Trabalho Científico A DIVERSIDADE DA MALACOFAUNA DOS RESERVATÓRIOS DO BAIXO RIO TIETÊ (SP): UMA AVALIAÇÃO DAS POPULAÇÕES DE ESPÉCIES EXÓTICAS INVASORAS. França, R. S.1, Suriani, A. L., 1 R. S.1 Pamplin, P. A.1 Lucca, J. V.1e Rocha, O.1 INTRODUÇÃO Espécies invasoras, animais ou vegetais, têm sido motivo de grande preocupação de pesquisadores e conservacionistas, uma vez que a extinção de espécies nativas têm sido atribuída à introdução de espécies exóticas ou alóctones em diferentes localidades, em todo o mundo. Com relação às águas doces, esses ambientes estão particularmente sujeitos às invasões das comunidades biológicas porque a dispersão é grandemente facilitada pelo próprio fluxo de água. As invasões biológicas ligadas às atividades humanas podem modificar significativamente a estrutura da comunidade e o funcionamento dos ecossistemas de água doce, levando à extinção das espécies nativas (Pointier, J. P. & Augustin, D. 1999). Na América do Norte, espécies exóticas têm fortemente afetado a distribuição e a abundância de moluscos em muitos ecossistemas de águas doces (Strayer 1999). Além da ocorrência natural de moluscos nos sistemas aquáticos, a presença de espécies exóticas como Melanoides tuberculata e Corbicula fluminea, têm sido registrada em alguns países intertropicais. M. tuberculata é um gastrópode Thiaridae, originário do Leste e Norte da África e Sudeste da Ásia, que possui uma grande capacidade migratória e fácil adaptação tornando-se bem estabelecido em todos os tipos de substrato (Abílio 2002). Este gastrópode tem sido encontrado em alguns sistemas brasileiros juntamente com espécies nativas, em estudos realizados com comunidades bentônicas de diferentes corpos de água. Pamplin (1999), analisando a composição de invertebrados bentônicos na represa de Salto Grande (Americana SP), pertencente à Bacia do Rio Piracicaba o qual possui conexão com o sistema Tietê, registrou a ocorrência de uma única espécie da Classe Gastropoda, Melanoides tuberculata. A espécie Corbicula fluminea conhecida como “Asia clam” é um bivalve de água doce originário da China, que foi introduzido na América do Norte como alimento, pelos chineses, ao redor de 1920. Embora tenha sido inicialmente registrada na bacia do rio Columbia, encontra-se em várias outras bacias na América do Norte. Atinge um comprimento máximo de 35 mm e adere às turbinas e outros equipamentos nas usinas hidrelétricas ocasionando graves problemas. Como a água é captada de rios, riachos e reservatórios, as larvas são introduzidas nas usinas entupindo os tubos de condensadores, canos de água e sistemas de combate a incêndios, resultando em problemas econômicos (Hakenkamp & Palmer 1999). Na América do Sul esta espécie foi registrada na Argentina, parte sul dos pampas e na Patagônia por Martin & Estebenet (2002) os quais consideram que a introdução da espécie naquele país ocorreu antes de 1995. No Brasil esta espécie foi registrada na bacia do Paraná desde 1990 (Takeda et al. 2004). Os estudos sobre a composição específica de populações bentônicas nos sistemas artificiais, como os reservatórios do baixo rio Tietê, são de suma importância para o entendimento dos processos ecológicos e para a elaboração de planos de gerenciamento e manejo destes sistemas. Nesse contexto, o objetivo do presente trabalho foi caracterizar a composição taxonômica, a diversidade e a densidade da malacofauna bentônica em 3 reservatórios do sistema Tietê (Promissão, Nova Avanhandava e Três Irmãos), com ênfase nas espécies exóticas Melanoides Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, Universidade