crossan & Bedrow (2003), com a qual este trabalho se coaduna. Ao aqui se indagar,como
a renovação estratégica de empresas familiares está relacionada ao aprendizado
organizacional, busca-se teoricamente tratar tal questão, promovendo o diálogo entre as
referências da aprendizagem organizacional e daquelas relacionadas às capacidades
dinâmicas, constituindo o que está sendo denominado no referencial teórico de lente da
aprendizagem organizacional.
23
Ao se associar temáticas distintas no entendimento de como ocorre a renovação
estratégica, não só se avança a pesquisa sobre renovação, como se vai ao encontro da
tendência dos estudos internacionais sobre aprendizagem organizacional (Bapuji &
Crossan, 2004), contribuindo para enriquecer o arsenal de pesquisas no Brasil.
No âmbito da academia brasileira, em outro levantamento também efetuado pela
autora desta pesquisa nas bases de dados do banco de teses da Capes, com vistas a definir o
estado da pesquisa em aprendizagem organizacional contemplando o período de 2006 a
2011, encontrou-se uma base empírica bastante reduzida, que veio a confirmar
levantamentos anteriores, tais como os de Loyola e Bastos (2003), Versiani (2006),
Antonello e Godoy (2009) e Takahashi e Fischer (2009). Na busca, encontraram-se oito
publicações nas quais a aprendizagem organizacional apresenta-se associada a várias
temáticas, tais como aprendizagem organizacional e internacionalização (Versiani, 2006);
aprendizagem organizacional e cultura organizacional (Ramos Filho, 2008); aprendizagem
organizacional e estratégias (Caldeira, 2008); aprendizagem organizacional e agir
organizacional (Munck, 2009); aprendizagem organizacional e desempenho (Brandão,
2009); aprendizagem organizacional e aprendizagem individual (Nodari, 2009);
aprendizagem organizacional e mudança (Closs, 2009); aprendizagem organizacional e
competências (Takahashi, 2007) e aprendizagem organizacional e improvisação (Flach,
2010).
Em outro levantamento das publicações nacionais no período de 2002 a 2011, nos
periódicos brasileiros de alto impacto (extratos A e B, do sistema Qualis 2), excluindo-se os
artigos sobre organização da literatura, foram encontrados 14 artigos divididos em oito
trabalhos, que foram classificados como estudos sobre práticas de aprendizagem, e em seis
2
Revista de Administração do Maquenzie (RAM); Revista de Administração da USP (RAUSP); Revista de
Administração de Empresas (RAE); Revista de Administração Contemporânea (RAC); Revista de
Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (READ); e Revista Organização e Sociedade
(O&S).
24
trabalhos, classificados como cruzamentos entre perspectivas diferentes. Os artigos com
foco de discussão em práticas de aprendizagem norteiam-se por uma importante lacuna no
campo relacionada à dificuldade de constatar empiricamente, por métodos diferentes,
quando e como o processo de aprendizagem organizacional ocorre (Versiani & Fischer,
2008; Takahashi & Fischer, 2009). Esse levantamento da literatura corrobora a afirmativa
de Crossan & Bedrow (2003) de que se deve aplicar a teoria da aprendizagem
organizacional à renovação estratégica.
O interesse de relacionar a aprendizagem organizacional à renovação estratégica
parece já ter sido despertado na área da aprendizagem, mas ainda encontra pouco apelo nos
estudos de estratégia. Segundo Crossan, Lane & White (2011, p. 449):
Enquanto os pesquisadores da aprendizagem organizacional, muitos treinados no
comportamento organizacional, com expertise em psicologia e sociologia, têm estado
interessados em estratégia, apenas poucos pesquisadores da estratégia têm mostrado
interesse na aprendizagem organizacional.
Para esses autores, existem a oportunidade e a necessidade de se buscar a conexão
entre aprendizagem e renovação. Nesse sentido, ao se propor nesta pesquisa o
enquadramento da renovação estratégica sob as lentes da aprendizagem organizacional
aproveita-se tal sugestão, ampliando os estudos empíricos sobre aprendizagem e renovação
estratégica.
1.1 Propósitos de pesquisa
Evidenciada a contribuição da pesquisa, é importante mostrar como foi conduzida a
discussão teórica que delimitou o framework de referência do tratamento empírico deste
estudo que teve como objetivo verificar ao longo da trajetória do empreendimento familiar
25
como a sua longevidade decorrente da renovação estratégica está relacionada à
aprendizagem
organizacional.
Iniciou-se
procurando
na
literatura
convergências
conceituais nas abordagens da renovação estratégica, da aprendizagem organizacional e
das capacidades dinâmicas. Deparou-se com um conjunto de ideias coerentes entre si, entre
elas a tensão entre a exploration e exploitation, os tipos e mecanismos de aprendizagem e a
concepção das capacidades dinâmicas como rotinas, que por sua vez são impulsionadas
pelos mecanismos de aprendizagem. Esse conjunto em operação sugeriu a ideia de
renovação como um movimento circular de organizar e estrategizar, estando para além da
mera mudança de atributos em si das organizações, conforme tradicionalmente vem sendo
tratada. Mostrou-se que a renovação estratégica associa-se a tipos de aprendizagem que
somente puderam ser encontrados observando-se as trajetórias específicas das empresas
familiares longevas.
Assim, argumenta-se que, pelas lentes da aprendizagem organizacional, identificamse os meios da renovação estratégica, ao mesmo tempo em que esta implica vários tipos de
aprendizagem que explicam a longevidade do empreendimento familiar. Essa é uma
proposta nova e contribui para responder à lacuna teórica identificada de associar temáticas
distintas do campo dos estudos organizacionais e da estratégia no entendimento de como
ocorre a renovação estratégica, indo ao encontro de uma tendência dos estudos
internacionais sobre aprendizagem organizacional (Bapuji & Crossan, 2004). Para tal, o
propósito desta pesquisa foi buscar explicações que respondam ao desafio de longevidade
enfrentado pelas empresas familiares, avaliando como a renovação estratégica e os tipos de
aprendizado daí decorrentes relacionam-se com a longevidade desses empreendimentos.
Esse propósito foi traduzido na questão de pesquisa: como a renovação estratégica de
empresas familiares está relacionada ao aprendizado organizacional? O objetivo da
pesquisa foi verificar, ao longo da trajetória do empreendimento familiar, como a sua
26
longevidade decorrente da renovação estratégica está relacionada à aprendizagem
organizacional
1.2 Organização da tese
O presente trabalho foi organizado em seis capítulos, além deste. O próximo capítulo,
denominado “A renovação estratégica das empresas familiares: um olhar sob as lentes da
aprendizagem organizacional”, teve por objetivo situar o estado da arte da pesquisa sobre
renovação estratégica, visando explicar a sobrevivência e longevidade da empresa familiar.
Buscou-se evidenciar uma discussão teórica sobre a associação entre os referenciais da
aprendizagem organizacional e das capacidades dinâmicas que constroem o que foi tratado
neste estudo como a lente aprendizagem organizacional, pensada como meio para se
alcançar a renovação estratégica.
Com esse propósito, o capítulo 2 foi organizado em duas seções. A primeira,
denominada “A pesquisa sobre estratégia nas empresas familiares”, apresenta uma revisão
do que tem sido discutido na literatura internacional e nacional sobre as empresas
familiares. Identificou-se que a noção de “familiness” apresenta-se como um caminho
profícuo na discussão sobre longevidade da empresa familiar, principalmente se atrelada à
noção de estratégia. A segunda seção, denominada “A renovação estratégica em diferentes
abordagens teóricas”, propõe que a discussão da longevidade das organizações familiares
se desloque do foco na dicotomia familiar ou não familiar em prol de uma visão processual
da estratégia. Nessa incursão adota-se a abordagem denominada renovação estratégica, que
se apresenta como uma lente teórica alternativa para a compreensão de como as
organizações familiares sobrevivem e se tornam longevas. Conceitua-se a renovação
estratégica, sua abrangência, escopo e características, procurando compreender como é
27
tratada em diferentes abordagens teóricas. E finaliza-se o referencial teórico sustentando a
ideia de que o campo teórico da estratégia, ao apresentar complementaridade com os
estudos organizacionais que focam a aprendizagem organizacional, é profícuo para a
compreensão da longevidade das empresas familiares.
O terceiro capítulo apresenta a estrutura da investigação empírica organizada em
duas seções. A primeira seção, da metodologia, denominada de “Abordagem de pesquisa”,
justifica a opção pela pesquisa qualitativa, descreve o tipo de estudo realizado e apresenta a
seleção do objeto empírico pesquisado. Após essa apresentação, a segunda seção, intitulada
“Quadro analítico da pesquisa”, descreve o processo de coleta e análise de dados,
delineando o framework conceitual de pesquisa e todas as etapas e técnicas empregados na
apreciação dos dados.
O quarto capítulo, denominado “Descrição dos dados”, relata em três seções os casos
corporativos preparados com base nos dados colhidos sobre as empresas que representaram
as unidades de análise da pesquisa, a HASA, a Delp e a PUR. Cada caso inicia-se por uma
caracterização da empresa, seguida da descrição detalhada longitudinalmente e de forma
retrospectiva das trajetórias compreendidas entre o ano de início das atividades da empresa
e o momento da coleta de dados, realizada entre os meses de outubro de 2012 e fevereiro
de 2013. Internamente, as trajetórias foram organizadas em sequências cronológicas,
demarcadas pelas mudanças estratégicas que correspondiam a situações de renovação
estratégica, captadas indutivamente dos dados.
No quinto capítulo, “Análise cruzada dos dados” foi realizada a comparação dos
casos e a discussão teórica dos resultados, buscando explicações para os resultados obtidos
ao longo do desenvolvimento das trajetórias. A análise e discussão teórica foram
organizadas em duas seções que correspondiam aos tipos de renovação e aprendizagem
identificadas pela análise: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente externo e
28
aprendizagem single-loop learning – HASA e Delp; e renovação estratégica impulsionada
pelo ambiente interno e double-loop learning – PUR. Objetivou-se, numa abordagem
indutiva, identificar as relações de causalidade entre a renovação estratégica, a longevidade
do empreendimento familiar e a aprendizagem organizacional, seguida da discussão teórica
dos resultados, retornando à base teórica apresentada no referencial teórico.
O sexto capítulo finaliza as discussões e apresenta as reflexões e as considerações
finais sobre as descobertas desta pesquisa, suas contribuições e limitações, bem como
sugestões para novos estudos.
29
2 A Renovação Estratégica das Empresas Familiares: um Olhar sob as Lentes da
Aprendizagem Organizacional
Este capítulo tem o objetivo de situar o estado da arte da pesquisa sobre renovação
estratégica, visando explicar a sobrevivência e longevidade da empresa familiar. Para a
consecução desse objetivo, teoricamente, tenta-se o diálogo entre os campos da estratégia e
dos estudos organizacionais, evidenciando uma associação entre os referenciais das
capacidades dinâmicas e da aprendizagem organizacional. Defende-se o ponto de vista de
que se pode pensar na aprendizagem e capacidades dinâmicas como meios para se alcançar
a renovação estratégica. Neste sentido, a aprendizagem e as capacidades dinâmicas
constroem a lente do que se toma como aprendizagem organizacional e com esse propósito
este referencial foi organizado em três seções.
A primeira seção, denominada “A Pesquisa sobre estratégia nas empresas
familiares”, apresenta uma revisão do que tem sido discutido na literatura internacional e
nacional sobre as empresas familiares. Ao discorrer sobre o estado da arte na pesquisa,
mostra-se que a discussão sobre longevidade das empresas familiares ainda necessita
avançar principalmente no que diz respeito à compreensão de suas causas. Identificou -se
que a noção de “familiness” mostra-se como um caminho profícuo na discussão sobre
longevidade, principalmente se atrelada à noção de estratégia.
Assim, na segunda seção, denominada “A renovação estratégica em diferentes
abordagens teóricas”, propõe-se que a discussão da longevidade das organizações
familiares se desloque do foco na dicotomia familiar ou não familiar em prol de uma visão
processual da estratégia. Nessa incursão adota-se a abordagem denominada renovação
estratégica, que é como uma lente teórica alternativa para a compreensão de como as
organizações familiares sobrevivem e se tornam longevas. Nessa segunda seção
30
conceituam-se a renovação estratégica, sua abrangência, escopo e características, tentando
compreender como é tratada em diferentes abordagens teóricas.
As contribuições e influências de cada abordagem teórica são apresentadas em três
subseções. A primeira, “As perspectivas do incrementalismo lógico e do equilíbrio pontual
na compreensão da renovação estratégica”, desenvolve as ideias de duas correntes de
pensamento identificadas como as principais no estudo da mudança estratégica. Tanto a
perspectiva do incrementalismo lógico como a do equilíbrio pontual, apesar de se
dividirem entre o dilema do voluntarismo e determinismo, adotam a visão da mudança com
foco no processo de mudança. Uma possibilidade de ponte conceitual é apresentada na
segunda subseção, “A perspectiva da aprendizagem na compreensão da renovação
estratégica”. Essa perspectiva adota uma concepção integrada da mudança com foco no
contexto-conteúdo-processo para os estudos sobre a renovação estratégica que podem ser
mais bem compreendidos na perpectiva da aprendizagem organizacional. Essa mesma
visão integrada do processo de mudança é desenvolvida na subseção seguinte, “A
perspectiva das capacidades dinâmicas na compreensão da renovação estratégica”, que
finaliza o referencial teórico procurando demonstrar que o processo de renovação requer
uma evolução regular de rotinas que, por sua vez, são impulsionadas por mecanismos de
aprendizagem.
Desse modo, finaliza-se o referencial teórico sustentando a ideia de que o campo
teórico da estratégia ao apresentar complementaridade com os estudos organizacionais que
focam a aprendizagem organizacional é profícuo para a compreensão da longevidade das
empresas familiares.
31
2.1 A pesquisa sobre estratégia nas empresas familiares
Ao se avaliar a produção da pesquisa sobre empresas familiares, constata-se que até o
final da década de 1970 havia poucos interessados na temática. A partir dos anos 1980,
observa-se crescimento contínuo do interesse sobre o tema e mais sistematização da
pesquisa com a adoção de maior variedade dos métodos de investigação. A partir de
meados dos anos 1990, assiste-se a modificações no escopo dos estudos, que passaram a
incluir, além da temática da sucessão, temas como a dinâmica interpessoal, performance,
consultoria e questões de gênero e de etnias. Na última década, verifica-se que os esforços
da pesquisa têm se concentrado num aprofundamento mais acentuado da compreensão
sobre o que diferencia as empresas familiares das não familiares, com mais utilização da
análise sistemática baseada em dados e crescimento do número de autores oriundos de
disciplinas distintas. Quanto aos temas de pesquisa, permaneceram a sucessão,
performance, gênero e etnias, incluindo-se outros como governança, recursos, conflitos,
empreendedorismo, inovação, internacionalização e profissionalização (Wright &
Kellermanns, 2011).
Prosseguindo nessa análise retrospectiva, apura-se, ainda, que foi a partir do final dos
anos 1990 que o campo dos estudos da estratégia passou a incluir pesquisas sobre empresas
familiares com a proposição, por Sharma, Chrisman & Chua (1997), de um framework que
incluía na sua estrutura os subtemas objetivos e metas, formulação, conteúdo,
implementação e controle da estratégia, propriedade, gestão e performance organizacional,
inaugurando a perspectiva da gestão estratégica nos estudos sobre empresas familiares. De
fato, entre 1997 e 2003, um período de seis anos após a publicação do framework de
Sharma, Chrisman & Chua (1997), contabilizam-se 190 artigos explorando diferentes
tópicos relacionados à pesquisa sobre estratégia na empresa familiar. Além de confirmar
32
uma expectativa de direcionamento dos estudos, esse número de publicações evidenciou
que o interesse em explorar e compreender o tema da estratégica na empresa familiar
permanecia viável, bem como revelava uma preferência por “duas perspectivas teóricas
que representam a confluência de insights do campo da gestão estratégica, finanças e
economia: a visão da firma baseada em recursos e a teoria da agência” (Chrisman, Chua &
Sharma, 2005, p. 5). A adoção das lentes da visão baseada em recursos (RBV) contribuiu
para elucidar de forma muito consistente várias questões de pesquisa sobre estratégia na
empresa familiar e direcionou o interesse em se desenvolver e testar uma teoria da firma
familiar, que assim como a teoria da firma proposta por Coase (1937) deveria explicar por
que a firma existe e o que determina o seu tamanho e escopo de atuação.
Uma significativa contribuição da RBV, confirmada pela abordagem das capacidades
dinâmicas para a pesquisa sobre a empresa familiar, é que a firma familiar existe pela
combinação recíproca de valores econômicos e não econômicos criados pela integração
dos sistemas família e negócios, cuja confluência é direcionada pelo familiness, uma
capacidade que pode ser traduzida como senso de família 3. Familiness ou senso de família
corresponde “a um conjunto único de recursos que uma firma particular possui decorrente
da interação entre a família, seus membros individuais e o negócio” (Habbershon,
Thimothy & Williams, 1999, p. 11). De forma diferente da proposição desses autores, que
enfatiza o resultado da familiness, Chrisman, Chua & Sharma, 2005, tomando a
perspectiva da teoria da agência, também trabalharam o construto, porém focando a criação
da familiness que, segundo os autores, corresponde à influência de uma visão estabelecida
pela coalizão dominante dos stakeholders da família por meio de um processo político de
determinação de valores.
3
O termo senso de família representa uma tradução do termo original em inglês, familiness.
33
Partindo da proposição do familiness e do seu significativo potencial explanatório
(Frank et al, 2010), a pesquisa sobre a empresa familiar tem se direcionado para reconhecer
e clarear as qualidades distintivas da organização familiar. Neste sentido, o construto
familiness parece conter as trilhas para responder a questões tais como se a empresa
familiar se distingue de outros tipos de organização não familiares, como o aspecto
contextual do fator familiness influencia na vantagem ou desvantagem competitiva, bem
como no sucesso da empresa familiar. Resultados dos estudos que almejaram compreender
a influência do familiness na performance revelam que, dada a influência da família, as
empresas familiares são direcionadas por valores, possuem outros objetivos que não apenas
objetivos financeiros, apoiam-se em redes e relacionamentos de longo prazo fomentados
com base na confiança e no altruísmo, alcançam sucesso mercadológico associando o
nome da família com a sua identidade de marca e, frequentemente, adotam uma
perspectiva de longo prazo (Astrachan, 2010). Essas características moldam a estratégia da
empresa familiar, diferenciando-a das não familiares, e sugerem que a estratégia como uma
rota para a performance toma o significado da última, de forma distinta para os dois
grupos, familiar e não familiar. Mas a pesquisa também evidencia esforços para superar a
dicotomia familiar e não familiar para concentrar-se na medida do efeito da influência do
familiness na firma e, neste sentido, para Astrachan (2010), o envolvimento dos
componentes família e poder, dos elementos atitudinais e experiência e a cultura
caracteriza a essência de uma abordagem que explica a influência do familiness na firma.
Outra distinção a ser considerada relaciona performance com longevidade e os
estudos disponíveis se apresentam com duas visões opostas: a de que a performance acima
da média resulta na longevidade e, uma segunda, de que outras variáveis justificariam a
longevidade das firmas familiares, mesmo em situações de baixa performance. Para
Astrachan (2010) existiria um pressuposto não testado de que uma performance financeira
34
acima da média permitiria à firma sobreviver no longo prazo, explicando a sobrevivência e
longevidade. Entretanto, constatam-se exemplos de organizações com baixa performance
que também sobreviveram por longos períodos. Para casos como esses, De Tienne,
Shepherd & De Castro (2008) identificaram que variáveis como os custos irrecuperáveis de
pessoal, oportunidades pessoais, sucesso organizacional prévio, percepção coletiva de
eficácia, complexidade ambiental, dinamismo e munificência e, a mais significativa, o
nível de motivação extrínseca do proprietário afetaram a sua decisão de persistir com a
firma ainda que em situação de baixa performance, resultando na longevidade dos
empreendimentos.
A performance como um direcionador para a longevidade da firma familiar é uma
ideia central que tem direcionado a literatura, mas começam a surgir algumas exceções. De
Geus (1988) associa o conservadorismo financeiro do empreendedor, sensibilidade das
empresas pelo mundo que as rodeia, cuidados com a identidade e tolerância com as novas
ideias como variáveis que contribuem para a longevidade da firma familiar. Na sua visão,
as firmas são como os seres humanos, que necessitam se adaptar, possuem dimensões
morais e o desejo de sobreviver, apesar das mudanças inerentes ao seu ambiente. Na
mesma linha de raciocínio, Pieper (2007) relaciona o compromisso e coesão como
importantes direcionadores da longevidade, assim como a visão de longo prazo, adaptação
estratégica, profissionalização, uso do tempo e cultura estão entre as fontes de longevidade
(Astrachan, 2010). Mas, há evidências empíricas de que a influência da família em termos
de nepotismo, segregação e expropriação de acionistas minoritários também pode levar a
um desempenho inferior da firma (Miller, Le Breton-Miller, Lester, & Cannella Jr., 2007).
Conclui-se que são muitos os fatores que complicam o propósito de explicar a
longevidade. Para além da performance e vitalidade do negócio, “a pesquisa mostra que
valores familiares consistentes e uma síntese entre o negócio da família e os valores do
35
negócio são cruciais para manter a propriedade da família no longo prazo” (Pieper apud
Astrachan, 2010, p. 7), confirmando a importância do familiness para a pesquisa sobre
longevidade em empresas familiares. Outro caminho para explicar a longevidade,
assumido nesta investigação, sugere que, além de confirmar a importância do familiness, se
desloque do foco na dicotomia familiar ou não familiar em prol de uma visão da estratégia.
Isso porque uma abordagem teórica do campo da estratégia, denominada renovação
estratégica, que salvo melhor engano não tem sido contemplada nos estudos sobre
estratégia na empresa familiar, apresenta-se como uma alternativa bastante forte para a
compreensão de como as organizações familiares sobrevivem e se tornam longevas.
A renovação estratégica é um processo dinâmico que envolve a decisão e
implementação da mudança de atributos estratégicos visando à sobrevivência e à
longevidade da firma. Na perspectiva da aprendizagem organizacional a renovação
estratégica é resultante do equilíbrio entre a busca do novo, exploration (ir para frente) e o
refreshment dos recursos existentes, exploitation. Para entender como ocorre a renovação
estratégica, faz-se necessário uma delimitação mais precisa sobre o que se compreende
como renovação estratégica e como é tratada por diferentes abordagens teóricas.
2.2 A renovação estratégica em diferentes abordagens teóricas
A análise da literatura incluindo estudos de Mintzberg & Westley (1992), Teece,
Pisano & Shuen, (1997), Burgelman (1994), Quinn & Voyer (2001), Agarwal & Helfat
(2009), O’Reilly & Tushman, (2004) e O’Reilly & Tushman (2008) indica que o conceito
de renovação estratégica não é de tão fácil apreensão, devido às suas nuanças. Um dos
aspectos que se observa é que o termo renovação estratégica tem sido mais utilizado para
referir-se a exemplos de mudança estratégica, observados pelo foco no processo de
36
mudança (Teece, Pisano & Shuen, 1997). Mintzberg & Westley (1992), entre os autores
que estudam a mudança pelo foco do processo, tratam a renovação como as transformações
que ocorrem na direção da empresa e os eventos externos e/ou internos que levam as
organizações a modificarem suas estratégias.
Na mesma linha, Quinn & Voyer (2001) consideram a renovação um tipo de
mudança estratégica caracterizado por um processo fragmentado, evolucionário e intuitivo,
em que novas estratégias fluem à medida que decisões internas e eventos externos surgem
para criar um novo cenário. Contudo, uma abordagem distinta pode ser identificada na
proposta de Pettigrew (1987) e Pettigrew, A. M. & Ferlie, E. & McKee, L. (1992), ao
proporem que a mudança estratégica seja analisada por meio de três dimensões integradas,
tratando-a não apenas do ponto de vista do processo, mas, ainda, do contexto e do
conteúdo. A dimensão do processo diz respeito ao “como”, ao caráter dinâmico e temporal
da mudança estratégica. Na dimensão do panorama, o que se observa é o “porquê” da
mudança, buscando na identificação das forças e das fraquezas ambientais os aspectos que
restringem ou habilitam as mudanças estratégicas da organização. E a dimensão do
conteúdo refere-se ao “o que” da mudança, tratando das estratégias que são de fato
realizadas, relacionando-as ao equilíbrio das ações de explorar novas oportunidades e de
aproveitar as oportunidades existentes.
Ao propor a compreensão da mudança estratégica nessa perspectiva integradora,
Pettigrew (1987) fornece uma estrutura metodológica que permite guiar a pesquisa na área
e correlacionar diferentes variáveis pertencentes a cada uma das três dimensões. Essa
mesma estrutura de uma abordagem integrada para análise da mudança estratégica é
atualmente muito valorizada nos estudos organizacionais (Gohr & Santos, 2011) e
representa uma importante vertente teórica para a compreensão do que vem a ser a
renovação estratégica e que será explorada neste trabalho.
37
O interesse pelo estudo da temática da renovação estratégica assumiu lugar de realce
no campo da estratégia, desde que se constatou que firmas líderes e que apresentavam
trajetórias consolidadas e bem-sucedidas foram obrigadas a passar por amplos processos de
transformação, até então inimagináveis. Observa-se, então, que a partir do final do anos
1990, teóricos oriundos de várias tradições de pesquisa dedicaram-se a reflexões teóricas e
pesquisas empíricas motivadas pelo interesse em compreender se o processo de renovação
estratégica verificado em empresas como a General Electric (GE), Sears ou International
Business Machines IBM deveria ser de fato doloroso e socialmente disruptivo ou, ao
contrário, poderia ter sido direcionado por esforços graduais e contínuos de mudança.
Um interesse no esclarecimento sobre como ocorre a renovação estratégica ganhou
destaque no campo da pesquisa sobre estratégia, dirigido por duas correntes teóricas
principais, definidas pela perspectiva do incrementalismo lógico e a perspectiva do
equilíbrio pontual. Tanto a primeira como a segunda adotam a visão da mudança com foco
no processo de mudança. Mais recentemente, e adotando a concepção integrada da
mudança com foco no contexto-conteúdo-processo (Pettigrew, 1987), os estudos sobre a
renovação estratégica tem sido voltado, no campo dos estudos organizacionais, para a
perspectiva teórica da aprendizagem organizacional; e no campo da estratégia, para a
perspectiva das capacidades dinâmicas. As quatro perspectivas - incrementalismo lógico,
equilíbrio pontual, aprendizagem organizacional e capacidades dinâmicas - são discutidas a
seguir quanto à sua orientação, contribuições e influência no campo da pesquisa sobre
renovação estratégia.
38
2.2.1 As perspectivas do incrementalismo lógico e do equilíbrio pontual na compreensão
da renovação estratégica
Nos estudos que adotam a perspectiva do incrementalismo lógico para a
compreensão da renovação estratégica, os autores adotam a mesma orientação gradualista
de Quinn (1978), que compreende a gestão estratégica e a mudança como processos
contínuos, incrementais e baseados na construção de consenso. Nessa visão gradualista, os
gerentes guiam proativamente as correntes de ações e eventos que ocorrem nos diversos
subsistemas das organizações, de forma incremental, na direção de estratégias conscientes.
Essa perspectiva denominada por Quinn (1978) de incrementalismo lógico oferece um
modelo perscritivo para se compreender e promover a renovação estratégica, definindo-a
como um processo com direção relativamente controlável e sem interrupções, mesmo em
face das turbulências do ambiente, resultando na construção de uma base de recursos tão
fortes e flexíveis que levariam a empresa a prosperar, ainda que diante dos eventos
ambientais mais devastadores.
Como, segundo Quinn, os gestores não podem prever quais eventos e forças
moldarão o futuro da organização, o que os mais competentes fazem é prever aquelas
forcas que mais provavelmente afetarão os negócios e os seus possíveis impactos e, em
função destas, construir uma base de recursos e posturas tão fortes em determinadas áreas
que a empresa pode sobreviver aos mais devastadores eventos. “Eles conscientemente
selecionam mercados/tecnologias/segmentos de produtos cujos conceitos podem dominar
em condição de recursos limitados” (Quinn, 1978, p. 18). Agindo assim, reduzem o risco e
aumentam a flexibilidades de opções futuras.
Para os adeptos do incrementalismo lógico, “a estratégia lida com o incognoscível,
não com a incerteza” (Quinn, 1978, p. 18), envolvendo a combinação de várias forças e
39
ameaças que tornam impossível a previsão de eventos. Neste sentido, prevalece uma lógica
incremental de que a ação de mudança deve se proceder de forma flexível e experimental,
partindo de conceitos mais gerais, orientada por uma meta organizacional concebida de
forma ampla (Mintzberg, 1987). E em situações específicas deve-se retardar ao máximo as
decisões, para ir reduzindo as bandas de incerteza e caminhar beneficiando-se, ao longo do
processo, das informações que vão sendo disponibilizadas. Para Mintzberg (1987), tem-se
a impressão de que a mudança estratégica na perspectiva do incrementalismo lógico é feita
durante o caminho, à medida que este vai avançando.
Essa forma de tratar a renovação como um processo emergente de experimentação e
aprendizagem deu ao incrementalismo um papel proeminente na literatura de
administração estratégica (Collins & Porras, 1996; De Geus, 1988; Mintzberg, 1987;
Senge, 1990; Waterman, 1994), antecipando uma mudança nas abordagens da estratégia
para a incorporação da resource based view (RBV) e as capacidades dinâmicas. Além
disso, influenciou fortemente os estudos organizacionais que ainda apresentam uma
ideologia de gradualismo e na literatura gerencial está relacionada à teoria evolucionária
pela ênfase dada ao impacto da pequena mudança cumulativa e evolucionária típicas da
mudança incremental empregadas na compreensão da relação entre a inovação e a
competitividade (Leavy, 1997).
Entretanto, destarte a sua relevância, a adoção da perspectiva do gradualismo no
estudo do fenômeno da renovação estratégica não é universalmente compartilhada.
Observa-se que outra perspectiva, do equilibrio pontual, também influenciou o pensamento
sobre a renovação estratégica (Leavy, 1997). No mainstream gerencial, trabalhos na
perspectiva do equilíbrio pontuado (Greiner, 1972; Miller & Friesen, 1980; Mintzberg,
1987; Mintzbeeg & Westley, 1992; Pettigrew, 1987; Tushman & Newman & Romanelli,
1986) tomam a renovação estratégica como um processo de equilíbrio pontual,
40
caracterizado por longas fases de mudança evolucionária, intercaladas por pequenas
rajadas afiadas e pertubadores de transformação revolucionárias. E assumem que forças
organizacionais atuando em favor da continuidade e da inércia tendem a resistir às
mudanças, até o ponto em que essa venha a se tornar inevitável (Leavy, 1997) e que a
organização possa superar a inércia pela mudança radical ou descontínua.
As explicações empíricas para o padrão de renovação estratégica pontual partem da
convicção de que renovações bem-sucedidas raramente ocorrem sem algum tipo de crise
que movimente a organização como um catalisador, uma vez que, ao atingirem posições de
liderança e inovação, as organizações tendem intuitivamente a adotar uma orientação
estratégica de manutenção da estabilidade a partir de refinamentos incrementais, no lugar
de adotarem mudanças tecnológicas radicais. Essa orientação dificilmente é quebrada sem
que haja algum senso de urgência. E pode implicar até mesmo a perda da liderança
tecnológica, declínio e desaparecimento da firma, fenômeno reconhecido como o paradoxo
do sucesso (Leavy, 1997). Pettigrew (1987) acrescenta que essa situação não é surpresa, na
medida em que em situações de não crise a maioria dos líderes não possui influência
suficiente para romper com o padrão de inércia. Em consequência, o processo de
renovação estratégica é pontual, não apenas porque somente se inicia diante da crise, mas
pela postura inercial que prevalece nas organizações.
Três elementos principais - estruturas profundas, estado de equilíbrio e períodos
revolucionários - atuam para o equilíbrio pontuado. As estruturas profundas são altamente
estáveis, em função da sua trajetória dependente e do inter-relacionamento com os demais
componentes organizacionais e o ambiente. E correspondem às escolhas que envolvem os
elementos estruturais e os padrões de atividades básicas que são estabelecidos desde a
criação da organização, incluindo os valores e crenças, estratégias, distribuição do poder,
estrutura organizacional e sistemas de controle. O estado de equilíbrio tende a prevalecer
41
durante os períodos de mudança incremental e de convergência, quando a organização
alinha a estrutura às suas estratégias e reforça as estruturas profundas. Esse equilíbrio é
alterado por períodos revolucionários e de intensa reconstrução, decorrentes de situações
de mudança do ambiente institucional, de inovação tecnológica, sucessão de Chief
executive officer (CEO), maturação de ciclo de vida de produtos ou queda de desempenho
capaz de levar ao rompimento das forças inerciais. Diante destas situações, as estruturas
profundas são desmanteladas e tanto a estrutura como as estratégias são fundamentalmente
transformadas (Van de Vem & Poole, 1995).
As perspectivas do incrementalismo lógico e do equilíbrio pontuado representam
uma posição antagônica entre o voluntarismo e o determinismo que tradicionalmente
polarizou os estudos da mudança nas organizações. Mas o campo dos estudos da renovação
estratégica parece encontrar nas teorias da aprendizagem uma alternativa que leve à
compreensão mais aprofundada de como as organizações se renovam e sobrevivem. De
fato, grande parte da literatura vê a renovação estratégica como uma dinâmica de
aprendizagem que integra processos de organizar e deseorganizar (Weick, 2004), tomando
o aprendizado do ponto de vista do processo, com foco no gerenciamento de mudanças
(Mintzberg, 1987). Logo, colocar a noção de aprendizagem no centro da pesquisa sobre
renovação estratégica apresenta vários benefícios potenciais, entre eles a noção de que a
aprendizagem é essencialmente dinâmica, favorecendo o desenvolvimento de teorias da
renovação estratégica em condições de não equilíbrio que caracterizam o contexto no qual
evoluem e sobrevivem as organizações. A próxima subseção discute a perspectiva da
aprendizagem organizacional e a renovação estratégica.
42
2.2.2 A perspectiva da aprendizagem na compreensão da renovação estratégica
Na perspectiva da aprendizagem organizacional, a renovação estratégica é um
processo de aprendizagem de alto nível, cujo segredo requer a descoberta de como
institucionalizar o aprendizado nas diferentes configurações organizacionais (De Geus,
1988) ou decorre da geração de tensão criativa ou das crises de aspiração (Senge, 1990).
Entre os que defendem a ideia da renovação como um processo de aprendizagem de alto
nível, a compreensão do processo de renovação requer a adoção da perspectiva da firma
como um sistema auto-organizado (De Geus, 1988; Senge, 1990; Nonaka, I. & Takeuchi,
H., 1997), reconhecendo que a renovação estratégica é raramente um processo mecânico,
top-down. Ao contrário, em organizações de qualquer complexidade, a renovação é mais
tipicamente orgânica, de natureza emergente, com ideias e ímpetos originados de
diferentes fontes na organização, por meio das articulações do sistema como um todo. Essa
perspectiva do sistema auto-organizado é consistente com a perspectiva da aprendizagem
sobre a renovação que a compreende como sendo inerentemente dinâmica, não linear e
indeterminada.
A adoção da perspectiva da aprendizagem organizacional na pesquisa sobre
renovação estratégica é diretamente defendida por Crossan, Lane & White, (1999), ao
afirmarem que a mesma natureza dinâmica da aprendizagem organizacional está presente
na renovação estratégica. Os autores compreendem que a renovação, assim como a
aprendizagem, é um fenômeno organizacional que harmoniza continuidade e mudança. E,
ao assim fazerem, confirmam a proposta da existência de uma ponte conceitual entre a
perspectiva do gradualismo e do padrão pontual da renovação, contituindo-se a
aprendizagem no principal meio para se atingir a renovação estratégica. Essas escolhas
também partem do fato de que Crossan, Lane & White (1999) comungam do mesmo
43
pressuposto de March (1991) de que a aprendizagem, assim como a renovação, requer que
a
organização explore
e aprenda
novos
caminhos (mudança)
enquanto
que,
simultaneamente, exploit o que já tenha aprendido (continuidade).
Para March (1991, p. 101), os processos adaptativos implicam o balanceamento da
relação entre o exploration, que “inclui coisas capturadas por termos como pesquisa,
variação, tomada de risco, experimentação, descoberta e inovação”, e o exploitation, que
“inclui coisas como refinamento, escolha, produção eficiência, seleção, implementação e
execução”. E esse trade off produz consequências no tempo e no espaço, afetando o
aprendizado das organizações. Argumenta March (1991) que esse mesmo desafio
exploit/explore crítico na renovação também já fundamentara os estudos no campo da
aprendizagem organizacional Levinthal & March (1981) e foi exibido nas distinções feitas
pelos autores que conceituaram exploit como o refinamento de uma tecnologia já existente
e o explore como a invenção de uma nova tecnologia. Acrescenta que reconhecer e
gerenciar essa tensão, encontrando um balanço apropriado entre exploitation e exploration,
é um desafio particularmente complexo, pois envolve os níveis individual, organizacional e
social de sistemas que se apresentam entrelaçados (March, 1991).
Outra evidência da relação entre renovação e aprendizagem baseada na mesma
tensão exploit/explore é discutida por Dogson (1993, p. 380). E este é ainda mais preciso
ao explicar que a aprendizagem ocorre não apenas na tensão explore/exploit, mas no
processo em si, pois a explore, além de gerar inovação, também desenvolve na firma a
habilidade de identificar e assimilar o conhecimento existente no ambiente, executando o
exploit e gerando aprendizagem. Dogson reforça a sua tese argumentando que o processo
de aprendizagem é complexo, pois sua natureza é conflituosa (explore/exploit).
Sustentando-se nas teorias da aprendizagem do campo da Psicologia, o autor afirma que o
conflito “é uma condição essencial para a aprendizagem”. E, para se justificar, mostra que
44
ideia semelhante também teve ressonância nos estudos do campo gerencial e da inovação,
para os quais, na sua visão, “uma abordagem para resolver a contradição entre eficiência e
inovação está contida no conceito de aprendizagem, que ilumina a interação dinâmica entre
as duas dimensões”. Essa contradição, segundo o autor foi denominada de “dilema da
produtividade”, traduzida pelos economistas como tensão entre dinâmica e eficiência
alocativa e pelos teóricos organizacionais como a tensão exploitation e exploration
(Dogson, 1993).
Também as distinções da aprendizagem em tipos e/ou níveis indicam outras
evidências tanto da sua complexidade como da mesma tensão explore/exploit que
aproxima a renovação estratégica da aprendizagem. Por exemplo, os estudos da
aprendizagem no campo gerencial desenvolvidos por Senge (1990), apesar de não
mencionarem os mesmos termos, definem uma tipologia de aprendizagem generativa e
adaptativa. Na sua definição, a primeira, generativa, enfatiza a criatividade e corresponde à
aprendizagem exploration, enquanto a adaptativa ou de sobrevivência relaciona-se ao
exploitation. Na literatura dos estudos organizacionais, a tipologia de aprendizado mais
citada é de Argyris & Schon (1978), que descrevem que os tipos single-loop, double-loop e
deutero-learning também contêm, em sua essência, a mesma tensão explore/exploit.
Assumindo a aprendizagem organizacional como um processo de detecção e correção
do erro4, os autores explicam que a single-loop learning ocorre quando os erros são
detectados e corrigidos e as empresas continuam com suas políticas e objetivos atuais.
Admitem também que o single-loop learning pode ser igualado às atividades que se
adicionam ao conhecimento-base, às competências ou a rotinas, sem alterar a natureza
fundamental das atividades (Dogson, 1993). A aprendizagem do tipo double-loop learning
é entendida como aquela que ocorre quando as organizações aprendem a modificar as
4
Trial-and-error learning, no original em inglês.
45
variáveis que governam os seus próprios comportamentos. Ela ocorre quando, além da
detecção e correção dos erros, a organização questiona e modifica suas normas,
procedimentos, políticas e objetivos. Envolve mudar a base de conhecimento da
organização, competências e rotinas (Argyris, 1976). Finalmente, no modelo de Argyris e
Schon (1978), quando a organização aprende como realizar o single e o double-loop, pode
ocorrer um terceiro tipo de aprendizado, o deutero-learning. Nessa situação, a organização
reconhece o que deve aprender e quais as circunstâncias e processos que necessitam ser
criados para que ocorra.
Uma terceira tipologia, da aprendizagem estratégica, é proposta por Kuwada (1998)
que relaciona o comportamento de decisão estratégica da firma, definido pelo autor como
design process, aos tipos de aprendizagem do negócio (business learning) e aprendizagem
estratégica. Ao longo do desenvolvimento da firma, observa o autor que há um processo de
formulação estratégica mal estruturado, afetado por aspectos cognitivos, sociais, políticos e
pelo conhecimento e informação adquiridos pela firma, em cada estágio do seu
desenvolvimento. Os conhecimentos são classificados pelo autor como de nível de negócio
e de nível corporativo que, adquiridos pela firma no longo prazo, incorporam-se nos
procedimentos e rotinas estabelecidos para lidar com a falta de estrutura e com os aspectos
sociais do comportamento do design estratégico da firma.
O conhecimento do nível de negócio inclui a tecnologia sobre produtos e processos
produtivos, conhecimento sobre os concorrentes e como se defender, conviver e prosperar
entre os rivais, crenças sobre os padrões e mudanças de comportamentos dos compradores
e o conhecimento sobre a aquisição de recursos fundamentais ao negócio. Já o
conhecimento de nível corporativo é constituído de rotinas, procedimentos e pressupostos
básicos subjacentes e que estruturam todos os comportamentos estratégicos. É
representado pelas rotinas empregadas para interpretar a informação que não é específica
46
do negócio, pelas suposições sobre como a organização se relaciona com o seu ambiente,
sobre a natureza da realidade e da verdade, a natureza do ser humano, suas atividades e
relacionamentos (pressupostos básicos).
A aquisição de conhecimentos no nível do negócio, inserido num determinado
conjunto de pressupostos básicos, resulta na aprendizagem estratégica, aquela na qual as
organizações adquirem o conhecimento de nível corporativo e reconstroem as suas rotinas
estratégicas. A aprendizagem do negócio leva, diretamente, a mudanças no comportamento
estratégico. Por outro lado a aprendizagem estratégica leva a mudanças na orientação
estratégica da organização.
Com essas definições, Kuwada, (1998) caracteriza dois tipos distintos de
aprendizagem que podem ocorrer nas organizações. Um tipo de aprendizagem de primeira
ordem ou single loop (Argyris & Schon, 1978), denominada aprendizagem do negócio, que
acontece quando a organização adquire e acumula conhecimento do negócio, mas as
características do processo e a orientação estratégica não são alterados. Essa é a situação
mencionada por March (1981), que afeta a maioria das organizações. De forma distinta,
quando se verifica a aprendizagem estratégica, alguns dos pressupostos básicos são
modificados e a organização assume nova orientação estratégica. Ao adquirir um novo
conjunto de conhecimentos de nível corporativo, a firma assume um novo modo de
interpretação do ambiente, resultando na aprendizagem estratégica, de segunda ordem, ou
double learning (Argyris & Schon, 1978; Fiol & Lyles, 1985).
Relacionando os tipos de aprendizagem com a tensão explore/exploit a single-loop
learning, equivale ao propósito de exploitation que ocorre quando a organização aproveita
das oportunidades existentes realizando rotinas de refinamento, seleção, implementação e
execução. O tipo double-loop learning, que se detecta quando as organizações aprendem a
modificar as variáveis que governam os seus próprios comportamentos, normas, políticas e
47
objetivos, alterando a base de conhecimento da organização, competências e rotinas,
corresponde a uma situação na qual a tensão entre a exploration e a exploitation encontra o
equilíbrio, atuando na dimensão estratégica da firma. De forma semelhante, a
aprendizagem do negócio associa-se ao exploit e à aprendizagem single-loop. A
aprendizagem estratégica, por sua vez, corresponde à aprendizagem double-loop.
Argyris & Shon (1978) demonstram, em seus trabalhos, que as empresas fazem
muito bem o aprendizado single-loop, mas têm muita dificuldade em avançar no
aprendizado double-loop. É raro encontrar algum exemplo de organização que aprenda
segundo a perspectiva do deutero-learning. Essa mesma dificuldade é encontrada na
discussão que Hedberg & Wolff (2001) propõem sobre os ciclos de aprendizagem
organizacional.
Para
os
autores,
a
aprendizagem
organizacional
demanda,
simultaneamente, mudança e estabilidade no relacionamento entre a organização e o seu
ambiente que ocorrem segundo uma teoria de ação adotada na organização.
Nesse relacionamento, segundo os autores, verifica-se o tipo de aprendizagem singleloop, quando ocorrem processos adaptativos no sistema de aprendizagem, sem alterações
na teoria de ação adotada. Já a ocorrência do tipo double-loop learning implica um modelo
de metaníveis no qual as regras que definem as situações, analisam estímulos e montam as
respostas e modificam os programas de ação. Contudo, esse metanível de aprendizagem
geralmente situa-se fora do alcance dos gerentes e dos tomadores de decisão nas
organizações complexas:
Esses atores não dispõem da linguagem na qual se expressar e mudar essas
metarregras, logo, não são capazes de implementar novos modelos de
comportamento em suas organizações. O resultado é que a mudança organizacional é
restrita, tipicamente dentro de modos de comportamento e teorias de ação (Hedberg
& Wolff, 2001, p. 538).
48
Nesse sentido, para os autores o double-loop se caracteriza como um tipo raro, que
envolve a remodelagem radical ou respostas inovativas que ultrapassam o repertório de
comportamentos organizacionais existentes, portanto, um tipo de aprendizagem difícil de
se observar, tal qual ressaltam Argyris & Shon (1978).
Crossan, Lane & White (1999) também discutiram a mesma dificuldade das
organizações em avançarem na aprendizagem e ainda reconhecem essa como uma questão
central na renovação estratégica. Reconhecer e gerenciar a tensão entre as opções de
aprendizagem, alcançando o tipo double-loop e adotando um modelo que busque a
manutenção do equilíbrio entre o exploration e o exploitation, é, segundo os autores, um
fator primário para a sobrevivência das firmas.
Dixon, Meyer & Day (2007, p. 1497) vão além de se limitarem a reconhecer a
dificuldade das organizações de avançar nos tipos de aprendizagem e questionam a real
possibilidade de a organização vir a alcançar o equilíbrio entre as opções de exploration e
exploitation, alcançando deutero-learning. Para se justificarem, alegam que, apesar de um
grupo de autores (Benner e Tushman, He e Wong) admitir a possibilidade de um
balanceamento, posicionam-se mais identificados com a ideia de Burgelman de que “as
aprendizagens exploitation e exploration são temporariamente diferenciadas num processo
de equilíbrio pontuado”. Ao realizarem um estudo na indústria de petróleo russa, que
passou por adaptações às novas condições da economia de mercado, concluíram que “um
longo período de aprendizagem exploitation é acompanhado por explosões de
aprendizagem exploration”.
Num primeiro estágio da aprendizagem, quando as empresas tiveram que enfrentar as
novas condições da economia, a ênfase foi na exploitation. As indústrias se empenharam
em adquirir, assimilar e disseminar conhecimento por toda a organização e na
implementação intensiva de novas rotinas, envolvendo mudanças radicais. Uma
49
observação importante é que, apesar de terem ocorrido mudanças radicais, o que poderia
sugerir uma associação com a aprendizagem exploration, os autores a classificaram como
exploitation, uma vez que “envolveu a aquisição e implementação de capacidades
operacionais já existentes em companhias ocidentais”. Somente na segunda fase, quando as
empresas amadureceram as mudanças no estilo gerencial, adotando um estilo de gestão
mais participativo e que encorajava a inovação, o risco e a participação na decisão, é que se
criou um clima favorável à aprendizagem exploration. A transição entre a primeira e a
segunda fase, da exploitation para a exploration, foi classificada por Dixon, Meyer & Day
(2007, p. 1516), assim como por Burgelman (1994), como um exemplo de equilíbrio
pontuado, confirmando que o sucesso do balanço positivo entre os dois tipos de
aprendizagem “é alcançado por uma alocação sequencial de atenção em vez de por uma
abordagem ambidestra”.
A dificuldade em avançar no aprendizado do tipo deutero-learning talvez possa ser
compreendida se associada aos tipos de mudança que desencadeiam o processo de
renovação estratégica. As situações de mudança descontínua no ambiente, que implicam
mudanças tecnológicas, de mercado ou da demanda, podem levar as empresas a
simplesmente corrigirem os erros, sem alterações na natureza fundamental das atividades.
Nessa situação, pode ocorrer o tipo de aprendizado single-loop, porém a mudança do
ambiente é incapaz de desencadear a renovação estratégica. Quando, além da detecção e
correção dos erros, a organização questiona e modifica normas, procedimentos, políticas e
objetivos resultando em mudanças nos seus atributos capazes de afetar o seu desempenho
no longo prazo, a mudança descontínua do ambiente implica a aprendizagem do tipo
double-loop e pode desencadear a renovação estratégica. Entretanto, por conta das
mudanças descontínuas no ambiente, muitos são os exemplos de organização que até
promoveram mudanças, mas não foram capazes de se renovar e mesmo sobreviver.
50
Essa relação entre a mudança descontínua do ambiente e o tipo de aprendizagem
(single, double, deutero) foi explorada por Agarwal & Helfat (2009, p. 283), na
compreensão do caso da Kodak. Segundo os autores, mesmo que a empresa tenha
sobrevivido à revolução tecnológica causada pelo surgimento da câmara digital, como
retardou a sua decisão em aderir à nova tecnologia digital em substituição ao filme
fotográfico, teve de superar perdas significativas e recuperou apenas em parte a posição de
mercado que detinha antes da mudança tecnológica que ocorreu no seu ambiente de
negócios. Os autores observam, então, que mudanças descontínuas, como a que ocorreu
com a nova tecnologia da fotografia digital, podem promover o double-loop learning, mas
não necessariamente desencadear a renovação estratégica ou fazê-lo de forma não
sustentável. Assim, o avanço da aprendizagem do tipo deutero-learning e a consequente
renovação estratégica ocorreriam com mais probabilidade quando as organizações, ao
admitirem a impossibilidade de preverem a ocorrência das mudanças ambientais
descontínuas, adotassem postura proativa de promoção de mudanças contínuas,
incrementais, baseadas no reconhecimento do que devem aprender e quais circunstâncias e
processos necessitam ser criados. Nessa situação, as mudanças incrementais resultariam no
refreshment de atributos estratégicos ou renovação estratégica, baseada em processos de
aprendizagem do tipo deutero-learning e numa situação na qual a tensão entre a
exploration e a exploitation encontraria equilíbrio, atuando na dimensão estratégica.
Os conceitos de exploitation e exploration são abordados em frameworks, que
sustentam pesquisas sobre a renovação estratégica. Entre estes se destacam o framework
4Is de Crossan, Lane & White (1999) e o de Volberda, Baden-Fuller & Van Den Bosch
(2001), que em comum se assentam na tensão exploitation e exploration para explicar o
processo de renovação. Crossan, Lane & White (1999) descrevem o processo de
aprendizagem organizacional como quatro processos interligados – intuição, interpretação,
51
integração e institucionalização - relacionados aos níveis do individuo, do grupo e da
organização. O modelo 4Is ilustra a tensão entre o exploitation e exploration e foi adotado
para explicar o processo de renovação estratégica, como no caso da Apple (Crossan, Lane
& White, 1999) e da Canada Post Corporations (CPC) (Crossan & Berdrow, 2003).
