Memória e Património: a incorporação das bibliotecas dos institutos religiosos após o advento da República e o caso da biblioteca do convento de Varatojo Memory and Heritage: the incorporation of the religious instituts’libraries and the case of the library of Varatojo convent Resumo da comunicação submetida à Comissão Científica do Congresso Histórico Internacional – I República e Republicanismo Eixo temático 6. Cultura, movimentos culturais e memória A 8 de Outubro de 1910, o Governo Provisório da República promulgava o decreto que extinguia as ordens e congregações religiosas em Portugal O decreto determinava o arrolamento e avaliação imediatos dos bens e estipulava as responsabilidades das diversas autoridades no processo. A partir de 10 de Outubro saem portarias estabelecendo para algumas comarcas a responsabilidade principal. A regulamentação do decreto de 8 de Outubro é assinada em 31 de Dezembro e publicada no Diário do Governo de 2 de Janeiro de 1911. Ora, entre os bens a arrolar constavam os livros e os “papéis”. Tal como acontecera no ciclo de incorporações resultante da lei de 28 de Maio de 1834, foi necessário encontrar um espaço onde ficassem albergados esses espólios. A Residência da Companhia de Jesus na rua do Quelhas tornou-se a sede do que veio a ser institucionalizado mais tarde com o nome de Arquivo das Congregações (AC), na dependência da Comissão Jurisdicional dos Bens das Extintas Congregações Religiosas, e tendo à frente Manuel Borges Grainha. Para aí convergiram livros, papéis e objectos variados provenientes de casas religiosas de todo o país. Ainda que de forma discreta, o AC funcionava já em sintonia com a Inspecção das Bibliotecas Eruditas e Arquivos. Porém, só em 1917 esse vínculo é oficialmente criado, pelo decreto nº 3410, de 28 de Setembro, que institui finalmente o AC, com o propósito de “recolher, organizar e inventariar o espólio documental das congregações religiosas, existentes em Portugal à data da proclamação da República” (Art.º 1). O objectivo desta comunicação é, precisamente, analisar as estratégias postas em prática para a recolha e salvaguarda do património bibliográfico dos conventos extintos, dando especial destaque, como caso de estudo, à biblioteca do convento de Varatojo (18611910). Para contextualizar as estratégias e acções subsequentes, é importante notar, em primeiro lugar, que havia uma profusão de casas religiosas, pese embora as várias tentativas de limitar o seu número ocorridas no século XIX e no início do XX. Essa situação, acrescida da dispersão geográfica dos estabelecimentos e da escassez de meios para proceder ao arrolamento e arrecadação, não facilitava o processo. Procuraremos fazer algum paralelismo com o processo ocorrido após 1834, destacando semelhanças e, naturalmente, diferenças, para as quais concorrem as mudanças de paradigma político. A orientação primeira de Júlio Dantas, enquanto inspector responsável pelo processo, ia no sentido de uma política centralizadora, promovendo a incorporação dos bens bibliográficos na Biblioteca Nacional de Lisboa (BNL) e os arquivísticos na Torre do Tombo. Em 1914, Júlio Dantas apresenta ao Governo um extenso relatório das actividades de incorporação acentuando uma visão mais patrimonialista e menos anti- congreganista do que o decreto de 18 de Março de 1911 que lançara as bases da reorganização das bibliotecas e arquivos portugueses acentuara. Assim no decreto lê-se: “ Urge recolher, installar, catalogar, connectar cuidadosamente, como peça justificativa do processo movido pello povo ao regime que o opprimia, os milhares de documentos das extinctas casas religiosas, que provam o crime de entenebrecimento do povo, os montões de papeis suspeitos em que permanece o traço da dissipação”. Destes propósitos, Dantas recupera dois aspectos fundamentais para a gestão do processo de incorporação: o primeiro tem a ver com a consagração da existência de um tratamento técnico, necessário para avaliar e conhecer os diversos documentos. O segundo institui a possibilidade de selecção dentro dos espólios, de acordo com o tipo de conteúdos e com a presumível utilidade que esses documentos podiam representar. Os livros integrados na BNL não mantiveram a sua unidade original, tal como já acontecera no pós-1834, e foram arrumados de acordo com o respectivo assunto, nas diversas secções temáticas da BNL. Um caso, porém, se destaca: a biblioteca do convento de Varatojo que não só manteve a integridade dentro da BNL, recebendo uma cota própria, mas também, por determinação de Júlio Dantas, foi recriada, numa sala, com o aspecto que tinha no convento. Este caso singular que, foi tido, na época e nas palavras de António Joaquim Anselmo, bibliotecário da BNL, como “uma feliz e original inovação em matéria bibliotecária, e um aspecto, uma evocação pitoresca e sugestiva de uma época ida e duma cultura...extintas...” será apresentado, nesta comunicação quer no que respeita às circunstâncias da sua incorporação quer, como espólio bibliográfico, na caracterização genérica do seu conteúdo. Fernanda Maria Guedes de Campos Adjunta da Direcção da Biblioteca Nacional de Portugal Doutoranda em História Moderna (FCSH-UNL) Morada: Rua do Moinho, 53 2725-096 Mem Martins E-mail: [email protected] [email protected] 2010-06-18