Federal de São Carlos, Brasil. [email protected] Trabalho Científico tuberculata e Corbicula fluminea. Além disso, determinar as características físicas e químicas da água nestes reservatórios ampliando o conhecimento limnológico no baixo rio Tietê, SP. O presente trabalho faz parte de um esforço para o monitoramento de espécies exóticas e o desenvolvimento de técnicas de controle e manejo de espécies invasoras no sistema do Rio Tietê, SP e nos lagos do Vale do Rio Doce, MG. MATERIAIS E MÉTODOS Para a caracterização da malacofauna do baixo rio Tietê foram amostrados os reservatórios em cascata de Promissão, Nova Avanhandava e Três Irmãos (Figura 1). Figura 1. Localização do Sistema Tietê no estado de São Paulo e dos principais reservatórios dos rios Tietê e Paraná, evidenciando a localização das represas de Promissão, Nova Avanhandava e Três Irmãos (São Paulo 1981). Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, Universidade Federal de São Carlos, Brasil. [email protected] Trabalho Científico A Tabela 1 sumariza as características morfométricas e operacionais dos reservatórios do baixo rio Tietê. Tabela 1: Características morfométricas e operacionais dos reservatórios do baixo rio Tietê (CESP, 1998; Barbosa et al.,1999). Reservatórios Tempo de Residência (dias) Área (km2) Promissão 134,1 530 7.408 14,0 1975 Nova Avanhandava 45,7 210 2.720 13,0 1985 Três Irmãos 217,9 817 14.000 17,2 1991 Volume Profundidade Média (m) (m3x106) Ano de enchimento As coletas foram realizadas nos meses novembro de 2002 e agosto de 2003, correspondentes aos períodos chuvoso e seco, respectivamente. As variáveis abióticas: pH, condutividade elétrica, oxigênio dissolvido e temperatura da água foram medidas “in situ” na interface sedimento-água utilizando-se um multisensor da marca HORIBA, modelo U-10, visando caracterizar as condições ambientais dos locais onde os moluscos ocorrem. As amostras de água foram também coletadas para avaliar a condição de trofia destas localidades. Para as análises de nutrientes totais (nitrogênio e fósforo) e dissolvidos (nitrito, nitrato, amônia) foram coletados utilizando-se uma garrafa vertical de 5 litros “Van Dorn” para coleta no fundo dos pontos de amostragem. Essas amostras foram acondicionadas em frascos de polietileno e congeladas até análise. No laboratório, partes das amostras foram filtradas em filtros de microfibra de vidro da marca GF/C Whatman, com 47mm de diâmetro, para retenção do material particulado. As concentrações dos principais nutrientes presentes na água foram determinadas através de espectrofotometria segundo metodologias descritas por Golterman et al. (1978) e Mackereth et al. (1978). As amostras de sedimento para amostragem dos moluscos foram coletadas em duplicata com draga do tipo VanVeen com área amostral de 337cm2. O sedimento foi lavado em peneira com 0,21mm de abertura de malha e o material retido na peneira foi preservado em formol 8% no próprio local de coleta. No laboratório, os moluscos foram triados em uma bandeja transiluminada e preservados em álcool 70%. Estes organismos foram analisados sob microscópio estereoscópico da marca Zeiss, modelo Stemi SV 6, com aumento de até 40 vezes. Os organismos foram identificados até o nível taxonômico mais baixo possível, utilizandose a chave de identificação proposta por Thompson (2004) e com o auxílio dos especialistas Dr. Wagner Avelar da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (USP) e pelo Dr. Luiz Ricardo Lopez de Simone, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. O índice de diversidade de Shannon-Wiener (H’) foi calculado de acordo com a fórmula: H=-∑ni/N*log(ni/N), onde N= ∑ni é a densidade total encontrada e ni= densidade de diferentes espécies. A uniformidade de Pielou (E%) foi determinada de acordo com a seguinte fórmula: E%=100*H/log(s) onde, H= índice de diversidade, s= número total de espécies e log(s)= Hmax, índice de diversidade máximo, onde os indivíduos são igualmente distribuídos(k) entre espécies. Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, Universidade Federal de São Carlos, Brasil. [email protected] Trabalho Científico RESULTADOS A Tabela 2 contém os parâmetros obtidos das variáveis físicas e químicas da água analisadas durante o período de estudo. A temperatura média na superfície da água dos três reservatórios variou de 26,3 a 26,8°C em novembro de 2002, caracterizando o final da primavera com temperaturas mais elevadas e de 20,2 a 20,5°C em agosto de 2003, com temperaturas mais baixas, típicas de inverno. O pH da águas dos reservatórios variou de neutro a ligeiramente básico. A faixa de variação foi de 7,1 a 7,8 em novembro de 2002, valores em média ligeiramente menores do que aqueles registrados em agosto de 2003, os quais variaram de 7,41 a 7,89. O valor médio das concentrações de oxigênio dissolvido esteve entre 7,92 a 8,4 mg.L-1 em ambos os períodos de análise, indicando que a água dos reservatórios esteve bem oxigenada. Os valores médios de condutividade elétrica da água foram mais elevados no período chuvoso nos três reservatórios amostrados, e ficaram compreendidos entre 135,1 e 181,1µS.cm1 , considerando-se ambos os períodos de amostragem. Com relação aos nutrientes, os compostos fosfatados presentes na água apresentaram concentrações mais elevadas no período chuvoso (novembro de 2002), nos três reservatórios (Tabela 3). As concentrações médias de fosfato total dissolvido, considerando-se os três reservatórios, variaram de 6,2 a 18,5 µg.L-1. Para o fósforo total, as concentrações médias variaram de 16,9 a 324,8 µg.L-1, enquanto que para o fosfato inorgânico, as concentrações médias variaram de 2,3 a 7,2 µg. -1. Tabela 2: Valores médios das variáveis físicas e químicas da água nos reservatórios de Promissão, Nova Avanhandava e Três Irmãos em novembro de 2002 (período chuvoso) e agosto de 2003 (período seco). Oxigênio Dissolvido Reservatórios Promissão Nova Avanhandava Três Irmãos Período pH (mg.L-1) Temperatura (ºC) Condutividade Elétrica (µS.cm-1) Chuvoso 7,8 4,8 8,4 181,1 seco 7,4 6,9 8,06 135,1 Chuvoso 7,7 5,1 8,4 149,2 seco 7,9 7,01 7,9 136,0 Chuvoso 7,1 5,4 8,2 163,8 seco 7,6 7,7 8,24 150,0 Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, Universidade Federal de São Carlos, Brasil. [email protected] Trabalho Científico Tabela 3: Valores médios das concentrações dos nutrientes dissolvidos e totais da água nas porções superior, mediana (meio) e inferior (barragem) dos reservatórios do baixo rio Tietê registrados em novembro de 2002 e agosto de 2003. Promissão Sup. Nov/ 17,1 Nitrito 02 (µg.L-1) Ago/ 4,6 03 Nov/ 1165 Nitrato 02 -1 (µg.L ) Ago/ 444 03 Nov/ 15,3 Amônia 02 -1 (µg.L ) Ago/ 21,9 03 Nov/ 1,1 Nitrog. 02 (mg.L-1) Ago/ 0,9 03 Nov/ Fosfato 7,2 02 inorg. Ago/ 2,6 (µg.L-1) 03 Fosfato Nov/ 18,5 dissolv. 