O framework proposto por Volberda et al. (2001) é focado em quatro atributos
principais da jornada de renovação: orientação externa versus interna, internacional versus
doméstica; orientação de exploitation versus exploration e objetivo de expansão versus
retração. Para Volberda et al. (2001), a renovação estratégica é um reflexo das decisões
estratégicas direcionadas tanto pelas forças externas do ambiente da indústria como pelas
forças internas com as quais a firma se compromete para alterar sua trajetória dependente.
Em função do comportamento ativo ou passivo adotado pela alta gerência, gerência de
frente e gerência intermediária, quatro tipos de renovação podem ser idealizadas: a)
renovação emergente quando o mercado decide, implicando comportamento passivo de
todos os níveis gerenciais; b) renovação dirigida, quando a alta gerência decide,
demonstrando comportamento ativo; c) renovação facilitada, quando a gerência de frente e
a intermediária decidem revelando comportamento passivo no topo e ativo na frente e
intermediária; d) renovação transformacional, quando a alta gerência, a gerência de frente e
a intermediária decidem em conjunto, manifestando comportamento ativo em todos os
níveis. Tanto o framework de Crossan, Lane & White (1999) como o de Volberda et al.
(2001) confirmam que a tensão entre a exploitation e a exploration (March, 1991) é central
para a pesquisa sobre renovação estratégica.
Além das pesquisas sobre renovação estratégica se sustentarem em frameworks que
exploram a tensão entre a exploitation e exploration, outras defendem que a mudança
estratégica depende de aprendizagem e este é um mecanismo pelo qual as firmas
desenvolvem novas capacidades que as habilitam a sobreviver e prosperar em contextos
52
voláteis, melhorando as suas ações por meio de novos conhecimentos. De fato, já tem se
tornado bastante popular a ideia de que a mudança depende do aprendizado e este depende
do desenvolvimento das capacidades dinâmicas (Mintzberg, 1987). Na próxima subseção,
especial atenção é dedicada à perspectiva das capacidades dinâmicas, que neste trabalho é
tomada como uma abordagem que dialoga com a da aprendizagem organizacional, muito
embora originadas de campos distintos, formando a lente que se chama aprendizagem
organizacional e possibilita a compreensão da renovação estratégica.
2.2.3 A perspectiva das capacidades dinâmicas na compreensão da renovação estratégica
A perspectiva das capacidades dinâmicas é uma abordagem do campo da estratégia
que, tal como discutido na perspectiva da aprendizagem organizacional, também assume
que a renovação estratégica assegura a sobrevivência e prosperidade da firma, definindo-a
como um refreshment dos atributos estratégicos representados pelos objetivos, produtos ou
serviços. O que assegura o refreshment dos atributos são as capacidades dinâmicas,
entendidas como rotinas organizacionais e estratégicas realizadas pela firma e que são
modificadas pelo aprendizado adquirido. Para uma discussão de como a perspectiva das
capacidades dinâmicas pode auxiliar na compreensão da renovação estratégica, inicia-se
esta subseção com breve revisão sobre capacidades dinâmicas.
Definições iniciais sobre as capacidades dinâmicas podem ser encontradas em Teece
& Pisano (1994) e Teece, Pisano & Shuen (1997) como a capacidade de perceber e, em
seguida, aproveitar novas oportunidades para reconfigurar e proteger os ativos de
conhecimento, competências e ativos complementares com o objetivo de alcançar a
vantagem competitiva sustentável. Teece & Pisano (1994) apresentam as capacidades
dinâmicas pontuando as duas dimensões, ou seja, distinguindo o termo capacidades do
53
termo dinâmicas. Enquanto as capacidades enfatizam o papel-chave do gerenciamento
estratégico em adaptar, integrar e reconfigurar habilidades internas e externas, recursos e
competências funcionais em direção à mudança do ambiente, dinâmicas referem-se ao
caráter de mudança do ambiente.
Os autores, inicialmente, propõem a seguinte definição: “capacidades dinâmicas
referem-se ao subconjunto de competências/capacidades que permitem à firma criar novos
produtos e processos e responder às circunstâncias de mudança do mercado” (Teece &
Pisano, 1994, p. 6). Tal definição se ratifica, por exemplo, quando Teece, Pisano & Shuen
(1997, p. 516) caracterizam as capacidades dinâmicas como “a habilidade de adaptar,
integrar, construir e reconfigurar as habilidades organizacionais internas e externas,
recursos e competências funcionais para tratar rapidamente os ambientes de mudança”,
representando “uma habilidade de encontrar novas formas de vantagem competitiva” (p.
515). Essa definição é consistente com a concepção desenvolvida por Helfat & Finkelstein
Mitchell & Peteraf & Singh & Teece & Winter (2007) e Augier & Teece (2009), que
compreendem a capacidade dinâmica como a competência da organização de
propositadamente estender, criar ou modificar sua base de recursos. As definições de Teece
& Pisano (1994), Helfat et al. (2007) e Augier & Teece (2009) são congruentes, na medida
em que associam capacidade dinâmica à expansão da base de recursos organizacionais,
concepção esta compartilhada por vários outros autores, tais como Kogut & Zander (1992)
e Amit & Schoemaker (1993).
Eisenhardt & Martin (2000) assumem de forma distinta da ideia adotada pela
Resource Based View (RBV) 5 de que os recursos e capacidades são idiossincráticos e
5
Eisenhardt & Martin (2000, p. 1106), acompanhando outros autores que tentam estender a RBV a situações
de mercado dinâmico, atentam para o fato de que a RBV não consegue explicar adequadamente como e por
que certas firmas alcançam a vantagem competitiva em situações de mudança rápida e imprevista. E, apesar
de reconhecerem a relevância da RBV, concordam que essa teoria tem sido desafiada e até mesmo
reconhecida como “conceitualmente vaga, tautológica e desatenta aos mecanismos pelos quais os recursos de
fato contribuem para a vantagem competitiva”.
54
específicos da firma, que as capacidades consistem de processos e estratégias
organizacionais que criam valor para a firma em situações de mercados dinâmicos,
manipulando os recursos para a criação de novas estratégias organizacionais. Na
abordagem das capacidades dinâmicas, estas se apresentam como pontos comuns entre
firmas eficazes, o que tem sido denominado de “melhores práticas”, e apresentam as
características de equifinalidade, homogeneidade e substitubilidade entre firmas,
resultando que seu valor não reside na capacidade em si, mas na combinação de recursos
que esta pode criar. Com essas distinções da RBV os autores tomam as capacidades como
embutidas nos processos, definindo-as como “[...] as rotinas organizacionais e estratégicas
por meio das quais as firmas atingem novas configurações de recursos [...]” (Eisenhardt &
Martin, 2000, p. 1106) enquanto o mercado dinamicamente evolui.
Dessa concepção de capacidades como rotinas organizacionais e estratégicas,
Eisenhardt & Martin (2000) observam que o papel das capacidades dinâmicas é integrar
recursos. Por exemplo, nas rotinas de desenvolvimento de produtos (RDP) é comum que os
gerentes combinem uma variedade de habilidades e experiências funcionais para gerar
novas receitas de produtos ou serviços. Nas rotinas de decisão estratégica (RDE), os
gerentes buscam nos vários negócios expertise funcional e pessoal para avaliar e escolher
novas estratégias. Mas o papel das capacidades também pode ser reconfigurar recursos
dentro da firma, como no caso das rotinas de replicação e intermediação de conhecimento
empregadas pelos gerentes para copiar, transferir e recombinar os recursos de
conhecimento dentro da firma. Esse é o caso, por exemplo, de empresas de criação e
design que utilizam vários projetos e design desenvolvidos previamente para criar novos
projetos de produtos.
Outro papel das capacidades relaciona-se ao aperfeiçoamento de recursos nas rotinas
de criação de conhecimento nas quais se constroem novas formas de pensar e novas bases
55
de conhecimento, captando recursos externos para dentro da firma, como, por exemplo,
quando a firma realiza alianças estratégicas com outras empresas com o objetivo de
transferir conhecimento e tecnologia ou quando realiza sourcing de serviços ou de
produção.
Acompanhando as ideias de Eisenhardt & Martin (2000), Makadok (2001) esclarece
que, uma vez que estão embutidas na organização, as capacidades não podem ser
facilmente transferidas entre as organizações. O autor utiliza o exemplo da Intel para se
justificar: caso ocorresse a venda da propriedade da Intel, as patentes dos
microprocessadores, que representam um tipo de recurso, seriam repassadas aos novos
proprietários; entretanto, a habilidade de criar uma nova geração de microprocessadores
não poderia ser transferida com a mesma facilidade sem perder parte significativa de suas
características, senão todas. Em consequência, uma característica fundamental é que as
capacidades não podem ser facilmente adquiridas, elas devem ser construídas (Teece,
Pisano & Shuen, 1997; Makadok, 2001).
As capacidades distinguem-se dos recursos e o seu propósito é realçar a efetividade e
produtividade dos recursos da firma, atuando como ativos intangíveis (Makadok, 2001).
Dado então que as capacidades são ativos intangíveis construídos e que não podem ser
facilmente adquiridos (Makadok, 2001; Teece, Pisano & Shuen, 1997), várias dimensões
das firmas precisam ser trabalhadas para o seu desenvolvimento. Para Teece, Pisano &
Shuen (1997, p. 518), é possível associar essas dimensões a três categorias
interdependentes: os processos desenvolvidos pela firma em seu gerenciamento, as
posições assumidas em relação à posse de seus ativos; e os caminhos traçados em sua
evolução.
A primeira categoria, os processos realizados pela firma que resultam nas
capacidades dinâmicas são aqueles relativos à integração e à coordenação para a eficiência.
56
Dizem respeito também à eficácia da distribuição dos recursos internos e externos da
empresa e à promoção da aprendizagem para que as tarefas sejam executadas de forma
melhor e mais rápida, promovendo contribuições conjuntas para a solução de problemas.
Finalmente, estão ligados aos papéis relativos à reconfiguração da estrutura de ativos da
empresa, por meio de transformações internas e externas. Todos os papéis desempenhados
pelos processos organizacionais representam habilidades organizacionais aprendidas que,
quanto mais frequentemente são executadas, mais pontualmente são examinados e
avaliados o ambiente, o mercado e os concorrentes e mais rapidamente são adequadas para
transformar os ativos antes dos competidores, mais facilmente são realizadas e resultam em
capacidades dinâmicas (Teece & Pisano, 1994; Teece, Pisano & Shuen, 1997).
Quanto à segunda categoria, as posições assumidas em relação à posse de seus ativos,
assume-se que a postura estratégica da firma não é determinada apenas pelo conteúdo dos
seus processos e pelas oportunidades que eles criam, mas também pela posição que seus
ativos internos – representados pelos ativos tecnológicos, ativos complementares (como,
por exemplo, a sua capacidade de comercialização), ativos financeiros, reputacionais,
estruturais – e os ativos externos – representados pelos ativos institucionais, ativos do
mercado e os ativos presentes nas fronteiras organizacionais (clientes, fornecedores,
complementadores) – assumem na determinação das vantagens da firma em determinados
momentos (Teece & Pisano, 1994). O desenvolvimento, a aquisição, a propriedade e as
formas adotadas para proteger, bem como as formas de utilização dos ativos, são
claramente meios de diferenciação entre as firmas, fontes de vantagem competitiva e de
desenvolvimento das capacidades dinâmicas.
O terceiro elemento que compõe as três categorias de fatores citados por Teece,
Pisano & Shuen (1997) como determinante das capacidades dinâmicas são os caminhos
evolucionários que a firma adotou ou herdou ao longo da sua trajetória. Aonde a firma
57
pode ir é uma função das suas posições correntes, frequentemente determinadas pelos
caminhos já percorridos, em relação aos seus ativos tangíveis e intangíveis, e pelos
caminhos que escolher à frente no tempo. Essa noção de caminho ou trajetória dependente
reconhece que a história importa, pois os investimentos prévios da firma e o seu repertório
de rotinas limitam o seu comportamento futuro. Isso ocorre porque a aprendizagem tende a
ser local, ou seja, as oportunidades para aprendizagem estarão mais próximas das
atividades previamente realizadas e a experiência passada de uma empresa condiciona as
alternativas de aprendizagem que a gerência pode perceber. Na análise dos fatores que
determinam as capacidades dinâmicas, observa-se que sua essência reside nos processos
organizacionais moldados pelos ativos (posições) e pelos caminhos evolucionários. Nas
palavras de Teece, Pisano & Shuen (1997, p. 524), “o que a firma pode fazer e aonde pode
ir é determinado por suas posições e caminhos”.
A associação das capacidades dinâmicas a recursos, processos e rotinas
organizacionais e estratégicas também pode ser identificada no argumento de Teece &
Pisano, 1994 que, ao desenvolver estudos no campo da estratégia, propuseram que as
ideias de Nelson & Winter (1982) ajudariam na proposição de uma teoria da firma das
capacidades dinâmicas na qual as rotinas poderiam ser pensadas como as competências da
organização e a empresa como uma entidade com uma gama limitada de capacidades com
base em suas rotinas disponíveis, em outros ativos intangíveis e, claro, em seus ativos
tangíveis (Augier & Teece, 2009). Na definição de capacidades originada das ideias
evolucionárias de Nelson & Winter (1982), as capacidades dinâmicas são tomadas como as
habilidades organizacionais e a firma como uma variedade limitada de capacidades,
baseadas nas suas rotinas disponíveis e em seus ativos tangíveis e intangíveis. As
capacidades representam a forma como os gerentes alteram, integram e recombinam a sua
base de recursos, gerando novas estratégias de criação de valor (Eisenhardt & Martin,
58
2000) e também se relacionam com padrões de ação que podem ser mudados por meio da
busca e dos mecanismos de aprendizado. Augier & Teece (2009) confirmam essa ideia de
busca e aprendizado, afirmando que a firma é uma entidade de busca de lucro, cujas
atividades primárias são construir e proceder ao exploit dos ativos valiosos do
conhecimento, por meio da aprendizagem organizacional.
Adotar a ideia de capacidades como rotinas também reforça o papel da trajetória
dependente na construção das rotinas que emergem de processos desenvolvidos nas
trajetórias específicas da firma (Eisenhardt & Martin, 2000). Entretanto, cabe destacar que,
se por um lado a noção de trajetória dependente enfatiza a interferência da história da firma
na criação das rotinas distintas, por outro, na visão evolucionária, trajetória ou caminhos
são mais acuradamente descritos em termos de mecanismos de aprendizagem, incluindo as
práticas repetidas, a codificação da experiência, os erros e o ritmo da experiência, os quais
guiam a evolução das capacidades dinâmicas. Nesse sentido, caminha-se para a ideia da
firma como uma entidade de criação de conhecimento e aprendizado (Augier & Teece,
2009; Spender, 1996) cujas capacidades dinâmicas manifestam-se nos processos, nas
rotinas e nos mecanismos de aprendizagem.
Essa mesma associação entre as capacidades dinâmicas, rotinas e aprendizagem é
citada por diversos autores, tais como Eisenhardt & Martin (2000), Amit & Schoemaker
(1993) e Kogut & Zander (1992), que em comum definem capacidades dinâmicas como as
rotinas pelas quais os gerentes alteram a base de recursos da firma, adquirindo,
transformando, integrando e recombinando-os para criar novas estratégias de ação.
Descrevem as capacidades dinâmicas como “rotinas para aprender rotinas” (Eisenhardt &
Martin, 2000), “rotinas para gerar conhecimento” (Kogut & Zander, 1992) e ainda como
“rotinas identificáveis e específicas” (Amit & Schoemaker, 1993), adotadas pelas
organizações para explicar o que elas fazem por meio de padrões estáveis de
59
comportamento expressos na estrutura de valores veiculada por regras, procedimentos e
convenções codificados na memória organizacional (Huber, 1991; Nelson & Winter, 1982)
e que caracterizam as reações organizacionais a uma variedade de estímulos internos e
externos do ambiente.
Como memória, as rotinas codificam o conhecimento e as capacidades
organizacionais, configurando-se no locus de acumulação de conhecimento (Levitt &
March, 1988; Nelson & Winter, 1982) representando o componente-chave da
aprendizagem organizacional (Feldman & Pentland, 2003). Uma vez que memorizam e
permitem o acesso à memória de conhecimento da organização, as rotinas são persistentes
e estáveis. Mudar rotinas implica custos, porque existem comprometimentos (Nelson &
Winter, 1982) com vários aspectos organizacionais. Porém, fonte de inércia e
inflexibilidade, as rotinas são concomitantemente uma importante fonte de flexibilidade e
mudança, envolvendo desde a execução de um procedimento conhecido com o propósito
de gerar resultados de valor até as mudanças efetuadas com vistas a promover alterações
no conjunto atual de operações da empresa, com o propósito de gerar resultados futuros
(Feldman & Pentland, 2003).
Logo, Feldman & Pentland (2003), de forma distinta da concepção evolucionária de
Nelson e Winter, partem da ideia de que as rotinas mudam. Ao contrário de apenas
concebê-las como padrões reconhecidos e repetidos de ações interdependentes, esperandose que as firmas se comportem no futuro de acordo com as rotinas já empregadas no
passado dada a improbabilidade de adaptação extremamente flexível do comportamento
das firmas (Nelson & Winter, 1982), reconhecem que as rotinas representam ao mesmo
tempo fonte de inércia e de flexibilidade e de mudança organizacional. Para Feldman &
Pentland (2003, p. 613-4), as rotinas contribuem tanto para a estabilidade quanto para a
60
adaptação, tendo em vista a necessidade de constante transformação dos objetivos das
organizações, pois:
[...] podemos ver as rotinas como um fenômeno enriquecedor. Rotinas são
desempenhadas por pessoas que pensam, sentem e cuidam. Suas reações estão
situadas no contexto institucional, organizacional e pessoal. Suas ações são
motivadas pelo futuro e pelas suas intenções. Elas criam, resistem, se engajam em
conflitos e cedem à dominação. Todas essas forças influenciam a promulgação de
rotinas organizacionais e criam nelas um tremendo potencial de mudança (tradução
nossa).
Desafiando a visão tradicional do entendimento da rotina como indutora da inércia
organizacional, Feldman & Pentland (2003) recomendam a necessidade de uma nova
ontologia construída a partir da ideia de que as rotinas, como outros fenômenos sociais,
contêm em si uma dualidade de estrutura e agência. Nessa visão, uma das partes, a
estrutura, é representada pela ideia abstrata do que é a rotina. A outra, a agência, é
representada por ações específicas, de pessoas específicas, em tempos específicos enquanto
eles estão engajados no fazer de uma rotina organizacional. Estrutura e agência são partes
necessárias de uma rotina, mas nenhuma das duas sozinha é capaz de explicar ou descrever
as rotinas organizacionais. A estrutura é denominada pelos autores de aspecto ostensivo da
rotina, que pode ser tomada como um procedimento operacional padrão, existir como uma
norma taken-for-granted ou possuir um significativo componente de conhecimento tácito
envolvido no procedimento. A agência, ou como denominado pelos autores de aspecto
performático da rotina, pode ser mais bem entendida como a improvisação inerente ao fato
de que qualquer rotina necessita ser ajustada, em graus que variam de pequenos ajustes à
sua total reinvenção, conforme as mudanças do contexto.
Essas improvisações, em geral, levam em consideração as ações tomadas por outros
atores relevantes e os detalhes específicos de cada situação que envolvem a rotina. Logo,
“o aspecto ostensivo é a ideia; o aspecto performático é a promulgação”. Outra relação que
61
ajuda na compreensão dos dois aspectos é que a parte ostensiva é o “saber o que” (know
what) e a parte performática o “saber como” (know-how) (Feldman & Pentland, 2003, p.
102).
A consideração dos aspectos ostensivo e performático da rotina é necessária para a
compreensão do potencial de mudança e aprendizado da rotina. A inclusão do elemento
agência ou do aspecto performático no framework de Feldman & Pentland (2003) significa
que na performance de uma rotina o agente possui a capacidade de relembrar o passado,
imaginar o futuro e responder às circunstâncias do presente. Enquanto as rotinas
organizacionais são comumente percebidas como reedições de comportamentos passados
ou padrões repetidos, reconhecer o aspecto performático implica admitir a capacidade da
rotina de se adaptar a contextos idiossincráticos e mudanças em curso, com reflexos no
significado das ações organizacionais para as realidades futuras. Como resultado, o
movimento entre os aspectos ostensivo e performático torna as rotinas inerentemente
capazes de promover a mudança organizacional endógena. Enquanto as rotinas são
comumente reconhecidas como promotoras da eficiência cognitiva, na medida em que elas
consistem das suas performances e do entendimento dessas performances, elas não apenas
resultam em comportamentos autorreflexivos, como levam a mudanças de comportamento
dos outros membros da organização, resultando em aprendizado e mudança organizacional.
Outra característica das rotinas bastante relevante para o problema desta pesquisa é o
pressuposto de que rotinas são desencadeadas pelos mecanismos de aprendizagem e, assim
sendo, os mecanismos de aprendizagem representam uma variável utilizada para explicar
como as capacidades dinâmicas operam. Dito de outra forma, as capacidades dinâmicas
surgem dos mecanismos de aprendizagem que moldam de forma direta as rotinas
operacionais, guiando a evolução das capacidades dinâmicas (Zollo, 2002; Zollo & Winter,
2002).
62
Entre os mecanismos de aprendizagem estão as práticas repetidas, que auxiliam as
pessoas na compreensão de como rotinas funcionam em dadas situações (Eisenhardt &
Martin, 2000). Pesquisas mostram a existência de associação positiva entre práticas
repetidas e o acúmulo de conhecimento tácito e explícito que resultam na evolução das
capacidades dinâmicas e no aprendizado organizacional (Zollo & Singh apud Eisenhardt &
Martin, 2000). Outro mecanismo de aprendizagem refere-se à codificação da experiência
acumulada pela formalização de procedimentos com o objetivo de facilitar a sua aplicação
e acelerar a execução de rotinas. Com efeito, o know-how da firma documentado é um
importante mecanismo de aprendizado que pode ser articulado, codificado, compartilhado
e internalizado dentro da organização (Kogut & Zander, 1992).
Se, por um lado, repetições e formalização desempenham importante papel no
desenvolvimento das capacidades dinâmicas e no aprendizado, por outro, mais do que os
acertos, os erros contribuem para a evolução das capacidades dinâmicas e do aprendizado
organizacional, porque questionam a adequação das rotinas tomadas como certas. Mais do
que os acertos, os erros podem promover mais atenção dos indivíduos àquilo que é
realizado, contribuindo para desencadear novas formas de fazer o trabalho (Eisenhardt &
Martin, 2000).
Para além destes, destaca-se, ainda, como mecanismo de aprendizagem, o ritmo no
qual as experiências são vivenciadas pelos gestores. Segundo Argote (1999), se as
experiências ocorrerem de forma muito rápida, podem sobrecarregar os gerentes, fazendoos descartar informações válidas. Ou seja, para consolidar a aprendizagem, são necessários
tempo e vivência. De maneira similar, se as experiências são muito irregulares e espaçadas
no tempo, corre-se o risco de que os gerentes esqueçam o que foi previamente aprendido,
resultando em baixo nível de aprendizado acumulado. O ritmo da experimentação gradual
63
e regular, não muito rápida ou muito espaçada no tempo, é o que de fato se constitui um
importante e valioso mecanismo de aprendizado.
Uma outra maneira de explicar os mecanismos de aprendizagem é proposta por
Crossan, Lane & White (1999) em seu modelo 4I’s como um processo dinâmico que
envolve quatro (micro) processos associados, denominados intuição, interpretação,
integração e institucionalização, que ocorrem nos níveis da aprendizagem individual,
grupal e organizacional. Dado o quadro de instabilidade do ambiente, o desafio da
organização é “gerenciar a tensão entre a aprendizagem institucionalizada e os processos
de intuição, interpretação e integração” (Crossan & Berdrow, 2003, p. 1090).
A institucionalização assegura a rotinização das ações e clareza dos objetivos
organizacionais. Nesse tipo de aprendizagem, as ações específicas e os mecanismos
organizacionais se colocam no local correto para assegurar que certas ações ocorram
refletindo um processo de aprendizagem introjetada pelo feedback do que foi vivenciado
pelos indivíduos, grupos e nas instituições organizacionais, apresentando-se nos sistemas,
estruturas, procedimentos e estratégias das organizações. A institucionalização permite a
exploitation, “a produção eficiente dentro de partes do negócio e rotinas bem definidas”.
Os processos de intuição correspondem ao reconhecimento pré-consciente de um padrão
e/ou de possibilidades inerentes em um fluxo pessoal de experiências. A interpretação se
refere à capacidade de explicação de um insight ou de uma ideia própria para outros. E a
integração é um processo de desenvolvimento de entendimentos compartilhados entre
indivíduos e coordenação por meio de ajustamento mútuo permitem a exploration,
“processo igualmente importante, mas menos tangível e concreto” (p. 1090). Os autores
denominam o mecanismo de integração de feed-forward e o mecanismo de
institucionalização de feedback da aprendizagem dos indivíduos, grupos e organizações.
64
Concluído o propósito de rever como a literatura trata as capacidades dinâmicas e o
desdobramento dessas em rotinas e mecanismos de aprendizagem, prossegue este
referencial teórico com a discussão de como essa perspectiva do campo da estratégia
possibilita a compreensão da renovação estratégica. Tal como já mencionado que o termo
renovação estratégica equipara-se à mudança estratégica (Mintzberg & Westley, 1992;
Quinn & Voyer, 2001; Teece, Pisano & Shuen, 1997), com distinções no foco de como é
tomada a mudança, da mesma forma se observa na perspectiva das capacidades dinâmicas
posturas diferentes para a compreensão da renovação estratégica.
Autores como Morecroft, Sanches & Heene (2001), ao tratarem da renovação, focam
no contexto, no “porquê”, preocupando-se com os aspectos que desencadeiam a renovação
estratégica, assumindo que a renovação estratégica é desencadeada tanto por processos
reativos como proativos, podendo estar relacionada às mudanças revolucionárias no
ambiente, como na perspectiva do equilíbrio pontual, ou aos ajustes incrementais,
assumindo a perspectiva do incrementalismo lógico. Outros, focando no processo, no
“como”, avaliam a renovação do ponto de vista do nível de participação no processo de
decisão, argumentando que envolve a alta gerência ou admite uma participação mais ampla
do corpo gerencial. Posição mais recente, defendida por Agarwal & Helfat (2009), assume
a visão integradora da mudança de Pettigrew para defenderem que a renovação estratégica
envolve os aspectos do conteúdo, do processo e ainda inclui o resultado. Partindo de um
framework das capacidades dinâmicas, Agarwal & Helfat (2009) propõem que a renovação
representa um tipo de mudança cujo objetivo é “fazer ou tornar algo como novo” por meio
de um refreshment ou replacement dos atributos que estão danificados, deteriorados,
velhos ou enfraquecidos.
É exatamente o refreshment ou replacement dos atributos (objetivos, produtos,
serviços, recursos e capacidades) que caracteriza o que os autores tomam como renovação
65
estratégica. Eles explicam que podem significar, entre outros aspectos, que a organização
substituiu um tipo de atributo por outro tipo de atributo qualitativamente melhor, que não
restaurou ou reposicionou um atributo em sua forma original. Consideram que o
refreshment ou o replacement pode ser no total ou em parte, no tamanho ou no escopo de
aplicação de um atributo, pode ser em algo que serve no presente, mas que não servirá no
futuro. Por fim, afirmam que a renovação estratégica muitas vezes tem conotação dinâmica
e o refreshment ou o replacement pode ser o primeiro passo que provê uma base para o
crescimento futuro, levando a firma ao desenvolvimento de novas capacidades.
Os significados de refreshment ou replacement de atributos críticos foram
identificados por Agarwal & Helfat (2009) em vários estudos sobre renovação, entre
outros, como o desenvolvimento de capacidades para o reposicionamento do mercado foco
ou da identidade organizacional, como as mudanças repetidas no design de um produto
dominante, no papel da capacidade gerencial dinâmica no timing ou momento adequado de
entrada da firma em uma nova tecnologia que está surgindo para suplantar uma existente,
nas situações de integração e/ou aquisição entre empresas para preencher gaps de
capacidades na adaptação de novas tecnologias, nos investimentos de capital de risco para
melhoria da performance empresarial, na aquisição de novas capacidades no
desenvolvimento de produtos, nas mudanças na estrutura interna da organização para
adaptação às novas demandas do mercado e na recuperação de vantagens desgastadas pela
pesquisa e desenvolvimento (P&D).
Também com o propósito de auxiliar a compreensão do que os autores definem como
refreshment de atributos, apresenta-se um exemplo de renovação estratégica. Admita-se
uma situação hipotética (criada apenas com o intuito de tornar mais claras as explicações
teóricas apresentadas por Agarwal & Helfat) de mudança de atributos promovida pela
Hewlett-Packard (HP) ao substituir o seu notebook de tela de 15’ e 1,5 kg de peso por
66
outro que utiliza a mesma tecnologia, disponibilizando os mesmos recursos e funções,
porém menor, com tela de 11’, mais fino e mais leve, pesando 0,800 kg. Na Tabela 1, os
significados do refreshment são exemplificados para dar mais clareza ao termo.
Tabela 1
Significado teórico e prático do refreshment de atributos
Significado teórico do refreshment
Substituir um tipo de atributo por outro tipo
qualitativamente melhor.
A organização não restaurou ou reposicionou um
atributo em sua forma original.
O refreshment ou replacement pode ser no total ou
em parte, pode ser no tamanho ou no escopo de
aplicação de um atributo, pode ser em algo que
serve no presente, mas que não servirá no futuro.
A renovação estratégica muitas vezes tem uma
conotação dinâmica e o refreshment ou replacement
pode ser o primeiro passo que provê uma base para
o crescimento futuro.
Fonte: elaborado pela autora.
Exemplo de refreshment
O produto é o mesmo notebook, porém menor,
mais leve e mais adequado à demanda do mercado.
Ocorreu uma mudança que fez com que o produto
fosse apresentado como novo.
O notebook de tela de 11’ e 0,800 kg de peso
representa uma renovação que assegura vida útil
ao produto, porém não impede que venha a ser no
futuro substituído por outro produto, que utiliza
uma nova tecnologia, diferente, como os tablets.
Com o surgimento dos tablets, a HP precisa avaliar
sua decisão quanto a continuar renovando o seu
notebook ou entrar no segmento de tablets.
Além de explicar a renovação estratégica pelo aspecto do conteúdo (foco na mudança
de atributos), caracterizando-a como um tipo específico de mudança estratégica, Agarwal
& Helfat (2009) também o fazem explicando-a pelo aspecto do contexto. Assim, tomam
como pressuposto que a renovação estratégica está associada tanto às mudanças
descontínuas como à mudança incremental. Mudanças descontínuas são as decorrentes, por
exemplo, do declínio de determinadas tecnologias ou da alteração da demanda dos clientes.
Elas envolvem o reposicionamento de importantes partes da organização ou da sua
estratégia, afetam a organização no longo prazo e podem acarretar renovação estratégica.
Entretanto, segundo os autores, como poucas firmas são capazes de predizer quando e
como ocorrerão transformações em seu ambiente, como também algumas mudanças no
ambiente externo são difíceis de serem antecipadas ou, ainda, que pode ser difícil para as
organizações gerenciar eficientemente a adaptação porque esta conflita com as rotinas que
67
asseguram a performance corrente e com os objetivos e metas anteriormente estabelecidos
(Nelson & Winter, 2005), uma variedade de exemplos mostra que mudanças descontínuas
no ambiente, no lugar de promover a renovação, levou ao desaparecimento de indústrias
inteiras.
Em outros casos, mesmo quando as empresas submetidas a essas pressões
conseguiram preservar uma base remanescente para continuar as suas operações, as
descontinuidades no ambiente lhes impuseram severos desafios, implicando mudanças
drásticas em várias dimensões, como, por exemplo, no modelo de negócios ou em sua
estrutura organizacional (Agarwal & Helfat, 2009). Diante desses fatos, as pesquisas sobre
renovação estratégica sugerem que, no lugar de reagir às mudanças descontínuas do
ambiente, as firmas podem optar por se renovar continuamente, pelo caminho da mudança
incremental, que as habilita a estarem prontas para as antecipações na forma como as
atividades são conduzidas (Floyd & Lane, 2000). Mas a mudança incremental realizada
proativamente requer uma base regular de processos, regras, rotinas e recursos subjacentes
associados às condições que propiciam a organização a modificar a sua base existente de
recursos.
Essas condições estão estritamente relacionadas à aprendizagem organizacional, uma
vez que implicam a tensão entre aproveitar os recursos existentes e ao mesmo tempo
modificá-los e, como já foi dito, essa ideia de exploitation e exploration é o desafio da
renovação estratégica (Crossan & Berdrow, 2003; Crossan, Lane & White, 2011). Também
indica que no aspecto do seu conteúdo o refreshment dos atributos, exploitation, requer
uma postura de mudanças contínuas, impulsionada pela análise cuidadosa dos contextos
interno e externo que cercam a organização. E que o processo de decisão e implementação
da renovação deve visar à sobrevivência e longevidade da firma, resultantes do equilíbrio
entre a busca do novo, exploration e o refreshment dos recursos existentes, exploitation.
68
Entretanto, as pesquisas sobre a renovação estratégica evidenciam que a tensão entre
a exploitation e exploration tem sido pouco explorada e isso talvez decorra do fato de que
o foco de análise é bastante diversificado, isto é, os estudiosos se dedicam a explicar
variados aspectos da renovação. Por exemplo, alguns pesquisadores dedicaram-se a
compreender a aplicação da renovação estratégica, verificando-a tanto nas firmas maduras
quanto nas inciantes (Burgelman, 1994). Outros identificaram que pode ser conduzida pela
gerência média ou a partir da alta gerência para a base gerencial (O’Reilly & Tushman,
2004). Outros verificaram sua abrangência, constatando-a em processos dentro da firma ou
entre firmas, como, por exemplo, no caso de alianças, joint ventures, parcerias e
licenciamentos para aquisição e/ou desenvolvimento de novas capacidades (O’Reilly &
Tushman, 2008). Os que analisaram a sua extensão ressaltaram que pode limitar-se à firma
ou ser muito ampla, atingindo toda a indústria pela difusão e imitação de novas
tecnologias, modificando o padrão da demanda, ou ocorrer dentro de uma rede de
empresas.
Ratificando a afirmação de que o escopo da renovação estratégica é muito
abrangente, podem ser mencionados alguns exemplos interessantes de estudos reunidos no
número especial do periódico Organization Science (2009). Por exemplo, o estudo de
Tripsas & Gavetti (2009) relaciona a renovação estratégica desencadeada pela mudança
tecnológica implementada em uma organização identificada inicialmente como uma
empresa de fotografia digital e que convergiu para se identificar como uma empresa de
desenvolvimento e fabricação de flash memory para o mercado fotografico. A autora partiu
do pressuposto de que a identidade organizacional desempenha papel de coordenação,
guiando o desenvolvimento de capacidades, a aquisição de conhecimento, a evolução das
rotinas e a proposição de questões sobre o que, como e quando mudar provendo um ponto
69
focal tanto para os insiders como outsiders sobre quais são as ações legítimas a serem
tomadas pela organização.
Tomando que a mudança tecnológia pode desafiar a identidade organizacional, o
interesse da pesquisa de Tripsas & Gavetti (2009) era compreender o relacionamento entre
a identidade e a mudança tecnológica para captar quais os processos de feedback internos
e externos direcionavam a dinâmica da mudança tecnológica ao longo do tempo. As
autoras concluíram que, apesar das pesquisas já revelarem numerosas fontes de inércia em
firmas estabelecidas na exploração de novos domínios tecnológicos, a identidade é uma
peça fundamental do quebra-cabeças e, como essência da organização, direciona e
constrange as ações. As rotinas, procedimentos, filtros de informação, capacidades, base de
conhecimento e crenças refletem a identidade de uma organização. Logo, quando a
mudança de tecnologia desafia a identidade de uma organização ou quando esta pode
violar os credos sobre o que a firma representa, a organização poderá deparar com muitos
obstáculos para a sua adoção.
Melhor entendimento das condições sobre as quais a cognição gerencial, medida em
termos da atenção dada pelo CEO a determinado assunto, faz diferença na renovação
estratégica representada pela entrada de firmas já estabelecidas em um novo mercado foi
objeto de estudo de Eggers & Kaplan (2009). Os autores examinaram o grau no qual essa
cognição opera como uma capacidade gerencial dinâmica na interação com outros fatores
organizacionais. O estudo comparou as medidas da percepção, codificação, interpretação e
foco de tempo e esforço do CEO com as orientações adotadas pelos tomadores de decisão
no nível organizacional, incorporadas nas capacidades, ativos complementares e incentivos
atendidos, para captar o foco do esforço cognitivo do CEO. Foram observados os efeitos
esperados independentes da orientação organizacional e a atenção do CEO em três
dimensões: em direção a uma tecnologia emergente, em direção à tecnologia existente e
70
em direção à indústria afetadada e também consideradas as interações esperadas entre a
atenção do CEO no timing de entrada e a orientação organizacional.
Usando uma medida da atenção do CEO derivada das correspondências da empresas
com os acionistas, Eggers & Kaplan (2009) concluíram que a cognição gerencial é de fato
associada às diferenças no timing de entrada em um novo mercado de produtos. Falar sobre
o explore e o exploit mostrou que os diferentes efeitos da cognição do CEO dependem do
foco da sua atenção: acelera a entrada quando a atenção é direcionada para uma tecnologia
emergente ou para a indústria afetada e reduz a resposta do timing de entrada quando a
atenção é direcionada para a tecnologia existente. Os resultados mostraram também que os
efeitos da atenção para as oportunidades geradas por uma tecnologia emergente são
também dependentes do nível da orientação organizacional (capacidades, ativos
complementares e incentivos recebidos) que a firma possui em direção à indústria afetada.
Quanto mais a firma possui melhores capacidades relacionadas à indústria, mais acelerado
o efeito da atenção do CEO às novas oportunidades, evidenciando que firmas com uma
mesma linha de orientação organizacional podem se mover em diferentes direções se a
atenção dos seus CEOs for diferente. “O efeito da cognição é específico em cada contexto”
(Eggers & Kaplan, 2009, p. 473).
Entre outro estudo publicado no mesmo periódico, Augier & Teece (2009)
apresentam uma discussão teórica sobre o papel que as capacidades dinâmicas
empreendedoras da alta gerência desempenham no processo de renovação estratégica,
essencial para a prosperidade e sobrevivência no longo prazo da firma. Adotando o
framework das capacidades dinâmicas, os autores defendem que a alta gerência possui um
papel distintivo, seja na seleção e/ou desenvolvimento de rotinas e nas escolhas sobre os
investimentos, como na coordenação dos ativos intangíveis para alcançar a eficiência e
retornos apropriados das inovações. Cabe ao gerente empreendedor amplo escopo de
71
tarefas tais como articular objetivos, auxiliar na avaliação das oportunidades, definir a
cultura e construir a confiança, desempenhando um papel crítico nas decisões estratégicas
chave. O gerente empreendedor ainda desempenha papel-chave na realização da seleção de
ativos e na coordenação da atividade econômica, particularmente quando ativos
complementares devem ser desenvolvidos e disponibilizados. Nesse sentido, eles podem
negociar, barganhar, comprar, vender ou trocar investimentos ou ativos internos, realizar
transações com outros proprietários de ativos externos e desenhar e implementar novos
modelos de negócios que definem a arquitetura dos novos negócios (Augier & Teece,
2009, p. 418). Concluem que o papel do gerente empreendedor é introduzir inovações e
buscar novas combinações e o seu esforço promove e molda a aprendizagem
organizacional.
Todas essas funções representam a essência das capacidades dinâmicas e são críticas
na teoria da gestão estratégica ou nas abordagens da renovação estratégica. Augier &
Teece (2009, p. 418) sugerem, ainda, que também se tornem centrais na teorica econômica,
qua não as consideram com tal dimensão de importância. Finalizando, afirmam que o
framework das capacidades dinâmicas identifica insights para novas pesquisas em
aprendizagem e para o papel dos líderes e gerentes na performance empresarial,
fornecendo um guia para o entendimento das organizações complexas e das práticas
gerenciais contemporâneas em empresas de alta performance, na medida em que esse
paradigma vê as firmas como incubadoras e repositórios de ativos especializados difíceis
de serem replicados.
Outro estudo desenvolvido por Capron & Mitchell (2009) avaliou a habilidade de
selecionar novos modos de sourcing de capacidades como meio para atender aos gaps
identificados de capacidades. Partiram do argumento de que as firmas precisam conhecer
as condições sobre as quais o desenvolvimento interno ou o sourcing externo será o mais
72
apropriado na busca por novas capacidades que assegurem a renovação estratégica. Os
estudiodos estão começando a compreeender que a renovação estratégica pode ser
alcançada pela implementação de mudanças ou, mais fundamentalmente, pela habilidade
da firma em realizar ao mesmo tempo os modos de mudança interna e externa. A mudança
interna permite à firma o exploit e proteção do seu conhecimento específico enquanto
também coordena o desenvolvimento das suas atividades. Em paralelo, o sourcing externo
de novas capacidades por meio de aquisições, alianças e compra de contratos preserva a
firma da obsolescência e resolve o problema da inércia organizacional (Capron & Mitchell,
2009). Para os autores, as firmas que levam em consideração restrições baseadas em suas
capacidades e o contexto social interno na escolha do modo de desenvolvimento de novas
capacidades (interno, sourcing) são mais efetivas no desenvolvimento de novas
capacidades e, em consequência, sobreviveriam mais que aquelas que não levam em
consideração tais restrições.
Esse argumento foi testado na indústria de telecomunicações, que no período de 2000
a 2005 enfrentou rápidas mudanças industriais, incluindo desregulamentação, competição
por preços, convergência tecnológica e globalização do cenário competitivo, apresentandose como adequado para avaliar as decisões sobre a solução adotada no gap de capacidades.
O modelo da pesquisa salienta que o uso de desenvolvimento interno versus sourcing
externo baseado no gap de capacidades foi medido pelo gap de capacidade técnica e gap
de capacidade de marketing. O uso de desenvolvimento interno versus sourcing externo
baseado nos atritos internos da firma foi medido pelas capacidades pretendidas pelos
sistemas internos e a aceitação social das capacidades pretendidas. Os resultados mostram
que as firmas escolhem o desenvolvimento interno quando os gaps de capacidade são
relativos às capacidades técnicas e de marketing.
73
Uma hipótese parcialmente confirmada foi de que as firmas escolhem o
desenvolvimento interno quando elas esperam que as novas capacidades se encaixem nos
seus sistemas internos. Em oposição a essa situação, os dados enfatizaram que as firmas
que adotaram o desenvolvimento interno e que enfrentaram baixa aceitação social entre os
seus membros foram mais bem-sucedidas no desenvolvimento de novas capacidades que
as que usaram o desenvolvimento interno somente em projetos que não criavam conflitos
sociais. Ou seja, “dar muita atenção para evitar o conflito pode reduzir a habilidade da
firma em renovar as suas capacidades internas” (Capron & Mitchell, 2009, p. 306). Das
variáveis de controle que influenciaram a sobrevivência das firmas, os autores concluíram
que as firmas mais velhas, com altos níveis de investimentos em marketing e aquelas de
propriedade estatal são as que apresentam mais possibilidade de sobrevivência.
Salvato (2009), de forma contrária à interpretação prevalente das capacidades como
um construto coletivo ligado ao nível organizacional e diretamente relacionado à vantagem
competitiva da firma, propôs que o entendimento das habilidades da firma em
sistematicamente renovar suas estratégias e capacidades subjacentes ocorra no nível das
ações cotidianas dos indivíduos tomados como unidade de análise. O foco no indivíduo, no
seu entendimento, permite uma explicação mais fiel do que sejam as capacidades
dinâmicas e como evoluem e, em última análise, uma explicação das variações na
performance da firma. Coerente com essa proposta, o autor estudou os microprocessos de
adaptação das capacidades para desenvolvimento de novos produtos em uma firma italiana
de primeira classe em design de mobiliário doméstico. A Alessi evoluiu no período de
1988 a 2002 da condição de fabricante de objetos preciosos de aço inoxidável
desenvolvidos por um número limitado de arquitetos renomados e direcionados a um nicho
específico de mercado para o status de fabricante mundial de incontáveis produtos de
design projetados por mais de 200 designers em diferentes materiais, estilos, cores e
74
tecnologias. O argumento do autor é que investigar as capacidades e as rotinas subjacentes
de acordo com a definição tradicional de rotinas de Nelson & Winter, (1982) como
sequências semiautônomas de ações individuais “oferece um ponto de vantagem detalhada
e fundamentada da compreensão da sua evolução e a origem das mutações pode ser
atribuída a agentes específicos, ações e conjunturas” (Salvato, 2009, p. 386).
De fato, os resultados que emergiram da pesquisa sugeriram que a rendição à visão
tradicional na literatura das capacidades
no nível da
organização pode ser
significativamente melhorada pela inclusão das ações cotidianas desempenhadas pelos
indivíduos e em torno da organização, revelando as fontes reais de renovação e de
vantagem competitiva. Os achados sugerem que as micro e ordinárias atividades
desempenhadas pelos indivíduos dentro e em torno da organização, em todos os níveis da
hierarquia organizacional, são centrais para determinar o conteúdo idiossincrático das
capacidades e a sua dinâmica de adaptação ao longo do tempo.
Observa-se que em todos os estudos reunidos pela Organization Science a renovação
estratégica foi tratada segundo o framework das capacidades dinâmicas e entendida, tal
como propõem Agarwal & Helfat, (2009, p. 282), como o “reposicionamento de atributos
de uma organização que possuem o potencial de afetá-la no longo prazo”, portanto,
diretamente associado à longevidade da organização. Vários outros aspectos explorados
nos estudos da OS interessam diretamente ao objeto de estudo desta pesquisa e são
destacados neste referencial. Os destaques identificam, entre outros, que:
a) Os autores tomam as capacidades dinâmicas como rotinas, que se modificam pelo
aprendizado;
b) confirmam a grande abrangência do escopo e conteúdo da renovação estratégica,
mostrando entre os aspectos que a desencadeiam a mudança tecnológia que pode
75
levar à mudança da identidade organizacional contida em suas rotinas,
procedimentos e base de conhecimento;
c) quando a renovação toma o significado da adoção da estratégia de diversificação,
exemplicada nos estudos pela entrada em um novo mercado de produtos, um tipo
de movimento explore, o timing de entrada, é definido pela cognição gerencial
como a atenção dada pelo CEO ao tipo de tecnologia ou tipo de indústria afetados.
A cognição gerencial afetada por alto grau de atenção acelera a adoção de
tecnologias emergentes e, quando afetada por reduzido grau de atenção, retarda a
adaptação a uma tecnologia já existente. Quanto mais a firma possui melhores
capacidades relacionadas à indústria afetada, mais acelerado o efeito da atenção do
CEO às novas oportunidades. Na renovação estratégica, o efeito da cognição, ou
grau de atenção do CEO, é específico em cada contexto;.
d) os estudos revelam um papel distintivo da alta gerência na essência das
capacidades dinâmicas críticas para a renovação estratégica. Esse papel é
relacionado à
seleção, desenvolvimento
de rotinas, escolhas sobre os
investimentos, coordenação dos ativos intangíveis, articulação de objetivos,
avaliação das oportunidades, definição da cultura e construção da confiança;
e) os estudos também realçam que, além da habilidade de explorar as suas
capacidades internas, a habilidade da gerência em buscar no sourcing externo
novas capacidades por meio de aquisições, alianças e compra de contratos preserva
a firma da obsolescência, quebra a inércia organizacional e resulta na renovação
estratégica;
f) finalmente, os estudos descortinam para uma nova visão de que também as
capacidades dinâmicas tomadas como as atividades micro e ordinárias
desempenhadas pelos indivíduos são centrais para determinar o conteúdo
76
idiossincrático das capacidades e a sua dinâmica de adaptação ao longo do tempo
das organizações.
Para ratificar as conclusões e análise dos estudos sobre a renovação estratégica
reunidos na OS, a Tabela 2 apresenta uma síntese dos tipos de renovação estratégica ou dos
fatores desencadeadores considerados em cada trabalho, os aspectos do processo de
renovação que foram objeto em cada estudo, com os principais resultados obtidos.
77
Tabela 2
Tipos, aspectos relacionados e resultados associados ao processo de renovação - continua
Estudo Tipo de renovação
estratégica/fator
desencadeador
Tripsas & Tipo de RE:
Gavetti mudança
de
(2009) identidade
organizacional.
FD:
mudança
tecnológica.
Eggers & Tipo de RE:
Kaplan entrada de firmas
(2009) já estabelecidas
em um novo
mercado.
FD: avaliação do
timing de entrada
em um novo
mercado.
Augier & Tipo de RE: não
Teece
identifica
um
(2009
tipo. A RE é
apenas indicada
como essencial
para
a
prosperidade
e
sobrevivência no
longo prazo da
firma.
Aspectos relacionados à RE
Resultados
Relacionamento
entre
a
identidade e a mudança
tecnológica.
Identificar quais os processos
de feedback internos e
externos direcionavam a
dinâmica
da
mudança
tecnológica ao longo do
tempo.
As rotinas, procedimentos, filtros de informação,
capacidades, base de conhecimento e crenças
refletem a identidade de uma organização.
A identidade é uma peça fundamental do quebracabeças e como essência da organização direciona e
constrange as ações de mudança.
Quando a mudança de tecnologia desafia a
identidade de uma organização ou quando pode
violar os credos sobre o que a firma representa, a
organização poderá deparar com muitos obstáculos
para a sua adoção.
A cognição gerencial é de fato associada às
diferenças no timing de entrada em um novo
mercado de produtos.
Os diferentes efeitos da cognição do CEO
dependem do foco da sua atenção: aceleram a
entrada quando a atenção é direcionada para uma
tecnologia emergente ou a indústria afetada e
reduzem a resposta do timing de entrada quando a
atenção é direcionada à tecnologia existente.
Os efeitos da atenção para as oportunidades geradas
por uma tecnologia emergente são também
dependentes do nível da orientação organizacional
(capacidades, ativos complementares e incentivos
recebidos) que a firma possui em direção à indústria
afetada. Quanto mais a firma possui melhores
capacidades relacionadas à indústria, mais acelerado
o efeito da atenção do CEO às novas oportunidades.
Firmas com uma mesma linha de orientação
organizacional podem se mover em diferentes
direções se a atenção dos seus CEOs for diferente.
“O efeito da cognição é específico em cada
contexto”.
Condições sob as quais a
cognição gerencial, medida
em termos da atenção dada
pelo CEO a um determinado
assunto, faz diferença na
renovação estratégica.
A cognição gerencial opera
como
uma
capacidade
gerencial
dinâmica
na
interação com outros fatores
organizacionais.
O estudo comparou as
medidas
da
percepção,
codificação, interpretação e
foco de tempo e esforço do
CEO com as orientações
adotadas pelos tomadores de
decisão
no
nível
organizacional, incorporadas
nas
capacidades,
ativos
complementares e incentivos
atendidos, para captar o foco
do esforço cognitivo do CEO.
