A Radioatividade Eleitoral de Amerício Monica Baumgarten de Bolle Economista, Diretora do IEPE/Casa das Garças e Professora da PUC-Rio (Publicado no O Globo a Mais de 30/10/2012) Era a reta final. Faltava apenas uma semana para as eleições em Amerício 1. Sete dias, o tempo bíblico da criação. Sete, o número simbólico da aniquilação. Alfa e Gama, os dois candidatos, subprodutos do decaimento de seu país, preparavam os seus últimos discursos, as aparições públicas finais. Sabiam que seria um momento decisivo, próximos como estavam nas pesquisas de intenções de voto e, mais do que isso, na acirrada disputa pela captura dos votos dos estados-chaves do colégio eleitoral. Alfa e Gama. Alfa-Romney, Obama-gama. Todos aguardavam ansiosamente o desfecho desta disputa. Afinal, estava em jogo o futuro de Amerício, cuja economia ainda era a mais importante daquele mundo em transição, a que determinaria como evoluiriam as perspectivas globais dali para frente. Amerício já estava em declínio há algum tempo, bem antes da crise financeira que o vitimara no ano de 2008. Países em decadência geram, como qualquer material radioativo, subprodutos tóxicos. Às vezes, isso acontece intencionalmente, quando um partido marcado por fraturas profundas escolhe como candidato um “macho alfa” capaz de ser a ponte de suas diferenças internas. Com Alfa-Romney fora assim. Alfa-Romney, cuja principal promessa de campanha, entre outras, era bombardear certo país asiático, extremamente importante para o funcionamento da economia mundial, impondo-lhe o rótulo de “manipulador da moeda”. Um rótulo não apenas pouco atraente, mas uma designação que decerto atiçaria o Congresso de Amerício e poria em marcha uma série de eventos ominosos, como a conclamação dos lobbies industriais para taxar os produtos do inimigo, o que geraria retaliações e a deflagração de uma guerra comercial 1 Amerício, de símbolo Am e número atômico 95, é um metal radioativo descoberto em 1944 pelo americano Glenn Theodore Seaborg, vencedor do Prêmio Nobel de Química em 1951. Altamente tóxico, o seu decaimento radiotivo provoca, como ocorre com todo material desta natureza, o aparecimento dos raios letais alfa e gama e, do menos maligno, raio beta. entre as duas principais potências globais. Alfa-Romney. Um elemento radioativo intencionalmente fabricado. Porém, em outras ocasiões, um indivíduo fundamentalmente bem-intencionado, alçado à Presidência por força das circunstâncias, tornava-se tóxico em razão do ambiente periculoso que herdara e que não conseguira melhorar. Obama-gama estava, há tempos, assim. Começara o seu mandato cheio de boas ideias. Mas, aos poucos, tornara-se um fardo para a população e para si, confrontado por um legislativo hostil e pela incapacidade de se reinventar como a ponte entre a crescente polarização do povo e dos políticos de Amerício. Quando não se mostrava circunspecto, sisudo e indeciso, Obamagama insistia em posar de moderado sem demonstrar, ao eleitorado, que sabia o significado da moderação política. Afinal, ser moderado não é se situar entre os polos de um debate – como austeridade vs. imprudência fiscal, ou regulação vs. livre mercado. Ser moderado é entender que estes conflitos continuarão a existir e, sabendo disso, ter a habilidade de navegar e equilibrar os dois lados do debate com políticas que atendam aos interesses do país. A atitude inadequada de Obama-gama, se posicionando apenas no meio do caminho, não como um moderado, mas como um moderador, um regulador de humor, não agradava mais ao povo de Amerício. O povo de Amerício não queria mais doses do regulador de humor econômico que já havia provocado letargia, dificuldades de visão, síndromes diabéticas e sobrepeso, especialmente do setor público. Pior. A postura do Presidente ameaçava abrir o flanco para que a continuação de um legislativo hostil, possibilidade cada vez maior na topologia política de Amerício, o prejudicasse caso fosse reeleito, tornando-o um lame duck tóxico pelos próximos quatro anos. O mundo decerto sofreria as consequências de um Amerício com alto grau de instabilidade nuclear. Duas outras ameaças pairavam tanto sobre o povo de Amerício, quanto sobre o resto do mundo. A primeira era que, com o elevado grau de disfuncionalidade política, com a presença de raios alfa e gama de cada lado do debate fiscal, não se conseguisse chegar a um acordo a respeito da renovação de benefícios sociais e de cortes de impostos que haviam sido tão importantes para impedir que a renda do povo de Amerício implodisse. Parecia que alguns desses temores eram exagerados, que nem Alfa-Romney, nem Obama-gama seriam capazes de emitir tamanha toxicidade uma vez eleitos. No entanto, restavam as dúvidas sobre as partículas que comporiam o Congresso e o Senado – mais prótons, de carga elétrica positiva, ou mais elétrons, de carga elétrica negativa. Uma coisa era certa: havia uma notável falta de nêutrons. A segunda ameaça provinha dos efeitos dos experimentos de fissura nuclear da moeda de Amerício como fonte geradora de energia para a economia, as infindáveis rodadas de afrouxamento monetário conduzidas pelo banco central do país, lideradas por um raio beta – o terceiro subproduto do decaimento de Amerício – Beta-Bernanke. Como já era de conhecimento de muitos outros países do mundo, a fissura nuclear de moedas, mais cedo ou mais tarde, resvala para uma aceleração inflacionária que pode vir acompanhada de um decaimento tóxico do crescimento. Ainda não sabemos qual será o resultado da eleição em Amerício. Sabemos, contudo, que o processo de decaimento radioativo, uma vez iniciado, não pode ser interrompido. Resta, portanto, torcer para que os líderes do país consigam conter a contaminação. Sobretudo da economia mundial.