02 do total Ago/ 11,5 03 (µg.L-1) Nov/ 102 Fósforo 02 total Ago/ (µg.L-1) 33,6 03 Nova Avanhandava Três Irmãos Meio Bar. Sup. Meio Bar. Sup. 13,5 2,3 3,0 5,3 2,2 3,3 3,4 2,7 5,38 1,23 1,1 1,7 1,9 1,5 0,5 1,3 164,9 121,1 193 177, 9 219,4 166 145 134 837,2 317,2 280, 7 284, 1 273,4 190,2 226, 9 256, 7 Meio Bar. 7,2 10,3 10,5 11 16,3 15,9 27,4 27,4 31,5 19,1 22,6 33,2 21,8 22,9 14,9 17,2 1,0 1,0 1,1 1,0 1,8 2,5 0,9 0,5 0,37 0,29 0,5 0,7 0,7 0,2 0,2 0,4 6,6 5,9 3,0 7,1 3,8 4,2 5,4 5,4 2,36 2,78 2,5 6,5 3,2 2,7 2,3 3,0 17,8 12,8 11,2 15,5 11 12,2 12,2 13,7 9,03 7,9 7,4 17,9 7,9 7,0 6,2 7,3 90,6 74,7 324,8 88,7 127,9 124,7 136 106 36,0 34,6 16,9 23,4 33,1 22,1 21,2 22,7 A Tabela 4 contém a composição taxonômica da malacofauna bentônica registrada nos reservatórios do baixo rio Tietê. As espécies nativas foram representadas por um total de quatro táxons: Pomacea canaliculata, Physa cubensis, Biomphalaria spp e Aylacostoma tenuilabris, todas eles pertencentes à classe Gastropoda. Além disso, registrou-se a presença do gênero Helisoma sp (Gastropoda) e de duas espécies exóticas: Corbicula fluminea (Bivalvia) e Melanoides tuberculata (Gastropoda). Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, Universidade Federal de São Carlos, Brasil. [email protected] Trabalho Científico Tabela 4: Composição taxonômica da malacofauna bentônica registrada nos reservatórios do baixo rio Tietê em novembro de 2002 e agosto de 2003. Grupos Taxonômicos Classe Bivalvia Família Corbiculidae Corbicula fluminea Classe Gastropoda Família Ampullariidae Pomacea canaliculata Família Physidae Physa cubensis Família Planorbidae Biomphalaria straminea+B. intermedia Helisoma sp Família Thiaridae Aylacostoma tenuilabris Melanoides tuberculata A abundância absoluta e relativa de moluscos nativos nos reservatórios de Promissão, Nova Avanhandava e Três Irmãos é inferior quando comparada à das espécies exóticas presentes no sistema, principalmente em relação a Melanoides tuberculata. O número mínimo de indivíduos registrado para essa espécie foi de 265 na porção inferior do reservatório de Três Irmãos (Figura 4), no segundo período de amostragem e um número máximo de 2272 indivíduos na porção superior do reservatório de Nova Avanhandava (Figura 3), no segundo período de amostragem. Esta espécie foi a mais abundante em todas as represas, representando 65,9 a 96,4 % do total de moluscos (Tabela 5). O maior número de indivíduos de Corbicula fluminea foi registrado na porção superior do reservatório de Promissão, com 476 indivíduos (Figura 2), correspondendo a 17,7 % do total de moluscos (Tabela 5). Esta espécie não ocorreu nas porções inferiores de Nova Avanhandava e Três Irmãos e também no segundo período de amostragem na porção mediana do reservatório de Três Irmãos e no primeiro período de amostragem na porção mediana do reservatório de Nova Avanhandava (Tabela 5). Para a espécie Pomacea canaliculata registrou-se somente 3 indivíduos na porção superior de Promissão (Figura 2). e 4 indivíduos na porção mediana de Nova Avanhandava (Figura 3), correspondendo, respectivamente a 0,43 e 0,19 % do total de indivíduos presentes em cada reservatório (Tabela 5). O maior número de indivíduos das espécies Physa cubensis e Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, Universidade Federal de São Carlos, Brasil. [email protected] Trabalho Científico Biomphalaria spp foi registrado na porção superior do reservatório de Nova Avanhandava, sendo de 329 (13,53 %) e 162 (6,4 %), respectivamente. Para Aylacostoma tenuilabris e Helisoma spp o maior número de indivíduos foi registrado no segundo período de amostragem, na porção superior do reservatório de Três Irmãos (Figura 4 e Tabela 5), sendo 64 (5,37 %) e 106 (3,24 %), respectivamente. Tabela 5: Abundância Relativa (%) da malacofauna bentônica em relação às porções superior (S), mediana (M) e inferior (B) dos reservatórios Promissão (P), Nova Avanhandava (NA) e Três Irmãos (TI) em novembro de 2002 (1) e agosto de 2003 (2). Aylacostoma