Papel que as capacidades
dinâmicas empreendedoras da
alta gerência desempenham
no processo de renovação
estratégica.
O papel do gerente empreendedor relaciona-se à
seleção e/ou desenvolvimento de rotinas, escolhas
sobre os investimentos, coordenação de ativos
intangíveis para alcançar a eficiência e retornos
apropriados das inovações. O papel do gerente
empreendedor é introduzir inovações e buscar novas
combinações e o seu esforço promove e molda a
aprendizagem organizacional. O framework das
capacidades dinâmicas sugere insights para novas
pesquisas em aprendizagem e para o papel dos
líderes e gerentes na performance empresarial,
fornecendo um guia para o entendimento das
organizações complexas e das práticas gerenciais
contemporâneas em empresas de alta performance
na medida em que esse paradigma vê as firmas
como incubadoras e repositórios de ativos
especializados difíceis de serem replicados.
78
Tabela 2
Tipos, aspectos relacionados e resultados associados ao processo de renovação - conclui
Estudo Tipo de renovação
estratégica/fator
desencadeador
Capron & Tipo de RE:
Mitchell desenvolvimento
(2009) de
novas
capacidades.
FD: gaps de
capacidades.
Salvato
(2009)
Tipo de RE:
adaptação
das
capacidades para
desenvolvimento
de
novos
produtos.
Aspectos relacionados à RE
Resultados
Condições sob as quais o
desenvolvimento interno ou o
sourcing externo será o mais
apropriado na busca por
novas
capacidades
que
assegurem
a
renovação
estratégica.
Habilidade da firma de
realizar ao mesmo tempo os
modos de mudança interna e
externa.
Firmas
que
conseguem
equilíbrio
entre
o
desenvolvimento interno e o
sourcing externo podem
renovar as suas capacidades
de modo mais efetivo e obter
ganhos de performance no
longo prazo.
Investigar as capacidades e as
rotinas subjacentes de acordo
com a definição tradicional de
rotinas de Nelson & Winter,
(1982) como sequências
semiautônomas de ações
individuais oferece um ponto
de vantagem detalhada e
fundamentada
da
compreensão da sua evolução
e a origem das mutações pode
ser atribuída a agentes
específicos,
ações
e
conjunturas.
As firmas escolhem o desenvolvimento interno
quando os gaps de capacidade são relativos às
capacidades técnicas e de marketing.
As firmas escolhem o desenvolvimento interno
quando elas esperam que as novas capacidades se
encaixem nos seus sistemas internos.
As firmas que adotaram o desenvolvimento interno
e que enfrentaram baixa aceitação social entre os
seus membros foram mais bem-sucedidas no
desenvolvimento de novas capacidades do que as
que usaram o desenvolvimento interno somente em
projetos que não criavam conflitos sociais.
Dar muita atenção para evitar o conflito pode
reduzir a habilidade da firma em renovar as suas
capacidades internas.
As firmas mais velhas, com altos níveis de
investimentos em marketing e as de propriedade
estatal são as que apresentam mais possibilidade de
sobrevivência.
A rendição à visão tradicional na literatura das
capacidades no nível da organização pode ser
significativamente melhorada pela inclusão das
ações cotidianas desempenhadas pelos indivíduos e
em torno da organização, revelando as fontes reais
de renovação e de vantagem competitiva.
As micro e ordinárias atividades desempenhadas
pelos indivíduos dentro e em torno da organização,
em todos os níveis da hierarquia organizacional são
centrais para determinar o conteúdo idiossincrático
das capacidades e a sua dinâmica de adaptação ao
longo do tempo.
RE: renovação estratégica; FD: fator desencadeador.
Fonte: elaboração da autora.
Um último aspecto a se destacar no conjunto dos estudos da Organization Science
diz respeito à concepção da renovação estratégica como um fenômeno ao qual o conteúdo
e o processo de estratégia estão fortemente relacionados, envolvendo múltiplas dimensões,
entre elas a competição, as capacidades, a estrutura organizacional e a tomada e
implementação da decisão estratégica. Reconhecendo essa complexidade, Crossan &
Berdrow (2003) são assertivos ao afirmarem que a renovação estratégica envolve todos os
79
aspectos da cadeia de valor da empresa, caracterizando-se como um fenômeno complexo,
um tipo de mudança que envolve aspectos de conteúdo – o que mudar –, de processo –
como mudar – e de contexto – o porquê da mudança.
A partir desses elementos e para que se construa um entendimento sobre o que de
fato representa a renovação estratégica, Agarwal & Helfat (2009, p. 282) enumeram e
explicam as suas três características: a) atributos; b) processo, conteúdo e resultado; c)
objetivos. A primeira característica da renovação estratégica diz respeito a quais atributos
apresentam potencial de afetar estrategicamente a empresa no longo prazo. Apesar de se
reconhecer que os tipos de atributos que são relevantes dependem de situações específicas
em cada organização (Agarwal & Helfat, 2009), uma longa lista foi sugerida por Rumelt &
Schendel & Teece (1994), incluindo os objetivos, produtos e serviços, políticas, escopo e
diversificação do negócio, estrutura organizacional, sistemas administrativos e políticas de
coordenação do trabalho. Essa lista, mais recentemente, foi acrescida pelos então
denominados recursos críticos representados pelos ativos tangíveis e intangíveis,
capacidades, rotinas, processos e pessoas. A reputação é outro atributo incorporado à lista,
uma vez que as relações da empresa com clientes e fornecedores tanto podem criar
oportunidades como representarem ameaças que afetam as organizações para o sucesso
futuro.
A segunda característica da renovação estratégica mencionada por Agarwal & Helfat
(2009) diz respeito ao fato de que ela inclui o processo, o conteúdo e os resultados.
Exemplificando cada um desses elementos, pode-se pensar que:
a) O processo é definido como a decisão e o ato de renovar. Envolve quem toma a
decisão, o nível gerencial que decide, a abrangência da sua implementação e os
fatores desencadeadores da decisão de renovar. Nos estudos sobre renovação
80
estratégica, verificou-se que o processo pode ser conduzido pela gerência média ou
a partir da alta gerência para a base gerencial. Aplica-se tanto às firmas maduras
quanto às inciantes. Verifica-se a sua ocorrência em processos dentro da firma ou
entre as firmas. Pode relacionar-se às mudanças descontínuas do ambiente ou
decorrrer das mudanças incrementais (Burgelman, 1994; O’Reilly & Tushman,
2004; O’Reilly & Tushman, 2008)
b) O conteúdo refere-se à mudança de qualidade dos atributos.
Um exemplo de
mudança de qualidade dos atributos pode ser representado pela mudança na base de
conhecimento de uma organização, como, por exemplo, a que ocorreu na telefonia
móvel, que migrou da tecnologia analógica para a tecnologia digital.
c) E, finalmente, os resultados referem-se a algo que foi renovado. Por exemplo, a
sobrevivência de uma grande organização que se adaptou a uma mudança
tecnológica representaria o resultado da renovação estratégica. Pode-se pensar
também na conquista de uma vantagem competitiva sustentável, na longevidade de
um determinado tipo de organização, entre outros resultados.
Os autores explicam, enfim, que a terceira característica, o objetivo da renovação
estratégica, é a criação de uma base para o crescimento futuro ou desenvolvimento da
organização. Conclui-se, então, o entendimento do que vem a ser renovação estratégica
com a afirmação de Agarwal & Helfat (2009, p. 282): “inclui o processo, o conteúdo e os
resultados da renovação ou substituição dos atributos de uma organização que possuem o
potencial de lhe afetar substancialmente no longo prazo”. Nesse sentido, requer a
compreensão de que o conteúdo, os processos e os resultados operam de forma
concomitantemente.
81
Com esta terceira subseção finaliza-se o referencial teórico, que buscou demonstrar o
argumento de que existe convergência entre as temáticas das capacidades dinâmicas, no
campo da estratégia organizacional, e da aprendizagem organizacional, no campo dos
estudos organizacionais, sendo essa convergência útil ao entendimento da renovação
estratégica. Constatou-se que existe relação direta entre as duas temáticas pela variável
rotinas, que, por sua vez, são impulsionadas pelos mecanismos de aprendizagem. Defendese também o argumento de que, para entender como ocorre a renovação estratégica, é
necessário considerá-la em suas características de processo, conteúdo e resultados, os quais
atuam de forma concomitante.
82
3 Metodologia
O presente capítulo apresenta a estrutura da investigação empírica que abordou a
trajetória de empresas familiares, visando responder à questão: como a renovação
estratégica de empresas familiares está relacionada ao aprendizado organizacional?
Desse modo, detalha-se a metodologia empregada em duas seções. A primeira,
denominada de Abordagem de pesquisa, justifica a opção pela pesquisa qualitativa,
descreve o tipo de estudo realizado e apresenta a seleção do objeto empírico pesquisado.
Após essa apresentação, a segunda seção, intitulada Quadro analítico da pesquisa, relata
o processo de coleta e análise de dados, delineando o framework conceitual de pesquisa e
todas as etapas e técnicas empregadas na apreciação dos dados.
3.1 Abordagem de pesquisa
Ao longo da discussão apresentada no referencial teórico, constatou-se que a
renovação estratégica é um fenômeno complexo, envolvendo múltiplos e interrelacionados aspectos. Por essa razão, acreditou-se ser necessário abordar a trajetória das
empresas familiares, compreendendo a renovação estratégica a partir do contexto,
processo, conteúdo e resultados. Conforme relatado no referencial teórico, os aspectos do
âmbito da renovação estratégica são representados pelos elementos do ambiente externo,
que atuam na forma de oportunidade e/ou ameaças.
O processo envolve o nível gerencial que decide, podendo ser conduzido pela
gerência média ou a partir da alta gerência para a base gerencial, a abrangência, aplicandose tanto às firmas maduras quanto às inciantes, dentro da firma ou entre as firmas, e os
fatores desencadeadores relacionados tanto às mudanças descontínuas do ambiente ou no
83
decorrrer das mudanças incrementais. O conteúdo refere-se à mudança de qualidade dos
atributos e os resultados referem-se a algo que foi renovado.
Explicou-se que processo e conteúdo atuam de forma concomitante e levam as
organizações a algum resultado, entre eles a longevidade das organizações. Defendeu -se o
argumento de que esse conjunto, ou seja, as relações entre contexto, processo, conteúdo e
resultados podem significar renovação estratégica. E esta, por seu turno, estar relacionada à
aprendizagem organizacional. Esse conjunto de situações formado por diversos elementos
distintos e inter-relacionados levou à escolha da abordagem metodológica de natureza
qualitativa. Isso porque os estudos qualitativos são capazes de aprofundar nos detalhes,
descrever minúcias e buscar explicações mais profundas e integradas das mudanças
estratégicas.
A renovação estratégica, se compreendida pela trajetória das organizações, como
proposto nesta pesquisa, traz à tona diferentes fatores que estão envolvidos na história das
empresas e que são responsáveis por mudanças que ocorreram ao longo da existência das
mesmas. Desse modo, preservar a cronologia dos fatos é imprescindível para compreender
com mais acurácia quais eventos, situações e pessoas levam a quais consequências. Neste
sentido, é mediante a metodologia qualitativa que se consegue revelar com mais riqueza
como diferentes aspectos da história se entrelaçam e se desenvolvem ao longo do tempo
(Miles & Huberman, 1994).
Conforme Godoy (1995), quatro aspectos são típicos dos estudos qualitativos. O
primeiro diz respeito ao locus da pesquisa, isto é onde é realizada a coleta de dados. O
ambiente natural das empresas se constituiu como fonte direta dos dados coletados e, assim
sendo, a coleta dos dados se deu em contato direto com os gestores das empresas
selecionadas como objeto de estudo. A sede de duas empresas, a HASA e a Delp, situa-se
84
no município de Vespasiano-MG e a da terceira, a PUR, em Contagem-MG, onde foram
realizadas as entrevistas.
Além dessas, uma entrevista foi realizada na residência de um dos informantes, na
região centro-sul de Belo Horizonte. O segundo aspecto refere-se à natureza descritiva da
pesquisa. A pesquisa aqui realizada preenche esse critério, uma vez que foram
empreendidos esforços no sentido de recuperar a história das empresas estudadas a partir
do ponto de vista dos protagonistas que a vivenciaram. Assim, o terceiro aspecto, o qual
remete ao foco da análise, diz respeito a quanto o investigador dá atenção aos significados
que as pessoas atribuem às diversas situações vivenciadas.
Neste estudo, buscou-se apreender dos respondentes a sua percepção de como as
mudanças na trajetória das empresas foram ocorrendo, modificando e criando as condições
para a longevidade das mesmas. Nesse sentido, esteve presente o quarto aspecto, o qual
está relacionado ao enfoque indutivo no tratamento e análise dos dados, postura assumida
pela pesquisadora desta pesquisa na fase de tratamento e análise dos dados.
Cabe destacar que a pesquisa qualitativa é conduzida por meio de intensivo contato
com o campo e o papel do pesquisador é ganhar uma visão holística, sistêmica e integrada
do fenômeno que se quer compreender (Yin, 1981). Essas condições foram essenciais para
atender ao objetivo da pesquisa de estudar a longevidade das empresas familiares,
buscando a compreensão da orientação estratégica adotada e das escolhas efetuadas pelos
gestores das organizações familiares. Ao longo da descrição qualitativa procurou-se
identificar se a trajetória das organizações guardava possíveis relações com a
aprendizagem organizacional. Realizou-se um tipo de pesquisa que, além de envolver um
caráter descritivo, visou também identificar a existência de mecanismos causais
responsáveis pela longevidade das empresas. Desse modo, esta pesquisa também se
classifica como explicativa.
85
A explicação científica se ocupa de uma faixa de definições bastante estreita,
relacionando-se em geral a sustentar uma reivindicação ou estabelecer uma relação entre
precedência e resultados. A explicação causal é uma descrição concatenada, colocando
fatos, situações e pessoas em relações umas com as outras. Explicar apresenta-se de forma
sempre aberta e dependente de certas condições; é parcial, aproximado, inconclusivo,
incerto e tipicamente limitado a cenários específicos (Miles & Huberman, 1994).
Apreende-se que a pesquisa explicativa pode assumir a forma de explicações intencionais,
ou seja, dependente de objetivos individuais, servindo a uma função, ou assumir a forma
de uma explicação histórica, na qual se dá sentido a uma série de eventos. Este último
formato foi aqui adotado pela estratégia de sumarizar a trajetória das empresas em fases
demarcadas pelos eventos de mudança, para os quais se intentou identificar os mecanismos
causais.
Em síntese, esta pesquisa classifica-se como descritiva e explicativa, abordando os
processos que contribuíram para a longevidade das empresas familiares, a partir da
identificação de relações de causalidade entre esses processos. Para tal, o método adotado
foi o estudo de casos múltiplos, mantendo a coerência da escolha de um método de
pesquisa tipicamente qualitativo, com a abordagem escolhida para a pesquisa.
A opção pelo estudo de casos múltiplos é bastante adequada quando os limites entre
o fenômeno e o seu panorama não estão claramente definidos (Yin, 1981), como, por
exemplo, os casos sobre empresas familiares as quais reúnem dois sistemas sociais: a
família e os negócios (Bruyne, P. & Herman, J. & Schoutheete, M, 1977). O método do
estudo de casos tem sido recomendado quando se pretende identificar fatores que
contribuem para a ocorrência de um específico fenômeno, como o propósito aqui
perseguido de descrever e explicar a renovação estratégica e suas relações com a
aprendizagem organizacional. Nos estudos de casos, a interação dos fatores é contemplada
86
de tal maneira que o caso passa a ser visto como uma rede de inter-relações que apresenta
um padrão ou tema central que o caracteriza (Greenwood, 1973). A abordagem de casos
múltiplos é um meio no qual se almeja, sistematicamente, comparar os casos para testar os
achados, apresentando-se como opção mais rica pela possibilidade da análise cruzada dos
casos (Yin, 1981). E, ainda, pela ampla possibilidade de levar o pesquisador a refletir
criticamente sobre os procedimentos adotados, sobre os dados coletados e a sua análise,
contribuindo para tornar os resultados mais válidos (Godoy, 1995).
Ao se realizar estudos de múltiplos casos, necessariamente procede-se à análise
comparativa (Yin, 1981), cuja ideia geral é familiarizar-se inicialmente com cada caso
como uma entidade singular, trazendo à tona os padrões únicos de cada caso e, depois,
compará-lo com os demais casos. Concluída a análise interna, segue-se a análise cruzada
dos casos que têm como propósito aumentar a possibilidade de generalização dos
resultados, tornando mais claro se os eventos e processos que foram cuidadosamente
descritos em cada caso particular são ou não idiossincráticos. A análise cruzada possibilita,
ainda, a compreensão dos processos e resultados entre os vários casos, para entender como
eles são qualificados pelas condições locais, permitindo o aprofundamento do
entendimento dos fenômenos e da explanação dos mecanismos causais (Miles &
Huberman, 1994).
Nos estudos de caso múltiplos, a amostragem tem pouca importância, uma vez que o
objetivo é a saturação teórica ou a profundidade do conhecimento (Bonoma, 1985;
Eisenhardt, 1989). Ou seja, os estudos de caso não são realizados com o fim de
generalização estatística, mas de compreensão em profundidade de um fenômeno
específico, possibilitando uma descrição indutiva e rica (Halinen & Törnroos, 2005). O que
se tentou neste estudo foi a compreensão em profundidade da renovação estratégica das
organizações familiares.
87
Como esta pesquisa se propôs a focar empresas familiares longevas, foi necessário
qualificar os casos que seriam objeto de estudo. Definiu-se que as empresas a serem
escolhidas deveriam possuir mais de 40 anos de existência. Esse tempo de existência, além
de representar uma condição de longevidade no ambiente empresarial 6, também tomou por
base um tempo considerado mínimo para atender à opinião de diferentes autores (Davel,
Silva & Fischer, 2000; Davis, 2004; Donnelley, 1987; Lanzana & Constanzi, 1999;
Oliveira, 1999; Sharma, Christman & Chua, 1997) de que caracteriza o status de empresa
familiar o fato de que já tenha superado a transição de duas ou mais gerações de uma
mesma família.
Definido o critério de tempo de existência, foram realizadas consultas a vários
órgãos, entidades e bases de dados, confirmando-se uma situação já conhecida da
inexistência de dados secundários que permitiam identificar na região metropolitana de
Belo Horizonte (RMBH) esse tipo de empresa. Para sanar a ausência de informações,
partiu-se dos dados disponibilizados pela Federação das Indústrias de Minas Gerais
(FIEMG) sobre a indústria mineira, para chegar às empresas que atendiam aos critérios
definidos e à delimitação do objeto empírico, descritos a seguir.
3.1.1 Delimitação do objeto empírico
Para a seleção dos casos não é necessário que a escolha seja randômica, mas que não
seja improvisada. Nesse sentido, a escolha dos casos tomou como referência as
informações do Catálogo Industrial do ano de 2011, elaborado pela Federação das
Indústrias do Estado de Minas Gerais (2011), reunindo informações de 16.602 empresas,
6
Segundo Oliveira (1999), a vida média das empresas americanas não familiares é de 45 anos, enquanto a
das vidas familiares é de 24 anos. No Brasil, os dados mostram outra realidade, a vida média das empresas
não familiares é de 12 anos e das empresas familiares é de nove anos, sendo que somente 30% das empresas
familiares passam para a segunda geração e apenas 5% passam para a terceira geração.
88
classificadas em 77 setores de atuação. Como se pretendia realizar uma análise
comparativa de casos, era desejável que fossem selecionadas empresas em um único setor
ou que pelo menos guardassem entre si aspectos que permitissem a comparação.
Inicialmente, procurou-se classificar as empresas de cada setor quanto ao porte e essa
classificação já estava disponível na base de dados FIEMG, segundo o critério de
classificação definido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Pequenas e Microempresas
(SEBRAE), por número de funcionários. Interessavam à pesquisa organizações de médio e
grande porte, grupo no qual se esperava encontrar empresas com mais longevidade, dada a
influência do tamanho na sua sobrevivência. Constatou-se que, do total das empresas
mineiras, apenas 651 (4%) são de porte médio e 138 (1%) de grande porte. Era então
esperado que o número de empresas que atenderiam aos critérios prévios quanto ao porte
seria reduzido. Ao analisar os 5% do total das empresas, entre as de grande e médio porte
incluíam-se empresas multinacionais, estatais e outras que fugiam à condição de terem
crescido, sobreviveram e se mantinham como empresas familiares (Tabela 3).
Tabela 3
Total de empresas mineiras por porte
Porte
No. de empresas
Micro
11.741
Pequena
4.072
Média
651
Grande
138
Total
16.602
Fonte: Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (2011).
%
71%
25%
4%
1%
100%
Em seguida, procedeu-se à identificação na base de dados FIEMG dos setores
econômicos com representativa participação no cenário industrial do estado de Minas
Gerais, definido como os setores que reunissem, em todo o estado, mais de 100 empresas.
89
Chegou-se ao resultado de que 36 setores são mais representativos na indústria mineira,
com 15.950 empresas (Tabela 4).
Tabela 4
Setores da indústria mineira mais representativos quanto ao número de empresas
Ord.
Setor de atividade
1 Fabricação de produtos alimentícios
2 Confecções
3 Reparação de veículos automotores e motocicletas
4 Impressão e reprodução gráfica
5 Fabricação de móveis
6 Serviços diversos
7 Fabricação de produtos minerais não metálicos
8 Preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados
9 Extração de minerais não metálicos
10 Atividades de serviços de TI
11 Reparação e manutenção de equipamentos de informática
12 Fabricação de produtos de borracha e material plástico
13 Fabricação de estruturas metálicas
14 Laticínios
15 Fabricação de artefatos de concreto
16 Fabricação de produtos de metal, exceto máquinas
17 Fabricação de produtos químicos
18 Manutenção, reparação e instalação de máquinas e equipamentos
19 Fabricação de produtos de madeira
20 Construção
21 Serviços especializados para a construção
22 Fabricação de bebidas
23 Fabricação de artigos de cutelaria, serralheria
24 Fabricação de máquinas e equipamentos
25 Fabricação de produtos têxteis
26 Fabricação de produtos automotores, reboques
27 Fabricação de equipamentos de informática
28 Fabricação de máquinas, equipamentos e materiais
29 Fabricação de celulose e papel
30 Fundição
31 Lapidação de gemas e fabricação de artefatos de artefatos de ourivesaria e joalheria
32 Obras de infraestrutura
33 Turismo
34 Torrefação e moagem de café
35 Fabricação de diversos
36 Totais
TI: tecnologia da informação.
Fonte: Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (2011).
No de
empresas
2.132
1.748
1.529
861
797
760
628
613
483
477
406
402
397
397
370
353
317
307
296
294
294
226
214
200
169
149
147
143
132
125
125
117
116
115
111
15.950
Cuidadosa análise foi realizada em cada um dos 36 setores mais representativos em
número de indústrias, para conhecer as suas características, tipos de empresas e estabelecer
uma aproximação com o setor ou as empresas a serem escolhidas. A escolha do setor
90
adotou o critério de eliminação. Na visão da pesquisadora, o setor econômico que atendeu
de forma mais próxima aos critérios para seleção dos casos foi o de fabricação de
máquinas e equipamentos. Este reúne o total de 200 empresas no estado de Minas Gerais,
sendo 174 de micro e pequenas empresas, 16 médias e duas de grande porte, confirmando
a situação geral da indústria quanto ao porte. Das 18 de médio e grande porte, apenas duas
não se localizam na RMBH e essa proximidade geográfica facilita a coleta de dados. Além
disso, esperava-se que a localização também contribuísse para a receptividade a ser obtida
nas instituições a serem pesquisadas. Também se verificou que 10 das 18 empresas de
médio e grande porte são exportadoras, revelando maior estágio de consolidação e mais
tempo de mercado das empresas do setor.
Até esse ponto conhecia-se o grupo de prováveis empresas que poderiam compor os
casos, mas ainda não se tinha conhecimento de quais delas seriam empresas familiares. A
partir daí, o trabalho consistiu em analisar os nomes das empresas, buscando identificar na
razão social indicativos de propriedade familiar 7. Alguns dos nomes de empresas foram
submetidos a especialistas e empresários que mantêm negócios no setor de máquinas e
equipamentos que ajudaram na confirmação das que seriam organizações familiares e
longevas. As primeiras identificadas nessas condições foram a Horácio Albertini - HASA,
de médio porte, e a Delp Engenharia, de grande porte, que foram contatadas e
imediatamente autorizaram a realização do estudo. Procedeu-se a contatos telefônicos com
as demais empresas listadas e nestes identificou-se a PUR Equipamentos Industriais que,
além de familiar, superava a marca dos 40 anos de existência.
Dessa forma, para a escolha dos casos, o primeiro passo foi conhecer o universo das
empresas industriais mineiras e classificá-las quanto ao porte e setor de atuação. Em
seguida, no setor escolhido, fabricação de máquinas e equipamentos, as empresas foram
7
Esta técnica já havia sido empregada em outras pesquisas sobre empresas familiares (Grzybovski, 2000) e
foi recomendada à pesquisadora pela própria Profa. Dra. Denise Grzybovski, que a utilizou para a montagem
de um banco de dados de empresas familiares no estado do Rio Grande do Sul.
91
contatadas para se confirmar o tempo de existência e as condições que as classificavam
como organizações familiares. Foram consideradas como tal aquelas que foram capazes de
superar a transição de uma geração de gestores, incluindo-se também as que já entraram,
estão em vias ou se preparam para entrar em uma nova geração de gestores. Consideraramse, ainda, aquelas de que a família possuía parcela significativa da propriedade do capital
ou que participasse significativamente na gestão da empresa.
Essas condições foram estabelecidas tomando por base diferentes autores que se
propuseram a esclarecer o conceito de empresa familiar. Destaca-se, por exemplo,
Donnelley (1987), que ressalta o fato de que as ligações familiares que influenciam as
diretrizes empresariais, interesses e objetivos da família, por duas ou mais gerações,
caracterizam o status de empresa familiar. Na visão de Sharma, Christman & Chua (1997)
e Lanzana e Constanzi (1999), mais do que a ligação familiar por duas gerações para
caracterizar uma empresa como familiar, pesam os fatos de que um ou mais membros da
família exercem importante controle administrativo sobre a empresa, além de a família
deter o controle da propriedade ou possuir significativa parcela da propriedade do capital.
Oliveira (1999) distingue a empresa familiar pelo processo de sucessão do poder
decisório de maneira hereditária a partir de uma ou mais famílias. O aspecto da sucessão
ou quando o atual executivo-proprietário tem a intenção de transmitir o controle da
empresa à geração seguinte também é o critério adotado por Davis (2004). Já Davel, Silva
e Fischer (2000) destacam as seguintes características atribuídas às empresas familiares: a)
a família deve possuir propriedades da empresa, seja parcial ou total; b) influenciar nas
diretrizes da gestão estratégica da empresa; c) ter seus valores identificados ou influenciar
os valores da empresa; d) e ter o controle sobre o processo sucessório da empresa.
Logo, a escolha das unidades de análise ocorreu entre as empresas familiares
previamente identificadas no setor de fabricação de máquinas e equipamentos e que
92
atenderam às seguintes condições definidas pela pesquisa: empresas que foram capazes de
superar a transição de uma geração de gestores, incluindo-se também as empresas que já
entraram, estão em vias ou preparam-se para entrar em uma nova geração de gestores;
empresas de que a família possua significativa parcela da propriedade do capital e/ou a
família participe significativamente na gestão da empresa. Foi feita consulta ao site das
empresas (o endereço eletrônico e o número de telefone estão disponíveis nos dados do
cadastro industrial) e realizado contato por e-mail e por telefone para caracterizar o estágio
de desenvolvimento da organização, o nível de participação e as características da atuação
da família na sua gestão e na estrutura de propriedade. O resultado dessa etapa permitiu,
entre outros, caracterizar o grupo de interesse direto da problemática da pesquisa,
definindo-se que o estudo seria feito na HASA, Delp e PUR.
Para o passo seguinte, definir as unidades de observação, considerava-se necessário
que os informantes fossem cuidadosamente selecionados para incluir gestores que
desempenharam, e ainda desempenham, relevante papel na história e na estratégia da
empresa. Para tal, foi necessário conhecer a estrutura organizacional de cada empresa e
identificar quem seriam os entrevistados e o que foi feito no primeiro contato telefônico
com as empresas. Na HASA, apurou-se que a empresa adota estrutura funcional simples,
com um diretor superintendente, um diretor comercial e os gerentes administrativo
financeiro e de produção. Os quatro cargos são ocupados por membros da família, sendo,
respectivamente, o pai, o sobrinho e os filhos. Os dois primeiros (diretores) representam a
segunda geração e os dois últimos (irmãos) a terceira geração da família Albertini. A
entrevista foi agendada com os quatro, mas não foi possível realizá-la com o gerente de
produção, que se encontrava em viagem de estudos fora do Brasil e no período em que
esteve no país não teve como disponibilizar sua agenda. Os demais membros da família
atuantes na empresa e que representam a quarta geração são muito jovens e pouco
93
conhecem da trajetória da empresa, considerando-se que não atenderiam aos critérios de
escolha dos informantes.
Já a estrutura da Delp foi totalmente profissionalizada, com a adoção de um modelo
de governança no qual a família ocupa assentos no conselho de administração. Foram
escolhidos como informantes o fundador e presidente do conselho, uma filha representante
da segunda geração da família Zica, com histórico de atuação em vários momentos e
cargos da empresa. Também, um dos diretores é profissional que participou da implantação
do modelo de governança, além de deter profundo conhecimento da empresa em função de
ter utilizado a própria Delp em pesquisa para a sua dissertação de mestrado. Outros dois
membros da família (filhos) atuam em outros negócios do grupo e, envolvidos com viagens
e outros compromissos, pediram para ser representados pela irmã. Na estrutura existem
ainda um diretor superintendente e um diretor industrial, com pouco tempo de empresa e
de conhecimento da sua trajetória, não justificando que fossem incluídos no grupo de
informantes.
Na PUR detectou-se uma estrutura funcional simples, com a participação da família
nos cargos executivos e gerentes profissionais. O fundador está afastado das suas funções
por problemas de saúde e possibilitou-nos apenas um contato rápido, porém discorreu
sobre alguns aspectos importantes da história da empresa. Indicou como informante o seu
filho, diretor administrativo, e dois gerentes, ambos com longo histórico na empresa. No
total existiram seis níveis de informantes, classificados na Tabela 5.
94
Tabela 5
Os seis níveis de informantes
Cargo/Empresa
Fundador
Sócio e membro do CA
Diretor familiar
Diretor profissional
Gerente familiar
Gerente profissional
Total
Fonte: dados da pesquisa.
Hasa
Delp
1
1
2
PUR
1
1
1
3
3
2
3
Total
1
1
3
1
1
2
9
3.2 Quadro analítico da pesquisa
Os procedimentos de coleta de dados foram planejados e executados de acordo com a
abordagem da pesquisa e do método adotado e norteados pelos objetivos do estudo. Com
base no questionamento proposto, a pesquisa teve como objetivo geral verificar, ao longo
da trajetória do empreendimento familiar, como a sua longevidade decorrente da renovação
estratégica está relacionada à aprendizagem organizacional. Como objetivos específicos,
pretendeu-se:
a) Descrever como ocorreu a mudança de atributos estratégicos (refreshment de
atributos).
b) Identificar ao longo da trajetória os tipos e mecanismos de aprendizagem.
c) Relacionar a aprendizagem desenvolvida pelas firmas ao longo de sua trajetória com
a longevidade do empreendimento.
Na perspectiva de cumprir os objetivos delineados para a pesquisa, assim como de
nortear o processo de coleta, análise e interpretação dos dados, foi desenvolvido com base
no referencial teórico um framework preliminar, partindo da proposição de Asti Vera
(1980, p. 153) de que modelos (frameworks) são meios usados para explicar uma
determinada teoria, simplificar relações complexas com o intento de melhor compreendê-
95
las; “[...] e constitui-se num instrumento intelectual que torna mais precisa e clara a
análise”. O framework guiou o olhar da pesquisadora na definição das categorias de
pesquisa, na elaboração dos instrumentos de coleta de dados e na busca de suas
explicações teóricas prévias, esclarecendo que já se antecipava que essas referências
poderiam ser confirmadas ou revistas na confrontação com os dados. Nas subseções
seguintes é apresentado e detalhado o framework do estudo, as categorias de pesquisa
definidas pelo modelo teórico, os instrumentos de coleta de dados e uma delimitação mais
detalhada do processo de análise dos dados.
3.2.1 Framework conceitual da pesquisa
O modelo ou framework conceitual criado para a pesquisa partiu das constatações
defendidas no referencial teórico de que as perspectivas da aprendizagem organizacional e
das capacidades dinâmicas fornecem bases teóricas seguras para uma investigação que
tenta compreender como as empresas familiares promovem a sua renovação estratégica,
que explicaria a longevidade dos empreendimentos. O modelo teórico que guiou o estudo
segue representado na Figura 1, com as explicações que pretendem torná-lo ainda mais
claro.
96
PROCESSO
CONTEÚDO
RESULTADO
AO e CD
AMBIENTE
(Contexto)
Locus da
decisão
Rotinas
TIPOS
DECISÃO E
IMPLEMENTAÇÀO
DA RE
LONGEVIDADE
MUDANÇA
DE
Escopo da
decisão
DE
APRENDIZAGEM
ATRIBUTOS
MECANISMOS DE APRENDIZAGEM
TRAJETÓRIA
Figura 1 - Framework conceitual da pesquisa sobre renovação estratégica em empresas
familiares.
Fonte: elaboração da autora.
O framework foi concebido em três blocos, sustentados por uma seta de duplo
sentido, que representa a trajetória das organizações, a ser descrita na pesquisa, desde o
momento da criação e início das atividades da empresa. A ideia básica é que a renovação
estratégica é um processo dinâmico que somente pode ser captado de forma retrospectiva e
longitudinal, caracterizando os eventos que foram determinando o comportamento
estratégico das empresas, promovendo aprendizagem e resultando nas condições que
asseguraram a longevidade das empresas.
O centro do framework representa o fenômeno objeto da investigação, que é a
renovação estratégica. Esta, por sua vez, adota a definição de Agarwal & Helfat (2009, p.
282) de que a renovação estratégica “inclui o processo, o conteúdo e os resultados da
renovação ou substituição dos atributos de uma organização que possuem o potencial de
lhe afetar substancialmente no longo prazo” e requer a compreensão de que o processo, o
conteúdo e os resultados operam de forma concomitante. O processo é a decisão, o ato de
renovar e envolve quem toma a decisão, a abrangência da sua implementação e os fatores
desencadeadores. Assume-se que pode ser conduzido pela gerência média ou a partir da
alta gerência para a base gerencial, aplicar-se tanto às firmas maduras quanto às inciantes,
97
em processos dentro da firma ou entre as firmas, relacionar-se às mudanças descontínuas
do ambiente ou decorrrer das mudanças incrementais.
O conteúdo é a mudança de qualidade de um ou vários dos atributos estratégicos objetivos, produtos e serviços, políticas, escopo e diversificação do negócio, estrutura
organizacional, sistemas administrativos, políticas de coordenação do trabalho, ativos
tangíveis e intangíveis, capacidades, rotinas, processos e pessoas e reputação – que
possuem o potencial de afetar a organização no longo prazo. E, finalmente, os resultados
se referem a algo que foi renovado e que assegura a longevidade da organização.
O framework também pretende evidenciar que a renovação estratégica tem uma
conotação dinâmica. O refreshment ou replacement de atributos estratégicos provê uma
base para o crescimento futuro, levando a firma ao desenvolvimento de novas capacidades,
entendidas como rotinas (Amit & Schoemaker, 1993; Eisenhardt & Martin, 2000; Huber,
1991; Kogut & Zander, 1992; Nelson & Winter, 1982), e à sua longevidade. Essas
condições estão estritamente relacionadas à aprendizagem organizacional. Implica a tensão
entre aproveitar os recursos existentes e ao mesmo tempo modificá-los, conhecida como
tensão entre o exploitation e exploration (Crossan & Berdrow, 2003; Crossan, Lane &
White, 2011; March, 1981). O processo e o conteúdo são desencadeados pelos
mecanismos de aprendizagem - práticas repetidas, codificação da experiência, erros e o
ritmo da experiência – ou padrões estáveis de comportamento expressos na estrutura de
valores veiculada por regras, procedimentos e convenções codificados na memória
organizacional que caracterizam as reações organizacionais a uma variedade de estímulos
internos e externos do ambiente.
O elemento à esquerda do centro do framework representa o ambiente que determina
o contexto de onde proveem os estímulos que levam às mudanças internas e reações da
organização, podendo apresentar oportunidades e ameaças. E, finalmente, o elemento à
98
direita do modelo representa os tipos de aprendizagem – single, double e ou deuterolearning (Argyris & Schon, 1978) – que determinam e/ou se relacionam com o processo de
renovação estratégica. Na lógica do framework, a aprendizagem do tipo single-loop
learning equivaleria ao propósito de exploitation – na mudança a organização aproveita
das oportunidades existentes realizando rotinas de refinamento, seleção, implementação e
execução. O tipo double-loop learning ocorre quando as organizações aprendem a
modificar as variáveis que governam os seus próprios comportamentos, normas, políticas e
objetivos, modificando a base de conhecimento da organização, competências e rotinas. E
quando a organização aprende como realizar o single e o double-loop, pode ocorrer um
terceiro tipo de aprendizado, o deutero-learning, caracterizando uma situação na qual a
organização reconhece o que deve aprender e quais circunstâncias e processos necessitam
ser criados para que ocorram. Os tipos double-loop learning e/ou deutero-learning se
associariam a uma situação na qual a tensão entre a exploration e a exploitation encontraria
equilíbrio, atuando na dimensão estratégica da firma.
Do framework derivaram as categorias de pesquisa empregadas na operacionalização
da coleta de dados. Da concepção do modelo foram definidas seis categorias de pesquisa,
como se segue, descritas na Tabela 6.
Tabela 6
99
Categorias de pesquisa deduzidas do framework conceitual
Categorias de pesquisa
1. Locus da decisão
Descrição
Quem toma a decisão de mudança de atributos estratégicos.
2. Escopo da decisão
Abrangência da
desencadeadores.
3. Rotinas
Regras, padrões procedimentos e convenções que impactam objetivos,
produtos, serviços, recursos e capacidades específicas.
4. Mecanismos de aprendizagem
Eventos internos que impulsionam a mudança de rotinas.
5. Longevidade
Tempo de sobrevivência no mercado preservando o empreendimento como
familiar ao longo do tempo.
Tipos de aprendizagem
Fonte: elaboração da autora.
Tipos de mudanças organizacionais.
mudança de
atributos
estratégicos
e os
fatores
3.2.2 Instrumentos de coleta dos dados
Definidas as categorias de pesquisa, iniciou-se a fase de coletar os dados. Para Yin
(1981), as evidências para um estudo de caso derivam de fontes distintas, nomeadamente
documentos, registros em arquivo, entrevistas, observação direta, observação participante e
artefatos físicos. Considerando a premissa de que a natureza do problema de pesquisa, bem
como as condições de investigação, assume papel preponderante quando se trata de
escolher as técnicas de coleta de dados ou evidências (Laville & Dionne, 1999), fez-se a
opção pela entrevista e consulta às fontes documentais.
A entrevista é uma técnica para estabelecer ou descobrir que existem outras
perspectivas ou pontos de vista sobre os fatos, caracterizando-se como sendo um processo
de interação social (Goode & Hatt, 1973) em que se conserva o intento de compreender, de
modo detalhado, crenças, atitudes, valores e motivações em relação aos comportamentos
dos indivíduos em contextos sociais particulares ou específicos (Gaskell, 2008). Marconi e
Lakatos (2007) referem como uma das principais vantagens da entrevista o fato de que tal
técnica proporciona certa flexibilidade, pois o entrevistador pode esclarecer perguntas ou
especificar algum significado, além de avaliar atitudes e condutas pelo registro de reações
e gestos.
100
Para as entrevistas, foi elaborado um roteiro semiestruturado (APÊNDICE A)
partindo do conjunto de categorias identificadas no framework conceitual da pesquisa. Esse
roteiro envolveu amplas questões sobre o processo e o conteúdo da renovação estratégica
em um conjunto de perguntas abertas, realizadas seguindo uma ordem prevista, admitindo
que fossem adicionadas novas indagações durante o processo para melhor esclarecimento
(Laville & Dionne, 1999). Os dados foram coletados em nove entrevistas, todas elas
gravadas digitalmente, e consumiram, em média, 81 minutos cada uma, variando entre 53 e
104 minutos, além do tempo gasto com os contatos para a identificação dos informantes, o
agendamento e os deslocamentos para o local de realização das entrevistas, nas sedes das
empresas. As entrevistas foram realizadas entre 2012 e 2013 e no total, geraram 373
paginas transcritas de suas gravações.
A pesquisa em fonte documentais resultou em dados primários e secundários obtidos
em relatórios, apresentações, consulta aos sites, documentos internos e um livro sobre o
Setor da Indústria Mecânica em Minas Gerais. Essas fontes contribuíram para uma visão
mais ampla das empresas e do seu ambiente interno e foram decisivas na caracterização
dos casos e no entendimento dos dados coletados nas entrevistas. Essa combinação das
entrevistas com as fontes documentais baseou-se no princípio sugerido por Yin (1981) de
utilizar fontes múltiplas de evidência, isto é, possibilitar a triangulação de dados, buscando
o desenvolvimento de linhas convergentes que facilitam o alcance dos propósitos da
investigação. Intentou-se obter dados que permitissem traçar os eventos que marcaram a
trajetória das empresas familiares estudadas, para identificar ações e interações que
contribuíram para a sua evolução em cada momento da trajetória e relacioná-los com o
desenvolvimento das outras variáveis pesquisadas. De posse dos dados, iniciou-se o
processo de análise dos mesmos, objeto de detalhamento na próxima subseção.
101
3.2.3 O processo de análise dos dados
A análise de dados, isto é, o exame, a categorização ou a classificação das evidências
de caráter qualitativo ou mesmo quantitativo em um estudo de caso, pode caracterizar-se
como sendo a etapa mais difícil e complexa do processo de investigação (Eisenhardt, 1989;
Yin, 1981). Para Abramo (1979), o problema ou dificuldade na fase de análise e
interpretação dos dados em uma pesquisa consiste no fato de se ter que reconstituir, de
maneira sintética, o mundo verbalizado obtido analiticamente com a manipulação e
sistematização das informações colhidas pelas técnicas de coleta de evidências.
Nesta pesquisa os dados foram analisados em quatro fases. Na primeira, os dados
foram analisados utilizando-se técnicas qualitativas dedutivas (Eisenhardt, 1989),
inicialmente informadas pelo framework conceitual da pesquisa, com foco na trajetória das
empresas, enquanto permanecendo alerta para as ideias que emergiam dos dados. A
segunda fase da análise, denominada de indutiva, consistiu de várias leituras das
transcrições das entrevistas e do arquivo de dados para a identificação das atividades e
temas relacionados ao foco da pesquisa. Esses dados eram então sistemática e
progressivamente codificados usando-se o software NVivo 9, da QSR International.
Durante a codificação, cuidadosa atenção foi dada à forma como os respondentes
descreviam e davam sentido aos eventos que caracterizavam a evolução da história da
empresa, o contexto externo e as mudanças que foram se sucedendo, à medida que as
empresas se consolidavam, cresciam, enfrentavam crises e sobreviviam. Essa primeira
codificação foi muito detalhada e incluiu grande número de “nós”, termo adotado pelo
NVivo para caracterizar as categorias de análise codificadas.
102
Nesta segunda fase, para melhor representar os dados dos “nós” codificados, eles
foram comparados num nível teórico e modificados num processo contínuo de
refinamento. Várias tentativas foram feitas para transformar o grupo inicial de “nós” em
categorias, cada uma representando um conceito abstrato de ordem superior. Esse processo
de análise dos dados foi semelhante ao utilizado por Paroutis & Pettigrew (2007) para o
estudo sobre as equipes de práticas estratégicas. No refinamento das categorias, a descrição
da codificação de todos os “nós” foi exaustivamente lida, procedendo-se a uma “limpeza”
do conteúdo do texto, uma vez que, seguindo o procedimento do NVivo, a codificação foi
realizada pelo texto ainda bruto das transcrições das entrevistas. Também uma volta às
referências da literatura ajudou a moldar e refinar os conceitos iniciais.
À medida que a codificação prosseguia, a análise focou o esforço de se produzir um
conjunto de categorias mais amplas, apresentadas e descritas na Tabela 7. No total, a partir
dessa análise iterativa dos dados, oito categorias de análise foram identificadas no processo
indutivo.
103
Tabela 7
Categorias de análise identificadas na análise indutiva dos dados
Categoria
1. Ambiente de negócios
Descrição
Aspectos tecnológicos, econômicos, políticos ou sociais do
ambiente externo no país e/ou no mundo que impulsionaram
ou restringiram o desenvolvimento da empresa.
2. Características do fundador
Características pessoais, profissionais, experiência, perfil de
liderança e de decisão do fundador.
3. Participação da família na criação e
desenvolvimento da empresa
Forma de atuação dos membros da família na propriedade e
gestão, ao longo da trajetória da empresa.
4. Marcos da trajetória
Eventos que determinaram uma mudança de patamar nos
negócios ou que marcaram de forma expressiva o
desenvolvimento da empresa.
5. Mudanças ocorridas
Alterações ou adaptações nos atributos estratégicos e/ou
mudanças nas gerações de gestores.
6. Razões da longevidade
Prováveis explicações para a longa sobrevivência da empresa.
7. Profissionalização da empresa
Adoção de práticas administrativas mais racionais e menos
personalizadas, integração de gestores profissionais ou
profissionalização dos gestores familiares.
8. Valores da empresa familiar
Crenças e os conceitos básicos que caracterizam acultura,
expressos por meio da filosofia da organização, fornecendo o
senso de direção comum (Fleury, 1996).
Fonte: dados da pesquisa.
Este design abrangente proveu um rico conjunto de dados com base no qual foi
conduzida a terceira fase da análise. Três casos corporativos foram preparados e
organizados no capítulo “Descrição de dados” deste trabalho. A descrição detalhada dos
casos evidenciou, longitudinalmente e de forma retrospectiva, a trajetória das empresas
compreendida entre o ano de início das suas atividades e o momento da coleta de dados,
realizada entre os meses de outubro de 2012 a fevereiro de 2013. As três trajetórias foram
inicialmente organizadas em sequências cronológicas, demarcadas pelas situações de
mudança estratégica que correspondiam a situações de renovação estratégica, captadas
indutivamente. Com a análise interna concluída, procedeu-se à quarta e última fase da
análise apresentada no capítulo “Análise cruzada dos casos”. A comparação cruzada dos
casos utilizou o recurso da estratégia mista de análise cruzada, uma combinação da
estratégia orientada pelo caso com a estratégia orientada pelas variáveis, descritas por
104
Miles & Huberman (1994), numa forma denominada pelos autores de “empilhamento de
casos comparáveis” 8.
Para a análise cruzada, os eventos marcantes de cada fase das trajetórias das
empresas foram dispostos numa metamatriz para permitir a comparação dos casos e
discussão dos resultados com base na teoria desenvolvida no referencial teórico, buscando
explicações para os resultados obtidos ao longo do desenvolvimento das trajetórias. Os
dados consolidados na metamatriz revelaram, indutivamente, que o recorte das fases das
trajetórias ocorria não em função da sua cronologia, mas dos momentos, das situações de
mudança de atributos estratégicos e do tipo de aprendizagem ocorridos nas três empresas,
além de permitir a identificação da origem dos impulsionadores das mudanças
identificadas. Verificou-se que duas situações distinguiam os casos, pois tanto na HASA
como na Delp o mecanismo impulsionador da renovação estratégica foi o ambiente
externo. Já na PUR, de forma distinta das outras duas empresas, a renovação foi
impulsionada pelo ambiente interno. Mas também se averiguou que o tipo de
aprendizagem nos casos da HASA e Delp era o single-loop learning e na PUR do tipo
double-loop learning. Decidiu-se, então, apresentar os dados da análise cruzada dos casos
pela descrição de dois tipos: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente externo e
aprendizagem single-looping learning – HASA e Delp – e renovação estratégica
impulsionada pelo ambiente interno e double-loop learning – PUR.
Nessa fase, a análise prosseguiu fundamentada nos dados, numa abordagem indutiva,
buscando identificar as relações de causalidade entre a renovação estratégica, a
longevidade do empreendimento familiar e a aprendizagem organizacional, seguida da
discussão teórica dos resultados, retornando à base teórica apresentada no referencial
8
Staking comparable cases, no original em inglês.
105
teórico. Cabem aqui algumas considerações sobre a tarefa de explicar cientificamente,
recorrendo-se às considerações de Yin (1981) e Miles & Huberman (1994).
Quando se opta por estudo de casos, três caminhos podem ser adotados para a análise
de evidências: escrever narrativas, adotado na terceira fase da análise ao se escrever cada
um dos casos que compuseram esta pesquisa; tabular eventos significativos, e um último, o
caminho da construção de explicações, técnica relevante em situações como a presente, em
que se visou a explicar o fenômeno da longevidade das organizações familiares e que
representa uma importante variedade utilizada nos estudos de casos.
A técnica da explicação consiste de uma descrição acurada dos fatos do caso,
apresentação de considerações sobre as alternativas de explicações sobre esses fatos e
conclusões baseadas em uma única explicação, que se mostra mais congruente com os
fatos. É um tipo de processo de enquadramento em padrões que podem ser aplicados tanto
em casos únicos ou múltiplos, pois o padrão deve se encaixar nas múltiplas dimensões
derivadas de uma explicação da teoria (Yin, 1981). Tal como adotado neste estudo, a tarefa
de explicar envolve uma rede complexa de condições e fatos e o problema central foi
desenhar conclusões bem fundamentadas dessas múltiplas relações. Para tal, o esquema de
trabalho adotado envolveu alguns passos e a recomendação de Miles & Huberman (1994) é
de que o pesquisador se mantenha firme e fiel a esses passos durante o processo de análise,
iniciando-se pelo entendimento de cada caso em particular e evitando o erro da
superficialidade.
Deve-se evitar a análise pela sumarização de, por exemplo, diferenças e similaridades
ou por apenas algumas variáveis comuns de interesse, e assegurar que a rede de condições
– causas, efeitos, resultados e sequências temporais – presentes na configuração de cada
caso em particular - sejam preservadas. Os autores recomendam, ainda, que sejam
combinadas as estratégias de análise orientadas pelas variáveis do modelo teórico com o
106
entendimento dos aspectos do caso que possam suscitar mudanças no modelo. Finalmente,
aprofundar, surpreender-se, repensar, expandir as ideias e revisar as teorias quando se
confrontar com casos que se desviam das explicações emergentes, não tomando esses
casos desviantes como erros ou exceções inaplicáveis, posturas que enriquecem a análise.