tenuilabris Biomphalaria spp Corbicula fluminea Helisoma sp Melanoides tuberculata Physa cubensis Pomacea canaliculata PS1 1,6 8,0 28,9 0,3 59,4 1,8 0,0 PS2 5,2 14,4 0,4 0,0 66,1 13,5 0,4 PM1 0,7 1,0 18,0 0,0 79,8 0,4 0,0 PM2 9,2 1,0 1,0 0,0 88,8 0,0 0,0 PB1 0,7 1,7 0,3 0,0 97,3 0,0 0,0 PB2 0,4 6,3 0,0 0,0 93,3 0,0 0,0 NAS1 0,1 5,4 1,2 0,0 79,8 13,5 0,0 NAS2 2,1 6,4 0,7 0,1 89,7 1,0 0,0 NAM1 0,1 3,4 0,0 2,6 91,5 2,4 0,0 NAM2 0,1 3,1 1,4 4,6 85,5 5,0 0,2 NAB1 0,9 5,1 0,0 0,0 93,9 0,1 0,0 NAB2 3,0 4,0 0,0 0,0 92,1 1,0 0,0 TIS1 0,4 3,5 2,4 0,0 93,5 0,2 0,0 TIS2 3,2 5,4 3,7 5,4 72,8 9,5 0,0 TIM1 0,0 1,8 0,2 2,5 94,8 0,7 0,0 TIM2 0,0 1,6 0,0 2,2 96,2 0,0 0,0 TIB1 0,0 0,0 0,0 3,5 96,2 0,3 0,0 TIB2 0,0 1,9 0,0 0,0 98,1 0,0 0,0 Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, Universidade Federal de São Carlos, Brasil. [email protected] Abundância Absoluta Trabalho Científico 10000 1000 100 10 1 PS1 A. tenuilabris Helisoma sp P. canaliculata PS2 PM1 PM2 Biomphalaria spp M. tuberculata PB1 PB2 C. fluminea P. cubensis Abundância Absoluta Figura 2: Abundância Absoluta (número total de indivíduos) da malacofauna bentônica do reservatório de Promissão (P), em relação as porção superior (S), mediana (M) e inferior (B) em novembro de 2002 (1) e agosto de 2003 (2). 10000 1000 100 10 1 NAS1 A. tenuilabris Helisoma sp P. canaliculata NAS2 NAM1 NAM2 Biomphalaria spp M. tuberculata NAB1 NAB2 C. fluminea P. cubensis Abundância Absoluta Figura 3: Abundância Absoluta (número total de indivíduos) da malacofauna bentônica do reservatório de Nova Avanhandava em relação às porções superior (S), mediana (M) e inferior (B) (NA) em novembro de 2002 (1) e agosto de 2003 (2). 10000 1000 100 10 1 TIS1 A. tenuilabris Helisoma sp P. canaliculata TIS2 TIM1 TIM2 Biomphalaria spp M. tuberculata TIB1 TIB2 C. fluminea P. cubensis Figura 4: Abundância Absoluta (número total de indivíduos) da malacofauna bentônica do reservatório de Três Irmãos (TI) em relação à porção superior (S), mediana (M) e inferior (B) em novembro de 2002 (1) e agosto de 2003 (2). Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, Universidade Federal de São Carlos, Brasil. [email protected] Trabalho Científico O índice de diversidade de Shannon-Wiener (H’) calculado para os três reservatórios variou de 0,104 a 0,462 (Tabela 6), sem existência de um padrão de variação relacionado com estado trófico ou com a posição na cascata de reservatórios. Tabela 6: Valores dos Índices de Diversidade de Shannon-Wiener (H’) e de Uniformidade de Pielou (E) e riqueza (R) das espécies de moluscos nas represas do Médio Rio Tietê, nas estações chuvosa e seca dos anos de 2002 e 2003, respectivamente. H’ Reservatório E(%) R Nov/2002 Ago/2003 Nov/2002 Ago/2003 Nov/2002 Ago/2003 Promissão 0,360 0,225 0,462 0,289 6 6 Nova Avanhandava 0,248 0,233 0,319 0,275 6 7 Três Irmãos 0,104 0,334 0,134 0,430 6 6 DISCUSSÃO Os estudos ecológicos sobre a comunidade de macroinvertebrados bentônicos são de grande importância, uma vez que estes participam ativamente no fluxo de energia e na ciclagem de nutrientes dos sistemas aquáticos (Esteves 1988). Segundo Rosenberg & Resh (1993) a participação, em elevada porcentagem, de uma única espécie, ou ainda, a dominância de poucas espécies numa comunidade pode ser um reflexo de um ambiente impactado. Abílio (2002) em estudos realizados no açude Taperoá (Paraíba), registrou a dominância de M. tuberculata. Nas represas em estudo, pode-se observar a superioridade numérica da espécie exótica Melanoides tuberculata. Essa espécie mostrou-se bem distribuída em todas as porções dos reservatórios