Observaram-se, ainda, algumas determinantes da relação de causalidade citadas por
Miles & Huberman (1994), entre elas: ênfase local, que se refere ao fato de que a
causalidade é, em última análise local, relacionada a eventos específicos próximos no
tempo; complexidade causal, que considera que as causas de um evento particular são
sempre múltiplas e conjunturais, combinam e afetam cada uma bem como seus efeitos,
sendo necessário que se pense em causas e efeitos como se estivessem arranjados em uma
rede; temporalidade, que acredita que os eventos humanos dependem do tempo; e,
retrospecção, que tem na causalidade essencialmente um problema de retrospectiva, não se
podendo relatar os efeitos de um evento antes que ocorra. Com essas orientações para a
definição das relações de causalidade, encerra-se o capítulo da metodologia, que antecede a
descrição dos dados, apresentando os casos corporativos da HASA, Delp e PUR.
107
4 Descrição dos Casos
4.1 Caracterização da empresa HASA
A Horácio Albertini Comércio e Indústria Mecânica Ltda. (HASA) é uma empresa
familiar, de capital 100% nacional, focada em projeto, fabricação de equipamentos e
serviços de manutenção para os setores de siderurgia, mineração, metalurgia, cimento,
portuário, petroquímico e energético. A empresa foi criada em 1933, no bairro de Santa
Tereza, na cidade de Belo Horizonte, por Horácio Albertini e seus dois filhos mais velhos,
Rêmulo e Anunciata Albertini. Em 2013, completou 80 anos de existência e é considerada,
segundo critério adotado pelo SEBRAE 9, uma empresa de médio porte. A HASA conta
com quadro de 100 funcionários atendendo a um vasto portfólio de clientes composto de
empresas nacionais e multinacionais, em sua grande maioria de grande porte. Entre as
empresas clientes mais renomadas estão a Alumínio Brasileiro S/A. (ALBRAS), Consórcio
de Alumínio do Maranhão (ALUMAR), Arcelor Mittal, Camargo Correa, Companhia
Energética de Minas Gerais (CEMIG), Celulose Nipo-Brasileira S/A. (CENIBRA), Cost,
Insurance and Freight (CIF), Consorzio Macchine Utensili (COMAU), Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN), Fabbrica Italiana Automobili Torino (FIAT), Fertilizantes
Fosfatados S/A. (FOSFÉRTIL), Gerdau, Holcim, Kinross, Lafarge, Cimentos LIZ,
Petróleo do Brasil S/A. (PETROBRÁS), Samarco, Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais
(USIMINAS), Vale do Rio Doce e Vallourec & Mannesmann (VM).
9
Critério de classificação do porte das empresas por número de empregados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), adotado pelo SEBRAE: Indústria: micro - com até 19 empregados; pequena
- 20 a 99 empregados; média - 100 a 499 empregados; grande - mais de 500 empregados. Comércio e
serviços: micro - até nove empregados; pequena - 10 a 49 empregados; média - de 50 a 99 empregados;
grande: mais de 100 empregados. Obs.: o presente critério não possui fundamentação legal; para fins legais,
vale o previsto na legislação do Simples (Lei 123 de 15 de dezembro de 2006) (Portal SEBRAE, 2014).
108
A atividade principal da empresa, segundo seus gestores, sempre esteve relacionada à
indústria mecânica, considerada como paixão e foco do negócio. É evidente o
envolvimento da família Albertini com a declarada missão “de projetar, fabricar
equipamentos, peças e também prestar serviços para os clientes, provendo as soluções
demandadas por eles com qualidade, pontualidade e custo adequado para ambas as partes,
promovendo assim o desenvolvimento mútuo” (HASA, 2013). De acordo com os
entrevistados, “foi com a indústria mecânica que construímos a usina, as nossas vidas
particulares, de cada sócio, de cada filho” (entrevista n. 3).
Assim, completar 80 anos de existência é sinal de sucesso para seus gestores, os
quais reconhecem que “empresas sobreviventes no ramo por mais de 50 anos são raras”
(entrevista n. 2). Ao longo do tempo, a indústria mecânica passou por várias transições,
entre elas a de tecnologia, de produtos e do perfil dos clientes (entrevista n. 1). A HASA
acompanhou essas mudanças enfrentando a rivalidade de empresas que estão, segundo os
entrevistados, principalmente “sediadas no estado de São Paulo” (entrevista n. 1).
Entretanto, tal concorrência não abalou a estrutura tipicamente familiar da empresa.
Constata-se que a HASA mantém-se como uma empresa tipicamente familiar,
controlada e gerida por familiares. Da sua criação, em 1933, ao seu momento atual, em
2013, participaram e atuam no seu desenvolvimento quatro gerações da família Albertini.
4.1.2 As gerações dos Albertini na HASA
Primeira geração: o fundador Horácio e seus filhos Rêmulo e Anunciata
A HASA iniciou suas atividades com Horácio Albertini, filho dos imigrantes
italianos que herdou do pai a tradição de trabalhar em serviços de mecânica e serralheria na
109
montagem e manutenção de equipamentos, em fazendas no interior de Minas Gerais. Antes
de abrir a empresa, em 1921, Horácio mudou-se para São Paulo-SP e iniciou um curso de
mecânica de automóveis. Concluído o curso, retornou ao estado de Minas Gerais e
instalou-se em Pium-í, uma cidade do interior do estado de Minas Gerais, para trabalhar
como responsável por uma oficina autorizada em manutenção de veículos da marca Ford.
No início dos anos de 1930, já casado com Antonieta e com cinco filhos, Horário
sentiu-se atraído pelo crescimento de Belo Horizonte (MG) e, vislumbrando o
desenvolvimento de um centro industrial, decidiu mudar-se para a cidade. Na capital, após
trabalhar com Victor Purri, considerado o “capitão da indústria mecânica” de Minas
Gerais, montou uma pequena oficina, até que em 1933 criou com os seus filhos mais
velhos, Rêmulo e Anunciata Albertini, a HASA.
Horácio Albertini é descrito como uma pessoa de valores muito arraigados, um
homem dedicado, criativo, focado principalmente no trabalho e na empresa. Segundo os
entrevistados:
Valores Rígidos. Não seriam arcaicos, seriam rígidos. Não bebia, era muito
determinado no que queria, era muito exigente com os funcionários, com as pessoas,
com os filhos, extremamente trabalhador (entrevista n. 2).
Muito dedicado, tinha uma boa visão e estava sempre pensando em máquinas e
equipamentos, não pensava em outro tipo de coisa, queria ter todo tipo de ferramenta.
Apesar de existirem os desenhistas, ele era o criador, juntamente com o Rêmulo,
também muito dedicado. Como consequência, nós sempre trabalhamos focados na
manutenção [...] Das atividades da indústria mecânica, Horácio tinha uma nítida
preferência pelas atividades de manutenção e se envolvia totalmente com a empresa,
uma vez que a considerava como o seu meio de sobrevivência (entrevista n. 1).
O fundador teve presença marcante na empresa por 39 anos até que, em 1972,
afastou-se da direção e, em 1975, faleceu.
Após o falecimento do seu Horácio e da sua esposa Antonieta, a propriedade da
HASA foi transferida aos seus filhos que já atuavam na empresa, Rêmulo, Anunciata e
110
Luiz César, e aos seus outros quatro filhos (um filho falecido e três filhas), que não
participavam diretamente da administração da empresa. Essa situação levou praticamente à
cisão da Horácio Albertini. Então, a família procedeu a negociações, permanecendo como
sócios os três irmãos - Rêmulo, Anunciata e Luiz Cesar. Os outros herdeiros se desligaram
da sociedade e criaram uma outra empresa.
Rêmulo, o filho do fundador, iniciou com o pai e permaneceu na empresa por 60
anos até falecer, em 1993. Sua função na empresa sempre esteve ligada à área comercial,
responsável pelos orçamentos, apesar de também dar sua a contribuição na produção, dada
a grande experiência adquirida no negócio. Após a morte do Sr. Horácio, Rêmulo a ssumiu
a direção da empresa, sendo muito admirado e respeitado, especialmente pelo irmão mais
novo, Luiz César, que já estava atuando na empresa na época. Mesmo com perfis e estilos
diferentes, Rêmulo, mais voltado para o comercial, muito calmo, e Luiz Cesar, homem de
produção, de temperamento mais inquieto, prevalecia entre os irmãos respeito e hierarquia,
como relata a entrevistada n. 2:
O respeito entre os irmãos Rêmulo e Luiz Cesar sempre foi uma característica forte,
um valor forte da empresa. [...] Destaco o respeito entre as gerações. Cada um
respeitou muito a hierarquia e a decisão do outro, cada um na sua área. Apesar do
Rêmulo e o Luiz Cesar serem dois homens de produção, eram diferentes, porque o
seu Luiz Cesar era o homem de chão de fábrica. Apesar do seu Rêmulo também ir lá
e palpitar, ele também conhecia muito da mecânica lá dentro e fazia os orçamentos. E
o Luiz Cesar tinha por ele uma paixão e respeito de filho pela diferença de idade. [...]
Rêmulo era como um pai para o Luiz Cesar. São duas personalidades completamente
opostas, ele é o explosivo e o seu Rêmulo era a tranquilidade total, não tinha nada
que o abalasse. E, nesses anos todos que trabalharam juntos, eles nunca tiveram uma
discussão, nunca um foi para casa aborrecido com o outro.
Anunciata iniciou suas atividades em 1938 e afastou-se em 2004, atuando por 66
anos nas atividades administrativas da empresa. Sua entrada e participação na empresa é
um aspecto que marca um comportamento inovador de Horácio, o fundador, dada a
111
raridade da presença de mulheres no ambiente empresarial na primeira metade do século
XX.
Os três, Horário Albertini e os seus dois filhos mais velhos, Rêmulo e Anunciata,
representam a primeira geração da família à frente dos negócios.
A segunda geração: Luiz Cesar e José Marcus
A segunda geração de proprietários da HASA é formada por membros de três
núcleos da família Albertini. O primeiro núcleo é representado pelos herdeiros de Rêmulo,
que receberam por herança 40% do capital social da empresa e mantiveram-se afastados da
gestão da empresa. O segundo núcleo é composto pelo único filho e herdeiro de Anunciata,
José Marcos Girardelli (57 anos), que recebeu por herança 20% do capital social e ocupa o
posto de diretor comercial. O terceiro núcleo é formado pelo filho mais novo de Horário,
Luiz César Albertini (73 anos), diretor superintendente da HASA. Desses, Luiz César e o
seu sobrinho, José Marcos, representam a segunda geração de proprietários e gestores da
HASA.
Luiz César Albertini possui cota no valor de 40% do capital social da empresa.
Iniciou suas atividades aos 17 anos, tendo compartilhado com o pai e os dois irmãos mais
velhos da consolidação e do crescimento da HASA. Foi na gestão de Luiz César Albertini
que ocorreram a diversificação da indústria mecânica com a entrada no segmento da
forjaria, a modernização do parque industrial com a introdução das máquinas de controle
numérico e a informatização da empresa. O outro representante da segunda geração é o
engenheiro e administrador José Marcos Girardelli, sócio com cota no valor de 20% do
capital, seu atual diretor comercial.
112
A terceira geração: Maria Hermínia e Horácio Neto
A terceira geração de gestores da família é representada por dois dos filhos de Luiz
César Albertini que atuam na condição de profissionais familiares não sócios, Maria
Hermínia Monteiro Albertini e Horácio Albertini Neto.
Maria Hermínia é advogada, exerce a função de gerente administrativa financeira e
trouxe para a empresa a sua experiência na área tributária e fiscal, adquirida em escritórios
jurídicos especializados em recuperação de créditos e refinanciamento de dívidas. Essa sua
experiência foi fundamental na superação de uma crise financeira vivida pela empresa nos
anos 2000, além de contribuir na introdução de mais profissionalização na gestão
administrativa da empresa.
Horácio Albertini Neto tem formação em Engenharia Civil e Mecânica, Mestrado e
Doutorado em Engenharia Mecânica e exerce a função de gerente da fábrica. Desde a sua
entrada na empresa foi direcionado para a área de produção e, como gestor, foi responsável
pela informatização dos processos de negócio e pela introdução das máquinas de controle
numérico (CNC) no processo produtivo. Segundo os entrevistados, herdou do pai e do avô
a mesma paixão por máquinas e equipamentos, direcionando a sua formação e experiência
para o negócio da família.
A quarta geração: Raquel, Adriano e Catarina
Três membros da quarta geração da família também já integram o quadro da empresa
na condição de profissionais familiares não sócios. Na área comercial atuam Raquel, neta
de Rêmulo Albertini, e seu marido, Adriano, como chefe de vendas; e Catarina, filha de
José Marcos, atua na área comercial. Mantendo a tradição iniciada com o fundador de que
113
não exista alguma restrição para o acesso de novos parentes interessados no negócio, há a
expectativa de que outros representantes da família, hoje na sua quarta geração, ainda
poderão vir a atuar na empresa. Observa-se que, como não existem restrições à entrada de
familiares, a presença de membros de várias gerações vem se consolidando ao longo da
história da empresa, convivendo hoje representantes da segunda, terceira e quarta gerações.
De fato, a participação da família na empresa se revela uma tradição, iniciada ainda no
tempo dos fundadores, permanecendo na quarta geração, conforme o gestor:
Sempre trabalhamos juntos. Eu trabalhei durante muitos anos com meu pai, comecei
aos 17 anos. E o Rêmulo muito mais ainda, pois era o mais velho. E Anunciata
começou a trabalhar com ele por volta de 1938, no escritório, e ficou por esse
período todo (entrevista n. 1).
A participação da família na empresa, dos fundadores à quarta geração, é sumarizada
na Tabela 8.
114
Tabela 8
A participação da família na criação e desenvolvimento da Horácio Albertini
Ano/Período
1933
Criação da
empresa
1956/atual
2000/atual
Período
atual
Evento
Crescimento
e
consolidação
da empresa
Visão de
negócio
Inovações na
gestão e no
processo
produtivo
Atores/tempo de empresa
Horácio Albertini
(1933 a 1972)
Rêmulo Albertini
(1933-1993)
Anunciata Albertini
(1938 -2004)
Luis Cesar Albertini
(1956-atual)
Espólio de Rêmulo Albertini
Papel na
trajetória
Fundadores
1ª. Geração
2ª. Geração
José Marcos Girardelli (filho
de Anunciata)
(1976-atual)
Maria Hermínia
(2000-atual)
Participação
nas atividades
comerciais
Função na empresa
% na propriedade
Sócios gestores
100% do capital
Diretor superintendente 40%
do capital
Sócios sem função na
empresa
40% do capital
Diretor comercial
20% do capital
Gerente administrativa
Profissional
3ª. Geração
Horácio Neto
(2002-atual)
Raquel
(Neta do Rêmulo)
Adriano
(Marido de Raquel)
Catarina
(filha do José Marcus)
Gerente da fábrica
profissional
Área comercial profissional
4ª. Geração
Chefe de vendas
profissional
Área comercial profissional
Fonte: dados da pesquisa.
Assim sendo, quatro gerações Albertini participaram da trajetória da HASA,
descrita a seguir.
4.1.3 A trajetória da HASA
A apresentação da trajetória da HASA foi organizada cronologicamente em quatro
fases. A primeira fase corresponde ao período que vai do ano de 1933 a 1974, registrando
em 41 anos a criação e o apogeu do negócio. A segunda fase, ocorrida entre 1974 e 1984,
tem como fato mais marcante a presença da segunda geração de gestores da família
decidindo os rumos da empresa, promovendo a diversificação do negócio. A terceira fase
durou 17 anos, entre 1985 e 2002, e demarca-se pela implantação da atual planta, a
115
recuperação financeira da empresa e a entrada da terceira geração de gestores familiares. A
quarta e última fase, registrada entre os anos de 2002 e 2013, quando se realizou esta
pesquisa, é caracterizada pela inovação tecnológica do parque industrial, pela adoção de
novas práticas de gestão e a participação na gestão da terceira e quarta gerações de gestores
familiares. Nas seções seguintes descrevem-se os eventos marcantes de cada fase.
4.1.3.1 A primeira fase: de 1933 a 1974 – A criação e o apogeu do negócio
A trajetória da HASA iniciou-se em 1933, motivada pelo senso de oportunidade de
Horácio Albertini que, valendo-se da sua experiência profissional, abriu a HASA em uma
área de pouco mais de 2.000 metros, onde coexistiam a oficina mecânica e a sua moradia.
Cabe ressaltar que, diferentemente dos outros italianos, que construíam a casa na frente e
no fundo a oficina, Horácio deu à empresa destaque especial, colocando-a voltada para a
rua, de forma a chamar a atenção dos futuros possíveis clientes.
Nos primeiros 15 anos, até 1945, a HASA contava com as demandas de duas grandes
empresas, Companhia Siderúrgica Belgo Mineira e a antiga Companhia Força e Luz de
Minas Gerais, precursora da Cemig. Apesar dos poucos clientes iniciais, ao iniciar as suas
atividades a HASA já era praticamente líder no mercado. Segundo os entrevistados, “uma
referência” (entrevista n. 3).
Em 1945, os fundadores decidiram ampliar a empresa, mediante a construção de uma
nova planta e novos investimentos em ferramentas e equipamentos de trabalho. Em 1956,
quando a nova planta já estava em operação, Luiz Cesar, o filho mais novo de Horácio,
ingressou nos quadros da HASA. Segundo os entrevistados, a entrada de Luiz Cesar
representaria uma nova concepção de gestão para a empresa, marcada por duas
características. Uma gestão mais racionalizada e enfoque mercadológico. Imputam-se o
116
crescimento e a evolução da empresa à entrada de Luiz Cesar, o qual, simultaneamente,
representou um novo valor de gestão, a profissionalização do negócio.
Em Santa Tereza, na rua Hermílio Alves, foi quando começamos a evoluir muito. Na
época, entrou na empresa o filho mais novo, Luiz Cesar, que representou realmente
um upgrade muito grande. Porque o meu avô e os meus tios achavam que trabalhar
era suficiente, mas não é só isso, você tem que trabalhar e tem que ter o algo mais.
Ele começou a selecionar clientes, dar aquele formato de negócio à empresa. Fomos
crescendo, evoluindo (entrevista n. 3).
Luiz Cesar, primeiro representante da segunda geração, introduziu na empresa uma
maneira de compreender o sentido do trabalho diferente da primeira geração. Na
visão da neta, para os fundadores, trabalhar significava sobreviver ou: “eles [os
fundadores] trabalhavam muito, mas não é esse tipo de trabalho que a gente faz hoje,
é um trabalho para sobrevivência, para ter dinheiro para pagar as contas. Então,
trabalhar era mesmo uma luta para viver” (entrevista n. 2).
Cabe ressaltar que nesses anos iniciais da existência da HASA a indústria no estado
de Minas Gerais era incipiente. Foi a criação do Fundo de Garantia por tempo de Serviço
(FGTS), em 1966, que reduziu o passivo trabalhista de várias empresas e trouxe
significativa melhoria no desenvolvimento econômico do país. Em consequência, a
inflação reduziu-se, a indústria automobilística cresceu e, juntamente com as hidrelétricas e
as construtoras, beneficiou o desenvolvimento da indústria mecânica, que cresceu
fornecendo produtos por encomenda em proporções cada vez maiores (Pereira & Faria,
2007). Nesse mesmo período, o programa de construção de rodovias, que já havia sido
iniciado com o governo de Juscelino Kubitschek – JK (1956-1961), trouxe nova demanda
para a HASA, com a fabricação de peças para os tratores da marca Caterpillar que eram
utilizados nos serviços de terraplanagem para a abertura das rodovias (Pereira & Faria,
2007). O advento da chegada ao país dos tratores Caterpillar, empregados nas obras
rodoviárias, fez surgir várias empresas no ramo da construção pesada, que, por sua vez,
passaram a demandar os serviços da HASA, levando-a a um novo patamar de negócios,
117
possibilitando a transferência da fábrica para uma nova planta e investimentos em
ferramentas: “Vieram essas máquinas Caterpillar e com elas as grandes empresas de
terraplenagem e construtoras que existem até hoje: a Construtora Andrade Gutierrez,
Mendes Júnior, Barbosa Melo, Construtora Tratex” (entrevista n. 1).
Todas as construtoras mineiras que foram surgindo em decorrência do programa de
construção de rodovias se desenvolveram como clientes da HASA, pelo fato de que ela era
a única fornecedora de peças para os tratores Caterpillar. Nesse período, a HASA ampliou
a sua linha de produtos, expandiu-se para outras praças, ampliou e diversificou clientes.
Além de manter-se nos serviços de fabricação de peças por encomenda e na manutenção de
equipamentos, abastecendo o mercado de construtoras mineiras e dos estados de São Paulo
e do Rio de Janeiro, a HASA iniciou a fabricação de peças seriadas e começou a atender
também ao mercado de siderurgia. Com as grandes construtoras e as siderúrgicas, o rumo
dos negócios começou a ficar mais interessante.
Nessa época chegamos a ter uma linha de fabricação de peças para tratores
Caterpillar bastante grande, além dos itens de manutenção, que já fabricávamos
quase que em série para abastecer o mercado brasileiro. E logo após o advento das
estradas e dos tratores, começaram a surgir as grandes siderúrgicas como a Volta
Redonda e a Companhia Siderúrgica Nacional e, mais tarde, a Usiminas (entrevista n.
3).
O desenvolvimento do estado, e do país como um todo, no mesmo período de
crescimento da HASA, a partir dos anos 1960, foi impulsionado pelo governo JK, que
criou o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) (Santos & Buritis, 2014),
considerado um marco histórico porque viabilizou os esforços, os planos e as iniciativas
referentes ao parque automobilístico nacional. A nova indústria trouxe consigo o
desenvolvimento dos outros elos da cadeia produtiva, especificamente, o das retíficas de
motores. A consequência positiva para a HASA foi o surgimento de novos clientes.
118
Entretanto, a nova indústria também trouxe consequências negativas decorrentes do
impacto que provocou no mercado de mão-de-obra. De acordo com os entrevistados, com
a chegada da indústria automobilística a retenção na empresa da sua mão-de-obra mais
qualificada e experiente tornou-se um problema, visto que tanto a indústria automobilística
como as retíficas de motores, em franco crescimento ofereciam melhores salários e
condições de trabalho, atraindo seus empregados.
A HASA começou a perder mão-de-obra treinada e experiente para as novas fábricas
e oficinas e naquele momento a empresa não se encontrava em condições de equiparar os
salários aos do mercado. Essa situação, acompanhada de perto pelo representante da
segunda geração, Luiz César, serviu de oportunidade para que o mesmo interviesse no
processo decisório e apresentasse uma solução para o problema, com a criação de prêmios
de produtividade que veio a se revelar um sucesso e demarcou a sua presença no processo
de gestão da empresa. Para equacionar a questão de retenção da mão-de-obra, criada pelo
advento da indústria automobilística, Luiz Cesar apresentou aos sócios a ideia de criarem
prêmios que ajudariam na retenção e valorização dos empregados, premiando a
antiguidade e experiência dos mesmos, como relata o entrevistado:
Refleti com o papai e o Rêmulo: não podíamos mais perder o pessoal. Chega de ser
escola dos outros. E não podemos tomar empréstimo. Tínhamos muitos funcionários
com mais de 10 e 15 anos de casa. Propus o seguinte: nós vamos dar uma geladeira
de presente para todo mundo que tiver mais de 10 anos de casa, uma máquina de
costura para os que tiverem mais de cinco anos de casa. Na época, todo mundo ficava
enlouquecido com uma geladeira, e era difícil comprar. Fui à Mesbla e fiz uma lista
com mais ou menos 40 brindes. O resultado? Os prêmios ficavam guardados, todo
mundo sabia, mas ninguém sabia para o que eram. A coisa ia vazando devagarzinho e
deu o maior resultado entre os empregados. No ano seguinte foi televisão e a coisa
foi evoluindo até acabar. O resultado sobre a produção foi espetacular, a
produtividade melhorou a olhos vistos. Começamos a ter um fluxo financeiro melhor
e pude fazer as correções que gostaria. E essa prática de dar esse brinde perdurou por
quase uns 10 anos. [...]
119
[...] Resolvido o problema de reter a mão-de-obra, os negócios começaram a
melhorar também, porque a engenharia, de modo geral e, particularmente, a indústria
mecânica fortaleceram-se no país. E então, o crescimento da empresa apresentou
outro problema cuja solução evidenciou, novamente, a participação da segunda
geração para inovar nos métodos gerenciais, criando uma nova situação de sucesso.
A prática adotada na programação da produção seguia um fluxo direcionado pela
pressão exercida pelos clientes, que queriam ver os seus pedidos atendidos com prioridade.
A área comercial executava com competência o processo de venda, mas não se preocupava
com os prazos de entrega ou de como escalonar o atendimento aos pedidos. A regra, como
realça o entrevistado n. 1, era obedecer à pressão dos clientes: “quem chegava primeiro e
gritava mais, levava. E os clientes que não gritavam, por serem muito grandes e
complexos, ficavam abandonados”.
Muitos pedidos importantes eram postergados. Começava a ser difundida uma
imagem de que a empresa executava serviços de qualidade, mas não atendia aos prazos
contratados. Serviços foram perdidos e clientes deixavam de encaminhar novas
encomendas. Luiz Cesar, preocupado com a manutenção e satisfação dos clientes,
introduziu a ordem de produção, que definia a prioridade de execução das encomendas, ao
mesmo tempo em que possibilitava controlar o consumo dos insumos básicos e o custo de
produção. Segundo ele:
Decidi botar um pouco de ordem na coisa, criamos a ordem de serviço. Foi difícil
introduzir, porque perguntávamos por que você tá fazendo isso? Cadê a ordem de
serviço? Você não pode fazer, você tem que ter a ordem de serviço. Com a OS
implantada começamos a perceber o seguinte: existiam alguns ramos de negócio
mais rendosos do que o nosso. Isso é sempre normal, não adianta, sei que tem coisa
que é muito melhor do que a indústria mecânica. Então, dentro daquilo que existe,
vamos trabalhar, ser bom no que sabemos fazer.
Nessa fase, a HASA cresceu, expandiu e adquiriu uma imagem bastante forte no
mercado. O crescimento ocorreu devido à oportunidade de um panorama ambiental
120
bastante favorável. O fundador, principal responsável pela decisão de investimentos,
baseava as suas decisões na experiência, conhecimento do ofício e relacionamentos
desenvolvidos no mercado de empresas da construção pesada, hidroelétricas e da indústria
automobilística. Nessa fase ocorreu a entrada da segunda geração de gestores da família,
interferindo no início da profissionalização da empresa e na construção de uma nova visão
do negócio. Uma síntese dessa primeira fase é apresentada na Figura 2.
Experiência do
fundador
Criação da
empresa
Contexto
econômico
favorável
Entrada da
2ª. geração
na empresa
Consolidação e
crescimento da
empresa
Figura 2 - 1ª fase da trajetória da HASA – 1933-1974.
Fonte: dados da pesquisa.
4.1.3.2 A segunda fase: de 1974 a 1984 – a segunda geração decide os rumos da empresa
com a forjaria em Vespasiano-MG
A segunda fase da trajetória da HASA coincide com um momento econômico
importante, quando o Brasil resolveu criar o 2º Plano de Expansão da Siderurgia, na
década de 1970. Essa ação resultou em expressivo aumento da demanda por aço entre os
forjadores, fornecido pela Mannesmann, Belgo Mineira e Villares. A grande concorrente
da HASA nessa época era a Açoforja, que já havia se associado à Mannesmann, numa
parceria que se baseava na participação acionária do então grupo alemão com a Açoforja, o
que assegurava a esta última o abastecimento da matéria-prima necessária. Os outros dois
fornecedores, a Belgo Mineira e a Villares, não tinham condição de fornecer, porque não
121
iriam tirar da sua própria produção para fornecer à HASA. Começavam aí os problemas
com os fornecedores de aço. Pressionada, a empresa partiu para uma grande expansão, com
o objetivo de obter o seu próprio aço.
Esse problema com o desabastecimento de aço foi o marco inicial da ação da
segunda geração, representada por Luiz Cesar, na direção dos rumos da empresa. Horácio,
o fundador, havia se afastado da direção em 1972 e Rêmulo compartilhava com Luiz Cesar
a direção da empresa, o primeiro atuando na área comercial e o segundo, na industrial.
Ante o quadro de desabastecimento do aço, Luiz Cesar tratou de encontrar uma solução
para os problemas decorrentes da falta de matéria-prima, enfrentando até mesmo a vontade
do pai, que durante todo o seu tempo à frente da direção da HASA sempre se opôs a atuar
no ramo da fundição. Segundo o entrevistado, “o seu Horácio nunca quis se envolver com
fundição, apesar de amar a forjaria não gostava da fundição porque tivera experiências
ruins no passado” (entrevista n. 1).
Luiz Cesar convenceu o irmão, Rêmulo, com quem dividia a direção da empresa, de
que não havia solução alternativa, planejou a construção de uma forjaria e fundição que
lhes supriria com os lingotes utilizados como matéria-prima, tornando-os autossuficientes
em aço e prontos para fazerem crescer a indústria mecânica. E assim:
Nós idealizamos a coisa da seguinte forma: vamos criar uma forjaria e fundição, para
depois expandirmos a indústria mecânica. E a coisa caminhou dessa forma. Nós
tínhamos que adotar a fundição porque a matéria-prima da forjaria é o lingote, o
fundido que eu não conseguia comprar (entrevista n. 1).
O projeto da forjaria começou em 1973, com a aquisição do terreno em VespasianoMG. Em 1976, o projeto foi apresentado para análise econômica e de viabilidade pelo
Banco do Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG) e, no final de 1978, a construção da
planta estava concluída. O capital necessário em parte foi próprio e em parte obtido por
122
meio de financiamento junto ao BDMG. Segundo o entrevistado, ele estava seguro de ter
tomado a decisão correta e, portanto, não poupou esforços para construir a usina e tornar a
HASA autossuficiente em aço.
A forjaria entrou em operação, iniciando o fornecimento para a indústria mecânica.
Entretanto, esse momento ocorreu, simultaneamente, com o início da famosa “década
perdida”, os anos 1980, marcados por perdas econômicas, aceleração da inflação, fraca
produção industrial, perda do poder de compra dos salários e nível de empregos, levando o
país, no fim dos anos 1980, à hiperinflação (Bahry & Porcile, 2004). Houve grande
retração do mercado e os clientes da HASA, praticamente, desapareceram. Não havendo
novos pedidos para a indústria mecânica, não se consumia matéria-prima ou o aço da
forjaria. A direção da HASA concluiu que teria que reduzir no limite e interromper a
produção de lingotes, pois o mercado estava em crise: “quando resolvemos o nosso
problema de abastecimento de matéria-prima, aconteceu um desastre: acabou o mercado.
Era o início dos anos 80, a famosa década perdida” (entrevista n. 1).
Foi um período extremamente difícil para a indústria, para o país. Concorriam com a
HASA a Villares, Açoforja, Nossa Senhora Aparecida, Eletro Metal e a Forjas Acesita,
mais tarde, Krupp. Em determinada situação, os empresários dessas empresas se reuniram
para avaliar a situação e chegaram à conclusão de que estavam todos na mesma situação,
sem demanda e que apenas a produção de uma empresa, no caso a Villares, seria suficiente
para abastecer o mercado brasileiro inteiro. A situação era tão crítica que gerou muitas
dúvidas sobre como lidar com a produção. Segundo o entrevistado n. 1:
Ficávamos muitas vezes arranjando desculpa para não ligar o forno elétrico arco
voltaico. Até surgiu um forno de indução, que fazia o mesmo em condições muito
mais baratas, fáceis e com um investimento inicial muito menor. Mas, ligar o forno
para quê? Para nada. Para forjar o quê? Forjar e estocar barra? Eixos, engrenagens,
essas coisas normais. Então, o melhor era não fazer nada.
123
Durante a fase da construção e no início da operação da forjaria, a indústria mecânica
sustentava todo o negócio. Os sacrifícios eram grandes, mas essa era a única possibilidade
de garantir a sobrevivência da empresa. Comprava-se matéria-prima da usina a preços de
custo e, dessa forma, reduziam-se os custos de produção na indústria. A orientação era
“produzir para arcar com os compromissos e dívidas contraídas para o novo investimento”
(entrevista n. 1). Porém, a situação continuou a se estrangular, a empresa foi reduzindo as
suas atividades, se ajustando. Inicialmente, em comum acordo com o sindicato, a jornada
de trabalho foi reduzida para quatro dias semanais, com diminuição de salário, evitando-se
a demissão de pessoal. Apesar de todas essas medidas, a situação agravou-se, levando a
significativa demissão de pessoal.
A crise na empresa perdurou até 1984, quando surgiu uma oportunidade de venda da
forjaria para a empresa de produção de equipamentos agrícolas Semeato, de Passo FundoRS, que justamente buscava uma planta para produzir o aço para o seu próprio negócio. A
venda foi consumada e os negócios da HASA foram concentrados novamente na indústria
mecânica.
O processo de diversificação da empresa, com a entrada no ramo da siderurgia e
construção da forjaria, representou um passo de grande ousadia, mas o seu desfecho
submeteu a empresa a momentos extremamente críticos. Na opinião dos entrevistados,
houve um erro de avaliação do ambiente externo, que os levou a não perceber que o
negócio do aço, depois de viver um momento de grande expansão no país, já apresentava
sinais de retração quando decidiram pela implantação da Usina. A decisão, embora tenha
gerado resultados desastrosos, é relatada como uma experiência proveitosa que permitiu
aos dirigentes se valer da atitude de buscar mais informações no ambiente externo no
sentido de subsidiar as decisões futuras. Segundo o entrevistado n. 1:
124
A usina foi um acerto e um erro. Nós devíamos ter partido para outro tipo de
negócio. Mas aprendemos com a usina a não fazer isso mais, aprendemos muito, não
tem dúvida. Quer dizer, a gente não cometeu mais os erros que a gente cometeu
naquela época, mas infelizmente aconteceu. [...] Reagimos e enfrentamos a situação
sem chegar ao ponto de adoecer ou qualquer coisa. Isso não aconteceu, mas aquela
chama quase que apagou. [...] Tranquilamente, acho que uma maior sistematização
na tomada de decisão, maior preocupação em obter informação que temos hoje pode
ser resultado do que aprendemos com a experiência da usina (entrevista n. 1).
Apesar da decepção com o projeto da forjaria, lembrada com tristeza pelos seus
idealizadores, para os jovens da terceira geração que na época estavam entrando no
negócio, ela é um marco na história da empresa e motivo de grande orgulho. Esses
consideram que a decisão de buscar a autossuficiência em matéria-prima pode até ter sido
tomada sem considerar todas as variáveis do mercado ou terem sido cometidos erros de
avaliação quanto à viabilidade do empreendimento, mas foi algo que marcou a trajetória da
HASA, projetando-a no cenário da indústria mineira. Além desses aspectos, a usina
representa a capacidade de sonhar e ousar que caracteriza os Albertinis, como explica a
entrevistada n. 2:
A forjaria! Ele [o Luiz César Albertini] fala “ah, me consumiu muitos anos e tudo”,
mas são coisas que acontecem. Mas, de fato, isso foi um grande marco para o nome
da empresa e para o conhecimento do Luiz César Albertini. Talvez tenha faltado de
fato o mercado no momento certo ou, talvez, uma ajuda profissional, mas, enfim, são
coisas que acontecem em todo empreendimento, às vezes dá muito certo e às vezes
não. Mas a gente não pode falar que foi um fracasso total. Não, foi uma coisa muito
vitoriosa. Uma pessoa com a visão dele, sonhando eu quero construir uma indústria,
uma forjaria. De fato acho que isso foi um grande marco, um aprendizado para todos,
apesar de todas as dificuldades.
Com a venda da forjaria, a HASA permaneceu apenas no negócio da indústria
mecânica e, para se recuperarem da frustração, os gestores decidiram adquirir um terreno
em Vespasiano-MG para a construção da sua atual planta. Nessa 2ª fase da trajetória o
fundador se afastou da empresa e a segunda geração assumiu o comando da empresa,
levando a empresa à diversificação do negócio e à introdução de novas de rotinas de
125
gerenciamento. A decisão dos gestores da segunda geração, de buscar na siderurgia a
autossuficiência em matéria-prima, foi baseada em circunstâncias do ambiente externo, que
devido à expansão do consumo de aço no país levou a uma crise de suprimento de matériaprima que afetou diretamente a empresa. Contudo, apesar de todos os cuidados e esforços
dos novos gestores, a decisão da diversificação resultou em erro, que foi revertido com a
decisão de venda da forjaria e o retorno do foco do negócio na indústria mecânica, com
investimento em uma nova planta em Vespasiano-MG.
Essa forma de lidar com o erro revela um novo estilo de decisão e aprendizagem
baseado no conhecimento adotado pela segunda geração, para a qual o erro não paralisa,
não é descartado, mas absorvido como componente da experiência e do conhecimento dos
gestores, usado na maneira de tomar decisão. A síntese dessa fase encontra-se na Figura 3.
Afastamento
do fundador
Sucessão
natural
Diversificação
do negócio
Nova visão do
dirigente da 2ª
geração
Retração do
mercado
Concentração
no negócio
original
Figura 3 - 2ª fase da trajetória da HASA – 1974-1984.
Fonte: dados da pesquisa.
4.1.3.3 A terceira fase: de 1985 a 2002 – a nova planta, a recuperação financeira e a
entrada da terceira geração
A partir de 1985, a “década perdida” dava sinais de caminhar para os seus anos finais
e a empresa tomou medidas de ajustes para adequar-se a um ambiente externo em
recuperação, mas ainda desfavorável. Tendo se desfeito da forjaria, os gestores destinaram
126
os recursos obtidos com a transação para a construção de uma nova planta, dando foco na
indústria mecânica, apostando na reputação e tradição do nome HASA. Ocorreram nessa
fase a transferência das operações da empresa para a sua planta atual em Vespasiano-MG,
alterações no portfólio de produtos com eliminação de itens que apresentavam baixas
margens de contribuição e, ainda, a entrada de gestores da terceira geração da família que
compartilharam com a segunda geração a decisão das primeiras ações de modernização do
parque industrial e criação e implantação de procedimentos administrativos, financeiras e
comerciais, adotando-se melhor sistematização das atividades. Iniciava-se a 3ª fase da
trajetória da empresa, que correspondeu ao período de 1985 a 2002.
Até 1985, as instalações industriais da HASA ainda estavam localizadas no bairro de
Santa Tereza, em Belo Horizonte, e não mais suportavam o porte da empresa. Além disso,
a operação de carga e descarga na área urbana estava se tornando praticamente inviável,
pois com o crescimento da cidade a localização de uma indústria mecânica na rua Hermílio
Alves tornara-se impraticável. Aproveitando a disponibilidade de recursos gerados na
transação de venda da forjaria, a direção decidiu transferir a sua unidade de mecânica do
bairro de Santa Teresa para uma nova área adquirida no município de Vespasiano, onde
foram construídas instalações especialmente planejadas e mais adequadas. A unidade
produtiva da nova planta ficou pronta entre os anos 1987 e 1988, e seis anos mais tarde
toda a empresa foi concentrada em Vespasiano.
Ao se instalar na nova planta, decidiram pela redução das atividades de caldeiraria, já
existente em Vespasiano, mantendo-a apenas para atender ao consumo interno e suporte
logístico. Com essa redução foram eliminadas do portfólio de produtos da empresa a
chaparia e a fabricação de estruturas. Essas medidas, segundo a entrevistada n. 2, tinham
como objetivo produzir uma alavancagem das atividades da indústria mecânica, que havia
se tornado novamente o foco das atividades da empresa.
127
Focados na indústria mecânica e contando com a participação de profissionais
familiares pertencentes à terceira geração dos Albertinis, Maria Hermínia e Horácio Neto,
ocorreu uma série de procedimentos de modernização da gestão, contratação de pessoal
especializado, melhorias do parque produtivo, aquisição de novos equipamentos com a
incorporação de máquinas computadorizadas e edificações mais modernas, que
impactaram o padrão de qualidade da empresa. Como relata a entrevistada n. 2:
Em Vespasiano fizemos melhorias em termos de capital humano, equipamentos de
alta tecnologia, computadorizados, construímos várias edificações, melhoramos o
layout da empresa. Melhoramos a nossa qualidade. Sobre as mudanças de capital
humano, houve a contratação de gente mais especializada. [...] Embora os negócios
tenham melhorado, a HASA se viu obrigada a dedicar um tempo para conhecer a sua
real situação financeira e contábil e, para tal, os gestores decidiram usar o recurso de
contratar uma auditoria financeira e contábil. [...] Era um momento no país, entre
1999 e 2000, que de um modo geral as empresas ou estavam quebradas ou estavam
em débito com o [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços] ICMS e os
tributos federais [Instituto Nacional de Seguridade Social] INSS, Programa de
Integração Social [PIS], [Contibuição para Financiamento da Seguridade Social]
COFINS. E da nossa parte, fizemos um levantamento financeiro da empresa para
saber onde estávamos e para onde iríamos. Foram contratadas duas empresas de
consultoria na área financeira e tributária. O que se pretendia era ter uma real visão
de quais eram as possibilidades de saldar as dívidas, definir prazos de pagamento,
enfim, ter um espelho real da empresa. Recebemos dos consultores diretrizes que
foram determinantes do que deveria ser feito e as consequências se não fizéssemos
(entrevista n. 1).
A consultoria foi preponderante, porque a empresa começou a enxergar aquilo que no
dia-a-dia você trabalhando e produzindo não vê. A conta tá chegando, você tá
pagando, produzindo... Então você se perde nessa rotina e percebe que daquela forma
que você está fazendo jamais vai sair daquele lugar. Então essa foi a grande virada. O
trabalho da auditoria foi sem dúvida um grande marco na história recente da empresa
(entrevista n. 2).
A contratação da consultoria externa é vista como uma decisão adequada, resultando
em uma situação de sucesso, conforme o entrevistado n. 2:
128
Quando a gente olha pra trás e lembra de todo o trabalho que foi feito pelas
consultorias, daqueles dias difíceis, da situação de você sentar e ouvir falar “as coisas
não estão nada bem” e saber que a empresa conseguiu sanear as suas dívidas e ainda
assim conseguiu crescer com o parque industrial, se modernizar, se manter no
mercado [...] essa foi uma situação que eu lembro com muito carinho, com muita
satisfação de ter participado, ajudado, de estar aqui dentro e não ter deixado a peteca
cair pensando “tá difícil, mas a gente vai conseguir” (entrevista n. 2).
A primeira providência tomada com base na avaliação dos custos e nos resultados da
auditoria foi adotar uma estratégia de concentração ainda maior dos negócios na indústria
mecânica, com o encerramento das atividades da Comasa, um dos negócios da HASA
concorrente da Caterpillar para a fabricação de equipamentos e peças para tratores.
Outro fato que contribuiu para o saneamento das dívidas da empresa foi que no ano
de 2000 o governo federal instituiu o Programa de Recuperação Fiscal (REFIS) 10 que,
somado a outros programas de anistia criados pelo governo estadual, representou uma
grande oportunidade para as empresas se reorganizarem, colocando em ordem a vida
financeira. Essa intervenção dos governos federal e estadual nos anos de 1999 e 2000 foi
determinante, não apenas para a continuidade dos negócios da HASA, como para várias
outras empresas do setor. Assim, somada à oportunidade criada com o REFIS e as anistias
estaduais, o resultado do trabalho de auditoria interna teve implicações administrativas e
operacionais na empresa.
Na dimensão da gestão essas implicações incluem a obtenção da certificação ISO
9000, políticas de recrutamento e capacitação de pessoal, adoção de um estilo de decisão
por troca de informações rápidas e compartilhamento, foco no mercado e gestão
estruturada de processos. Ressaltam-se a certificação e a política de gestão de pessoas
voltadas para qualificação, as quais, segundo os entrevistados, impactaram diretamente os
resultados da empresa.
10
REFIS – A Lei 9.964, de 10 de abril de 2.000, instituiu o REFIS, destinado a promover a regularização dos
créditos da União, decorrentes de débitos de pessoas jurídicas, relativos a tributos e contribuições da Receita
federal e do INSS.
129
Há uns 15 anos, quando nós decidimos a implantar a ISO, decidimos realmente
implantar a ISO, não comprar certificado. Isso melhorou muito a gestão da empresa.
[...] Procuramos contratar funcionários qualificados, com alguma experiência e
também estagiários, jovens para aprender (entrevista n. 2).
O estilo de gerenciamento voltado para a solução de problemas pode ser observado
tanto nas decisões cotidianas como naquelas relativas aos rumos dos negócios. Por
exemplo, as decisões relativas ao atendimento de um pedido de cliente ocorrem de forma
padronizada, rápida, seguindo o fluxo estabelecido de trabalho. A troca de informações
ocorre em reuniões rápidas, sem burocracia, num estilo de administração no qual tudo é
compartilhado, face a face e diariamente. Da mesma forma, no comercial e na gerência
industrial ocorrem algumas pequenas reuniões por semana, para poder afinar o ritmo na
produção.
Você recebe uma consulta do cliente, responde com uma proposta, que pode ou não
resultar em um novo pedido. Quando se ganha o pedido, abre-se uma ordem de
serviço (OS) comercial e uma OS técnica. A área comercial fica com a primeira, que
tem os dados econômicos e financeiros, e a OS técnica vai para a fábrica para ser
produzida. [...] São decisões rápidas, uma área contata a outra “um telefona para o
outro, vai na sala, é tudo perto. Não tem rotina de reunião, é tudo decidido no dia -adia” (entrevista n. 3).
O Superintendente despacha com todo mundo, talvez por conta da idade ou da
experiência (entrevista n. 1).
Surgiu uma questão, a gente senta e em 15 minutos está pronto, resolveu, definiu.
Sempre pequenas reuniões, duas ou três vezes ao dia, resolve e então cada um vai
cuidar do seu departamento. Essa é a nossa forma de administração compartilhada
(entrevista n. 2).
Já no que diz respeito às decisões que implicam investimentos mais altos ou relativas
a melhorias em produtos, processos ou serviços, pratica-se uma procura sistemática de
informações,
principalmente
nas
fontes
externas
especializadas,
sem,
contudo,
desconsiderar a opinião da geração mais nova que atua como importante provedora de
ideias e informações. Outra fonte considerada são os “clientes amigos”, mais próximos.
130
Entre as fontes externas são valorizados órgãos, entidades de classe e fornecedores. A
participação em feiras e as viagens também são vistas como espaços privilegiados para
aquisição de conhecimento.
Um pouco de intuição sempre é muito bom, mas as informações são melhores ainda.
Livros, revistas técnicas, a internet tem tudo. É através dessas fontes que a gente se
atualiza (entrevista n. 1).
Ele [o superintendente] diz “eu vou procurar tudo que eu quero lá na China, em
Taiwan, na Alemanha”. Mas isso também só é possível porque a geração nova vem e
mostra para ele “olha, isso aqui existe”. Então é uma troca de conhecimentos novos,
porque é novo mesmo, não aquele conhecimento da mecânica antiga, que pouca coisa
modificou (entrevista n. 2).
É através dessas fontes que a gente se atualiza. Outra fonte são as viagens, viajar, ir
para fora, buscar novidades (entrevista n. 1).
A assinatura de jornais e de jornais e as revistas técnicas. Isso tudo faz com que a
informação circule, que ela seja bem pensada e bem usada. E também somos
associados do Sindicato da Indústria Mecânica em Minas Gerais (SINDIMEC) e à
FIEMG. E tem o sindicato nosso em Vespasiano (entrevista n. 2).
Uns quatro ou cinco clientes, sem erro de cometer injustiça, foram clientes amigos,
foram até quase certo ponto conselheiros, que nos falavam as coisas de forma muito
interessante. Ajudaram na tomada de decisão (entrevista n. 1).
Ao longo dessa terceira fase, o ambiente externo desfavorável se modificou por meio
da intervenção pública na gestão financeira das empresas, com os mecanismos de
recuperação de créditos e anistia fiscal. A empresa transferiu sua operação para as novas
instalações industriais, promoveu a revisão do portfólio de produtos e se apropriou da
situação geral mais favorável para se reorganizar e inovar. Durante esse período, também
se registra a entrada da terceira geração de gestores da família que, em conjunto com a
segunda geração, introduziu novas rotinas de gestão e promoveu o reequilíbrio financeiro
do negócio, introduzindo a prática do diagnóstico e planejamento com a participação de
consultorias externas. A empresa alcançou novo patamar gerencial, com mais
profissionalização e organização, que explorou as novas competências em gestão,
131
comercialização e produção dos membros da terceira geração. A gestão se profissionalizou
com a profissionalização dos novos gestores familiares. A Figura 4 apresenta uma síntese
dessa fase.
Concentração
na indústria
mecânica
Investimentos
na nova planta
Visão dos
dirigentes
Profissionalização
da gestão
Tradição de
manter a
família na
empresa
Entrada da
3ª geração
de gestores
Figura 4 - 3ª fase da trajetória da HASA – 1985-2002.
Fonte: dados da pesquisa.
4.1.3.4 A quarta fase: de 2002 a 2013 (atual) – a inovação tecnológica no parque
industrial, as novas práticas de gestão e a participação da terceira e quarta
gerações
A última década (2002-2013) representa a última fase na trajetória da HASA,
simultânea a um período bastante favorável na economia brasileira, de inflação controlada,
crescimento econômico e boa demanda de serviços. O marco inicial dessa fase foi a
introdução, em 2002, das máquinas computadorizadas - CNC, pelo novo gerente da
fábrica, o engenheiro Horácio Neto. Desde então, as maquinas mecânicas foram e ainda
estão sendo substituídas por máquinas de controle numérico - CNC -, modificando o
padrão de produção da indústria e trazendo novas expectativas. A informatização também
foi estendida às demais áreas da empresa, produzindo visíveis ganhos de eficiência e
eficácia, com redução de prazos, melhoria da qualidade dos produtos e processos e mais
satisfação dos clientes. Para a segunda geração, os ganhos da informatização foram
132
expressivos, apesar de ter tirado a poesia da mecânica. A informatização não só repercutiu
na visibilidade da empresa no mercado, como garantiu mais fidelização dos clientes.
Porque hoje a máquina faz aquilo que o homem fazia, e faz até melhor. Para uma
máquina CNC não interessa se você está fazendo plano ou circunferência, ela faz
aquilo que você programa. É muito interessante você ver uma máquina que foi feita
para fazer redondo, fazer quadrado. É uma coisa incrível (entrevista n. 1).
O impacto dessas mudanças aumentou a nossa visibilidade e o cliente cada vez mais
fidelizado (entrevista n. 3).
Com os membros da terceira geração assumindo postos de gestão, a estrutura
organizacional tornou-se mais profissionalizada. As funções de produção e administração
e finanças foram atribuídas aos profissionais familiares, Horácio Neto e Maria Hermínia,
respectivamente. Também se abriu espaço na estrutura para a inclusão de membros da
quarta geração, que estão sendo absorvidos na empresa por critérios de capacitação e
qualificação.
Observa-se, então, que está ocorrendo atualmente na empresa uma convivência de
membros da segunda, terceira e quarta gerações dos Albertinis e essa mescla da
experiência com a formação técnica parece trazer melhorias para a empresa e os seus
processos. Na avaliação dos entrevistados a combinação de experiência e competência
técnica tem melhorado a maneira de gerenciar a empresa, que atua com foco no mercado se
antecipando às novas exigências impostas pelos clientes, governo e sociedade.