em que ela foi amostrada. Os menores índices de diversidade, como aquele registrado no período chuvoso na represa de Três Irmãos, estiveram relacionados com a maior dominância da espécie exótica, Melanoides tuberculata. O gastrópode Melanoides tuberculata possui as características de muitas espécies invasoras: predominância de jovens durante todo o ano; alta capacidade migratória e de expansão, podendo se estabelecer em todos os tipos de região litorânea e substratos, apresentando também baixa taxa de mortalidade (Freitas et al. 1987). Tais características podem explicar a elevada abundância apresentada por essa espécie nos reservatórios em estudo. Pouco se sabe a respeito dos possíveis efeitos causados na malacofauna nativa das regiões onde a espécie Melanoides tuberculata foi introduzido. Mas sabe-se, por exemplo, que na lagoa do Parque Sólon de Lucena, na Paraíba, a população de Pomacea lineata tem sido mais influenciada pela alta densidade de M. tuberculata do que a população de Biomphalaria straminea (Abílio 1997). Pamplin (1999) em um estudo realizado na represa de Salto Grande em Americana, registrou a ocorrência de Melanoides tuberculata como a única espécie de Gastropoda presente naquele ambiente, cujas densidades foram de 1800 e 163 ind. m-2, no período chuvoso e seco, respectivamente. Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, Universidade Federal de São Carlos, Brasil. [email protected] Trabalho Científico Corbicula fluminea é considerada uma espécie invasora devido à sua grande capacidade de adaptação, assim como grande proliferação em diferentes tipos de ambientes (Strayer 1999). Essa espécie foi inicialmente registrada no Rio Grande do Sul e, em 1997, Avelar (1999) registrou sua ocorrência no estado de São Paulo, na bacia do rio Mogi-Guaçu. Em um estudo realizado na planície aluvial do Alto Rio Paraná, Takeda et. al (2004) observaram um decréscimo acentuado das espécies nativas, mostrando a influência que organismos invasores como C. fluminea exercem sobre as espécies nativas no Brasil, eliminando-as, de alguma forma ainda não determinada. Strayer (1999) em um estudo realizado na América do Norte sobre os impactos de espécies exóticas de moluscos de água doce afirmou que há evidências de que Corbicula fluminea pode ter fortes efeitos em bivalves nativos, pelo menos em alguns casos onde o invasor ocorre em altas densidades. Nas represas em estudo, pode-se observar a ocorrência dessa espécie de bivalve com abundância bem inferior à registrada para M. tuberculata, porém, em algumas porções dos reservatórios maiores do que algumas espécies nativas de moluscos. As espécies de moluscos nativos como Aylacostoma tenuilabris, Physa cubensis, Biomphalaria spp e Pomacea canaliculata ocorreram em baixa abundância e bem inferior àquela das espécies exóticas, principalmente em relação a Melanoides tuberculata, indicando o impacto dessas espécies sobre as populações nativas. CONCLUSÕES A elevada abundância com que as espécies exóticas ocorreram nos reservatórios do baixo rio Tietê, especialmente M. tuberculata e os reduzidos valores de índices de diversidade para a malacofauna revelam o impacto das espécies invasoras sobre estes ecossistemas aquáticos. Os reservatórios do baixo Tietê encontram-se sob risco de perda de diversidade da comunidade bentônica em virtude da competição de espécies exóticas com espécies nativas, considerando-se que estas últimas já se encontram em baixa abundância, podendo, em longo prazo, serem extintas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abílio, F. J. P. 2002. Gastrópodes e outros invertebrados do sedimento litorâneo e associados a macrófitas aquáticas em açudes do semi-árido Paraibano, nordeste do Brasil. Tese de Doutorado. PPG-ERN/Universidade Federal de São Carlos. 