133
Hoje considero que estamos muito mais eficientes, não só na produção, na qualidade,
mas na maneira de gerenciar a empresa. Por exemplo, o Horácio é mecânico,
formado em Mecânica, trabalha na área de Mecânica e entende muito de mecânica,
talvez tanto quanto o Luiz Cesar, muito embora as soluções criativas ainda venham
dele. De uns 10 anos para cá, com exceção do José Marcos, que é mais antigo na
empresa, a terceira geração entrou e foi trabalhando devagarinho. A área comercial
muda a toda hora e você precisa ter um olhar mais atento com o que está
acontecendo, o que o cliente está demandando, o que o mercado deseja. O governo
quer que tudo esteja correndo muito bem no departamento pessoal, na área de meio
ambiente, na área tributária e você tem que estar atenta ao que está ocorrendo... O
mais difícil nessa área administrativo-financeira é você conseguir acompanhar e estar
atualizado (entrevista n. 2).
Predomina no modelo de gestão compartilhada pelas gerações um espírito de
participação e cumplicidade, constatada, por exemplo, quando se afirma que a cada decisão
tomada “todo mundo foi envolvido, todo mundo apoiou as ideias e viu que as medidas que
a gente adotou foram certeiras” (entrevista n. 1). O mesmo espírito se observa ao
descreverem a forma de reagir aos erros, de assumir a responsabilidade pelas
consequências de situações que fugiram ao controle e da importância do erro como
mecanismo de aprendizagem. Na HASA considera-se que existam dois tipos de erro: o erro
técnico, aquele que ocorreu no processo produtivo e que fugiu ao controle, e o erro
decorrente da falta de atenção a situações rotineiras. Para o primeiro, prevalecem a
tolerância e a compreensão; para o segundo, ainda que dosada de profissionalismo, seguese a advertência. Mas, em qualquer das duas situações, o erro é sempre compartilhado e
tomado como oportunidade de aprender, como se constata na fala dos entrevistados:
Quando tem algum erro que você vê que é um erro técnico, eu falo assim
“infelizmente, esse ninguém pegava”, tem que ter paciência. Agora, para as
bobaginhas do dia-a-dia, eu falo “pelo amor de Deus”. Mas sempre com espírito
profissional. [...] Nunca colocar o pessoal na frente, do tipo não faço, não quero e não
admito. Brigar apenas por conta do serviço, ofensa pessoal definitivamente não pode,
discriminação, nós nunca admitimos, e todos funcionam, quando não funciona, vai
embora (entrevista n. 1).
134
Geralmente, quando acontece o erro, ele é compartilhado. O erro não é “ah, você
errou, esse trem aí deu errado por sua culpa”. Não. Nunca acontece falar assim “ah,
você...” [...] Às vezes um equipamento que você compra, pensando que vai te dar
uma produtividade, mas o mercado não tem demanda para ele que se torna um
prejuízo. E o que que a gente aprende com isso? Eu vou deixar de investir? Não. Não
vou deixar de investir, mas você aprende que às vezes você precisa ter um pouco
mais talvez de cautela para uma tomada de decisão. [...] Às vezes uma contratação
que foi malfeita, que gera uma demanda trabalhista ou um contrato que tinha que ter
sido olhado com um pouco mais de carinho e deságua num problema financeiro no
futuro. O erro nunca é... eu acho, pelo menos aqui a gente não trata “o erro é seu, só
seu, você que durma com ele”. Não. O erro é de todos: é de quem fez o contrato, é de
quem não revisou o contrato, é de quem não prestou atenção naquele contrato, é de
quem não conduziu aquele funcionário de forma que não desse aquele tipo de
problema. O que a gente faz aqui é isso, o erro é dividido, todo mundo carrega a sua
parcela do seu calvário e vai dormir com aquilo na cabeça. [...] Eu acho que o erro
tem um efeito positivo. A pessoa se torna mais responsável. E outra coisa: você
divide o fardo. Porque também não adianta você só culpar, porque no final das contas
a consequência é para todos, o erro de um vai refletir em todo mundo. Então não
adianta você jogar a pedra lá na Madalena, porque você tem que ajudar a Madalena
porque... tá ruim com a Madalena, pior sem Madalena (entrevista n. 3).
Nos últimos anos dessa última fase da trajetória da HASA o ambiente externo tem se
alternado em momentos de crescimento e retração, gerando incerteza quanto ao futuro do
negócio, mas os ganhos internos de produtividade e gestão mantêm a empresa. Ocorre
crescente participação dos membros da terceira geração na estrutura organizacional e no
processo decisório, mas a direção ainda é assumida pela segunda geração. A empresa está
desfrutando de excelente reputação e tradição no mercado e seus dirigentes se dizem
dispostos a inovar e prosseguir no negócio da indústria mecânica, avançando com a
profissionalização da gestão. A Figura 5 sumariza a 4ª fase da trajetória da HASA.
Tradição de
manter a família
na empresa
Gestão
compartilhada
entre a 2ª e 3ª
gerações
Figura 5 - 4ª fase da trajetória da HASA – 2000-2013 (atual).
Fonte: dados da pesquisa.
Prossegue a
modernização
da gestão
135
Em síntese, a descrição da trajetória da HASA, da sua criação até o período de
realização da pesquisa, em 2013, é marcada por quatro momentos ao longo dos 80 anos de
existência. A fase inicial se estendeu por 41 anos, de 1933 a 1974, período em que
ocorreram a expansão para uma nova planta, localizada no bairro de Santa Tereza, na rua
Hermílio Alves, a entrada da segunda geração e o afastamento de Horácio da direção da
empresa, em 1972. Foi um período em que o ambiente externo apresentava-se
extremamente positivo para o desenvolvimento da empresa e os gestores souberam
perceber e aproveitar todas as oportunidades que foram surgindo, adaptando-se e passando
a fornecer a mercados variados, consolidando uma imagem de competência e qualidade. O
processo decisório concentrava-se nas mãos dos fundadores, mas a entrada da segunda
geração, confirmando a tradição iniciada pelos fundadores de manter a família atuando na
gestão do negócio, possibilitou a convivência da primeira e segunda gerações. Isso resultou
na formação do novo membro da família e aquisição de experiência profissional, passada
do pai e irmão para o filho mais jovem. O afastamento do fundador Horácio, por
problemas de saúde, iniciou a transição do processo decisório para a segunda geração. Essa
fase se encerrou com a segunda geração assumindo a direção e definindo novos rumos para
a empresa, com a diversificação para o negócio de siderurgia e novas de rotinas de
gerenciamento.
A segunda fase da trajetória da HASA se estendeu por 10 anos, de 1974 a 1984.
Iniciou-se com uma crise de suprimento de matéria-prima, que afetou diretamente a
empresa. O fundador havia se afastado da empresa e a direção passou a ser compartilhada
entre a primeira e a segunda gerações. Para equacionar o problema de desabastecimento de
matéria-prima, a segunda geração assumiu os rumos do negócio e ocorreu a diversificação
da empresa, com a entrada no ramo da siderurgia. Essa decisão resultou em erro, que foi
revertido com a decisão de venda da forjaria, retorno do foco do negócio na indústria
136
mecânica e o investimento em uma nova planta, em Vespasiano-MG. Essa forma de lidar
com o erro revela um novo estilo de decisão e aprendizagem baseada no conhecimento
adotado pela segunda geração para a qual o erro não paralisa, não é descartado, mas
absorvido como componente da experiência e do conhecimento dos gestores.
A terceira fase da trajetória se estendeu por 15 anos, entre 1985 e 2002, marcada
pelas novas instalações industriais, revisão do portfólio de produtos e entrada da terceira
geração, que promoveu mudanças de rotinas e reequilíbrio financeiro do negócio. O
ambiente externo inicialmente desfavorável se modificou por meio da intervenção pública
na gestão financeira das empresas. A direção da empresa passou a compartilhar o processo
decisório com a terceira geração, levando a empresa a um novo patamar gerencial e
profissionalização da empresa. Os últimos 11 anos marcaram a quarta fase da trajetória,
entre o início dos anos 2000 e 2013, com a introdução das novas tecnologias de produção e
de gestão, mais participação dos membros da terceira geração na estrutura organizacional e
no processo decisório, com a direção ainda assumida pela segunda geração. O ambiente
externo tem se alternado em momentos de crescimento e retração, gerando incerteza
quanto ao futuro do negócio, mas os ganhos internos de produtividade e gestão mantêm a
empresa. Iniciou-se o processo de formação e aprendizagem dos membros da quarta
geração. A Tabela 9 informa os recortes da trajetória da HASA e encerra esta subseção.
137
Tabela 9
Recorte das fases da trajetória da HASA
Fases
recortes
Período
1ª.
2ª.
3ª.
4ª.
1933-1974
1974-1984
1985-2002
2002-2013
Tempo
Marco
inicial
41 anos
Criação
10 anos
Diversificação
do
negócio - entrada no
ramo da siderurgia
17 anos
Expansão da indústria
mecânica
11 anos
Modernização
da
indústria mecânica
Marco
final
Entrada da 2ª geração
Concentração
negócio inicial
Entrada da 3ª geração.
Conclusão
pesquisa
Contexto
externo
Muitas oportunidades
Oportunidades
seguidas de muitas
ameaças.
Eventos
no
- Criação da empresa;
-Afastamento
do
- construção da 1ª
fundador;
planta;
- 2ª geração assume o
- investimento em
processo decisório;
máquinas e
- novas rotinas de
equipamentos;
gerenciamento;
- 2ª geração inicia o
- construção e operação
processo de
da usina;
aprendizagem do
- retração do mercado
ofício;
comprador;
- início da
crise
estrutural
profissionalização da
“década perdida”;
gestão;
- concentração no negó- gestão racional e
cio inicial.
enfoque
mercadológico;
- diversificação de produtos e mercados.
ISO: International Organization for Standardization.
Fonte: dados da pesquisa.
da
Ameaças seguidas de Muitas oportunidades
recuperação e novas
oportunidades.
- Transferência das operações para a nova planta;
- revisão do portfólio de
produtos
e
alavancagem
da
indústria mecânica;
- 3ª geração assume
cargos de direção;
- início da modernização
da gestão, melhorias do
parque produtivo e do
capital humano;
- consultoria contábil e
financeira;
- recuperação financeira e
saneamento
das
dívidas;
- certificação ISO.
- 3ª geração define e
assume cargos de
direção.
- profissionalização
da gestão.
4.2 Caracterização da Delp Engenharia
A Delp Engenharia Mecânica S.A. foi fundada em Guarulhos-SP, em 1964, e tem por
objetivo a elaboração de projetos de engenharia, fabricação e o fornecimento de
equipamentos e sistemas, a execução de serviços de construção, montagem e assistência
técnica para os setores de infraestrutura e industrial, caracterizando-se como uma indústria
de fabricação de bens de capital. Sua operação é organizada em quatro unidades de
negócios: geração de energia, indústria, óleo e gás e serviços. A unidade energia oferece
138
soluções completas para o fornecimento de hidromecânicos, incluindo engenharia básica e
detalhada e destaca-se pela fabricação de distribuidores, partes da ilha de geração, rotor de
turbinas, carcaças de turbinas e similares e reforma de turbinas Uhs e PCHs.
A unidade indústria é formada por uma equipe com grande experiência em
desenvolvimento e gerenciamento de projetos específicos, oferecendo opções de fabricação
de equipamentos sob encomenda para os segmentos ferroviário, mineração, siderurgia,
cimento, indústria do papel e celulose e indústria de base em geral.
O negócio de óleo e gás atua no segmento petroquímico nas etapas de exploração,
produção e refino de petróleo, com reconhecida capacidade de atender à demanda de
equipamentos de alta qualidade e tecnologia, suprindo os projetos nas fases down stream e
up stream. Destaca-se pela qualificação de seus profissionais especificamente em
engenharia e soldagem, com atendimento de todos os requisitos Application Programming
Interface (API), American Society of Mechanical Engineers (ASME), American Nacional
Standards Institute (ANSY) e outras normas internacionais. E, finalmente, a unidade
serviços fabrica, monta e coloca em operação máquinas, instalações completas, peças e
subconjuntos projetados por terceiros. Executa, ainda, serviços de construção metálica,
usinagem, recuperação de peças e subconjuntos para as indústrias siderúrgicas,
cimenteiras, mineração, entre outras.
A Delp atende a empresas de médio e grande porte, nacionais e internacionais com
operação no Brasil, destacando-se a Petrobrás, FMC Technologies do Brasil Ltda.,
SUBSEA 7, Wärtsilä Brasil, Technip Brasil, Andrade Gutierrez S.A., Camargo Correia
S.A., Odebrecht S.A., Alusa Engenharia e Mendes Júnior. Para atender e manter esse
seleto grupo de clientes, possui certificação ISO 9001 para as suas duas plantas, uma em
Contagem-MG e outra em Vespasiano-MG, e promove uma política que assegura
qualidade, competitividade nos custos, agilidade e atendimento diferenciado. A Delp está
139
em processo de adoção de uma gestão integrada, buscando certificação nas normas ISO
14001 e Occupational Health and Safety Assessment Series (OHSAS) 18001.
No seu planejamento estratégico, a Delp destaca que a sua missão é “agregar valor
aos clientes e acionistas, fornecendo soluções industriais com classe mundial e construindo
relacionamentos duradouros”. Pretende ser reconhecida pelos clientes como opção
preferencial para o fornecimento de soluções industriais.
Com 50 anos de existência completados em 2014, o que os gestores atribuem para
explicar a longevidade da Delp é o trabalho, “a nossa longevidade eu explico pelo trabalho.
Se não tivesse muito trabalho, muito sacrifício, a gente não tinha chegado aonde nós
chegamos hoje”. De fato, o trabalho árduo é um valor que se destaca desde que a empresa
foi adquirida pelo primeiro grupo familiar, formado pelos sócios irmãos e, ainda hoje, é
mencionado pelos entrevistados como um valor essencial ao enfatizarem que “ainda
continuamos a trabalhar muito e isso é um fato constatado” (entrevista n. 3).
Outro aspecto relacionado à longa sobrevivência da empresa é o valor atribuído ao
negócio, que transcende, em muito, o seu valor patrimonial. “Os nossos valores são
imponderáveis. A meu ver, são. Tá na cabeça da gente. A gente fala assim ‘poxa, se
eu vender, eu vou ficar sem uma indústria, sem isso? E é nisso que está o orgulho da
gente: ter um patrimônio muito grande, mesmo sabendo que o fluxo de caixa é fraco.
Mas, a expectativa sempre é de melhorar. Isso é uma verdade’” (entrevista n. 3).
Na empresa familiar, os valores ocupam lugar importante para a preservação do
empreendimento, ainda que sejam percebidos de forma diferente entre as gerações, que
podem não apresentar a mesma disposição de manter o negócio, de trabalhar e zelar pela
sua perenidade:
140
Os valores se perpetuam, com certeza. Eu não sei se os filhos têm a mesma
disposição, mesmo não ganhando, mas eu mantenho. Mas o que eu acho que é o
maior diferencial é que do mesmo jeito que estou falando que eu não tenho amor, eu
tenho amor ao negócio, eu quero continuar, quero fazer dar certo. Não a Delp, mas o
grupo, o nome do meu pai, o que ele já construiu (entrevista n. 1).
Somadas aos valores, também as decisões estratégicas e o senso de oportunidade
justificam a longevidade do negócio. Quando a empresa percebeu que o setor de bens de
capital é naturalmente instável e sujeito a crises e escolheu, deliberadamente, uma
estratégia de diversificação, criou, na percepção dos gestores, condições para que a
empresa reduzisse seus riscos e aumentasse as chances de se tornar longeva. Isso ocorreu
com a entrada no agronegócio e depois no setor de ligas, no começo dos anos 80. E foi
muito importante; “nas crises do setor de bens de capital tanto a Minasligas como a
Fazenda seguraram o negócio e diversificaram o risco” (entrevista n. 2).
Em outro momento, no final dos anos 90, a longevidade foi resultado de outra
virada estratégica nos rumos da empresa. A Delp, que até então tinha no seu ácido
desoxirribonucleico (DNA) a siderurgia e a mineração, reunindo competências e
experiência nessas áreas, percebeu que o mercado do petróleo seria um bom negócio. Em
consequência, hoje o petróleo responde por 70% dos negócios da Delp. E, mais
recentemente, já nos anos 2000, outro marco da longevidade da empresa foi a aquisição da
planta de Vespasiano.
Constata-se que a Delp é uma empresa de propriedade e controle familiar, gerida por
profissionais. Da sua criação, em 1964, ao momento atual da empresa, em 2013,
participaram e atuam no seu desenvolvimento duas gerações da família Zica e profissionais
familiares e não familiares.
141
4.2.1 Os fundadores, as gerações da família Zica e os profissionais na Delp
Primeira geração: os fundadores e os sócios irmãos
Em Guarulhos, São Paulo, no ano de 1964, os quatro amigos, Deus, Eliezer, Loureiro
e Pimentel, fundaram a empresa e lhe deram o nome Delp, formado pelas suas respectivas
iniciais, para a fabricação de porcas e parafusos especiais e peças usinadas. Petrônio
Machado Zica, Administrador e atual presidente do conselho de administração da Delp,
naquela época trabalhavam como corretor de seguros em Belo Horizonte-MG e nos finais
de semana iam até Guarulhos para ajudar um dos fundadores da empresa, o seu cunhado
Pimentel, na organização da nova empresa.
Em 1965, Pimentel adquiriu as cotas dos seus três sócios e, posteriormente, propôs
ao Petrônio a compra do total da empresa. Ao fazer o negócio, Petrônio transferiu a Delp
para um galpão de 180 m2, na Vila dos Urubus, no bairro de Santa Efigênia, em Belo
Horizonte. Já operando em Belo Horizonte, Petrônio convidou o irmão José Rodrigo Zica
para associar-se ao empreendimento, iniciando-se aí a carreira da família na indústria
mecânica. Em seguida, juntou-se a eles o irmão mais novo, Tadeu, e anos mais tarde o
irmão mais velho, José Carlos. Consolidava-se dessa forma a primeira etapa da criação da
empresa Delp, sob a propriedade da família Zica. Os irmãos e sócios assumiram a gestão
da empresa, ficando cada um responsável por uma das áreas financeira, produção e
compras e Petrônio, a área comercial. Na empresa investiram todos os seus recursos
financeiros e, com o propósito de crescer e consolidar a empresa, reinvestiam, anualmente,
os lucros obtidos.
A partir do ano de 1980, dando continuidade à estratégia de diversificação, passou a
atuar em três ramos de negócio - indústria mecânica, agropecuária e siderurgia. Para tal, a
142
estrutura de propriedade do grupo foi alterada com a entrada de outros dois sócios, sendo
um cunhado dos irmãos sócios da Delp, Paulo Cezar Fialho, e um profissional, o
engenheiro Joaquim Barros Cota, técnico e especialista em ferro-ligas.
A primeira geração de gestores - representada pelos irmãos Petrônio, José Rodrigo,
Tadeu e José Carlos, o cunhado Paulo Cezar e o profissional Joaquim - permaneceu à
frente da direção da empresa até que, em 1998, por desentendimentos entre os sócios,
decorrentes da falta de acordo quanto à entrada dos filhos de um sócio para atuar na
empresa, ocorreu uma cisão no grupo, como relata o entrevistado.
Na verdade, aconteceu a cisão talvez por voluntarismo, por um egoísmo de cada um
– meu e do Rodrigo, nós éramos os acionistas principais, de não querer fazer um
acordo, de não querer profissionalizar, ele queria pôr os filhos dele, que são mais
velhos que os meus, eu achava que não devia pôr, se ele pusesse eu também ia pôr
meus filhos, que eram mais novos, não tinham competência nenhuma, mas se ele
pusesse, eu ia pôr. Então ficava um mal-estar, então achamos melhor separar. E
fizemos a separação não litigiosa, consensual com divisão de patrimônio, cada um
ficou feliz de um lado, e nós dois não nos conversamos mais (entrevista n. 3).
Petrônio Zica permaneceu à frente da Delp Engenharia Mecânica Ltda. e de outros
empreendimentos, passando a atuar basicamente no mercado de mineração e siderurgia. Na
ausência dos irmãos que antes dirigiam a empresa, Petrônio assumiu a presidência, o seu
sobrinho Ari a superintendência geral e os seus filhos iniciaram as atividades na empresa
em funções de apoio e aprendizagem. José Rodrigo Machado Zica, Tadeu Machado Zica e
Paulo Cesar Fialho ficaram responsáveis pelas outras empresas do grupo, a Minasliga e a
Bemil, fazendas e outros empreendimentos.
143
O fundador Petrônio se descreve como uma pessoa “fácil de lidar”, que mantém por
opção uma forte inserção em entidades de classe e associações ligadas à indústria
mecânica, pois considera que “participar de entidades de classe, associações ajuda
muito, principalmente para fazer um networking, conhecer as pessoas; e quando você
tem alguma dificuldade, ajuda”. Essas características o diferenciavam do seu irmão e
principal sócio José Rodrigo (falecido), de temperamento mais forte, mais rígido.
O Rodrigo era mais difícil. Mas ele era muito bem intencionado, muito honesto,
muito cumpridor do que acertou tá acertado “é do jeito antigo” (entrevista n. 3).
Outra característica forte do fundador, citada nas entrevistas, é a sua paixão pela
indústria de bens de capital, determinação na preservação do empreendimento e orgulho
pelo negócio que criou e fez crescer.
[...] é um alucinado com bens de capital. Você o alerta, “o negócio está dando
prejuízo”, mas ele quer investir, o olho brilha,e investe. É um entusiasta, acredita no
negócio. Coisas que racionalmente não fazem sentido, mas ele acredita e essa
característica o distingue até hoje, com certeza. Ele diz assim: “desde 1964 é o
mesmo [Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica] CNPJ, ou seja, desde 1964 eu pago
todos os impostos, tenho certidão negativa de débito. Já teve crise, vários pacotes
econômicos, mas empresa está firme: isso aqui é consistente, é sólido, tem garantia
[...]”. [...] A reputação e a imagem explicam a longevidade da empresa e o grande
construtor disso é o Dr. Petrônio. Hoje a empresa se profissionalizou, mas a figura
marcante ainda é ele. [...] Ainda é uma pessoa muito forte dentro da empresa, os
profissionais vão ter que rebolar. E, como fundador, ele é muito interessante. Na
verdade é quem mais acredita e isso é um grande diferencial (entrevista n. 2).
No ano seguinte após a cisão e de ter assumido a direção da Delp, o fundador
Petrônio decidiu, em 1999, substituir o sobrinho Ari e contratar um novo superintendente,
que trazia em sua bagagem forte conhecimento do mercado de bens de capital. Iniciava-se
o processo de entrada de profissionais da empresa, caracterizado pela convivência da
direção familiar com a participação de um profissional não familiar. Nesse novo modelo de
gestão definiu-se uma nova estrutura organizacional e houve troca de gerentes. Contudo, as
mudanças introduzidas pelo novo superintendente não surtiram os efeitos esperados e, em
2006, Petrônio decidiu desligar o superintendente e promover a entrada dos seus filhos,
que até então estavam em processo de aprendizagem na gestão da empresa.
144
Segunda geração: Mariana, Humberto e Adriana
A segunda geração da família de proprietários e gestores da Delp é formada pelos
três filhos do fundador - Mariana, Humberto e Adriana. Após um processo de preparação e
aprendizagem em convivência direta com os gerentes mais experientes, iniciada em 1999,
tal qual ocorreu no caso da HASA, a segunda geração assumiu, em 2006, as áreas de
recursos humanos, comercial e suprimentos. A direção da empresa passou, então, a ser
compartilhada entre a primeira e a segunda gerações da família, contando ainda com a
participação de profissionais não familiares, na superintendência e na área de finanças e
industrial.
No mesmo ano de 2006 houve nova mudança no modelo de gestão. Os filhos
envolveram-se
mais
fortemente,
assumindo
cargos
de
direção,
provocando
a
descentralização do poder do presidente para os novos diretores da empresa. Em 2008, um
novo diretor industrial não familiar foi indicado para gerir as duas fábricas, com o apoio de
toda a família.
E desde 2010 a Delp Engenharia assumiu a forma jurídica de sociedade por ações,
tornando-se uma sociedade anônima de capital fechado e ocorreu a profissionalização de
toda a gestão da empresa, com a contratação de dois novos diretores e o aprimoramento da
governança corporativa. Os diretores membros da família foram transferidos para o
conselho de administração do grupo, afastando-se das funções executivas. A família de
Petrônio Zica é hoje proprietária exclusiva das ações da empresa e a gestão está totalmente
profissionalizada.
A participação da família dos fundadores à segunda geração e dos profissionais é
sumarizada na Tabela 10.
145
Tabela 10
A participação da família Zica e dos profissionais na criação e desenvolvimento da
Delp Engenharia
Ano/
Período
1964
Evento
Criação da empresa
Aquisição da empresa
1965
Entrada do segundo sócio
irmão
Entrada do terceiro sócio
irmão
Atores/tempo de
Papel na
empresa
trajetória
Deus
Fundadores
(1964 a 1965)
Eliezer
(1964 a 1965)
Loureiro
(1964 a 1965)
Petrônio Zica
(1965- 2013)
(atual)
1ª geração
José Rodrigo M. Zica
(1965-1998)
Tadeu Machado Zica
(1966-1988)
Função na empresa
Sócios gestores
100% do capital
Sócio
diretor comercial
Sócio
diretor financeiro
Sócio
diretor de produção
1966
1970
1980
1998
1999
2006
2008
2010
Mudança para a nova
planta em Contagem e
entrada do quarto sócio
irmão
Diversificação do negócio
Entrada de novos sócios e
início da
profissionalização dos
sócios
Cisão do grupo familiar
Nova composição das
cotas
Profissionalização do
cargo de superintendente
Contratação de um novo
superintendente não
familiar
Entrada da segunda
geração
Saída do superintendente
Segunda geração assume
os cargos de direção
Profissionalização da
diretoria industrial
Mudança para SA, criação
do modelo de governança
família se afasta da gestão
RH: Recursos Humanos.
Fonte: dados da pesquisa.
José Carlos
(1970-1988)
Sócio
diretor de compras
Paulo Cezar Fialho
(1980-1988)
Sócio
membro da família
Eng. Joaquim Barros
Cota
(1980-1988)
Petrônio Zica
Sócio
gestor profissional
Sócio 100% das cotas
presidente
Ari
Mariana Zica
Humberto Zica
Adriana Zica
xxx
Filhos
Marcelo
Petrônio
Esposa e filhos
Marcelo
Ricardo
Marcelo
Superintendente geral
Membro da família
Superintendente geral
profissional
2ª geração
Filhos, profissionais, não
sócios
Diretores de RH,
comercial e suprimentos
Diretor industrial
profissional
Presidente do CA
Sócios e membros do CA
Superintendente
Diretor executivo
Diretor industrial
146
Assim sendo, duas gerações Zica participam da trajetória da Delp, descrita a seguir.
4.2.2 A trajetória da Delp
A apresentação da trajetória da Delp foi organizada cronologicamente em cinco
fases. A primeira corresponde ao período que vai do ano de 1965 a 1970, registrando a
aquisição da empresa em Guarulhos-SP e a transferência para Belo Horizonte com a
entrada dos sócios irmãos. Na segunda fase, ocorrida entre 1970 e 1977, ocorreram as
primeiras expansões da planta, fornecimento de novos produtos e a conquista de grandes
clientes. A terceira fase durou 11 anos, entre 1977 e 1998, e demarcou-se pela
diversificação do negócio com a entrada no agronegócio e siderurgia e constituição de um
grupo empresarial. A quarta fase, registrada entre os anos de 1998 e 2003, inicia-se pela
cisão do grupo, concentração da Delp no negócio de mineração e siderurgia, entrada da
segunda geração dos gestores da família Zica e os novos investimentos para atuar no
mercado de petróleo. A quinta e última fase, entre 2003 e 2013, quando se realizou esta
pesquisa, é caracterizada pela operação da nova planta em Vespasiano-MG, participação
da segunda geração e a profissionalização da gestão. Nas seções seguintes descrevem-se os
eventos marcantes de cada fase.
4.2.2.1 A criação: a aquisição da empresa em Guarulhos-SP e a transferência para a Vila
dos Urubus - 1965-1970
A trajetória da Delp iniciou-se em 1964, ano em que foi adquirida por Petrônio
Machado Zica e transferida de Guarulhos-SP para um galpão de 180 m2 na Vila dos
Urubus, no bairro de Santa Efigênia, em Belo Horizonte-MG. Na época associou-se ao
147
empreendimento o seu irmão José Rodrigo Zica. Em seguida, juntou-se a eles o irmão mais
novo, Tadeu, e anos mais tarde o irmão mais velho, José Carlos. Consolidava-se, dessa
forma, a criação da empresa Delp, sob a propriedade da família Zica.
Em 1967, ocorreu a conquista do primeiro grande cliente, a Alcan, fabricante de
cabos de alumínio em Saramenha, próximo de Ouro Preto-MG. O fornecimento de
ferragens para carretéis de madeira utilizados no transporte de uma das maiores fabricantes
de cabos do país representou a primeira diversificação de produtos e deu uma nova
dimensão para Delp, que desde a sua criação somente fabricava porcas e parafuso. De fato,
“o contrato da Alcan ajudou a abrir portas e foi uma referência para o desenvolvimento da
empresa” (entrevista n. 3).
Em 1970, durante o “Milagre Econômico”, a economia brasileira atingiu o pleno
emprego e diversos investimentos em infraestrutura e novas indústrias foram fomentadas,
visando ampliar a capacidade produtiva do país (Pereira & Faria, 2007). Também em
Minas Gerais iniciava-se um período econômico promissor no processo de industrialização
e a Delp, aproveitando esse momento favorável, partiu para a sua primeira expansão,
instalando-se em uma área de 5.500 m2 em Contagem. Uma síntese dessa primeira fase é
apresentada na Figura 6.
Relacionamentos
do fundador
Sociedade
entre irmãos
Relacionamento
dos sócios com
o mercado
Figura 6 - 1ª fase da trajetória da Delp – 1965-1970.
Fonte: dados da pesquisa.
Crescimento e
consolidação da
empresa
148
4.2.2.2 A segunda fase da trajetória da Delp: as primeiras expansões da planta, novos
produtos e clientes - 1970-1977
Com o aumento da produção decorrente do fornecimento para a Alcan e o cenário
econômico favorável, em 1970 ocorreu a primeira expansão da empresa para um terreno
próprio de 5.500 m2, rapidamente ampliado para 11.000 m2 e, posteriormente, para 26.000
m², com a aquisição de uma área contígua, na av. David Sarnoff, na Cidade Industrial. Nas
novas instalações a Delp iniciou uma segunda diversificação de portfólio, introduzindo a
fabricação de peças e conjuntos de caldeiraria média e estruturas metálicas para usinas
hidroelétricas, tendo a Construtora Mendes Júnior como a principal cliente.
O fornecimento para a Mendes Júnior, além de representar a possibilidade de atuação
em um novo segmento de mercado, foi também a primeira oportunidade para revelar a
capacidade de adaptação e flexibilidade dos novos empresários, que certamente marcou a
trajetória da empresa. Durante o fornecimento para a construção de hidrelétricas pela
construtora, ocorreram situações que forçaram os gestores a adotar uma maneira peculiar
de lidar com o erro, que acabaram sendo transformados de problema em momento de
consolidação de laços com o cliente. O entrevistado n. 3 relembra, com bom humor, que ao
receberem uma grande encomenda de peças para uma hidrelétrica, ocorreu o que considera
“o maior erro que eu acho que eu lembro, de eu ter assumido um compromisso e não ter
cumprido”, mas a situação foi conduzida de tal forma que “talvez por isso mesmo eles
tenham adquirido mais confiança, então encomendaram mais e tudo bem”. O ocorrido
descrito pelo entrevistado refere-se ao atendimento de uma encomenda específica, para a
qual a empresa ainda não dispunha dos equipamentos necessários e de como conseguiu
convencer o comprador e o seu próprio sócio de que havia uma solução, o que de fato
ocorreu:
149
Recebemos uma grande encomenda e acertamos de fazer uma rosca, com
determinada característica técnica. E eu não consegui comprar a máquina específica e
executamos a rosca comum. O diretor [cliente] me avisou que entregamos errado e
perguntou o que faríamos. Eu olhei pra ele e falei assim ”quantos que encomendou?”,
“ah, era 5.000”, eu falei “então eu te dou a metade dessa encomenda com a
característica original que você encomendou e nós ficamos acertados?”, ele olhou pra
mim assim “mas você faz isso?”, eu falei: “faço”, “e você entrega no prazo?”, eu
falei: “entregamos”. Eu lembro que eu cheguei lá, falei com o Rodrigo “aconteceu
isso, nós vamos fazer assim”, o Rodrigo falou “ah, nós vamos quebrar, não sei o quê”
[riso]. E deu certo (entrevista n. 3).
Em 1972, a Delp consolidou mais uma etapa da diversificação de produtos com o
fornecimento seriado de peças para máquinas de terraplanagem para as novas instalações
da Terex, em Minas Gerais. Passou a fabricar produtos em série, novos conhecimentos
sobre processos logísticos, acompanhamento de estoques e gerenciamento do fluxo de
caixa foram necessários, resultando na aprendizagem prática de como planejar e gerenciar
a produção seriada, bastante distinta da fabricação por encomenda, até então realizada pela
empresa. Esse momento representou um novo desafio e proporcionou aos gestores:
“aprendizagem, na prática, a relação entre oferta e demanda, tempo de negociação, tempo
de produção, urgência de produção e os respectivos reflexos desses quesitos na margem e
preço final do produto para o cliente” (entrevista n. 2).
Os anos 1972 e 1974 representaram um período na economia brasileira
extremamente favorável à Delp. O governo federal instituiu o Plano Nacional de
Desenvolvimento (PND), com o objetivo estimular a demanda privada, diminuir os custos
da indústria nacional, diversificar as exportações e investir em educação e novas
tecnologias. O crédito ao setor privado foi facilitado, os custos da indústria nacional, com o
subsídio de insumos básicos, como aço e energia, reduziram-se, acelerando o crescimento
interno (Carvalho, 2012). Nesse cenário de incentivo, em 1974, surgiu para a Delp a
oportunidade de efetuar a reforma do forno elétrico de número sete para a produção de
ferroligas da Alcan, Saramenha, em Ouro Preto, e posteriormente de participar da
150
concorrência aberta pela Alumina do Norte do Brasil S.A. (ALUNORTE) - Alcan Aratu,
Bahia, para a fabricação de 168 fornos de redução de alumínio (cubas eletrolíticas). A Delp
ganhou a concorrência e fabricou tais fornos em dois anos. Essa primeira encomenda da
Alcan foi um acontecimento que veio abrir as portas da empresa para uma nova futura
diversificação, quando mais tarde a empresa entrou no ramo da siderurgia. O tamanho do
pedido e o tempo de execução permitiram à empresa criar uma linha de montagem
específica só para os fornos.
Como resultado, a Delp avançou na fabricação de equipamentos, firmando-se como
produtora de bens de capital. Nessa época, em um dos contratos de equipamentos, a
Companhia Brasileira de Alumínio (CBA) encomendou 600 peças de determinada válvula
grande e ainda sinalizaram à empresa que novas encomendas viriam, fazendo com que
fosse adquirida grande quantidade de matéria-prima e peças para a montagem das válvulas.
Entretanto, as encomendas foram interrompidas, ficando a Delp com grande estoque de
peças, que somente veio a ser escoado, em novo pedido do mesmo cliente, dois anos mais
tarde. Situações como essa, somadas a outras mencionadas pelo entrevistado como erro de
decisão, foram sendo absorvidas pelo empresário, que soube aguardar o momento de
recuperar-se das perdas e evidenciou capacidade de absorver os erros, o que foi marcando
o estilo de decisão do empreendedor:
Em 1975, ocorreu a implantação da segunda fase do PND, levando ao crescimento
das empresas estatais, que lideraram o processo de industrialização, bem como o subsídio
de financiamento a investimentos privados. O mercado de bens de capital se aqueceu
graças ao aumento da demanda de equipamentos, gerando novos negócios para a Delp.
Surgiram novos clientes e serviços, como a instalação completa de peneiramento e
classificação de carvão para a Cimetal Siderúrgica, fornos de tratamento térmico e silo para
151
estocagem de almina para a Alcan e estruturas metálicas e equipamentos da usina-piloto de
fosfato da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) (Carvalho, 2012).
Todo esse cenário favorável de desenvolvimento levou os sócios a adquirirem uma
área de aproximadamente 51.000 m², no Centro Industrial de Contagem (CINCO). A
construção da fábrica do Cinco foi um marco bastante importante, pois levou a empresa a
um novo patamar de capacidade instalada e a oportunidade de alavancar o crescimento da
empresa. E, como a empresa fabrica bens de capital de grandes dimensões, quanto maior a
sua capacidade, mais produtos diferenciados pode fornecer. “Então, essas expansões foram
interessantes para o nosso negócio” (entrevista n. 1).
Em ritmo de crescimento, a Delp manteve-se no negócio da indústria mecânica, até
que em 1977 partiu para uma nova diversificação do negócio, agora atuando em novos
mercados. Iniciava-se uma nova fase na trajetória da empresa. Uma síntese dessa segunda
fase é apresentada na Figura 7.
Crescimento
da empresa
Diversificação
de produtos
Visão do
dirigente
1ª.
Diversificação
do negócio
Figura 7: 2ª fase da trajetória da Delp – 1970-1977.
Fonte: dados da pesquisa.
4.2.2.3 A terceira fase da trajetória da Delp: a diversificação e a entrada no negócio de
agropecuária e siderurgia - 1977-1988
Em 1977, os sócios adquiriram a Fazenda Capão, com aproximadamente 5.000
hectares, que, além da criação de gado para corte, destinava-se também ao plantio de
152
eucaliptos. Formava-se o Grupo Empresarial Delp, atuando agora nos ramos da indústria
mecânica e agropecuária.
A estratégia de diversificação prosseguiu e em 1978 os sócios compraram um projeto
para a instalação de uma fábrica de ferro-ligas de silício e manganês, em Pirapora-MG,
constituindo a Companhia Ferro-ligas Minas Gerais (MINASLIGAS), que entrou em
operação efetiva em meados do ano de 1980. O grupo passou a atuar em três ramos de
negócio - indústria mecânica, agropecuária e siderurgia. A diversificação demandou
reforços que foram supridos com uma nova estrutura de propriedade do grupo, alterada
com a entrada de dois outros sócios, Paulo Cézar Fialho, cunhado dos irmãos sócios da
Delp, e o profissional não familiar, especialista em ferro-ligas, engenheiro Joaquim Barros
Cota. De acordo com o entrevistado n. 2, essa diversificação de mercado reduziu os riscos
da instabilidade própria da indústria de bens de capital e representou a aquisição de novas
bases para a longevidade da empresa.
A diversificação tanto do agronegócio e depois no setor de ligas foi importante,
porque nas crises do setor de bens de capital, tanto a Minasligas como a Fazenda
seguraram o negócio e diversificou-se o risco. Esse é um dos pontos que foram importantes
para a longevidade do negócio Delp.
A ida para a região da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(SUDENE), onde se instalou a Minasligas, também foi muito importante. Houve
crescimento muito acentuado até o começo dos anos 80 e com a crise dos anos 80 e 90,
recessão, muitos planos econômicos ficaram estagnados. Nessa época, a Minasligas passou
a ser o principal cliente e gerava recursos para a sobrevivência da Delp. Eu acredito que se
não tivesse a Minasligas a situação ia ser muito diferente.
O início dos anos 1980 foi marcado por uma grande crise mundial, o governo
brasileiro desvalorizou o câmbio, promoveu o aumento das exportações e desestimulou as
153
importações. Vieram os sucessivos planos econômicos - Cruzado, Bresser, Verão e Collor
- com o objetivo de controlar a inflação e eliminar a indexação. Preços e salários foram
congelados e os anos 1990 iniciaram-se em um cenário de hiperinflação (Moreira, 2008).
Nesse período, a produção da Delp concentrou-se nos fornos de ferro-ligas para a
Minasligas e para outros clientes, como a Ferbasa e Italmagnésio.
No negócio de ligas, a Delp fez um acordo de fabricação de fornos de ferro-ligas e
transferência de tecnologia com a multinacional norueguesa Elkem, líder mundial na
produção de ligas e engenharia de equipamentos. Todos os equipamentos dessa nova firma
foram fabricados pela Delp, fazendo a produção da Delp ainda maior. Mas, mesmo assim,
a Minasligas tornou-se maior que a Delp e a atenção dos quotistas voltou-se, então, para a
consolidação do crescimento daquela firma, com investimentos em outros dois fornos.
Assim, a Delp ficou em segundo plano.
Com o Plano Real, em 1994, a economia se reaqueceu, possibilitando a retomada dos
negócios da Delp. Em 1998, a Delp fez uma parceria com a Indústrias Metarlúgicas
Pescarmona (IMPSA) para a fabricação de hidromecânicos, o que alavancou os seus
negócios. Porém, nesse mesmo período, ocorreu a cisão do grupo, por desentendimentos
entre os sócios que discordavam quanto à entrada dos filhos de um dos sócios para ocupar
cargos de gestão na empresa. Petrônio Zica permaneceu à frente da Delp Engenharia
Mecânica Ltda., passando a atuar basicamente no mercado de mineração e siderurgia,
retirando-se da empresa Minasligas. José Rodrigo Machado Zica, Tadeu Machado Zica e
Paulo Cesar Fialho ficaram responsáveis pela empresa de ligas. Iniciava-se uma nova fase
na trajetória da Delp. Na Figura 8 acompanha-se essa terceira fase.
154
Visão dos
dirigentes
2ª. diversificação
do negócio
Alteração da
estrutura de
propriedade
Conflito
familiar
Cisão do
grupo
empresarial
Concentração
no negócio
original
Crescimento
da indústria
mecânica
Figura 8 - 3ª fase da trajetória da Delp – 1977-1988.
Fonte: dados da pesquisa.
4.2.2.4 A quarta fase da trajetória da Delp: a cisão do grupo, a entrada da segunda
geração e os negócios no ramo do Petróleo - 1998-2003
Concluída a negociação com os irmãos, Petrônio assumiu sozinho a direção da
Delp, sendo acompanhado por um sobrinho na Superintendência geral da empresa. Foi um
momento muito crítico, pois a situação geral da empresa ainda não estava totalmente
recuperada, existindo grande dependência do fornecimento para a Minasligas. E não
apenas a Delp, mas o grupo empresarial como um todo perdeu valor, pessoas deixaram a
empresa e a cisão afetou profundamente as relações familiares. Nesse momento de crise o
fundador mostrou toda a sua capacidade de superação e assumiu a empresa disposto a
fazê-la sobreviver. Ciente de que ali estava a sua principal fonte de recursos, praticamente
a reinventou e a fez sair da crise e crescer, como descrevem os entrevistados:
A cisão foi uma perda para um grupo que era muito forte e na separação dos irmãos
perdeu sua força. A Delp sofreu muito, porque teve muito gerente que se foi. Os
diretores eram muito fortes, os outros irmãos eram muito fortes, e ficou só com o Dr.
Petrônio. Esse foi um ponto que, vamos falar, balançou as estruturas (entrevista n. 2).
155
Aí o papai falou “bom, agora é o que eu tenho para me sustentar, então vamos ver o
que que a gente pode fazer com a Delp. Nessa época, em 1998, a Delp faturava de 6 a
8 milhões, hoje a gente fatura 180 milhões. Então a gente teve que se reinventar
(entrevista n. 1).
A maneira de “reinventar a empresa” adotada pelo fundador foi pela entrada no ramo
do petróleo, uma mudança de rumos para recolocar a empresa em crescimento sustentado.
Graças aos seus relacionamentos e pesquisa no mercado, conquistou um contrato de
fornecimento para a Petrobrás. Como a Delp era fornecedora, até então, dos mercados de
siderurgia e mineração, iniciou, a partir de 1998, uma busca de parceiros que possuíssem
tecnologia específica no desenvolvimento e fabricação de equipamentos para a indústria do
petróleo. Para o entrevistado n. 2, quando a empresa escolheu atuar como parceira da
Petrobrás, essa foi “uma decisão estratégica, pensada, deliberada a partir de uma leitura de
mercado”. A estratégia adotada, fruto da percepção de que o petróleo seria um bom
mercado, apresentando-se com grande perspectiva de crescimento foi bem-sucedida, mas
também foi uma decisão que exigiu dos gestores elevados investimentos na preparação e
aprendizagem para a entrada no setor. O processo de entrada ocorreu lentamente, “mas os
negócios da empresa no setor já representam atualmente 70% do faturamento da Delp”
(entrevistado n. 2).
Você fala assim: “ah, vou trabalhar com a Petrobrás”, mas você demora uns cinco
anos somente para você começar a aprender sobre esse negócio. Iniciou -se em 99,
conhecer o negócio de petróleo, fazer parcerias com empresas que já forneciam para
área de petróleo é um diferencial da empresa que colhe os frutos hoje (entrevista 3).
Em síntese, a superação da cisão do grupo, talvez o momento mais crítico ao longo
da trajetória da Delp, acabou por representar uma nova fase de crescimento para a empresa,
que buscou no mercado de petróleo uma alternativa para sobreviver e voltar a crescer.
Outro fato positivo da crise de cisão foi que, para atender à necessidade de prover os
156
cargos de direção anteriormente ocupados pelos sócios irmãos, em 1999 iniciou -se o
processo de profissionalização da gestão e, em seguida, criou-se a oportunidade para a
entrada da segunda geração, representada pelos filhos do fundador. Foi contratado um
novo superintendente geral, que trazia em sua bagagem um forte conhecimento do
mercado de bens de capital. Ao assumir, redefiniu a estrutura organizacional e promoveu a
troca de gerentes. Nesse momento, Petrônio decidiu promover a entrada dos seus filhos na
empresa, preparando-os desde as atividades mais básicas para, no momento certo,
assumirem as funções de direção. De acordo com a entrevistada n. 1:
Humberto entrou primeiro, dois anos depois eu entrei e aí, uns quatro anos depois,
entrou a Adriana. O Humberto foi o responsável pelo comercial. Eu, pelo RH; e a
Adriana era responsável pela área de logística. Entramos rasgando papel, contando
prego no almoxarifado, a gente não entrou por cima não, foi aos pouquinhos.
Assim, a partir de 1999, a segunda geração da família começou a ser preparada para
participar da gestão, o que veio a ocorrer em 2006. O processo de preparação e
aprendizagem dos futuros diretores familiares envolveu a atuação de cada um em várias
funções e a convivência direta com os gerentes mais experientes, até que vieram a assumir
as áreas de RH, comercial e suprimentos. Essa fase se conclui com uma nova expansão da
empresa, decorrente da aquisição da planta de Vespasiano-MG. Uma síntese dessa quarta
fase é apresentada na Figura 9.
157
Profissionalização
da gestão
Gestão familiar
compartilhada
com
profissionais
Diversificação
de mercado
Entrada no
negócio de
petróleo
Figura 9 - 4ª fase da trajetória da Delp – 1988–2003.
Fonte: dados da pesquisa.
4.2.2.5 A quinta fase da trajetória da Delp: a nova planta em Vespasiano, a participação
da segunda geração e a profissionalização da gestão - 2003 a 2013 (atual)
Em 2003, a Delp Engenharia, em sociedade com a multinacional alemã SMS
DEMAG do Brasil Ltda., fundou a Delp Serviços Industriais Ltda., com a compra da
unidade fabril de Vespasiano da SMS DEMAG. A participação societária da Delp
Engenharia era, naquela época, de 85% e da SMS DEMAG de 15%. Essa aquisição gerou,
inicialmente, controvérsias entre os gestores, que agora tinham que administrar duas
firmas, a Delp Engenharia e a Delp Serviço, mas representa o fato mais marcante na
evolução da empresa desde que houve a separação do grupo e a empresa teve de se
reorganizar e voltar a crescer.
Com a aquisição, veio a posse de uma planta com grande capacidade e muitos
equipamentos que impulsionaram a empresa. Mas também exigiram investimentos em
retrofit, ampliação de áreas, compra de novos equipamentos e recursos para tratamento
térmico, cabine de jateamento de pintura, “um torno vertical muito grande, de 12 metros,
um dos maiores de Minas, talvez do Brasil” (entrevista n. 3). Na verdade, a nova planta foi
uma nova oportunidade para a Delp, que surgiu de forma totalmente inesperada, como
relatam:
158
No meio da crise de 2004, o dólar a 4, Lula eleito, todo mundo achando que o mundo
ia acabar e, na verdade, caiu no colo essa fábrica, uma circunstância de mercado, eu
acredito que não foi nenhuma estratégia deliberada, aconteceu (entrevista n. 3).
Para a longevidade da Delp essa fábrica é absolutamente estratégica. Todos os
últimos investimentos, nos últimos dois, três anos, são feitos aqui, a expansão no
futuro da empresa vai ser aqui. Então, esse é outro fato marcante. Vamos falar, assim,
dos fatos recentes marcantes, considero a cisão da empresa, a entrada na área de
petróleo e, depois, a compra aqui dessa fábrica de Vespasiano (entrevista n. 2).
Ah, nossa!, foi um motivo de orgulho para nós.... pra família... Eu lembro direitinho:
eu, ele, o Humberto, o Ari, um familiar no final das contas. O Ari era ferrinho de
dentista e falava “Petrônio, vamos lá, essa oportunidade da SMS é boa pra gente”. Eu
acho que se fosse apenas pelo meu pai, eu não sei se o negócio teria saído.
Lembro-me que eu sentei na mesa com o papai e ele falou: “pois é, gente, então nós
decidimos que nós vamos comprar a SMS”. E quando eu passava por lá, olhava
aquela fábrica daquele tamanho e falava: como vamos dar conta desse negócio?
Vamos ficar aqui em Contagem mesmo, está ótimo, meu Deus do céu. Eu falava
gente, como é que eu vou dar conta de fazer admissão de todo mundo, do dia pra
noite?. Nunca tinha vivenciado uma situação como essa (entrevista n. 1).
Apesar do impacto que a decisão da compra da fábrica trouxe para a empresa, essa
não foi resultado de uma ação deliberada, com o objetivo de expansão e à primeira
vista não havia evidências de que se tratava de uma grande oportunidade. Não havia
uma estratégia deliberada do tipo “vamos crescer, vamos adquirir uma nova planta,
não, inclusive eles falam que a DEMAG foi oferecida para 10 outras empresas e
ninguém a quis” (entrevista n. 2).
Em 2006, houve a saída do superintendente contratado em 1999. Nessa oportunidade,
a segunda geração, já mais madura e preparada, envolveu-se mais fortemente com a gestão,
assumindo as funções de direção. Houve, então, a descentralização do processo decisório,
com mais envolvimento dos novos diretores familiares na empresa.
A partir de 2008, iniciou-se o processo de consolidação das duas firmas (Delp
Engenharia e Delp Serviços), quando um novo diretor industrial foi indicado para gerir as
duas fábricas. Esse gestor recebeu o apoio de toda a família e buscou aprimorar o modelo
de gestão fabril existente na Delp Serviços, replicando-o na Delp Engenharia.
Desde 2010, a Delp Engenharia assumiu a forma jurídica de sociedade por ações,
tornando-se uma sociedade anônima, e ocorreu a profissionalização de toda a gestão da
159
empresa, com a contratação de dois novos diretores e o aprimoramento da governança
corporativa. Os antigos diretores, membros da família, foram transferidos para o conselho
de administração do grupo e a empresa hoje tem a família como proprietária exclusiva do
capital da empresa, porém com a gestão totalmente profissionalizada. Essa decisão de
profissionalização da empresa, de alguma forma, tem relação com a cisão que aconteceu
no passado e cuja experiência não se desejava repetir, mas também porque os proprietários
e os gestores avaliam que esse é o que deve existir em qualquer empresa.
Na verdade, aconteceu a cisão, talvez, por uma decisão de não se desejar
profissionalizar, ele queria pôr os filhos dele, eu achava que não devia pôr. Ficava
um mal-estar, então achamos melhor separar (entrevista n. 3).
Não é porque a empresa seja necessariamente familiar para que a profissionalização
aconteça. A gente vê nos casos de sucesso que as pessoas da família têm que ser
treinadas, nascendo já vai sendo treinada pra assumir. Mas mesmo assim a gente vê
os conflitos quando entram outras gerações. Então, essa questão de governança,
definições de poder, é difícil. É o que eu falo: a gente profissional já embaralha isso,
agora você imagina quem é do mesmo sangue (entrevista n. 2).
De fato, desde a cisão do grupo que iniciou o empreendimento, a profissionalização
já se instalara na Delp. Naquele momento, a segunda geração da família, os filhos do
Petrônio, ainda não estava preparada e não reunia as competências necessárias para
assumir todas as funções. Ao assumir a Delp sozinho, o empresário iniciou a
profissionalização pela contratação do superintendente geral, seguida do diretor industrial,
até o processo ser concluído com o modelo de governança adotado atualmente, como
descreve o entrevistado:
Primeiro, foi a profissionalização do diretor industrial. E foi assim até a gente achar
que tinha que profissionalizar tudo, também por causa de crise, por causa de aperto
financeiro. Então nós arranjamos um bom financeiro. E depois, em 2010, nós
resolvemos que a gente tinha que sair da execução e ir para o conselho. Aí nós
contratamos o Marcelo e ele tá tocando a empresa (entrevista n. 3).
160
A profissionalização e o modelo de governança adotado abriram novas possibilidades
para os sócios se envolverem em outros empreendimentos e, de alguma forma, manteve a
família mais fortalecida, preservada nas suas relações pessoais. Com a profissionalização, a
empresa assumiu características gerenciais que não mais a distinguem das empresas não
familiares ou não se percebem mais vantagens ou desvantagens em ser ou não familiar.
Hoje, com a Delp profissionalizada, eu não consigo muito destoar vantagens e
desvantagens de ser ou não uma empresa familiar. Porque, num aspecto, a família
facilita e noutro aspecto dificulta. Facilita porque você tem mais intimidade para falar
as coisas, mais liberdade, você pode ser mais direto do que com um profissional. E
dificulta porque você pode magoar (entrevista n. 1).
Outra consequência da profissionalização foi a padronização de rotinas e do
planejamento. Criou-se uma área específica para gerenciar o sistema de garantia da
qualidade, responsável pela padronização. A Delp participa do Programa Mineiro de
Excelência (PMQP) do Instituto Mineiro da Qualidade e adaptou suas normas ao padrão
ISO. As instruções de trabalho definem as rotinas, que são formalizadas em IPs. O
processo de formalização é complexo, mas necessário, como declaram:
Temos uma rotina. Tudo no papel, tudo escrito, tudo formalizado. Acreditamos que
funciona. E sempre existem pontos para melhorar. Um parto com dor, você para
manter atualizado e todo mundo acha um problema, mas é difícil mesmo, porque é
muito burocrático (entrevista n. 1).
O processo decisório é baseado no planejamento, anual e quinquenal, orçamento,
indicadores de desempenho e limites de competência. A empresa emprega procedimentos
de brainstorming, análise Strengths (forças), Weaknesses (fraquezas), Opportunities
(oportunidades) e Threats (ameaças) (SWOT) e matriz de Ansoff para definir estratégias
de sobrevivência, crescimento e inovação, como evidenciam os relatos:
161
A gente faz brainstorming, a SWOT tradicional nos ajuda a elencar, “olha, essa é a
estratégia de sobrevivência, de crescimento, de inovação”, em torno dessa visão.
Transforma-se isso em objetivos e classifica a importância, abrangência, duração, faz
um escalonamento. Isso depois vira objetivo estratégico, que é desdobrado em
indicadores para diversos objetivos. Tem uma sistemática para planejar. [...] Temos
BSC implantada, os indicadores anuais são revisados em função do planejamento
estratégico desdobrado por áreas e associado ao orçamento anual. Temos reuniões
mensais de acompanhamento de desvios. É um processo que começou há dois anos,
está em maturação, ainda não está 100%, mas já é uma grande evolução (entrevista n.
2).
Entretanto, a visão e o senso de oportunidade ainda ocupam lugar de destaque na
definição dos rumos do negócio, pois mesmo que exista um plano, ele é fruto das
oportunidades que vão emergindo das situações e conversas nas entidades nas quais
participam os gestores da empresa. Nos contatos do entrevistado n. 3, ele reporta:
Hoje eu posso estar conversando aqui com você, aí amanhã vem outro e conversa
comigo de uma oportunidade que até então eu não tinha enxergado, de uma nova
tecnologia na área de petróleo, que até então ninguém nos tinha oferecido. Então, eu
acho que você vai dançando um pouco conforme as oportunidades vão sendo
apresentadas e lógico que você tem um caminho que você sabe que quer seguir.
No atual modelo de gestão, o processo decisório que sempre foi centralizado na
diretoria hoje se define por limites de competência, que envolvem as decisões das
diretorias e as de competência do Conselho.
Eu acho que a alta administração sempre esteve envolvida com as decisões na
empresa. Você tem as figuras fortes, mas foi sempre a alta administração decidindo.
Os irmãos, no primeiro momento, decidiam em conjunto. No segundo momento,
quando saíram os irmãos, o Dr. Petrônio com o Ari, que é um sobrinho, e os filhos,
em conjunto. Na trajetória, as decisões sempre foram da alta administração. Hoje
uma diretoria profissional decide em conjunto com o conselho (entrevista n. 2).
A competência para decisões estratégicas, relativas a investimentos em equipamentos
e dos diretores profissionais obedecendo a limites predefinidos. Acima desses
somente o conselho de administração pode decidir. Existe um esquema formal de
reuniões de acompanhamento semanal para o nível das diretorias e mensal para o
conselho. “Temos um calendário anual de reuniões, as decisões são divulgadas. Tudo
formalizado e com acompanhamento e já implantado há dois anos” (entrevista n. 2).
162
Destarte todo o esforço de padronização em curso, “também existe improvisação,
apesar das diretrizes sempre tem alguma coisa que não está escrita, que só é dita, e aí acaba
existindo a improvisação” (entrevista n. 2). E como a Delp produz sob encomenda, a
improvisação contribui para enfrentar os problemas que surgem no processo produtivo ou
para adaptar às especificidades nas demandas dos clientes.
Na Produção a improvisação é muito grande, porque como a gente não tem um
produto, então toda hora eles estão fazendo coisa nova. Mas acho que tem que ser
para os pequenos ajustes, pequenas eventualidades. Se for para coisa que tem
dimensão maior, acho que você tem que ser mais... não pode ir de qualquer jeito
(entrevista n. 1).
A meu ver, no comercial a improvisação é muito importante. Não é bem
improvisação, é adaptação. Por exemplo, entre 2010 e 2012, nós fabricamos quase
100 locomotivas para a GE. Foi uma encomenda muito boa, mas cortaram o contrato.
Aí veio a Caterpillar aqui para Minas Gerais, visitou as nossas fábricas e vendo a
gente fazer para a GE, falaram: “ah, vocês já estão formados com a GE, nós
queremos encomendar a vocês”. Mas nós tínhamos um acordo de fabricar só para a
GE. E a GE não estava encomendando mais. Fomos atrás da Caterpillar e dissemos,
então vamos fazer na outra fábrica [riso]. Isso foi uma improvisação. Na medida do
que aparece, você tem que fazer (entrevista n. 3).
Improvisação tem todo dia. Na área de produção a Petrobrás suspendeu dois
manifolds, uma expectativa de 4 mil horas de trabalho no mês. Se você for pensar, 4
mil horas, tem bastante gente dedicada. E se você corta isso de repente, então o
pessoal de lá tem que dar uns pulos, você tem que ter agilidade. Na produção pode
ser uma pequena ou uma grande improvisação. Não uma reinvenção, mas tem que
mudar. No financeiro a gente tá sempre fazendo melhorias, mas não é nenhuma
inovação. A improvisação dificulta demais, mas ela é fundamental. Se pudesse
acabar, ia ser a melhor coisa. Mas não é possível, é típico do negócio. Mas, na
verdade, gera retrabalho, paralisação, ociosidade do pessoal (entrevista n. 2).
Na percepção dos gestores, apesar da improvisação ser inerente ao tipo de produção
por encomenda, representando assim quase que uma necessidade, um dos seus efeitos
indesejados é o erro, causado, em parte, pela maneira como o próprio erro é tratado na
empresa. Na Delp, “a valorização do erro é achar o culpado, isso faz parte da nossa cultura.
Estamos tentando mudar a cabeça das pessoas” (entrevista n. 2). Essa forma de tratar o erro
repercute na maneira como o sistema de gestão de qualidade foi implantado na empresa,
163
com uma supervalorização do erro, em consequência, a própria empresa se denuncia
perante os seus clientes. O caso do relatório de não conformidades é um exemplo dessa
situação, lembrado pela entrevista n. 1:
Adotamos o relatório de não conformidade, da ISO. De todos os fornecedores da
Petrobrás, eu acho que era a DELP é que mais fazia o RNC. Enquanto outra empresa
abria 20, nos abríamos 120. E isso é horrível porque a gente se denuncia em coisa
que não precisava se denunciar. A gente quer fazer tudo certinho demais. Eu acho
que você tem que penalizar aquele que deve ser penalizado, o que não deve, você tá
perdendo seu tempo com isso. Tem que ter o equilíbrio, o excesso é ruim, não tem
jeito e o erro eu acho que faz parte. Mas o erro recorrente, e o mesmo erro várias
vezes, não. E a maneira de reagir ao erro, de punir os culpados, é direta, pois a
percepção é que “o erro atrapalha. Às vezes a gente troca a pessoa. Ou, dá a primeira
chance, a segunda, não deu, manda embora” (entrevista n. 1).
Também se observam situações, por exemplo, erro de orçamento, em que o erro é
consequência do tipo de negócio, da produção por encomenda.
Tem erro de orçamento tem demais. Cada orçamento é feito de um jeito. Não foram
calculadas 100 horas de engenharia e gastou 1.200 horas. Talvez pela correria. Isso
atrapalha a gente. Só que a gente não pode ter esse tipo de erro sempre. E a gente
tem. Isso é ruim. Você tem que ir à raiz do problema para tentar descobrir onde está o
erro, se é problema da pessoa, se é um problema de quem supervisionou e não o fez
direito ou se o problema é do nosso negócio (entrevista n. 2).
Também existe a percepção de que os erros não estão associados ao improviso ou à
produção por encomenda, mas decorrem de causas variadas, como da maneira ainda
paternalista de gerir a empresa familiar, de uma situação de turnover elevado que sempre
se fez presente na empresa, dos momentos de crise, da própria instabilidade típica do
negócio ou do fato de que ainda não se aprendeu na empresa a não deixar que os mesmos
erros se repitam. Para o entrevistado n. 2:
164
A postura para lidar com o erro é um dos problemas da empresa familiar, que é muito
paternalista, passa a mão, aceita muito o erro. Por um lado, é importante aceitar para
pessoa não se frustrar, mas tem hora que aceita demais. Aceitar o erro significa que a
situação continua sujeita a erro, acontece o mesmo erro, novamente. Todo erro é de
aprendizado, mas, por exemplo, esse ano a gente tá perdendo dinheiro com um
projeto específico. Ano passado eu perdi dinheiro com outro projeto específico. E a
gente tá perdendo agora alguns poucos milhões, mas importantíssimo, por erro que já
se repetiu, não é o primeiro, espero que seja o último. A gente está consciente “não
podemos entrar nessa mais”, mas a possibilidade de acontecer novamente existe. A
saída de pessoas da organização por mais que tenham procedimentos te faz ter essa
perda de aprendizado com os erros. Porque o aprendizado não é o que está escrito, é
o tácito. O que está escrito está disponível para todo mundo, é o explícito.
No momento de realização da pesquisa, constata-se que a empresa se mantém
disposta a prosseguir no mesmo negócio da indústria mecânica, mantendo o modelo de
gestão profissionalizada e buscando em parcerias o desenvolvimento de novas tecnologias
para acompanhar as novas perspectivas apresentadas pelos mercados em que atua. Essa
quinta fase é apresentada na Figura 10.
Consolidação
do mercado de
petróleo
Crescimento
da empresa
Afastamento
dos
profissionais
2ª geração assume
os cargos de
direção gestores
Contratação de
novos gestores
profissionais
Profissionalização
da empresa
Afastamento da
família da
gestão
Modelo de
governança
profissional
Figura 10 - 5ª fase da trajetória da Delp – 2003-2013.
Fonte: dados da pesquisa.
165
Em síntese, a descrição da trajetória da Delp, da sua criação até o período de
realização da pesquisa, em 2013, revela a essência do que é a empresa que completa 50
anos em 2014. A fase inicial que envolveu a criação, a aquisição pela família Zica,
instalação em Belo Horizonte e o desenvolvimento do mercado se estendeu por seis anos,
de 1964 a 1970. Nos primeiros anos desse período, a principal mudança foi sua
transferência para Belo Horizonte após a aquisição da empresa que funcionava em São
Paulo e a entrada na sociedade a convite de Petrônio e dos outros três sócios irmãos. O ano
de 1967 marcou o início do fornecimento para a Alcan, uma referência no
desenvolvimento da empresa que passou a fabricar, além das porcas e parafusos, também
ferragens para os carretéis de madeira. Essa fase se encerrou em 1970, com um cenário
externo bastante favorável provocado pelo milagre econômico, que foi explorado pela
empresa para a ampliação das suas instalações e mudança para uma nova planta em
Contagem-MG. Nessa primeira fase, o processo decisório se concentrava nas mãos dos
quatro sócios irmãos, que partilhavam a propriedade da empresa e assumiam a sua direção.
A segunda fase da trajetória da Delp se estendeu por sete anos, de 1970 a 1977. O
marco inicial foi a primeira, com a aquisição de uma área na av. David Sarnoff, na Cidade
Industrial. Nessas instalações iniciou-se a diversificação, com a fabricação de peças e
conjuntos de caldeiraria média e estruturas metálicas para usinas hidroelétricas, entrando
em novos mercados com diversificação de clientes e serviços. O fornecimento seriado de
peças para máquinas de terraplanagem resultou na aprendizagem de processos logísticos e
financeiros. Aproveitou um período na economia brasileira extremamente favorável para
entrar no mercado de fornos elétricos para a produção de ferro-ligas e avançar na
fabricação de equipamentos, firmando-se como produtora de bens de capital.
A terceira fase da trajetória durou 11 anos, entre 1977 e 1988. Ocorreram nesse
período novas diversificações com a entrada no agronegócio e, posteriormente, no setor de
166
siderurgia, com a criação da Minasligas. O grupo passou a atuar em três ramos de negócio
– indústria mecânica, agropecuária e siderurgia –, reduzindo os riscos da instabilidade do
negócio original e adquirindo novas bases para a sua longevidade. Ocorreu, ainda, a
entrada de dois novos sócios, sendo um familiar e um profissional técnico e especialista em
ferro-ligas. A Minasligas tornou-se o negócio principal do grupo e a Delp, ficou em
segundo plano, como sua fornecedora. Iniciou-se a profissionalização do grupo com a
entrada do novo sócio não familiar, com especialização no negócio de ligas. Os negócios
cresceram muito, até que em 1998 houve a cisão do grupo, inaugurando uma nova fase
para a empresa.
A quarta fase da trajetória, de 1998 a 2003, portanto, cinco anos, iniciou-se pela cisão
do grupo, entrada da segunda geração da família Zica e os novos negócios no ramo de
petróleo. Petrônio manteve-se à frente da Delp e assumiu a direção com a ajuda de um
sobrinho na superintendência geral e os seus filhos, ainda em processo de formação e
aprendizagem. Levantar a empresa representou uma nova fase de superação e crescimento
com a oportunidade identificada e aproveitada de fornecer equipamentos para a Petrobrás.
Essa foi uma virada estratégica para recolocar a empresa em crescimento sustentado, uma
decisão deliberada, a partir de uma leitura de mercado. Houve uma primeira tentativa de
profissionalização na Delp com a contratação de um superintendente, que promoveu
mudanças de estrutura e funções. Como essas não corresponderam às expectativas, o
presidente optou por promover a entrada definitiva da segunda geração nos cargos de
direção, passando a compartilhar a decisão. Essa fase concluiu-se com uma nova expansão
da empresa pela aquisição da SMS Demag, em Vespasiano.
A quinta e última fase da empresa começou em 2003, com a compra da unidade
fabril em Vespasiano. Marcam essa fase a significativa participação da segunda geração, a
mudança para a forma jurídica de sociedade por ações e a implantação de uma nova
167
governança, com profissionalização total das funções de gestão da empresa. Os antigos
diretores foram transferidos para o conselho de administração e a empresa hoje tem a
família como proprietária exclusiva das ações da empresa. A profissionalização resultou
em mudanças de rotinas, alto nível de formalização e aperfeiçoamento do processo
gerencial, apesar da visão e do senso de oportunidade dos empreendedores ainda ocuparem
lugar de destaque na definição dos rumos do negócio. A Tabela 11 ressalta os recortes da
trajetória da Delp e encerra esta subseção.
Tabela 11
Recorte das fases da trajetória da Delp
Fases
Recortes
Período
Tempo
Marco
inicial
Marco
final
Contexto
externo
Eventos
1ª.
2ª.
3ª.
4ª.
5ª.
1965-1970
05 anos
Aquisição da
empresa e entrada
dos sócios irmãos
1970-1977
07 anos
Expansão da
capacidade
produtiva e
Diversificação de
produtos
Diversificação do
negócio – entrada
no agronegócio
Muitas
oportunidades
1977-1998
11 anos
Diversificação do
negócio: formação
do grupo
empresarial
1998-2003
05 anos
Concentração no
negócio da
indústria mecânica.
Início da
profissionalização.
Entrada da segunda
geração.
2003-2013
10 anos
Expansão da
capacidade produtiva.
1ª expansão para a
planta industrial
Muitas
oportunidades
- Implantação da 1ª
planta;
- conquista do 1º
grande cliente;
- crescimento da
empresa.
Fonte: dados da pesquisa.
- Expansão para a
planta industrial;
- diversificação de
produtos;
- novos clientes;
- produção seriada;
- 1ª diversificação:
entrada
no
agronegócio.
Cisão do grupo
Oportunidades
Oportunidades.
seguidas de muitas
ameaças e de novas
oportunidades
- Nova diversificação: - Profissionalização
-entrada na siderurgia; da gestão;
- formação do grupo - início do forneciempresarial;
mento para a
- alteração da estruPetrobrás.
tura
de - Entrada e prepapropriedade.
ração
da
2ª
- profissionalização
geração.
da gestão;
- separação dos
sócios;
- concentração no
negócio original.
Fim da pesquisa.
Ameaças seguidas de
oportunidades
- Expansão da empresa;
- consolidação do
mercado
de
petróleo;
- 2ª geração assume
cargos de direção;
- profissionalização;
- certificação;
- afastamento da
família da gestão;
- criação do modelo
de
governança
profissional.
168
4.3 Caracterização da empresa PUR
A PUR Equipamentos Industriais Ltda. é uma empresa familiar, com capital 100%
nacional e tem como finalidade a fabricação de artefatos de poliuretanos sólidos e
microcelulados, para revestimentos de peças resistentes à abrasão para os setores mineral,
siderúrgico, fertilizantes, celulose e papel. A empresa foi criada em 1968 sob a razão social
Revesti Comércio e Representações Ltda., pelo imigrante austríaco Augustin, em
sociedade com o seu padrasto Lois, também imigrante de origem alemã, na Rua Alfa, 130,
no bairro Caiçara, em Belo Horizonte-MG. Em 1973, o Sr. Lois havia falecido e a empresa
foi reestruturada, passando a operar sob a razão social Revestoprene, então de propriedade
de Augustin, sua segunda esposa, Karin, e o advogado Laércio. A Revestoprene operou até
o ano de 1995, quando problemas fiscais levaram Augustin a um novo contrato, adotando a
razão social PUR Equipamentos Industriais Ltda. Na nova denominação, a empresa incluía
como sócios, além de Augustin, Karin e Laerte, Ricardo - filho do primeiro casamento de
Augustin, atual diretor administrativo da empresa, e sua filha do segundo casamento,
Nataly, atual diretora financeira.
A atividade inicial da empresa era a execução de serviços de revestimento de peças
de borracha. Em 1971, já com o reconhecimento do seu principal cliente, a Usiminas, em
Ipatinga-MG, a empresa foi transferida para a Rua Frei Orlando, no bairro Caiçara, em
Belo Horizonte. Em 1973, com a criação da Revestoprene, a empresa introduziu no Brasil
a tecnologia de fabricação de produtos à base de poliuretano e, em 1980, foi transferida
para a av. Portugal, 4.461, para uma área de 2.000 m2. Desde 1995 a empresa se
consolidou sob a razão social PUR Equipamentos Industriais Ltda. e, em 2010, foi
transferida para uma nova planta própria, construída em área de 20.000 m², especialmente
169
planejada para a capacidade atual e futuras expansões, localizada na av. Geraldo Rocha,
1.300, Chácara Cotia, Contagem-MG.
Os principais produtos da PUR são lâmina base refil, raspadores para correias,
amortecedores, módulo peneira, revestimentos cerâmicos, roldanas, sistema articulável,
sistema linear, bombas, troca fácil, conector cônico, revestimento PURSINTER, sendo o
carro-chefe dos produtos um raspador para correia transportadora de minério. A empresa
também presta serviços de assistência técnica, montagem, reposicionamento, ajustes e
regulagens em equipamentos da marca PUR, empregando profissionais altamente
qualificados. De acordo com a classificação do SEBRAE, é uma empresa do setor
industrial, de porte médio, com 190 funcionários, incluindo o pessoal interno e os técnicos
que atuam como representantes e assistentes técnicos nos estados de Minas Gerais, Goiás,
Mato Grosso do Sul, São Paulo, Bahia, Maranhão, Pará.
Um dos diferenciais da empresa é a adoção de tecnologia própria no
desenvolvimento dos produtos e dos processos de fabricação, sendo que os seus produtos
são praticamente todos patenteados pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial
(INPI), assim como alguns dos processos de fabricação, condição que lhe assegura a
posição de fornecedora exclusiva de empresas como a Vale. Na mesma linha de negócio
não existem concorrentes da PUR no Brasil; e fora do país, concorre com produtos
semelhantes, mas sem possuir planta no país, a empresa norte-americana Mart.
Entre os seus clientes destacam-se empresas nacionais e internacionais de grande e
médio porte, em vários estados da federação, incluindo a Vale, Samarco, CSN, Usiminas,
Vallourec, Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), Mineração
Caraíba, Mineração Fazenda Brasileiro, Mineração Jacobina, Alunorte, Albrás, Mineração
Corumbaense, Ultrafértil, entre outras.
170
A PUR adota um sistema de gestão ambiental fundamentado em quatro linhas que
norteiam suas ações ambientais: atendimento à legislação, ecoeficiência, busca da melhoria
contínua da gestão ambiental e educação e comunicação. Possui certificação ISO
9001:2008 com o propósito de aumentar a satisfação dos clientes internos e externos. Sua
estrutura organizacional é formalizada em quatro níveis: o diretor-presidente e a diretoria
de vendas e serviços, diretoria industrial, diretoria administrativa e diretoria financeira, no
segundo nível. O terceiro nível é representado pelas gerências e o quarto pelos
supervisores.
Desde os tempos da Revesti, entre 1968 e 1973, mudança para Revestoprene em
1973 e, posteriormente, em 1995, para PUR, foram três razões sociais distintas, porém a
essência da empresa é a mesma, pois “as três firmas fundaram-se sob as ideias do fundador
Augustin, refletidas na busca de inovação, nos produtos, na persistência e capacidade de
superação” (entrevistado 1), que levaram a empresa a completar 45 anos em 2013. Criada
inicialmente por dois parentes indiretos, padrasto e enteado, foi nos momentos
subsequentes transformada em empresa familiar e mantém-se como uma empresa de
propriedade e controle familiar e gestão híbrida, pois reúne nos cargos de direção
familiares diretos e indiretos, os filhos e genro do fundador e profissionais não sócios.
Para os gestores, a longevidade alcançada pela PUR é fruto da obstinação, da
inovação deliberadamente perseguida pelo fundador, do apoio dos empregados e,
sobretudo, dos clientes, sempre fieis à qualidade dos produtos e serviços da empresa, em
todos os seus momentos. Outra justificativa da longevidade é atribuída ao fato de que ao
longo do tempo foram sendo criados produtos diferenciados, que apresentavam relação
custo-beneficio muito favorável, fruto de pesquisa e visão de oportunidade do
empreendedor. E uma vez aceitos pelo mercado, os produtos foram sendo patenteados e
produzidos em série. “É o que manteve a empresa até hoje” (entrevista n. 2).
171
Da sua criação, em 1968, ao momento atual da empresa, em 2013, participaram e
atuam no seu desenvolvimento duas gerações da família Augustin e profissionais não
sócios, como descrito na subseção seguinte.
4.3.1 As gerações dos Augustins e os profissionais na PUR
Primeira geração: O fundador Augustin
Em Belo Horizonte, nos fundos da residência da sua família, Augustin, ou “Seu
Gustavo”, como é tratado pelos empregados, criou a empresa Revesti. Iniciou com um
único, mas importante, cliente, que era a Usiminas. O fornecimento para a Usiminas, ainda
em condições tão iniciais da empresa, se deve à sua capacidade, inteligência, visão de
oportunidade, curiosidade e até mesmo ao fato de que, sendo descendente de austríacos,
teve várias oportunidades de conhecer e trazer para o país informações e tecnologia que
foram sendo transformadas em produtos, entregues de forma exclusiva. Para os
entrevistados, Augustin era dotado de inteligência, caráter, personalidade forte e
capacidades profissionais excepcionais, que lhe asseguraram, desde o início do negócio,
apoio financeiro da família na Alemanha e o acesso a várias empresas.
172
É uma pessoa muito correta. Porque se não fosse também não estaria aqui até hoje,
como ele diz, não adianta querer fazer as coisas malfeitas ou falcatruas, porque o dia
que a casa cair, cai e acabou. [...] Ah, ele é um homem muito inteligente. A
inteligência dele é incrível, de tirar o chapéu. Até hoje, doente e afastado, já não
recebe mais ninguém, são os outros diretores que resolvem tudo, mas ele comanda.
[...] Ele ia muito à Alemanha, porque tinha muitos parentes lá e teve ajuda deles, tipo
ajuda financeira. O crescimento dele como empresário começou por ter boa
receptividade na Usiminas [...] Todas essas características contribuíram para que
criasse uma empresa da família, mas que valoriza e investe nas pessoas. Vários
funcionários que se juntaram a ele nos primeiros anos da Revestoprene ainda atuam
na empresa e o admiram profundamente. [...] O controle total é da família. Mas a
empresa te dá muita condição de trabalho. Ela abre para os funcionários oportunidade
de formação, sugere que ele faça determinado curso que ela subsidia em muitos casos
(entrevista n. 3).
Da primeira geração de proprietários da empresa permanecem como sócios Augustin,
afastado da direção da empresa desde 2010, sua esposa, Karin, que atualmente cuida do
controle dos investimentos privados da família, e Laércio, sócio não familiar, que atuou
desde a criação da Revestoprene como advogado da empresa. Os três permanecem como
sócios e não exercem atividade executiva na empresa. Dessa primeira geração permanece
atuante na empresa na condição de profissional não sócio o Sr. Olivério, diretor industrial,
que iniciou as suas atividades em 1984.
Segunda geração: Ricardo, Nataly e o profissional Flanklin
Quando a razão social Revestoprene foi alterada para PUR Equipamentos Industriais,
em 1995, a segunda geração iniciou as suas atividades na empresa, sendo representada
pelos filhos de Augustin, os meios-irmãos Ricardo e Nataly. Ricardo (40) é administrador
e iniciou suas atividades com 16 anos, como comprador, atuou como assistente de vendas,
auxiliar de produção e auxiliar de almoxarifado. Hoje é o diretor administrativo da PUR.
Nataly iniciou suas atividades ao lado da mãe, Karin, no financeiro, hoje é a diretora
financeira. Os dois assumiram as funções de diretores há pouco mais de três anos, em
173
2010, em função do afastamento de Augustin, por motivo de doença. Ainda da segunda
geração de gestores, na condição de não sócios, em 2008, assumiu o Sr. Flanklin, marido
de Nataly, como diretor de vendas e assistência técnica. A participação das gerações da
família e dos profissionais está representada na Tabela 12.
Tabela 12
A participação da família Augustin e dos profissionais na criação e desenvolvimento
da PUR
Ano/
Período
1968
Evento
Criação da empresa
Revesti
1ª mudança de razão social
1975
Revestoprene
Entrada dos dois novos
sócios
1984
Profissionalização da
diretoria industrial
1995
3ª alteração contratual
PUR equipamentos
industriais
Entrada da segunda geração
2008
Profissionalização da
diretoria de vendas e
assistência técnica
2010
A segunda geração assume
a direção
Fonte: dados da pesquisa.
Atores/tempo de
empresa
Augustin
(1968 a 2013) Atual
Alois
(1968 a 1975)
Augustin
(1968 a 2013) Atual
Karin
(1968 a 2013) Atual
Laerte
(1968 a 2013) Atual
Olivério
(1984-2013)
Atual
Augustin
(1968 a 2013) Atual
Karin
(1968 a 2013) Atual
Laerte
(1968 a 2013)
Atual
Ricardo
(1995-2013)
Nataly
(1995-2013)
Franklin
(2008-2013)
Ricardo
Nataly
Papel na
trajetória
Fundadores
Função na empresa
1ª. Geração
Diretor geral sócio
Sócios gestores
100% do capital
Sócia gestora
Sócio advogado da PUR
Profissional
diretor industrial
Sócio diretor geral
Sócio gestor
Sócio advogado da PUR
Sócio funcionário
Sócia funcionária
2ª. Geração
Profissional familiar
diretor de vendas e
assistência técnica
Sócio diretor administrativo
Sócia diretora financeira
Assim sendo, duas gerações dos Augustins participaram da trajetória da PUR,
descrita a seguir.
174
4.3.2 A trajetória da PUR
A apresentação da trajetória da PUR foi organizada cronologicamente em duas fases.
A primeira corresponde ao período que vai do ano de 1968 a 1995, registrando-se a criação
da empresa Revesti e as alterações contratuais até a criação da atual razão social PUR. Na
segunda fase, ocorrida entre 1995 e 2013, houve a consolidação da PUR, a entrada da
segunda geração, o afastamento do fundador e a expansão e profissionalização da gestão.
Nas subseções seguintes descrevem-se os eventos marcantes de cada fase.
4.3.2.1 A primeira fase: de 1968 a 1995 – a criação e a atual razão social
A trajetória da PUR iniciou-se motivada por oportunidades identificadas em viagens
realizadas por Augustin à Alemanha. Nessas ocasiões, o empreendedor aproveitava para
conhecer produtos e as novidades em tecnologia de fundição de borracha. A partir dessas
experiências, iniciou-se em 1968, nos fundos da residência da sua família, na Rua Alfa, no.
130, no Bairro Caiçara - BH, a sua carreira de empresário, criando a empresa Revesti, que
executava serviços de revestimento de peças em borracha para o seu único cliente, a
Usiminas. Três anos mais tarde, percebendo suas possibilidades de expansão, a mãe cedeulhe um prédio na Rua Frei Orlando, 147, também no bairro Caiçara. Na nova sede e com a
ajuda financeira dos parentes, adquiriu máquinas, equipamentos e conquistou novos
clientes, passando a fundir peças também para a Vale, Usiminas, Delp Engenharia, entre
outros. Na mesma época, começou, de forma ainda inédita no país, a fabricar pequenas
peças de reposição em poliuretano, material que conheceu e trouxe da Alemanha para o
Brasil. Tornava-se, assim, um pioneiro a trabalhar com o material importado que adquiria
em suas viagens.
175
A Revesti foi criada em sociedade com o seu padrasto, Sr. Alois, com quem Augustin
aprendera os primeiros passos na fundição de borracha e que veio a falecer em 1973. Nesse
mesmo ano a empresa foi reestruturada e passou a operar com a razão social Revestoprene,
agora de propriedade de Augustin, sua segunda esposa, Karin, e o advogado Laércio.
Como Revestoprene, a empresa consolidou-se na fabricação de produtos à base de
poliuretano, abandonando a fabricação em plástico.
A Revestoprene foi se desenvolvendo e a cada produto novo Augustin realizava
testes, definia padrões e começou a registrar no INPI as patentes dos produtos, que lhe
garantiam a confiabilidade dos clientes e proteção no mercado de produtos à base de
polipropileno. Até o final dos anos 1970, chegou a registrar oito patentes de produtos. A
decisão de registrar patentes, além de preservar o conteúdo de inovação desenvolvido pela
empresa, deveu-se também ao fato de que ela proporciona à empresa reserva de mercado,
num horizonte bastante longo, que pode chegar, como afirma o entrevistado n. 2, até 15
anos.
O período de pesquisa demora em torno de cinco, seis, até sete anos, mas a patente
normalmente te dá uns 15 anos, no total. Ou seja, a partir do momento do registro,
levam uns cinco, seis anos para que ela saia. Mas nesse período, qualquer empresa
que tentar copiar seu produto você pode notificá-la, informando que já existe uma
patente. Depois de concedida, você tem mais 10 anos para usufruir da sua patente.
As patentes lhe trouxeram novos clientes, a empresa continuou a crescer e, em 1980,
foi transferida para o que viria a ser de fato a sua primeira planta, localizada na av.
Portugal, 4.461, em uma área de 2.000 m2. Entre os anos de 1980 e 1995 a Revestoprene
passou por fases de prosperidade, chegando a 120 funcionários, mas também por crises,
principalmente motivadas pelos sucessivos planos econômicos adotados no país que
afetavam o seu equilíbrio. Mas a empresa resistiu e sobreviveu, como destacam os
gestores.
176
Era aquela época em que havia de mês em mês um pacote novo, Cruzeiro, sei lá o
quê. Depois a crise do Collor, o confisco do nosso dinheiro. A empresa quase que
não aguentou. Dos 120 funcionários chegamos a mais ou menos 26 funcionários. Só
para pagar os impostos é que não era problema. Você chegava lá com a guia e o
governo já debitava (entrevista n. 3).
Graças à credibilidade já conquistada pela empresa, os clientes nos momentos mais
críticos, mesmo reduzindo o volume de pedidos dado que a crise era estrutural no país,
mantiveram encomendas que davam certo fôlego ao negócio. Somada à redução da
produção, ocorreram atrasos no pagamento da folha, mas os empregados, muitos atuando
ainda hoje na empresa, cooperaram para que a empresa fosse superando a crise. Nesse
momento, também contribuiu a participação da família, que se adaptou rapidamente às
novas condições, determinando prioridades que criavam condições para a superação da
crise.
Saímos da crise Collor com muita dificuldade, lógico. E continuamos a trabalhar e
com a cooperação de todos aqueles que já trabalhavam na empresa na época, e
muitos estão aqui até hoje. A gente atrasava a folha, adiantava um pouquinho para os
funcionários. Era como se fosse uma crise familiar, cada um deu um pouquinho de si.
E depois passou e na época que liberou o dinheiro foi voltando ao normal (entrevista
n. 3).
Com o Plano Real, a partir de 1994, a situação se estabilizou e a empresa voltou a
investir em novos produtos. Tratou de ampliar a sua base de operação, adotando uma nova
estratégia de vendas, contratando representantes e vendedores para abrir novas
possibilidades de mercado. O foco dessa estratégia era a Vale, que já mantinha bom
relacionamento com a PUR, e os representantes passaram a atuar diretamente nos locais
onde a empresa mantinha operações, diretamente nas minerações, onde os produtos PUR
eram muito bem conhecidos e aceitos. Essa estratégia de vendas, descrita pelo gestor,
rendeu bons frutos e ampliou o volume de vendas de produtos e serviços.
177
O Plano Real foi um choque na economia. E aí a empresa começou a investir em
novos produtos, colocou vendedores nas áreas com mais possibilidade, com mais
volume de venda, insistindo mais em cima da Vale, o nosso filé mignon. E os nossos
produtos sempre foram muito bem aceitos (entrevista n. 2).
Até 1995 transcorreu um período de estabilidade, “crescia um mês, no outro mês
descia” (entrevista n. 2), até que a empresa enfrentou uma nova crise, desta vez motivada
por problemas fiscais de tamanha magnitude que obrigaram o fundador Augustin a
encerrar as atividades da empresa. A Revestoprene foi encerrada e, numa transição que
durou aproximadamente quatro meses, o empresário passou a adotar a razão social PUR
Equipamentos Industriais Ltda., dando início à segunda fase na trajetória da empresa. Uma
síntese dessa primeira fase é apresentada na Figura 11.
Experiência
do
fundador
Criação e
consolidação da
empresa Revesti
Inovação com a
substituição da
borracha pelo
polipropileno
Alteração da
razão social
para
Revestoprene
Problemas
com a área
contábil
Encerramento
da
Revestoprene
Figura 11 - 1ª fase da trajetória da PUR – 1968-1995.
Fonte: dados da pesquisa.
4.3.2.2 A segunda fase: 1995-2013 - a nova razão social, a entrada da segunda geração e
o afastamento do fundador
Com a criação da PUR, Augustin definiu um novo formato de empresa, que sob a
denominação PUR Equipamentos Industriais Ltda. incluía, além dos seus antigos sócios,
Karin e Laerte, Ricardo, seu filho do primeiro casamento, e sua filha do segundo
178
casamento, Nataly. Ambos iniciaram muito jovens, aprendizes em processo de formação
profissional, atuando em vários postos na empresa.
A transição da Revestoprene para PUR foi muito rápida e contou com a participação
de várias pessoas que já atuavam na Revestoprene. Houve expressivo empenho da família
e dos empregados, que abriram mão das condições anteriores, inclusive de remuneração e
esquema de trabalho, adaptando-se à nova realidade da empresa. E também os clientes
colaboraram para que a empresa se restabelecesse.
Durante a transição tivemos que nos virar e contamos com a colaboração de pessoas
que já estavam há vários anos na empresa. A maioria dos empregados foi demitida e
começamos trabalhando em meio período. Era como se fôssemos da garagem de
novo. Mas, o bem maior, tanto de um país como da empresa, é o seu capital humano.
E como a gente já tinha esse know how, ficou mais fácil voltar. [...] O complicado é
na hora de você falar com o seu cliente, “olha, agora nós não somos mais
Revestoprene, agora é a PUR”. Mas a gente conseguiu, demorou um pouquinho – um
ano e meio, dois anos – para a gente começar a ter fôlego (entrevista n. 1).
Mas o aspecto mais determinante, o kwow how, que permitiu à empresa vencer
mais essa crise e se reerguer sem perder os clientes ou sua confiança, foram, mais uma vez,
as patentes. “O que colocou a PUR bastante em evidência, que deu bastante suporte à
empresa foi o registro de patentes” (entrevista n. 1). E essas foram, e continuam a ser,
conquistadas graças ao espírito inovador e empreendedor introduzido pelo fundador, que se
instalou de vez na empresa. O esforço de pesquisa e registro de patentes prosseguiu e
prosperou, se estendendo, além dos equipamentos, aos processos de produção, chegando a
um ponto em que, segundo os entrevistados, Augustin era, no estado de Minas Gerais,
quem mais registrava patentes, numa época em que essa preocupação não era muito
comum entre as pessoas e empresas. Em consequência, para os gestores, a posse de
patentes é um dos diferenciais atuais da empresa.
179
O registro das patentes é muito importante, uma coisa bem forte aqui dentro da
empresa. Porque nós temos vários concorrentes, mas sérios somos nós só, a
americana, e o restante é tudo mais, vamos dizer assim, fundo de quintal, já
cresceram um pouquinho e tal, mas tão pegando a nossa rabeira, copiando produtos
da gente (entrevista n. 1).
Em 1995, ao iniciar as suas atividades, a PUR contava com apenas 10 pessoas. À
medida que foram sendo criados novos itens patenteados, a empresa assegurou uma
posição de exclusividade no mercado de equipamentos técnicos em polipropileno, que lhe
garantiu crescimento sustentado. Com a nova tecnologia efetivaram-se novos contratos e a
empresa recuperou o mercado perdido com o fechamento da Revestoprene. A produção
cresceu a um ponto que o espaço físico do galpão de 1.000 m2, ocupado na av. Portugal,
tornou-se um impeditivo do crescimento da empresa. De acordo com os gestores, chegouse a um ponto que “não tinha como expandir mais, não podíamos comprar nenhuma
máquina ou colocar mais um funcionário. Como diziam, se colocasse mais um,
praticamente, ia sentar em cima de alguém” (entrevista n. 1).
Então, em 2003, os sócios decidiram adquirir um terreno, desenvolveram um projeto
para uma grande planta, muito mais adequada, e iniciaram a construção. O ritmo de
crescimento da empresa se manteve nos anos seguintes até que a crise financeira de 2008,
que afetou particularmente o mercado de exportação de commodities brasileiras, incluindo
o minério de ferro, trouxe certo desequilíbrio nos negócios da empresa. “Mas esse
desequilíbrio foi rapidamente superado, porque grande parte dos contratos da empresa era
com a Vale, que manteve suas encomendas com a PUR” (entrevistado 3). A produção foi
reduzida, mas os gestores, apostando que a crise seria passageira, decidiram manter os
empregados, usando parte do tempo livre no treinamento e capacitação, assumindo com
recursos da própria família parte dos custos da folha de salários, até que a operação
voltasse à normalidade, como de fato ocorreu. Essa medida permitiu que a empresa
evitasse demissões e voltasse à normalidade, como se comprova:
180
Nós tivemos um período aqui na empresa que o diretor não mandou ninguém
embora, metade do pessoal ia para o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
(SENAI) fazer um curso e a empresa, para não mandar ninguém embora, num
período de três meses arcou com parte dos salários e a outra parte o Gustavo. Depois
desse período, todos voltaram às suas rotinas normais. Balançou um pouco, mas
conseguimos suportar (entrevista n. 3)..
Em agosto de 2010, com todas as providências concluídas, a empresa veio a se
instalar na sua atual sede, em Contagem. A expansão da capacidade física permitiu que o
número de funcionários, em todos os setores, e o faturamento praticamente dobrassem,
contando a empresa atualmente com 170 empregados e faturamento mensal de 4 milhões, e
a perspectiva é de continuar crescendo, como se confirma:
Após 2011, os faturamentos dobraram. Até então se faturava 1,8 milhão por mês,
hoje fatura 3,7 milhões, 3,8 milhões, até 4 milhões de reais por mês já faturou aqui.
Cresceu o espaço físico, aumentou a capacidade da empresa. [...] Dobrou
praticamente o número de funcionários. Eu trabalhava na contabilidade com três
funcionários, incluindo o financeiro. Hoje eu tenho oito e o meu espaço físico é
muito maior. E vai continuar crescendo. Eu acho que não tem limite no crescimento
não. Depende do mercado, é lógico (entrevista n. 3).
Em 2008, assistiu-se à profissionalização das atividades comerciais, sendo criada a
diretoria de vendas e assistência técnica; e o genro de Augustin, Franklin, assumiu o cargo
de diretor. Em 2010, Augustin se afastou da empresa por problemas de saúde e a segunda
geração assumiu a direção. Definiu-se a nova estrutura organizacional, os filhos assumiram
a diretoria administrativa e a financeira. O genro permaneceu na diretoria de vendas e
assistência técnica e na diretoria industrial permaneceu o Sr. Olivério, profissional não
familiar.
O foco atual da empresa é na fabricação de itens seriados e patenteados. Essa decisão
favorece a PUR nas concorrências. Além disso, os seus produtos têm apresentado melhores
resultados nos testes realizados pelos compradores de durabilidade e funcionalidade dos
seus equipamentos, comprovando relação custo-benefício mais favorável, além de que
181
“todos eles são fornecidos com a nossa garantia e total assistência técnica, o que é muito
importante hoje”.
O nosso maior cliente, a Vale, a cada renovação de contrato pede as patentes para
verificação, para que se coloque que esse item é exclusivo da PUR. Todos os itens
que nós fabricamos para a Vale e a Usiminas foram testados, aprovados e essas
comprovações realmente justificam pagar um pouco mais caro, pois se você avaliar
após 12 meses, você vai ver que não comprou tanto como comprava antes. Esse é o
sentido do trabalho da PUR (entrevista n. 2).
Como fornecedora de equipamentos para operar em situações de alto risco, os
gestores sempre se preocuparam com a confiabilidade dos clientes em relação aos seus
produtos. Buscaram aperfeiçoar, oferecer segurança e obter certificações para garantir
produtos com qualidade, durabilidade e eficiência. Para o gestor, “em todas as
oportunidades que nós tivemos ou que criamos, nós buscamos aperfeiçoar mais os
equipamentos, para que tenham durabilidade e eficiência” (entrevista n. 1). No decorrer
dos anos, a empresa foi se especializando e conquistou a credibilidade, o que a faz
sobreviver.
Então, é uma série de fatores: resistência, durabilidade, eficiência, principalmente ser bom,
você não pode vender um equipamento qualquer. Hoje nós temos uma série de certificações
de que cada equipamento não vai causar um dano, um acidente, em virtude do processo de
fabricação que é confiável. [...] Essa foi uma escolha que estava sendo feita, por
exemplo, nós vamos concentrar mais em equipamentos que nós vamos desenvolver.
Sim. Isso foi determinante, sim, com certeza a razão de nossa evolução (entrevista n.
2).
A preocupação com a qualidade e com a segurança sempre foi valorizada nos setores
atendidos pela empresa. E desde os negócios iniciais da PUR, essa preocupação foi um
valor introduzido pelo seu fundador e que foi aperfeiçoado pela segunda geração e pelos
profissionais que se preocuparam em buscar padronização, criar rotinas e transformar a
182
produção por encomenda em produtos seriados que carregam a marca PUR, reconhecida
pela sua confiabilidade e qualidade.
Tudo isso foi fundamental para uma empresa que, enquanto trabalhava por
encomenda, não saía do lugar. Às vezes nós ganhávamos um processo grande, em
que se trabalhava dois, três meses, satisfazia a empresa naquele período e depois ela
voltava à situação anterior, ela oscilava demais (entrevista n. 3).
A mudança da produção por encomenda para produção seriada mudou o rumo do
negócio, permitindo à empresa adotar uma estratégia de diferenciação que lhe assegurava a
preferência dos seus compradores, melhores condições de fornecimento e preços
diferenciados. Para os gestores:
A posse das patentes, na questão do preço, por exemplo, você consegue impor uma
condição melhor. É lógico que você, por ser exclusivo, você não vai pôr o preço que
achar melhor. Não, pelo contrário. A PUR, por trabalhar com poliuretano de baixa
performance, poliuretanos microcelulados, consegue fornecer com preços bastante
equilibrados e competitivos (entrevista n. 2).
Complementando a estratégia de diferenciação e produção em série, a empresa
empenhou-se na obtenção da certificação ISO e, desde então, as diretorias têm criado
procedimentos e rotinas formais, sem, contudo, perder a proximidade e a facilidade de
contato que existe entre os seus membros. A direção está empenhada em identificar um
modelo de gestão para a empresa que compatibilize profissionalização e flexibilidade.
Como ressalta o entrevistado n. 1:
Estamos num processo de renovação, de redescobrir como nós vamos proceder.
Estamos tentando criar uma rotina de decisão, com reuniões bimestrais com os
gerentes, para apresentar as metas, as melhorias contínuas e processos da ISO. Na
parte da diretoria, é quase meio que informal. Olho no olho. E sem discussão. É um
papo legal. Temos um estilo próprio de tomar decisão. [...] A partir do momento em
que entramos na ISO, já vínhamos nos organizando. Para os problemas internos foi
criado o PDCA, uma coisa nova que já está funcionando e é controlado pelo nosso
gerente de sistemas.
183
A execução obedece à definição de atribuições funcional, mas a decisão estratégica é
colegiada, prevalecendo decisões flexíveis e marcadas pelo estilo da família, como
explicam:
Cada gerente é responsável pelo seu setor. E as nossas decisões são tomadas de
comum acordo em reuniões, conversas, vamos discutindo, qual a nossa meta, se há
algum problema, vamos sentar e resolver. É sentado na mesinha ali, um papo
tranquilo, um papo normal. Nada de cartinha pra lá e cá (entrevista n. 1).
Todas essas mudanças no processo de decisão também decorrem da necessidade de
atendimento aos mecanismos institucionais do mercado atendido pela empresa, por
exemplo, relacionados às exigências de regulação ambiental e de segurança do trabalho das
empresas mineradoras. Em consequência, além dos esforços para a certificação ISO e de
uma
melhor definição da
formalização da
estrutura, observa-se também um
direcionamento de toda a empresa para a adoção do planejamento estratégico, de rotinas
operacionais formalizadas e de novos sistemas de gestão.
Estamos buscando uma administração mais profissional. Lógico, tropeçamos em
muitas coisas. Mas os dados que estamos recolhendo sobre as metas têm facilitado
para um futuro planejamento. Hoje na empresa planejar é para daqui a dois, três
meses, é quase que matando um leão todos os dias. Estamos realmente querendo
fazer um planejamento para um ano. A partir do ano que vem, vamos ter um
calendário da empresa para o ano inteiro e isso é o alicerce para a gente conseguir
fazer um planejamento estratégico da empresa (entrevista n. 1).
Nunca se jogou em aventuras. Tem as normas. Mas hoje tem também as normas
internas e estamos buscando pessoal qualificado. [...] O nosso Departamento de
Tecnologia e Informática desenvolve os programas, implantamos o PROTEUS da
TOTVS11 . É uma mudança total, começou do zero. E todo meio de comunicação
nosso aqui é por intermédio do e-mail. [...] Temos que acompanhar a legislação e as
normas. Virou rotina aqui na contabilidade. Mas como isso nunca tinha sido feito na
empresa, para os outros setores é coisa nova e eles têm que cumprir, tem que fazer
direitinho (entrevista n. 3).
11
O PROTEUS é um sistema de gestão integrada (ERP) da empresa TOTVS.
184
Todas as evidências indicam que a ISO representou um marco no modelo de gestão
da empresa. Melhorou a comunicação interna, respaldou-se a ação em documentos do
Manual de Qualidade da PUR, que “nos fez aprender bem. A gente cresceu como empresa,
profissionalmente a gente cresceu” (entrevista n. 1).
Tudo é documentado, qualquer sugestão ou operação interna tem que ser por escrito,
temos formatos, documentação, desde um RH, uma sugestão, férias, uma solicitação,
tudo escrito. Tudo normatizado. Nada hoje pode ser “pega aí, depois eu passo aí e
pago”. Não. Esse costume nós estamos erradicando aqui na empresa. Tudo é feito via
portal, pelo sistema da TOTVS. [...] Hoje você tem que criar um processo, a diretoria
tem que autorizar abrir uma ordem de produção. Controle total de tudo que entra e sai
da empresa. É do jeito que o governo quer e nos controla, pela nota fiscal eletrônica.