179 pp. Avelar, W. E. P. Moluscos Bivalves. Em: Ismael, D., Valenti, W. C., Matsumura-Tundisi, T. e Rocha, O. (eds.).1999. Biodiversidade do Estado de São Paulo. Vol. 4, Invertebrados de Água Doce, FAPESP, São Paulo. 176pp. Barbosa, F. A. R; Padisak, J.; Espíndola, E. L. G.; Borics, G. Rocha, O. 1999. The cascading reservoir continuum concept (CRCC) and its application to the River Tietê Basin, São Paulo State, Brazil. In: Tundisi, J. G.; Straskraba, M. eds. Theoretical reservoir ecology and its applications. São Carlos: Backhuys Publishers, p. 425-437. Companhia Energética de São Paulo. 1998. Conservação e manejo nos reservatórios: Limnologia, Ictiologia e Pesca. (Série Divulgação e Informação). São Paulo, 166p. Esteves, F. A. 1988. Fundamentos de Limnologia.Editora Interciência/FINEP.Rio de Janeiro. 575 p. Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, Universidade Federal de São Carlos, Brasil. [email protected] Trabalho Científico Freitas, J. R., Bedê, L. C., de Marco Júnior, P., Rocha, L. A., Santos, M. B. (1987). Population dynamics of aquatic snails in Pampulha Reservoir. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, 82 Suppl. 4: 299-305p. Golterman, H. L.; Clymo, R. S.; Ohstad, M. A. M. 1978. Methods for physical and chemical analysis of freshwaters. 2ed., Oxford, Blackwell Scientific Publications. (I. B. P. Handbook, nº 8).213p. Hakenkamp, C. C.; Palmer, A . M. 1999. Introduced bivalves in freshwater ecosystems: the impact of Corbicula on organic matter dynamics in a sandy stream. Oecologia. 119: 445-451. Mackereth, F. J. H.; Heron, J.; Tailing, J. F. 1978. Water Analysis: some revised methods for limnologists. Kendal, Titus Wilson & Son. Ltd, Freshwat. Biol. Assoc. Scientific Publication, n 36. Martin P. R., L. Estebenet. 2002. Spread of the Asiatic Clam Corbicula in Southern Pampas and Northern Patagônia. Journal of Freshwater Ecology. 17 (2): 331-333 Pamplin, P. A. Z. (1999). Avaliação da Qualidade Ambiental da Represa de Americana (SP) com Ênfase no Estudo da Comunidade de Macroinvertebrados Bentônicos e Parâmetros Ecotoxicológicos. São Carlos (SP). Dissertação de Mestrado. Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo São Carlos. 111p. Pointier, J. P. & Augustin, D. 1999. Biological control and invading freshwater snails. A case study. Life Sciences. v. 322, p. 1093-1098. Rosenberg, D. M. & Resh, V. H. 1993. Freshwater biomonitoring and benthic macroinvertebrates. Chapman & Hall. São Paulo 1981. Mapa geológico do estado de São Paulo. v. I e II. Mapa color. São Paulo. Publicação IPT. 92p. Strayer, D. L. 1999. Effects of alien species on freshwater mollusks in North America. J. N. Am. Benthol. Soc.18 (1): 74-88. Takeda, A. M.; Fujita, D. S.; Fontes Jr, H. M. 2004. Perspectives on Exotic Bivalves Proliferation in the Upper Paraná River Floodplain. In: Angelo Antonio Agostinho; Liliana Rodrigues; Luiz Carlos Gomes; Sidinei Magela Thomaz; Leandro E. Miranda. (Org.). Structure and functioning of the Paraná River and its floodplain. LTER - Site 6 (PELD - Sítio 6). Maringá, p. 97-100. Thompson, F. G. 2004. An identification manual for the freshwater snails of Florida. Florida Museum of Natural History.University of Florida. Gainesville, Florida. www.flmnh.ufl.edu/natsci/malacology/fl-snail/snails1.htm. Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva, Universidade Federal de São Carlos, Brasil. [email protected]