[...] Hoje nós temos a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) para todos
os equipamentos. Para cada fabricação você tem uma norma técnica. Vai extrair
minério, existe uma norma e você só pode extrair dessa forma. Então, para todos os
equipamentos no local onde ele vai trabalhar existem as normas, tanto de segurança
quanto de fabricação. [...] Criamos um controle de qualidade. Delegamos mais. E
como nós estamos em fase de organização, a coisa tá andando ainda (entrevista n. 3).
A gente precisou de alguma coisa pra ajudar a gente a crescer, porque os processos
estavam todos... não podia ficar da forma que estava. A ISO tem contribuído bastante
para isso (entrevista n. 1).
Porém, o esforço de planejar, organizar e padronizar ainda não fez desaparecer a
importância da improvisação na empresa. E essa “é muito grande. A gente não pode ficar
engessado. A gente ainda tem muita coisa para corrigir, apagar incêndio, então tem que ter
o improviso” (entrevista n. 1). Entre os gestores há clareza de que não se pode mais gerir a
empresa de forma improvisada, mas também que ela não vai desaparecer, e saber se
adaptar às situações também é uma maneira de gerir com qualidade e eficácia.
Eu acho que tem um limite, você não pode viver na improvisação, tem que ter um
direcionamento, mas tem hora que você precisa. Você recebe um pedido enorme, vai
ter que mexer em toda a sua produção (entrevista n. 1).
185
Existe improvisação e ela resolve problemas. Nós inclusive deparamos com uma
improvisação agora, recentemente, um pedido fora da rotina normal. E existem
processos grandes, por exemplo, a Vale tem uma expansão, um pacote grande,
estamos entrando com raspador, roldana, cerâmica, revestimento de cerâmica, outros
equipamentos que dão um volume muito alto. E é um processo, não é de um contrato
de cinco anos não, é um processo para se entregar em dois, três meses. Então, nós
temos que criar uma força-tarefa na empresa e vamos fugir de todo o cotidiano. [...]
Nós temos condições plenas de organizar isso. Então vamos chamar de força-tarefa,
pegamos um pedido que seja aí de 5 milhões e entregar em dois meses, nós temos
que criar, rever a necessidade de tudo, talvez criar um turno só para isso, chamar
profissionais que ficam flutuando, que nós podemos contar com eles no momento.
[...] A improvisação existe não só para atender pedidos que chegam aleatoriamente,
mas também para uma situação de uma Vale ter uma parada de imediato (entrevista
n. 2).
No momento de realização da pesquisa, constata-se que a empresa se mantém
disposta a prosseguir no mesmo negócio, aperfeiçoando um modelo de gestão baseado na
participação direta da família, com os filhos e genro do fundador, e a participação de um
profissional não sócio nas diretorias. E busca acompanhar as novas perspectivas
apresentadas pelos mercados em que atua, com a adoção de ferramentas de gestão que a
tornem cada vez mais perene e profissional. Essa segunda fase é apresentada na Figura 12.
Superação da
crise e reinício
das atividades
Criação da
PUR
Tradição de
trabalhar em
família
Visão dos
dirigentes
Entrada da 2ª
geração de
gestores
Profissionalizaçã
o da empresa
Afastamento do
fundador
Crescimento
da empresa
Diversificação
de produtos
Sucessão natural
e gestão híbrida
Figura 12 - 2ª fase da trajetória da PUR – 1995-2013.
Fonte: dados da pesquisa.
Em síntese, a descrição da trajetória da PUR, da sua criação até o período de
realização da pesquisa, em 2013, revela a essência do que é a empresa, que completa 46
186
anos em 2014. A fase inicial descreve o início da operação da Revesti, uma empresa que
surgiu “no fundo do quintal” e graças à credibilidade do fundador conquistou um cliente
importante, a Usiminas. A empresa passou por crises, mudou a razão social para
Revestoprene, acolhendo novos sócios. Ao adotar a razão social Revestoprene, a matériaprima borracha utilizada nos produtos de revestimentos foi substituída pelo polipropileno,
introduzido no Brasil de forma pioneira pelo fundador. Uma nova crise levou ao
encerramento das atividades da empresa, que renasceu transformada na atual PUR
Equipamentos Industriais, com a participação da segunda geração na qualidade se sócios
da nova empresa.
A segunda fase iniciou-se com a implantação da nova PUR, construída com o esforço
da família, o apoio dos funcionários mais antigos da Revestropene e a credibilidade
conquistada junto aos antigos clientes. Nesse esforço, favoreceram a empresa as patentes já
conquistadas e a persistência do fundador em desenvolver novos produtos, seriá-los e obter
novas patentes. A situação favorável do mercado da mineração no país assegurou o
crescimento da empresa ao ponto que decidiram pela sua expansão e construção de uma
nova e moderna planta. A segunda geração da família introduzida como sócios da PUR,
após um processo de formação e capacitação, com o afastamento repentino do fundador,
assumiu os cargos de direção, dando início ao processo de profissionalização da gestão que
vem se consolidando e acompanhando o crescimento sustentado do negócio. A Tabela 13
acompanha os recortes da trajetória da PUR e encerra o capítulo da descrição dos dados.
187
Tabela 13
Recorte das fases da trajetória da PUR
Fases
Recortes
Período
Tempo
Marco inicial
Marco final
Contexto externo
Eventos
1ª.
1968-1995
27 anos
Criação da empresa Revesti
Operação sob nova razão social com a
entrada da 2ª geração
Muitas oportunidades
- Implantação da 1ª planta;
- conquista do 1º grande cliente;
- crescimento da empresa;
- alteração da razão social
para
Revestoprene;
- substituição da matéria-prima base pelo
polipropileno.
- desenvolvimento de novos produtos;
- conquista das primeiras patentes;
- crise fiscal e encerramento
das
atividades da Revestoprene.
Fonte: dados da pesquisa.
2ª.
1995-2013
18 anos
Criação da nova empresa com a
participação da segunda geração
Fim da pesquisa
Ameaças seguidas de muitas
oportunidades
- Reinício das atividades;
- concentração nos equipamentos de
prolipropileno;
- registro de patentes dos produtos e
processos;
- expansão para a planta industrial;
- diversificação de produtos;
- produção seriada;
- profissionalização da empresa;
- certificação ISO;
- afastamento do fundador;
- 2ª geração assume a direção.
188
5 Análise Cruzada dos Casos
A análise cruzada de múltiplos casos tem como propósito aumentar a possibilidade
de generalização dos resultados, tornando mais claro se os eventos e processos que foram
cuidadosamente descritos em cada caso particular são ou não idiossincráticos. Possibilita,
ainda, a compreensão dos processos e resultados entre os vários casos para entender como
esses são qualificados pelas condições locais, permitindo um aprofundamento do
entendimento dos fenômenos e da explanação dos mecanismos causais (Miles &
Huberman, 1994).
Concluída a descrição das trajetórias da HASA, Delp e PUR, inicialmente
organizadas em sequências cronológicas demarcadas pela criação ou aquisição da empresa
e o momento da realização da pesquisa (2013), procedeu-se à comparação cruzada das
mesmas, utilizando o recurso da estratégia mista de análise cruzada. Esta análise é uma
combinação da estratégia orientada pelo caso com a estratégia orientada pelas variáveis,
descritas por Miles & Huberman (1994), numa forma denominada pelos autores de
“empilhamento de casos comparáveis” 12. Os eventos marcantes de cada fase das trajetórias
foram dispostos numa metamatriz, como mostra a Tabela 14.
12
Staking comparable cases, no original em inglês.
189
Tabela 14
Cross case Display 1: mudança de atributos estratégicos
Fases
Empresa
1ª.
Criação e
consolidação
da empresa
2ª.
Entrada da 2ª
geração, início da
HASA
profissionalização
e diversificação
do negócio
Aquisição da
Expansão da
empresa,
capacidade física
Delp
sociedade entre com mudança para
irmãos e
a 1ª planta
consolidação do
industrial,
negócio
diversificação de
produtos e do
negócio
Criação da
Entrada da 2ª
Revesti,
geração,
PUR
mudança para
afastamento do
Revestoprene
fundador e
e operação sob profissionalização
a razão social
da gestão com a
PUR
participação de
familiares e
profissionais
Fonte: dados da pesquisa.
3ª.
Concentração no
negócio original e
expansão da
capacidade
produtiva
2ª diversificação
do negócio,
formação do grupo
empresarial e
cisão da sociedade
entre irmãos
4ª.
5ª.
3ª geração assume
cargos de direção
e incrementa a
profissionalização
da gestão
Concentração no
Expansão da
negócio original,
capacidade
início da
produtiva e
profissionalização profissionalização
e entrada da 2ª
da gestão, com o
geração
afastamento da
.
família
Os dados consolidados na metamatriz Display 1 informam, indutivamente, que o
recorte das fases das trajetórias ocorria não em função da sua cronologia, mas das situações
de mudança de atributos estratégicos e do tipo de aprendizagem ocorridos nas três
empresas, além de permitirem a identificação da origem dos impulsionadores das
mudanças identificadas. Uma constatação comum a todos os casos foi quanto à
participação das gerações nas situações de mudança de atributos. Ao longo das trajetórias,
observa-se que os valores da empresa familiar, representados pela tradição de manter a
família atuando na empresa, o respeito entre as gerações e o amor ao negócio,
determinaram a entrada de novos gestores. As gerações das famílias renovaram-se nas
empresas pela entrada de novos membros que foram sendo preparados e capacitados para
assumirem os postos de gestão na empresa. E, ao assumirem, os novos gestores foram
190
responsáveis pela modernização de rotinas e pela profissionalização da gestão, tanto no
que diz respeito ao processo produtivo, quanto às funções de gestão.
Quanto aos mecanismos impulsionadores, verificou-se que duas situações
distinguiam os casos. Na HASA e na Delp, as situações que resultaram em mudanças dos
atributos estratégicos, tais como adoção da estratégia de diversificação de produtos ou do
negócio, expansão da capacidade física, modernização de rotinas e do processo produtivo,
tiveram como mecanismo impulsionador da renovação estratégica o ambiente externo. Os
gestores souberam identificar no ambiente externo as oportunidades ou crise e
aproveitaram para introduzir as mudanças nas organizações, reagindo para sobreviver e
crescer. Já na PUR, de forma distinta, a renovação foi impulsionada pelo ambiente interno.
A introdução de uma nova matéria-prima, o polipropileno em substituição à borracha, a
capacidade de superação da crise interna causada por questões fiscais e a pesquisa e
inovação com produtos seriados e patenteados foram impulsionados pela capacidade
criativa e de inovação do fundador.
Mas também se apurou que o tipo de aprendizagem mais tipicamente identificado
nos dois primeiros casos, HASA e Delp, era o single-looping learning, apesar de se
detectar alguma semelhança com o double-looping learning que veio a se confirmar na
última fase da trajetória da Delp. Já no caso PUR, o tipo de aprendizagem identificado foi
o double-loop learning, associado a uma elevada capacidade de mudança endógena,
incremental e inovação. Decidiu-se, então, apresentar os dados da análise cruzada dos
casos pela descrição de dois tipos: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente
externo e aprendizagem single-loop learning – HASA e Delp; e renovação estratégica
impulsionada pelo ambiente interno e double-loop learning – PUR.
191
5.1 Renovação estratégica impulsionada pelo ambiente externo e aprendizagem
single-looping learning – HASA e Delp
As mudanças que foram observadas na HASA e na Delp, caracterizadas por situações
como a expansão da capacidade física, diversificação de produtos, diversificação de
negócio e concentração no negócio original, foram impulsionadas pelo ambiente externo.
Os gestores, reconhecendo as oportunidades ou crises no ambiente, reagiam adotando as
ações específicas a cada situação que implicaram em mudanças nos atributos estratégicos e
promoveram os momentos de renovação estratégica das organizações (Agarwal & Helfat,
2009). O que parece justificar a longevidade das mesmas. Portanto, as fases das trajetórias
devem ser exploradas e comparadas, detalhadamente, em cada um dos eventos e os seus
mecanismos causais.
5.1.1 A HASA e a Delp na fase 1
A criação da HASA, marco inicial da trajetória, deveu-se à experiência do seu
fundador, adquirida no trabalho com motores da marca Ford, somada ao seu senso de
oportunidade ao vislumbrar o surgimento, em Belo Horizonte, de um novo centro
industrial, onde poderia vir a se estabelecer e trabalhar na prestação de serviços de
mecânica. Acompanhando o mesmo destino de outros imigrantes italianos, usou da sua
experiência para a criação da própria empresa. A decisão de criação da HASA, portanto,
partiu do conhecimento inicial que o seu fundador detinha do ambiente e dos processos
industriais que a empresa poderia vir a utilizar para realizar as intenções profissionais do
fundador no ramo da indústria mecânica. E ao fundar a empresa, esse conhecimento foi
repassado aos demais membros da nova organização, seus dois filhos mais velhos,
192
caracterizando um processo denominado de aprendizagem congênita, transferida pelo
fundador aos demais membros da organização nascente (Huber, 1991). Esse tipo de
aprendizagem, segundo Huber (1991), é bastante usual entre os modos informais de
aquisição de conhecimento pelas empresas e determinou, em grande medida, o que os
fundadores da HASA buscaram, as suas experiências e a maneira de reconhecer e
interpretar o ambiente, que prevaleceu ao longo de toda a primeira geração da HASA.
Já o marco inicial da trajetória da Delp, que envolveu a aquisição de uma empresa em
São Paulo, sua transferência para Belo Horizonte e a formação de uma sociedade entre
irmãos, deveu-se aos relacionamentos do fundador. Apesar deste não possuir experiência
no setor, deparou-se com a oportunidade de adquirir a empresa Delp graças a contatos
estabelecidos com um grupo de empresários em São Paulo.
A situação descrita na primeira fase das duas trajetórias relativa ao início das
atividades das duas empresas indica que, apesar de ambas as trajetórias serem direcionadas
por fatores do ambiente externo, o marco inicial partiu de mecanismos causais distintos:
experiência na HASA e relacionamentos na Delp. Entretanto, ambos são explicados pelo
familiness, que influenciou na criação e desenvolvimento das duas organizações. Pela
influência das famílias Albertini e Zica, as duas empresas cresceram direcionadas por
valores (tradição, relacionamentos de longo prazo, confiança, etc.), associando o nome da
família à sua identidade de marca e, frequentemente, buscaram a preservação do negócio
adotando nas decisões uma perspectiva de sobrevivência de longo prazo (Astrachan, 2010).
A Tabela 15 mostra os eventos dessa fase 1 com os respectivos mecanismos causais,
comentados em sequência.
193
Tabela 15
Cross case display 2 – fase 1: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente
externo e aprendizagem single-looping learning
HASA
Evento
Causa
Evento
Criação da empresa; Experiência do Sociedade entre
crescimento da empresa. fundador.
irmãos.
Fase 1 2ª geração entra na
empresa; processo de
aprendizagem da 2ª
geração;
início
da
profissionalização.
Tradição
trabalhar
família.
de Crescimento
e
em consolidação da
empresa.
Delp
Causa
Relacionamentos do fundador.
Relacionamentos
com o mercado.
dos
sócios
Fonte: dados da pesquisa.
Os mecanismos causais “experiência”, “tradição” e “relacionamentos” determinaram
os eventos de mudança que ocorreram na primeira fase das trajetórias das duas empresas.
Na HASA, após a criação e o crescimento da empresa, criou-se a tradição de manter a
família trabalhando unida, o que levou a empresa a introduzir no seu quadro gerencial um
representante da segunda geração. Este, por sua vez, estimulou com uma nova visão e
sentido do trabalho o início da profissionalização da gestão e adoção de um enfoque
mercadológico que fizeram a empresa sobreviver à fase por 41 anos (1933-1974),
consolidando-se e adquirindo prestígio no mercado. Na Delp o elemento relacionamentos
do fundador, ampliado pelo grupo de sócios irmãos e por seus contatos no mercado de
serviços prestados pela empresa, permaneceu como causador dos eventos dessa primeira
fase, que durou 10 anos (1974-1984).
Apesar de distintos, os mecanismos causais “tradição” e “relacionamento”
identificados nessa fase 1 das trajetórias correspondem ao que já foi definido como senso
de família ou familiness, “um conjunto único de recursos que uma firma particular possui
decorrente da interação entre a família, seus membros individuais e o negócio”.
(Habbershon, Thimothy & Williams, 1999, p. 11). O construto familiness parece
194
relacionado às explicações da longevidade da empresa familiar. Por exemplo, as
abordagens que exploram esse construto (Astrachan, 2010; Chrisman, Chua & Sharma,
2005; Sharma, Christman & Chua, J.H., 1997; Frank, Lueger, Nose & Suchy, 2010,
Habbershon, Thimothy & Williams, 1999) adotam como pressuposto que as empresas
familiares são direcionadas por valores, como no caso da HASA a tradição; e apoiam-se
em redes de relacionamentos, como na Delp; e, frequentemente, lançam mão de uma
perspectiva de longo prazo (Astrachan, 2010). Em ambas, tradição ou relacionamento
moldou a estratégia das duas empresas familiares, tomando o significado de sobreviver.
Significa dizer que nas empresas familiares HASA e Delp o familiness (tradição e
relacionamentos) resultou nas escolhas estratégicas que as levariam à sua sobrevivência,
como se observou na fase inicial das duas organizações.
Outro aspecto verificado nessa primeira fase é a diferença entre o tempo de
consolidação das duas empresas, de 41 e 10 anos, respectivamente, HASA e Delp. Apesar
de não ter sido objeto de uma investigação mais aprofundada, essa diferença entre as duas
empresas certamente pode ser atribuída a fatores do ambiente externo. Até o início dos
anos 1960, coincidindo com o mesmo período de surgimento e crescimento da HASA,
apesar do cenário econômico favorável ao desenvolvimento da indústria mecânica, o
ambiente de negócios seguia um ritmo bastante estável.
De fato, dados da pesquisa revelam que a HASA permaneceu por muitos anos em
condição de líder no mercado, com pouca ou nenhuma concorrência e baixa necessidade de
adaptação, num contexto geral de muitas oportunidades. Já no período que coincide com a
consolidação da Delp, após os anos 1960 e 1970, o ambiente alterou -se de forma abrupta
por mudanças tecnológicas, econômicas e sociais. E ainda vivendo a sua primeira década
de existência, a Delp teve de adaptar-se e promover mudanças para acompanhar as novas
tendências, contingência não observada na primeira fase da trajetória da HASA, que se
195
estabeleceu no ano de 1933 e a sua primeira mudança somente se concretizou 41 anos após
a sua criação.
5.1.2 A HASA e a Delp na fase 2
A fase 2 da trajetória da HASA é delimitada pelo afastamento do fundador,
provocando uma sucessão natural entre os seus herdeiros diretos. E como os demais
membros da primeira geração também já estavam em idade avançada, o representante da
segunda geração que já atuava na empresa assumiu o processo decisório. No caso da Delp,
o marco dessa segunda fase é o crescimento da empresa com a expansão da capacidade
física e implantação da primeira planta industrial, que trouxe a possibilidade de
diversificação de produtos, novos clientes e adoção da produção seriada. A Tabela 16
resume os eventos e causas dessa fase, comentados a seguir.
Tabela 16
Cross case display 3 – fase 2: das trajetórias movidas por estímulos externos
HASA
Fase
2
Delp
Evento
Sucessão natural
Causa
Afastamento
do fundador
Evento
Diversificação
de produtos
Causa
Crescimento
da empresa
Diversificação
do negócio
Visão do dirigente
1ª diversificação do negócio
Visão do dirigente
Concentração no negócio
inicial
Fonte: dados da pesquisa.
Retração do mercado
comprador
Os mecanismos causais “Afastamento do fundador”, “visão do dirigente”, “retração
do mercado” e “crescimento da empresa” caracterizaram o desenvolvimento dos eventos
dessa segunda fase. Na HASA, ao assumir o processo decisório, a segunda geração
promoveu uma mudança estratégica, oportunizada por uma situação de crise no mercado
196
de aço, que resultou na primeira diversificação do negócio, com a implantação de uma
nova unidade no ramo da siderurgia. O período inicial de operação da nova unidade
coincidiu com uma grande retração do mercado comprador, provocando uma situação de
crise na empresa que se endividara para a construção da usina. A solução adotada foi
reverter a estratégia de diversificação e a empresa voltou a se concentrar no seu negócio
original, a indústria mecânica.
Na Delp, o crescimento da empresa representado pela sua expansão física criou a
oportunidade para a diversificação de produtos e mercados e mudança de rotinas com a
introdução de produtos seriados. Com a empresa já operando num novo patamar, os
empreendedores decidiram investir na diversificação do negócio, levando-a a operar
também no agronegócio. Foi uma decisão estratégica planejada para reduzir o risco de se
manterem em um único negócio, que resultou bem-sucedida e impulsionou a empresa para
um novo salto de crescimento e estabilidade. Nessa segunda fase percebe-se que o
mecanismo causal “visão do dirigente” apresenta-se como elemento comum nas duas
trajetórias. Na HASA, foi responsável pela decisão estratégica de diversificação e, em
seguida, pela decisão de concentração no negócio original. Na Delp, resultou na decisão de
diversificação de produtos, seguida da diversificação do negócio.
Os comportamentos estratégicos nessa segunda fase impulsionados pela “visão dos
dirigentes” revelam uma combinação de escolhas exploration e exploitation. Em ambos os
casos, a visão dos dirigentes foi a causa da diversificação e entrada em novos negócios
(usina siderúrgica e agronegócios), que se classifica como exploration. E, em outro
momento, a decisão de reversão da diversificação com a concentração no negócio original
classifica-se como exploitation. Essa tensão exploration/exploitation (Crossan, Lane &
White, 1999; March, 1991) verificada na segunda fase das trajetórias confirma uma
renovação estratégica decorrente da mudança de atributos já registrada na primeira fase das
197
trajetórias. Assim, argumenta-se inicialmente que o tipo de aprendizagem decorrente da
renovação estratégica que assegurou a sobrevivência das suas organizações nessa segunda
fase assemelha-se à aprendizagem organizacional estratégica, aprendizagem de alto nível
ou de segunda ordem, que ocorre quando em uma situação de mudança os pressupostos
básicos são alterados, a organização adquire nova orientação estratégica e um novo modo
de interpretação do ambiente. A aprendizagem estratégica nessa fase também equivaleria
ao tipo double-loop learning (Argyris & Schon, 1978; Fiol & Lyles, 1985; Kuwada, 1998).
Entretanto, o tipo double-loop learning representa uma situação que dificilmente é
alcançada pelas organizações (Argyris & Shon, 1978; Crossan, Lane & White, 1999;
Hedberg & Wolff, 2001), um tipo raro, pois implica o equilíbrio da tensão entre a
exploration e a exploitation, o que não se verificou nos dois casos, pois ocorreram apenas
escolhas estratégica que ora se revelaram explore, ora exploit. Não se aplicando, pois, as
tipologia de aprendizagem de single e double-loop de Argyris & Shon (1978) ou de
aprendizagem do negócio e aprendizagem estratégica de Kuwada (1998) para explicar o
que ocorreu nessa segunda fase das trajetórias da HASA e da Delp, recorre-se à
classificação proposta por Hedberg & Wolf (2001), de classificar os tipos de aprendizagem
segundo a percepção dos gestores e o tipo de resposta.
No caso da HASA, que buscou explorar o segmento de siderurgia para equacionar o
seu problema de suprimento da matéria-prima base do seu negócio, o aço, observa-se o
tipo II de aprendizagem: mesma percepção e resposta diferente (Hedberg & Wolff, 2001,
p. 546)13, situação na qual novos segmentos de mercado são exploit com velhos produtos e
serviços. É uma situação de aprendizagem na qual as mudanças necessárias são
implementadas sem uma mudança prévia das molduras teóricas que definem a forma de
conduzir os negócios e, “portanto, essa situação pode ser caracterizada como uma
13
Type II Learning: same perception and different response, no original em inglês. Esse tipo de
aprendizagem ocorre quando a teoria do negócio permanece a mesma, mas novas respostas são necessárias
(Hedberg & Wolff, 2001)
198
aprendizagem single-loop learning”. O que parece ter ocorrido na HASA é que era
necessário obter o aço que estava escasso no mercado e todos os esforços foram feitos para
a autossuficiência de matéria-prima. Mas de acordo com os dados das entrevistas, faltou
uma visão mais acurada sobre o mercado e não foi dada a devida atenção para o fato de
que o mercado comprador já se encontrava em recessão e os problemas de demanda seriam
previsíveis, como de fato ocorreu.
Na Delp, pode-se afirmar que o tipo de aprendizagem foi bastante semelhante ao que
ocorreu na HASA. A diversificação para o agronegócio foi decorrente da oportunidade de
investir, direcionando recursos para um setor que apresentava levados incentivos fiscais e
não foi decorrente de uma busca sistemática de novos conhecimentos. Portanto, também
foi uma mudança implementada sem alterações na forma de conduzir os negócios,
buscando apenas melhores condições de sustentabilidade financeira e redução de riscos.
Concluiu-se que na segunda fase das trajetórias a renovação estratégica assegurou a
sobrevivência das empresas e relacionou-se ao aprendizado do tipo single-loop learning.
Outro aspecto obtido nessa segunda fase refere-se ao fato de que o recorte temporal
foi bastante próximo para as duas empresas, 10 anos para a HASA e sete anos para a Delp,
diferentemente do que ocorreu na primeira fase, quando o intervalo de duração da primeira
fase da HASA, além de muito longo (41 anos), foi quatro vezes maior que o intervalo da
Delp. Como em ambas o início dessa fase nas trajetórias foi o ano de 1974, concluiu-se que
o ritmo das mudanças do ambiente externo deve ter impactado as duas firmas de forma
bastante semelhante e não representa algo que deva ser investigado com mais
aprofundamento. Porém, ratifica a ideia de que, como o âmbito externo impacta o processo
de renovação estratégica (Agarwal & Helfat, 2009), ambas as firmas foram impactadas de
forma semelhante. De fato, conforme os dados da pesquisa, nesse momento a HASA e a
199
Delp disputavam o mesmo espaço competitivo e a primeira já não era a líder sozinha
operando na indústria mecânica no estado de Minas Gerais.
Ainda outro aspecto dessa fase é que a ela representa o momento em que as duas
empresas passaram a ser geridas por representantes de gerações distintas, o que aconteceu
em função da idade das duas empresas. Na HASA assumiu a segunda geração,
introduzindo uma nova visão no negócio. A Delp seguiu com a primeira geração e foram
as novas oportunidades de crescimento identificadas no mercado que levaram às novas
decisões estratégicas. O fato de ter havido mudança de geração apenas na HASA assinala,
a partir dessa segunda fase, diferenças entre as duas trajetórias. Enquanto o crescimento da
Delp permaneceu impulsionado pelo ambiente externo, na HASA foi a mudança interna de
geração que levou às próximas decisões de mudança. Ou seja, ao longo das duas trajetórias
a transição de gestores ocorreu primeiro na HASA, mas em todos os casos confirmou -se o
papel que as novas gerações podem representar no desenvolvimento da empresa familiar,
caso a sucessão ocorra sem traumas ou conflitos (Pieper, 2007).
Nas empresas familiares, a transmissão de cargos pela sucessão das gerações segue,
em geral, critérios patrilineares. E nas empresas que demonstram uma estrutura familiar
bem elaborada, com relacionamentos estáveis, como nos casos desta pesquisa, o processo
sucessório ocorre sem conflitos ou soluções de continuidade (Grzybovski, 2000). Inferiu-se
que os filhos, ou parentes próximos, representaram para os fundadores a segurança de que
o empreendimento teria continuidade guiado pelos mesmos fundamentos. Os valores
transmitidos da família para a empresa justificam que a entrada das novas gerações, que
foram introduzidas ainda em estágio de formação e capacitação, contribuíram como mais
um aspecto relacionado ao familiness e à sobrevivência das empresas familiares.
5.1.3 A HASA e a Delp na fase 3
200
A fase 3 da trajetória da HASA é delimitada pela saída da empresa do ramo da
siderurgia, venda da usina e utilização dos recursos obtidos na alavancagem e concentração
no negócio original da indústria mecânica, com a construção de uma nova planta, expansão
do parque industrial e revisão do portfólio de produtos. No caso da Delp, o marco dessa
terceira fase é a segunda diversificação do negócio, entrada no ramo da siderurgia e criação
de uma nova empresa no negócio de ligas. A Tabela 17 resume os eventos e causas dessa
fase, comentados em sequência.
Tabela 17
Cross Case Display 4 – Fase 3: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente
externo e aprendizagem single-looping learning
HASA
Delp
Evento
Causa
Evento
Causa
Investimento na nova Concentração no negócio 2ª diversificação do Visão
planta
original
negócio
dirigentes
dos
Entrada da 3ª geração
Tradição de trabalhar em Alteração da estrutura Diversificação
família
de propriedade
Conflito familiar
Profissionalização
Visão dos dirigentes
Fase 3
Cisão
do
empresarial
grupo Concentração no
negócio original
Crescimento
indústria mecânica
da
Fonte: dados da pesquisa.
Os mecanismos causais “concentração no negócio original”, “tradição”, “visão dos
dirigentes”, “diversificação” e “conflito” caracterizaram o desenvolvimento dos eventos
dessa terceira fase. Na HASA, a tradição de trabalhar em família levou à entrada da
terceira geração, oxigenando a empresa com novas competências técnicas e gerenciais que,
somadas à experiência e determinação para enfrentar as crises da geração anterior,
impulsionaram novamente o processo de profissionalização da empresa. Foram
introduzidas as máquinas de controle numérico – CNC – na produção, informatização dos
201
processos de suporte e de gestão, realizados investimentos na capacitação dos recursos
humanos, revisão de rotinas e obtenção da certificação ISO.
A visão estratégica dos novos dirigentes de que o negócio necessitava de um
diagnóstico e avaliação do desempenho econômico e financeiro motivou a contratação de
uma consultoria externa, que indicou os caminhos que levaram à recuperação financeira da
empresa. Apesar da influência que a primeira geração ainda exercia na empresa, criou -se
uma estrutura organizacional e de gestão pautada por valores empresariais tais como
produtividade, rentabilidade, qualidade e equilíbrio que, somados à formação e capacitação
dos novos dirigentes, permitem afirmar que a empresa encontrou na profissionalização
(Casillas, Sánchez & Fernández, 2007) o seu caminho rumo à sobrevivência e longevidade.
Dessa forma, pode-se atribuir à entrada da terceira geração a responsabilidade pelo novo
impulso da profissionalização, que explica a superação das dificuldades e sobrevivência da
HASA nessa fase.
Na Delp a fase inicia-se como de continuidade do crescimento da empresa. Uma
segunda diversificação veio acompanhada de novos sócios, com competências específicas
nos novos negócios e a adoção de um modelo de gestão híbrido, reunindo família e
profissionais na governança de um grupo empresarial. Conflitos em relação à participação
da segunda geração de um dos sócios na gestão da empresa levaram à dissolução da
sociedade entre irmãos e a Delp voltou à condição de empresa “solo”, sob a propriedade
exclusiva do seu fundador. E nesse momento, segundo os relatos, teve de ser
“reinventada”, concentrando-se no negócio original para sobreviver.
Nessa terceira fase enfatizaram-se dois mecanismos causais comuns nas duas
empresas - visão dos dirigentes e concentração no negócio original. Na HASA, o
mecanismo “visão dos dirigentes” resultou na profissionalização da empresa. Na Delp foi a
visão da oportunidade de atuar na siderurgia que resultou na decisão estratégica de
202
promover a segunda diversificação do negócio (siderurgia no ramo de ligas),
impulsionando a empresa a um novo patamar de crescimento. Entretanto, o que
impulsionou a “visão” se distingue nos dois casos, apesar de em ambas o resultado ter sido
a sobrevivência das empresas.
Na HASA, a visão levou ao reconhecimento de necessidades internas (novas rotinas
e saneamento financeiro) da empresa. Na Delp, levou à identificação de oportunidades
externas de investirem em um novo negócio. Essa mesma variedade de condições
impulsionadoras da renovação também foi observada nos estudos de Burgelman (1994),
O’Reilly & Tushman (2004; 2008), Agarwal & Helfat (2009) e outros, que concluíram que
o processo de renovação pode ser conduzido top down ou impulsionado pela gerência
média e ocorre em processos intra ou entre as firmas. Na HASA, a contratação da
auditoria, que indicou os rumos para a recuperação financeira da empresa, foi uma
iniciativa da gerência média, acolhida pelos diretores. Já no caso da Delp, a decisão de
diversificação foi top down e o processo entre firmas. Ao entrar no ramo da siderurgia e
formado um grupo empresarial, foi criada a empresa Minasligas, abrindo espaço para a
Delp se tornar fornecedora dessa, retomando o seu ritmo de crescimento.
O segundo mecanismo causal comum nessa fase das trajetórias “concentração no
negócio original” também decorreu de uma mesma situação, uma crise. Na HASA, a
concentração foi em decorrência do fracasso da diversificação do negócio. Na Delp foi do
conflito entre os sócios. Nas duas situações a crise foi superada e resultou na retomada do
crescimento das empresas e num tipo de renovação exploit, motivada pelo familiness, ou
senso de familia, prevalecendo o espirito de preservação do negócio familiar por valores
que ultrapassam os motivos meramente financeiros (Astrachan, 2010).
Outros dois mecanismos causais foram verificados na terceira fase das trajetórias:
“tradição” na HASA e “conflito” na Delp. Ambos são mecanismos associados ao
203
familiness, mas também atuaram de forma oposta. Na HASA, a tradição resultou na
entrada da terceira geração com uma nova visão e modernização da empresa. Na Delp, o
conflito levou ao fim da sociedade entre irmãos e concentração no negócio original. Em
ambos os casos ocorreu uma renovação estratégia que pode ser classificada como
exploitation. Passando a atuar concentrados no negócio original, percebe-se que a
renovação foi decorrente de um comportamento exploit de sobreviver no negócio original
(Crossan & Berdrow, 2003; Crossan, Lane & White, 2011). Em ambas as trajetórias
significou que os dirigentes aproveitaram o que já tinham aprendido para retomar as
atividades da indústria mecânica.
Os comportamentos estratégicos identificados nessa terceira fase realçam a
ocorrência de um novo ciclo de aprendizagem explicando a sobrevivência e longevidade
das duas empresas. Assim como na segunda fase, novamente se observou a ocorrência da
tensão exploration/exploitation, que se associa à tipologia de aprendizado single-loop e
double-loop (Argyris & Schon, 1978; Dogson, 1993). Também se identificaram
características da aprendizagem estratégica (Kuwada, 1998), pois se alteraram os
pressupostos básicos da gestão do negócio e as empresas adquiriram nova orientação
estratégica. A Tabela 18 registra a associação entre comportamento estratégico, renovação
e tipos de aprendizagem, inicialmente identificados.
Tabela 18
Associação entre o comportamento estratégico, o tipo de renovação e o tipo de
aprendizagem
Tipos de comportamento
Renovação
estratégico na 3ª fase
Estratégica
Tipo 1: concentração no negócio original/ profissionalização
Exploitation
Tipo 2: diversificação do negócio/ concentração no negócio Exploration/
original
Exploitation
Fonte: elaboração da autora.
Tipo de aprendizagem
organizacional
Single-loop learning
Single-loop learning e
Double-loop learning
204
Na HASA, a concentração, em decorrência do fracasso da diversificação do negócio
e da decisão de se manter no negócio original, exemplifica uma renovação exploit e
aprendizagem single-loop learning. Na Delp, a fase inicia-se pela diversificação do
negócio, explore, e conclui com a concentração no negócio original, um tipo de renovação
exploit. Melhor explicando, ao retornar ao negócio original, o comportamento exploit
significou aproveitar o que já tinham aprendido para retomar a gestão da empresa na nova
situação “solo”, sem alterar a natureza fundamental das suas atividades (Dogson, 1993),
associado à aprendizagem do tipo single-loop learning. Apesar da “diversificação do
negócio” se classificar como uma renovação explore, não se verificou na Delp, de fato, um
tipo de aprendizagem double-loop learning, com o questionamento e modificação de
normas, procedimentos, objetivos ou mudança da base de conhecimento e rotinas (Argyris,
1976). O que ocorreu foi um movimento de resgate dos conhecimentos acumulados no
negócio da indústria mecânica, uma volta ao mesmo tipo de negócio anterior e de rotinas
para operar a empresa.
A associação entre a renovação estratégica e a aprendizagem organizacional já
identificada na segunda fase das trajetórias e confirmada nessa terceira fase evidencia que
a renovação estratégica é de fato um movimento circular de organizar e estratetizar,
estando para além da mera mudança de atributos em si das organizações, mas
determinando e sendo determinada por tipos de aprendizagem. Mas os resultados dessa
terceira fase também permitiram a confirmação da dificuldade que as empresas têm em
avançar nos tipos de aprendizagem, situação que se configura como crucial tanto na
aprendizagem, como na renovação que assegura a longevidade e sobrevivência das
organizações. A dificuldade é que na maioria dos casos as empresas são capazes de realizar
apenas a aprendizagem do tipo single-loop (Argyris & Schon, 1978; Crossan, Lane &
White, 1999). Nos dois casos, ambas realizaram o tipo single-loop e apenas a Delp foi
205
capaz de se aproximar do que mais se assemelha à double-loop, na mesma fase da
trajetória. Mas, como a longevidade é uma realidade conquistada, ambas são longevas,
outros aspectos podem estar relacionados às escolhas estratégicas, ao tipo de aprendizagem
das empresas familiares e à sua sobrevivência.
Aprofundando em outras possíveis razões que justificam a longevidade, abstrai-se,
por
exemplo,
que
a
visão
dos
dirigentes
promoveu
decisões
tanto
exploit
(profissionalização) como explore (diversificação), enquanto o familiness, representado
pelos valores (tradição, conflito), levou somente a comportamentos exploit. Nas situações
em que a mudança foi impulsionada pela visão dos dirigentes, o que parece ter ocorrido foi
uma das modalidades de aprendizagem estratégica, discutida por Kuwada (1998).
Impulsionada pela visão dos dirigentes, a HASA investiu mais fortemente na
profissionalização da empresa, adquiriu e empregou novos conhecimentos técnicos sobre o
negócio e adequou-se à realidade do seu ambiente competitivo, acumulando novos
conhecimentos no nível do negócio, o que equivale a uma aprendizagem de primeiro nível
(Fiol & Lyles, 1985) ou aprendizagem do negócio (Kuwada, 1998), equivalente ao singleloop (Argyris & Schon, 1978).
No caso da Delp, com a segunda diversificação do negócio, a visão dos dirigentes
resultou em nova orientação estratégica da empresa, que passou a se organizar como um
grupo empresarial, com nova disposição do poder e da propriedade e novas formas de lidar
e se engajar com a realidade. Nesse novo contexto, o seu comportamento estratégico
determinou uma situação de aprendizagem estratégica, que resulta, nas organizações bemsucedidas, na renovação organizacional como um processo de mudança nos mapas
cognitivos de primeira e segunda ordens (Barr, Stimperto & Huff, 1992).
Buscando cumprir o objetivo de analisar a trajetória do empreendimento familiar,
avaliando como a renovação estratégica e os tipos de aprendizagem relacionam-se com a
206
longevidade desse tipo de empreendimento, caminha-se, então, para a análise das fases
finais das trajetórias.
5.1.4 A HASA e a Delp na fase 4
A fase 4 da trajetória da HASA representa o momento atual da trajetória da empresa
(2013), captado pelos dados da pesquisa. Na Delp, a quarta fase é delimitada pela
profissionalização da gestão. A Tabela 19 resume os eventos e causas dessa fase,
comentados em sequência.
Tabela 19
Cross case display 5 – Fase 4: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente
externo e aprendizagem single-looping learning
Evento
Eventos
e
Causas
Fase
4ª.
Gestão
compartilhada
entre a 2ª e 3ª
gerações
HASA
Causa
Tradição da
família
Delp
Evento
Causa
Gestão familiar
compartilhada com
profissionais
Profissionalização da
gestão.
Entrada no negócio de
petróleo - Petrobrás
Diversificação de
mercado.
Fonte: dados da pesquisa.
Os
mecanismos causais “tradição”, “profissionalização”
e “diversificação”
caracterizaram o desenvolvimento dos eventos dessa quarta fase. Na HASA, a tradição de
trabalhar em família levou a terceira geração a definir e assumir cargos gerenciais na
estrutura da empresa, com a adoção de um modelo de gestão que se caracteriza por um
processo de decisão compartilhada entre a segunda e a terceira gerações. As novas
competências introduzidas pelos novos gestores e a percepção das necessidades internas
promoveram a profissionalização da gestão com revisão das rotinas, mudanças no perfil da
207
mão-de-obra e aperfeiçoamento da estrutura organizacional e do processo produtivo que
caracterizam o momento atual (2013), captados pela pesquisa.
Concluiu-se que o mecanismo causal tradição, novamente, atuou na HASA para
preservar o empreendimento e assegurar a sua sobrevivência. Também se repete o tipo de
renovação exploit, pois a empresa dedica-se de forma ainda mais focada naquilo que
reconhece ser a sua vocação e paixão dos gestores. Apesar das modernizações introduzidas
pelas novas gerações, que resultam em novas rotinas de gerenciamento, produção e
capacitação de mão-de-obra, estas não se configuram como inovações de processo ou
tecnológicas, mas adaptações às mudanças ocorridas no setor e absorvidas pela empresa,
ratificando o tipo de aprendizagem single-loop das fases anteriores. Confirma-se, ainda,
que o familiness (tradição) atua na preservação do empreendimento num modelo de gestão
tipicamente familiar, no qual a família participa da propriedade; e todos os cargos de
direção e gerência média são ocupados por membros da família.
O que se verifica na HASA é que as mudanças ocorrem de forma semelhante ao que
acontece na maioria das organizações (Kuwada, 1998; March, 1981), porém o familiness a
diferencia na sua capacidade de sobrevivência. Melhor esclarecendo, a empresa responde
às mudanças na economia que afetam fortemente o seu negócio, uma vez que são
produtores de bens de capital e seus compradores são outras indústrias que dependem da s
condições de crescimento, estabilidade ou recessão econômica do país. As novas
tecnologias de produção são introduzidas em acompanhamento ao que ocorre de oferta no
setor da indústria mecânica, com a progressiva substituição das máquinas mecânicas pelos
equipamentos de controle numérico e digital. Em decorrência, promovem-se mais
capacitação e especialização da mão-de-obra e a redução dos custos permite à empresa se
manter no mercado.
208
Dessa forma, configuram-se os mesmos processos básicos estáveis pelos quais as
organizações agem, respondem ao ambiente e aprendem, citado por March (1981) e
Kuwada (1998). Essa situação corresponde à aprendizagem do negócio (Kuwada, 1998),
um tipo de aprendizagem de primeira ordem ou single-loop learning (Argyris & Schon,
1978) na qual a orientação estratégica da organização não se modifica. Mas a influência da
família no nome da empresa e na sua identidade, a perspectiva de longo prazo, os valores
da família refletidos na empresa pelo respeito às gerações, a confiança e a tradição de
preservar o empreendimento familiar (Astrachan, 2010) têm permitido à empresa
sobreviver, independentemente de não apresentar crescimento significativo ou perspectiva
de voltar a crescer.
Na Delp, a quarta fase inicia-se com a retomada da empresa pelo seu fundador. Ao
fazê-lo sem a companhia dos sócios irmãos que ocupavam as funções executivas no grupo,
iniciou a profissionalização da gestão com a participação de um sobrinho que o
acompanhou na separação das empresas. Em seguida, o fundador introduziu na empresa os
seus filhos para iniciarem o aprendizado no negócio. Num momento seguinte, a empresa
reuniu os recursos necessários para retomar o seu crescimento com a aquisição de uma
nova planta e habilitou-se como fornecedora da Petrobrás, promovendo uma nova
diversificação para esse novo mercado. Essa diversificação foi o mecanismo causal
responsável pelo novo impulso de crescimento da empresa, além de levá -la à aquisição e
desenvolvimento de novas tecnologias de produção, exigidas pelo novo mercado.
A quarta fase na Delp apresenta um movimento de renovação oposto ao ocorrido na
fase anterior (explore/exploit). Inicia-se exploit, pela profissionalização como alternativa
adotada pelo fundador para compatibilizar a necessidade de retomar o negócio após a cisão
e evolui explore pela diversificação com a entrada no mercado do petróleo. Esse
movimento exploit/explore faz supor que na fase tenha ocorrido os tipos de aprendizagem
209
single e double-loop learning (Argyris & Schon 1978; Dogson, 1993). Na
profissionalização, a empresa teve a oportunidade de rever comportamentos e rotinas
anteriores e buscar um novo modelo de gestão. A diversificação demandou da empresa o
desenvolvimento de novas competências e tecnologias para o atendimento ao novo
mercado, caracterizando o desafio crítico que decorre da tensão exploration/exploitation
também presente na natureza dinâmica da aprendizagem organizacional single e doublelearning (Crossan, Lane & White, 1999; March, 1991).
Essa quarta fase também parece evidenciar que, de forma distinta da HASA, na Delp
esteja acontecendo um processo de aprendizagem estratégica. Além da aquisição e
aperfeiçoamento dos conhecimentos específicos do seu negócio, decorrentes das novas
relações com o mercado do petróleo, introdução de novas tecnologias produtivas e
mudanças nos processos de gestão, com a profissionalização de áreas estratégicas e de
apoio da organização, a empresa tem revisto os pressupostos básicos que fundamentam o
seu processo de decisão estratégica e reconstruído suas rotinas estratégicas. Com isso,
adquire um novo tipo de conhecimento de nível corporativo que, ao resultar em mudanças
no comportamento estratégico, resulta na aprendizagem estratégica (Kuwada, 1998).
Apesar de também se situar no negócio de bens de capital, extremamente dependente do
ritmo de crescimento econômico do país, a empresa, ao se direcionar como fornecedora do
negócio do petróleo, capacitou-se para um crescimento sustentado, assegurando a sua
sobrevivência.
Porém, o que se apura é que a Delp intentou atender a um novo segmento de mercado
(petróleo) com os mesmos produtos e serviços, caracterizando um tipo de aprendizagem de
primeira ordem ou single loop, já identificada na fase 2 da HASA. É um tipo no qual a
teoria do negócio permanece a mesma, mas novas respostas são necessárias, classificadas
como tipo II de aprendizagem: mesma percepção e resposta diferente (Hedberg & Wolff,
210
2001, p. 546). Esse mesmo tipo de aprendizagem, adotado como forma bastante comum de
superar os concorrentes, significa que “os parâmetros básicos que regem o negócio não são
revertidos, mas as estratégias relacionadas são reavaliadas de forma a exploit a teoria
dominante do negócio ainda mais do que no passado”. A exploração de novos mercados
regionais com velhos produtos ou serviços “repaginados” para atender a novos segmentos
de clientes ou o desenvolvimento de novos produtos e serviços nas mesmas bases já
estabelecidas do negócio configura-se entre as estratégias adotadas quando os gestores
estabelecem essa forma de reagir e aprender. É o que esclarece a tipologia tipo II de
Hedberg & Wolf (2001). A Delp, ao longo da sua trajetória, em vários momentos já
descritos nesta análise reage e se renova de forma bastante aproximada do tipo de
aprendizagem de segunda ordem ou double-loop, mas o que se pode concluir é que a
trajetória ainda é de single-loop, confirmando-se novamente a mesma dificuldade das
organizações em avançar nos tipos de aprendizagem.
A quarta fase representa o recorte do momento atual da trajetória da HASA, porém
há ainda o recorte de uma quinta fase no caso da Delp, a ser analisado em seguida.
5.1.5 A Delp na fase 5
Na Delp a quinta fase é delimitada pelo crescimento da empresa. A Tabela 20 resume
os eventos e causas dessa fase, comentados a seguir.
211
Tabela 20
Cross case display 6 – fase 5: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente
externo e aprendizagem single-looping learning
Fase
Eventos
e
Causas
Delp
Evento
Crescimento da empresa
Causa
Consolidação do mercado de petróleo
2ª geração assume os cargos de direção
Afastamento dos profissionais
Profissionalização da empresa
Contratação
profissionais
5ª.
Adoção de
profissional
modelo
de
governança
de
novos
gestores
Afastamento da família
A fase 5 da trajetória da Delp representa o momento atual da empresa (2013) captado
pelos dados da pesquisa. Tendo promovido, na fase anterior, uma diversificação para o
mercado de petróleo, os gestores tomaram a decisão de adquirir uma nova planta e essa
expansão resultou na sua consolidação como fornecedora da Petrobrás. No aspecto
gerencial, a frustração com os resultados obtidos pelos gestores profissionais levou à saída
dos mesmos. Os filhos do fundador, já amadurecidos e qualificados, assumiram os cargos
de direção, sob a presidência do pai. O crescimento do porte da empresa, reflexo da
diversificação do mercado, demandou esforços extras de modernização, dando início a um
novo ciclo de profissionalização da gestão que resultou na entrada de novos gestores
profissionais, mudanças de rotinas e obtenção de certificação da empresa. Esse processo
perdurou até que, recentemente, a família decidiu promover mudanças na estrutura de
propriedade, a empresa foi transformada em uma sociedade por ações, os filhos passaram à
condição de sócios e toda a família foi transferida para o conselho de administração,
instalando-se um modelo de governança profissional.
Pelos dados da pesquisa concluiu-se que a adoção do modelo de governança
profissional ainda é um reflexo das experiências dolorosas vividas pelo fundador na cisão
da sociedade entre os irmãos. Na sua percepção, a cisão do grupo original familiar ocorreu
212
pela insistência dos sócios em manter a governança familiar, erro que não desejava que se
repetisse. Para tal, assim que reuniu na Delp as condições necessárias, promoveu a saída da
família dos cargos executivos, contratou profissionais capacitados para gerir o negócio e os
familiares passaram a atuar na condição de sócios e controladores do negócio, preservando
as relações familiares e o equilíbrio da empresa. Ao promover uma renovação estratégica
com a adoção de um novo modelo de gestão profissional, por antecipação aos possíveis
conflitos inerentes ao empreendimento familiar, essa quinta fase na Delp revela um tipo de
aprendizagem resultante single-loop, mais uma vez aproximando-se do tipo double-loop
(Argyris & Schon, 1978).
Nas fases anteriores veio se confirmando a capacidade da Delp em realizar o single
loop learning, aproximando-se do double-loop ou do tipo de aprendizagem estratégica.
Tanto a decisão de mudar a orientação estratégica da empresa (diversificação para o
mercado do petróleo) - que impactou fortemente o crescimento da empresa e levou à
necessidade de aquisição de um novo conjunto de conhecimentos - como a adoção da
governança profissional - preservando a propriedade do negócio, mas neutralizando os
conflitos decorrentes do desgaste nas relações familiares, - revelam a capacidade dos
gestores em identificar as circunstâncias e os processos de aprendizagem que necessitaram
ser criados. Reconhecer de forma antecipada novas situações que poderão levar aos
mesmos erros do passado ou assumir um novo modo de interpretação do ambiente pode
promover um tipo de equilíbrio da tensão exploration e exploitation necessário para que se
concretize a aprendizagem double-loop learning, de acordo com a tipologia de Argyris &
Schon (1978) ou aprendizagem estratégica, segundo Kuwada (1998).
Essas situações também parecem caracterizar o aprendizado do tipo IV: diferente
percepção e diferente resposta 14, uma situação genuína de double-loop learning (Hedberg
14
Type IV Learning: different perception and different response, no original em inglês. Esse tipo de
aprendizagem ocorre quando tanto a teoria do negócio como o repertório de comportamentos são percebidos
213
& Wolff, 2001), revelando que a Delp, no seu momento atual, está de fato caminhando
para mudar de patamar, de nível de aprendizagem. E os fatos comprovam essa situação. De
acordo com os dados da pesquisa, os gestores revelaram que desde que se consolidou como
fornecedora da Petrobrás a empresa está buscando parceiros para o desenvolvimento de
tecnologia e de novos equipamentos de prospecção e exploração de petróleo, ciente da
necessidade de inovação que o novo mercado representa e da sua importância para os
rumos presentes e futuro do negócio. Essa situação de avanço na aprendizagem parece
explicar a sobrevivência e longevidade da empresa, que segue envolvida em vários novos e
promissores projetos e confirma que a aprendizagem organizacional está diretamente
relacionada à sua renovação estratégica e longevidade do empreendimento familiar.
5.2 Renovação estratégica impulsionada pelo ambiente interno e double-loop learning:
PUR
Na PUR Equipamentos Industriais Ltda., diferentemente do que ocorreu na HASA e
na Delp, o elemento indutor das mudanças estratégicas ao longo da sua trajetória de 45
anos foi o ambiente interno. Mudanças ocorridas na estrutura de propriedade da empresa e
duas alterações na razão social, a primeira decorrente da mudança da matéria-prima básica
do negócio, ou seja, substituição da borracha pelo polipropileno, e a segunda por
problemas de fiscalização vivenciados pela empresa caracterizam o ciclo de criação,
desenvolvimento, crise e longevidade da empresa. Assim como nos outros dois casos da
HASA e da Delp, essas mudanças permitiram ao negócio reagir e sobreviver, pois da
mesma forma que nos casos anteriores, as mudanças observadas nas diferentes fases da
como obsoletos. A empresa necessita iniciar um processo radical de descobertas sobre as bases futuras para a
sua sobrevivência; e a busca intensiva de uma nova teoria do negócio e estratégias relacionadas é necessária
(Hedberg & Wolff, 2001, p. 546).
214
trajetória da PUR também implicaram modificações nos atributos estratégicos,
caracterizando, portanto, momentos de renovação estratégica da organização que parecem
justificar a sua longevidade e devem ser explorados, detalhadamente, em cada uma das
suas fases.
5.2.1 A PUR na fase 1
A criação da Revesti Comércio e Representações Ltda., em 1968, marco inicial da
trajetória da PUR, deveu-se à experiência do seu fundador, Augustin, adquirida como
auxiliar do seu padrasto, Sr. Lois, que executava, de forma bastante artesanal e nos fundos
de casa, pequenos serviços de revestimento em borracha. Ao criarem a empresa, os dois
tornaram-se sócios, executando um tipo de serviço pioneiro. Como ambos eram
estrangeiros e viajavam constantemente para a Alemanha, traziam novidades em
tecnologia de fundição de borracha, foram conquistando clientes importantes, entre eles a
Usiminas, que permitiram à empresa ampliar as suas atividades e ir se consolidando. A
curiosidade pela pesquisa de materiais e processos produtivos e o interesse pelas novidades
observadas nas constantes viagens dos fundadores ao exterior marcaram fortemente o
desenvolvimento da empresa, evidenciando que, de forma distinta das outras trajetórias
(HASA e Delp), que foram direcionadas por fatores do ambiente externo, a PUR tem uma
trajetória impulsionada por estímulos internos.
Depreende-se, dos dados, que a criação da PUR, assim como da HASA, decorreu de
um processo de aprendizagem congênita, combinada com a aprendizagem vicária (Huber,
1991). Esse tipo de aprendizagem, bastante usual entre os modos informais de aquisição de
conhecimento, resultou da combinação entre o conhecimento herdado, adquirido antes do
início das atividades da empresa, no caso da experiência adquirida por Augustin como
215
auxiliar do seu padrasto, e a aprendizagem vicária 15 adquirida nas suas viagens, pela sua
curiosidade e espírito de investigação. que o manteve sempre atento aos materiais e
produtos que poderia trazer ao Brasil para empreender.
O fundador, ao buscar nas suas viagens a experiência necessária para conceber os
produtos e criar a empresa, determinou características do modo de interpretar o ambiente e
escolher estratégias (Huber, 1991) que prevaleceram ao longo de toda a trajetória da PUR.
Essa é a característica que mais diferenciou a trajetória da PUR impulsionada pelo
ambiente interno (capacidade de geração de inovação e criação de produtos) das trajetórias
impulsionadas pelo ambiente externo da HASA e Delp, já descritas e analisadas.
O fundador, como mostram os dados da pesquisa, é uma figura que se destaca pela
sua inteligência e capacidade de inovação. De forma proativa, desenvolvia novos processos
e produtos e os apresentava aos clientes como solução às suas necessidades, gerando novas
encomendas que faziam a empresa ir crescendo. A Tabela 21 resume os eventos e causas
dessa fase, comentados na sequência.
Tabela 21
Cross case display 7 – fase 1: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente
interno e double-loop learning
PUR
Eventos
e
Causas
Fases
Evento
1ª.
Criação e consolidação da empresa
Alteração da razão social para Revestoprene
Causa
Experiência do fundador
Inovação com a substituição
borracha pelo polipropileno
da
Encerramento das atividades da Revestoprene Problemas com a área contábil
Fonte: dados da pesquisa.
15
Vicarious learning, no original em inglês. Um tipo de aprendizagem fruto da aquisição da experiência de
terceiros que ocorre quando a organização comumente tenta aprender sobre as estratégias administrativas e
práticas e, especialmente, tecnologias de outras organizações (Huber, 1991).
216
Os mecanismos causais “experiência”, “inovação” e “problemas com a área contábil”
determinam os eventos dessa primeira fase da trajetória da PUR. A experiência adquirida
pelo fundador na fundição de peças em borracha levou-o a criar a empresa em sociedade
com o seu padrasto. Cinco anos mais tarde, em 1973, o Sr. Lois havia falecido e a empresa
foi reestruturada, com três grandes mudanças. Graças ao espírito inovador do fundador, foi
introduzida, de forma pioneira no Brasil, a matéria-prima polipropileno, em substituição à
borracha empregada nos revestimentos de peças para as indústrias.
Em decorrência do uso da nova matéria-prima, a empresa passou a operar sob a razão
social Revestoprene, agora sob uma nova estrutura de propriedade, contando, como sócios,
além de Augustin, com a sua segunda esposa, Karin, e o advogado Laércio. A empresa foi
se consolidando e a cada produto novo desenvolvido internamente, Augustin realizava
testes, definia padrões e registrava as patentes dos produtos, que lhe garantiam a
confiabilidade dos clientes e proteção no mercado de produtos à base de polipropileno,
chegando ao final dos anos 1970 com oito patentes registradas. A patente, além de
preservar o conteúdo de inovação desenvolvido pela empresa, proporcionava-lhe reserva
de mercado, num horizonte bastante longo, que pode atingir até 15 anos.
Graças à inovação constante em produtos e processos e a confiabilidade conquistada,
a empresa continuou a crescer, foi instalada na sua primeira planta industrial, passou por
várias crises e pelos sucessivos planos econômicos adotados no país e chegou ao final da
primeira fase da sua trajetória, em 1995, com 120 funcionários. Nesse ano, após um
período de estabilidade conquistado com o Plano Real, sofreu uma grande crise, motivada
por problemas contábeis e de fiscalização pela Fazenda Estadual, de tamanha magnitude
que obrigou o fundador Augustin a encerrar as atividades da empresa.
Os mecanismos causais “experiência” e “inovação” identificados nessa primeira fase
da trajetória da PUR revelam uma combinação de exploitation, decorrente da experiência
217
do fundador utilizada para criar a nova empresa, com exploration, pela introdução do
polipropileno em substituição à borracha utilizada como matéria-prima, que assegurou a
consolidação da empresa e a sua sobrevivência pelo período de 27 anos, nessa primeira
fase. As mudanças ocorridas nesse período se alternaram, ora como alteração de estrutura
interna, com a mudança de propriedade decorrente do falecimento de um dos sócios
fundadores e da razão social de Revesti para Revestoprene, com a mudança de atributos
estratégicos pela introdução, de forma totalmente inovadora, de uma nova matéria-prima.
Tanto a mudança de estrutura como a de matéria-prima caracterizam uma situação de
renovação estratégica ou um refreshman ou replacement dos atributos (Agarwal & Helfat,
2009). Por exemplo, no caso da substituição da borracha, um atributo velho ou
enfraquecido foi substituído por outro qualitativamente melhor, o polipropileno.
Outro aspecto percebido é que a mudança da materia-prima borracha pelo
polipropileno representou um tipo de mudança que veio se consolidando aos poucos, de
forma incremental. A cada viagem o fundador trazia amostras dessa materia-prima, fazia
experimentos e testava resultados. A mudança foi desencadeada pela própria empresa que,
dessa forma, se antecipava aos concorrentes e assegurava a sua condição de
competitividade, configurando um tipo de renovação explore. Esse tipo de mudança
incremental habilita as organizações a estarem prontas para as antecipações na forma como
as sua atividades são conduzidas (Floyd & Lane, 2000), levando-as ao desenvolvimento de
novas rotinas e recursos e, no caso da PUR, a novos produtos, novos processos produtivos
e novos clientes que passaram a utilizar os seus equipamentos e se tornaram compradores
regulares, como aconteceu com a empresa do porte da Vale e de outras mineradoras no
país. Essas condições verificadas na empresa estão estritamente relacionadas à
aprendizagem organizacional (Crossan & Berdrow, 2003; Crossan, Lane & White, 2011) e
promoveram a sua renovação estratégica. Também se pode afirmar que já nessa primeira
218
fase da trajetória da PUR há a tensão exploitation/exploration associada à aprendizagem do
tipo double-loop learning (Crossan, Lane & White, 1999; March, 1991) e aprendizagem
estratégica (Kuwada, 1998), de alto nível ou de segunda ordem (Fiol & Lyles, 1985),
relacionada à renovação que assegurou a sobrevivência da empresa, até que outra condição
interna inesperada veio a afetar essa situação.
O tipo de aprendizagem registrado nessa fase da trajetória da PUR é o mesmo que
veio a ser alcançado pela Delp na última fase da sua trajetória, classificado por Hedberg &
Wolf (2001) como tipo IV: diferente percepção, diferente resposta, um tipo de
aprendizagem no qual criatividade, inovação e mudança são as palavras-chave
relacionadas à forma de aprender e se desenvolver. A inovação introduzida pelo uso do
polipropileno representou uma mudança nos pressupostos básicos (tipo de matéria-prima,
processos
produtivos,
diferenciação
de
produtos,
patentes,
exclusividade
no
relacionamento com clientes) e uma nova orientação estratégica do negócio.
O terceiro mecanismo causal identificado nessa primeira fase foram os “problemas
com a área contábil”, que tiveram como consequência o interrompimento temporário das
atividades da empresa. Entretanto, graças às patentes, determinação do fundador, prestígio
já conquistado no mercado e fidelidade dos clientes, após um período de transição que
durou aproximadamente quatro meses, o empresário retomou as atividades e passou a
adotar a razão social PUR Equipamentos Industriais Ltda., dando início a uma segunda
fase na trajetória da empresa.
A capacidade de superação da crise pode ser explicada pelas características pessoais
do fundador, pelos valores do familiness de preservar a família e o negócio como meio de
subsistência principal, pelo envolvimento dos outros membros da família (Astrachan,
2010), pelas atitudes dos antigos empregados que prontamente se juntaram ao fundador,
pelo sucesso organizacional prévio, pela percepção coletiva de eficácia conquistada pela
219
empresa e pelo nível de motivação extrínseca do proprietário que afetaram a sua decisão de
persistir com a firma (DeTienne, Shepherd & De Castro, 2008). Completaram essas
condições o patamar de aprendizagem já atingido pela empresa, que tinha no polipropileno
e nas patentes dos produtos as bases da sua sobrevivência, acrescido do modelo de negócio
e das estratégias relacionadas (Hedberg & Wolff, 2001) a produtos diferenciados e
contratos de exclusividade, que asseguram ao fundador as condições para restabelecer a
empresa.
5.2.2 A PUR na fase 2
Após a superação dos problemas internos de natureza contábil que levaram ao
encerramento das atividades da Revestoprene, a segunda fase da trajetória é delimitada
pelo restabelecimento do empreendimento, em 1995, operando com a sua razão social
atual, PUR Equipamentos Industriais Ltda. A Tabela 22 resume os eventos e causas dessa
fase, comentados posteriormente.
Tabela 22
Cross case display 8 – fase 2: renovação estratégica impulsionada pelo ambiente
interno e double-looping learning
PUR
Fase
2ª.
Eventos
e
Causas
Fonte: dados da pesquisa.
Evento
Criação da PUR
Causa
Superação da crise e reinício das
atividades sob nova razão social
Entrada da 2ª geração
Tradição de trabalhar em família
Profissionalização da empresa
Visão dos dirigentes
Diversificação de produtos
Crescimento da empresa.
Sucessão natural com gestão híbrida
Afastamento do fundador
220
A fase 2 representa o momento atual da empresa (2013) captado pelos dados da
pesquisa. Os mecanismos causais “superação da crise”, “tradição”, visão dos dirigentes”,
“crescimento” e “afastamento do fundador” determinam os eventos dessa segunda fase da
trajetória da PUR.
Após a decisão “forçada” de encerrar as atividades da Revestoprene, o fundador
buscou nos seus próprios recursos, na confiança de antigos funcionários e na credibilidade
conquistada junto aos seus fiéis clientes restabelecer a empresa, agora sob a denominação
de PUR Equipamentos Industriais Ltda. e com um novo formato. Manteve os sócios
anteriores com a inclusão dos seus dois filhos, ambos muito jovens, aprendizes em
processo de formação profissional, que passaram a atuar em vários postos na empresa.
Estava nesse momento preparando a segunda geração que viria substituí-lo, mantendo a
tradição da gestão familiar.
No rápido período de transição entre a Revestoprene e a PUR, mesmo estando fora
do mercado, o fundador manteve a pesquisa no desenvolvimento de novos equipamentos e
a prática de registrar patentes dos produtos. Foi esse kwow how que permitiu à empresa
vencer a crise e se reerguer sem perder os clientes ou sua confiança. Ao retomar as
atividades empresariais, o esforço de pesquisa e registro de patentes prosseguiu,
estendendo-se, então, além dos equipamentos, aos processos de produção, constituindo-se
hoje em um dos diferenciais da empresa, que produz praticamente todos os seus produtos
com tecnologia proprietária.
A orientação exploit, de buscar nas condições já estabelecidas anteriormente para
superar a crise, combinada com o explore, pela manutenção da pesquisa e obtenção de
novas patentes, corresponde ao mesmo movimento já identificado na fase anterior, que
permitiu à PUR nascer, crescer e se desenvolver. Manteve-se, ainda, a mudança
221
incremental que habilitou a empresa a reorganizar as suas atividades e desenvolver novas
rotinas e recursos (Floyd & Lane, 2000). Restabelecida, os novos produtos e processos
produtivos levaram a empresa a um novo ciclo de crescimento. Clientes como a Vale
passaram a utilizar os equipamentos PUR e tornaram-se compradores regulares, assim
como outras mineradoras. Essas condições também estão estritamente relacionadas à
aprendizagem organizacional (Crossan & Berdrow, 2003; Crossan, Lane & White, 2011) e
promoveram a renovação estratégica e a sobrevivência da empresa.
Nessa fase de crescimento acelerado, com expansão da capacidade física em nova
planta industrial, aumento do número de funcionários e tendo praticamente triplicado o
faturamento nos últimos 10 anos, a empresa decidiu, graças à visão dos dirigentes, do
fundador e dos novos sócios familiares, investir na profissionalização da gestão. Essa
decisão garantiu que o novo ciclo de crescimento da empresa ocorresse de forma
sustentada, de maneira que, ao serem surpreendidos pelo afastamento súbito do fundador,
por motivo de doença, a empresa não fosse prejudicada. Na sucessão foi criada uma nova
estrutura organizacional, com a definição de três diretorias assumidas pelos filhos e pelo
genro e a diretoria industrial permaneceu nas mãos de um profissional não familiar.
No aspecto produtivo, o foco atual é na fabricação de itens seriados e patenteados,
que garantem à empresa praticar uma estratégia de diferenciação (Barney, 1991),
oferecendo aos clientes, em contrapartida, produtos exclusivos, com garantia e total
assistência técnica. Para o mercado minerador, que opera em situações de alto risco e
elevada regulamentação ambiental, esse é um aspecto que favorece muito a escolha da
estratégia da PUR. A empresa também investiu em certificações para garantir fornecimento
com qualidade, durabilidade e eficiência, atendendo a todas as normas vigentes para o seu
setor, sendo reconhecida pela sua confiabilidade e qualidade.
222
A empresa adota uma gestão híbrida - a família detém a propriedade total do negócio,
participa diretamente na gestão, ocupando três diretorias, e um profissional ocupa a área
industrial, além de ter um corpo técnico e operacional totalmente profissional. Um último
aspecto relacionado a essa profissionalização é que, ao criar procedimentos e rotinas
formais, a direção também está empenhada em identificar um modelo de gestão que
compatibilize a profissionalização com a flexibilidade, um valor preservado pela direção e
mantido pela proximidade entre os dirigentes familiares e profissionais, que asseguram, na
perspectiva dos gestores, a combinação de padronização, improvisação e capacidade de
inovação.
Essa concepção de um modelo de gestão assentado em rotinas, sem perder a
capacidade de adaptação e mudança, assemelha-se à proposta de autores como Eisenhardt
& Martin (2000), Amit & Schoemaker (1993) e Kogut & Zander (1992). Eles definem a
forma como os gerentes alteram a base de recursos da firma, adquirindo, transformando,
integrando e recombinando-os para criar novas estratégias de ação como as capacidades
dinâmicas da firma que se traduzem em rotinas. Essas rotinas são empregadas pelas
organizações para explicar o que elas fazem por meio de padrões estáveis de
comportamento expressos na estrutura de valores veiculada por regras, procedimentos e
convenções codificados na memória organizacional (Huber, 1991; Nelson & Winter,
1982).
São as rotinas, na concepção das capacidades dinâmicas, que caracterizam as formas
pelas quais as organizações respondem aos estímulos internos e externos do ambiente,
aprendendo, desenvolvendo-se e sobrevivendo. Essa é a situação verificada na empresa. Os
esforços de padronização expressos nos manuais de gestão e procedimentos PUR (padrões
estáveis de comportamento) e a preservação dos valores “familiness” e “inovação”
introduzidos e sedimentados pelo fundador (convenções codificadas na memória
223
organizacional) fundamentam a sua capacidade de manter a flexibilidade necessária para se
antecipar e reagir às mudanças internas e externas, sendo estas o componente-chave da
aprendizagem organizacional na organização (Feldman & Pentland, 2003).
Essas condições favorecem a capacidade da empresa de relembrar o passado,
imaginar o futuro e responder às circunstâncias do presente (Feldman & Pentland, 2003), o
que a torna capaz de promover a mudança organizacional endógena, mudanças de
comportamento dos membros da organização, resultando na aprendizagem double-loop
learning. Explicam a renovação estratégica e longevidade da PUR, que de acordo com os
dados da pesquisa se mantém disposta a prosseguir no mesmo negócio, buscando
acompanhar as novas perspectivas de crescimento do mercado com a adoção de
ferramentas de gestão que tornem a empresa cada vez mais perene e profissional. A análise
final do caso, encerrando este capítulo, também mostra, de forma bastante clara, como o
mecanismo impulsionador “ambiente interno” de fato caracterizou uma trajetória bastante
distinta da PUR em relação aos outros casos analisados, da HASA e PUR, e evidenciou a
capacidade da empresa em avançar para um patamar de aprendizagem de segunda ordem,
estratégica, associada ao double-loop learning.
6 Considerações Finais
O presente capítulo finaliza este estudo refletindo sobre os resultados, seu alcance,
limitações e sugestões. Para tal, organizou-se uma primeira seção, na qual os propósitos da
pesquisa são revisitados, descrevem-se os resultados empíricos e as suas implicações
teóricas. Uma segunda seção se segue para relatar as contribuições que, espera-se, tenham
sido oferecidas ao campo da pesquisa em empresas familiares. Identificam-se as limitações
da pesquisa e caminhos são sugeridos para novos estudos.
224
6.1 Os propósitos, os resultados de pesquisa e suas implicações teóricas
O contexto de dificuldade de sobreviver e se tornar longeva que caracteriza as
organizações familiares (Gersick et al., 1997; Kets de Vries, 1997) foi o ponto de partida
para as indagações que levaram à proposição deste trabalho científico. Ao iniciá-lo,
pretendia-se analisar e explicar quais seriam os mecanismos e instrumentos que
possibilitam a um pequeno grupo de empresas familiares superar suas adversidades
conjunturais e específicas, manterem sob a propriedade, o controle ou a gestão das famílias
e se tornarem longevas.
Entre as explicações sobre as estratégias adotadas pelas empresas familiares
longevas, identificou-se na proposta de que a empresa familiar precisa desenvolver a
capacidade de renovar o negócio e habilitar-se para lidar com a crescente complexidade
que as relações familiares e os negócios vão adquirindo ao longo das gerações (Ward,
2004) a linha com a qual esta pesquisa se identifica.
A opção pelo caminho da renovação como explicação para a longevidade das
empresas familiares encontrou na abordagem da renovação estratégica um objeto de estudo
do campo da estratégia, um caminho para a identificação das explicações da sobrevivência
e longevidade das empresas familiares. Buscou-se, a partir daí, definir o estágio de
desenvolvimento da arte sobre renovação estratégica. A proposta de Agarwal & Helfat
(2009), que por sua vez se afiniza com a visão de Pettigrew (1987) e Pettigrew et al.
(1992) de que a mudança estratégica deve ser tratada, não apenas do ponto de vista do
processo, mas também do contexto e do conteúdo como dimensões integradas, consolidouse como um dos marcos teóricos na concepção da pesquisa.
225
A proposta Agarwal & Helfat (2009) é de que a renovação estratégica refere-se à
substituição dos atributos estratégicos que possuem o potencial de afetar uma organização
no longo prazo, incluindo o processo, o conteúdo e os resultados da renovação que, por sua
vez, relacionam-se à longevidade das organizações, entre outros. Os autores tomam, por
sua vez, duas opções de renovação, exploit e explore, que na maioria das vezes são
tomadas como opções excludentes. De fato, contatou-se nos estudos que raramente o que é
denominado por March (1991) de tensão da exploration e exploitation, ou seja, o
movimento em que se aproveitam os recursos existentes (visão da estabilidade, exploit) e,
ao mesmo tempo, modifica-os (visão da mudança, explore), é contemplado teoricamente
na pesquisa empírica sobre renovação estratégica (Burgelman, 1994; Crossan & Bedrow,
2003), embora essa tensão seja considerada a chave dessa renovação (Crossan, Lane &
White, 2011).
A associação da tensão exploration e exploitation (March, 1991) com a renovação
estratégia indicou uma importante lacuna teórica e remeteu à necessidade de se buscar em
outros campos teóricos um caminho para a investigação sobre a longevidade das empresas
familiares. Os trabalhos de McNamara & Baden-Fuller (1999) e Huang (2009) foram
inspiradores pelo fato de terem feito a utilização das lentes da aprendizagem no dilema
exploitation e exploration para explicar a renovação estratégica. Especificamente o
segundo estudo, de Huang (2009), ainda ensejou um possível diálogo entre os campos da
aprendizagem e das capacidades dinâmicas, também observadas pela abordagem
exploitation e exploration, em investigações sobre renovação estratégica, que formou o que
se denominou neste trabalho de lente da aprendizagem organizacional.
Cabe destacar que, se na abordagem da renovação estratégica a tensão exploitation e
exploration ou oximoro da aprendizagem (Weick, 1991) é relativamente pouco explorada,
nos estudos organizacionais essa mesma tensão tem sido mais especificamente reconhecida
226
pelas referências da aprendizagem organizacional. Foi essa constatação teórica que definiu
o sentido de se associar a área dos estudos organizacionais e a da estratégia para a
compreensão da longevidade das empresas familiares. Encaminhar a proposta da pesquisa
por esse caminho atendia às recomendações de Crossan & Bedrow (2003), Bapuji &
Crossan, (2004) e Crossan, Lane e White (2011) de relacionar a aprendizagem
organizacional à renovação estratégica ainda com pouco apelo empírico nos estudos de
estratégia. Essa, então, se constituiu como a lacuna teórica explorada, justificando a
importância e a contribuição da pesquisa.
Definidos os caminhos da pesquisa, o passo seguinte foi desenvolver a sua base
teórica. E esta, ao ser revisitada, resultou na proposição de framework que trouxe em si a
ideia de que a renovação estratégica extrapola a mera mudança de atributos, conforme
tradicionalmente vem sendo tratada, para basear-se num conjunto de ideias coerentes entre
si, entre elas a tensão entre a exploration e exploitation, os mecanismos de aprendizagem e
as rotinas, que por sua vez são impulsionadas por tipos de aprendizagem. O framework
buscava sinalizar que a renovação estratégica, vista na perspectiva do processo, conteúdo e
resultados, que por sua vez são influenciados pelo contexto, associa-se a tipos de
aprendizagem. Tomou-se a aprendizagem organizacional como um processo de detecção e
correção do erro e o seu resultado é a incorporação de um novo conhecimento
organizacional, referindo-se à elaboração de um novo modelo mental. Este traduz as
necessidades da organização frente ao seu ambiente, bem como demonstra as rotinas que
consegue mudar e incorporar para satisfazer suas necessidades ao longo do tempo (Argyris
& Schon, 1978; Fiol & Lyles, 1985; Versiani, 2006). E dada a sua concepção integrada e
processual, somente poderia ser identificada e descrita observando-se as trajetórias
específicas das empresas familiares longevas.
227
A ideia de trajetória é descrever como a organização se desenvolve ao longo do
tempo, incluindo as ações, interações e escolhas que contribuem para essa evolução
(Versiani, 2006). Abordar a trajetória significa abordar o processo de renovação estratégica
sob o enfoque temporal aliado à sua história biográfica, aproximando-se da natureza
longitudinal de pesquisa ainda tão carente nos estudos de aprendizagem (Loyola & Bastos,
2003).
Ao se aliar a perspectiva das lentes da aprendizagem organizacional na construção da
trajetória das empresas escolhidas para o estudo de casos, podem-se identificar dois
padrões de renovação estratégica. Isto é, obteve-se indutivamente que no comportamento
estratégico das empresas, tomado um recorte de tempo, as condições iniciais, a sequência
de ações e as condições finais eram similares para as duas primeiras empresas, HASA e
Delp, e distinta para a terceira empresa, PUR, que perfez um caminho distinto de
renovação e de aprendizagem.
O primeiro caminho, traçado pela HASA e Delp, foi impulsionado pelo ambiente
externo. As mudanças de atributos que ocorriam ao longo da trajetória e resultavam na
renovação das organizações decorriam da percepção dos gestores sobre as oportunidades
apresentadas pelo ambiente externo, em geral das relações estabelecidas entre as empresasfoco e as empresas-clientes, geralmente firmas de grande porte e poder de mercado.
Situação distinta captou-se no traçado da trajetória da PUR, cujo caminho, desde os
primórdios da empresa, foi marcado pela mudança endógena, fruto da pesquisa e da
capacidade de inovação do empreendedor com a introdução de novos materiais e produtos.
Cabe destacar que esses dois padrões de trajetórias se associaram a três tipos de
aprendizagem. Em outras palavras, em ambos os tipos de trajetórias identificaram-se
mudanças organizacionais em que as dimensões estratégicas se alinhavam com o single, se
aproximavam do double ou se alinhavam com o double-loop learning, conforme ilustrado
228
na Figura 13. Esta sintetiza o resultado da relação entre as trajetórias de renovação e os
tipos de aprendizagem associados.
Trajetórias de renovação
Aprendizagem organizacional
Single-loop
Impulsionada
pelo ambiente
externo
HASA
Delp
Impulsionada
pelo ambiente
interno
PUR
Single com
aproximações
de double
Doubleloop
Figura 13 - Trajetórias de renovação e aprendizado associado.
Fonte: dados da pesquisa.
Esse quadro empírico que emergiu da análise indutiva dos dados da pesquisa sugere
três tipos de resultados, que trazem importantes implicações teóricas:

O primeiro resultado relaciona-se ao tipo de renovação estratégica e os fatores
impulsionadores esperados com base na teoria e os identificados nos dados
Os estudos sobre renovação estratégica (Agarwal & Helfat, 2009; Crossan, Lane &
White, 1999) associam a renovação estratégica a dois tipos de mudança: a mudança
descontínua do ambiente, que decorre de mudanças tecnológicas, de mercado ou da
demanda, e as mudanças contínuas da organização realizadas de forma incremental e
proativa. Para os autores, a mudança descontínua no ambiente pode levar as empresas a
229
simplesmente corrigirem os erros, sem promoverem alterações na natureza fundamental
das suas atividades e sem resultar na renovação estratégica. Defendem que a renovação
estratégica ocorreria, com mais probabilidade, quando as organizações adotassem uma
postura proativa de promoção de mudanças contínuas e incrementais que resultariam no
refreshment de atributos estratégicos ou renovação estratégica.
A identificação na pesquisa empírica de dois tipos de renovação, impulsionada pelo
ambiente externo (HASA e Delp) e pelo ambiente interno (PUR), salienta uma
possibilidade de causas múltiplas moldando a renovação. Essa ideia difere das de Crossan,
Lane & White (1999) de que a renovação somente ocorreria em situações de mudança
contínua e incremental. Por outro lado, esse resultado é bastante coerente com os
frameworks propostos por Volberda et al. (2001) e Agarwal & Helfat (2009), de que, além
de uma orientação exploitation e exploration, a renovação pode partir de uma orientação
externa ou interna e por ser direcionada tanto pelas forças externas do ambiente da
indústria como pelas forças internas com as quais a firma se compromete, como se
verificou nos casos. Detectou-se que a renovação tanto decorreu de mudanças do ambiente,
de fora para dentro, como de mudanças internas, de dentro para fora.
Volberda et al. (2001) e Agarwal & Helfat (2009) também argumentam que a
renovação pode ter como objetivo a expansão ou a retração do negócio e decorrer do
comportamento ativo ou passivo adotado pela alta gerência, gerência de frente ou gerência
intermediária. Entre os mecanismos causais que explicam a renovação estratégica,
observaram-se, com muita frequência, tanto da diversificação de produtos, mercados e
negócio, como a concentração no negócio original, significando, respectivamente,
expansão e retração. Em todos os casos o processo de renovação foi decidido pela alta
gerência, no sentido top down.
230

O segundo resultado relaciona-se aos tipos de aprendizado esperados e
identificados no processo de renovação
Ao relacionarem renovação, mudança e tipos de aprendizagem, os estudos de
renovação (Agarwal & Helfat, 2009; Crossan, Lane & White, 1999) consideram que as
situações de mudança descontínua do ambiente resultariam no tipo de aprendizagem
single-loop e somente implicariam a aprendizagem do tipo double-loop quando a
organização, além de detectar corrigir os erros, questionar, modificar normas,
procedimentos, políticas e objetivos. O avanço da aprendizagem do primeiro nível single
para o tipo double-loop learning e a consequente renovação estratégica reflete uma
situação na qual a tensão entre a exploration e a exploitation encontraria um equilíbrio,
atuando na dimensão estratégica, assegurando a longevidade da organização (Agarwal &
Helfat, 2009; Crossan, Lane & White, 1999). Reconhecer e gerenciar a tensão entre as
opções de aprendizagem, alcançando o tipo double-loop e adotando um modelo que
busque a manutenção do equilíbrio entre o exploration e o exploitation, é, segundo os
autores, um fator primário para a sobrevivência das firmas.
O quadro empírico proposto pela pesquisa confirma, em parte, esses resultados.
Considerando-se que as empresas objeto da pesquisa são de fato longevas, verifica-se que
mesmo que a renovação estratégica descrita ao longo das trajetórias impulsionadas pelo
ambiente externo, HASA e Delp, de fato não tenha sido relacionada à aprendizagem
double-loop, identificando-se mais com o tipo single-loop, esta pareceu suficiente para as
empresas promoverem as adaptações, sobreviver e se tornarem longevas.
Ao apresentarem um tipo de aprendizagem single-loop, confirmou-se a mesma
dificuldade que as organizações apresentam de avançar na aprendizagem (Crossan, Lane &
White, 1999; Hedberg & Wolff, 2001). Porém, das duas empresas que apresentaram o
231
aprendizado de primeira ordem, em vários momentos a Delp se aproximou da
aprendizagem de segunda ordem, vindo de fato a caracterizá-la na última fase da sua
trajetória, o que explica uma diferenciação na sua performance em relação à HASA.
Em vários dos momentos de renovação e aprendizagem identificados na Delp, a
situação de mudança demandou uma alteração na sua base de conhecimento e nos
pressupostos gerenciais, particularmente quando promoveu a diversificação para o negócio
do petróleo e quando assumiu um modelo de governança profissional. Explica -se que o
novo mercado trouxe para a empresa a necessidade de adotar uma nova orientação
estratégica, com a formação de parcerias e de desenvolver ou absorver novas tecnologias
em produção de equipamentos para a indústria do petróleo. E o afastamento da família da
gestão executiva abriu espaços para a incorporação de novas competências profissionais
recrutadas no mercado e mais disponibilidade dos sócios proprietários para desenvolverem
uma nova maneira de gerir o negócio, mais pautada no planejamento e no controle. Essas
condições parecem ter favorecido o contínuo crescimento da empresa, caracterizando uma
situação diferente da HASA, que se apresenta em condição de estabilidade. Por outro lado,
evidencia a associação mais direta do aprendizado double-loop com a longevidade.
A situação da PUR, por outro lado, confirma a associação direta entre a renovação
estratégica e a aprendizagem do tipo double-loop learning, prevista na teoria, assim como
a afirmação de Crossan, Lane & White (1999) e Hedberg & Wolff, (2001) da relação entre
o tipo de mudança e a longevidade da empresa. As mudanças contínuas e incrementais
realizadas proativamente pela empresa, associadas ao perfil de inovação do empreendedor,
motivaram a criação da empresa, o seu desenvolvimento e a superação das crises. Os
valores do fundador seguem pautando a orientação estratégica da empresa. O modelo de
gestão atual é resultado da combinação entre a participação da família nos cargos
executivos de direção e a presença de profissionais nos cargos gerenciais. A orientação do
232
negócio caracteriza-se pela busca de rotinas que assegurem a diferenciação dos produtos
para manter uma relação duradoura com os seus clientes. Os gestores mantêm a estratégia
de desenvolver e patentear patentes de produtos e processos e direcionar a produção para
os produtos seriados. Esse conjunto de ações parece explicar como a PUR se tornou
longeva e ainda prevê uma perspectiva de forte crescimento futuro.

O terceiro resultado relaciona-se à tensão exploitation e exploration e os tipos de
renovação e de aprendizado organizacional
A tensão exploitation exploration (March, 1991) foi tomada neste estudo como o
elemento comum que unia as abordagens da renovação estratégica e da aprendizagem pela
compreensão de que tanto a primeira como a segunda tomam os processos de renovar e
aprender como fenômenos organizacionais que harmonizam continuidade e mudança.
Autores como Crossan, Lane & White, (1999) comungam do pressuposto de que a
aprendizagem e renovação requerem que a organização explore e aprenda novos caminhos
(mudança), enquanto que, simultaneamente, exploit o que já tenha aprendido
(continuidade). Ambos são processos adaptativos (March, 1991) que implicam um trade
off que produz consequências no tempo e no espaço, afetando o aprendizado das
organizações.
Ancorada na relação entre renovar e aprender e no exploit e explore, constata-se da
teoria que a aprendizagem ocorre não apenas na tensão explore/exploit, mas no processo,
em si, pois a explore, além de gerar inovação, também desenvolve na firma a habilidade de
identificar e assimilar o conhecimento existente no ambiente, executando o exploit e
gerando aprendizagem (Dogson, 1993). E, da tipologia de aprendizagem de Argyris &
Schon (1978) e revisitada por Fiol & Lyles, (1985), apreende-se que a single-loop learning
233
equivale ao propósito de exploitation que ocorre quando a organização aproveita as
oportunidades existentes. E que o tipo double-loop learning ocorre quando as organizações
aprendem a modificar as variáveis que governam os seus próprios comportamentos,
alterando a base de conhecimento.
O objetivo da pesquisa era estudar a longevidade das empresas familiares, tomada em
termos teóricos pela abordagem da renovação estratégica, buscando a compreensão da
orientação estratégica adotada e das escolhas efetuadas pelos gestores das organizações
familiares, para identificar se a trajetória de longevidade das organizações guardava
possíveis relações com a aprendizagem organizacional. A análise dos dados da pesquisa
revelou três tipos de situação na relação explore-exploit e os tipos de aprendizagem que
induzem a resultados empíricos e teóricos:
a) Renovação exploit-aprendizagem single, observada na HASA;
b) renovação exploit e explore-aprendizagem single e aproximada de double,
observada na Delp;
c) renovação exploit e explore/aprendizagem double, observada na PUR.
Essas três situações empíricas confirmam a relação entre a longevidade e o
aprendizado das empresas familiares. Porém, do ponto de vista da explicação baseada na
aprendizagem, sobre o que permite às empresas se tornarem longevas, concluiu-se que não
há apenas uma condição única e universal para esse fenômeno, pois o processo de
renovação foi impulsionado por causas tanto exploit como explore, realizando tanto o
aprendizado single como o double e um terceiro tipo que se aproxima do double, e esses
foram determinando a trajetória das organizações.
234
Contatou-se, porém, que um outro elemento, o familiness (Astrachan, 2010,
Chrisman, Chua, & Sharma, 2005, Frank, Lueger, Nose & Suchy, D., 2010, Habbershon &
Williams, 1999), também influenciou na trajetória, fazendo-se presente desde o surgimento
dos negócios e sustentando a sobrevivência das firmas em vários momentos. Uma síntese
dos mecanismos causais associados à tensão exploit-explore, ao familiness e aos tipos de
aprendizagem resumem na Tabela 23 as explicações desse último resultado da pesquisa.
235
Tabela 23
Relacionamento entre a tensão exploit-explore e o familiness nos mecanismos de
renovação e tipos de aprendizado organizacional
Fase
Mecanismos causais/eventos
Fase 1 Tradição/criação da empresa
Relacionamentos/criação da empresa
Experiência/criação da empresa
Inovação em matéria-prima/criação de nova
empresa
Problemas fiscais/encerramento da empresa
Fase 2 Afastamento do fundador/sucessão familiar
Visão do dirigente/diversificação
Retração do mercado/ concentração no
negócio original
Crescimento da empresa/diversificação de
produtos e mercados e mudança de rotinas
Tradição/entrada da nova geração
Visão dos dirigentes/profissionalização
Afastamento do fundador/sucessão híbrida
(familiar e profissional)
Fase 3 Concentração no negócio original/ ampliação
da capacidade física
Tradição/entrada de uma nova geração
Visão dos novos dirigentes/ profissionalização
Crescimento da empresa/diversificação do
negócio e profissionalização
Conflito familiar/cisão da sociedade
Concentração no negócio original/crescimento
da empresa
Fase 4 Tradição/gestão
compartilhada
entre
gerações
Profissionalização/gestão híbrida (familiares e
profissionais)
Diversificação/entrada em novo mercado
Fase 5 Consolidação de um novo mercado/
crescimento da empresa
Afastamento dos profissionais/nova geração
assume direção compartilhada com a primeira
geração
Contratação de novos profissionais/
profissionalização
Afastamento
da
família/governança
profissional
Fonte: dados da pesquisa.
Tipo/origem do mecanismo
Familiness
Familiness
Exploit
Tipo de
aprendizagem
Single-loop
Single-loop
Explore Single-loop
Explore Double
Exploit
Familiness
Explore
Exploit
Exploit
Explore
Familines
Single-loop
Single-loop
Single-loop
Single-loop
Single-loop
Exploit
Exploit
Single-loop
Single-loop
Single-loop
Exploit
Single-loop
Exploit
Exploit
Single-loop
Single-loop
Single-loop
Familiness
Explore
Familiness
Single-loop
Single-loop
Exploit
Familiness
Single-loop
Exploit
Exploit
Explore
Single-loop
Explore
Aproxima do
double-loop
Aproxima do
double-loop
Single-loop
Explore
Familiness
Exploit
Exploit
Single-loop
Explore
Double-loop
Desse modo, os presentes resultados de pesquisa permitiram as seguintes conclusões:
236
a) A renovação estratégica, quando desencadeada por mecanismos de exploit,
associou-se, nos casos, à concentração no negócio original, profissionalização, visão
dos dirigentes e sucessão híbrida e ao aprendizado do tipo single-loop.
b) A renovação estratégica, quando desencadeada por mecanismos de explore,
associou-se, nos casos, à visão dos novos dirigentes e diversificação e ao
aprendizado single, em algumas situações com aproximações do double.
c) A renovação estratégica, quando desencadeada por mecanismos de exploit e
explore,
associou-se
à
diversificação
com
mudanças
de
rotinas,
com
profissionalização, profissionalização com gestão híbrida e adoção de um modelo de
governança profissional e aos tipos de aprendizado single, aproximado de double e
double-loop.
d) A renovação estratégica, quando desencadeada pelo familiness, associou-se, nos
casos, à tradição de manter a família atuando na empresa, aos momentos de
sucessão de gerações e aos conflitos familiares e ao aprendizado do tipo single-loop.
Concluiu-se que causas que tornaram as empresas longevas operaram de várias
formas, associadas a vários tipos de aprendizagem. Entretanto, o comportamento exploit,
complementado pela influência do familiness e o aprendizado single-loop, foi aquele que
demonstra ser o responsável pela continuidade prolongada das empresas. Tendo em vista
essas conclusões, acredita-se ter cumprido o objetivo principal desta pesquisa, qual seja,
verificar ao longo da trajetória do empreendimento familiar como a sua longevidade está
relacionada à aprendizagem organizacional. E, ainda, foram atendidos os objetivos
específicos de descrever como ocorreu a mudança de atributos estratégicos (refreshment de
atributos); identificar ao longo da trajetória os tipos e mecanismos de aprendizagem; e
relacionar a aprendizagem desenvolvida pelas firmas ao longo de sua trajetória com a
237
longevidade do empreendimento. Os casos analisados dão mostras de ter-se conseguido
responder na íntegra o problema de pesquisa, isto é, como a renovação estratégica de
empresas familiares está relacionada ao aprendizado organizacional.
6.2 Contribuições, limitações do estudo e sugestões para novas investigações
Caminha-se para concluir este trabalho acreditando que foi possível oferecer ao
campo de pesquisas sobre estratégia e aprendizagem organizacional em empresas
familiares pelo menos três contribuições. A primeira é de natureza teórica. Mostrou-se a
existência do diálogo entre a aprendizagem e as capacidades dinâmicas, numa associação
que foi tomada como as lentes da aprendizagem, para fundamentar os estudos sobre
estratégia em empresas familiares. Defendeu-se o ponto de vista de que se pode estudar a
renovação estratégica, observada na perspectiva do contexto, processo, conteúdo e
resultados sob as lentes da aprendizagem para explicar a longevidade do empreendimento
familiar.
A segunda contribuição é de natureza empírica. O estudo amplia o escopo das
investigações da empresa familiar, avançando nas pesquisas do campo da estratégia e dos
estudos organizacionais sobre esse tipo específico de organizações.
E, finalmente, a terceira contribuição deste trabalho científico é também de natureza
empírica. Identificou-se que a renovação estratégica das empresas familiares pode ocorrer
independentemente da sua associação aos tipos de aprendizagem de segunda ordem ou do
equilíbrio entre a tensão exploit/explore. Melhor explicando, a capacidade da empresa
familiar de construção de novas rotinas e de se tornar longeva pode ocorrer ainda que essas
organizações confirmem a mesma dificuldade de avançar nos tipos de aprendizado, para
alcançar o double-loop ou a aprendizagem estratégica.
238
Mostrou-se, ainda, que concorre com a capacidade de aprender o senso de família, ou
familiness, uma capacidade que atua na empresa familiar, criando e preservando valores
que são transmitidos às novas gerações e atuam na capacidade de sobreviver e de se
tornarem longevas.
Em que pesem as contribuições deste trabalho, não se pode omitir as suas limitações
relacionadas à prática da investigação e à metodologia adotada. Em relação à primeira, a
dificuldade em identificar no universo das empresas da região metropolitana de Belo
Horizonte, e mesmo do restante do estado de Minas Gerais, as empresas familiares que
atendessem aos critérios da pesquisa, condição complementada pela quase inexistência de
empresas longevas, restringiu a amostra estudada. E, em cada caso selecionado, o número
de respondentes também ficou aquém do desejado. Mesmo em se tratando de empresas de
médio e grande porte, uma característica comum a todas é o fato de adotarem uma
estrutura organizacional bastante enxuta, com poucos níveis hierárquicos, corpo executivo
e gerencial bastante reduzido. E, como os respondentes também deveriam conhecer sobre a
trajetória e estratégia da empresa, o número de possíveis entrevistados mostrou -se bastante
limitado. Acredita-se que a profundidade das entrevistas e a qualidade das respostas
tenham contribuído para superar essa limitação. Contudo, sugere-se que as pesquisas
futuras investiguem empresas de outros segmentos, que não as da indústria de máquinas e
equipamentos, localizadas em outras regiões do estado e do país, para aumentar as chances
de se encontrarem novos casos de empresas familiares longevas e esclarecerem a mesma
questão de pesquisa.
A segunda limitação, de ordem da metodologia, refere-se à utilização exclusiva da
entrevista semiestruturada e o não aprofundamento em questões que poderiam evidenciar a
influência do familiness como uma categoria específica de análise. Outros instrumentos
poderiam ter sido combinados com a entrevista, incluindo, por exemplo, a participação em
239
eventos da organização, um aprofundamento na descrição das rotinas, a oportunidade de
obtenção de feedback após a descrição das trajetórias e um aprofundamento em dados
setoriais secundários, que certamente aumentariam o nível de compreensão da evolução
das organizações e as causas da sua longevidade. Ficam essas como sugestões para novos
estudos.
O outro aspecto, e que também se constitui em sugestão para os novos estudos, é um
maior aprofundamento nas relações família e negócios, para explorar a importância do
familiness em todos os momentos da trajetória. Sugere-se identificar as características da
forma de atuação do senso de família em cada caso e o seu cruzamento entre os vários
casos, indicando os elementos comuns e idiossincráticos de como o familiness atua na
longevidade da empresa familiar.
Desse modo, com as sugestões propostas, finaliza-se o presente trabalho, acreditando
que a adoção das lentes da aprendizagem ofereceu uma compreensão maior do que apenas
tratar a renovação estratégica como mudança de atributos que resultam na sobrevivência
das organizações familiares, mas avançar para compreender como renovar e aprender são
condições que respondem ao desafio enfrentado pelas empresas familiares de se tornarem
longevas.
240
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258
Apêndice A
ROTEIRO DE ENTREVISTA
Bloco 1: Trajetória da empresa
1. Como o(a) Sr.(a) explicaria o fato de uma empresa do setor de fabricação de produtos
de borracha e material plástico sobreviver por tantos anos?
2. Por favor, faça uma retrospectiva do ambiente de negócios no seu setor de atuação,
desde a fundação da empresa nos anos ......... até hoje (explorar a concorrência,
fornecedores, clientes, ambiente institucional).
3. Conte a história da empresa. Quais seriam os marcos da história da empresa em relação
aos momentos de crise e oportunidades de crescimento. Quando ocorreram? Por quê?
4. Os marcos da trajetória da empresa possuem algum tipo de relação com mudanças na
família ou na participação da família na empresa? (explorar os fatores dificultadores e
facilitadores da participação da família na empresa).
5. Houve antecipação da empresa em relação às mudanças do ambiente que favoreceram
as crises e oportunidades?
6. Como foi a orientação da empresa em cada momento de crise e oportunidade?
7. Como foi a orientação da família em cada momento de crise e oportunidade?
8. Considerando as mudanças que ocorreram ao longo da trajetória da empresa
(momentos de crises e oportunidades), que pessoas da empresa estiveram envolvidas na
decisão de realizar as mudanças?
9. Houve participação no processo de mudanças de outras empresas como clientes,
fornecedores, parceiros ou outros? Em que aspectos?
Bloco 2: Processo de renovação estratégica
2.1 Processo de RE - decisão e implementação da RE
10. Que aspectos da organização foram impactados pelas mudanças? (explorar a ocorrência
de mudança de rumos do negócio, da estratégia, da estrutura, de produtos, de direção,
de objetivos, de tecnologia, de mercado foco).
259
11. Como a empresa busca informações para tomar as decisões de mudança? Não busca,
age mais intuitivamente? Como? Exemplifique.
12. Busca informações, age de forma mais sistemática? Como? Exemplifique.
13. A empresa participa de entidades de classe, órgão de representação ou exerce alguma
atividade que favoreça a busca de informações sobre o negócio? Como?
14. E no ambiente interno da empresa: como ocorre o processo de busca e
compartilhamento de informações sobre o negócio entre as diversas áreas?
2.2 Conteúdo da RE – mudança de atributos
15. No cotidiano da empresa, como acontecem as decisões que afetam as rotinas
estratégicas para a tomada de decisão? Considere por exemplos as decisões que afetam:
a. Os rumos do negócio;
b. a estratégia;
c. a estrutura;
d. os produtos;
e. a direção da empresa;
f. os objetivos maiores;
g. a tecnologia;
h. o mercado foco.
16. Existe uma formalização (rotinas explicitas) dos procedimentos para a tomada de
decisão?
17. A empresa possui um planejamento estratégico formalizado?
18. As decisões ocorrem de forma isolada?
19. Ou as decisões ocorrem em reuniões? Existe um modelo ou plano de reuniões? Quem
participa? Como funciona?
20. Qual a importância que a improvisação exerce nos procedimentos da empresa? Em que
situações ocorrem?
21. Você considera que as improvisações ocorrem para realizar pequenos ajustes ou podem
levar à total reinvenção dos procedimentos?
22. Diante das situações de erros, que tipo de postura é mais frequentemente adotada pela
organização?
23. Considere duas situações de sucesso na empresa: como a empresa reagiu?
260
24. Considere duas situações de erro na empresa: como a empresa reagiu?
Bloco 3: Caracterização da empresa
25. Ramos de atividade
26. Número de empregados
27. Data da fundação
28. Estrutura organizacional
29. Planos e políticas formalmente declarados/ documentos formais.
Bloco 4: Caracterização do entrevistado
30. Posição na família
31. Tempo de atividade na empresa
32. Cargos/funções exercidas
33. Tempo de exercício no cargo/função atual
34. Formação escolar
35. Data:
Local:
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RENOVAÇÃO ESTRATÉGICA E APRENDIZAGEM